GRAFICA SEQ2 REDUZIDO

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Uma experincia de festejar 85porAlexAndrAcontocAni ecArloscAApAvAfestejarA experincia de86 Brincar: um ba de possibilidadesAexperinciadefestejaralgopresenteentreoshomens desde perodos muito remotos. Inicialmente ligadas plantao e colheita, as festas sempre tiveram o grande poder de unir as pessoasereforarasolidariedadehumana.Festejarumato coletivo, comunitrio, que por isso s pode acontecer de manei-racompartilhada.Entretanto,nomundoatual,estamoscada vezmaisexpostosaoindividualismo,e,assim,ocoletivovai pouco a pouco perdendo o sentido. Pensando sobre essas ques-tes,noanode2008otrabalhonoInstitutoSidartaprocurou ressignificar a festa junina, trazendo um novo sentido para essa comemorao, um evento comum nas instituies de ensino.A experinciaAideiaerafazercomqueafestafizessesentidoparaas crianas e adolescentes e fosse construda coletivamente pela comunidade escolar. O tema escolhido foi a chita, o que tornou possvel realizar um passeio pelas manifestaes populares do Brasil,reconhecendoasbrincadeiras,msicas,artesanatos, histrias,mitos,lendasevestimentas.Tambmfoipossvel, graas temtica, estabelecer um contato com momentos da histria do pas e da formao do povo brasileiro. Houve a cria-o de um espao inspirado nos barraces das escolas de sam-ba para a confeco de adereos e figurinos para o evento, uti-lizando a chita como objeto principal. Renato Ambroisi, designer txtil e estudioso da histria da chita, foi o grande mentor intelectual dessa empreitada. Con-versou com os alunos sobre sua pesquisa, orientando a equipe tcnica no sentido de potencializar essa temtica com outras reas do conhecimento. Nas aulas de msica, os alunos foram convidados a realizar umpasseiopelasfestas,quecomeoupelascomemoraes dos solstcios de inverno e de vero, e passou por diversas ma-nifestaes da cultura popular brasileira, como brincadeiras de roda, cacuri, caboclinho, ciranda, lundu, coco e a tradicional quadrilha caipira. Em primeiro lugar, refletimos sobre as festividades pags na Europa, quegiravam em torno das grandes fogueiras relacio-nadas aos rituais de fertilidade praticados em vrias culturas. DepoisexploramosasmanifestaesnoBrasil,ligadasao catolicismo, primeiro em homenagem a So Joo, comemorado em 24 de junho, depois se estendendo a Santo Antnio, no dia 13,SoPedro,nodia29,eSoMaral,nodia30.Osfestejos agradeciam pela boa colheita, mantendo o fogo aceso para es-pantar os maus espritos que pudessem atrapalhar as futuras plantaes. Conclumos que as festividades juninas celebram a vida, o sol e o elemento fogo transformador, que gera luz e calor, que transforma gua em vapor, vapor em nuvem que traz a chuva, a qual rega a terra e fertiliza as sementes que alimentam a vida. Todo esse percurso foi explorado com as crianas e adoles-centespormeioderitmos,canes,movimentos,figurinos, instrumentos musicais e histrias das manifestaes que cada regio ou comunidade leva para perto de sua fogueira junina. Essascomunidadesforamrepresentadaspornossosalunose cadagruposeaprofundounosconhecimentosadquiridose compartilhou-os com os demais.Vale destacar alguns momentos da experincia vivida com as crianas de 5 a 6 anos. Esse grupo explorou o cacuri, uma dana de roda brincada nas ruas e praas de So Lus do Mara-nho que tem origem na festa do Divino Esprito Santo. Uma experincia de festejar 87Por meio da chita tornou-sepossvel fazer um passeio pelasmanifestaes populares do Brasil Beatriz Corts88 Brincar: um ba de possibilidades Beatriz CortsUma experincia de festejar 89Aps as obrigaes religiosas, acontece o carimb das caixei-ras (devotas do Divino Esprito Santo, tocadoras de caixa) no qual se brinca o cacuri, em forma de cordo ou roda. Enquanto alguns participantes batem palmas, outros batem na caixa e inventam versos, formando um ritmo para comear a dana e movimentar o corpo. Em geral as letras das msicas indicam os movimentos da dana, o que torna a brincadeira mais atraente e divertida. Paraessascrianas,ocacurifoiintroduzidodemaneira ldica, por meio de uma narrativa que envolvia as canes. Foi contada a histria de um menino caador de carangue-jo que, aps a caa, vende o animal na feira. No meio da nar-rativa as crianas foram convidadas a caar caranguejo dan-ando e cantando:Caranguejinho, t andando, t andandot na boca do buraco,caranguejo, sinhDesde que o cacuri foi apresentado para as crianas, elas se envolverammuitocomessamanifestao,pareciamencar-la como uma brincadeira divertida, que fazia muito sentido. Tal foi o envolvimento que, quando questionadas sobre o que fazer na festa junina, trouxeram vrias sugestes relacionadas ao cacu-ri. Durante os preparativos para a festa, a questo da colheita ficou em evidncia, muito se falou nas comidas tpicas, inclusive foi organizado um piquenique junino, no qual no faltou milho cozido, pipoca, canjica, p de molequee outras iguarias. No momento da escolha do repertrio, as crianas tambm es-tabeleceram relaes entre as msicas do cacuri e a questo da colheita e da alimentao. Fizeram questo de incluir no repert-rio que seria apresentado na festa a msica Macaco pisa o milho:O macaco pisa o milhoPloc, ploc, plocNo pilo da sapucaiaPloc, ploc, ploc90 Brincar: um ba de possibilidadesEle pisa, ele cessa Ploc, ploc, plocNa barra da sua saiaOutracoisacuriosafoiaescolhadamsicadoavio.As crianas relacionaram-na ao fato de termos falado de diversas manifestaes de vrios lugares do Brasil e tambm ao fato de estaremfazendoosfigurinosparaafestautilizandoachita, que nasceu na ndia e foi estampada na Frana, vindo depois para c. Acharam que no poderia faltar um avio para trazer a chita at nossa festa. Meu avio, ele vem do CearEle vai pousar num campo de aviaoEu dei com a mo para ele pararEle parouDesligou o motorE devagar pousou no choDurante a festa as crianas danaram de maneira descontrada e ficaram bastante orgulhosas em convidar seus pais para partici-par da brincadeira. Saram muito entusiasmadas da festa. Helena, aluna de 5 anos, escreveu em seu dirio: Eu nunca vou esquecer esta festa junina, dancei muito com as minhas amigas.Pelaobservaodafesta,pudemosperceberquepossvel fazer com que um processo educativo seja transformador e sig-nificativo. Todos, das crianas pequenas aos adolescentes, pu-deram captar a dimenso coletiva do festejar, construindo tudo juntos, desde a roupa at a dana, o que possibilitou a realizao de uma experincia da ordem do compartilhar.Os alunos do Ensino Fundamental I e II, adoradores de rock e de outros estilos musicais, voltaram o olhar para a Pangeia, atravessaramcontinentescantandocomcaiaps,xavantes e cariris; danando samba, lundu e coco. Ouvimos blues, jazz Uma experincia de festejar 91 Beatriz Corts92 Brincar: um ba de possibilidadese bossa nova. Com base nesses ritmos houve criaes em tor-no da temtica, como ilustrado ao lado. Assim, pudemos perceber que o barraco se tornou a alma do evento. Foi uma soluo simples para envolver toda a comunida-de escolar na preparao da festa. Um espao colorido, que tor-nou-se um ponto de referncia e de experincia do aprendizado tericosobreachita,comdisponibilidadedemateriaisvaria-dos. Todas as turmas visitaram o espao com seus professores e o frequentaram em horrios livres de forma regular. A ideia cen-tral no foi produzir algo individual, mas alguma coisa que pu-desse ser usada no coletivo da festa, um exerccio de fazer para outro. A preparao se transformou em um evento to significa-tivo quanto a festa em si. Afinal, o melhor da festa prepar-la. Atrelar a temtica da chita e assim, da histria do pas, a outrasreasdoconhecimento,mostrouqueesseconheci-mentonoesttico,engessado.Areproduodeumfazer antigo a customizao de tecidos e sua efetiva aplicao no cotidianotrouxeparaamodosmeninos,etambmde seus pais e mes que participaram das atividades propostas noespao,umaproximidadequeproporcionouumtrabalho conjuntoentrepais,filhoseeducadores,mostrandoatodos os envolvidos quanta qualidade pode ter uma atividade desse tipo, que atrele informao, conhecimento, fazer e reflexo. Houve uma proposta de situao de escolha tanto na pro-duo do interior do barraco, quanto na seleo das manifes-taes a serem vivenciadas, gerando de fato autonomia e en-volvimento. E quando finalmente chegamos hora da quadrilha, tivemosaoportunidadedecompartilharumacirandacultural quereuniuumacomunidadeagoraumpoucomaisexperiente com o ato de festejar. Beatriz CortsUma experincia de festejar 93FESTA MULTICORLetra: Bruno Cruz e 7 Srie Sidarta 2008Parodia da cano Garota de IpanemaOlha que chita mais linda, mais cheia de graa este tecido que vem e que passa Num suave balano a caminho do arrai Chita indiana estampada em terra francesaFlores multicores, veja que beleza a roupa mais linda que eu j vi passar Oh, como a chita bacanaOh, um jardim nela existeOh, aqui ningum tristeA beleza do seu coloridoNas camisas, calas e vestidos. Ai, a festa junina aqui no SidartaPlantamos cultura, a colheita fartaE tudo to lindo por causa da cor,por causa do amor94 Brincar: um ba de possibilidadesComemorar o aniversrio...Como isso pode ser bom! porclaudi asi quei ra96 Brincar: um ba de possibilidadesTenhomuitasrecordaesdasminhasfestasdeanivers-rio...Alis,quemnoselembracomsaudadedessasfestas? Reunirosamigos,cantarparabns,comerosdocinhoseo bolo. O ponche de groselha, com gua com gs e frutas pica-das, era a sensao!Mas, para falar bem a verdade, o maior prazer da festa era prepar-la. Sentar noite para fazer a lista de amigos, pensar comoseriamosconvites,desenh-losumaumepint-los issoeramuitobom!Distribu-losparaosamigosdarua,da escola, para os primos. Ajudar a av e a me a fazer po de l, depois rechear com doce de leite e, por fim, muito prazeirosa-mente, fazer a cobertura de clara de ovos batidos ( mo) com acare suco de limo, colocar o creme branco como uma nuvem em um saquinho de leite bem lavado, com um peque-no furo feito com agulha, e desenhar no bolo todo, fazendo flo-resetraadoscruzadosparaparecerumacesta.Enrolaros beijinhos e os brigadeiros era uma farra! A quantidade final era sempremenordoqueaprevistaporminhame.Tambm, quemmandavapedirajudadecriana...Comessacombina-o, criana e massa de brigadeiro, temos de convir que sem-pre algum ia para a barriga! Por falar em barriga, tem ainda a parte mais legal da festa: o direito de lamber as panelas! Lembro-me de que a minha av sempre dizia que no era para lamber a travessa da massa do bolo, pois a massa iria fermentar na barriga. Eu at imaginava aquelamassacozinhandodentrodemim,masavontadeera maior, muito maior! Os dedos, uma destreza tamanha, se reve-zavam entre a travessa e a boca, numa rapidez de fazer inveja... E tinha de ser rpido mesmo, antes que elas (me e av) soltas-sem a to temida ordem: Agora chega! Vai lavar as mos!Travessas e tigelas amontoadas pareciam uma construo em cima da pia. O aroma de baunilha invadia os cmodos da casaeascoresdasdiferentesmassasembelezavamainda mais a cozinha. Quando falamos de memria, a cozinha um espao que sempre est presente.No dia da festa, havia uma mesa com o bolo e os doces, e muita brincadeira com os amigos. Mas era brincar muito!Eu me recordo que era um brincar bom, porque minha me-mria de um bom brincar fala de bolinhas de suor em cima do nariz e em volta da boca, nuca molhada e cabelo colado na tes-ta. E que, de vez em quando, a me parava a brincadeira e, com a mo, tirava o cabelo do olho. Engraado... No me lembro de presentes... No que no exis-tissem, at acredito que sim. Mas me recordo de pessoas, do que fizemos e de como era especial. No dia seguinte, a festa continu-ava com os amigos da rua: sempre sobrava bolo, que virava o lan-che da tarde, acompanhado das lembranas do dia anterior.Formas de comemorarA minha memria de aniversrio pode ser bem diferente da-queladascrianasdasociedadeatual.Asfestassetransfor-maram em verdadeiros eventos, com necessidade de planeja-mento oramentrio! Uma festa pode custar meses de salrio dafamlia.Temfamliaquechegaafazerpoupana,ouat emprstimo com esse objetivo. Festas em casa no so mais to frequentes. Os bufs infan-tis invadiram os bairros, as cidades, e vo dos mais simples aos maissofisticados,combrinquedoseletrnicos,crianasvesti-das de prncipes e princesas ou personagens da moda saindo da fumaadegelosecoparacantarparabns.Trocasderoupa, david reeksComemorar o aniversrio... 