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Língua Brasileira de Sinais – Libras Lídia da Silva

Gramatica Da Libras

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Capítulo

Língua Brasileira de Sinais – Libras

Curitiba2010

Lídia da Silva

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FAELDiretor Acadêmico Osíris Manne Bastos

Diretor Administrativo-Financeiro Cássio da Silveira Carneiro

Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância

Vívian de Camargo Bastos

Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD

Ana Cristina Gipiela Pienta

Secretária Geral Dirlei Werle Fávaro

SiStEmA EDuCACioNAL EADCoNDiretor Executivo Julián Rizo

Diretores Administrativo-Financeiros Armando SakataJúlio César Algeri

Diretora de operações Cristiane Andrea Strenske

Diretor de ti Juarez Poletto

Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado

EDitorA FAELCoordenador Editorial William Marlos da Costa

Edição Thaisa Socher

Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin

ilustração da Capa Cristian Crescencio

Diagramação Ana Lúcia Ehler Rodrigues

ilustrações Dilmar Kempner Júnior

Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424

Silva, Lídia da

S586l Língua Brasileira de Sinais – Libras/ Lídia da Silva. – Curitiba: Editora Fael, 2010.

164 p.: il.

Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

1. Educação inclusiva 2. Libras. I. Título.

CDD 371.9

Direitos desta edição reservados à Fael.É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

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Ao Ronaldo Quirino, intérprete de Libras, que me indicou este caminho.

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apresentação

A produção de textos para a disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras, nos cursos de Pedagogia, é crucial e precisa se concretizar.

Antes do Decreto n. 5.262/2002, as entidades da comunidade sur-da, como as associações de surdos, a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos, as igrejas, etc., sempre divulgavam cursos de Libras, visando promover a comunicação entre as pessoas, de uma ma-neira informal e nada padronizada.

Hoje muita coisa mudou. A aprendizagem de Libras é lei em muitos cursos. Os alunos desses cursos precisam aprofundar não apenas o co-nhecimento da língua de sinais, mas conhecer o porquê de a língua ser um direito na educação dos surdos, a história e as lutas do povo surdo pelo reconhecimento de sua língua. A aprendizagem da língua precisa estar dentro de um contexto organizado, que permita diminuir o precon-ceito com que, em geral, são vistos os surdos.

A professora Lídia da Silva conseguiu abordar os mais importan-tes conteúdos necessários ao entendimento dos desafios colocados aos professores pela mudança implantada na educação dos surdos, que exi-ge deles uma atuação esclarecida e interessada. Os assuntos são apre-sentados de uma forma clara, que reflete muitas pesquisas recentes na área, sem diminuir os conteúdos necessários.

Professores esclarecidos quanto à complexa realidade da criança surda poderão trabalhar dispensando o carinho merecido a essas crian-ças, e atuar de forma a fazer avançar as condições de acolhimento na escola e na família.

apresentação

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Esses avanços são necessários para que se concretize uma real in-clusão na sociedade e a diminuição dos preconceitos existentes, mesmo entre a maioria dos professores.

Marianne Rossi Stumpf*

* Doutora em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua como coordenadora geral do curso de Letras-Libras e como professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Orienta pesquisas na pós-graduação em Linguística e tem experiência na área de educação de surdos, língua de sinais, informáti-ca e escrita de língua de sinais.

apresentação

apresentação

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sumário

Prefácio.........................................................................................9

1 Status linguístico da Libras ........................................................11

2 Estrutura gramatical da Libras ..................................................41

3 Implicações sociais da surdez .................................................127

Referências...............................................................................161

sumário

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Capítulo

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prefácioprefácio

Quando nos deparamos com uma pessoa surda pela primei-ra vez, algo acontece que faz deste encontro um momento único e singular em nossas vidas. Para alguns, esse momento vai significar o confronto com suas dificuldades e limites, que ficará apenas na memória. Para outros, esse momento vai significar uma mudança de vida, devido a uma tomada de decisão quanto às questões relaciona-das à surdez e à língua de sinais. Uma tomada de decisão que implica na proximidade com a pessoa surda e sua língua.

No meu caso, o efeito do encontro foi o segundo. Diante de um primeiro contato com uma pessoa surda, fui tomada pelo desejo de me desafiar e de tentar uma aproximação com ela, ainda que isso exigisse muito esforço e dedicação, pois o processo de aprendizagem de uma segunda língua não é uma atividade das mais fáceis da nossa vida.

A entrada nessa nova esfera linguística me motivou a buscar cada vez mais conhecimento sobre a Libras e suas implicações para os sujeitos surdos, e esta busca foi determinante na minha formação acadêmica e profissional. Hoje sou pesquisadora, usuária, tradutora e professora de língua de sinais, e me deparo todos os dias com os de-safios que uma língua espaço-visual impõe às pessoas que são falantes nativas de uma língua oral-auditiva. Porém, além dos desafios, me deparo também com a beleza, com a completude, com a satisfação de poder estabelecer comunicação por meio das mãos, dos olhos, do cor-po, dos sinais. Assim se constituiu minha busca, e assim espero que se constitua a leitura deste livro aos leitores: descobertas recheadas de desafios e encantamentos.

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Julgo que os principais desafios que se encontram neste texto são de ordem mais gramatical, já que é uma tarefa árdua esboçar grafi-camente os detalhes de uma língua “espacial-tridimensional”. Minha expectativa é conseguir, minimamente, esclarecer a constituição dos aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos da Libras, sem esgotá-los, é claro. Até porque, espero que esse desafio soe como um convite a uma leitura mais aprofundada sobre o tema, que o leitor possa – após receber esta introdução – percorrer caminhos mais lon-gos no conhecimento da estrutura gramatical da Libras.

Além disso, acredito que o leitor será tomado de encantamento ao se deparar com o status linguístico da Libras, no sentido de poder empregar a característica de “língua” a esta forma de comunicação, e de não mais creditar como verdade as falácias sociais ditas sobre ela até então. Esse encantamento pela Libras, no seu valor e nas suas possibilidades comunicativas, é que gera condições de entender as implicações sociais da surdez. Com esse olhar de diferença linguís-tica, torna-se mais fácil conceber a ideia de uma pessoa viver apenas com experiências visuais e assim construir toda sua impressão sobre o mundo. É preciso que tenhamos esse encantamento para podermos, de alguma forma, contribuir com as discussões sobre os surdos e sua língua, mas sempre destacamos que eles – os surdos – também devem ter voz neste processo.

A autora.*

* Lídia da Silva é mestre em Linguística. Atua como orientadora de aprendizagem no curso de Letras-Libras e é tradutora de Libras da Universidade Positivo.

prefácioprefácio

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Neste primeiro capítulo, apresentaremos uma introdução das ideias que serão desenvolvidas posteriormente. Vamos abordar algumas definições preliminares e algumas discussões sobre as mudanças das ter-minologias na área da surdez. Nesse ponto, atentaremos para a forma de nomeação da pessoa surda e da sua língua.

Trataremos, de forma mais pormenorizada, sobre a teoria inatista de Chomsky, pois ela embasa nossas considerações acerca dos fenômenos lin-guísticos explanados, tais como aquisição da linguagem e estrutura grama-tical das línguas naturais, portanto, da Libras. Essa teoria atesta que princí-pios e parâmetros imperam na constituição de todas as línguas do mundo. Por princípios, a teoria entende características iguais entre os idiomas – predominantemente, a estrutura sintática – enquanto que os parâmetros são as diferenças que existem entre eles – as categorias gramaticais.

Dessa forma, este texto se insere nessas discussões por acreditar que a Libras possui os mesmos valores linguísticos que as línguas orais, por exemplo, o caso de empréstimos de outra língua – fenômeno recorrente nos sistemas linguísticos. Há, porém, parâmetros que a distinguem das línguas orais, como a modalidade linguística espaço-visual, as marcas para formalidade e informalidade, e outros. Assim, o texto apresenta os universais “comprobatórios” da natureza linguística da Libras, bem como o refutamento aos mitos sociais que até então circundavam a concepção que se tinha sobre ela.

Definições preliminaresAtualmente, tem sido muito comum as pessoas se depararem

com outras conversando de um modo muito diferente do que estão

Status linguístico da Libras 1

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acostumadas a ver. Quando isso ocorre, num primeiro momento, surge um sentimento de estranhamento, mas com o passar do tempo esse sentimento se desfaz e dá lugar a uma impressão de normalida-de, aquilo vai se tornando comum. À medida que estas pessoas vão se mostrando à sociedade, mais aceitável a sua forma de expressão passa a ser. Porém, infelizmente, nem sempre foi assim.

Houve uma época (século XV) em que as pessoas que não podiam ouvir eram atiradas do alto dos rochedos, pois elas não eram conside-radas humanas. Havia uma exclusão escancarada não só com essas pes-soas, mas com qualquer uma que apresentasse alguma limitação física ou sensorial, sendo considerada improdutiva para a sociedade. Depois, a sociedade decide que as pessoas que não ouvem devem ser oralizadas. Ser uma pessoa oralizada significa desenvolver sua fala por meio da voca-lização dos sons, ainda que não pudesse ouvir sua própria voz. Esse tipo de concepção e, consequentemente, este método de ensino chamado oralismo, prevaleceu por muito tempo, especialmente depois da decisão do II Congresso Internacional sobre Instrução de Surdos, que aconteceu em Milão, em 1880, que entendia que o método de ensino mais ade-quado aos surdos seria a oralização. Nesse sentido, o trabalho era de: re-cuperação auditiva, tratamento de reabilitação, exercícios mecânicos. O professor era mero treinador de fonemas e o aluno deveria empreender todos os esforços possíveis para realizar uma boa leitura labial.

Após esse período, a integração foi a concepção adotada. A integra-ção é a fase que compreende a concepção e a prática da pessoa com defi-ciência a partir de um esforço adaptativo apenas de sua parte, no sentido de que ela deve se adequar aos moldes padrões, para então estar integra-da à sociedade. Porém, no início do ano 2000, começam os rumores de uma nova filosofia social e educacional: a inclusão. Nessa perspectiva, não apenas as pessoas que não ouvem passam a se integrar e emprenhar esforço para tornarem-se normais, como as pessoas que ouvem, mas há um duplo envolvimento: por parte deles e por parte da sociedade.

Porém, mesmo havendo um novo paradigma social emergindo, ainda há contradições manifestadas nas práticas. Prova disso é a própria dificuldade terminológica. De fato, como devemos nos referir a tais pes-soas? Certamente, o modo como nos reportamos aos outros quer dizer alguma coisa, vem impresso de significado. Não fosse assim, não existi-riam os títulos, os vocativos e os pronomes de tratamento. Normalmen-te, a forma como nos dirigimos à pessoa revela o valor que damos a ela.

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No caso das pessoas que não podem ouvir, há algumas alternativas de tratamento que podem denotar a consideração social a respeito de sua condição. É o caso do termo “deficiente auditivo” ou “d.a.”. Quan-do usamos esse termo para nos referir a uma pessoa, estamos invocando aquilo que ela não tem, aquilo que lhe é deficiente, estamos destacando o que há de ausente naquela pessoa, aliás, não estamos vendo-a como pessoa, mas a informação que mais nos importa é sua patologia e/ou sua condição clínica.

Com o acelerar da recepção de informações, a sociedade progride e tem sua visão alterada. Foi a partir da década de 90 do século XX que inauguraram algumas pesquisas no país sobre a língua de sinais, e isto pro-piciou um olhar antropológico e cultural sobre a surdez. Esse olhar para o surdo como uma pessoa diferente acaba com a concepção de deficiente auditivo – anteriormente impregnada nos meios sociais e educacionais – e, consequentemente, anula a necessidade de reabilitação para integração. De acordo com essa concepção de diferença (ao invés de deficiência), não há necessidade de inserção das pessoas, pois todos já fazem parte da so-ciedade, somos apenas mais uma figura no cenário da diversidade social – racial, religiosa, sexual, financeira, política, de gênero, etc.

Nesse sentido, também deixam de ser válidos termos como “surdo-mudo” ou “mu-dinho”, pois, além de pejora-tivos, não estão em sintonia com o que já é socialmente aceito, a condição de não ou-vir. Conceitualmente, falar não significa vocalizar, emitir sons, mas ex-pressar a sua língua. Então, dizer surdo-mudo é duplamente incorreto. Primeiro, porque existem muitos surdos que têm domínio da língua oral e que se comunicam também com sons da voz, ainda que os fo-nemas sejam desorganizados por falta do feedback auditivo. Depois, porque quando o surdo está sinalizando, ele está pronunciando-se na sua língua, está falando.

Então, segundo o Decreto n. 5.626 (BRASIL, 2005), Capítulo I, Ar-tigo 2º, parágrafo único, os surdos são deficientes auditivos para aquelas pessoas que os enxergam com uma visão clínico-terapêutica; surdos-mudos para aqueles que não sabem que eles falam; e, para aqueles que os olham

Há um slogan propagado pela Federação Na-cional de Educação e Integração de Surdos que

diz: SURDO-MUDO, apague esta ideia!

Verifique em <http://www.feneis.org.br>.

Saiba mais

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respeitando sua diversidade linguística, são apenas: surdos. Portanto, para nos referirmos a essas pessoas neste texto, a partir de agora, usaremos o termo “surdo”, porque ele remete a um posicionamento político de res-peito ao sujeito como um ser social, falante da língua de sinais, e não com uma visão clínica ou patológica. Contrariamente, as pessoas que têm a capacidade de ouvir são chamadas de ouvintes.

Surdo Ouvinte

Os surdos conversam com as mãos, por meio do estabelecimento de uma comunicação visual. De fato, poucas são as pessoas que reco-nhecem o que significam tantos movimentos e tantas sinalizações. É o caso, por exemplo, de quando os surdos chegam a estabelecimentos comerciais, a órgãos públicos ou privados e fazem este sinal:

Oi

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As pessoas não sabem o que isso significa e, na maioria das vezes, tentam falar mais lentamente ou buscam um papel para escrever, na es-perança de conseguir estabelecer uma comunicação. Porém, o desejável seria que essas pessoas pudessem responder da mesma forma, ou seja, com os sinais da Libras, conforme exposto a seguir:

Tudo bem? Qual é seu nome?

Qual é o seu sinal?1 Bom dia

Boa tarde

Boa noite

1 Os surdos dão um sinal para cada pessoa e não as chamam pelo nome.

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No entanto, infelizmente, esses e outros tantos sinais necessários à comunicação com surdos são desconhecidos pela população ouvinte, e o desconhecimento não é só dos vocabulários, mas da própria no-meação desta modalidade linguística. E o que vem a ser modalidade linguística? É a forma como a língua se manifesta. Há, basicamente, três modalidades das línguas naturais: língua falada, língua escrita e língua sinalizada.

A língua falada é conhecida por possuir uma característica oral e au-ditiva, enquanto que a sinalizada tem a característica de ser espaço-visual. Isso significa que o espaço (lugar a frente do corpo) é o canal de emissão e a visão é o canal receptor da mensagem. Portanto, a língua de sinais tem modalidade espaço-visual. Porém, vemos que o desconhecimento sobre essa modalidade linguística é tanto, que as pessoas a chamam de “lingua-gem de sinais”. Há outras que a chamam de “gestos” e há, ainda, quem pense que são “mímicas”. Posteriormente explicaremos porque esses dois últimos termos são inadequados, mas, por ora, vamos pensar na oposição língua X linguagem.

A linguística é a área científica que se debruça a conceituar essas duas categorias, e a faz sob diferentes perspectivas teóricas. Há, por exemplo, pesquisadores que são adeptos a concepções sociais e há ou-tros que procuram abordagens mais naturalísticas para formular suas concepções. Os que entendem que a influência do social é determi-nante para aquisição da língua, destituem do ser humano as responsa-bilidades pelo seu desempenho linguístico. Inscrevem-se nesse tipo de abordagem as vertentes da linguística estrutural e funcional. Por outro lado, há pesquisadores que são mais adeptos aos postulados teóricos de Chomsky (1957), do Massachusetts Institute of Techonology – MIT, nos Estados Unidos. Para ele, o processo de adquirir a estrutura de uma língua natural é universal, pois independe da qualidade interativa que se estabelece com a criança, assim também como independe da cultura. Essa aquisição é possível devido ao fato de as crianças possuírem um co-nhecimento linguístico inato que as guia por esse processo. Tais ideias deram origem à teoria que vigora até o presente, e que escolhemos para construir nosso aporte conceitual. Trata-se da teoria gerativa.

Segundo essa teoria, as crianças já nascem equipadas com vários aspectos relacionados à organização sintática das línguas humanas que

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são geneticamente determinadas. Por isso dizemos que essa teoria é de natureza mentalista, pois a mente humana abriga um sistema “compu-tacional” capaz de gerar representações linguísticas. Isso se comprova, segundo Chomsky (1957), devido à discrepância entre input e output do falante. Em outras palavras, a criança é exposta a estímulos pobres e limitados, porém, devido ao seu inato conhecimento linguístico, é capaz de se desenvolver ao ponto de gerar infinitos enunciados bem formados. A criança é vista como aprendiz eficiente a despeito da pobreza de estí-mulos. Esse argumento é comumente tratado por problema de Platão2.

