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OS USURPADORES DE TERRAS DO CORREDOR DE NACALA UNAC e GRAIN Fevereiro 2015 Camponeses no norte de Moçambique estão a lutar para manter as suas terras, enquanto governos e empresas estrangeiras avançam agressivamente para criar projectos de agro-negócio em larga escala. Aos camponeses é dito que estes projectos vão-lhes trazer benefícios. Mas, até agora, a experiência do país com o investimento estrangeiro na agricultura tem sido desastrosa. (Foto: Erico Waga por GRAIN) RELATÓRIO Uma nova era de luta contra plantações coloniais no Norte de Moçambique

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  • OS USURPADORES DE TERRAS DO CORREDORDE NACALA

    UNAC e GRAINFevereiro 2015

    Camponeses no norte de Moambique esto a lutar para manter as suas terras, enquanto governos e empresas estrangeiras avanam agressivamente para criar projectos de agro-negcio em larga escala. Aos camponeses dito que estes projectos vo-lhes trazer benefcios. Mas, at agora, a experincia do pas com o investimento estrangeiro na agricultura tem sido desastrosa. (Foto: Erico Waga por GRAIN)

    RELATRIO

    Uma nova era de luta contra plantaescoloniais no Norte de Moambique

  • 2De liberao a usurpao de terrasMoambique declarou-se independente a 25 de

    Junho de 1975, aps uma dcada de luta armada. Camponeses e camponesas, operrios, estudantes e todas as foras vivas da sociedade derrotaram o Imprio Portugus, orientados por um ideal comum libertao do homem e da terra.

    Os ideais da luta de libertao nacional esto con-sagrados na primeira Constituio da Repblica de 1975, que reconhece o direito do povo moambicano de resistir contra todas as formas de opresso. Estes ideais ecoavam igualmente, no primeiro hino da repblica de Moambique, prometendo converter o pas no tmulo do imperialismo e da explorao.

    A terra era particularmente importante na luta de libertao do pas. Os colonizadores portugueses tinham ocupado vastas extenses das terras mais fr-teis do pas. Quando Moambique conseguiu a inde-pendncia, estas terras foram imediatamente tomadas e nacionalizadas. Nos termos da Constituio de 1975, o Estado em nome do povo moambicano tornou--se o dono de todas as terras do pas. A constituio reconheceu igualmente a agricultura como a base de desenvolvimento e a indstria seu factor impulsiona-dor, a ser alicerada por uma poltica de industrializao nacional endgena encabeada por empresas estatais e cooperativas.

    Um ano aps a independncia deflagrou uma guerra civil brutal, que s terminou com a fundao de uma segunda repblica em 1992 por via dos Acordos Gerais de Roma, assinados entre o Governo e a RENAMO. Seguiram-se duas dcadas de polticas de ajustes estruturais impostos pelo Banco Mundial e o Fundo Monetrio Internacional (FMI). Hoje, 40 anos aps a independncia, a viso revolucionria do movimento de libertao nacional est em frangalhos e o Governo de Moambique est completamente dominado por uma ideologia neoliberal que depende estritamente de inves-timento estrangeiro para o desenvolvimento de todos os sectores econmicos, sejam estes a agricultura, infra-estrutura, pesca, turismo, extraco de recursos, ou ainda os sectores sociais como a sade e educao.

    O investimento estrangeiro no pas tem, assim, aumentado rapidamente nos ltimos anos. De acordo com o Banco Nacional de Moambique, a entrada lquida de investimento estrangeiro directo (IED) em 2013 somou US$ 5,9 mil milhes, um aumento de 15,8% comparado com 2012, tornando Moambique o terceiro maior destino de IDE em frica.1 Grande parte deste capital foi canalizada para a extraco de

    1. Banco de Moambique, Relatorio Anual 2013.

    recursos naturais, como a minerao e explorao de hidrocarbonetos. Mas a agricultura tambm comea a emergir como um alvo importante de empresas estran-geiras, especialmente no Corredor de Nacala, uma vasta extenso de terras frteis que cobrem o norte de Moambique, onde milhes de famlias de camponeses vivem e praticam a agricultura.

    Outrossim, estes investimentos resultam de uma aliana muito forte entre o capital internacional por via das grandes corporaes multinacionais com apoio dos governos dos seus pases de origem, com a elite poltico--econmica local com vista a explorao das principais regies agro-ecolgicas locais e o potencial mineiro e de hidrocarbonetos. neste mbito, que a presente pes-quisa analisa as movimentaes dos diferentes actores na ocupao e apropriao do Corredor de Nacala, uma das regies mais ricas do pas que para alm de congre-gar os principais ecossistemas do pas, depositria* de reservas de diversos minerais.

    Uma nova era de plantaes no norte de Moambique

    Slide tirado de uma apresentao feita pelo Ministrio da

    Agricultura de Moambique sobre o projecto ProSavana durante

    a Conferncia Triangular dos Povos, em Maputo, a 8 de Agosto de

    2013. O slide mostra como o projecto procura reproduzir a rpida

    expanso das plantaes de soja que ocorreu no Cerrado do Brasil.2

    O crescente interesse estrangeiro por terras agrco-las no exclusivo Moambiq ue. Todo o continente Africano foi tomado pela corrida a terras agrcolas. Desde 2008, empresas estrangeiras andam a vasculhar o continente em busca de terras frteis para a produo

    2. Para mais pormenores sobre a conferncia triangular dos

    povos, visite: http://tinyurl.com/lgm7d8v.

  • 3de commodities agrcolas para exportao. Centenas de acordos j foram assinados, abrangendo milhes de hectares.

    A corrida por terras agrcolas africanas em parte uma consequncia da crise dos preos dos alimentos de 2008, o que tornou difcil para os pases dependen-tes da importao de alimentos adquirir os alimentos de que necessitam a preos acessveis. Como resposta, alguns dos pases mais ricos que dependem da impor-tao de alimentos, como os pases do Golfo, a China e Japo, adoptaram novas polticas para incentivar as suas empresas a adquirir enormes fazendas/farmas agrcolas no exterior para produzir alimentos para con-sumo nos pases de origem. A frica vista como um dos novos campos por explorar, onde commodities agr-colas podem ser produzidos de forma barata e exporta-dos para suprir a procura crescente no mundo.

    O ano 2008 foi tambm o ano de uma grave crise financeira global. Com a queda dos mercados de aces, o sector financeiro comeou a procurar novos activos, mais seguros e rentveis, onde investir os trilies de dlares ao seu dispor. Dentro de poucos anos, centenas de novos veculos financeiros foram criados para canali-zar fundos para a aquisio de terras agrcolas e partici-pao em actividades agrcolas.

    Para alm de tudo isto, os principais grupos indus-triais do sector de alimentos e agro-negcios do mundo esto cada vez mais interessados em frica. Os merca-dos do Norte esto saturados, e para empresas como a Monsanto, Olam, Yara e Nestl, a frica uma fonte quase inexplorada para a obteno de novas receitas.

    No entanto, em frica, as terras, sementes e sistemas alimentares continuam principalmente nas mos de camponeses e criadores de gado que alimentam as suas famlias e abastecem os mercados locais fora da rbita das cadeias globais de alimentos e agrcolas. Para estas empresas crescerem, a agricultura campo-nesa tem de ser substituda por plantaes industriais de grande dimenso, e sistemas alimentares locais tm de ser substitudos por cadeias alimentares industriais transnacionais, desde as sementes at s prateleiras dos supermercados.

    O resultado que os camponeses e criadores de gado em todo o continente africano esto agora sob uma presso crescente por parte de governos e empre-sas para abandonarem as suas terras e recursos hdri-cos. De acordo com um relatrio do Banco Mundial de 2010, mais de 70% das aquisies de terras agrcolas de grande escala no mundo todo, na ltima dcada, foram para frica subsaariana, especialmente Etipia, Sudo e Moambique.

    O Governo de Moambique tem descaradamente procurado atrair esta onda de investimento agrcola estrangeiro, particularmente para o Corredor de Nacala, no norte do pas. Trabalha em parceria com governos de outros pases e doadores internacionais, com destaque para o Japo e o Brasil, num programa de grande escala conhecido como ProSavana, que visa transformar cerca de 14 milhes de hectares de terras, actualmente culti-vadas pelos camponeses que abastecem os mercados locais da regio do corredor de Nacala e no s, em grandes exploraes agrcolas dirigidas por empresas

    ProSavana, que visa transformar cerca de 14 milhes de hectares de terras, actualmente culti-vadas pelos camponeses que abastecem os mer-cados locais da regio do corredor de Nacala e no s, em grandes explora-es agrcolas dirigidas por empresas estrangeiras para produzir commodities agrcolas baratas voltadas para exportao. (Foto: Erico Waga por GRAIN)

  • 4estrangeiras para produzir commodities agrcolas bara-tas voltadas para exportao.