97O ponche de groselha, com gua comgs e frutas picadas, era a sensao! 98 Brincar: um ba de possibilidadessemprepoucoconfortveis,ebrincadeirasqueincitam a competio e muitas vezes ridicularizam as prprias crian-as so o acontecimento.A maioria dos pais pouco interage com os filhos nesse tipo de festa. Geralmente ficam comendo e bebendo, em um espao diferenciado, com os amigos. Muitos desses bufs tm espao para criana e espao para adulto. Quem quer ficar no meio de crianas em uma festa feita para elas? Os monitores... Afinal de contas, eles so pagos para isso!Penso que essa festa, com tanto significado, perdeu seu to-quehumanizadoquandodeixoudeserrealizadanacasadas crianas e migrou para espaos estreis e sem identidade. cla-ro que estou generalizando; h alguns espaos profissionais que estobuscandoalternativasmaishumanizadasparaatender um filo de clientes que no seadapta a bufs convencionais. O bsico de uma festaAsescolastmumpapelimportanteemrelaoaessa questo: elas podem ajudar as famlias a refletir sobre a impor-tncia da comemorao. E, mais alm da celebrao em si, so-bre a forma de comemorar. Temos de mostrar para as crianas que o importante estar junto com os amigos, fazer o bolo, enfeitar a sala, cortar peda-os coloridos de papel e montar cartes com desenhos e textos queseroguardadosparatodaavida!Asescolasdeveriam organizar uma poltica coerente com a sua linha filosfica para fazer esses eventos. Famlias que optam por organizar a festa com os filhos em casa tm uma comemorao to boa quanto aquelas que a re-alizamemespaosprofissionais.Istoporqueaquestono est no local, mas na inteno, na participao, na interao e no sentir-se parte. Afinal de contas, aniversrio acontece uma vez ao ano e uma idade de cada vez. E o tempo no volta mais. Talvez no seja necessrio o glamour de idades eleitas, como a de 1 ano e 15 anos... E o que ficou pelo meio? No deve tam-bm ser comemorado e celebrado?Festas de aniversrio so momentos mgicos e esperados. So muito importantes e faro parte da memria de infncia denossascrianas.Poressemotivodevemsercuidadase nobanalizadas.Oqueascrianasqueremmuitomais simples do que ns adultos podemos conceber estar com osamigos,brincar,ganhargotinhasdesuorpelorosto,nas pontasdocabelo,edepoisreunirtodosemtornodeuma mesa de qualquer tamanho, cantar parabns com um sorriso largo no rosto e dividir o bolo com quem faz parte de sua vida! Bsico, simples e possvel! Preservar essa celebrao muito importante, no s pela questodotamanhodacomemorao,masprincipalmente peloritualepelosimbolismoqueafestadeaniversriotraz para a criana, para sua famlia e tambm para todas as pesso-as prximas, com quem ela convive.Festas so momentos mgicos e esperados david reeksComemorar o aniversrio... 99um trabalho de formao de educadores em Helipolisporrenatamei rellesBrincar se aprende brincandoBrincar se aprende brincando 101um trabalho de formao de educadores em Helipolisporrenatamei relles102 Brincar: um ba de possibilidadesBrincar se aprende brincando, e brincando que se d senti-do s descobertas e que se busca a autorrealizao. O trabalho de formao de educadores dos Centros de Edu-cao Infantil em Helipolis, na Grande So Paulo, organizado pelo Instituto Sidarta em parceria com a marca OMO, acredita que essa premissa no se esgota na infncia. Dessa forma, leva esseconceitoparaquemestfrentedaatividadecomas crianas:diretores,coordenadores,educadoreseequipede apoio (cozinheiras e pessoal da limpeza) de 10 CEIs (Centros de Educao Infantil) em Helipolis1. Ao todo so 220 adultos dis-postos a discutir e trocar propostas, alm de vivenciar um en-contro com o brincar e a aprendizagem pela experincia.Esse projeto iniciou-se em 2008 com a entrega de Parques de Brinquedos aos CEIs ento administrados pela Unas (Unio de Ncleos, Associaes e Sociedades dos Moradores de Heli-polis e So Joo Clmaco) e com o cuidado de no se esgotar nadoaodessemobilirio,masalcanaroprincipalrecurso das instituies: as pessoas que as compem. O vivido que sobreviveO foco central o brincar, e a opo por firmar-se nas es-pontaneidades que as crianas criam para uma descoberta de si mesmas. Um caminho para acreditarmos mais e mais que o brincarregadodesentidoseconstruessuficientemente significativas, de modo a podermos, sem medo, deixar que as crianas brinquem sossegadas.Como ento atuar no papel de educador dessas crianas?O Projeto Brincar em Helipolis sensibiliza o educador par-tindo do seu fazer e da sua vivncia, em um percurso de busca de sentido e autorrealizao, priorizando e fortalecendo o indi-vduo em detrimento da instituio um processo dinmico e reveladordeumpotencialnicoeparticulardecadaumdos participantes, que, reunidos em grupos, constroem estruturas slidas carregadas de sentido.Maisdoquepreencherlacunasdeconhecimentoseinfor-maes especficas sobre educao e desenvolvimento infan-til, priorizou-se a experincia vivencial, que dialoga com o cor-po e com gestos j conhecidos, para assim abrir-se e expor-se ao vnculo primordial com a criana: o brincar.Ou como bem nos diz Guimares Rosa: Somente o verda-deiramente vivido sobrevive.Um ato de construoUm convite ao fazer junto ousando e arriscando-se na construoconjuntadedescobertasesabereseaoexpor- -se, como alternativa a conduzir aes autoritrias, restritivas ou impostas em prol de fundamentos metodolgicos esvazia-dosdesentido.Oquenosignificaafastar-sedopapeldo educador,quereconheceaconstruodeconhecimentoda criana,entendeevalorizaascaractersticasculturaisde cada realidade, est integrado s novas perspectivas educa-cionais e cria mecanismos autnomos de estratgias e aes que potencializam e ampliam o fazer dela. Esse projeto visa abrir o canal da livre expresso da infncia acolhendo e respeitando suas tentativas, iniciativas e desejos. Nosetratadeumespontanesmoingnuonoqualvigora o afastamento do educador para dar espao ao laissez faire, ao fazer por fazer, como se fosse suficiente conceder s crianas a oportunidade de brincarem livres, acreditando que, como num passe de mgica, todas as necessidades delas seriam supridas.Brincar se aprende brincando 103 renata meirellesO brincar regado de sentidose construes significativas104 Brincar: um ba de possibilidadesBrincar um ato de construo e de autoexpresso por meio da criao e experimentao dos recursos disponveis. O que seria mais srio e fundamental para ns seno nos conhecer-mosenosconstruirmoscomopessoas?Afinal,nodisso que trata toda a cincia?Porm, ningum se constri em processos solitrios e sem referncias. Temos todos intensa necessidade de vnculo com outraspessoasedamediaodelas.Procuramosnosoutros atitudescoerentes,firmesesensveisquenosajudemadar base ao nosso prprio ser. Dentro de uma creche isso significa oeducadorpoderabrirmodadistnciacontroladoraepor vezes mecnica, de ficar arrumando o grupo dentro de uma ordem cega, para vestir-se de atitudes humanas mais prxi-mas da criana. Buscar um dilogo verbal e no verbal com o grupo, sem lanar mo de um autoritarismo arcaico que nada constri, e conseguir aceitar a seriedade do brincar.Dessa forma, mantemo-nos firmes na expresso gestual e verbaldainfncia,quenoperdeachancedeguiarnossos caminhoscomoeducadores.Organizamosnossosfazeres combasenaobservaoatentadobrincarespontneodas crianas para, ento, criar uma relao efetiva com a experi-nciaeducativaefortaleceraatitudeeoplanejamentodos educadores. Um aprender fazendo junto com os alunos e esta-belecendovnculosvivenciaispara,emseguida,estruturar as ampliaes culturais, fundamentais na construo de co-nhecimento das crianas. Assumimos, portanto, nosso papel de aprendizes da infncia como forma de no sucumbirmos tentao de nos tornarmos autoridades da informao, do sa-berconceitual,e,assim,corrermosoriscodenosdistanciar-mos daquilo que nos mais caro: a infncia em sua essncia.Nesse sentido os nossos eixos de trabalho tm sido:1. Valorizao da cultura ldica dos participantes, estabe-lecendoconexescomaimportnciadassimplicidades do brincar.2.Validaoeestmulodobrincarespontneonoespao escolar.3.Reflexeseprticasobrebrinquedosnoestruturados, um importante recurso de autonomia e flexibilidade de aes.4. Sensibilizao sobre o brincar em espaos externos e so-bre a importncia do corpo como fonte de experincia.5.Valorizaodanaturezaedosquatroelementoscomo organizadoresdeexploraesedescobertasfundamentais autocompreenso.6. Reorganizao do tempo e do espao do brincar como alia-dos das expresses das crianas.O tempo do brincarHquesedarchancescrianasdeexperimentarem o mundo, mais ou menos como os cientistas fazem. Uma crian-atambmumcientista,umantroplogo,umveterinrio, umartista,desdeahoraemqueselevantaatadormecer. Acordavidaporconhecernovaspalavras,novasformasde amassar uma folha de jornal, por investigar como o vento bate nas folhas do jardim, como a tinta verde se mistura com a azul, e assim por diante. Caso a criana seja submetida a um rgido programa de di-versificao de atividades, ela corre o risco de intensificar suas ansiedades e no alcanar um aprofundamento no que se pro-peafazer.Maisoumenoscomoseumdiadissessemaum cientista de laboratrio que ele tem 20 minutos para testar um Brincar se aprende brincando 105Uma criana tambmum cientista, um antroplogo, um veterinrio, um artista,desde a hora em que selevanta at seu adormecer106 Brincar: um ba de possibilidadesnovoexperimento.Ouaumartistaqueeletem20minutos pararealizarumaobradearte.Seelesseriamincapazesde organizar os frascos necessrios para fazer suas misturas e ini-ciaralgosignificativo,imagineumacriana!Umatocriativo exige entrega, dedicao, ateno, tentativas, diversas repeti-es, e no possvel isso ocorrer em to pouco tempo.Imagine um menino de 2 anos investigando, em 20 minutos, a magia das misturas de cores quando encontram a brancura de umpapel.Leve-seemcontaqueeleterdedividiratinta,o pincel e o espao com outros meninos sua volta, que estaro fazendoomesmomovimento.Ovnculocomopapel,comas cores e principalmente com a magia do experimento no se es-tabelece nesse espao de tempo. Inclua-se a a falta de disposi-o para fazer a investigao naquele momento. No todo dia queseacordacomodesejodeserelacionarcomamagiadas cores. Haver dias em que ele estar muito mais disposto a cor-rer atrs de uma bola, esconder-se ou construir um castelo. O tempo disponvel para o desempenho de uma determina-datarefadeveriaserdefinidoporquemaestexecutando, e