Chomsky (1957) denomina esse conhecimento linguístico prede-terminado de “Dispositivo de Aquisição de Linguagem – DAL” (em inglês: Language Acquisition Device – LAD). O DAL, sistema armaze-nado na mente, abriga os princípios que são comuns a todas as línguas humanas. Esses princípios formam um conjunto de regras linguísticas uniformes chamado de Gramática Universal – GU.

Nesse sentido, a aquisição da linguagem vai acontecer naturalmen-te – sem que haja um aprendizado formal –, apenas pela maturação da GU, entendida como um órgão biológico carente de iniciar seu fun-cionamento que, no caso, fica a cargo da interação social. Esse fator é preponderante no princípio do funcionamento do DAL, mas não para determinação do seu estágio final. O estágio final são as propriedades linguísticas alcançadas pelo adulto. A perspectiva chomskyniana de lin-guagem está resumida no excerto a seguir, possibilitando um melhor entendimento de que a linguagem reflete uma capacidade mental do ser humano.

[...] pode-se dizer que o uso criativo da linguagem não se li-mita ao estabelecimento de analogias, mas reflete a capacidade do ser humano de fazer uso dela no seu dia a dia, observando propriedades específicas, livre de estímulos, com coerência e de forma apropriada a cada contexto, além da sua capacidade de evocar os pensamentos adequados no seu interlocutor. [...] Sob esta perspectiva, essa capacidade é uma consequência direta do fato de sermos humanos. Como diz Descartes, somos huma-nos ou não somos, pois não existem graus de humanidade, e

2 O argumento da “pobreza dos estímulos” é tratado por Chomsky (1957) como uma atitude platonista, por isso o nome problema de Platão é extraído da questão filosófica, de como é que o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passageiras, enganosas e fragmentárias?

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não há variação essencial entre os humanos, a não ser no nível da superficialidade, isto é, nos aspectos epifenomenais3. Um estudo da faculdade da linguagem deve propor propriedades específicas e descobrir os mecanismos da mente que as apresen-ta, além de dar conta destas mesmas propriedades em termos da ciência física (QUADROS; FINGER, 2008, p. 47).

Assim, poderíamos dizer que a linguagem é um dispositivo que já está acoplado na mente humana desde o nascimento, e que este disposi-tivo deve ser acionado pelos estímulos externos para poder desenvolver a língua. A linguagem é uma função mental superior4, sendo assim, é de natureza muito mais individual, enquanto a língua, opostamente, não está instalada no cérebro humano, mas está no seio da sociedade e por isso precisa ser adquirida. Dessa forma, a Libras não pode ser chamada de “linguagem de sinais”, considerando que, se assim fosse, todos seria-mos sinalizadores, e isso não acontece. Podemos concluir que a Libras deve ser aprendida e, se será aprendida, significa que ela é externa a nós, ela é social, portanto, é língua.

Apesar de já termos adiantado o conceito de língua, há ainda que se colocar que, nesse modelo teórico, ela é entendida como um conjunto de regras que geram uma infinidade de sentenças, sendo que cada uma é formada por cadeias de elementos. Para o linguista adepto à corrente gerativa, o objeto de estudo é postulado como o conhecimento incons-ciente da língua. Segundo Kato (1997), esse conhecimento tem caráter intencional e o uso é inconsciente devido ao uso automático da língua, encarado como um sistema “computacional”. Essa é a concepção de língua que adotamos. Quer dizer, língua é um conjunto de regras que gera uma infinidade de sentenças, caracterizadas como individuais, in-ternas (inconscientes) e intencionais (automáticas).

Posto o entendimento de que há diferença teórica no conceito de língua e no conceito de linguagem, podemos concluir que a termino-logia “linguagem de sinais” passa a ser cientificamente inapropriada.

3 Epifenômenos são fenômenos adicionais que se sobrepõem a outros, mas sem modificá-los, nem exercer sobre eles qualquer influência, são fatores sociais, econômicos, políticos, cultu-rais, etc. (QUADROS; FINGER, 2008, p. 47).

4 Função mental superior é sinônima de função psicológica, e elas são: pensamento, memó-ria, atenção, raciocínio, percepção, inteligência, linguagem e outras.

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A partir dessa concepção, podemos adentrar mais especificamente nas considerações sobre a “língua” de sinais.

Língua de sinaisIniciamos pelo signifi-

cado do termo, visto que no Brasil há duas terminologias correntes para designar a lín-gua de sinais utilizada pela comunidade surda brasileira: Libras (Língua Brasileira de Sinais) e LSB (Língua de Si-nais Brasileira). A primeira foi oficializada pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos, e é o termo presente em documentos legais. A LSB é a sigla utilizada por pesquisadores que publicam textos internacionais, já que todas as demais línguas de sinais do mundo possuem uma sigla com três letras, desta forma, é possível ter uma rápida identificação para LSB. Como Libras é nossa opção ter-minológica, reproduzimos a seguir o sinal empregado pelos surdos para nomear sua própria língua:

Libras

Um dos documentos legais que contempla a sigla Libras é a Lei Federal n. 10.436/2002 (BRASIL, 2002b), que oficializou a língua no Brasil. A partir dessa aprovação, a Libras passou a ser aceita como língua

Há pesquisas que discutem a melhor grafia para a língua brasileira de sinais, se deve ser

LIBRAS (todas as letras maiúsculas), libras (todas as letras minúsculas) ou Libras (apenas a primeira letra maiúscula), já que há diferen-ça conceitual nestes diferentes registros. Leia mais sobre o assunto em: <http://www.fiemg.

com.br/ead/pne/Terminologias.pdf>.

Saiba mais

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usual na comunidade surda. Ter uma lei que oficialize um idioma em um país é muito importante, pois demonstra o reconhecimento social sobre ela, visto que as minorias linguísticas (imigrantes, índios) relatam experiências de segregação e preconceito, já que sua forma de expressão não é a mesma da maioria social.

Nesse sentido, deve-se travar uma luta pelo reconhecimento lin-guístico de tais minorias. Para que isso ocorra, há que se percorrer um longo caminho, que vai desde agregar as pessoas até convencer políticos a planejar ações disseminadoras. No caso da Libras, essa conquista só foi possível mediante a congregação dos surdos em prol dessa causa, e pelo fato de muitos pesquisadores terem se empenhado para angariar conhecimentos que comprovassem o valor linguístico dessa língua.

A Lei n. 10.436 oficializou a Libras, mas, antes disso, já existiam pesquisadores brasileiros de língua de sinais (BRITO, 1995; FELIPE, 1998; QUADROS, 1997), discutindo e publicando suas investigações sobre esta língua, com o intuito de combater os mitos que havia sobre ela. Vejamos cada um destes mitos, bem como as asseverações postula-das pelos pesquisadores pioneiros no assunto.

Mitos sobre a LibrasA língua de sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos. As línguas de sinais derivam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes.

Considerando que a pantomima e a mímica são formas artísticas de expressão, elas não podem ser comparadas com a Libras, que é uma língua gramaticalmente organizada. Não devemos, também, colocar a Libras e os gestos na mesma categoria de análise, pois, apesar de ambos serem produções visuais, possuem natureza muito diferente. Os gestos são as expressões espontâneas das pessoas, são nossas expressividades naturais. Por exemplo, quando colocamos a mão no rosto ou na cin-tura, cruzamos os braços, apertamos os dedos uns contra os outros ou passamos as mãos repetidas vezes no cabelo, estamos produzindo ges-tos. Diferentemente, para produzirmos a Libras, precisamos passar por um processo formal de aprendizagem, pois este sistema linguístico é abstrato e não faz parte da nossa expressividade natural – se assim fosse, todos seríamos falantes natos da Libras.

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É verdade que a Libras é composta por sinais que representam manualmente as formas e os movimentos dos objetos do mundo, como os sinais a seguir reproduzidos, porém, eles não são o todo da língua, há outros que não tem relação alguma com os objetos da realidade, conforme podemos verificar nas ilustrações.

Essa possibilidade de o referente linguístico ter relação com os obje-tos reais – a iconicidade – também é presente nas línguas orais, como é o caso do português. Exemplo disso são as palavras “bem-te-vi” e “bumbo”, nome de um pássaro e um instrumento musical, respectivamente, que representam o som que reproduzem. O primeiro grupo de sinais é o dos chamados icônicos, e o segundo é o dos sinais chamados arbitrários.

SinaiS icônicoS SinaiS arbitrárioS

Passar batom Vencer

1

2

Passar roupa Especial

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SinaiS icônicoS SinaiS arbitrárioS

Pentear o cabelo Perigoso

Escovar os dentes Vingar

Dormir Idade

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SinaiS icônicoS SinaiS arbitrárioS

Lavar roupa Organização

Limpar o chão Sofrer

Varrer Opinar

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É bom ressaltar que os sinais icônicos não são iguais no mundo todo, pois a representação que cada falante faz da realidade é diferente, por exemplo, o sinal de árvore no Brasil é icônico assim como o é na China. A diferença é que aqui representamos o tronco da árvore e o balanço dos galhos, enquanto lá se faz apenas o tronco, conforme figuras a seguir:

Árvore

Libras

Árvore

Língua de Sinais Chinesa (CSL)

Só essa informação, de que a iconicidade se realiza de acordo com a perspectiva referencial de determinado grupo, já é um forte argumen-to para combater o mito que aponta que a língua de sinais deriva da comunicação gestual espontânea dos ouvintes. Se assim fosse, quando um surdo sinalizasse o sinal de árvore para um ouvinte, ele rapidamente identificaria o significado, mas, como sabemos, não é isso que ocorre. Então, fica refutada a ideia de que os sinais da Libras são extraídos da expressividade natural dos ouvintes.

Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as pessoas surdas.

Muitas pessoas pensavam que a Libras seria universal, que os sinais eram iguais em todos os países. Contudo, essa afirmação não procede, pois se Libras é a sigla da Língua Brasileira de Sinais, podemos concluir que, se no nome da língua mencionamos sua nacionalidade, é porque existem outras línguas de sinais espalhadas por outros países, tais como: Língua Holandesa de Sinais, Língua Francesa de Sinais, Língua Ameri-cana de Sinais, Língua Alemã de Sinais, entre outras.

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Assim, em cada país, há uma língua de sinais especí-fica, que reflete a cultura da nação e daquela comunidade surda. E não é só pelo nome que entendemos haver uma língua de sinais para cada país, mas, também, baseando-nos na teoria gerativa. Segundo essa teoria, todas as línguas, inclusive as de sinais, apresen-tam organização sintática com os mesmos princípios comuns à linguagem humana, que são diferentes apenas em sua natureza e comportamento. Isso significa que as línguas de sinais se diferenciam, como qualquer língua, na sua organização se-mântica e discursiva para atender a aspectos culturais e ideológicos das diferentes comunidades de surdos.

Quando a informação de que a Libras não é universal começou a percorrer espaços sociais, muitas vezes, havia um questionamento de que seria muito mais fácil para comunicação dos surdos se todos sinali-zassem da mesma forma. Porém, se estamos entendendo que a língua de sinais tem o mesmo valor que a língua oral, então um questionamento como este também perde sua validade, já que as línguas orais não são iguais e ninguém questiona esses fenômenos. Isso porque sabem que, devido às colonizações, houve o alastramento de determinados idiomas em determinados lugares. O mesmo aconteceu com as línguas de si-nais, cada uma tem sua história linguística. No caso da Libras, ela tem sua origem na Língua Francesa de Sinais.

Haveria uma falha na organização gramatical da língua de sinais, que seria derivada das línguas orais, sendo um pidgin sem estrutura própria, subordinado e inferior às línguas orais.

Algumas pessoas acham que a Libras é derivada das línguas orais e é um pidgin sem estrutura própria, subordinada e inferior. Cada uma dessas proposições pode ser considerada um mito, pois quando as ana-lisamos, encontramos conceituação diferenciada para os termos empre-gados. Por exemplo, por pidgin entendemos a mistura de duas línguas, como nas expressões (1) e (2) a seguir exemplificadas. O pidgin é utiliza-do por pessoas que estão em processo de aprendizagem e necessitam de

Com a difusão das línguas de sinais pelos países, pensou-se em sistematizar uma língua de sinais universal chamada “gestuno”, assim

como aconteceu com o esperanto, que era uma forma de comunicação oral que reunia os termos comuns na maioria das línguas orais. Porém, como não era usado em momentos

naturais, o gestuno – assim como o esperanto – deixou de existir.

Saiba mais

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

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um recurso emergente de comunicação. Mesmo assim, não considera-mos o inglês e o português como pidgin.

1. Eu love você.

2. I amo you.

Uma manifestação de pidgin sinalizada é, por exemplo, quando uma pessoa está conversando com um surdo em Libras e na ausência de um sinal resolve oralizar pausadamente, a fim de que o interlocutor o entenda. Essa estrutura se caracterizará por um pidgin, pois houve a mistura dos sinais com a voz, da oralidade com a sinalização, da Libras com o português. Porém, não é a Libras que é um pidgin, é o seu mau uso que pode tornar-se um.

A Libras tem uma estrutura gramatical bastante complexa, por-tanto, alegar que ela é subordinada à língua oral, além de demonstrar o desconhecimento da estrutura linguística, também aponta para uma postura altamente preconceituosa. Assim como fazer comparativo de superioridade ou inferioridade em relação à língua oral é linguistica-mente inviável, pois as línguas são apenas diferentes entre si, tem cons-tituição interna própria.

Na linguística, esse tipo de comparação inexiste, pois nenhum sis-tema linguístico será mais complexo ou superior a outro, já que todos se prestam ao mesmo fim: a comunicação. Nesse sentido, a única compara-ção permitida entre as línguas e em sua realização é o conhecimento dos parâmetros de cada sistema, e não um julgamento de valor. Da mesma forma, como há uma conscientização ao cessar do preconceito linguístico, isto já é assegurado no campo da linguística e já foi transmitido à socieda-de, o que falta são algumas tomadas de decisão quanto ao tema. Sabemos que não podemos criticar uma pessoa porque ela fala porta acentuando o r, como fazem os caipiras, ou ainda porque ela fala bicicreta. Esse jeito diferente de falar compõe o idioleto de cada um. Na Libras, isso também acontece, cada um sinaliza de um jeito. Podemos admirar uma ou outra forma, mas nunca taxarmos como “certa” uma única forma.

A língua de sinais seria um sistema de comunicação superficial, com conteúdo restrito, sendo estética, expressiva e linguisticamente inferior ao sistema de comunicação oral.

Esse é outro apontamento que não procede às descobertas científi-cas, mas que muitas vezes é verbalizado por desconhecedores da Libras.

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Capítulo 1

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Levando em conta que um sistema de comunicação superficial é aquele criado para atender a comunicação de máquinas, ou seja, é a linguagem de programação, a Libras não se enquadra nesta situação.

Toda língua humana – como a língua de sinais falada pelos surdos – atende aos critérios de criatividade, de flexibilidade e de versatilidade. Portanto, a Libras não é superficial, é uma língua natural, que emerge no seio da comunidade e se transforma ao longo do tempo, é dinâmica e com conteúdo absolutamente ilimitado. É possível falar qualquer coisa em Libras – desde de que o sinalizante tenha fluência –, pois mesmo não havendo palavras comuns entre Libras e português, há possibilidade de transmissão do conceito da palavra.

As línguas de sinais, por estarem organizadas espacialmente, esta-riam representadas no hemisfério direito do cérebro, uma vez que esse hemisfério é responsável pelo processamento de informação espacial, enquanto que o esquerdo, pela linguagem.

Há pessoas que dizem que as línguas de sinais, por estarem orga-nizadas espacialmente, estariam representadas no hemisfério direito do cérebro, uma vez que este hemisfério é responsável pelo processamento de informações espaciais. Pessoas que conhecem, minimamente, o cére-bro humano, sabem que ele é dividido em hemisfério direito e hemisfé-rio esquerdo, e que cada um deles tem uma função diferenciada.

Ao hemisfério direito cabem as propriedades para o desenvolvimen-to musical, artístico, emocional, visual, espacial, matemático e outros. No hemisfério esquerdo estão algumas funções mentais como atenção, memória e outras, mas, especialmente, é identificada a propriedade lin-guística. Há, nesse hemisfério, duas áreas responsáveis pelo desempenho de uma língua: a área de Broca, que determina a expressividade da fala; e a área de Wernicke, que determina a compreensão de uma língua.