    A Unio Nacional de Camponeses de Moambique (UNAC) est frente de uma campanha de conscien-cializao sobre a situao no Corredor de Nacala e oposio ao ProSavana. Uma forte oposio nacional e internacional ajudou a refrear o projecto e a inviabilizar alguns dos seus componentes mais agressivos no que diz respeito a usurpao de terras.

    Contudo, isto no significa que o governo e as empre-sas estrangeiras desistiram de assumir o controlo das terras e dos recursos hdricos do Corredor de Nacala para o agro-negcio em larga escala. Em Janeiro de 2014, funcionrios de alto nvel do governo e empre-srios reuniram-se para a apresentao de um novo projecto de desenvolvimento na Bacia do Rio Lrio. A iniciativa envolve um projecto agrcola enorme ao longo do Rio Lrio, na diviso entre as provncias de Niassa, Nampula e Cabo Delgado.

    O projecto orado em US$ 4.2 mil milhes est a ser gerido por uma empresa designada Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio Lrio que ao que consta administrada pela TurConsult Ltda. A TurConsult propriedade de Rui Monteiro, um influente empresrio no sector hoteleiro e turstico de Moambique, e a Agricane, uma empresa sul-africana que tem prestado servios de consultoria e gesto em muitos projectos de agro-negcio de grande escala em frica, especialmente no ramo de explorao do acar. No se sabe ao certo quem est a financiar o projecto.

    Slide de uma apresentao feita pela empresa Vale do Rio Lrio em Janeiro de 2014 que no se encontra disponvel ao pblico.

    O objectivo da empresa construir duas barragens hidroelctricas de 40 MW e 15 MW respectivamente, no curso do Rio Lrio e criar um projecto de regadio que abrange 160 000 ha, como tambm desenvolver cerca de outros 140 000 ha para agricultura de sequeiro,

    agricultura por contrato e produo de gado. O pro-jecto visa concentrar-se na produo para exportao de algodo, milho, cereais e gado, assim como a cana--de-acar para a produo do biocombustvel etanol. As estimativas preliminares indicam que mais de 500 000 pessoas que vivem na rea sero afectadas pelo projecto. Tal como o caso com o ProSavana, os por-menores deste projecto so mantidos longe do alcance do pblico, apenas fontes annimas referiram que o mesmo j foi submetido ao Ministrio da Agricultura para apreciao, prevendo-se a sua aprovao junto do Conselho de Ministros como manda a lei para projectos desta dimenso.

    Slide adaptado a partir de uma apresentao feita pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio Lrio, em Janeiro de 2014.

    O projecto do Rio Lrio e o ProSavana no devem ser vistos independentemente. Fazem parte de uma inicia-tiva mais ampla, que envolve o Banco Mundial e a Nova Aliana para a Segurana Alimentar e Nutricional do G8, para abrir Moambique a projectos de agro-negcio de grande escala.

    A Nova Aliana do G8 foi proposta pelo governo dos Estados Unidos e foi assinada por cerca de 40 esta-dos, instituies financeiras internacionais e organiza-es multilaterais durante a Cimeira de 2009 do G8 em L'Aquila, na Itlia.3 Ao abrigo da Nova Aliana, um acordo-quadro foi assinado com Moambique, sendo ento transformado numa poltica pblica nacional, o Plano Nacional de Investimentos do Sector Agrrio (PNISA), que se tornou no instrumento operacionaliza-dor do desenvolvimento da agricultura em Moambique.

    3. O G8 alega que esta iniciativa vai retirar da pobreza 50

    milhes de africanos, incluindo 3.1 milhes de moambicanos,

    at 2022. Dez pases africanos j assinaram o acordo-quadro no

    mbito da Nova Aliana: Benim, Burkina Faso, Cte dIvoire, Etipia

    Gana Malaui, Moambique, Nigria Senegal e Tanznia.

  • 5O PNISA deveria abordar as priorida-des dos moambicanos, pondo em pr-tica o recm-formulado Plano Estratgico de Desenvolvimento do Sector Agrrio (PEDSA). No entanto, atravs do Acordo-Quadro da Nova Aliana, o PNISA foi mol-dado de modo a responder em primeiro lugar aos interesses das grandes potncias mundiais, especialmente os pases do G8 e suas empresas, sob o pretexto de fortale-cer a "segurana alimentar e nutricional" de Moambique.4

    No mbito do acordo-quadro, o governo moambicano j instituiu reformas significa-tivas para facilitar o investimento estrangeiro no agro-negcio. Estas incluem mudanas nas leis da terra para proporcionar uma atribuio mais flexvel dos ttulos de terra, o chamado "Direito de Uso e Aproveitamento da Terra" (DUAT) e alteraes nas leis sobre sementes e fertilizantes para harmoniz-las com o resto da Comunidade de Desenvolvimento da frica Austral (SADC). Estas reformas so importantes para abrir a porta aos megaprojectos do agro-negcio no Corredor de Nacala.5

    Um outro projecto importante que est a incentivar a corrida por terras na regio o Projecto das Estratgias de Desenvolvimento Econmico do Corredor de Nacala (PEDEC). Este projecto agrega vrios grandes inves-timentos em infra-estrutura, extraco de recursos, minerao e transporte. O mapa abaixo ilustra a teia de investimentos em minerao, agro-negcio e trans-porte no Corredor de Nacala e como estes esto a ser interligados aos investimentos em outros corredores de transporte regionais, por via da remodelao de uma linha ferroviria de 912 km que liga a cidade de Moatiza, onde predomina a extraco de carvo, com o Porto de Nacala. O Projecto de Estratgias financiado pela Agncia de Cooperao Internacional do Japo (JICA) a empresa japonesa Mitsui um dos principais investi-dores na mina de carvo de Moatiza, a ferrovia e o porto de Nacala, sendo ainda um potencial investidor na pro-duo agrcola na rea.6

    4. Vunhanhe e Adriano (2014), Segurana Alimentar e

    Nutricional em Moambique: um longo caminho por trilhar, artigo

    ainda publicado.

    5. Idem.

    6. O site da empresa Mitsui declara o seguinte: A Mitsui tem o

    potencial para trabalhar com a brasileira SLC Agricola para produzir

    nos pases de expresso portuguesa como Angola e Moambique,

    no caso do continente africano se abrir para a agricultura em

    grande escala.

    Os governos, empresas e agncias que apoiam o ProSavana e outros projectos no Corredor de Nacala sustentam que os camponeses da regio beneficiaro do novo investimento, infra-estrutura e acesso aos mer-cados. Dizem ainda que os camponeses no sero des-pejados das suas terras para dar lugar a fazendas das empresas.

    No entanto, evidente que estes projectos j esto a encorajar a usurpao de terras no Corredor de Nacala. Vrias empresas estrangeiras, algumas em colaborao com empresas nacionais ligadas a membros do partido no poder em Moambique, FRELIMO, j adquiriram grandes superfcies agrcolas na rea e tm desalojado milhares de famlias camponesas.

    O dinheiro que est a entrar em agro-negcios no Corredor de Nacala est, essencialmente, a recriar o que a populao local viveu sob o colonialismo portu-gus. Durante o perodo colonial, o governo entregou generosamente as terras mais frteis na rea a inves-tidores portugueses. Em alguns casos, os moambica-nos que cultivavam as terras recebiam pequenas quan-tidades a ttulo de compensao, mas na maioria dos casos eram simplesmente desalojados e escravos. Com a independncia, em 1975, os investidores portugueses fugiram e as populaes locais voltaram s suas terras para retomar a agricultura. Em alguns casos, empresas estatais tomaram posse de plantaes coloniais, mas poucas destas empresas foram capazes de manter a produo, e mais tarde as comunidades recuperaram tambm grande parte destas terras.

    A Lei de Terras de Moambique d s comunidades posse sobre terras que j cultivam h mais de 10 anos. O que significa que as antigas fazendas coloniais j deviam

    Projecto das Estratgias de Desenvolvimento Econmico do

    Corredor de Nacala (PEDEC) de 2014.

  • 6formalmente ter revertido para os camponeses. Mas como a rea voltou a ser alvo de investimento estran-geiro na agricultura, o governo moambicano conspira com os investidores estrangeiros para lhes poder ofe-recer concesses a longo prazo destas mesmas terras. Este eco dos tempos coloniais mais forte pelo facto de que alguns dos investidores so famlias portuguesas que enriqueceram durante o perodo colonial e esto agora a voltar para Moambique para comear planta-es exactamente nas mesmas terras de onde colonia-listas portugueses fugiram h 40 anos. Poucos destes tm formao em agricultura, mas muitos tm ligaes a membros influentes do partido no poder, FRELIMO, que os ajudam a adquirir as terras e a gerir qualquer oposio das comunidades locais.

    Muitas vezes as comunidades nem sequer sabem quem que est a usurpar as suas terras. As empresas que tomam posse das terras esto geralmente regista-das em parasos fiscais como as Ilhas Maurcias, onde a identidade dos proprietrios das empresas e os regis-tos financeiros so mantidos em segredo. Isto deixa s autoridades moambicanas e s comunidades afecta-das poucas opes para exigir uma prestao de contas destas empresas relativa s suas actividades ou para garantir que uma fraco mnima dos lucros permanea no pas.