no por algum distante dela. Assim como a expectativa de criar um resultado final com base na experincia tambm de-veria corresponder s necessidades do cientista/artista e no de algum alheio a ela.Aqui temos ento alguns impasses a resolver quando se trata de um trabalho em creche no qual grupos de crianas passam diaria-mente por diversas atividades planejadas por educadores. Comodialogarcomasnecessidadesesingularidadesdas crianas de uma creche frente a um batalho de compromissos temporais e organizacionais criados e impostos pelos mais di-versos sistemas que a regem? Jardineiros da aprendizagemO Projeto Brincar sugere concentrar-se na observao aten-ta da criana e deixar que ela nos sensibilize com seus muitos fazeres e saberes. Com base nessas observaes, elaboramos reflexes, apoia-das em textos, imagens e antigas experincias, que fortalecem e validam o brincar como espao de aprendizagem pela experi-ncia. Novas referncias, manifestaes culturais, materiais ou projetos especficos, que ampliam a construo de conhecimen-to infantil so estimulados a se apoiar nessa observao.Soasprpriascrianasnosajudandoaentenderseu tempo de aprendizagem, suas buscas e necessidades, e a fre-quncia com que repetem determinadas tarefas. Vale alertar que isso no significa permanecer no papel de controlador distante, como um salva-vidas de crianas, im-pedindo que elas se afoguem em suas diabruras. O educador, nesse espectro, uma espcie de jardineiro. Daqueles que entendem do preparo da terraesabem aguar-dar a poca certa para semear. Ele conhece o valor da poda, esse limite que impulsiona a plantaadesenvolver-senoseuplenopotencialesabeque muitaguaouadubo,pormaisnutritivoquepossaparecer, podechegaramatarcertasespciesdelicadas.Entendee respeitaasnecessidadessingularesdesol,sombraeadubo para cada tipo de planta. Dessa forma, ele aquele que tem o conhecimento arraigado no corpo, fruto da vivncia pessoal, queaprendefazendojuntoenosepreocupaemaceleraro tempo natural de desenvolvimento de ningum, porque j en-tendeu que, cedo ou tarde, planta que foi bem cuidada e esti-mulada floresce e d frutos. renata meirelles1108 Brincar: um ba de possibilidades1. Brincadeira prediletaPara ilustrar o que foi dito, convido Caio, um menino de 3 anos que frequenta o CEI Girassol, para nos apresentar sua brinca-deira predileta: preencher uma garrafa com areia.2. A descoberta do quaseCaio repete a ao cuidadosamente at o ponto em que a gar-rafa tenha metade de seu contedo preenchida. Tira-a do cho e comenta: Est quase pesada! Quando chega a essa conclu-so, delicia-se pelo fato de existirem no mundo objetos quase leves e quase pesados. Esse conceito do quase ele define por meio do seu prprio desejo e entrega na experincia.3. Amigos, amigos. Areia parteEm seguida recebe a visita de um amigo, que, silenciosamente, passa a realizar a mesma tarefa a seu lado. Depois de algumas tentativas esse amigo se d conta de que agregar esforos pode deixar a tarefa ainda mais eficiente e divertida, e prope a Caio juntar as garrafas. O desafio agora acertar as embocaduras.4. Sempre cabe mais umLogoemseguida,aparecePablo,queseofereceparabrincar com eles. Com menos cuidado que os outros dois, inicia a mes-ma funo. Caio surpreende-se com a forma um tanto afoita e descuidada do colega.Caio e a garrafa de areia4 32 1 renata meirellesBrincar se aprende brincando 109Caio e a garrafa de areia7. Comeando de novoComo brincar um ato em processo, uma experincia cont-nua, no uma busca de resultados, os garotos despejam todo o contedo para poderem fazer tudo novamente.8. At quando?Permanecem seduzidos nesse fazer at o momento em que so chamados pela professora para lavarem as mos para o almoo. 5. Sem derramarEm vez de reprimi-lo, cria uma estratgia de incluir seu erro na brincadeira. Com seu potinho de iogurte ao lado da boca da garrafa, resgata as sobras desperdiadas, recolocando-as na garrafa.6. O final da brincadeira?Os meninos seguem fazendo e aprendendo juntos at que final-mente definem que a garrafa est cheia. E agora, pessoal, o que vo fazer?, pergunto. Respondem fazendo: levam a garrafa pesa-da para despejar todo o contedo de volta no tanque de areia.8 765 110 Brincar: um ba de possibilidadesReconhecer o pertencimentoOlhando em volta, nota-se que outras crianas, cada qual suamaneira,repetemomesmogestodepreenchergarrafas. Fazem isso no por obrigao ou sugesto de um adulto, mas porencontraralialgoqueascompleta,desafiaeestimula. Um ato to simples como esse de encher garrafas, e to deseja-do pelas crianas, no pode nos escapar assim to facilmente como se no fosse importante.Assim, seguimos valorizando nesse projeto o contato com a na-tureza e seus elementos. A criana precisa reconhecer desde cedo seu pertencimento natureza, sentir-se parte integrante dela e no um dominador distante e capaz de modificar suas regras e limites. Ela pede constantemente para brincar com gua na areia, com o barro,paraacenderumafogueira,fazervoaralgunsbrinquedos. Um canal que no deveria ser entupido no transcorrer da vida.O valor da simplicidadeOutro aspecto bastante explorado nesse projeto a utiliza-odoquechamamosdebrinquedosnoestruturados.So materiaisdousocotidianoquenoforamcriadosparaservir como brinquedos, mas se prestam a isso. Objetos como caixas depapelo,tecidos,retalhosdemadeira,cordas,pregadores, tubos, canos, tbuas, pneus, cestos, garrafas plsticas etc. so uma tentao para se inventar as mais diversas brincadeiras. Permitem criar solues sem propor respostas certas, como ge-ralmente o fazem os brinquedos que se nomeiam pedaggicos aqueles nos quais a pea s se encaixa caso se acerte o exato espaodefinidoparaela.Ora,avidacheiadediversasres-postas para um mesmo desafio, ento por que tentamos mos-trar s nossas crianas que uma nica resposta a correta?Estimula-se, portanto, que cada educador saia caa de obje-tos diversificados que possam ser obtidos a custo zero. Alm de no precisar ficar esperando que a coordenao chegue das com-pras para poder realizar suas atividades, o educador sente-se livre ecomautonomiaparaaprenderjuntocomascrianastodasas diversas formas de uso de um mesmo recurso. H uma reduo do consumo e da dependncia da indstria de brinquedos, e um est-mulo livre expresso.Essa viso tem causado amplo impacto no trabalho efetivo nos CEIs. Existe um entusiasmo geral por parte dos educado-res e pais, que trazem o que encontram pelo caminho e que acreditam ser interessante para as crianas. A familiaridade com essa reutilizao de materiais vem da memrialdicadessesadultos,que,nafaltadecondies para comprarem seus brinquedos, criavam diferentes estrat-giasparaconstruremcarrinhos,bonecas,pipasetc.Isso gera um acesso aos saberes culturais dos educadores e pais da comunidade.Em Helipolis, cada qual vem de um canto do Brasil e, por-tanto, traz consigo cantorias e brinquedos de sua regio. A es-timulao da prtica dessas brincadeiras na formao dos edu-cadoresvemfortalecendoovalordessariquezaculturaleda diversidade de gestos espalhados pelo Brasil. Crianas,educadoreseformadoresdesseprojetotmsido beneficiados com essa brincadeira de aprendermos uns com os outros o valor da simplicidade.NOTA1 CEIs conveniados Unas Unio de Ncleos, Associaes e Sociedades dos Moradores de Helipolis e So Joo Clmaco: CEI Mina, CEI Girassol, CEI Padre Pedro Ballint, CEI Margarida Maria Alves, CEI Jardim Clmax,CEI Paulo Freire, CEI Vereador Francisco Batista, CEI Josefa Jlia, CEI Helipolis I e CEI Helipolis II.A vida tem diversas respostaspara os mesmos desafios Outras crianas, a mesma brincadeira renata meirellesBrincar: Um Ba de Possibilidades

dentro e fora da escolaporSorai achungSauraNatureza, espao e tempo 113Brincar: Um Ba de Possibilidades 114OuviemMinasGeraisqueparaconhecerumapessoade verdade bom que se d uma volta a cavalo junto com ela. Foi em uma cavalgada que conheci Cleiton Rafael da Silva, um jo-vem de 17 anos compenetrado e trabalhador, cuidador de cava-los. Andvamos por morros de campo de altitudes, serras ge-rais, vamos do alto o mundo inteiro e a parede da serra de So Jos,umabelezadedarnnagarganta.Montados,ramos maisaltosainda.Nocho,oscachorroscorrendopeloscam-pos, perseguindo siriemas. Cleiton, calado e srio, vira falador quando insisto em perguntar sobre a sua sabena: os cavalos. Tenho visto o menino trabalhar nas baias: trata dos bichos, sabe limpar os espaos, lavar cochos. Na hora da comida e da gua, corta capim, pica capim, busca serragem. Deixa os freios todos em ordem, deixa o servio todo organizado.Agora, vejo-o montar com maestria, cavalga um bicho imen-so, lindo, marrom, conversa com ele, faz doma, treina e mostra comoandaapasso,firmenasela,segurandocomaspernas. No apeia para abrir as porteiras. Seucavalosapateia,andaparatrsporforadosarreios, esturra e empina, gigante rodando sobre duas patas. O menino se concentra, acompanha o movimento, fala a lngua do bicho, zune chicote no ar. O cavalo empina mais alto ainda, mas por fim cede ante a coragem do menino e, assim, calmo e domado, ganha seus afagos. Segundoele,aprendeucomAdrianoTrindade,omelhor montador daquela regio, a lida no trato dos animais. Andava atrsdeledesdemenino,aprendendoolhando,cincoanosde idade e j doido atrs dos bichos. O moo teve pacincia para ensinar,bravoeeducado,caladoecompenetrado,gostando dascoisascorretas,quetivessecompromisso.Hoje,trabalha com ele: j sabe dar remdio aos cavalos, injeo, tratar garrou-tilha(gripe),puxarpotronocabresto,cortarcrinaearrumar pelo.Atualmente,aprendeaferrar,batendocravosnocasco dos animais. Em concurso, anda sempre com os cavalos mais bonitos e aprendeu a atentar no juiz. Diz que falta mais experi-ncia para deixar bicho certo na rdea parando, virando, re-cuando. Tambm para cuidar de gua mojando.Tenho ainda muito que aprender, arremata.A escola do menino Fazia tempo no via tanta desenvoltura na relao do homem comanatureza.Obviamenteperguntodaescola:Nogosto, escola no para mim. Termino o ensino mdio porque sou tei-moso.Porqueaescolanoparaessemeninosabido?Ele mesmorespondeporqueinquieto,difcildepararsentado na cadeira. E de porqu em porqu vai relatando todo um uni-verso nosso conhecido: porque repetiu a sexta srie e ficou mar-cado pelos professores. Porque no o tratam com respeito, ento no merecem o seu. S tem afinidade mesmo com uma profes-sora. Essa tambm gosta muito dele. Histria ruim da escola oquenofaltanorepertriodorapaz.Deassdiosvelados, como a perseguio e a chantagem de alguns professores, at os escancarados, como quando foi obrigado a engolir uma bola de papel que jogavam, ele e os colegas, em uma aula de portu-gus. Detesta portugus. Assim, de histria em histria, che-gamos ao nosso destino. Acaba a cavalgada.Fizquestodeconhecerocolgio:semnovidade,iguala tantosoutros:quadrado,comgradeseporquenofeio. Sabemos que essa escola no exceo: gostam de grades e cadeados, revelando sobretudo sua no interao com a comu-Natureza, espao e tempo 115