Diante disso, há que se pensar onde se localiza a Libras, já que é uma língua e que, por isso, basicamente, estaria no hemisfério esquerdo. Sua modalidade é espacial e visual, e estas são características alocadas no hemisfério direito. Nesse sentido, as considerações que se tinha até então eram de que a Libras instalava-se no hemisfério direito, para poder dar conta dessa modalidade. O que ocorre, na verdade, é que a função de visão do hemisfério direito tem uma característica funcional, serve para ver no sentido estrito do termo, assim também como a função do espaço deste hemisfério se relaciona à questão geográfica. A partir daí, o cérebro

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detecta que a visão e o espaço serão utilizados pela modalidade linguís-tica, e então realiza uma transferência hemisferial. Então, no hemisfério esquerdo, haverá a visão e o espaço, mas com propriedades distintas, agora com função linguística que servirá para “ouvir” e “falar” a Libras.

Essas primeiras pesquisas que se prestaram a desmistificar falsas considerações sobre a Libras deram origem a outras. Todas elas, entre-tanto, emergiram a partir do primeiro trabalho conhecido sobre línguas de sinais nos Estados Unidos, de William Stokoe, em 1960. Ele foi o primeiro pesquisador a sistematizar a estrutura gramatical de uma língua de sinais, mas não foi o primeiro a usar esta forma de comunicação, pois antes dele já existiam os abades franceses, que burlavam a lei do silêncio que imperava nos mosteiros e conversavam por “códigos visuais”. De-pois disso, houve um período em que eles – um nome bastante conheci-do desta época é o Ponce de Leon – se dedicavam à instrução de pessoas surdas, então começaram a usar uma língua estruturada para transmitir conteúdos científicos e teológicos.

Assim, a comunicação espaço-visual se espalhou pela Europa e, pos-teriormente, para América, chegando ao Brasil no século XX. Por isso, al-guns sinais da Libras, da Língua Francesa de Sinais e da Língua Americana de Sinais são parecidos. São os chamados cognatos. Assim como existem palavras muito semelhantes no português e no inglês (baby e bebê, por exemplo), há também algumas semelhanças de vocabulário nas línguas de sinais do Brasil, EUA e França. Como exemplo dessa similaridade, cita-mos os sinais de casa em Libras e na Língua Americana de Sinais:

Casa

Libras

Casa

Língua Americana de Sinais

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Capítulo 1

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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O que Stokoe e os primeiros linguistas brasileiros fizeram – além de mostrar o falseacionismo dos mitos – foi apontar a natureza da Li-bras como ela é. Fizeram isso utilizando-se da “regra geral” para vali-dação de que uma língua é língua, através dos universais linguísticos. Então, passou-se a mostrar a verdade sobre esse sistema de comunica-ção espaço-visual.

Verdades sobre a Libras: universais linguísticosPara uma língua ser considerada língua, ela deve passar por todos

os testes postulados pelos pesquisadores, deve responder positivamente às questões levantadas, e a Libras preenche estes requisitos. Vejamos cada um deles.

Onde houver seres humanos, haverá língua(s).

A primeira análise feita para atestar o status linguístico da Libras pau-tou-se numa simples consideração: a de que onde há seres humanos há língua. É impossível negar que um grupo de surdos constitui-se como um grupo de seres humanos, portanto, isto reitera a existência de uma língua.

Não há línguas primitivas – todas as línguas são igualmente com-plexas e igualmente capazes de expressar qualquer ideia. O vocabu-lário de qualquer língua pode ser expandido a fim de incluir novas palavras para expressar novos conceitos.

Ao aproximar-se da língua usada pelo grupo de surdos, percebe-se que, apesar de se apresentar numa modalidade diferente das línguas orais, ela não pode ser considerada como uma língua primitiva, pois todas as línguas são igualmente complexas e igualmente capazes de ex-pressar qualquer ideia. Assim também acontece com o vocabulário das línguas orais e sinalizadas que, como o de qualquer língua, pode ser ex-pandido a fim de incluir novas palavras para expressar novos conceitos. No português, por exemplo, as palavras são incorporadas ao sistema linguístico de um modo geral, com empréstimos linguísticos vindos do sequente aportuguesamento destes termos ou, ainda, por meio da inclusão de palavras novas ao repertório individual.

Quanto aos empréstimos linguísticos da Libras, destacamos inicial-mente o alfabeto manual. Ele é, na verdade, um recurso paliativo, usado apenas para se referir a nomes próprios e a objetos que não tenham um

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sinal conhecido na Libras. Os surdos representam por meio das mãos as letras do alfabeto português, no caso do Brasil. Em outros países, essa representação é feita de acordo com o alfabeto do idioma local. A letra “T”, às vezes, pode ser sinalizada de um jeito no Brasil e de outro nos Estados Unidos. Além disso, vale ressaltar que esse recurso é externo à Libras, ele é considerado como um empréstimo da língua portuguesa, portanto, quando a pessoa está usando o alfabeto manual, deixa de usar a Libras e faz uma transferência de código, passa a fazer uso do portu-guês. Por isso, devemos ter muita cautela para usá-lo. É preferível fazer um sinal sinônimo a “escrever” a palavra a que se deseja fazer referência, pois os surdos não se relacionam com a língua portuguesa como nós nos relacionamos. Há toda uma dificuldade que se coloca a eles, pois são usuários de uma língua espacial e visual, enquanto precisam aprender uma língua oral e auditiva. Posteriormente, explicaremos com mais de-talhes a questão de o português ser uma segunda língua para os surdos.

Figura 1 Alfabeto manual.

a

f

l

r

x

g

m

s

y

h

n

t

z

i

o

u

j

p

v w

k

q

b c ç d e

O alfabeto manual pode ser sinalizado com qualquer uma das mãos, desde que não alternadamente, então, se há preferência pela mão esquerda, a palavra toda deve ser sinalizada com a esquerda, e não uma

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Capítulo 1

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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letra com cada mão. Normalmente, se escreve com o braço na vertical, bem próximo ao tronco, e as letras são feitas uma após a outra, sem necessariamente tirar a mão do lugar.

Para os nomes de pessoas e lugares, é comum os surdos pedirem que se escreva a palavra com o alfabeto manual, mas, na sequência, eles criam um sinal que será usado dali para frente. Então, a digitalização da palavra passará a ser dispensável das próximas vezes, pois a realização do sinal vai remeter ao sentido e ao conceito. Caso seja necessário es-crever mais de uma palavra (nome completo ou palavra composta, por exemplo), deve-se fazer uma palavra numa sequência rítmica e dar uma pausa na última letra para, então, iniciar a nova série de letras que serão feitas com o mesmo ritmo.

Além disso, há também a possibilidade de representação dos acen-tos das palavras (^, ~, `, ´) por meio de desenho no ar com o dedo indi-cador. O desenho no ar é feito em um ponto acima de onde se escreveu inicialmente, e deve ser feito antes da letra que receberá o acento, por exemplo: JOS´E. O mesmo processo ocorre com a produção dos nú-meros da Libras, os quais estão reproduzidos a seguir:

Figura 2

0

5

1

6

2

7

3

8

4

9

Ainda com relação ao alfabeto manual, devemos ressaltar que dele são extraídos os outros empréstimos linguísticos da Libras. Um emprés-timo linguístico é uma palavra original de um idioma que passa a fa-zer parte do repertório de um grupo de falantes de outro idioma. No português, há muitos exemplos de palavras que não compunham nosso verbete e que passaram a fazer parte de nossa fala, por meio da internet, pela globalização, ou outros motivos. Na língua portuguesa há muitas expressões americanas, francesas, indígenas, que são usadas pelos falantes

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normalmente. Exemplos desses empréstimos são as palavras: stress, delete, abajur, diet, ligth, shampoo, lingerie, entre outras.

Os empréstimos linguísticos na Libras ocorrem mediante processo de aceleração da escrita do alfabeto manual e, algumas vezes, pela supressão de uma das letras.Veja um exemplo de empréstimo linguístico da Libras:

Bar

Em se tratando de termos técnicos e científicos, podemos destacar que são criados de acordo com a necessidade. É o caso de quando entra-mos na faculdade, há uma “enxurrada” de palavras novas as quais não uti-lizávamos antes, como os termos “paradigma”, “piagetiano”, “demanda de mercado”, “psicanálise”, “biomorfologia”, “léxico”, “sintático”, “prag-mática”, etc. Na língua de sinais, isso ocorre da mesma maneira. Os sur-dos têm a capacidade de inserir em sua língua palavras novas conforme a necessidade. Daí surgem os novos sinais, como os expostos a seguir:

Neurose Mídia

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Capítulo 1

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Ambiente virtual de aprendizagem Condicionamento

Todas as línguas mudam ao longo do tempo.

Podemos verificar que não há permanência vocabular e nem estru-tural em nenhuma língua, e isto implica dizer que as línguas mudam ao longo do tempo. Assim como ocorreu com o vocábulo vossa mercê, que passou para vos mice, depois para você e hoje é comumente trata-do por cê ou vc. Na língua de sinais, isso também acontece.

Os sinais que exigem muito “trabalho” para serem realizados sofrem uma economia produtiva e passam a ser realizados de maneira mais sim-plificada. É o caso, por exemplo, do sinal mulher, que era realizado com ambas as mãos postas próximas à cabeça, numa imitação de colocar o chapéu. Então descia do rosto em direção ao pescoço, onde era encer-rado com um movimento que imitava o lançar, o amarrar. Atualmente, esse sinal preserva apenas o trajeto do rosto ao pescoço, é sinalizado conforme imagem a seguir, passando o polegar na bochecha.

Mulher

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As relações entre sons e significados das línguas faladas e entre ges-tos (sinais) e significados das línguas de sinais são, em sua maioria, arbitrárias.

As palavras e sinais apresentam uma conexão arbitrária entre forma e significado, visto que, dada a forma é possível prever o significado, e dado o significado é possível prever a forma. Os símbolos utilizados pe-las línguas são arbitrários. Podemos constatar que não há uma relação intrínseca entre a palavra cão e o animal que ele simboliza. Quadros e Karnopp (2004) apontam ainda que, a característica de arbitrariedade das línguas não se restringe à ligação entre forma e significado, mas aplica-se também à estrutura gramatical das línguas, pois elas diferem umas das outras. Isso pode ser constatado na dificuldade em aprender uma língua estrangeira, pois é um sistema distinto do que estamos ha-bituados a usar.

Toda língua falada inclui segmentos sonoros discretos, como “p”, “n”, ou “a”, os quais podem ser definidos por um conjunto de pro-priedades ou traços. Toda língua falada tem uma classe de vogais e uma classe de consoantes. Línguas de sinais apresentam segmentos discretos na composição dos sinais.

Assim como as línguas orais apresentam segmentos sonoros dis-cretos (p, n, a), as línguas de sinais, igualmente, apresentam segmentos discretos na composição dos sinais. Ainda com relação a isso, Quadros e Karnopp (2004) apontam que há, em todas as línguas, a característica da dupla articulação. Tal característica significa que existe uma gama de unidades que são semelhantes, em torno de trinta ou quarenta, mas que cada fonema normalmente não tem significado quando está isolado, mas ganha um significado quando é combinado com outras unidades mínimas. Por exemplo, os sons de f, g, d, o e a não tem um significado expresso, porém, quando os combinamos de diferentes maneiras, pode-mos encontrar significados. É o caso, por exemplo, de fogo, dado, gado, fado. Tal organização de língua em duas camadas, camada de sons que se combinam e camadas de unidades maiores, expressa a característica de dualidade ou dupla articulação comum às línguas orais e sinalizadas.

Universais semânticos, como fêmea ou macho, são encontrados em todas as línguas.

Há ainda outra característica encontrada em línguas orais que se manifes-tam também nas línguas sinalizadas, é a característica de descontinuidade.

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Capítulo 1

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Tal fenômeno está em oposição à variação contínua, isto significa que as palavras podem diferir de maneira mínima na forma, mas apre-sentam diferença considerável no significado. É o caso das palavras faca e fada, que são escritas e faladas de maneiras diferentes. Esse fenômeno demonstra a característica de descontinuidade da diferença formal en-tre forma e significado.

Todas as línguas possuem formas para indicar tempo passado, ne-gação, pergunta, comando, etc. Todas as línguas apresentam cate-gorias gramaticais (ex: substantivo, verbo).

As línguas não se fixam apenas nos parâmetros fonológicos, pois tanto línguas orais como sinalizadas apresentam categorias gramaticais (substantivo, verbo e outros), bem como universais semânticos tais como a distinção fêmea/macho.

No concernente à sintaxe, sabemos que tanto as línguas orais quanto as de sinais podem fazer referência ao passado, presente e fu-turo, a realidades remotas ou, ainda, a coisas que não existem e que os falantes de todas as línguas são capazes de produzir e compreender em um conjunto infinito de sentenças.

Quadros e Karnopp (2004) apontam que essa flexibilidade e ver-satilidade é uma característica comum a todas as línguas, pois podemos usar a língua para dar vazão às emoções e sentimentos, para fazer solici-tações, para fazer ameaças, promessas, ordens, perguntas ou afirmações.

Todas as línguas humanas utilizam um conjunto finito de sons dis-cretos (ou gestos) que são combinados para formar elementos sig-nificativos ou palavras, os quais, por sua vez, formam um conjunto infinito de sentenças possíveis. Todas as gramáticas contêm regras de um tipo semelhante, para formação de palavras e sentenças.

A criatividade e a produtividade são apontadas por Quadros e Karnopp (2004) como propriedades que possibilitam a construção e a interpre-tação de novos enunciados. Todos os sistemas linguísticos têm a possi-bilidade de construção e compreensão de um número infinito de enun-ciados, sendo assim, os falantes têm a liberdade de agir criativamente.

Falantes de todas as línguas são capazes de produzir e compreender um conjunto infinito de sentenças. Universais sintáticos revelam que toda língua possui meios de formar sentenças.

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Assim, revela-se a criatividade que o falante tem para inventar no-vas palavras e de ter um estilo próprio de fala. Isso ocorre com a Libras, pois, mesmo cada país adotando uma língua de sinais própria, não é possível estabelecer uma homogeneidade linguística por todo seu ter-ritório nacional. Sempre que houver a reunião de um grupo de sinali-zadores, haverá abertura para criação de novos falares ou modificação nos falares produzidos, e todos esses novos modos serão carregados de peculiaridades da região onde o grupo está localizado.

Esses modos distintos na fala de cada região são os chamados dia-letos, que existem não só na Libras, mas em todas as línguas de sinais e orais, como ocorre com o português, por exemplo, nas palavras ma-caxeira, aipim e mandioca, que se prestam a designar a mesma coisa. Vejamos um exemplo do regionalismo da Libras nas imagens a seguir. Trata-se de três sinais diferentes que se referem à palavra verde, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, respectivamente.

Fonte: imagens adaptadas de Strobel e Fernandes (1998).

Podemos, assim, perceber que a Libras é bastante complexa em sua estrutura gramatical e que, por meio dela, é possível conversar sobre diver-sos assuntos, inclusive utilizar-se de diferentes estilos de fala em diferentes ocasiões. Então, o modo de sinalizar é diferente se o interlocutor for uma autoridade ou se forem colegas na rua, e estes diferentes registros discursi-vos são manifestados por meio da velocidade dos movimentos e do espaço

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Capítulo 1

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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utilizado para sinalização. Se o surdo quer ser bastante formal em sua fala, provavelmente usará o espaço a frente do seu corpo com certo limite. O espaço para sinalização se inicia acima do quadril, vai até a cabeça e não se estende muito para os lados. Porém, se o contexto de fala é informal, ele sinalizará com muita expressão facial, com os braços bastante alargados e, provavelmente, vocalizará alguns sons. Dessa forma, podemos ver como é possível o falante de Libras transitar entre diferentes estilos discursivos.

Quando os ouvintes veem os surdos conversando, na grande maio-ria, elas têm a impressão de que estão brigando, pois sinalizam mui-to rápido e tem bastante expressividade. O fato é que os surdos estão tendo uma conversa como outra qualquer. Essa impressão equivocada ocorre porque as pessoas não sinalizantes deixam de considerar que, quando estamos conversando, também falamos muito rápido, e isto ocorre da mesma forma com o surdo.

Ao articular os fonemas da nossa língua portuguesa – um após o outro –, não nos damos conta de que são produzidos juntos, ou seja, todas as palavras se ligam entre si na constituição da frase e do discurso. Assim também acontece na comunicação em Libras. Os surdos sina-lizam rapidamente um sinal após o outro, sem significar uma briga, mas uma fala normal. Além disso, quando nós estamos em contextos informais, também falamos muito alto e somos extravagantes. Os sur-dos igualmente agem assim. Ampliam os movimentos dos sinais, tem o espaço de sinalização bastante elevado e produzem muita expressão facial. No entanto, isso não denota agressividade ou briga por parte deles, mas o “tom” elevado da fala.

Esse dado reitera que a Libras é uma língua que, inclusive, contém marcas de formalidade e de informalidade, pois tem tanta completude que possibilita ao falante fazer escolhas diferenciadas de sinais, de acor-do com os tipos de situações experimentadas.