    Este relatrio, baseado em artigos publicamente dis-ponveis, documentos oficiais, entrevistas e relatrios de campo, apresenta informaes detalhadas sobre os casos de usurpao de terras para produo agrcola que j esto em curso no Corredor de Nacala. Expe

    tambm alguns dos principais agentes envolvidos e mostra como os investidores estrangeiros e seu modelo industrial do agro-negcio esto a causar estragos no seio das comunidades camponesas e os seus sistemas alimentares. Estes incidentes de usurpao de terras apresentam uma viso clara do tipo de investimento que os camponeses moambicanos podem esperar do ProSavana, o projecto do Vale do Rio Lrio e outras ini-ciativas que visam incentivar o investimento estrangeiro no agro-negcio no pas.

    O colonialismo portugus est de volta

    Mozaco e o Grupo Esprito Santo

    A Mozambique Agriculture Corporation (Mozaco) foi constituda em Moambique, em Junho de 2013, pela Rioforte Investments e Joo Ferreira dos Santos (JFS Holding).

    A Mozaco diz que obteve um DUAT relativo a 2 389 ha na Aldeia de Natuto, Distrito de Malema, Provncia de Nampula, em Junho de 2013, onde planeia cultivar soja e algodo. A empresa diz que o seu "objectivo expandi-lo at chegar aos 20 000 hectares". Pretende ainda levar a cabo produo por contrato envolvendo entre 116 a 170 camponeses, num terreno de 83 ha, com base num programa criado pela ONG americana TechnoServe.7

    7. Rioforte Annual Report 2013.

    Foto da casa de uma famlia reassentada pela Mozaco. (Foto: Erico Waga por GRAIN)

    gabrielHighlight

  • 7A rea ocupada pela Mozaco na comunidade de Natuto, Posto Administrativo de Canhunha, no Distrito de Malema, uma rea que na poca colonial foi ocu-pado por um colono chamado Morgado, que produzia tabaco e algodo numa rea de aproximadamente 1 000 ha. Aps a independncia, o governo nacionalizou as terras e instalou a uma empresa estatal de nome Unidade de Namele, que tambm explorava macham-bas estatais nos distritos de Ribu e Laulaua. No seu auge, a machamba estadual empregava 5 000 trabalha-dores, mas, por volta de 1989, com a intensificao da guerra civil, foi encerrada.

    "Quando a empresa foi encerrada, os trabalhadores estavam com os salrios atrasados h vrios anos", diz um pai de sete filhos, de 48 anos de idade que mora em Natuto, que trabalhava na fazenda Unidade de Namele. "Mas, como era impossvel reclamar por causa do nvel de represso do governo na poca, muitos de ns acab-mos tomando pequenas parcelas de terra da machamba estatal de entre 1 a 5 hectares, que cultivamos at hoje. A empresa Joo Ferreira dos Santos cultivou alguns hectares de tabaco Virgnia no incio dos anos 90, mas abandonou estas actividades h anos".8

    De acordo com a legislao de terras de Moambique, as famlias que ocuparam e cultivaram terras por mais de uma dcada, como as que cultivam as terras da antiga machamba Unidade de Namele, por via costumeira a lei confere-lhes igual direito ao DUAT que probe qualquer empresa ou instituio do estado de desaloj-los des-tas terras a no ser que seja claramente do interesse pblico, como para a construo de hospitais, escolas ou estradas.

    8. Entrevistas com um membro da comunidade afectado pelo

    projecto Mozaco (Malema, Julho 2014).

    No entanto, os lderes dos camponeses da comuni-dade dizem que a Mozaco j desalojou cerca de 1 500 camponeses para desimpedir as terras para as suas actividades. A organizao ADECRU estima que vrios milhares vo ainda perder as suas terras se a empresa for autorizada a expandir a concesso para 20 000 ha.9 Alm do mais, o acesso terra apenas uma parte do que est em jogo para as comunidades: a Mozaco sem dvida escolheu a rea, pois est situada entre dois rios importantes, o Rio Malema e o Rio Nataleia, onde 4 500 famlias vivem e tm as suas culturas. Estas famlias agora correm o risco de perder o acesso s terras e gua de que necessitam para cultivar e sobreviver.

    Durante a poca de 2012-3, a Mozaco plantou soja numa rea de aproximadamente 200 ha. Na poca seguinte, a empresa aumentou a rea para 400 ha. Neste processo, dez famlias perderam as suas casas e receberam compensaes que variam de 3,000 Mt (US$ 90) a 10,000 Mt (US$ 300). A igreja local de Santa Lcia, tambm foi destruda e 1 500 camponeses perderam o acesso s suas terras, sem qualquer com-pensao numa flagrante violao da Lei de Terras.10

    A JFS Holding 100% propriedade da famlia Ferreira

    9. Clement Ntauz, Peasants accuse presidential candidates of

    marginalising small scale agriculture, ADECRU, 6 Outubro de

    2014.

    10. Lei de Terra e o decreto n. 31/2012, de 8 de Agosto,

    Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de

    Actividades Econmicas. Paragrafo 2, Artigo 24 do Decreto No

    31/2012 declara que assentamentos sem a devida autorizao das

    autoridades competentes passvel de uma coima de 2-5 milhes

    de MT (US$60-150 mil) e a implementao de uma plano de reas-

    sentamento no autorizado passvel de uma coima igual a 10% do

    oramento global do projecto.

    O projecto das Estratgias de Desenvolvimento Econmico do Corredor de Nacala (PEDEC) agrega vrios grandes investi-mentos em infra-estrutura, extraco de recursos, minerao e transporte. (Photo: Erico Waga por GRAIN)

  • 8dos Santos de Portugal. Estes tm um longo hist-rico de envolvimento na agricultura em Moambique e a JFS hoje a maior empresa de algodo no pas. Quanto Mozaco, o accionista maioritrio a Rioforte Investments, que detm 60% das aces da empresa.11

    A Rioforte uma empresa com sede no Luxemburgo, que foi criada em 2009 como veculo para os activos no financeiros do Grupo Esprito Santo uma dinastia financeira portuguesa com profundas ligaes polti-cas que est actualmente envolvido no que provavel-mente o pior escndalo econmico de sempre a assolar Portugal.

    Em Maio de 2014, o Banco de Portugal divulgou uma auditoria que questionava a estabilidade financeira e transparncia da principal empresa do Grupo Esprito Santo, o Banco Esprito Santo. Depois em Agosto, deu--se o controverso resgate do Banco Esprito Santo, no valor de 4 5 mil milhes, com o apoio da Unio Europeia.

    Uma das condies do pacote de resgate foi a divi-so do Banco Esprito Santo em dois bancos: um cons-titudo pelos "bons activos" e o outro composto dos "activos txicos". Estes activos txicos consistiam prin-cipalmente de investimentos do banco nas empresas do Grupo Esprito Santo que estavam sujeitas a pouca regulamentao e auditoria.

    Investigadores em pelo menos seis pases Portugal, Sua, Venezuela, Panam, Luxemburgo e Angola con-tinuam a analisar documentos bancrios, transferncias e negcios, tentando determinar quais os truques a que o Grupo Esprito Santo possa ter recorrido para no afundar.12

    Ao que consta, os activos da Rioforte incluindo as suas fazendas/farmas foram jogados na pilha dos "txicos". Alm das suas actividades agrcolas em Moambique atravs da Mozaco, a Rioforte explora trs fazendas/farmas de soja e gado no Paraguai, uma rea de 135 000 ha atravs da subsidiria Paraguay Agricultural Corporation (Payco), e trs plantaes de eucalipto e fazendas/farmas de cultivo de alimentos no Brasil com uma rea de 32 000 ha atravs de duas outras subsidirias.13

    Continua incerto qual vai agora ser o futuro das outras farmas da Mozaco e da Rioforte. Em Julho de 2014, a Rioforte Investments, com cerca de 3 mil milhes de euros em dvidas, avanou com um pedido de proteco contra os seus credores num tribunal do Luxemburgo

    11. Rioforte, Consolidated Financial Statements for 2013.

    12. Eric Ellis, Downfall of a dynasty: The last days of Ricardo

    Salgado and Banco Esprito Santo, Euromoney, 14 Outubro de

    2014.

    13. Rioforte, Consolidated Financial Statements for 2013.

    um pedido que foi deferido. Mas em Outubro de 2014, o Tribunal Comercial de Luxemburgo rejeitou o pedido e determinou que a subsidiria do Grupo BES seria liqui-dada e que os fundos resultantes seriam usados para pagar os credores. As tentativas do Grupo Esprito Santo de recorrer da deciso foram negadas.