J oogui mareSroSa Brincar: Um Ba de Possibilidades 1163 rosa gauditanoSalaMaracatu ruralNatureza, espao e tempo 117nidade. Poderia ser bonita e singela como toda a cidade, mas no . Por dentro, escura, cinza e gelada. Serviam a merenda, a quadra estava trancada e os meninos se espalhavam pelo p-tio, parecia at que saam para banho de sol. Nada da nature-za l fora. S instituio. Pudera o menino no gostar dali. Nin-gum gostaria.Cleiton j aprendeu, mas por fora do vcio gosto de enfatizar: a natureza influencia a vida dos homens desde o incio dos mun-dos, mas a escola se esquece dela. Como fazer para lembrar-se? O que aprender da sabedoria do menino e de comunidades tra-dicionais,integradasnatureza?Porqueoaprendizadoque possuem de nada serve nesse espao? Aonde vamos assim? Tempo ritmado, circular e afetuoso Asculturaspopularesecomunidadestradicionaisman-tm uma relao peridica com a vida com a qual nos desa-costumamos, civilizados e institucionalizados. Atuam com a inteno de complementar homem e natureza e no de sepa-r-lodela.Dessamaneira,otempodiscorrecclicocomoas estaes,redondo,comfluidezeritmo.Otempomarcado porpontosparaondeiremosretornarmaisvelhosesbios, com dores e alegrias, padecimentos e felicidades inerentes a todos os seres humanos. Maisobjetivoseracionais,aprendemosamedirotempo cronologicamente. Assim, ele avana em linha reta, conduzin-do-nos diretamente a um fim. Menos angustiante, o tempo c-cliconosdaseguranadoritmonestemundodinmicoe mvel.Apossibilidadederepetiroquejsefoimgica.A possibilidade de estar melhor em um tempo vindouro tambm. Avistadeummundoquegiraconstante,quempartiu,quem ficou, quem chegou, quem cresceu, quem morreu, quem nasceu, traz reflexes de humanidade. Como os ciclos da natureza, esses anos no possuem nmeros, pois o que se mede no so as coi-sas futuras ou passadas, mas sua espera e sua recordao1. No hemisfrio norte as estaes do ano imprimem de certa forma esse ritmo aos homens, demarcando o tempo e sinali-zandopassagens.Estassoclarasebvias:estamosnoin-verno sem sair de casa ou no outono postados contemplativos ebuclicos;naprimavera,faceirosounovero,expansivos. No hemisfrio dos trpicos quem nos auxilia nesse processo de passagens da vida so as nossas festas. As que se repetem todo ano, ano aps ano. Talvez por essa razo nos coloquemos maisfestivosnanossaexistnciadoquenossoscolegasdo outro lado do planeta. Assim,darsignificadoaotempo,acomodando-oemnossas vidas,aconchegandoeassimilandonossaspassagensemcele-braes e rituais, alinhando-nos com a natureza, uma das razes para que as festas estejam presentes na humanidade, nos quatro cantos do planeta, das mais diferentes formas e sob os mais dife-rentespretextos.Quemhdenegarsuaimportncia?Porque deixamos, objetivos e prticos, de reconhecer as festividades, por que abrimos mo de celebraes em detrimento de outras ativida-des? Por conta de que viveremos isolados, sem dar sentido ao tem-po e sem celebrar a vida? E por que essas festividades comunit-rias raramente esto presentes no espao da escola? Nas culturas tradicionais, fazer festa se configura como ati-vidadeimprescindvelenecessria:obrigaocomavida, conosco, com nossas famlias, com os santos. Tanta dedicao nos preparativos, tanta disposio para os festivais atestam a importnciadessasatiVIDAdes,emlocaisondeaobrigao Brincar: Um Ba de Possibilidades 11821 1 rosa gauditano | 2 adriana mattosoFesta do Divino Esprito Santo Chapu de vaqueirodo Bumba meu BoiNatureza, espao e tempo 119no est dissociada do prazer, o homem no est separado da natureza e o tempo vai de braos dados com o espao. Meu amigo Marcelo Gabriades explica que os gregos des-crevem este nosso tempo sob trs perspectivas: Cronos, com o qual estamos to habituados, o tempo do acontecimento medido e classificado, no por ele mesmo, mas por medidas criadas para nos auxiliar: ele controla aos berros as horas, os minutos, os segundos, os dias etc. Duas outras dimenses do tempojnomeadasentosocorriqueiramenteesquecidas por ns: Aion, o no tempo, a eternidade, dimenso temporal prpriadosdeuses,presentesnoespaodarealizaodo mito; e Kairs o tempo do corao, ou o tempo do aconteci-mentoemsi.Essetempodoacontecimentoemsiestpre-senteentreoshomenseconstantementenosintriga.Com frequncia nos surpreendemos, quando desenvolvemos ativi-dadesprazerosas:Jsepassouumahora?J?Adanaj acabou? Ns nos desconcertamos com nossas medidas, por-que Kairs tem esse espao amoroso e afetivo, s dele. Esse tempo do acontecimento em si mais latente nas crianas ou emquemnopossuiocronmetrotointernalizado.Ser mesmo que a aula de artes deve acabar em 50 minutos? Ser que poderamos vez ou outra ser um pouco concessivos com Kairs e um pouco menos escravos de Cronos? Terreiros redondos e integradosEstando o tempo simblico gerado no interior dos festivais lado a lado com o espao simblico, os locais dos acontecimen-tosedenossaspassagensnopoderiamserdeoutraforma: redondoscomoessetempointegrado.Tambmmuitocolori-dos, pois as cores traduzem movimento e animao. Assim se armam terreiros que no ano inteiro, Brasil afora, celebram os ciclos, esta e outras existncias. Poderemos nos postar no mundo redondos e coloridos, ou insistiremos nos quadrados e cinzas?Novas bandeirolas sinalizam que o tempo de brincar come-ou, acabou, que mais um ano se passou, ou que tudo se reini-ciou. Como crianas solicitando sempre a mesma histria, de novo, de novo e de novo, nos imbumos de festa para transfor-mar um percurso atarefado e sem significado em tranquilida-de, ritmo e sentido. Assim, os terreiros e quintais, espaos das celebraes, so crculos que sugerem sempre uma repetio. Decorados todo ano, para form-los basta apenas um pouco de vontadeedisposioparaotrabalhocoletivo.E,claro,cons-tncia e reconhecimento de sua importncia na vida das pes-soas. Esse reconhecimento se traduz no em palavras, mas em gestos: est no fazer e no no verbo enfeitar, costurar, propor soluescriativas,planejarocenriodenossascelebraes, aprender. Pensa-se no outro: no conforto e alegria dos partici-pantes, dos visitantes. Pensa-se em deixar a festa bonita, bele-za alegrica, colorida e ldica. Pensa-se em seus bons alimen-tos,suasboasmsicas,paraquesensibilizeossentidose comova o corao das pessoas. Uma gama de variedade e pos-sibilidades de criao. Uma das organizadoras de uma festa de rua, Graa Reis2, sinaliza esse cuidado:Eugostodecaprichar,fazerbenfeito,oalimentoaalmadetudo.As pessoasbemalimentadasficamfelizes.Meesforonessacoisadoali-mento da festa. Tenho cuidado, gosto de cozinhar. muito bom receber. Fico feliz vendo as pessoas dizerem que comida gostosa, que festa bo-nita, fui bem recebido por todos, as meninas esto felizes, recebem sor-Brincar: Um Ba de Possibilidades 120rindo. O cuidado, o capricho. A comida, a pessoa de barriga cheia est feliz. Vai l na sedinha comer alguma coisa. bom poder falar isso. No digo que agenteficapaparicandoosnossosconvidados,queagentenemtemesse tempo. Mas tratamos todos bem.(Depoimento de Graa Reis)Os cheiros que emanam das festas vm da cozinha, das pane-las do fogo, dos defumadores e incensos, das flores decorativas, que constituem a porta da intimidade originria dos vapores fe-mininos, do farfalhar constante de saias floridas, incansveis no trabalho de transformar a praa em ambiente acolhedor para to-dos que se dispuserem a estar presentes. O gesto alimentar e o mito da comunho alimentar3 esto no compartilhar o alimento e noservirosconvidados.Cheiropingado,respingado,risonho, cheiro de alegriazinha.4

Almdetodasessaspossibilidadesintrincadas,dentro desseespaoconstroem-serefernciassimblico-espaciais, comooaltar(paraSoJoo,porexemplo),quecostumaser o ponto culminante desses cenrios, ricamente ornamentado, postado em lugar especial, especialssimo, nem mais para c, nem mais para l, entenda-se bem: tem seu lugar exato que se repetetodoano.Torna-seassimmaisumarefernciaparao espaodoacontecimento,paraasdanas,paraafogueirae paraondenossosdesejosevotossedirecionam.Simbolica-mente,construdocomoumagruta,cripta,abbada,colo onde se reconcebe Deus5.Canto seguro, depositrio de espe-ranas,velasepromessas.Aconchego,deondetodabeleza emana. Contm em si a representao da duplicidade do olhar: o local privilegiado de onde os santos assistem a toda a brin-cadeira;eparalquetodososolhareseesperanasse voltam.O altar a gente semprequer mais bonito, mais emais.paracolocaro santo, estar em um lugar bem lindo, naquele cantinho de onde So Joo pode olhar para todo mundo feliz porque est todo mundo arrumado, por-queesttudomuitobonito,colorido,cheiodevela,derenda,deflores, todo mundo olhando, feliz. (Depoimento de Graa Reis)De fato, o de agora sempre mais bonito que o anterior, mas aprendemos: nunca mais que o prximo que vir. Ampliamos o sentido desse espao, antes mera praa, pequena rotatria, qua-dra de escola. Festa armada, pedimos licena para entrar, para passar, para fazer a festa, e em espaos sagrados nos curvamos inteiros nessa entrada invisvel, encostamos mo ou cabea no choepedimos:Dlicena?Transformamosessechoem algo passvel de ser venerado, nossa pertena a um todo maior. UniversitasAo contrrio do que se pensa, as festas populares so pass-veisdeseremreplicadasmesmoondeningumnuncatenha tido referncia das mesmas, como nos mostram algumas des-sas manifestaes recriadas em So Paulo, em espaos de rua6 ou em algumas escolas7. Universitas, do latim, significando cr-culo cujo centro est em toda parte assim so nossos terrei-ros. Com estrutura arquetipal profunda, dialogando com o hu-mano,suamemriaeancestralidade,permiteminfinitos matizes, todos eles expresses do dinamismo inerente aos fol-guedos. Sob muitas e infinitas formas espalham-se pelo mun-do. Mais ou menos sagrados, com mais ou menos rituais embu-tidos,apromoodeespaos,tempoeaesquesetornem significativos, seja em pequenas comunidades no interior, seja em grandes centros urbanos, dentro dos limites dos muros es-Natureza, espao e tempo 12121 1 rosa gauditano | 2 soraia saura Arraial Altar de So JooBrincar: Um Ba de Possibilidades 122colares ou fora deles, o mundo pode sempre se cobrir de papis laminados e fitas de crepom. Concluo: a escola pode ser encan-tadora. Tantas o so, e por que no a maioria?Napreparaodessesespaosparaacelebrao,nenhum ensinamento se faz trivial. Um conhecimento que patrimnio de todos. Tempo e espao so confortantes, a festa depois de trabalho muito trabalho bem feito. Quem nunca se postou fascinado diante de arraial montado, com fogueiras e bandeiri-nhas tremulantes, debaixo de cu estrelado, e no sentiu a in-tegrao com a comunidade planetria?Em um mundo onde a artificializao da relao com a na-tureza tem se feito to presente, o reconhecimento das festas passatambmpeloreconhecimentodosaberdascomunida-destradicionais,extrativistaseartesanais.Suaintegrao comomeioinerentescelebraes,valorizaodavidae respeito ao planeta. Muito mais do que discursar sobre esses assuntos, vivenciar as festas estabelece uma ponte direta, na experincia, para essas reflexes. A ltima vez que encontrei Cleiton, estava inquieto, o menino. Eu queria montar a cavalo, mas ele no, um tal de guardar sela, soltar os bichos no pasto, ajeitar tudo e ir para a Quadrinha, festa daigrejadeNossaSenhoradeFtima,emarraialdistante,que reuniriavaqueiros e gente das rocinhas da regio, missa e forr. Mal me deixou dar uma volta, to ansioso estava. Mais tar-de vejo-o passando montado, todo aprumado em cima de cava-lobonito,cala,camisa,chapuealegria,indoparaafesta. Ficou um rastro de poeira dourada no ar e a esperana de que um dia, quem sabe, todos os meninos frequentem a escola com esse mesmo empenho, capricho e felicidade declarada.NOTAS1 Ferreira Santos, 2004. Fiestas & educao ancestral em Amerndia. p. 56.2 Graa Reis maranhense, arte-educadora, uma das organizadoras das festas de Bumba meu Boirealizadas pelo Grupo Cupuau em So Paulo.3 Durand, Gilbert. 