Qualquer criança, nascida em qualquer lugar do mundo, de qual-quer origem racial, geográfica, social ou econômica, é capaz de aprender qualquer língua à qual é exposta.

Um fenômeno elucidativo sobre esse assunto é quando as crian-ças surdas estão aprendendo a Libras. Inicialmente, elas aprendem

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as unidades mínimas de maneira isolada, como fazem as crianças ouvintes, que começam a balbuciar “aaaaa”, depois “babababa”, até formar palavras completas. Isso também ocorre com as crianças sur-das. Tomamos como exemplo uma criança quando estava com dois anos e, em diálogo com a mãe, começa a aprender o sinal de sorrir (conforme figura a seguir). A mãe ensina, inconscientemente, cada um dos três parâmetros – que são a configuração de mão, a locali-zação e o movimento –, e a criança imita corretamente a localização e o movimento, porém, não consegue reproduzir da mesma forma a configuração de mão. A mãe age com um input favorável, fazendo a intervenção devida. Toca no filho e ajeita sua mão para que realize o sinal de forma correta. A criança gosta do sinal, sorri quando a mãe a repreende pelo mau jeito na realização do sinal, mas tem dificuldade para fazer a configuração apresentada. Solicita à mãe por várias vezes, para que a auxilie, até que aprende os três parâmetros e consegue rea-lizar com precisão o sinal de sorrir.

Esse jogo discursivo, além de mostrar a importância do adulto no contexto de aquisição da linguagem, a qualidade do input e outros, nos aponta para uma característica das línguas humanas, presente, igual-mente, na Libras: a regularidade. Conforme já apresentamos, as línguas humanas – e, portanto, a Libras também – têm parâmetros de realiza-ção que não podem ser alterados para sua efetiva comunicação. Assim, há exigência de que os elementos fonológicos sejam adequadamente produzidos na realização dos sinais.

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Capítulo 1

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Da teoria para a práticaPara aderir à ideia da diversidade linguística em sala de aula, o

professor pode colar cartazes pela sala com o alfabeto manual e com os números. Então, pode colocar algumas perguntas no quadro e pro-mover que dois alunos participem: um pergunta e o outro responde, utilizando as letras manuais.

Perguntas:

Qual é o seu nome? ●

Qual é o seu sobrenome? ●

Quantos anos você tem? ●

Qual é o nome da sua rua? ●

Qual é o nome do seu bairro? ●

Qual é o nome da cidade em que você mora? ●

Qual o nome da sua mãe? ●

Qual a idade da sua mãe? ●

Qual o nome do seu pai? ●

Qual a idade do seu pai? ●

Qual o nome dos seus irmãos? ●

SínteseNeste capítulo, tratamos das definições preliminares e apresenta-

mos ao leitor a fase histórica pela qual a sociedade está passando, a cha-mada inclusão. Explicamos que, nessa fase, os paradigmas sobre a pes-soa surda e sua língua passaram por reformas não só no que se refere à terminologia – surdo e Libras –, mas na forma de relacionamento com esta nova realidade. Muito mais do que saber a forma de tratamento dessas questões, é preciso que haja um desprendimento para aprender a se comunicar e se relacionar com os surdos. Isso pode se dar por meio

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do alfabeto manual, dos empréstimos linguísticos, de um jeito mais informal ou por meio de leituras e pesquisas linguísticas.

Nesses termos, percorremos com o leitor o mesmo percurso ado-tado no processo de valoração da Libras, pois, para que houvesse todo o reconhecimento social e acadêmico que hoje existe quanto ao status desta língua, foi preciso muito esforço para desmitificar os mitos que havia, assim como foi preciso arrolar alguns pressupostos universais na análise desta modalidade expressiva. Atualmente, os surdos foram brin-dados com a oficialização da sua língua por determinação legal. Dessa forma, as pesquisas não mais se prestam a “comprovar” que a Libras é uma língua, mas já podem se focar em conhecer o comportamento de uma língua espaço-visual e tecer análise gramatical sobre ela, o que faremos no próximo capítulo.

GlossárioInput

É o sinônimo para estímulo linguístico, ou seja, todas as influências verbais que são dadas às crianças quando estão aprendendo a falar.

Output

É a forma como a criança expressa o input que recebeu, é o que ela consegue falar.

Pidgin

É um sistema de comunicação precário. É uma língua emergencial, porque aparece em situações extremas de barreiras à comunicação (MCCLEARY, 2008, p. 21).

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Todo sistema linguístico é organizado em níveis de análise, sen-do os principais: o fonológico, que se ocupa em estudar as unidades mínimas da composição das palavras; o morfológico, que se ocupa com as escolhas das palavras; o sintático, que se ocupa em organizar as pala-vras na frase; e o semântico, que busca a relação das palavras e o sentido que elas têm. Neste capítulo, apresentaremos cada um destes aspectos linguísticos relacionados à Libras.

Aspectos fonológicosÉ no nível fonológico que se encontram as considerações acerca

dos fonemas – conceituados como unidade mínima do som. Nesse sen-tido, não caberiam considerações fonológicas para a Libras, já que ela é uma língua espaço-visual que não tem som. Para resolver tal impasse, Stokoe empregou a terminologia “querema”, ao invés de fonema, para o estudo das unidades mínimas da língua de sinais. Porém, atualmente, os pesquisadores de língua de sinais abandonaram o termo, por enten-der o apontamento de Saussure (1970) quanto a isto. Para o pai da lin-guística, a forma do significante refere-se a uma imagem acústica con-vencional, abstraída de realizações fonéticas concretas e infinitamente variáveis; definição que torna o conceito suficientemente abstrato para abranger não apenas representações psíquicas de sons, mas também de gestos (LEITE, 2008). Assim, quando nos referirmos aos fonemas, es-tamos fazendo menção às unidades mínimas que compõem a língua.

Além dos fonemas, as línguas naturais também são compostas por morfemas e palavras, e estas duas articulações – fonemas e morfemas – é que norteiam a dupla articulação apontada por Martinet (1978). Esse linguista diz que todas as línguas humanas possuem a dupla articulação. Por dupla articulação, entendemos um plano de conteúdos (composto

Estrutura gramatical da Libras 2

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por morfemas e palavras) e um plano isento de conteúdos (composto por fonemas). É bom lembrar que ambas as articulações são restritas nas línguas naturais, mas que sua combinação pode originar um número irrestrito de possibilidades significativas. Como a Libras é uma língua natural, também é composta pela dupla articulação.

Podemos constatar tal fenômeno, conforme Leite (2008), por meio da junção das articulações dos fonemas. Limitando-nos inicialmente à segunda articulação – fonemas –, vemos que Stokoe (1960) propôs três componentes da estrutura interna dos sinais: configuração de mão (CM), localização (L) e movimento (M). Isoladamente, esses parâme-tros não têm conteúdo significativo (capaz de compor significação), porém, quando os unimos, podemos formar conteúdos irrestritos.

Ônibus

Configuração de mão

Movimento

Localização

O mesmo fenômeno ocorre com os sinais: avião e carro.

Carro

Configuração de mão

Movimento

Localização

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

43

Avião

Configuração de mão

Movimento

Localização

Mesmo percebendo que, isoladamente, os parâmetros não trans-mitem significado, analisaremos cada um deles em sua composição, a fim de entendermos melhor a formação dos sinais.

Configuração de mão

O primeiro parâmetro – configuração de mão – refere-se à forma que a mão assume na realização do sinal. Algumas dessas configurações de mão correspondem às letras do alfabeto manual, mas não se restrin-gem a elas. Para as configurações de mão da Libras temos o quadro de Brito (1995), que registra 46 configurações diferentes.

Quadros e Karnopp (2004), por sua vez, apontam que essas con-figurações de mão são representações do sistema fonético da língua, considerando a inexistência de identificação quanto às configurações de mão básicas e às configurações de mão variantes.

Já em Felipe (2001), conforme podemos verificar na figura a seguir, encontramos 64 configurações de mão. Essas configurações podem dar origem a sinais da Libras se forem produzidas apenas com uma mão, com as duas mãos produzindo configurações de mão di-ferentes ou, ainda, com as duas mãos, mas ambas com configurações de mão iguais.

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Figura As 64 configurações de mão da Libras.

Fonte: adaptado de Felipe (2005).

A fim de elucidarmos as possibilidades de formação de sinal a par-tir da configuração de mão, expomos alguns exemplos a seguir.

Configuração de mão com apenas uma mão: este é o tipo de sinal que pode ser produzido com qualquer uma das mãos, pois o seu sentido não será alterado.

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Aluno Professor

Lápis Caneta

Cola Tesoura

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

46

Vestibular

ou

Português

Ciências História

Uniforme Educação

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

47

Duas configurações de mão diferentes.

Curso Pós-graduação

Mestrado Educação artística

Estudos sociais Intervalo

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

48

Redação Apontador

Atendo-nos ao primeiro sinal, vemos que nesse tipo de constru-ção a primeira configuração de mão é a base que se forma em b, e a mão ativa se forma em c. Em outros casos parecidos com esse, outras configurações de mão poderão ser realizadas, mas a ordem de predo-minância será mantida, ou seja, uma mão será a base e a outra ativará o movimento.

Sobre a realização de um sinal que contém duas configurações de mão diferentes, e que realiza movimentos apenas com uma das mãos, encontramos em Battison (1974) duas restrições, que limitam consi-deravelmente as possibilidades articulatórias dos sinais. A primeira é a condição de dominância, e a segunda é a condição de simetria. Por condição de dominância o autor entende a ocorrência de sinais nos quais uma das mãos assume o papel ativo e, a outra, um papel passivo. A mão passiva, nesse caso, serve de base, de apoio para a realização do movimento da mão ativa. Antes de falarmos sobre a condição de simetria, vejamos a realização de um sinal com as duas configurações de mão iguais.

Duas configurações de mão iguais: sinais desta natureza são for-mados por duas configurações de mão iguais. É o caso dos sinais apre-sentados a seguir, que se realizam com ambas as mãos moldando-se com a mesma configuração de mão e com a realização de um movimen-to simultâneo e simétrico.

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

49

Sala Geografia

Caderno Régua

Mochila Prova

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FAEL

50

Matemática Educação física

Química Nota

1 2

Dividir Multiplicar

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

51

Retomando as restrições articulatórias de Battison (1974), temos que, em casos de sinais como os que mostramos, em que as duas mãos estão ativas e realizam o mesmo movimento, há a condição de simetria estabelecida.

Locação

O segundo parâmetro – a locação – refere-se ao espaço onde o sinal será realizado, podendo ser no próprio corpo do sinalizador ou no espaço neutro (espaço “vazio” a frente do corpo do sinalizador, precisa-mente entre a cabeça e o quadril), conforme imagens a seguir.

Sinalização no espaço neutro:

Tartaruga Hipopótamo

Foca Mosca

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FAEL

52

Urso Jacaré

Peixe Borboleta

Há, conforme Brito (1995), três pontos principais de locação, a saber: cabeça, tronco e mão. Dentro desses pontos principais estão as subdivisões, tais como os exemplos que seguem.

Subdivisões dos principais pontos de locação:

Macaco

Sinal com locação na cabeça

Boi

Sinal com locação na testa

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

53

Galinha

Sinal com locação no rosto

Rato

1

2

Sinal com locação na bochecha

Papagaio

Sinal com locação no queixo

Pato

Sinal com locação na boca

Cobra

Sinal com locação no pescoço

Coruja

Sinal com locação nos olhos

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

54

Porco

Sinal com locação no nariz

Sapo

Sinal com locação no braço

Dinossauro

Sinal com locação na mão

Zebra

1

2

Sinal com locação no tronco

Movimento

Movimento, o terceiro – e principal – parâmetro, é bastante com-plexo, considerando sua vastidão de possibilidades. Em Strobel e Fer-nandes (1998), vemos que os movimentos podem ser do tipo sinuoso, semicircular, circular, retilíneo, helicoidal e angular, sendo possível pro-duzi-los de forma unidirecional, bidirecional ou multidirecional. Além disso, eles podem ser produzidos com diferentes tensões, velocidades e frequências. Apresentamos a seguir alguns exemplos de sinais produzi-dos com diferentes tipos de movimento.

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

55

Espelho

Movimento sinuoso

Telhado

1

2

Movimento sinuoso

Xícara

Movimento semicircular

Porta

21

Movimento semicircular

Jardim

2

1

Movimento circular

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

56

Cerca

1

2

Movimento retilíneo

Liquidificador

Movimento helicoidal

Eletricidade

Movimento angular

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

57

O primeiro, o segundo e o terceiro parâmetro, quando associados, podem formar muitos sinais da Libras e, às vezes, estes sinais se distinguem por alteração apenas em um dos parâmetros. Nesses casos, ocorre um fenô-meno presente também nas línguas orais: os pares mínimos. No português, os chamados pares mínimos podem ser exemplificados pelas palavras faca e vaca, em que há apenas uma sutil diferença na pronúncia dos fonemas f e v. Na Libras, temos muitos casos como estes. Citemos alguns:

Laranja / sábado Aprender

Cantar Comunicar

Além desses parâmetros, destacamos a orientação de mão e as ex-pressões não manuais. A orientação de mão é a direção que a palma da mão assume na realização do sinal. A palma da mão pode estar voltada para cima, para baixo ou para o corpo de quem sinaliza, para fora, para

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

58

a esquerda e para a direita. Apresentamos a seguir alguns exemplos de sinais produzidos com diferentes orientações para o sinal de ir.

Ir da direita para a esquerda. Ir da esquerda para a direita.

Ir de trás para frente. Ir de frente para trás.

As expressões não manuais, conforme Quadros e Karnopp (2004), referem-se às expressões faciais e aos movimentos do corpo produzidos durante a realização do sinal. Esses movimentos também podem ser reali-zados isoladamente para marcar construções sintáticas – marcar sentenças interrogativas; relativas; concordância; tópico e foco; referência específica; referência pronominal; negação; advérbios; grau ou aspecto, bem como para marcar afetividades, assim como ocorre nas línguas naturais. As ex-pressões faciais não são recursos adicionais ou dispensáveis na Libras, mas, sim, obrigatórias nas construções sintáticas. A seguir, exemplos de sinais isolados com expressão facial, já que neste momento não abordaremos a construção das frases.

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

59

Bravo Triste

Feliz Cansado

BondosoHumilde

ou

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

60

Esquisito Tímido

CalmoInocente

ou

Doido Esnobe

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

61

Vaidoso Chato

Chorão Tarado

Podemos perceber que a realização desses sinais fica condiciona-da ao uso das expressões faciais, até por uma questão de coerência, pois não seria muito lógico produzir o sinal de triste com um sorriso no rosto ou, então, o sinal de feliz com uma expressão de cansaço e tristeza. Certamente, nosso interlocutor questionaria nossa produção e precisaríamos definir qual a mensagem a transmitir: a do rosto ou a das mãos. Isso porque há sinais produzidos apenas com a expressão facial, com a dispensa de qualquer realização manual. Na Libras, há dois tipos de expressões faciais: as que se prestam a marcar argumen-tos gramaticais e as que são de cunho afetivo. Neste texto, abordare-mos apenas o primeiro tipo e, como exemplo, vejamos os sinais de roubar e sexo:

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

62

Roubar Sexo

Assim sendo, passemos a algumas considerações teóricas quanto à morfologia e à sintaxe da Libras.

Aspectos morfológicos da Libras

Se estivermos entendendo que o nível morfológico é aquele que compreende o trabalho de seleção das palavras, se faz necessário, pri-meiramente, definirmos o que entendemos por palavra. Segundo San-dalo (2001, p. 183), “palavra é a unidade mínima que pode ocorrer livremente em várias posições sintáticas”.

Entretanto, dentro das palavras, há elementos que carregam sig-nificado. Esses elementos, chamados de morfemas, é que são as unida-des mínimas da morfologia (SANDALO, 2001). Na Libras, conforme Felipe (1998), os parâmetros fonológicos também podem ser compa-rados a morfemas, pois, às vezes, eles apresentam significado isolada-mente. Assim como ocorre com o português, os fonemas podem ter a natureza de um morfema, por exemplo, os fonemas /a/ e /o/ podem ser artigos ou desinências de gênero, assim como o fonema /s/ pode indicar o plural.

Do mesmo modo, na Libras, determinada configuração de mão, por exemplo, pode constituir um morfema. A seguir ilustramos alguns sinais que podem ser considerados morfemas.

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

63

Dois meses Três meses

Quatro meses Um dia

Dois dias Três dias

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

64

Uma semana Duas semanas

Três semanas

Vemos que, nesses sinais, as configurações de mão carregam o significado do numeral. Nesse caso, elas constituem um morfema pre-so, ou seja, não podem ocorrer isoladamente, mas somente com os morfemas que indicam os meses, os dias e as semanas (QUADROS; KARNOPP, 2004).

Em alguns sinais, no entanto, os parâmetros – isoladamente – não constituem morfemas, mas, quando articulados juntos, resultam em uma unidade com significado. Os sinais reproduzidos na sequência são exemplos de que a articulação conjunta de cada um dos parâmetros é que forma o significado.