    O Banco Esprito Santo tambm dono de 49% do Moza Banco, o quarto maior banco privado em Moambique. Ainda no se sabe ao certo o que o colapso do imprio Esprito Santo significa para este banco. Os outros 51% pertencem a um consrcio de investidores moambicanos, sendo o principal entre estes o antigo governador do Banco de Moambique, Prakash Ratilal. Consta que o antigo presidente Guebuza tambm detm aces do consrcio.14

    Agro Alfa SARL

    A Agro Alfa SARL uma empresa de propriedade por-tuguesa voltada para mquinas agrcolas que foi nacio-nalizada aps a independncia, em 1975. Foi privatizada em 1996 e, com o apoio do governo, veio a participar da produo de componentes industriais para o projecto de alumnio Mozal, administrada pela BHP, a Mitsubishi e a IDC da frica do Sul. Como resultado, as receitas da empresa subiram seis vezes entre 2000 e 2011. A Mozal actualmente responde por cerca de metade das vendas da empresa. Outros 40% das receitas vm de contratos com o Ministrio da Educao.15

    14. Alegao do Charg dAffaires americano Todd Chapman

    numa comunicao divulgada pela Wikileaks.

    15. Oksana Evguenevna Colomies Mandlate, Ligaes a

    Montante dos Grandes Projectos de IDE e Diversifica- o da

    Economia: Estudo de Caso de Quatro Empresas ligadas com a

    Mozal, 2013.

    O influente empresrio Carlos Simbine.

  • 9Atravs do processo de privatizao, a Agro Alfa foi comprada pelo empresrio portugus Jos Adelino Nogueira Aires Alves e Jacinto Sabino Mutemba de Moambique. Em 2011, uma empresa chinesa, Tianjin Machinery Import & Export Corporation e uma empresa com sede no Chipre, a V&M Import and Export Agents (Pty) limited, fizeram investimentos significativos no capital social da empresa. Jos Alves e Jacinto Mutemba detm agora 26,6% da empresa cada, enquanto a V&M detm 26,4% e a Tianjin Machinery os outros 16%.

    A Agro Alfa recentemente comeou a demonstrar interesse na aquisio de terras no distrito de Monapo, na provncia de Nampula. Primeiro, tinha na mira uma antiga propriedade colonial de 650 ha que tinha sido ocupada por camponeses da aldeia de Nacololo aps a independncia do pas em 1975. De acordo com a lei de terras moambicana, estas terras deviam ter rever-tido para as comunidades, uma vez que estas j as ocu-pavam h mais de 10 anos, e alguns dos camponeses tinham at obtido ttulos DUAT relativos a uma parcela da machamba. Em 2013, no entanto, a Agro Alfa insta-lou-se na rea, expulsou os camponeses, construiu uma cerca ao redor da fazenda, e comeou a plantar soja.16

    A Agro Alfa anda tambm a tentar adquirir terras na comunidade vizinha de Vida Nova, tambm no Distrito de Monapo. Tambm aqui, a Agro Alfa anda a tentar obter o direito a duas antigas machambas coloniais de cerca de 2.000 ha. Os camponeses tinham sido expul-sos destas machambas durante a administrao colo-nial para dar lugar a plantaes pertencentes a Manuel Logrado e Manuel dos Santos, ambos de Portugal. Com a independncia, em 1975, as terras foram retomadas e mais uma vez foram cultivadas pela populao local de Vida Nova e outras comunidades vizinhas como Micolene, Numacopa e Napepele.

    Os moradores locais dizem que a revindicao da Agro Alfa s terras tem por base um acordo com o chefe de uma aldeia vizinha, Merutu, que foi assinado aps uma reunio de um dia que este teve com a empresa. Dizem que o chefe em causa no tem autoridade sobre estas terras ancestrais e que se recusam a reconhecer o acordo.17

    No se sabe ao certo se a Agro Alfa est a adquirir as terras para as suas prprias actividades ou em nome de outros investidores, talvez em parceria. A empresa est estreitamente ligada a pelo menos duas outras empre-sas de investimento activas em Moambique: a Rural Consult Ltda., que controlada por Jacinto Mutemba, e a Tsemba Sociedade de Desenvolvimento Ltda., que

    16. Clement Ntauz, op. cit.

    17. Clement Ntauz, op. cit.

    uma parceria entre a Agro Alfa e o influente empre-srio Carlos Antnio da Conceio Simbine, uma figura importante no recm-criado Moza Banco.

    Tanto a Rural Consult como a Agro Alfa so accio-nistas importantes no Banco nico, ao lado do Grupo Amrico Amorim de Portugal e a Intelec de Moambique (vide AgroMoz). E dito da Agro Alfa que esta tem liga-es de alto nvel com a elite poltica moambicana, incluindo o filho de Armando Guebuza, Mussumbuluko Guebuza.18

    Um dos proprietrios da Agro Alfa, Jos Alves, recen-temente afiliou-se a uma nova empresa chamada Grupo Aldira que busca desenvolver parcerias de investimento entre empresas em Moambique, no Chile e Portugal. Tsemba aparece como uma das empresas associadas da Aldira, assim como o caso de uma empresa portu-guesa chamada Suaves Planos Lda.19

    Pouco se sabe sobre a Suaves Planos para alm de que gerida por Carlos Jorge Martins Pereira, mem-bro da Assembleia Nacional de Portugal, membro do PSD, e Srgio Nuno Nogueira Aires Alves, um autarca membro do CDS-PP, antigo presidente do Vilaverdense Futebol Clube e director comercial do Moza Banco em Moambique.20

    AgroMoz

    O perfil da empresa AgroMoz diz muito sobre a trans-formao em curso no Corredor de Nacala. Esta empresa, uma parceria envolvendo o homem mais rico de Portugal, o antigo presidente de Moambique e um dos maiores detentores de terra no Brasil, estabeleceu operaes no corao da zona produtora de soja da regio.

    Em 2012, representantes da AgroMoz chegaram ao posto administrativo de Lioma, s pressas obtiveram direito s terras com algumas autoridades do governo e comearam a desalojar das terras mais de mil campo-neses da aldeia de Wakhua.21

    18. Portuguese groups Visabeira and Amorim import banking

    experience from Angola to their partnership in Mozambique

    Macauhub, 7 November 2011.

    19. Site do grupo Aldira: Equipa (visitado a 6 de Janeiro de 2015).

    20. A empresa Suaves Planos Lda esteve envolvida num inves-

    timento em Moambique que previa a criao de uma empresa

    chamada Forma Redonda - Moambique, Limitada in 2012. Srgio

    Alves suspende lugar na vereao, Jornal Vilaverdense, 25 de

    Janeiro de 2011. Informaes sobre as ligaes de Carlos Jorge

    Martins Pereira com a Suaves Planos encontram-se aqui:

    http://tinyurl.com/onqnego.

    21. Jlio Paulino, Mozambique: More than 1,000 people displa-

    ced from their lands in Lioma, @Verdade, 24 de Outubro de 2014.

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    "O processo comeou em 2012 e, na poca, foi-nos dito que o projecto AgroMoz abrangeria uma rea esti-mada em apenas cerca de 200 hectares, comeando com um terreno para realizar testes de fertilidade de diversas sementes, como soja, milho e feijo", diz Agostinho Mocernea, o secretrio da aldeia de Nakarari. Mas a empresa cresceu rapidamente.22

    Na poca de 2013/2014, a AgroMoz cultivava de 2 100 ha, dos quais soja em 1 700 ha e arroz, em 400 ha. A empresa diz que a sua inteno chegar a 12 mil ha.23

    Os camponeses despejados receberam uma com-pensao mnima, entre 2 000 e 6 500 Meticais (US$ 65-200). Um dos camponeses, Fernando Quinakhala, pai de cinco filhos, diz que a AgroMoz os despejou de um terreno de 3,5 hectares que ele e seus antepassados cultivavam. A empresa determinou que ele tinha direito a 6 500 Mt em compensao, mas Quinakhala diz que tal compensao estava muito longe do que a terra valia para ele e a sua famlia. "Eu no quis aceitar o dinheiro, pois era muito insignificante", diz ele.24

    De acordo com outro agricultor de Wakhua, Mariana Narocori, me de trs filhos, quando o processo para a concesso de terra comeou, foi chamada para partici-par de uma reunio anunciada pelo chefe local, onde foi anunciado que as terras seriam entregues AgroMoz.25

    22. Ibid.

    23. Jorge Rungo, Agromoz introduz arroz de sequeiro, Jornal

    Domingo, 6 April 2014.

    24. Jlio Paulino, op cit.

    25. A informao sobre a situao em Wakhua foi recebida de

    Jlio Paulino, op cit.

    "Fui forada a assinar um documento cujo contedo no tive acesso, e recebi apenas 4 500 Mt (US$ 155) ", diz Narocori. "Uma semana depois, um tractor chegou e demoliram a minha casa e destruram as culturas. Fiquei sem-tecto e tive de me mudar para a cidade de Nakarari, onde me foi atribudo um lote de terra no qual constru a minha casa e preparei um terreno para sobreviver."26

    A sua histria mostra como o desalojamento de pessoas de Wakhua coloca presso sobre as terras em outras reas e cria riscos de mais conflitos de terra.