2002. As estruturas antropolgicas do imaginrio. So Paulo: Martins Fontes. p. 256. 4 Guimares Rosa. 2001. Manuelzo e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p. 31.5 Durand, Gilbert. 2002. As estruturas antropolgicas do imaginrio. So Paulo: Martins Fontes. p. 242. 6 Um exemplo o trabalho do Grupo Cupuau, que, conduzido pelo mestre Tio Carvalho, realiza h 20 anos trs festas anuais de Bumba meu Boi nas ruas do Morro do Querosene, reunindo cerca de 3.000 pessoasa cada acontecimento. 7 Como exemplo, o Projeto Calo na Mo, na Escola Estadual Prof. Antnio Alves Cruz, que realiza ofci-nas abertas de percusso e confeco de instrumentos de Maracatu de Baque Virado, conduzidas pelo pesquisador Guga Silviano, recebendo uma mdia de 350 pessoas por semana.Natureza, espao e tempo 123 rosa gauditano Andor de Festado Divino Esprito SantoOnde estoos tatus-bola?porrenataMei relles126 Brincar: um ba de possibilidades Renata meiRellesOnde esto os tatus-bola? 127Aliescondidinhospordebaixodevelhastelhas,descan-sando, de um amontoado de tijolos arruinados, de potinhos e latas que servem de ninho para as flores, ficam eles criando famliasinteirasdeserzinhosquevirambolinhasquando ameaados. Estar em evidncia no bem sua caracterstica predileta, portanto, se deseja visit-los, largue-se ajoelhado no cho e co-mece a cutucar cantinhos midos. Surpresas ter ao encontrar tambm uma infinidade de outras naturezas vivas. Sem contar queafamliadostatus-bolatemumavariedadedeespcies suficiente para criar enredosmagnficos quando nas mos de crianas.Existemosmaisescurosegordinhos,queenrolam direitinho, os mais chatos e pernudos, que no enrolam to bem, e os de maior tamanho, que mais parecem besouros. Caminham levemente pelas mozinhas das crianas, sem perigosiminentes,nopertencemcategoriadosnojentos, noexalamcheirosnemgosmas,eaindalevamagrande vantagem de poderem, rapidamente, se transformar de seres caminhantesemseresrolantes.Umamaravilhaparaquem est buscando explorar o cho que pisa, descobrir os peque-nos mistrios da vida e experimentar uma rica oportunidade de conhecer a si mesmo por meio do brincar. Material pedaggicoCom todo esse potencial, os tatus-bola deveriam ser eleva-dos categoria cientfica infantil e receber local de destaque emqualquerespaoquesedigaeducativo.Deveriamfazer parte do material pedaggico de cada escola, dos currculos e planejamentosdaeducaoinfantil,comaseguinteregra: todaescoladevepossuirumaquantidademnimadetatus- Tatus-bola deveriam ser elevados categoriacientfica infantil128 Brincar: um ba de possibilidades-bolaporaluno.Talvezassimnsnospreocupssemosem aproximar a criana da sua natureza.Eles representam uma gama de outros seres que tm a mes-ma funo exploratria na infncia: os grilos, gafanhotos, vaga- -lumes,minhocas,joaninhas,caramujos,formigas,lagartixas, cigarras, mutucas, louva-deuses, besouros, abelhas, aranhas e tantas outras matrias-primas para a brincadeira e o devaneio infantil.Mas,infelizmente,nobemissoqueagestodas escolas que poderiam ser grandes propulsores tem prioriza-do. Hoje, conhecer opinar, criticar, discutir. E escola celeiro dosaber,doconhecer.Tatus-bolanosotemasdasdiscus-ses do mundo adulto, portanto fechamos as portas das escolas para eles: Aqui tatu-bola no entra. E, como eles, outros inte-resses e necessidades de natureza infantil ficam de fora. Estamoscriandocidadosconscientesdaimportnciada preservaodomeioambiente,formamosalunoscapazesde descrever todos os efeitos da diminuio da camada de oznio e de listar os perigos da extino de espcies como as baleias e o mico-leo-dourado, que sabem reciclar o lixo e economizar a gua... Informao no lhes falta, mas e a experincia? Muito cuidado, pois quem acumula muita informao per-de o condo de adivinhar: divinare. Espcie infnciaNessamaniaecolgicaquevivemos,tentamospreservar tudomenosainfncia.Estamoscriandoreservasecolgicas depreservaodeespcies,mas,aomesmotempo,oferece-mos mais asfalto, cimento e prdios para as nossas crianas. Trocamosassacolinhasplsticasdossupermercadosporsa-colas de pano, mas, ao mesmo tempo, distribumos uma infini-Nessa mania ecolgica que vivemos, tentamos preservar tudo menos a infnciaOnde esto os tatus-bola? 129Renata meiRelles130 Brincar: um ba de possibilidades Renata meiRellesOnde esto os tatus-bola? 131dadedebrinquedosbarulhentosenoreciclveisaosmeni-nos. Estamos reconhecendo a importncia da comida orgnica, da ioga e da meditao, mas no temos tempo para cutucar a terra com nossos filhos. A espcie infncia corre risco de extino e, ainda assim, sabemosmaissobreasbaleiasdoquesobretatus-bolado nosso prprio quintal. Tem muita gente por a proibindo criana de usar uma fo-lha de rvore para fazer um brinquedo, de arrancar uma flor e criaralgobelo,comotaldiscursocompradodoecologica-mente errado. Menino, fique longe das plantas e dos bichinhos, voc est machucando eles!, soa ao longe a voz do tal ecolgico.O tal ecolgicoTenho mais pena desse tal ecolgico que do menino. Afi-nal,acrianadatemseusmeiosdechegarnaflor,novaga- -lume e nas rvores, mas o ecolgico no. Ficou amarrado na cadeira, pensando no que a natureza. Tenho nos bolsos filmes de meninos brincando na Amaz-nia, e quando os mostro por a acabo invariavelmente ouvin-do alguma criana dizer: Mas esse menino est arrancando rvore para fazer pio, isso no pode! No,essemeninoestpreservandoanaturezahumana. Se a mata corresse risco por conta de fazer brinquedos, ufa, estaramos descansados.Convido,ento,ostatus-bolaaentrarempelaportada frenteepeoquenosajudemadistinguirbemadiferena entre caminhar e enrolar. Ser que estamos caminhando ou enrolando?Se a mata corresserisco por conta defazer brinquedos, ufa,estaramos descansados Brincar na ruao que isso mesmo?porclaudi asi quei raetelmascott134 Brincar: um ba de possibilidadesFeliz o tempo em que todas as crianas podiam brincar na rua, em frente a suas casas! Hoje, esse um privilgio de algumas: das que moram em condomnios fechados, ruas particulares, bairros que ainda no foram engolidos pelo comrcio, na periferia dos grandes centros ou em pequenas cidades do interior e comunida-des rurais. Brincar na rua, para os que vivem em locais muito agitados e urbanizados, tornou-se uma expresso com pouco sen-tido e, talvez, nenhum significado, quase em desuso.Paramuitascrianasdessasregies,ruasinnimode perigo, local onde ocorrem sequestros, assaltos, atropelamen-tos: um espao reservado violncia, no brincadeira.A rua, antes composta por casas e pequenos comrcios, hoje em boa parte dos casos formada por edifcios (cada vez mais al-tos), escritrios, pontos comerciais, e marcada por uma circulao intensa de automveis e motos, inclusive nas caladas. As mes no mais chamam os filhos da janela. Elas esto no trabalho ou a muitos metros de altura, nos edifcios onde moram. As (poucas) ruas mais tranquilas, paulatinamente vo sendo des-cobertaspelosmotoristascomorotasalternativas.Oscondom-nios que hoje alteram a paisagem das metrpoles so verdadeiros resortsurbanos,complayground,piscinas,campodefutebol, quadrasesportivas,salodejogos,ciclovias,brinquedotecas, academias, cabeleireiros. Tudo para vender famlia a falsa sen-sao de segurana e enclausur-la em uma redoma.Afinal, qual o espao do brincar hoje? Em nome da seguran-a, o espao do brincar est restrito ao interior das residncias, a cada dia menores. As crianas at podem receber os amigos em casa, mas poucos de cada vez. A convivncia com eles se restrin-ge mesma faixa etria, e as brincadeiras so cada vez mais mais contidas e comportadas, em razo da limitao do espao fsico. Jnarua...Brincardepolciaeladroeraingnuoesem riscos, e o pega-pega tinha mais emoo. E me da rua, ento? Muitas crianas nunca devem ter ouvido falar dessa brincadei-ra! Brincar na rua uma opo que no consta mais do card-pio de boa parte delas. A rua costumava ser uma extenso de nossas casas. Tinha horrio para brincar nela: era esperar o grito do amigo chaman-do para a brincadeira. At apertar a companhia do vizinho era emocionante! Jogar bolinha de gude, andar de bicicleta, brin-cardepula-sela,esconde-esconde...Aindaquesedefinisseo limite dos quarteires, correr e se divertir era a ordem. Passa- -anel, todos sentados no meio-fio, e queimada, em uma rua pla-na, sempre eram boas pedidas.Brincar na diversidadeAruapossibilitavamuitasexperincias.Eraoespaoem que todas as crianas brincavam juntas, independentemente da idade. Tudo isso ao som do bate-bate da tramela do vende-dordebiju.Eaindaque,nagrandemaioriadasvezes,no houvesse um adulto supervisionando ou tomando conta, as coisas corriam bem. Cabia aos mais velhos ficar de olho nos mais novos. Nas brincadeiras, estes eram identificados como caf com leite, o que, longe de ser um rtulo discriminador, era o cdigo que alertava para o fato de a regra ter de ser mais branda para eles, uma forma de acolher a diversidade. Para a crianada,eraumjeitodefazertodomundoparticiparda brincadeira. Claro que alguns no gostavam, enquanto outros nemseimportavam.Dequalquermaneira,issopossibilitava que todos brincassem como diria Piaget, de acordo com sua fase de desenvolvimento. Brincar na rua: o que isso mesmo? 135A rua costumava ser a extenso das casas EstEbE Ormazabal136 Brincar: um ba de possibilidadesBrincarnarua:saudvelcomo casca de machucado no joelho sOraia sauraBrincar na rua: o que isso mesmo? 137Parnteses: por que ser que a escola no proporciona esse brincarjunto?Vemos,comfrequncia,espaosescolares queaindadividemosseusmomentosderecreioporturma. Issosignificadizerqueoalunotemdebrincarapenascom crianas de sua idade. Pais e escolas acham isso timo: eles j se esqueceram do gosto bom que tinha o brincar na rua. Como esqueceram tambm que um dos temperos que davam sabor quela situao era que nem todos os amigos tinham a mesma idade. Mais uma vez, fica evidente o quanto a escola tende a se descolar da realidade.Retomando nossa conversa... Vez por outra, uma me apa-recia na janela para ver se tudo estava bem e para avisar que logo o almoo estaria na mesa. J jogar bola, correr, brincar de pega-pega,baterbolanaparedesobrincadeirasqueno combinam com esse novo espao do brincar. Combinamcomquintal,quenacidadegrandetambm privilgiodepoucos.Alis,temfamliaque,quandopassa a morar em casa com quintal, descobre que tem de ensinar o filho a brincar fora, pois ele s quer, ou melhor, s sabe faz- -lo dentro de casa.E hoje?E que brincadeiras restam s crianas de hoje que moram em grandes cidades? Videogames, jogos de computador, desenhos e filmes h canais com programao infantil 24 horas por dia. O interagir entre as crianas cada vez mais restrito; as experin-ciasdeaprendizagem,empobrecidas.Masascrianasgostam. Ser mesmo? Poucas se queixam. Ser mesmo? Elas foram condi-cionadas a essas atividades de lazer. Lazer? Ser mesmo? O que se pode afirmar que esse o repertrio a que elas tm acesso. Brincar na rua: uma experincia que s parece saudosista para os dias de hoje, porm saudvel como uma casca de machucado no joelho. Uma experincia qual talvez muitos dessa nova gera-o de pais e mes nunca tenham tido acesso e que no puderam oferecer a seus filhos, devido configurao de nossos bairros e cidades ou, talvez, sua falta de repertrio e conhecimento.A nica