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

65

Ontem Hoje

Amanhã Passado

Futuro Ano

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

66

Percebemos que a configuração de mão, o movimento, a loca-ção e a orientação constituem um único morfema, nesse caso, um morfema livre. Ainda, de acordo com Brito (1995), há na Libras morfemas lexicais (o sinal de sentar, por exemplo) e morfemas gra-maticais (movimento).

Dadas as primeiras definições, passemos às considerações dos pro-cessos de formação e classificação de palavra (BRITO, 1995; FELIPE, 1998; QUADROS; KARONOPP, 2004; LEITE, 2008). Um dos pro-cessos de formação de palavras é por meio da incorporação de numeral e de negação. No caso da incorporação de numeral, a configuração de mão que representa o numeral se combina com outro morfema preso para formar um sinal, em que apenas a configuração de mão se modifica. Como já discutimos acerca desse ponto quando exploramos a constituição de sinais que representam morfemas, passemos a discus-são da incorporação da negação.

Nesse processo, um dos parâmetros do sinal é alterado, em espe-cial o parâmetro do movimento. Em alguns casos, altera-se somente a expressão facial do sinalizador. A seguir vemos o contraste entre os sinais dos verbos e a formação de palavras de negação, via alteração de movimento e via alteração da expressão facial.

Ter Não ter

Parâmetro movimento alterado

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

67

Saber

1

2

Não saber

Parâmetro movimento alterado

Gostar Não gostar

Parâmetro movimento alterado

Querer Não querer

Parâmetro movimento alterado

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

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Poder Não poder

Parâmetro configuração de mão alterado

Conhecer Não conhecer

Parâmetro expressão facial alterado

Entender Não entender

Parâmetro expressão facial alterado

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Precisar Não precisar

Parâmetro expressão facial alterado

Aceitar Não aceitar

Parâmetro expressão facial alterado

Além desses processos morfológicos que caracterizam formação de palavras, a negação também pode ser formada pela adjunção do sinal não ao respectivo sinal, conforme exemplos:

Não responder

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

70

Não sofrer Não terminar

Não resolver

Há, ainda, outro processo morfológico que acontece pela com-binação de dois morfemas lexicais, resultando em uma composição. Vejamos nos exemplos a seguir que um sinal pode ser formado por dois sinais independentes que se unem para formar uma palavra composta.

Casa + cruz = igreja Casa + estudar = escola

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

71

Casa + carne = açougue

1

2

Casa + pão = padaria

Boi + leite = vaca

1

2

Cavalo + listras = zebra

1

2

Mulher + cruz = enfermeira Mulher + benção = mãe

2

1

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

72

Homem + benção = pai

Espaço redondo + lavar corpo = banheira

22

1

O mesmo processo morfológico ocorre em relação à formação de palavras que denotem gêneros, por meio da combinação de dois morfe-mas lexicais, um que se refere ao elemento morfológico neutro e outro que se refere à marcação de gênero. Isso significa que, na Libras, o gê-nero é dado pelo processo de composição morfológica.

Homem + cunhado(a) = cunhado

2

1

Mulher + cunhado(a) = cunhada

2

1

Homem + sogro(a) = sogro

2

1

Mulher + sogro(a) = sogra

2

1

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

73

Homem + primo(a) = primo

1

2

Mulher + primo(a) = prima

1

2

Homem + tio(a) = tio

Mulher + tio(a) = tia

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

74

Homem + irmão(ã) = irmão

Mulher + irmão(ã) = irmã

Homem + sobrinho(a) = sobrinho Mulher + sobrinho(a) = sobrinha

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

75

Não obstante, a formação de palavras que denotam “categorias” tam-bém passa pelo processo de composição, conforme exemplos a seguir.

Maçã + vários = frutas

1

2

Alface + vários = verduras

1

2

Arroz + vários = cereais

2

1

Leão + vários = animais

Batata + vários = legumes

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

76

Com relação à classificação das palavras, o que sabemos é que um nome pode derivar de um verbo por meio da repetição e do encurta-mento do movimento do verbo, como é o caso destes sinais:

Telefone Telefonar

O sinal de telefone é produzido com a configuração de mão em y, na locação perto da orelha e com movimentos curtos, leves e repetitivos na direção do espaço a frente do corpo do sinalizador. O sinal de telefo-nar tem a mesma configuração de mão e a mesma locação, mas o mo-vimento é mais alongado, firme e único. Se o movimento for alongado, firme e feito mais de uma vez, pode dar a ideia de telefonar várias vezes. Da mesma forma se configuram estes outros sinais, que diferem sua clas-sificação nominal ou verbal pela alteração do parâmetro movimento:

Cadeira Sentar

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

77

Comida Comer

Pente Pentear

Foto Fotografar

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

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Casa Morar

Bebida Beber

Ainda com relação aos verbos da Libras, destacamos neste mo-mento três tipos deles, a saber: os verbos simples, os verbos manuais e os classificadores. Esses verbos não são produzidos por processo de flexão, os que se enquadram nesta categoria serão abordados na próxi-ma seção.

A seguir, ilustramos alguns verbos simples da Libras. Consti-tuir-se como um verbo simples significa que, independente da cons-trução da frase, os parâmetros fonológicos que compõe o sinal serão mantidos, processo distinto do que ocorre com os verbos vistos na seção flexão.

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

79

Quebrar Rir

Sentir Sujar

Trabalhar Viver

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

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Sonhar

ou

Gritar

Trair Tentar

Ouvir Opinar

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

81

Roubar Salvar / apoiar

Morrer Preocupar

A maioria desses verbos é produzida nas partes do corpo do sina-lizador, pois estas partes são o lugar de localização do sinal. Ainda que seja para se referir a outra pessoa do discurso, o verbo será produzido do mesmo modo, na mesma localização, com a mesma configuração de mão e com a mesma orientação.

Com relação aos verbos manuais, apontamos que são aqueles que se configuram pela incorporação do objeto a que se referem. Eles podem ser considerados icônicos pela representação da realidade. Al-guns exemplos:

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

82

Abrir (o pote) Cozinhar

Mendigar Limpar (janela)

Costurar Escrever

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

83

Cortar (com tesoura) Dormir Lavar (a roupa)

Os classificadores são aqueles verbos que têm sua configuração de mão inicial (sinal raiz) alterada por influência da semântica, do léxico ou da sintaxe. Assim, apresentamos a seguir o sinal raiz de alguns verbos e o sinal classificador, com o parâmetro configuração de mão alterado.

Verbo cair

Originalmente, este sinal remete à ideia da ação que ocorre com uma pessoa. Isso é perceptível pela con-figuração em v, que representa “as pernas” de alguém e o movimento de ir ao chão.

Classificador do verbo cair (papéis)

Se for preciso referir-se a mesma ação de cair, porém, não com a ideia de que o sujeito seja uma pessoa, mas alguns papéis, haverá alteração da C.M. e preservação do movimen-to. Então, o sinal foi classificado em sua semântica.

Page 86: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

84

Verbo andar

Originalmente, este sinal remete à ideia da ação realizada por uma pessoa. Isso é perceptível pela con-figuração em v que representa “as pernas” de alguém e o movimento de ir à frente.

Classificador do verbo andar (de carro)

Se for necessário referir-se a mesma ação de andar, no entanto, não com a ideia de que o sujeito seja uma pessoa, mas um carro, haverá alte-ração da C.M. e preservação da di-reção. Então, o sinal foi classificado em sua semântica.

Classificador do verbo andar (de uma cobra)

Se é preciso referir-se a mesma ação de andar, mas não com a ideia de que o sujeito seja uma pessoa e sim uma cobra, haverá alteração da C.M., do movimento e da localiza-ção. Então, o sinal foi classificado em sua semântica.

Classificador do verbo andar (de um gato(a))

Se for preciso referir-se a mesma ação de andar, porém, não com a ideia de que o sujeito seja uma pes-soa, mas um gato, haverá alteração da C.M., do movimento e da locali-zação. Então o sinal foi classificado em sua semântica.

Classificador do verbo andar (de uma galinha)

Se for necessário referir-se a mesma ação de andar, mas não com a ideia de que o sujeito seja uma pessoa e sim uma galinha, haverá alteração da C.M., do movimento e da locali-zação. Então, o sinal foi classificado em sua semântica.

Postas as questões preliminares dos processos morfológicos da Li-bras, passaremos a conhecer os processos morfológicos mais complexos, especialmente aqueles formados por flexão.

Page 87: Gramatica Da Libras

Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

85

Flexão

Segundo Câmara Jr. (1985), o termo “flexão” tem sua origem na língua alemã, e os primórdios de sua utilização aconteceram na in-dicação do desdobramento de uma palavra em outros empregos. No português, o autor assinala que a flexão se apresenta sob o aspecto de desinências ou sufixos flexionais. Para ele, a flexão é a formação de uma palavra por meio de um morfema, constituindo uma ideia acessória em que o significado base não é alterado.

Isso demonstra que a flexão é definida como um processo pelo qual uma palavra é adaptada a um contexto, com o acréscimo de uma desinência correspondente à função que exerça na frase, de acordo com a natureza desta, numa relação fechada, indicando uma modalidade específica. Câmara Jr. (1985) associa, também, ao conceito de flexão, a obrigatoriedade e a sistematização coerente, sendo que estas são im-postas pela própria natureza da frase. É nesse escopo da morfologia fle-xional que se destacam os processos de flexão nominal e verbal. Sendo assim, vamos conhecer cada um deles.

O primeiro processo, de flexão nominal, pode ser explicitado por meio dos pronomes. Na Libras, há pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos, interrogativos e indefinidos, conforme ilustrados a seguir.

Pronomes pessoais podem representar primeira, segunda e terceira ●pessoa, e podem aparecer no singular ou no plural:

Singular Plural

1ª pessoa – eu Nós dois Nós três Nós quatro Nós grupo

Page 88: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

86

Singular Plural

2ª pessoa – você Vocês dois Vocês três Vocês quatro Vocês grupo

3ª pessoa – ele(a) Eles(as) dois/duas Eles(as) três Eles(as) quatro Eles(as) grupo

Os pronomes demonstrativos são iguais aos advérbios de lugar. ●Sua realização sempre vem acompanhada da direção dos olhos, que se voltam para o local referenciado.

Este(a) aqui Esse(a) aí Aquele(a) lá

Page 89: Gramatica Da Libras

Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

87

Pronomes possessivos: ●

Meu (minha) Teu (tua) Seu (sua)

Pronomes interrogativos: em alguns aspectos, incorporam alguns ●advérbios de tempo. A realização desses pronomes sempre vem acompanhada de expressão facial.

Que? / Quem? Porque ou por que?

Onde? Quando?

1

2

Page 90: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

88

Como? Qual? Quantos(as)?

Pronomes indefinidos: ●

Ninguém Nada = sem

Nenhum Nada

Page 91: Gramatica Da Libras

Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

89

Já a flexão para grau, é a modificação paramétrica capaz de apresen-tar distinções para “tamanhos”. A seguir, alguns exemplos para flexão nominal de grau, nos quais constam alterações das expressões faciais.

Casa Casinha

Bonito(a) Bonitinho(a)

Legal Legalzinho(a)

Page 92: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

90

Alto(a) Altão (altona)

Calor Calorão

Inteligente Inteligentão (inteligentona)

Page 93: Gramatica Da Libras

Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

91

Quanto à flexão verbal, temos a possibilidade de flexão para pes-soa, número, locativo e aspecto. A seguir, apresentamos alguns exem-plos de verbos que concordam com a pessoa do discurso. Os verbos que se flexionam em pessoa são chamados de verbos com concordância. Como primeiro exemplo, temos o verbo falar.

Falar

O verbo falar é produzido com a configuração de mão em y (mão fechada, dedos mínimo e polegar abertos). A localização ini-cia-se com o polegar próximo a boca do sinalizador e movimenta-se na direção de quem receberá a fala. Isso que dizer que se a pessoa que será o receptor está à direita do emissor, a direção do movi-mento será à direita. Se o receptor da fala está à esquerda, o ponto inicial do movimento permanece sendo na boca, mas a trajetória do movimento será à esquerda, e assim sucessivamente, para todas as diversas localizações possíveis para o receptor. Assim, a concor-dância na Libras está na sentença: eu falo para você, ou seja, a primeira pessoa do discurso – eu – falo (verbo com concordância) para a segunda pessoa do discurso – você. Ocorre que, em alguns casos, a trajetória do movimento é oposta: inicia-se no objeto indo em direção ao sujeito. Esses verbos são chamados de verbos reversos (backward verbs). É o caso do sinal falar, anteriormente ilustrado, ser concordado para ele(a) me falou. Nesse caso, haverá inversão do ponto inicial do sinal que, ao invés de ser na boca, será na lo-calização que está referenciada para o objeto (segunda pessoa do discurso).Concordância do verbo falar:

Page 94: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

92

1sFalar2s 5

2sFalar1s

2sFalar3s

Explicando a concordância para os sinais apresentados anterior-mente, entendemos que há um processo morfologicamente complexo

5 Maiores detalhes sobre as transcrições adotadas no texto estão expostos no capítulo 3. Adiantamos, entretanto, que as pessoas do discurso são transcritas como: 1s = 1 pessoa, e assim sucessivamente.

Page 95: Gramatica Da Libras

Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

93

envolvido nesta realização, pois, segundo Meir (2002), é possível visua-lizar três componentes:

A raiz do verbo ● falar.Um morfema direcional – o movimento da trajetória, denomina- ●do DIR (directional), que marca o argumento semanticamente.Um afixo verbal – a orientação da mão. ●

O mesmo processo pode ocorrer com os seguintes verbos:

Perguntar Ver Mandar

Dar Responder Visitar

Mostrar Mudar Obedecer

Page 96: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

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Mexer Paquerar Pedir

Influenciar Matar Pagar

Em relação à flexão para número, apontamos que pode ocorrer com os mesmos verbos colocados anteriormente (verbos com concor-dância) e há, neste caso, possibilidade de indicação do singular, do dual, do trial e do múltiplo. Assim, o sinalizador pode referir-se a, por exemplo, perguntar para duas pessoas, dar para três pessoas, mostrar para quatro pessoas ou ver todas as pessoas. Além disso, na Libras existe a possibilidade de várias formas de substantivos e verbos apresen-tarem a flexão de número, uma delas é a diferenciação entre singular e plural, realizada por meio da repetição do sinal. Vejamos outros verbos de concordância, dando a indicação de flexão para número e depois a marcação diferenciada pelas palavras no singular e no plural.

A flexão de número refere-se à distinção feita para um, dois, três ou mais referentes. A seguir, apresentamos alguns exemplos do sinal entregar com concordância para número e outros.

Page 97: Gramatica Da Libras

Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

95

Concordância do verbo entregar:

1s Entregar 2s

1s Entregar 2s + 3s

1sEntregar2s + 3s + 4s

Page 98: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

96

1s Entregar vários

1s Entregar grupo6

6 Uma variação possível desse sinal é a realização do movimento com ambas as mãos, denotando, desta forma, a ideia de entregar para muitas pessoas ou entregar para um grupo grande.

Page 99: Gramatica Da Libras

Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

97

Agradecer uma pessoa

Abandonar duas pessoas

Encontrar três pessoas

Page 100: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

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Aconselhar quatro pessoas

Beijar todas as pessoas

A diferença da marcação do singular e do plural é que, para o plural, se faz a repetição da forma no singular, como no caso da marca-ção de anos, por exemplo, em que sinalizamos ano + ano + ano. Para árvores, usamos o sinal de árvore repetidamente, e assim com todos os outros nomes que recebem flexão de número, exceto em casos em que houver sinal específico para marcação do plural, como em pessoas no sentido de multidão.

Quanto à flexão de locação, temos a incorporação de locativo na sua realização, em que é possível perceber o trajeto percorrido desde o seu início até o local de chegada, como é o caso do verbo ir, flexionado para a locação que está à frente do corpo do sinalizador, conforme a seguir. Os verbos que recebem essa flexão são chamados de verbos espaciais.

Page 101: Gramatica Da Libras

Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

99

Ir

Outros exemplos desses verbos:

Verbo andar Ir de carro Ir de avião

A flexão para aspecto é marcada de duas formas: lexical e grama-ticalmente. Tais marcações dão origem ao aspecto lexical e ao aspecto gramatical, respectivamente. O aspecto lexical é aquele em que, apenas o verbo, manifesta a duração da ação.

Sua expressividade se manifesta, por exemplo, na oposição se-mântica verificada entre os verbos procurar e encontrar, reprodu-zidos na sequência, pois a flexão codifica como a situação por eles referida se estrutura.