    A AgroMoz no cumpriu a promessa que fez comunidade de construir uma clnica e uma escola. No entanto, j est a afectar gravemente a sade das popu-laes locais. Na poca passada, a empresa comeou a pulverizao area de agro-txicos sobre as lavouras de soja.

    "Na campanha agrcola de 2013/2014, um grupo de trabalhadores da AgroMoz veio nos informar que durante a pulverizao, realizada por um avio de pequeno porte, as pessoas tinham de abandonar as suas casas, de forma a evitar possveis danos causados pelo produto qumico", diz Mocernea. Depois de alguns dias, quase todos os moradores comearam a apanhar gripe e as colheitas morreram.27

    Apesar da oposio da populao local e os impac-tos destrutivos que a empresa tem tido at agora, o governo moambicano concedeu AgroMoz um DUAT referente a uma rea de 9 000 hectares em Lioma. Na altura, Armando Guebuza, um dos investidores na AgroMoz, ainda era presidente do pas.

    De acordo com informao disponvel, a AgroMoz uma joint venture entre o Grupo Amrico Amorim de Portugal, uma holding do homem mais rico de Portugal, Amrico Amorim, e a Intelec, que a embaixada dos Estados Unidos descreveu como "um veculo de inves-timento para o antigo presidente Guebuza".28 O Grupo Pinesso do Brasil, que explora farmas com um total de mais de 180 000 ha no Brasil e 22 000 ha no Sudo, gerencia as actividades agrcolas, mas no se sabe ao certo se tambm detm uma participao na empresa.

    Informaes obtidas em documentos nos regis-tos comerciais e sites de empregados indicam que a AgroMoz de facto faz parte da AGS Moambique, SA, uma empresa moambicana detida por duas subsidi-rias portuguesas do Grupo Amorim (Solfim SGPS e Sotomar Empreendimentos Industriais e Imobilirios, SA) e a ESF Participaes, uma subsidiria da ESF

    26. Jlio Paulino, op cit.

    27. Jlio Paulino, op cit.

    28. Alegao do Charg dAffaires americano Todd Chapman

    numa comunicao divulgada pela Wikileaks.

    Salimo Abdula de Intelec, principal parceiro de neg-cios de Guebuza: de acordo com informao dispo-nvel, a AgroMoz uma joint venture entre o Grupo Amrico Amorim de Portugal, uma holding do homem mais rico de Portugal, Amrico Amorim, e a Intelec.

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    Investimentos, controlada pela Intelec e SF Holdings, as duas presididas pelo principal parceiro de negcios de Guebuza, Salimo Abdula.

    Em nome de Deus

    Quando os missionrios chegaram, os africanos tinham a terra e os missionrios tinham a Bblia. Ensinaram-nos a orar com os olhos fechados. Quando os abrimos, eles tinham a terra e ns tnhamos a Bblia

    Jomo Kenyatta

    New Horizons

    Uma das principais ideias para o Corredor de Nacala transform-lo numa grande zona de produo de aves. Vrias empresas e projectos de doadores j tentaram, de maneiras diferentes, estimular a avicultura por contrato, ao estilo dos Estados Unidos, e o cultivo de culturas para a alimentao das aves, especialmente soja, dentro da rea.

    Um dos primeiros destes projectos foi dirigido pelo agricultor e missionrio Andrew Cunningham, do Zimbabu, que instalou um centro de incubao e ali-mentao a que chamou New Horizons Mozambique

    em 2004, numa rea de 300 ha a 15 km a oeste de cidade de Nampula, com o apoio da ONG americana Technoserve e, mais tarde, da Corporao Financeira Internacional do Banco Mundial.29

    "Somos os adeptos fanticos de Deus pois empre-endemos actividades comerciais e agricultura da sua maneira", diz Cunningham.

    Em 2007, a New Horizons Mozambique foi adquirida pela Cazz Services Ltd., que, ao que consta, est registada nas Ilhas Virgens Britnicas, e a J.K. Trust, uma empresa desconhecida.30Depois, em 2011, a New Horizons Africa LLC, com sede nos Estados Unidos, adquiriu uma parti-cipao de 33% na empresa. A New Horizons Africa LLC da famlia Ron Cameron de Arcansas, que tambm proprietria da Mountaire Corp, a sexta maior empresa

    29. http://www.wells-dc.com/blog/post.php?s=2009-10-

    -29-new-horizons-an-inclusive-poultry-business; boletim interno

    da ATMS, Poverty alleviation in Nampula, Mozambique. Project

    feature New Horizons, 30 trimestre, 2009 www.amsco.org/

    atms/downloads/ATMS_2009_Q3.pdf

    30. Boletim da Republica, 30 de Novembro de 2007. CAZZ

    Services Limited is a company registered in BVI (1057177) and was

    stricken from the Register of Companies on 1 May 2013 for the non-

    -payment of annual fees: http://tinyurl.com/n5azlzn.

    A AgroMoz no cumpriu a promessa que fez comunidade de construir uma clnica e uma escola. No entanto, j est a afectar gravemente a sade das populaes locais. (Photo: Erico Waga por GRAIN)

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    avcola nos Estados Unidos, e ainda um importante financiador do Partido Republicano.31

    A New Horizons foi instituda no s para fazer neg-cios, como tambm "para ver o reino de Deus estender at frica rural". A empresa, atravs de uma estreita parceria com a igreja evanglica Newfrontiers no Zimbbue est a construir o que chama de "Comunidade de Fuso" na rea, que rene as actividades de avicul-tura, escolas religiosas e igrejas.

    Uma das empresas que veio a fazer parte desta comunidade em 2011 o Center Fresh Group o segundo maior produtor de ovos nos Estados Unidos, com cerca de 25 milhes de galinhas nas suas por per-odo especfico.32 Por meio de uma joint venture denomi-nada Mozambique Fresh Eggs, com a New Horizons e Eggs for Africa, outra empresa de aves dentro da comu-nidade dirigida pela Igreja Newfrontiers, a Centre Fresh est a construir e a explorar actividades de produo de ovos em grande escala.

    " muito boa terra. Mas as pessoas simplesmente no tm o conhecimento. Eu acho que toda a regio vai ser a prxima exploso do crescimento da agricultura", diz o scio Center Fresh Group, Bruce Dooyema.

    31. Boletim da Republica, 30 de Novembro de 2007 e 29 de

    Abril de 2011; Annie Linskey, Koch-Founded Super-PAC Draws

    $500,000 Donor in First Days, Bloomberg, 15 de Julho de 2014.

    32. O capital social da Mozambique Fresh Eggs corresponde a

    50% aces da CFG, 25% aces da New Horizons e 25% aces

    da Eggs for Africa, outra empresa da Community of Fusion encarre-

    gada do marketing dos ovos em Nampula.

    Rei do Agro

    Os financiadores da New Horizons e as suas empre-sas associadas sustentam que a sua prioridade criar oportunidades para a populao local. No entanto, o plano de negcios para a Mozambique Fresh Eggs envolve uma parceria com uma outra empresa norte--americana para estabelecer uma fazenda de grande escala na mesma rea para a produo de culturas ali-mentares para as suas aves.33

    Quando estavam a considerar o investimento em Moambique, os proprietrios do Center Fresh Group trouxeram Jes Tarp e Paul Larsen a Nampula para ver se estes eram capazes de instalar actividades agr-colas semelhantes s que os dois tinham montado na Ucrnia. Tarp e a empresa de Larsen, Aslan Global Management, j haviam angariado fundos nos Estados Unidos para adquirir e explorar uma rea de 10 000 ha na Ucrnia.

    O problema com a frica em geral, que no h eco-nomia, diz Wallie Hardie.

    A Aslan, por meio da sua subsidiria moambicana, Rei Do Agro, adquiriu um DUAT para 2 500 ha, "com um compromisso do governo de Moambique de mais 10 000 hectares", no Guru, na provncia da Zambzia, a cerca de 130 km a oeste das operaes de aves New Horizons, assim como uma farma de 42 000 ha de gado em Morogoro, na Tanznia. Ambas reas so epicentros de conflitos de terra entre investidores estrangeiros e as populaes locais.

    A Aslan Global Management financiada por cerca de 50 americanos, cada um tendo investido cerca de US$ 100 000 na empresa.34 "Inclui fazendeiros, inclui

    33. Michele Linck, Sioux Center partners aim to boost ag in

    Mozambique, Sioux City Journal, 26 de Maro de 2010.

    34. Mikkel Pates, Expanding in Africa, Agweek, Junho de 2013.

    Somos os adeptos fanticos de Deus pois empreendemos actividades comerciais e agricultura da sua maneira, diz Andrew Cunningham.

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    mdicos, inclui correctores de seguros. Pessoas de todas as esferas da vida", diz Tarp.35

    Os fundos destes americanos comuns so canaliza-dos para a Aslan Global e Rei do Agro atravs de uma complexa teia de empresas localizadas em jurisdies offshore e com condies favorveis no que diz res-peito a impostos, desde as Ilhas Maurcias ao Estado norte-americano de Delaware.36 Estas empresas esto

    35. Dan Charles, Mozambique Farmland Is Prize In Land Grab

    Fever, NPR, Junho de 2014.