certeza: as crianas sempre daro um jeito de brincar. Os espaos podem se alterar afinal as coisas mudam. O impor-tantequensadultossejamosconscientesdosbenefciosdo brincar e que no criemos empecilhos para nossas crianas expe-rimentarem essas sensaes que s o brincar proporciona.Tintas e melecasportelmascott140 Brincar: um ba de possibilidadesMinha av dizia:Criana em silncio: sujeira vista.Essaperceposeexplica,possivelmente,pelasinmeras vezesemqueelaflagrouosfilhosenetosdescobrindooque tinha na caixa redonda de talco, abrindo as colnias da pente-adeira e derramando seu contedo, misturando o pote de fari-nha com gua na pia da cozinha... No lhe restava alternativa: dar um pito e deixar tudo limpo novamente.Nessa situao temos a percepo de representantes de dois mundos distintos: o dos adultos e o das crianas, definidos pelas prioridades de cada um e pela viso de mundo que possuem.Sujeira: aos olhos de quem?Nomundoadulto,sujeirasinnimodefaltadehigiene,de descuido, de desleixo. A sujeira causadora de doenas e gera, na maioria das vezes, trabalho a ser feito. Geralmente tem conotao pejorativa,expressaemfrasescomo:Asujeiranapolticado pas... Polticos sujos e corruptos... Foi uma sujeira o que fizeram com tal pessoa.Assim,comodeixarqueascrianassesujemousujemo local em que esto?Nomundoinfantil,aprincpio,asujeiranoexiste.Ela consequnciadaexperincia,dadescoberta.Semelano possvel viver, explorar, conhecer as coisas. Mas, rapidamente, acrianaaprendecombasenafaladoadulto,muitasvezes infantilizada,masdecisiva:Caca,eca,vamoslavarasmos para no sujar a roupa...Para especialistas da educao, pertencentes ao mundo adul-to, mas com a ateno voltada para a percepo e as necessidades infantis, a sujeira faz parte do desenvolvimento da criana.Para Piaget, o desenvolvimento infantil acontece na intera-o entre a criana e os objetos que a cercam. possvel obser-var perodos de desenvolvimento: sensrio-motor, pr-operat-rio,operaesconcretaseoperaesformais.Noperodo pr-operatrio a criana explora o ambiente que a cerca, mani-pulaosobjetos,constrigeneralizaessobreoquev.Com essas aes inicia-se a organizao do pensamento, respons-vel pelo desenvolvimento da linguagem. Dessa forma, podemos dizer que as experincias de aprendizagem da criana possibi-litam que pensamento e linguagem se estruturem.Para Freud o desenvolvimento infantil passa por trs fases: oral, anal e genital. Em cada uma delas o prazer est relaciona-doaumafunobiolgica.Nafaseanalacrianareconhece que as fezes e a urina so produtos do seu prprio corpo e sente prazer em mexer com areia, barro, massa de modelar e mate-riaisqueproduzammeleca.Produzirsujeira,sujar-se,pro-porciona prazer, sensaes agradveis e experincias que pro-movem o desenvolvimento da psique. Tanto Piaget como Freud nos fazem refletir a respeito dos be-nefcios que as experincias trazem ao desenvolvimento infantil. Aprender pelas experincias Ao explorar a tinta (e poderia ser a argila, a areia com gua, a massinha industrial ou caseira, uma infinidade de possibili-dades), todos os sentidos e todas as linguagens esto presen-tes e so estimulados: percepottilpormeiodasmos,dospsedo corpo ela sente as texturas variadas, a temperatura distinta de objetos, a densidade dos materiais. Por vezes, no basta sentir Tintas e melecas 141No mundo infantil,a sujeira no existe Beatriz Corts142 Brincar: um ba de possibilidadescom as mos, preciso levar o objeto boca para senti-lo (para Freud, fase oral). A criana experimenta a sensao do azulejo liso e gelado, do muro rstico e aquecido pelo sol, a textura da farinhasecaedepoismolhada,atintafriaemolequeno possvel pegar, mas que se pode espalhar e misturar, a massi-nha resistente que permite construir coisas. percepo gustativa por meio da boca, em espe-cialdalngua,acrianaidentificaossabores:doce,salgado, azedo, amargo, cido. Diferencia os sabores de que gosta da-queles de que no gosta, compara-os. Amplia e refina o pala-dar. Percebe texturas e temperaturas distintas. percepo visual olhando os objetos a criana per-cebe as diferenas e semelhanas: cores, texturas, formas, lu-minosidade, transparncia. Ela tenta olhar atravs de tecidos transparentes,papiscoloridoseigualmentetransparentes (celofane, por exemplo), explora seu reflexo no espelho. percepo olfativa explora os cheiros, seja da ter-ra, da tinta, de flores, de ervas aromticas. A criana tenta fa-zer perfumes amassando plantas com gua, opta pelos cheiros mais agradveis, identifica odores e aromas conhecidos e des-conhecidos, diferencia os cheiros fortes, suaves, adocicados e desagradveis. percepo auditiva a criana receptiva a sons diferenciados.Qualquersomgeramovimentoeexplorado corporalmente.Osomdobarrobatidoesocadonochoou namesaexploradoritmicamente.Osomdaprpriavoz,da aCervo do instituto sidartaTintas e melecas 143risada alta e baixa, das palmas, dos passos apressados ou tran-quilos. O som do silncio. Reproduzir, criar e recriar sons torna- -sebrincadeira.Enfim,aintegraodossentidospossibilita a aprendizagem pela experincia. a linguagem compreendida aqui em todas as formas de representao e apresentao. A linguagem gestual, o movimento corporal e as expresses faciais relevam as sensaes, o prazer, a alegria ou o incmodo ao vivenciar novas experincias; a lingua-gem oral revela a satisfao ou insatisfao por meio de sua inten-sidadeoudesuaausncia(lembram-sedocomentriodeminha av?); a linguagem grfica, os desenhos, pinturas que mostram a explorao do espao e das cores, a intensidade dos riscos.Ao nos darmos conta do quanto as experincias infantis so importantesparaodesenvolvimentogeraldacriana,vemos que minha av certamente pensaria de outra maneira diante da arte dos filhos e netos. Arte que no precisaria ser usada en-tre aspas, pois arte a expresso mais genuna das vivncias, das experimentaes humanas e do pensamento.No queremos fazer apologia da sujeira e dizer que a limpeza e a organizaodevamserdesprezadas.Desejamosampliaroolhar adulto para alm do aspecto sujo e bagunado deixado depois das vivncias e experincias infantis. Olhar para aquilo que processo, ouvir da criana suas sensaes e descobertas e depois envolv-la no momento de limpar, guardar e organizar experincias tambm importantes, porm nem sempre valorizadas por professores e fa-mlias como algo a ser realizado junto com a criana.Para finalizar, algumas reflexes dirigidas a todos os educa-dores, entre eles pais, mes e professores:Sem a sujeira no possvel viver,explorar, conheceras coisas.144 Brincar: um ba de possibilidadesO que voc v/pensa quando seu filho ou aluno:1.Tira o tnis e deixa uma pequenamontanha de areia no meio da sala limpa?()Sujeira. ser melhor pegar a vassourae a p ou o aspirador de p?()Um filme das possibilidades deexperincia que ele deve ter vivido na areia do parque.2.Tira as panelas do armrio da cozinhaou espalha todos os brinquedos demontar pela sala?()Alegria e descobertas pela frente: cons-truo de prdios e o incio de uma banda musical.() Baguna, estava tudo to organizado...3.Come macarro com molho de tomate e espalha parte do contedo do prato pela roupa e pela toalha da mesa?()Roupas para lavar. Qual a marca de sabo em p que tira manchas?()Molho de tomate um tipo de tinta e roupas servem como suporte de pintu-ra. Que criana criativa!4. Constri cabanas com almofadas, lenis e toalhas de banho?() Eis um engenheiro ou arquiteto nato.()Capas de almofada e roupas para lavar... e passar.Permita-se viver as descobertas de seu filho ou aluno com a mesma intensidade que ele. Tintas e melecas 145 Beatriz Corts Parques pblicos:espaos criados para garantir o brincar. Ser?porclaudi asi quei ra148 Brincar: um ba de possibilidadesAs crianas no sabem que existe uma Declarao de Di-reitos na qual se afirma que elas tm o direito de brincar elassimplesmentebrincam.Brincarrimacomcriana,com panela, com corpo, com inseto no jardim, com rua, praa, par-que... Enfim, com experimentar!Mas brincar combina com cidade? A cidade acolhe o brin-car? Quem pensa a cidade pensa no brincar? Osparquespblicosexistemparagarantiressedireito edarespaocrianaparaquepossaviverplenamentesua infncia. A maioria dos parques, pelo menos na teoria, so pla-nejados e construdos para proporcionar experincias ldicas.Renata Meirelles, pesquisadora do brincar, faz consideraes provocativas sobre a organizao de parques pblicos:Emminhaopinio,terparquesplanejadostambmum problema. Afinal, algumas crianas de grandes cidades no dis-pem de espaos para brincar sem que sejam assistidas pelos adultos. No conhecem a liberdade de escolher seu grupo social e juntos resolverem aonde ir e o que fazer em locais que no fo-ram previamente estruturados para o brincar. A criana urbana, principalmenteaqueladocentroexpandido,esthabituada a brincar no lugar que o adulto planejou e preparou para ela de-senvolver determinadas habilidades. Reconhece o parque como o nico ambiente propcio para ir brincar.Crianaquandobrincaemparquessabeoqueoparque pedeparaelafazer,entendealinguagemdosbrinquedosali montadoserespondeaoquefoiorganizadoparaela.Acredito que o problema nas cidades grandes no seja necessariamente a m conservao dos parques, mas a falta de espaos pblicos menos estruturados e com mais possibilidades para as crianas de ficarem longe do olhar do adulto, criando seus esconderijos, suasbrincadeirassimblicas,seusjogoscomregrasprprias que elaboram questes do cotidiano e usufruindo do exerccio da autonomia, da criao e do gerenciamento de suas necessi-dades. Precisam ter espao para criarem desejos prprios, para elaborarem suas afinidades e limites sem que algum tenha pla-nejado o que elas devem fazer.Dessa forma, quando um novo parque ou um j existente or-ganiza seu espao, ter brinquedos no basta, no garantia de uma explorao mais genuna e espontnea. Os brinquedos de-vem ser convidativos e desafiadores e precisam proporcionar criana a possibilidade de criar diferentes formas de explor-los. Anaturezaintegradaaoespaodosbrinquedosestruturados amplia a possibilidade de criao da criana: um bom exemplo preservarotroncodeumarvoredemodoquesetorneum brinquedoparaacriana,emvezderetir-locomoalgoque possa oferecer perigo a ela. Afinal, quantas de nossas crianas reconhecem a sensao de subir em uma rvore e desafiar seu equilbrio,ultrapassarseuslimites?Asrvoreseseusgalhos podem sim se transformar em um mundo de possibilidades de brincar. Quanto aos brinquedos que um parque abriga, devem passar por manutenes regulares para que possam ser desfru-tados por mais e mais crianas. Na maioria das cidades brasi-leirasaatenodenossosgovernantesnoestvoltadapara essanecessidade.Sim:necessidade!Todosnstemosane-cessidade de momentos de lazer. E a criana, de brincar. O brincar ainda no visto como prioridade. Basta fazer um teste rpido. Elabore uma lista dos parques a que voc tem acesso em sua cidade. Agora, faa o mesmo em relao a seu bairro. Qual o nvel de adequao do espao para crianas nesses parques? Chegar a uma concluso fcil e triste. H cidades brasileiras que O brincar ainda no visto comoprioridade pelos nossos governantesParques pblicos: espaos criados para garantir o brincar. Ser? 149 beatriz corts150 Brincar: um ba de possibilidadesno oferecem reas de lazer para sua comunidade como um todo, quanto mais para suas crianas... Afinal, criana no vota! Um exemplo concreto: existem leis segundo as quais todos os