Page 102: Gramatica Da Libras

Língua Brasileira de Sinais – Libras

FAEL

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Procurar Encontrar

Procurar é um verbo que codifica a situação como durativa, já en-contrar codifica a situação como pontual, ou seja, como não durativa. Por outro lado, aspecto gramatical é aquele que pode ser codificado em perfectivo ou imperfectivo. O perfectivo é produzido com movimentos retos e abruptos, e se relaciona a eventos passados, enquanto que o im-perfectivo é produzido com movimentos lentos e contínuos, e se refere a eventos presentes. Para ilustrar o que dissemos até aqui, tomemos o exemplo do verbo cuidar em seu padrão de movimento:

Cuidar

O sinal raiz do verbo cuidar é produzido com a mão passiva fecha-da (configuração de mão em s), colocada à frente do corpo, sendo que o braço fica na horizontal do tronco. A mão ativa configura-se em v e

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leva o pulso a tocar no peito da mão passiva. O movimento que gera o contato de ambos os pulsos é curto e firme. É claro que, pelo próprio léxico, esse verbo transmite o significado aspectual durativo, indicando uma situação que se desenvolve ao longo do tempo. Todavia, podemos reforçar essa indicação lexical por meio do aspecto gramatical imper-fectivo, ou seja, podemos indicar uma situação que perdura de forma ininterrupta, através do movimento representado a seguir.

Cuidar imperfectivo

Nesse caso, mantém-se a configuração de mão e a localização do sinal raiz e altera-se o movimento para alongado, lento e contínuo. Isso quer dizer que haverá o contato do pulso da mão ativa com o pulso da mão passiva mais de uma vez, e que o afastamento da mão passiva será mais alongado em relação ao afastamento que há na produção do sinal raiz, a retomada do contato será feita de modo mais lento.

Já com relação ao verbo passear, temos a seguinte observação:

Passear perfectivo

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Pudemos observar as mãos configuradas em b, passando alterna-damente sobre os ombros, com movimentos retos e curtos.

Passear imperfectivo

Observamos que, para realizar o sinal com marca do imperfectivo, foi utilizada a mesma configuração de mão do sinal neutro, mas o mo-vimento foi mais alongado e contínuo.

O mesmo ocorre com o verbo esperar:

Esperar

Mãos configuradas como “esperar” na direção de cima para baixo, com movimentos retos, curtos e abruptos no espaço neutro.

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Esperar imperfectivo

Mesma configuração de mão do sinal neutro, mas com movimen-to lento, alongado e contínuo no espaço neutro.

Aspectos sintáticos da LibrasNeste tópico, vamos discutir um pouco sobre a sintaxe da Libras.

Sintaxe é a organização de um enunciado em torno de um verbo. Para construir um enunciado na Libras não é preciso adicionar conjunções e preposições (de, te, para, com, em, na) como fazemos no português, pois as ideias são formuladas no espaço e a construção da coerência e da coesão acontece de modo bem diferente. Assim como não é necessário seguirmos a mesma ideia do português, até porque existem palavras do português que não são traduzíveis para Libras, como também existem sinais da Libras que não são traduzíveis para o português. Porém, todos os conceitos que são transmitidos em uma língua podem ser transmi-tidos em outra, é preciso apenas buscar termos equivalentes. Veremos o passo a passo da construção sintática da Libras, em se tratando dos tipos de frases, da ordem dos constituintes, da organização dos campos de referência e da flexibilidade das categorias gramaticais.

Tipos de frases na Libras

Na Libras é possível construir sete tipos de frases, a saber: senten-ças negativas, sentenças afirmativas, sentenças interrogativas, sentenças condicionais, sentenças relativas, sentenças com foco, sentenças com

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tópico. Elas são constituídas de um tipo dado, especialmente pela ex-pressão facial. Vejamos cada uma delas:

Sentenças negativas ● – são aquelas que apresentam uma ideia sen-do negada. Elas podem ser formadas pelos sinais que incorporam a negação – anteriormente apresentados –, pela expressão facial negativa junto ao verbo ou pelos sinais a seguir, acrescidos ao final da frase.

Não Nada Nunca

Em Libras é possível negar a ação de comer de várias formas:

Eu comer não.

Eu comer nada.

Eu comer nunca.

Eu comer (expressão de negação).

Sentenças interrogativas ● – são aquelas formuladas com a inten-ção de obter alguma informação desconhecida. A formulação do questionamento se dá com os pronomes interrogativos – anterior-mente dados – inseridos no início ou no final da frase, como nos exemplos a seguir:

O que você comer hoje? Você comer hoje o quê?

Como você trabalha? Você trabalha como?

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Onde você mora? Você mora onde?

Quem sabe? Sabe quem?

Por que isso aconteceu? Aconteceu por quê?

Para que você fez isso? Você fez para que?

Quando você vai casar? Você vai casar quando?

Além das perguntas chamadas qu, há também as sentenças inter-rogativas nas quais a intenção não é obter uma resposta completa, mas simplesmente sim ou não, como:

Você quer leite?

Você gosta dele?

Você conhece a China?

Sentenças afirmativas ● – são aquelas que afirmam determinada ação: Eu vou a festa à noite.

Sentenças condicionais ● – são aquelas que estabelecem uma re-lação de condição e consequência para a realização de algo. Por exemplo: Se você me contar, faço segredo.

Sentenças relativas ● – são aquelas que inserem uma informação adicional à frase, uma informação que seja relativa à informação principal que está sendo transmitida pela sentença. Em Libras, isso ocorre com a expressão facial mantida na oração principal e modi-ficada na relativa. Por exemplo: Aquele homem, que fala muito, está de férias.

Sentenças topicalizadas ● – são aquelas que empregam o tópico. O tópico anuncia o assunto a ser desenvolvido ao longo da sentença. Por exemplo: Carro, eu gosto de Uno.

Sentenças focalizadas ● – são aquelas que usam o foco. O foco serve para destacar ou contrastar alguma informação da sentença como em: Ana chorou, não Paula chorou.

Explicitados os principais tipos de frases na Libras, vamos apro-fundar como os elementos se organizam na oração.

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Ordem dos constituintes

Em todas as línguas humanas há, pelo menos, três elementos sintá-ticos principais, que podem se ordenar na frase de diferentes maneiras. Esses elementos são: sujeito – é o termo que expressa o agente da ação (que pratica ou sofre); verbo – é o termo que expressa a ação; objeto – é o termo que qualifica ou detalha o verbo.

Quadros e Karnopp (2004) apontam que a ordem dos elementos na sentença da Libras é, geralmente, SVO (sujeito – verbo – objeto). Elas dizem que, além dessa ordem, são possíveis também as seguintes: OSV, SOV e VOS, sendo estas derivadas da ordem canônica e construídas a partir de operações sintáticas, tais como topicalização ou focalização, conforme pesquisa de Pizzio (2006). A seguir, exemplificamos algumas sentenças com a ordem básica da Libras:

SVO

Eu gostar laranja.

Você ter dinheiro.

Ele(a) saber Libras.

Essa é a ordem chamada canônica, básica, e dela derivam as outras ordens – apontadas anteriormente –, exemplificadas a seguir:

oSV SoV VoSLaranja ele amar.

Bolo eu fazer.

TV você ver.

Você laranja gostar?

Eu presente comprar.

Ele mãe visitar.

Gostar laranja ele?

Passear praia você.

Comprar casa eu.

Deve-se ressaltar, ainda, que alguns elementos apontados na frase podem ser apagados, pois na Libras, assim como em outras línguas, é possível que ocorra o apagamento, não apenas do sujeito, mas também do objeto. Na frase gostar laranja, o interlocutor identifica que há o sujeito eu oculto.

Organização espacial

Ao estudar os pronomes, verificamos que eles são utilizados para marcar as referências pessoais nos verbos com concordância. Em relação à

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sintaxe, a que se lembrar que a Libras estabelece a maioria de sua organi-zação sintática no espaço7, obviamente, por ser esta sua natureza linguís-tica. Dessa forma, é preciso que o sinalizador defina pontos específicos no espaço a cada referente que aborda no discurso.

Isso pode ser feito, conforme Quadros e Karnopp (2004), de várias maneiras, inclusive por apontação. A apontação se dá em dois casos: quando o referente não está presente no momento da enunciação; ou quando ele está fisicamente no mesmo ambiente de quem fala. No pri-meiro caso, o sinalizador vai estabelecer aleatoriamente um ponto no espaço de sinalização para se referir ao sujeito e/ou objeto e fazer as apontações devidas, ou seja, sempre que precisar retomar o referente. Estando o sujeito e/ou objeto visíveis, basta que a apontação seja feita diretamente ao referente presente. Algumas vezes, por questão de eti-queta ou, ainda, se o sinalizador não quer que o referente saiba que ele está fazendo menção a ele, é possível usar o dedo indicador na direção do referido, porém, com a outra mão aberta e com a palma sobre o dedo que aponta. Assim, será uma fala às escondidas.

Conforme Quadros (1997), todo enunciado em Libras é realizado no espaço de enunciação: um semicírculo virtual, cujo perímetro é usa-do para a realização de referência a pessoas do discurso, com referentes presentes ou não. O corpo do sinalizador deve se situar no centro do raio do semicírculo e, neste espaço, nas diferentes situações discursivas, pode ocorrer mudanças quanto à direção e à localização de seu corpo. Por exemplo, a sinalização em direção a um lócus predeterminado ou a movimentação ocular para este mesmo local significa uma marca de referência a uma pessoa e/ou objeto.

É nesse espaço, então, que se desencadeiam todas as relações entre os sujeitos, seus diálogos e suas ações. A enunciação se desenvolve com a mudança de posição de referência. As vozes dos sujeitos, suas enun-ciações, são marcadas segundo o lugar que cada um ocupa no espaço de sinalização, estando o narrador no centro do raio do semicírculo e os demais participantes da interação nas periferias, quer dizer, à esquerda e/ou à direita do narrador.

7 As exceções dessa construção sintática no espaço são o tópico e o foco, por exemplo, que são construídos pela expressão facial. Sobre isto, ver: Pizzio (2006).

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Assim, o sinalizador estará sempre no centro do espaço e poderá produzir os sinais na direção do referente ou, ainda, levar os olhos na-quela direção para marcar o espaço. Porém, de acordo com Massone (1993), o lócus referencial das pessoas do discurso não é fixo, ele se alterna continuamente dentro do espaço sinalizador, dependendo do contexto em que se encontra. Então, se por ora o sujeito referenciado aparecer à esquerda do narrador – centro do semicírculo – e por ora aparecer à direita, não haverá comprometimento da clareza de informa-ção, até porque as alterações do lócus não ocorrem aleatoriamente, mas, sim, de acordo com a organização interna do discurso.

Tomemos como exemplo para análise da construção sintática um texto que trata do fato de que o prefeito Paulo Maluf e o senador Amin foram visitar a cidade de Joinville. Na ocasião, estavam em comitiva, em cima de uma caminhonete, e guiaram durante uma hora uma gran-de carreata pelas ruas. O dia estava muito quente e, por isso, os polí-ticos suavam bastante, enquanto acenavam para todos. No comício, as lideranças locais falaram primeiro, seguidos de Maluf e de Amim. Maluf foi sucinto em seu discurso e quando Amim – o careca – tomou a palavra, disse que discursaria tão rápido quanto havia feito seu ami-go. Porém, sua fala perdurou muito tempo, o que fez com que Maluf comentasse com os políticos que estavam à sua volta: “– Imagine se ele não fosse careca!”

Considerando que esse texto se caracteriza como uma narrativa, ao começar a sinalizar, a pessoa assume o papel de narrador e a produ-ção dos seus sinais será no espaço neutro, bem ao meio do círculo de sinalização. Quando esse narrador deixa de contar os episódios gerais e passa a dar voz a algum personagem em específico, o sinalizador aponta para um lugar a sua direita ou esquerda para marcação do espaço a ser ocupado pelo referido sujeito. Esse espaço será fixo enquanto houver ação ou fala dessa mesma pessoa.

Outra forma de o sinalizador construir a voz do personagem é por meio do processo chamado anafórico. Esse processo é a incorporação do personagem e a elaboração do discurso direto. Nesse sentido, se houver um diálogo entre dois personagens, o sinalizador toma primei-ramente o lado direito, por exemplo, sinaliza a fala desta pessoa na di-reção de onde está a outra, ou seja, com seu corpo voltado à esquerda. Então, quando for a vez do personagem que está à esquerda falar, o

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sinalizador se coloca deste lado, mas com uma inclinação de tronco à direta – como se estivesse olhando para quem fala – e sinaliza.

Além de organizar o espaço de sinalização para marcar o lugar de quem fala, o sinalizador precisa destinar um lugar específico para outras referências, por exemplo, a carreata e a comitiva. É interessante observar que, na Libras, os verbos direcionais – como é o caso de andar – instau-ram uma necessidade eminente de movimento, marcando a direção de origem e destino da ação expressa pelo verbo direcional. No caso sob análise, a comitiva vai andar de um ponto definido pelo sinalizador até o outro no espaço, entretanto, este espaço não pode invadir o espaço anteriormente definido para os personagens já apresentados.

No entanto, quando há necessidade de alocação de outros sujeitos no mesmo espaço que está sendo ocupado por objetos, há facilmente uma desconstrução desse primeiro espaço. Nesse caso, o espaço da co-mitiva se desfaz e dá lugar à presença de um grupo de políticos e asses-sores. É interessante notar que há prevalência do sujeito em relação ao objeto nas enunciações, ou seja, quando é preciso lançar mão de mais de uma construção espacial, se faz priorizando as pessoas do discurso e não as coisas e objetos nele envolvidos.

Durante a tomada de voz de cada um dos personagens discur-sivos, há necessidade de se fazer uma organização sequencial. Para tanto, se pontua – com os números não quantitativos – a ordem de fala. Nesse momento, há construção das enunciações de cada um, utilizando-se da direção do olhar como um recurso identificador do sujeito. Assim, enquanto Amin fala ao público, a sinalização é proje-tada para frente. Quando Amin fala ao prefeito, a sinalização é feita na direção do espaço marcado para esse personagem e o último mo-vimento de ombros, bem como a direção do olhar é para um terceiro espaço – do grupo de políticos.

Dessa feita, destacamos que, na Libras, há a possibilidade de fazer a diferenciação das vozes ao longo do discurso mediante movimento de ombros e incorporação do personagem, pelo contato ideário com o interlocutor colocado no espaço referenciado a ele e, ainda, por meio de uma marcação sinalizada, expressa pelas duas mãos passando da direita para esquerda, como se estivesse limpando a fala dita até então e dando lugar a uma nova enunciação.

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Agora que já conhecemos os tipos de frases, a ordem dos consti-tuintes e a forma de organização dos elementos no espaço, passemos à exemplificação. Para tanto, relacionamos a seguir alguns adjetivos da Libras, para depois os colocarmos em frases comparativas.

Barulhento Bobo Bondoso

Confuso Chorão Bruto

Corajoso Infantil Engraçado

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Fofoqueiro Famoso Egoísta

Pensando numa construção frasal temos: João é mais bobo do que Maria. Em Libras, temos que destinar um espaço de sinalização, por exemplo, à esquerda, para escrevermos com o alfabeto manual “João”. Imediatamente, destinamos outro espaço de sinalização, oposto ao pri-meiro, para escrevermos o nome “Maria”. Em um segundo momento, há um apontamento para o espaço onde foi colocado o primeiro perso-nagem, com a intenção de dizer “ele”. Então, fazemos o sinal de “mais8 bobo” e, na sequência, colocamos o marcador “do que” (conforme a figura a seguir) na direção do espaço do João para o espaço da Maria. Contrariamente, se o marcador comparativo for sinalizado da direção do espaço da Maria para o espaço em que se encontra João, haverá inversão da informação. A mesma forma de construção frasal ocorrerá na utiliza-ção de qualquer adjetivo ou para suscitar qualquer tipo de comparação.

Do que

8 Há muitos sinais que podem significar mais. Na seção destinada à semântica, explica-remos cada um deles.

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Flexibilidade da Libras

A Libras é uma língua flexível, e isso pode ser demonstrado pela “junção” de categorias gramaticais em sua expressão e composição. Para ilustrar a flexibilidade da Libras, escolhemos tratar da temporalidade, pois tal nos permite entender esta característica. Tanto aspecto quanto tempo são noções que se referem à temporalidade dos eventos, porém, sob diferentes perspectivas.

A conceituação mais básica de tempo é que ele é uma categoria gramatical dêitica, que expressa o momento em que ações verbais acon-tecem e, por isso, pode definir a existência de três tempos linguísticos: presente, passado e futuro. Sobre questões como essas e outras peculiari-dades teóricas da conceituação da categoria tempo, há uma vasta litera-tura, na qual encontramos diferentes abordagens e discussões dos auto-res. É o caso, por exemplo, de Benveniste (1989), que diz que o tempo linguístico é aquele que realiza o tempo do homem, instaurando-o em um discurso, levando em consideração o momento da fala como ponto de referência para situar os acontecimentos. Para esse autor, o tempo linguístico é singular por ser organicamente ligado ao exercício da fala, ao fato de se definir e de se organizar como função do discurso. Cada vez que um locutor emprega a forma gramatical do presente, ele situa o acontecimento como contemporâneo à instância do discurso que o menciona. Nesse sentido, todo discurso instaura um agora que equivale ao momento da enunciação, o qual transcorre no tempo presente lin-guístico, em que existe uma concomitância entre o evento narrado e o momento da narração; e um agora em que acontece a não concomitân-cia, a qual se divide em anterioridade e posterioridade ao agora.