    36. As subsidirias incluem: Aslan Global Management

    (Delaware, USA -2009), Aslan Global Management (Florida, USA

    -2009), AG Management-Mozambique, LLC (Delaware, USA

    -2009), AG Management-Mozambique, LLC (Florida, USA -2009),

    Rei Do Agro Limitada (Moambique 2009), Rei do Agro Holdings

    (Ilhas Maurcias -2010), Tarp Holdings LLC (Florida, USA 2010),

    Aslan Global Management Africa Ltd (Ilhas Maurcias 2011),

    Aslan Group Land Holdings LLC (Florida, USA 2012), e Aslan Group

    Land Holdings Africa Ltd (Ilhas Maurcias 2012).

    ligadas a vrias outras empresas geridas pelo Tarp, Larsen e/ ou o parceiro de negcios Quentin Silic que esto registados na mesma morada em Naples, na Flrida.

    Tarp um antigo pastor evanglico da Dinamarca e Larsen um gestor financeiro com um passado duvi-doso, que est fortemente envolvido com esquemas financeiros modernos ligados a igrejas.

    Larsen e Silic foram definitivamente impedidos pela Financial Industry Regulatory Authority (FINRA) de qualquer actuao no mercado de valores mobilirios dos Estados Unidos em 2011. Isto ocorreu quando Paul Larsen acumulou 15 eventos de divulgao em 4 anos, envolvendo milhes de dlares em perdas reclamadas pelos seus clientes.37 Um evento de divulgao uma aco, sano, aco judicial, queixa do cliente, conde-nao ou resciso.

    37. FINRA BrokerCheck Report, 24 de Outubro de 2014.

    A Aslan, por meio da sua subsidiria moambicana, Rei Do Agro, adquiriu um DUAT para 2 500 ha, com um compromisso do governo de Moambique de mais 10 000 hectares, no Guru, na provncia da Zambzia assim como uma farma de 42 000 ha de gado em Morogoro, na Tanznia. Ambas reas so epicentros de conflitos de terra entre investidores estrangeiros e as populaes locais.

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    Ao que consta, Larsen escolhia as suas vtimas entre aposentados e explorava as suas ligaes com a igreja para ganhar a confiana destes. Num caso especfico, Larsen fez um casal de aposentados levantar as pou-panas para a reforma e investi-las em investimentos alternativos de alto risco em que acumularam perdas substanciais. O Larsen tambm no divulgava o seu pr-prio interesse financeiro nas empresas em que estava a investir a poupana dos seus clientes.38 Num caso de arbitragem de uma indemnizao ao abrigo da FINRA foram alegadas perdas superiores a US$ 2 milhes rela-tivos venda de investimentos em fundos e sociedades de alto risco, incluindo a UKAG Group LLC, usada por Tarp, Larsen e Silic para financiar as suas actividades agrcolas na Ucrnia.39

    Isto no impediu que a Rei do Agro recebesse uma linha de financiamento generoso de agncias europeias de financiamento ao desenvolvimento. As activida-des agrcolas da empresa para o exerccio de 2013/14 foram financiadas pela AgDevCo, uma empresa sediada no Reino Unido, que goza do aval dos governos do Reino Unido, Holanda e Noruega. Tambm recebe apoio atravs do programa Pro-Parcerias, financiado pela Unio Europeia/IFAD/FAO.40 A Mozambique Fresh Eggs e New Horizons so tambm financia-das por agncias financeiras de desenvolvimento europeias, atravs do Fundo de Desafio Empresarial Africano, aos cuidados da AGRA e financiado pelo DFID, Sida, e AusAid.41

    "O problema com a frica em geral, que no h eco-nomia", diz Wallie Hardie, um farmeiro norte-americano no conselho do Grupo Aslan e que presta consultoria Rei do Agro. "A razo a ausncia de economia que h 20 anos a maioria destes pases estavam ocupados pelos comunistas, por isso realmente no entendem o modelo voltado para o lucro. Realmente no entendem o capitalismo."42

    38. Brian Mahany, REIT Fraud Alert Paul Larsen.

    39. Christopher J. Gray, P.C., Unsuitable Recommendation of

    Non-traded REITs and Other Unsuitable Investment Products, 5 de

    Dezembro de 2013.

    40. See AgDevCo page on Rei do Agro Limitada (last accessed 6

    January 2015 http://tinyurl.com/lkadbml) and Direco Nacional

    de Promoo do Desenvolvimento Rural, Projecto de parcerias

    entre comunidades e investidores: relatrio de actividade (Janeiro

    Outubro 2013).

    41. DFID, Sida, Annual review of the Africa Enterprise Challenge

    Fund (AECF), 2013.

    42. Carrie McDermott, Farming in Africa, Wahpeton Daily

    News, 6 de Setembro de 2012.

    Capites da indstria

    Corredor Agro

    Presidente da Hegh Autoliners, Leif O. Hegh e a primeira-dama de Moambique, Sua Excelncia a Senhora Maria da Luz Dai Guebuza, Outubro de 2011.

    A Corredor Agro uma empresa moambicana con-trolada por duas famlias ricas da Europa: a famlia Von Pezold da Alemanha e da ustria e a dinastia de trans-porte martimo, Hoegh, da Noruega. A empresa come-ou recentemente a explorar duas farmas/fazendas em Nampula: a farma Meserepane de 2 200 ha, onde cul-tiva culturas extensivas, e a farma Metocheria de 6 000 ha, onde cultiva bananas. Tambm explora projectos de produo por contrato, nomeadamente para a produo de mandioca em termos de um acordo com a empresa de cerveja SAB Miller.

    Os trabalhadores da plantao de banana da empresa entraram em greve em Julho de 2010, exigindo melho-res salrios, servios de sade, o fim das expulses sem justa causa, e a expulso de alguns membros do conse-lho. O governo moambicano eventualmente multou a empresa em US$ 200 000 por violar as leis trabalhistas de Moambique.

    As comunidades locais tambm se sentem indig-nadas com as terras que a empresa adquiriu. A comu-nidade em Metocheria diz que as consultas sobre a questo de terras foram mal geridas, com informaes deficientes e promessas falsas.

    "Matanuska veio para enganar e prejudicar as pes-soas, pois ficou com toda a nossa terra frtil, limitou o acesso ao Rio Monapo e agora h muita pobreza e a situao da fome est a piorar", diz um morador.43

    "Matanuska enganou-nos, ao dizer que iam aumentar a renda da populao e melhorar as nossas condies de vida. O homem que veio falar com as comunidades e

    43. Friends of the Earth Mozambique e UNAC, Lords of the Land:

    Analysis of Land Grabbing in Mozambique, Maro de 2011.

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    as pessoas distribuiu biscoitos e a comunidade aceitou o projecto na expectativa de emprego e outros benef-cios", diz outro residente.

    A Corredor Agro uma joint venture da Rift Valley Holdings, uma empresa registada nas Ilhas Maurcias, propriedade das famlias Von Pezold e Hoegh que con-trolam 400 000 ha de terras agrcolas em toda a frica, e a Matanuska Mauritius Limited, sobre o qual no se encontra nenhuma informao pblica.44

    A plantao de banana da empresa em Metocheria parcialmente detida pela Norfund. Chiquita, uma das maiores produtoras mundiais de bananas, tam-bm esteve inicialmente envolvida na plantao. Uma comunicao da Embaixada dos Estados Unidos em Moambique publicada pela Wikileaks revela que Chiquita decidiu que seria melhor para a empresa pros-seguir a expanso da produo de bananas em frica indirectamente atravs de acordos com empresas, em vez de atravs da criao das suas prprias plantaes.45

    "A Chiquita tomou a deciso estratgica de investir em frica de forma diferente de como tem investido na Amrica Latina. A empresa no vai investir directa-mente em terra ou cultivo, mas formar uma parceria com um investidor local que compre/ arrenda a terra", diz a comunicao da Embaixada dos Estados Unidos.

    Outros documentos mostram que a Chiquita super-visionou e comandou a fase de seleco das terras para a plantao de banana. No entanto, em 2010, Chiquita decidiu sair de Moambique, dizendo que a qualidade das bananas era baixa e que a pirataria ao longo da costa Africana tornava o transporte por mar rumo ao norte muito arriscado. Em Janeiro de 2014, Matanuska entrou numa parceria com a Dole Foods com sede nos Estados Unidos que faz da Dole o nico distribuidor de bananas da Matanuska para frica, Europa e Oriente Mdio.46

    Em Fevereiro de 2013, a Matanuska comunicou a presena de um surto da doena do Panam (Foc-TR4) na sua farma/machamba, que, desde ento, destruiu grande parte da cultura. Os cientistas no tm a cer-teza de como o fungo da banana, que causou estra-gos em plantaes de banana e pequenas fazendas em toda a sia, chegou ao projecto da Matanuska.