projetos de conjuntos habitacionais populares devem prever uma rea de lazer. O fato, porm, que isso nem sempre sai do papel, em nome das prioridades. Nos casos em que a lei cumprida, colocam-se um ou dois brinquedos e um par de traves de campo de futebol para que se possa dizer que o direito foi garantido.O bem pblicoA populao em geral costuma ter um conceito errneo daqui-lo que chamado de bem pblico. Ainda assim, nenhum esforo realizado no sentido de ajudar os usurios dos parques a com-preenderem que pblico no o mesmo que sem dono. O que chamamos de parque pblico um espao que de todos ns. Isso significa que nosso dever cuidar dele, e dele nos apro-priarmos, no sentido mais nobre da palavra. As escolas precisam compartilhar com a comunidade em que esto inseridas seu es-paodelazer,poismuitasvezesonicoqueobairrooferece; associaes de moradores devem ajudar a comunidade a compre-ender a importncia de preservar os espaos coletivos, por meio de campanhas e eventos comunitrios. importante ter parques, garantir que eles estejam bem con-servados e que atendam s necessidades da criana. Mas to fun-damental quanto tudo isso que a famlia compreenda a impor-tncia do estar junto. H pais que levam os filhos aos parques no domingo pela manh, porm sem o desejo efetivo de estarem ali. Irritam-se facilmente com as crianas: talvez por no terem ido porprazer,masporobrigaoouconvenosocial.Brincar nocombinacomobrigao.Criananobrincaporobrigao, ela simplesmente brinca, e nesse ato simples que est a magia. Ir ao parque com os filhos uma oportunidade para se conhecer melhor, para aprender com o outro, para observar e se divertir. Pais e filhos, professores e alunos devem sim ter momentos juntos nes-ses espaos. Logicamente que papel do adulto promover a inte-grao da criana com outras e motiv-la a ampliar seu crculo so-cial, em vez de dizer a ela o que deve fazer. Ele deve ser um bom observador e criar condies para que a criana decida por si como, com quem e com que quer brincar. A mesma frmula atende tam-bm a necessidade do adulto, que poder conhecer outras pessoas, fazer novas amizades nesses momentos de descontrao com os filhos. O passeio no parque um momento em que os pais devem daratenocriana,valorizaroestarjunto,proporcionaruma chance para o reconhecimento. As famlias precisam desenvolver o hbito de ir aos parques com regularidade e com qualidade. Osparquespblicospodemserumespaoquegarantas crianas o seu direito de brincar, j que a rua no cumpre mais essa tarefa e a escola est mais preocupada com a escolarizao do que efetivamente com a garantia do direito infncia. Precisa-mos nos mobilizar para que mais parques sejam criados em nos-sascidades,paraquesejapossvelexercitarocivismo,osenti-mento de coletividade, e oferecer s nossas crianas uma infncia comdireitoarvores,pssaros,afagos,rodopios,gargalhadas, areia, ps descalos, vento na cara, comidinha de folhas secas... Precisamos sim de parques pblicos! Muitos parques. Afinal, esseumespaoquepodenosoferecer,esnossascrianas, exemplosprticosdecoletividade,democraciaepreservao. O parque pblico no tem cancelas. Est sempre aberto a quem quer que seja, sem distino de raa, cor, credo ou classe social. O parque pblico simplesmente acolhe semelhanas e diferenas.Parques pblicos: espaos criados para garantir o brincar. Ser? 151 renata meirellesum projeto de difusoporsorai achungsauraO Selo Aqui se Brinca154 Brincar: um ba de possibilidadesProjetos e projetosDentreosprojetossocioeducativos,osdecontatodireto comosbeneficiriossoessencialmentediversosdaqueles de difuso. No primeiro caso, tem-se bem delimitado os indi-vduos que compem o pblico-alvo: esto no fazer conjunto, dentrodasaladeaula,naigrejacomunitria,sentadosem rodadebaixodarvore.Senhoresesenhorasdecomunida-des, jovens em grupos de amigos, professores do Brasil: todos dispostosaagircoletivamente.Asaesculminamemfor-maesdinmicasealegres,faz-sedetudoparaquesejam profundasevivencialmentesignificativas.Encontrospara elaborao de documentos, discusses de direitos: no basta t-los,deve-seconhec-los.Soconstrudasassimestrat-gias de acesso justia, educao e, invariavelmente, che-ga-se a resultados concretos: a documentao, o comprometi-mento dos envolvidos, os acordos coletivos, a negociao com parceiros.Osdepoimentossosemprecomoventesnofinal. Consideroessesprojetosumjeitomaravilhoso-ideolgico-concreto de se trabalhar com a educao.O segundo caso, o de projetos de difuso, revela-se sobre-maneira desafiador, pois o pblico-alvo amplo e disperso. A primeira questo pensar em como efetivamente aproximar-se dos beneficirios, de maneira mais ou menos uniforme. A criao de um seloOProjetoSeloAquiseBrincaestentreessesprojetosde difuso, voltado para a divulgao de uma ideia: a importncia do brincar em espaos escolares, visando garantir um direito fundamental infncia.Sovriasasaesquepodemconfigurarumprojetode difuso:seminrios,exposies,festivais,eventosabertos, quepodematingirincontveispessoas,espalhando-sepelo mundo. No caso do Selo Aqui se Brinca, optamos por um reco-nhecimento de boas prticas do brincar. Embora amplo, o perfil das entidades que abrigam o pblico com que gostaramos de dialogar foi desenhado da seguinte maneira: escolas (porque onde as crianas permanecem efetivamen-te em pelo menos metade do dia; em pesquisa, os pais declara-ramacreditarqueaescolaumdoslugaresondeacriana mais brinca);do ensino infantil e do ciclo fundamental I (porque considera-mos o conceito de infncia de zero aos 11 anos, sendo importante garantir a prtica do brincar at pelo menos essa faixa etria); sediadas no Estado de So Paulo (que concentra 48% da po-pulaobrasileira,paraummonitoramentomaisprximo da iniciativa);pblicaseprivadas(porqueobrincaremqueacreditamos independederecursosfinanceiros,masdependederecursos humanos).Assim foi que as escolas realizaram inscries online, preen-chendo um questionrio-diagnstico, e todas as que atenderam aos critrios elaborados receberam o Selo Aqui se Brinca. Esses critrios versaram sobre a forma de utilizao e a adequao do espao fsico; recursos e solues criativas para o brincar; a con-cretizao de projetos e propostas envolvendo o ldico de modo transversal; e, finalmente, a formao dos professores. Uma comisso de especialistas envolvidos com a temtica eaeducaoprofessoresAdrianaFriedman,LourdesAtie, MarcosFerreiraSantoseMarilenaFloresencarregou-seda seleo final das melhores prticas. O Selo Aqui se Brinca: um projeto de difuso 155Umeventoemocionanteaconteceuemsetembrode2008 naentregadoscertificadosdereconhecimento.Asescolase suas equipes, com luzes sobre suas vivncias cotidianas, esti-veram radiantes. Ser protagonista de suas aes, ter seu traba-lho reconhecido, desejo de muitos milhes de professores, e o Selo Aqui se Brinca propiciou isso de maneira ampla.O pilotoConsideramosoprimeiroanodoSeloAquiseBrincaum projeto bem-sucedido, mas um piloto para seu aprimoramento nosanosconsecutivos.Emumcurtoperododeinscries, com a divulgao realizada via mailing eletrnico e mediante parceiros, tivemos 477 escolas inscritas de 98 cidades do esta-dodeSoPaulo,mostrandocomoaquestodobrincartem sido levada em conta nos espaos escolares.Dentre as escolas inscritas, 33% esto sediadas na cidade de SoPaulo.Emborasejaperceptvelqueascrianasdacidade tenham a infncia comprometida com afazeres e responsabili-dades que muitas vezesnosoprprios desuaidade,dentre outrassituaescomprometedorasdainfncia(confinamento ou ausncia de opes de lazer, por exemplo), o questionrio res-pondido pelas escolas deixou claro que o conceito do brincar diverso nas vrias instituies escolares. H uma variedade de modos de brincar, h um brincar que considera a aprendizagem de contedos, h brincar dirigido e brincar livre. H formas dife-rentes de se incentivar esse brincar, e atividades ldicas parale-las tambm puderam ser consideradas. fato que criana que criana brinca. Essa a sua essn-cia, a sua humanidade, e, mesmo em condies extremamente adversas, as crianas seguem brincando.1H o brincar queconsidera aaprendizagemde contedos,o brincar dirigidoe o brincar livre156 Brincar: um ba de possibilidadesLendocomatenoosquestionriospreenchidos,obser-vando todos os materiais enviados (fotos e filmes) e tabulando as questes, pudemos identificar como anda a viso do brincar nos espaos escolares, no universo das escolas inscritas.O conceitoTemos trabalhado incansavelmente por essa causa do brin-caraolongodoano.Acreditamosqueeleefetivamenteande de braos dados com a educao. Mas, afinal, de que brincar estamos falando?Participar de uma brincadeira , para crianas e adultos, ao contrrio da ideia do entretenimento e diverso inconsequente e sem maiores danos, algo profundo, transformador, transgres-sor e formador da natureza humana. Em muitas manifestaes das culturas populares, por exemplo, o termo brincadeira su-gere o estado de alegria e satisfao que toma conta dos envol-vidos, mas configura-se como trabalho, em uma lgica que no dissocia o prazer da obrigao. Assim, enquanto brinca, o ser humano elabora questes profundas referentes a sua individua-lidade e humanidade.Emtodabrincadeirahmovimentaocorporalmesmo queosmovimentossejamcontidoseinternos.Minhaamiga Renata Meirelles, que h anos investiga o brincar arrancando ossapatosesentandonochocomascrianasemqualquer lugarondeestejamos,tornou-seumaespecialistanareae chama a ateno, incansavelmente, para que se observe como ascrianasbrincam,sobpenadenosafastarmosdemaisda realidade infantil e mergulharmos em uma teoria distante do universodospequenos.Defato,todososdias,aoobservare participar de brincadeiras de crianas e tambm de adultos, em uma interlocuo e vivncia com agentes das culturas po-pulares observamos como os gestos brincantes esto reple-tos de movimentos sagrados, arquetpicos e ritualsticos.Enquantobrincam,realizamumimportanteexercciode ancestralidadepormeiodaproduosimblicadeimagens. Movimentam-se corporalmente, em uma anima-AO2 que as leva no apenas ao lugar-comum do divertimento e do ldico, mas a outros tipos de exerccios mticos: o brincar tambm deflagradordedesafios,desituaesdeenfrentamento,de exerccios de agressividade e potncia, de comando e obedin-cia, distanciamento e aproximao. Nem sempre ele afetuoso e repleto de gargalhadas. H muita seriedade no brincar, sendo a concentrao e a experimentao nada mais do que a mani-festao natural e espontnea da nossa corporeidade.Sozinhasouemgruposeaquiadiversidadetofunda-mentalquantoaliberdadeascrianasrepetemasmesmas brincadeiras, ao longo de pocas imemoriais e de forma incans-vel. Com permissividade e tempo entretm-se por horas a dese-nharmandalasnocho,comfloresepedras,areiaeconchas. Movimento e beleza, revelando-se como o arqutipo fundamen-tal da vitria cclica e ordenada, da lei triunfante sobre a aparn-cia aberrante e movimentada do devir (Durand, 2002:328). Os crculos (como j disse Bachelard, a felicidade redonda) se for-mamesedesmanchamnodesenrolardecoreografiascircula-res, sejam elas desenhadas no cho, nas folhas de papel, ou com o corpo em cirandas remetendo a movimentos rtmicos e ccli-cos da suco ou do coito. So formas especficas de simboliza-o dinmica que organizam o real, pois so expresses de nos-so relacionamento com o mundo e com o outro, numa imagem arquetipal ancorada no prprio corpo (Ferreira Santos, 2004:33). O Selo Aqui se Brinca: um projeto