Podemos citar, também, autores mais recentes, como Fiorin, que postulam três momentos relevantes na constituição do tempo: momen-to da enunciação (ME), momento de referência (MR) e momento do acontecimento (MA). Fiorin (2002) afirma que a temporalidade ins-taurada pela língua refere-se também às relações de sucessividade entre estados e transformações, representadas no próprio discurso. Com isso, o autor aponta para a existência de dois sistemas temporais: o enun-ciativo, relacionado diretamente ao momento da enunciação (ME) e organizado em função do presente que já está implícito na enunciação; e o enuncivo, ordenado em função de momentos de referência (MR) instalados no enunciado.

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Há que se destacar, entretanto, que Reichenbach (1947) tem sido o grande marco teórico e que suas postulações têm servido de base a outros estudos acerca do tempo. Esse autor analisa a lógica da mani-festação temporal e realiza uma interpretação linguística da categoria tempo com base em três conceitos: momento de fala, momento do evento, momento de referência. Tal representação objetiva organizar as manifestações temporais das línguas naturais, para então localizar os acontecimentos no eixo temporal.

Dessa forma, em relação ao momento da fala, o momento do acontecimento pode se nortear de modo anterior, simultâneo e pos-terior, dando a representação de passado, presente e futuro. Por meio do momento de referência – em relação ao qual o momento do acon-tecimento também se norteia em termos de anterioridade, simultanei-dade e posterioridade – podemos obter codificações mais complexas, uma vez que o próprio momento de referência se norteia em relação ao momento de fala. Os três conceitos de tempo dados por Reichenbach (1947) podem ser aplicados a quaisquer línguas, porém, sua expres-sividade se dará por expedientes linguísticos distintos. Nesse sentido, passaremos à demonstração de algumas possibilidades de expressão do tempo na Libras.

Na Libras, assim como em outras línguas, o tempo pode ser ex-presso por operadores temporais específicos na sentença: passado, pre-sente, futuro. Por exemplo, para o tempo passado, conforme figura a seguir, existe um marcador temporal específico, que é formulado com a configuração de mão no espaço próximo ao ombro e com movimento dos dedos para trás.

Passado

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É interessante observar que esse sinal não segue as antigas relações de que sinais produzidos para trás do ombro estão no passado, pois para denotar a ideia de posterioridade ao momento da fala é preciso também que o sinal seja produzido para baixo. Nesse caso, o operador temporal específico obedece ao critério “para trás e para baixo9” para, então, re-meter ao referido tempo linguístico: passado.

O presente é definido pelo marcador temporal agora/hoje, que é sina-lizado com ambas as mãos abertas, dedos juntos, palmas voltadas para cima e com um movimento simultâneo de aproximar e afastar as mãos, de modo que os dedos mínimos quase se tocam e paralelamente se distanciam.

Agora / hoje / presente

O futuro é sinalizado com o marcador temporal de futuro. Con-forme vemos na figura a seguir, o sinal é produzido com a configuração de mão em f, sendo que o posicionamento inicial da mão é no espaço neutro na altura do rosto e o movimento produzido é de afastar a mão em direção diagonal à frente, de modo que fique longe do rosto:

Futuro

9 Se não for produzido dessa forma, ou seja, se o sinalizador fizer os movimentos para cima e/ou para frente, haverá um fenômeno agramatical.

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Esses três sinais são os principais marcadores dos conhecidos tem-pos linguísticos: passado, presente e futuro. Porém, como a língua é um sistema dinâmico e flexível, sua temporalidade vai além dos estabeleci-mentos tradicionais de tempo e se ocupa, também, da marcação interna aos eventos. Isso significa que, dependendo da posição em que os sinais de passado e futuro estejam na frase, eles podem estar demonstrando intervalos que ocorrem no passado. Nesse sentido, haverá denotações de “posteriormente” ou “antes disso”, referindo-se a situações já ocorri-das, conforme podemos ver nos exemplos a seguir.

“Eu ano 2000 casar ● futuro nascer filho 2003.”O sinal destacado demonstra intervalo que ocorreu no passa-do, sua leitura, portanto, é de posteriormente.Tradução: “Eu me casei em 2000 e posteriormente nasceu meu filho”.“Eu ano 2000 casar ● passado 3-anos namorar.”A palavra em destaque demonstra intervalo que ocorreu no passado, sua leitura, portanto, é de antes disso.Tradução: “Eu me casei em 2000, antes disso, namorei três anos”.

Sabemos que a Libras possui uma morfologia flexional que empre-ga variação no movimento do sinal e que, com isto, é capaz de expressar conceitos diferentes do sinal raiz. Assim, se o sinal de passado sofrer ampliação dos movimentos dos dedos para o braço e houver um afasta-mento do cotovelo, além do reforço na expressão facial, será denotado passado distante. Tal variação pode acontecer em níveis distintos e ca-racterizar uma gradação temporal, ou seja, é possível que a diminuição do movimento somente para a ponta dos dedos, com uma aproximação do cotovelo ao tronco do sinalizador e, também, com uma expressão facial reduzida, gere o sinal de passado recente.

Passado recente

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Passado distante

Quando ocorrem flexões morfológicas via alteração do movimen-to do sinal presente, temos a variação para imediatamente/já/neste instante. Sua realização se dá com o aproximar das mãos e com movi-mentos mais rápidos, curtos e abruptos. Se o movimento for “neutro” e mais repetido, a leitura é de agora/hoje/presente/atualmente.

Imediatamente

Essa mesma flexão morfológica, por meio de alteração de movi-mento, se dá para o sinal de futuro, conforme vemos nas imagens a seguir. O sinal de futuro, sendo ampliado com alongamento do braço para frente e a expressão facial com reforço no olhar ao longe, caracteri-za-se por futuro distante. Se ocorrer a diminuição do alcance do braço e uma expressão facial menos intensa, obtém-se o futuro próximo.

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Futuro próximo Futuro distante

Além desses três sinais principais – passado, presente e futuro –, há outros que podem expressar a categoria tempo. São os sinais adverbiais: ontem, antes, depois, sempre, nunca, anteontem, amanhã, semana passada, próxima semana. Quando esses itens lexicais aparecem na frase, normalmente, eles são inseridos no início da narrativa e servem para “conjugar” o tempo de toda a sentença. Assim sendo, o pressupos-to da temporalidade marcada inicialmente é mantida até que apareça outro marcador temporal. Esses advérbios geralmente vêm no começo da frase, mas também podem aparecer no final. Com fim elucidativo, seguem as imagens de ontem e anteontem:

Ontem Anteontem

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Além de o tempo na Libras ser marcado por operadores temporais, por flexão e por advérbios, ele também conta com expressões quantiza-das para sua realização. Numa sentença como “Ana estudar até quarta série” vemos que o emprego do sinal quarta série é um quantificador que expressa o tempo de estudo, ele serve como um limitador. No en-tanto, a expressão da categoria tempo na Libras não conta apenas com léxicos específicos para sua realização, pois muitas vezes é preciso recor-rer a aspectos pragmáticos para a interpretação temporal. Finau (2004) apresenta a teoria da análise pressuposicional para justificar a leitura temporal de sentenças que não contenham operadores temporais espe-cíficos, advérbios ou quantificadores.

Tal teoria postula que, mesmo não havendo marcas temporais ex-plícitas (operadores ou flexões) no discurso do falante, é possível perce-ber o tempo, principalmente pelo conhecimento compartilhado entre os interlocutores. A leitura de tempo durante o ato conversacional ou discursivo pode ser estabelecida por pressupostos da pragmática gene-ralizada, o common ground (conhecimento compartilhado pelos falan-tes). Isso implica em conhecimentos de mundo que os interlocutores compartilham e que possibilitam uma flexão semântica para os verbos e as devidas distinções temporais, conforme observado no exemplo: “Na-morar, conversar, futuro casar”. Tradução: “Namoraram, conversaram e no futuro casaram”.

A análise subsequente, desse exemplo colocado por Finau (2004), é de que a referência temporal é dada de modo implícito, provavelmen-te, pela sequência discursiva para a narrativa. Nas palavras da autora:

O locutor pode se valer da suposição de que seu interlocutor tenha como familiar, em um dos seus mundos possíveis, que é preciso namorar, conversar, para depois se casar. Esse co-nhecimento compartilhado hipotético auxilia a interpretação temporal dos eventos (FINAU, 2004, p. 140).

Quer dizer, o falante escolhe significados restritos à sua língua que podem ser presumíveis pela inferência do outro e, assim, acontece a res-trição temporal. Finau (2004) coloca que há, nessa teoria, três princípios norteadores de escolhas de seleção linguísticas que o falante opera. Esses princípios, chamados também de heurísticas, compõem uma organiza-ção interpretativa dos enunciados. Para Levinson apud Finau (2004), as

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determinações temporais dadas a partir de implicaturas conversacionais generalizadas são:

O que não é dito não é. ●Essa heurística propõe um contraste na restrição da seleção do que é dito e do que não é dito. Então, se há ausência de determinado fator temporal, este elemento ausente não po-derá ser o escolhido para a interpretação da estrutura frasal. Se não foi dito, não deve estar presente na interpretação tem-poral. Assim, Finau (2004) aplica essa heurística para Libras e diz que se a sentença não apresentar o sinal futuro, a sen-tença não pode ser interpretada estando no futuro.

Aquilo que é simplesmente descrito é um exemplo este- ●reotipado.

Esse é o princípio que trata das ampliações interpretativas fei-tas pelo interlocutor, ou seja, se recebe uma descrição mínima ele traz à tona, na conversação, todo seu conhecimento de mundo e tem, dessa forma, uma interpretação maximizada. Em Finau (2004) vemos que, de acordo com os estereótipos dados, no caso da Libras podem ser os sinais futuro, passado, hoje/agora.

Aquilo que é dito de uma maneira anormal, não é normal. ●Essa é a heurística que viabiliza a interpretação aspectualizada para marcadores que sofrem alteração morfológica. Isso quer dizer que, se um sinal foi flexionado por meio de alteração no parâmetro movimento, ele revela “algo a mais” do que sua lexicalidade permite expressar. É o caso do sinal passado que, quando flexionado, tem um significado a mais no enunciado, pois não foi dito de uma forma normal.

São as heurísticas de Levinson (apud FINAU, 2004) que, apli-cadas ao estudo da temporalidade na Libras, permitem multiplicar o conteúdo informacional de qualquer sentença, considerando a concor-dância implícita entre os interlocutores. Para Finau (2004), esses três princípios norteiam o status da interpretação do tempo das sentenças.

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Aspectos semânticos da Libras

Toda língua tem uma semântica implicada em seus itens lexicais. No português, por exemplo, temos diferentes palavras que são capazes de representar, basicamente, a mesma ideia. É o caso, por exemplo, das palavras casa, moradia, lar, abrigo, residência, sobrado, apartamento e cabana. Apesar de terem suas especificidades, todas elas representam a ideia de lugar onde se mora. Logo, trata-se de uma família de ideias. Por outro lado, há palavras que não têm esta possibilidade dúbia de expressão, que têm seu significado restrito a determinado contexto que, se empregado em outro, pode caracterizar uma comunicação truncada. Poderíamos citar como exemplo os casos de desentendimentos de deta-lhes, como no discurso abaixo reproduzido:

Esposa: – Amor, que horas você volta?

Marido: – Ah... daqui a pouquinho eu to aqui.

Quatro horas depois...

Esposa: – Ué! Você não falou que voltava logo?

Marido: – Mas eu não vim logo?

Esposa: – Não, você demorou.

Marido: – Não demorei.

Esposa: – Demorou sim. Você disse que daqui a pouquinho estava de volta, eu pensei que fosse demorar uns vinte minutinhos...

O “problema” no discurso acima se deu devido a uma discordância quanto ao entendimento, quanto ao significado, quanto à semântica da expressão “daqui a pouquinho”. Especialmente por estar no diminuti-vo, essa expressão ganha um sentido de pouco tempo, de brevidade no espaço temporal e, de fato, para quem está à espera de alguém, qua-tro horas é muito tempo. Podemos, assim, inferir que pouco tempo se aproxima de uma quantidade determinada de minutos e nem chega a completar o ciclo de uma hora do relógio. Claro que, nesse caso, esta-mos descartando o significado de tempo para cada um dos envolvidos no processo, estamos apenas brincando com uma situação que é recor-rente no nosso cotidiano.

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Esse mesmo fenômeno acontece na Libras. Há sinais que, se pro-duzidos em determinados contextos, tornam-se mais adequados do que em outros, pois – mesmo sendo entendidos – podem gerar certo “estranhamento” ao interlocutor. Essa relação entre significado e sig-nificante (o sinal) da Libras não é análoga à relação de significado e significante (palavras) da língua portuguesa.

A palavra “especial” é usada no português para definir algo ou al-guém como muito peculiar, privativo, singular, exclusivo, fora do co-mum, excelente, notável. Já na Libras, esse sinal não é muito usual em contextos relacionados às pessoas. Assim, em uma frase como “Você é muito especial para mim” ou “Esta criança tem necessidades especiais”, deve haver a sinalização de outro item lexical que equivalha a este termo do português, como: importante no caso da primeira sentença e coisas próprias no caso da segunda.

O sinal de especial é empregado na Libras em contexto de defini-ção bela sobre algo ou alguém, de beleza que se destaca tal qual o brilho em meio à escuridão, que se ressalta sobre os olhos. Quando um surdo usa o sinal de especial para alguém, ele não está querendo dizer que esta pessoa é importante em sua vida, mas está querendo destacar qualidades que se deslumbram para ele, quer dar ênfase a uma vivacidade notória. Isso significa que especial, na Libras, tem uma conotação mais “concre-ta” do que em português, está mais relacionada às coisas que se vê.

Especial

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Esse tipo de especificidade de uso ocorre também com o sinal de educação, que não tem correspondência com a palavra na língua por-tuguesa. Há expressões como “educação especial” ou “educação de sur-dos” que, se sinalizadas como a seguir, podem não se adequar seman-ticamente, pois em Libras a melhor forma de representação desta ideia seria o uso do sinal de ensino, já que educação tem um cunho mais comportamental para os surdos.

Educação Ensino

Algo semelhante se dá com o sinal de famoso. Em Libras, seu emprego não está relacionado só ao fato de uma pessoa ser muito co-nhecida, mas também com uma grande habilidade que ela possua. Há a possibilidade da seguinte construção na Libras: “Ele Libras famoso”.

Famoso

Essa frase está invocando a informação de que a referida pessoa é muito fluente, muito proficiente na sinalização, que é muito habilidoso na área da Libras. Em português, não há o emprego desse termo para definição do conceito.

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Há inúmeros sinais dessa natureza para serem detalhados, mas encerramos por aqui nossas exemplificações e passamos ao estudo da polissemia.

PolissemiaVamos pensar na polissemia em Libras de duas maneiras: a versão

que o português impõe aos sinais da Libras e a versão que os sinais da Libras impõe ao português. Começando pela primeira maneira, vamos pegar uma mesma palavra e ver as várias possibilidades de sinalização, dependendo do contexto de realização. A palavra mais pode ser sinali-zada das seguintes formas se os contextos de realização implicarem nas informações correspondentes:

Sinal para marcar a ação de somar, numericamente falando, operações

matemáticas.

Exemplo: 2 + 2.

Sinal para marcar a ação de comparação em relação a algo, no

sentido de “maior”.

Sinal para marcar a ação de jun-tar, aproximar, acrescentar.

Sinal para marcar a ação de “mais uma vez”, de repetição.

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Sinal para marcar a necessidade de continuidade no

percurso.

Sinal para marcar a ação de comparação absoluta, como se houvesse um destaque

de maioridade, daquele que está acima de todos.

Sinal para marcar a necessidade de aumentar o som.

Em relação à segunda maneira, faremos o contrário, ou seja, pegaremos um sinal da Libras e averiguaremos as possibilidades de tradução para o português. Agora temos um único sinal que pode denotar várias palavras no português: ocupado. Esse sinal também pode significar sentido de ocupado, sentido de não posso, sentido de advertido.

Ocupado

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Capítulo 2

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Da teoria para a práticaPara trabalhar, minimamente, com a estrutura gramatical da Li-

bras, o professor pode realizar algumas brincadeiras em sala de aula, como as seguintes:

1. Entregar as 64 configurações de mão aos alunos e pedir que, a partir delas, eles pesquisem cinco sinais que se realizem da mesma forma.