    44. Existem vrias instituies de financiamento ao desenvol-

    vimento que financiam a Corredor Agro atravs da Grassroots

    Business Fund, incluindo OPIC, DEG, FMO, Norad, IFC, OeEB,

    Canada e Luxemburgo.

    45. Dan Koeppel, Has The End Of The Banana Arrived?, 13 de

    Maio de 2014.

    46. Partnership with Dole Fruit to boost banana production,

    MNA, 31 de Janeiro de 2014.

    Alguns especulam que foi trazido por um funcionrio das Filipinas. Esta a primeira evidncia da presena da doena da banana fatal em frica e existe um verda-deiro perigo de que agora a doena se possa espalhar para outras partes de Moambique e toda a frica.47

    Hoyo Hoyo

    Zdenek Bakala

    A Hoyo Hoyo uma empresa moambicana, institu-do pela Quifel Resources, um conglomerado portugus controlado pelo aristocrata e piloto amador do automo-bilismo, Miguel Pais do Amaral. A empresa recebeu dois ttulos DUAT: um relativo a 20 000 ha na Zambzia e outro relativo a 8 000 h em Tete.

    A Hoyo Hoyo comeou as suas actividades nas ter-ras da Zambzia, numa antiga fazenda do estado numa rea perto da aldeia de Ruace no distrito de Guru. Estas terras tinham sido reocupadas pela populao local logo aps a independncia, em 1975. Um levanta-mento realizado em 2012 revelou que havia 836 cam-poneses que cultivavam 1 945 ha dos 3 500 ha que a Hoyo Hoyo pretendia usar. A Hoyo Hoyo prometeu populao que oferecia compensao e prepararia novas terras para o reassentamento, mas tal no se concretizou.

    "Fui expulso da minha terra, que herdei dos meus pais, com promessas de novas terras para cultivar e US$ 680 dlares em compensao. Desde que foi expulso, h um ano, tudo o que recebi foi cerca de um quarto do montante que me prometeram pagar, e no temos informaes nenhuma sobre as novas terras para culti-var", diz Delfina Sidnio, me de trs filhos, que foram despejados das suas terras pela Hoyo Hoyo.

    A nossa vida estava toda naquela terra. Aquela terra nos dava comida e suprimentos o nosso estilo de

    47. Development of a strategy to address the threat of Foc TR4

    in Africa, COMESA, IITA, FAO, et al., 23 de Abril de 2014.

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    vida, diz Ernesto Elias, chefe do frum da associao dos pequenos produtores em Ruace.

    "Os alimentos guardados da ltima colheita come-am agora a acabar e daqui a dois meses no sabemos como vamos sobreviver", diz outro pequeno agricultor, Ftima Jos, que perdeu terras para a empresa.

    As concesses de terras foram atribudas Quifel Natural Resources Moambique, Lda., uma subsidi-ria da Quifel Natural Resources SA, de Portugal, em Dezembro de 2009.48 Mas, pouco antes do Conselho de Ministros aprovar a atribuio de uma concesso de 10 000 ha de terras para a Quifel, 20% da empresa foi repassado Lioma Agricultura e Projectos de Gesto, Lda., uma empresa controlada por duas pessoas com ligaes polticas de alto nvel, o advogado portugus Francisco Xavier Vaz de Almada de Avillez e o empres-rio moambicano Armando Jeque.49

    Depois disso, a empresa atravessou uma fase difcil por alguns anos. A populao foi expulsa das terras, mas quase nenhum investimento foi feito na produo. Depois, em Janeiro de 2012, a Quifel Natural Resources SA vendeu a sua parte a uma empresa registada nas Ilhas Maurcias, a Hoyo One Ltda.50

    Ao que consta, a Hoyo One Ltda. detida pelo Grupo BXR dos Pases Baixos atravs da subsidiria holandesa Hoyo Hoyo B.V. por sua vez, a BXR pertence ao bilion-rio checo Zdenek Bakala e a fundos fiducirios ligados aos banqueiros do Credit Suisse. Recentemente, come-ou a investir a srio em terras, com mais de 60 000 ha na Argentina, 12 000 ha no Brasil e 1 000 ha no Malawi.

    Novos financiadores de terras agrcolas

    Regional Development Company Ltd

    Em 2009, o Governo das ilhas Maurcias criou o Regional Development Company Ltda. (RDC) para rea-lizar investimentos em Moambique, particularmente na produo de alimentos.

    48. A Quifel Energy Moambique, Lda mudou o nome para Quifel

    Natural Resources Moambique, Lda quando a empresa matriz

    Quifel Energia SA mudou o nome para Quifel Natural Resources SA,

    em Dezembro de 2009.

    49. A Avillez parceira na firma MGA Advogados, onde um

    dos scios Jos scar Monteiro, antigo ministro da Frelimo, ao

    mesmo tempo Jeque foi nomeado Presidente da empresa estatal de

    turismo, Mozaico do Indigo S.A.: http://tinyurl.com/mz5upuk.

    50. Na altura, o capital social era o seguinte 79.5% Hoyo One,

    Ltd, 20% Lioma Agricultura e Projectos de Gesto, Limitada e

    0,5% Hoyo Two, Ltd.

    Ao abrigo de um acordo inicial com o Governo de Moambique, a RDC recebeu um DUAT relativo a 5 000 ha na provncia de Manica e outro DUAT relativo a 18 500 ha na provncia de Maputo, cada um por 49 anos e cada um concedido Regional Development Company (Moambique) Limitada, uma empresa moambicana criada em 2010 e detida a 100% pelo Ministrio dos Negcios Estrangeiros das Ilhas Maurcias.51

    A RDC diz que actua como um elo de ligao entre os investidores e o Governo de Moambique. Identifica os investidores, negoceia e, em seguida, atribuiu-lhes por repasse terras abrangidas pelo seu prprio DUAT sob a forma de um Acordo de Desenvolvimento para a Atribuio de Terras". Os investidores pagam RDC uma taxa anual pelas terras e os servios que a RDC presta. Uma das clusulas do acordo exige que os inves-tidores apresentem para venda 25% da produo a cada um dos governos de Moambique e Ilhas Maurcias em regime de direito de preferncia.52

    Os investidores que a RDC j abordou at agora para participarem de actividades que envolvem o uso de ter-ras em Maputo e Manica incluem:

    British American Investment Co. Ltd das Ilhas Maurcias, um dos principais accionistas do Equity Bank, com sede em Nairbi, que est interessado numa plantao de milho e soja numa rea de 6 000 ha;

    La Compagnie des Trois Amis Ltd., das Ilhas Maurcias, que se candidatou em parceria com duas entidades indianas, a Supreme Agro Projects Ltd e a Prama Consulting Services Ltd, para a aquisio de terra para uma plantao de arroz de 4 000 h;

    51. Boletim da Republica, III SRIE Nmero 5, 2 de Fevereiro de

    2011.

    52. Abertura de concurso da RDC, Abril de 2013.

    Ministro das Finanas das Ilhas Maurcias,

    Charles Gatan Xavier Luc Duval.

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    Mozpeixe SA de Moambique, que propriedade da Quantum Business Development Ltd e parceiros da frica do Sul e Ilhas Maurcias, interessados num projecto de agricultura;

    Nirmal Seeds Pvt Ltd da ndia, que est interessada em 2 000 ha para a produo de sementes de arroz; e

    Sri Rajeswari Oil Traders, que est interessada na produo de oleaginosas em 4 000 hectares.

    No incio de 2013, a RDC emitiu uma nova chamada a investidores interessados num DUAT relativo a uma rea de 2 456 ha atribudo sua subsidiria moambicana, desta vez no posto administrativo de Canacu, Distrito de Monapo, Provncia de Nampula. Estas terras foram confiscadas da populao local durante a administrao colonial portuguesa e entregues a Jos Nunes da Cruz de Portugal. Depois da independncia, centenas de peque-nos camponeses ocuparam as terras, como pode ser visto no mapa de satlite do Google da rea abrangida no DUAT da RDC: https://www.google.ca/maps/@--15.0330808,40.1318209,11135m/data= ! 3M1! 1e3).

    Ainda no foi divulgada nenhuma informao sobre o concurso, no se sabe se as terras em Canacu foram atribudas a algum investidor. O prazo para as empresas apresentarem manifestaes de interesse terminou a 27 de Maio de 2013.

    African Century Agriculture (ACA)

    Jonathan Chenevix-Trench

    A ACA a maior operadora de agricultura por con-trato no Guru, Zambzia, com 844 camponeses contratados para produzir soja numa rea de 1 250 ha. Estas actividades de agricultura por contrato tm gozado de um forte apoio da Agncia Sua para o Desenvolvimento e Cooperao, atravs de um projecto

    chamado InovAgro. O projecto envolve um mecanismo de agricultura por contrato por 3 anos com cooperativas de camponeses para a produo de soja para alimentar as aves da explorao avcola da ACA (conhecido como King Frango), ao abrigo do qual a Sua oferece micro-finanas e banca 50% das despesas com mquinas e 70% das despesas operacionais (no 2 ano: 50%; 3 ano 30%).