de difuso 157 arquivo de imagens do projeto selo aqui se Brinca158 Brincar: um ba de possibilidadesEm movimento, pois a a roda do tempo uma coreografia (Du-rand,2002:336),reproduzemnochoomovimentodosastros nocu,pdeestrelasquesomos,girandoerodandoemuma dana labirntica.J outros movimentos revelam impulsos ascensionais, como os que lanam os meninos s alturas, galgando rvores e trepa--trepas, movimentando pipas nos ares, lanando avies de pa-pel. H impulsos digestivos como os de preencher potinhos e garrafinhas, montar cabanas ou rolar no cho como um cara-col, todos voltados para dentro de si mesmos. Com base nessa produo de imagens em movimento, so construdasnarrativassimblicasconstitutivasdainfncia, em que fundamental o espao da criao. Assim, as crianas modificamoambiente,exploramereorganizamosespaos, especializam-se naquilo de que tm necessidade, produzindo cenas imagticas de impacto simblico, poticas, dentro des-se jogo que pode perdurar incansavelmente por horas a fio, em experincias numinosas3. A produo dessas narrativas dife-renciada se o brincar restringe-se a apenas um espao ou am-plia-se para diversos ambientes da escola.Os contedos vivenciais, imagticos poticos e mticos muitas vezes ultrapassam inclusive o entendimento do prprio indivduo que est atuando, ingenuamente brincando. o nos-so corpo, ento, a servio dessas imagens, que j esto inscri-tasneleequeacabamdespertando,mesmoqueobrincante aindanotomeconscinciaampladessevivercorpreo:sou um guerreiro de terras distantes, uma princesa adormecida, um vaqueiro em um cavalo. O imaginrio est muito mais perto e muito mais longe do atual: mais perto, porque o diagrama de suavidaemmeucorpo,suapolpaouseuavessocarnalpela primeira vez exposto aos olhares. (Merleau-Ponty, 2004:19). Um exerccioaparentementesimpleseingnuo,umfazdeconta, brincarporquebelo,porquedivertido,porqueproduzum prazer esttico, um sentido, que no sabemos exatamente qual .Dessepequenoincio,passamosaoutromaisprofundo:o brincar representando, que vai operando em ns a atualizao vivencial das imagens ancestrais e mticas.E assim chegando ao que Bachelard identificou como aden-trar no recndito territrio do espao potico da imagem, onde necessrio estar presente, presente imagem no minuto da imagem (Bachelard, 2000:1). Um momento em que estamos in-teirosnaconstruosimblica,territriofacilmenteacessado pelas crianas. A fenomenologia nos pede exatamente para as-sumirmos ns prprios sem crtica, com entusiasmo, essa ima-gem (Bachelard, 2000:175). Esse entregar-se imagem potica sem reservas no line-ar. Acontece de diferentes formas e se apresenta com diferen-tesaspectos.ummergulhoparaoautoconhecimentoese demexercciosdeconstruodenarrativasmticascorpo-rais,emtornodaprpriapessoa,doselementosqueformam o ambiente, com o que nos oferecem os professores e em con-junto com outros. Nstemos,nanossaescola,apossibilidadedebrincar com crianas de diferentes faixas etrias? Temos a possibili-dade de brincar livremente, mas com a ateno e a observa-odosprofessoresparaoquebelamenteproduzimosen-quanto brincamos? Essaproduoimplica,almdissoenecessariamente,a capacidade de criar, de gerar, de fazer surgir novas existncias e situaes. So narrativas construdas, importantes e consti-O Selo Aqui se Brinca: um projeto de difuso 159tutivasdainfncia.Porissoosobjetosprontos(brinquedos estruturados) so infinitamente de menor valia para esse brin-car do que os objetos ditos no estruturados: oferecem menor possibilidade de movimento, de produo e de criao. O pice dessa vivncia o ponto no qual o acontecimento de fazerdecontabrincando,exercitandoejogandocomentu-siasmo (repetindo imagens ancestrais e arquetpicas e ao mes-mo tempo criando), se expande e nos dirige ao xtase, trans-formao e fuso de ns mesmos com a situao que estamos vivenciando. quando a linha entre o real e o imaginrio, aca-ba por se diluir.Para atingir o cume dessa vivncia, h uma permissividade saudvel para que se circule entre diversas possibilidades, h oferta de espao, de materiais, h tempo, mas no h descaso, h ateno, espera, amadurecimento, solidificao, com liber-dade. H respeito pela histria de vida individual de cada um, eissoequivaleaoreconhecimentodeseusaprendizados anterioreseaossaberesdascomunidadesondeestoinseri-dos.Hrespeitopelasnecessidadesinfantis,subsdiopara a repetio de gestos. Eograndeencontronobrincarmuitasvezesapontado comoacaso,descoberta,sendonaverdadeconstruoe conquista, frustrao e experimentao.A anliseEm sua primeira edio, alm de difundir o brincar e estimu-l-lo, o selo pretendeu mapear o que estava sendo pautado em relao ao tema entre as escolas que participaram da seleo. Ospontosaseguirforamidentificadoscomodeficitrios, tendo como base a anlise das escolas inscritas em 2008:Esse entregar-se imagem potica sem reservas no linear. Acontecede diferentesformas e aspectos160 Brincar: um ba de possibilidades1324 arquivo de imagens do projeto selo aqui se Brinca Imagens enviadas pelas escolas reconhecidas pelo Projeto Selo Aquise BrincaO Selo Aqui se Brinca: um projeto de difuso 1611)Tempodisponibilizadoparaobrincar Visto como atividade de entretenimento, o tempo disponvel para que a criana exera o brincar de forma livre e autnoma na escola evidentemente restrito. Dentre as escolas inscritas no Selo Aqui se Brinca, o tempo mdio de recreio de 15 minutos por dia. As-sim, pudemos inferir que: O tempo de recreio e o brincar no so assumidos pela escola comoespaoeducadordegrandepotencialparaodesenvolvi-mento pessoal e social dos alunos. As escolas, e consequentemente as crianas, tm sofrido pres-ses externas para o que o aprendizado de contedos curriculares se desenvolva cada vez mais cedo. Nesse contexto, o que mais se revela comprometido, segun-dodadosdoSelo2008,otempodisponvelparaobrincar. Sendo a escola, hoje, o principal local de trocas entre as crian-as, onde elas permanecem grande parte do dia e onde estru-turamrelacionamentosparaalmdoespaofamiliar,oSelo Aqui se Brinca 2009 intensificar essa reflexo.2) Espaos disponibilizados para o brincar Principalmente por conta da demanda deficitria existente em relao a creches e servios de atendimento integral a crianas do ensino infantil no Estado de So Paulo4, o Selo Aqui se Brinca identificou estabelecimentos, em sua maioria de carter priva-do, que atendem crianas de zero a 6 anos.5 Essas instituies no esto estruturadas de forma a acolher crianasnessafaixaetria,tendosidoidentificadassituaes nas quais no h espao disponvel para o pleno desenvolvimen-toinfantil.Ausnciadeelementosdanatureza,artificialismo e confinamento foram situaes detectadas entre as escolas. Em sua edio 2009, o Selo Aqui se Brinca prope reconhe-cer os espaos disponveis para o brincar livre, procurando es-timular de forma efetiva o aproveitamento de reas verdes e o contato com a natureza.3) Materiais existentes nas escolas para o brincarMateriaisnoestruturadosforamcitadosemn-merosignificativamentemenoremrelaoaosbrinquedos simblicos e pedaggicos.6 Outropontoevidente:aqualidadedobrincaratrelada quantidade de brinquedos existentes, em uma supervaloriza-odobrinquedoestruturado.Assim,comfrequncia,como evidncia do brincar, as escolas enviaram imagens de grande quantidade de brinquedos de plstico. Assim, o Selo Aqui se Brinca 2009 continuar a incentivar o usodemateriaisnoestruturados,nacontracorrentedocon-sumo excessivo de brinquedos.4)Propostascomrelaoaobrincar Noqueserefereaobrincardesenvolvido,foramidentificados dois aspectos principais: Brincar totalmente livre, inclusive com a ausncia de media-o de educadores. Brincar dirigido. ValorizadaspeloSeloAquiseBrinca,situaesemque o brincar livre acontece em conjuno com propostas apresen-tadas pelos educadores aparecem em baixo nmero. Entre as escolas inscritas:Poucassoasquepromovemumbrincarentrediferentes faixas etrias. 162 Brincar: um ba de possibilidades Atividades como artes, dana, msica, deflagradoras de um desenvolvimento ldico, foram citadas em nmero menor. Assim, em 2009 o Selo Aqui se Brinca pretende evidenciar um brincar propositivo, mediado por educadores, que transite com liberdade, sem descaso.5)Compreensodobrincarcomoim-portante e constitutivo da formao das crianasAsinstituiesescolarestmreconhecido a importncia do brincar dentro de seus espaos de atuao. Porm, o que se identifica como deficitrio o parmetro do que seria importante e significativo para as crianas em rela-o temtica: como brincar. As escolas revelam real interesse sobre o tema, o que torna pertinenteenecessrioodilogoentreaaodamarca,o Instituto Sidarta e as escolas.6) A importncia do brincar para crian-as do ensino fundamentalDemonstram me-nor interesse na temtica do brincar escolas que atuam com ensino Fundamental I, com crianas da faixa etria entre 7 e 11 anos de idade.7 Embora professores concebam a importn-ciadobrincareacreditemnela,poucosefetivamenteseva-lem do ldico na sala de aula e/ou em espaos escolares. Porcontadapressoporresultados,ascrianasdemais de7anostmreduzidagarantiadotempoedoespaodo brincar nas escolas. Por sugesto da Comisso Especialista, o Selo Aqui se Brinca ir avaliar e reconhecer, separadamen-te,oensinoinfantileoensinofundamental,incentivando o brincar nas escolas voltado tambm para essa faixa etria.7)Orelacionamentoescola/comunidade Ao serem questionadas a respeito das atividades que valori-zam a cultura local: 14% das escolas participantes declararam que realizam fes-tas juninas; 8% responderam que participam de atividades cvicas (Dia da Independncia, aniversrio da cidade etc.); Para outros 8% levar os alunos a cinemas, teatros e museus valoriza a cultura da comunidade; Um grande nmero deixou em branco o espao da resposta.Assimqueoreconhecimentoporpartedasescolasdas comunidadesondeestoinseridastevepoucaounenhuma meno no Selo Aqui se Brinca 2008. Mais do que isso, a pr-priaculturadoalunoeoqueconstitutivodesuaformao no esto em pauta na formao escolar. O reconhecimento de prticas trazidas pelos alunos e a interao escola/comunidade sonecessriosparafavoreceraintegraodevaloreslocais e do meio ambiente em que a unidade de ensino est situada.8) Formao de professores Poucas aes es-pecficas foram identificadas em relao formao dos pro-fessores.Identificou-seaausnciademateriaisformativos, bemcomodeformaesespecficassobreotemanasinsti-tuiesescolares.Aquestodobrincar,quandoaparece, est diluda em atividades que a consideram um meio para o aprendizado, mas no um fim em si mesma. ConclusoAssumir esse brincar em um ambiente institucional como a escola, to voltada para produtos e resultados, um grande O Selo Aqui se Brinca: um projeto de difuso 163desafionosdiasdehoje,porquecadavezmaisasequipes soinstadasademonstraroqueensinamecomoensinam, oferecendo uma diversidade de atividades. Assumirobrincarcomoumfimemsieacrianacomo sujeitodesuaaprendizagemdesafiadorparaasescolas, quesofrempressesexternasparaaeficincia.Algumas, reconhecidas pelo Selo Aqui se Brinca 2008, lembram que na simplicidade dos gestos infantis que encontramos con-tedos profundos e verdadeiramente humanos.Ao contrrio de projetos de formao, nos quais nos encon-tramoscomfrequnciacomosrepresentantesdasescolas, forammesesdetrabalhoantesdeefetivamenteestarmos frentefrente.Todososprocessosseletivosforamcuidado-samentetrabalhadoscomafincopelaequipedoInstituto Sidarta,dentrodoescritrio,nocomputadoreent