    Mas a ACA tem seus olhos postos em mais do que agricultura por contrato. Na mesma rea de Guru, obteve um DUAT relativo a 1 000 ha e j come-ou a cultivar em grande escala. Enquanto isso, em Lichinga, recebeu um DUAT relativo a uma rea ainda maior, 3 800 h, terras de uma antiga machamba do estado.

    As actividades em Lichinga so administradas por uma joint venture chamada African Century Matama Limitada (AC Matama), que detida em 20% pela Fundao Malonda propriedade do Governo de Moambique e da Agncia Sueca de Desenvolvimento Internacional.53 O apoio que a AC Matama recebe de agncias europeias de desenvolvimento vem tambm sob a forma de um financiamento de US$ 500 000 em 2014 da AgDevCo, uma empresa com sede no Reino Unido, que goza do apoio dos governos do Reino Unido, holands e noruegus.

    A farma de Lichinga foi criada no perodo ps-inde-pendncia, com ajuda ao desenvolvimento da China, mas foi abandonada durante a guerra civil e as terras foram reocupadas pelos camponeses. Os conflitos que eclodiram na dcada de 1990, quando o governo tentou, sem sucesso reassentar os camponeses para desim-pedir as terras para investidores sul-africanos conti-nuam at hoje no que diz respeito s actividades da AC Matama.54

    Srgio Gouveia, director da AC Matama, admite que, por causa de problemas no resolvidos com o DUAT a "guerra" com os camponeses pela posse da terra conti-nua no projecto de Lichinga.55

    A African Century Agriculture Ltd est registada nas Ilhas Maurcias, propriedade do African Century Group uma empresa registada nas Ilhas Maurcias e com operaes em Londres. Os seus propriet-rios so desconhecidos. O Grupo African Century foi

    53. O capital social da African Century Matama, Limitada

    o seguinte: 80% African Century Agriculture, Limited e 20%

    Fundao Malonda.

    54. Matama: o monstro est a despertar, Jornal Domingo, 24 de

    Fevereiro de 2013.

    55. Aqui se pode produzir mais, Jornal Domingo, 24 de Fevereiro

    de 2013.

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    criado por Jonathan Chenevix-Trench, um antigo pre-sidente do Morgan Stanley, uma das maiores empre-sas financeiras do mundo. Vem investindo fortemente em bancos africanos, indstrias de alimentos, infra--estrutura e imobilirio, com o apoio da Norfund. Uma outra das suas subsidirias, African Century Foods Ltd, das Maurcias, detm a Frango King Limitada, um dos maiores produtores industriais de aves em Moambique. A empresa pretende "tornar-se o princi-pal agro-negcio em termos de carne de aves na frica Subsaariana, controlando o mximo da cadeia de valor possvel, do campo mesa."

    A Chenevix-Trench tambm membro do con-selho de administrao da empresa moambicana Machangulo SA, que foi criada para a construo de uma estncia de luxo em 80 000 ha de terra na penn-sula de Machangulo, com o apoio financeiro do prn-cipe Willem Alexandre dos Pases Baixos.56 O prncipe

    56. Dubieuze bankier in vastgoedproject prins, Ambtenaar., 14

    de Novembro de 2009.

    herdeiro desistiu do investimento em 2012, depois que a comunicao social divulgou casos de corrupo e represso violenta de pescadores locais e moradores que protestavam contra o projecto.57

    "Acredito apaixonadamente na necessidade de introduzir capitalismo de sangue puro em frica", diz Chenevix-Trench.

    Trigon MozagriA Trigon Capital uma empresa sediada na Estnia,

    controlada pelo empresrio finlands Joakim Johan Helenius e a empresa de private equity finlandesa Thominvest Oy.58 A sua subsidiria, Trigon Agri A/S, com sede na Dinamarca, foi criada para arrecadar fun-dos para a aquisio de farmas na Europa Oriental. Em 2014 tinha acumulado exploraes de terras agrcolas de cerca de 170 000 ha, na Ucrnia e na Rssia, assim como propriedades leiteiras na Estnia.

    57. Wikipedia: Questo Machangulo.

    58. Relatrio anual daTrigon Capital para o ano 2012.

    A Aslan, por meio da sua subsidiria moambicana, Rei Do Agro, adquiriu um DUAT para 2 500 ha, com um compromisso do governo de Moambique de mais 10 000 hectares, no Guru, na provncia da Zambzia assim como uma farma de 42 000 ha de gado em Morogoro, na Tanznia. Ambas reas so epicentros de conflitos de terra entre investidores estrangeiros e as populaes locais.

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    Em 2013, a Trigon Capital lanou uma nova empresa na Estnia, a Trigon Mozagri SPV, para investir em acti-vidades agrcolas em Moambique, com Helenius e Jan Peter Ingman como directores.59

    "Hoje em dia mais provvel ficar rico rapidamente em frica do que na Estnia", diz Helenius.60

    A primeira aquisio da sua empresa foi a Mocotex LLC, uma empresa de algodo com actividades agrco-las no distrito de Mocuba, na provncia da Zambzia. A Trigon afirma que a Mocotex tem uma farma comercial de 1 000 ha e acesso a outros 18 800 ha de "terras ar-veis de primeira qualidade" que faz parte de uma antiga farma estatal.

    De acordo com um folheto da empresa Trigon, esta e os seus investidores adquiram 51% da Mocotex; os outros 49% continuam com os seus proprietrios Sul-Africanos.

    A Mocotex foi criada em 1997 pelo Industrial Development Corporation (IDC) do governo Sul-Africano e uma empresa misteriosa chamada Caravel Development International Projects Inc (Caravel

    59. Ingman proprietrio do Ingman Group e fez e ficou rico

    com a venda da Ingman Ice Cream Unilever em 2011. De acordo

    com um panfleto da empresa publicado em Fevereiro de 2014, a

    Trigon Capital props angariar US$3 milhes para investir numa

    empresa na Dinamarca chamada Investor SPV, ficando a Trigon

    Capital AS com 20%. A Investor SPV e a Strategic Investors, uma

    empresa administrada e muito possivelmente detida pela Trigon

    Capital, comprariam ento 51% da Trigon MozAgri. Os outros 49%

    seriam detidos por uma famlia sul-africana cujo cadastro inclui

    fundar e desenvolver a maior empresa de produo de algodo em

    Moambique.: http://tinyurl.com/o68t7by.

    60. Helenius vallutab Aafrikat, Aripaev, 20 de Novembro de

    2014.

    Development). Em Dezembro de 2009, a IDC vendeu a sua participao de 75% na Mocotex por US$ 10 000, dos quais 25% foi para a Caravel e 50% indo para outra empresa misteriosa chamada Aristo Trading Group. Em seguida, em Abril de 2013, o Grupo Aristo vendeu 20% das suas aces para o Sul-Africano Graham Hewlett, que, junto com o seu irmo John Hewlett, tm uma longa histria de envolvimento na agricultura empresa-rial em Moambique.61 Graham Hewlett passou a gerir as actividades da Mocotex em nome da Trigon.

    No existem registos que indiquem quem so os proprietrios da Caravel Development e a Aristo Group Trading.62

    61. John Hewlett administrou os investimentos da Lonrho na

    agricultura no norte de Moambique

    62. provvel que a Caravel Development esteja ligada Caravel

    Limitada, uma empresa de transporte martimo e logstica em

    Moambique, (actualmente chamada LBH Moambique), na qual

    o sul-africano Athol Murray Emerton est bastante envolvido.

    Emerton foi dono da empresa PacMoz, especializada "na identifi-

    cao e avaliao de projectos de desenvolvimento de recursos",

    at esta ser adquirida pela Rubicon Resources. Emerton tem fortes

    laos de negcios com membros da famlia do antigo Presidente

    Guebuza. Vide Guebuzas allies in mining," Africa Intelligence,

    n1385 - 01/08/2014

  • A GRAIN uma pequena organizao internacional sem fins lucrativos que visa apoiar os agricultores de pequena escala e os movimentos sociais nas suas lutas por sistemas alimentares controlados pelas comunidades e baseados na biodiversidade. Os vrios relatrios que a GRAIN publica todos os anos, so documentos com base nas investigaes substanciais e exaustivas que realiza, fornecendo informaes de fundo e anlises sobre diversos temas relevantes.

    Para a coleo completa dos relatrios da GRAIN, consulte o website em: www.grain.org/article/categories/14-reports

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    A Unio Nacional de Camponeses (UNAC) um movimento de camponeses e camponesas de Moambique, criado em 1987 com objectivo representar os camponeses e suas organizaes de base na defesa dos seus interesses e direitos sociais, polticos, econmicos e culturais. A UNAC composta por mais de 100.000 membros individuais e mais de 2300 associaes e cooperativas de camponeses a nvel nacional.

    www.unac.org.mz