2. Colocar a expressão “Vendo vozes” no quadro e verificar quem consegue melhor interpretação semântica para ela.

3. Pedir aos alunos para sinalizarem a frase “Fui de São Paulo a Curitiba”, para ver se entenderam que os verbos de movimen-to se realizam com concordância com o local, e que deixam a marca do seu trajeto. Verificar se sabem separar os espaços para cada elemento, se São Paulo ficará em um espaço, Curi-tiba em outro espaço, e se realizam o sinal de avião fazendo o percurso do espaço de São Paulo a Curitiba.

SínteseNeste capítulo, nos debruçamos sobre a gramática da Libras e

olhamos, detalhadamente, para cada um dos seus níveis de análise lin-guística, a fim de proporcionar ao leitor um conhecimento das “partes” da língua.

No nível fonológico, observamos que a Libras apresenta três pa-râmetros principais: localização, configuração de mão e movimento. Quanto à localização, observamos sua realização no espaço neutro e no corpo. Quanto à configuração, vimos as possibilidade de formação de sinais a partir de apenas uma mão, de duas mãos com formas diferentes ou, ainda, de duas mãos com formas iguais. Quanto aos movimentos, conhecemos suas seis possibilidades principais. Ainda com relação ao nível fonológico, destacamos a existência de pares mínimos e de pa-râmetros secundários para realização dos sinais: orientação da mão e expressão facial.

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Na análise morfológica, evidenciamos as possibilidades de forma-ção de sinais a partir de morfemas presos e livres, e discutimos questões pertinentes à formação de palavras, classificação de palavras, tipos de verbos e os dois tipos de flexão: nominal e verbal.

Na parte sintática, trouxemos a questão dos tipos de frase, ordem dos constituintes, organização espacial e a flexibilidade da sentença da Libras. Finalizamos o capítulo com uma pequena abordagem quanto à semântica implicada nos sinais da Libras.

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Neste capítulo, apresentaremos um panorama geral sobre as relações sociais que são estabelecidas a partir da experiência da surdez. Nesse sentido, abordaremos as configurações dos relacionamentos pes-soais (casamento e filhos), as relações de amizade (associação de surdos, Feneis) e cultura (cinema, arte). Disso tudo, destacaremos a subjeti-vidade inerente, ou seja, olharemos para o que é impregnado no sur-do a partir de tais vivências: sua identidade e cultura. Com relação à escolaridade da pessoa surda, partimos da premissa de que Libras é sua primeira língua e, portanto, deve fazer parte da instrução recebi-da, em qualquer espaço que se for. Partindo disso, entendemos que a necessidade de saber o português é urgente e esta pode ser sanada com métodos específicos de segunda língua, sendo que, para tal enfoque, destacam-se os processos de leitura e escrita.

As relações sociais do surdoAnalisando sob a perspectiva de que a surdez está inserida e consti-

tuída em ambiente e mundo visual, é possível refletir sobre o modo de como as pessoas surdas conseguem interagir com a sociedade e garantir sua participação ativa. Por meio da Libras, podemos pensar que elas se inserem e retêm conteúdos visuais sob a forma de expressão. Diante disso, a vida de uma pessoa surda tem peculiaridades distintas em re-lação à vida de uma pessoa ouvinte. Ter peculiaridades diferentes não significa, necessariamente, ser melhor ou pior, mas, sim, ser. É desse modo que a pessoa surda precisa ser vista na sua relação com a socieda-de, a surdez como característica que compõe a própria diversidade e a individualização do ser humano em sua constituição.

Implicações sociais da surdez 3

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Pensando por esse viés, podemos perceber como ocorre, para o surdo, um ritual que em nossa sociedade é muito comum: a questão da união conjugal. Para a maioria dos surdos, poder celebrar essa união tem um significado muito relevante, pois permite ter contato, diálogo e participação com o outro. Isso porque, muitas vezes, seus pais não têm participação ativa em suas vidas, devido à barreira da comunicação, cul-minando em um viver bastante comprometido e problemático. Frente à convivência em família, acaba sendo natural que ocorra uma comuni-cação em que haja gestos e falas oriundas deste contexto, formalizando a relação. E no que tange à transmissão de conteúdos concernentes a valores, princípios e comportamentos de vida, acaba por ser deficitária devido à comunicação que, do mesmo modo, fica assim caracterizada. O significado da união com o outro representa algo diferente, pois vai em direção oposta a tudo que aprendeu e viveu. O que antes era com-prometido e problemático, por não haver clareza na comunicação, a partir desse momento, torna-se algo natural, porque o surdo se une a quem conhece a língua de sinais, independente de ser ou não surda.

Como fruto dessa comunhão, acaba por virem os filhos, e como a surdez não é hereditária, eles poderão ser ouvintes (havendo exceções em que pais surdos concebem filhos da mesma natureza). Uma situa-ção que pode acontecer é uma adequação em relação aos pais surdos e filhos ouvintes em que, o filho, acaba por não ser estimulado e não desenvolve a audição e a fala. Isso é compartilhado mundialmente por essas pessoas e, devido à grande quantidade de filhos que se inclui nessa

categoria, criou-se uma organi-zação internacional destinada a discutir questões conflitantes, pois interagir simultaneamente em culturas diferentes não é algo simples, exige empenho e refor-mulação daquilo que se apreen-deu. Essa organização, destinada também às pessoas que possuem uma realidade semelhante quan-to a ser filho de pais surdos, ca-racteriza-se pelo nome de Coda (children of deaf adults).

Os casamentos de surdos (com pessoa surda ou ouvinte), normalmente, são acompanhados de tradução, já que o celebrante (pastor, padre, juiz) não consegue estabelecer uma comuni-cação com os noivos, tão pouco consegue ex-pressar os votos na língua oral. O profissional intérprete deve se colocar em frente aos noi-vos, ao lado do celebrante. Caso haja surdos na plateia, a presença de mais um intérprete é recomendada. O traje do profissional deve

ser o mais discreto possível para não ofuscar o glamour que envolve o casal.

Saiba mais

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Capítulo 3

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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A maioria das pessoas que participa dessa organização tem a au-dição preservada, no sentido biológico, mas frente ao contato com surdos ou suas comunidades, com a convivência constante e indireta em viagens, passeios, consultas, compras, acabam por praticar e, como consequência, aprender a língua de sinais. Somente quando essas pes-soas vão para a escola é que se inicia o processo de aprendizagem do português. Com isso, elas desenvolvem habilidades que são específicas do surdo, criando assim uma identidade como a deles. Para Perlin (2004), as identidades surdas são construídas mediante as possíveis representações da cultura surda, pois esta vai ser moldada de acordo com o grau de receptividade cultural assumida pelo sujeito. Um exem-plo bem comum é que, para eles, o normal é ser surdo. Pensar em ser ouvinte é algo bem estranho, consideram a tranquilidade da comu-nicação em Libras algo bem acessível, enquanto o português, nada muito comum. Quando acontece um diálogo de filhos ouvintes de pais surdos, estes se utilizam de alguns sinais no meio da conversa, pois entendem que, desta forma, conseguem se expressar com maior clareza em relação ao português.

Os Codas procuram desenvolver o olhar como meio de referência, assim como os surdos fazem, pois, para ambos, a profundidade no con-tato visual desenvolve sua subjetividade e possibilita impressões acerca do olhar. Os filhos entendem que a possibilidade de ver as coisas, ver tudo que há no mundo é algo muito bom e, por conta deste sentido es-timulado, mesmo sendo ouvintes, conseguem não ouvir quando estão em um ambiente com alta sonorização (volume alto de TV ou rádio). Eles conseguem ficar insensíveis a tudo isso, o que para os ouvintes “normais” – ouvintes de pais ouvintes – seria uma tarefa bem difícil. Outro exemplo disso é quando querem se comunicar e batem o pé no chão. Por meio da vibração, é possível estabelecer contato com a outra pessoa que, porventura, está no quarto ao lado e, ambos surdos e Co-das, conseguem reagir bem ao estímulo recebido.

Os surdos têm uma forte potencialidade para sentirem as vibrações do ambiente e, por isso, é comum que adolescentes e jovens surdos frequentem as baladas e dancem por muito tempo. Eles conseguem acompanhar os ritmos musicais somente pelo que seu corpo sente. A vibração é tão poderosa no corpo como o som é no ouvido.

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Isso significa que o Coda tem um ouvido seletivo, capaz de não processar alguns sons em sua mente. Por outro lado, seus olhos possuem uma sensi-bilidade muito grande, dando a eles a possibilidade de se aten-tarem a tudo, pois ver significa muito para eles. Não muito di-ferente dos surdos, quando os Codas utilizam estratégias para não conversar, fecham os olhos

ou desviam o olhar, fato este que ocorre independente da pessoa ter ou não surdez.

Pensar no processo de construção da identidade surda da pessoa que é ouvinte não seria algo tão complexo se somente houvesse co-munidades que partilham do mesmo sentimento. Porém, a realidade não é bem assim. Essas crianças que falam Libras desde a infância e que enxergam a surdez como constituição cultural, social e política irão precisar de um ambiente com características diferentes destas, no caso, a escola. Para Skliar (2001), a escola deve ver o sujeito como instrumen-to/meio de produção de sentidos e aplicar seus diversos mecanismos de atuação para impor saberes, culturas, valores e identidades.

Nesse ambiente dotado de pessoas que, certamente, desconhecem essa língua e as questões que envolvem a surdez, as crianças acabam sendo concebidas como deficientes e, devido a tal visão, os membros da escola estabelecem relações pouco íntimas com os alunos e seus pais. Comumente, os pais do Coda não recebem convites para eventos esco-lares ou quando o filho não apresenta bom rendimento escolar, devido à dificuldade quanto à comunicação, pois nessas situações não há nin-guém com capacidade para estabelecer a interação entre eles.

Diante desse afastamento, a escola estabelece um abismo que a separa dos pais do aluno Coda. Nesse ambiente, os pais se tornam seres estranhos, e com isso o prejuízo torna-se presente e generalizado. A es-cola não consegue atribuir a esses pais a condição de pais, mas, sim, de surdos, cabendo à criança a responsabilidade dos pais, porque ela ouve.

No Brasil, há uma banda conhecida como Surdodum, que trabalha com Olodum para surdos, um ritmo musical que acentua a vi-

bração dos instrumentos. Sobre isso consultar: <http://www.clubedochoro.com.br/index2.

php?option=com_content&do_pdf=1&id=75>. Há, também, outros ritmos que os surdos dançam, como os que tocam nas raves. Já existem festas especiais para surdos. Sobre

esse assunto acesse: <http://super.abril.com.br/superarquivo/2004/conteudo_333010.shtml>.

Saiba mais

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Capítulo 3

Língua Brasileira de Sinais – Libras

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Dessa forma, a criança sente-se ausente de seu mundo, não conseguin-do estabelecer laços com aquele lugar por causa das limitações impostas quanto à comunicação, não podendo utilizar a língua de sinais e rece-bendo cobranças que dizem respeito a adultos e não a ela.

Outra dificuldade enfrentada pelo Coda que possui identidade cultural surda é a de que, quando seus pais necessitam de interação so-cial, o solicitam pela condição auditiva que possui. Frente a uma gama de informações advindas da televisão, os pais pedem à criança que in-terprete aquilo que está sendo transmitido. Da mesma forma acontece com ligações telefônicas, os pais exigem a tradução daquilo que está sendo falado, ou em consultas médicas, em que os pais pedem que tudo seja minuciosamente relatado em sinais, para que possam entender. Tais circunstâncias exigem da criança esforços psicológicos para mediar uma comunicação que não condiz com sua idade. Entretanto, sabe-se que as crianças ouvintes que são filhas de pais surdos (Coda) têm seu processo cognitivo e de aprendizagem preservados, independentemente do ambiente em que estejam, em casa ou na escola.

ReflitaReflita

No meio da comunidade surda, especialmente entre os intérpretes, é muito comum que o fato de ser Coda seja um diferencial, um status. Isso porque se julga que se é filho de surdo, será um excelente sinaliza-dor, e isto procede, considerando que tais pessoas aprendem a Libras como os surdos – como primeira língua. Mas daí pensar que estas pes-soas são, automaticamente, bons intérpretes, não significa depreciar todo um trabalho estruturado de técnicas tradutórias? Até porque, no Brasil, existem excelentes intérpretes que não são filhos de surdos e que conseguiram, por meio de estudos e pesquisa, um bom desen-volvimento linguístico e técnico. É claro que, se os Codas desejarem se profissionalizar, eles terão “vantagem” em detrimento aos demais ouvintes, pois já têm a língua adquirida, além de serem peritos e mes-tres no quesito identidade e cultura surda. Porém, a automatização é complicada, pois, conforme discutimos no texto, a convivência com pais surdos – em alguns casos – gera algumas consequências sociais

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não muito boas para a criança, fato que pode levar ao desenvolvimento truncado e à falta de domínio do português, e tais quesitos são muito exigidos do intérprete.

ReflitaReflitaEsse é um caso muito específico de pais surdos com filhos ouvin-

tes. Em se tratando de uma situação paralela, em que pais surdos têm filhos surdos, os problemas que os Codas enfrentam quanto à família talvez não existissem, pois os estímulos seriam aceitos de forma natural e o processo de desenvolvimento da criança seria semelhante ao de uma criança ouvinte com pais ouvintes.

Skliar (2001) aponta que, dentro da relação pais surdos e filhos surdos, todas as intervenções ocorrem na língua de sinais. Pais e filhos se utilizam dela para propor a ação de uma atividade, compartilhar ou estar em desacordo com propostas e para estabelecer a atividade com objetivo de organizar algum aspecto da ação. Sendo assim, é possível pensar que a aquisição da linguagem, em seu processo, ocorre do mes-mo modo em crianças surdas e ouvintes. Em relação aos Codas, o pro-cesso de aquisição da língua é idêntico ao de uma criança surda filha de pais surdos, diferenciando-se apenas se o pai ou a mãe forem ouvintes, pois, neste caso, o processo se dará de modo bilíngue, em que a criança aprenderá duas línguas ao mesmo tempo.

De acordo com Grolla (2006), a criança adquire uma língua natu-ral sem que seja preciso passar por treinamentos intensivos ou estímulos linguísticos. O simples contato com a língua possibilitará à criança de-senvolver sua expressividade linguística – os itens lexicais e a estrutura gramatical que ela já possui de forma inata. Tal processo irá ocorrer de maneira mais facilitada mesmo na ausência de uma fala dirigida a ela. A universalidade da aquisição da linguagem explica que, independente da língua ou do desenvolvimento das habilidades motoras, como amarrar sapatos ou desenhar formas geométricas, ocorrerá uma apropriação de enunciados diversos. Para a autora, no caso das crianças estarem no mesmo ambiente físico, por mais que os inputs oferecidos sejam dife-rentes quanto à forma, a língua adquirida será a mesma, além disso, diz que a aquisição da linguagem ocorre num período curto de tempo.

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Capítulo 3

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A criança aprende uma língua, em média, até os quatro anos, pois nesta idade dificilmente comete erros sintáticos, já que sabe as regras para formação de sentenças e domina as estruturas do idioma. Passada essa fase, no decorrer da vida, o aprendizado com relação à língua se dará mediante a inserção de novas palavras realizadas pelos falantes e, como consequência, a dinâmica da língua. Diante da aquisição da linguagem em que consta a universalidade, a uniformidade e a rapidez, o processo de desenvolvimento linguístico e os estágios internos que ocorrem nas crianças surdas podem ser comparados aos das crianças ouvintes.

Indiferente de sua condição auditiva, toda criança apresenta com-portamentos semelhantes ao chorar e emitir sons sem qualquer signi-ficado. Os bebês têm muita sensibilidade, são capazes de perceber as propriedades fonológicas da sua língua. Com relação aos ouvintes, estes conseguem perceber aos quatro dias de idade diferentes tipos de língua, mediante a entonação e o ritmo. Na sequência, acontece o balbucio oral e, quando chegam próximo aos seis meses, conseguem produzir um número muito grande de sílabas e as repetem de forma exaustiva. No caso dos surdos, começam a balbuciar por volta dos oito meses, com pouca diferenciação nas sílabas executadas, devido ao retorno au-ditivo estar ausente. Já com a emissão de sons, tanto a criança surda como a ouvinte apresentam o balbucio manual.

Meier (2000) aponta que os ouvintes produzem movimentos com as mãos e conseguem retorno confirmativo de seus pais, assim como os surdos, que antes de começarem a aprender sinais fazem balbucios com as mãos. Quadros (1997) reivindica que a descoberta pela estru-tura fonológica da língua, quer seja sinalizada ou falada, e as seme-lhanças na sistematização do balbucio das crianças surdas e ouvintes, indicam que no ser humano decorre uma capacidade linguística que suporta a aquisição da linguagem, independente da modalidade da língua: oral-auditiva ou espaço-visual.

Segundo Emmorey (2002), as crianças surdas, quando chegam aos oito meses, começam a produzir os primeiros sinais e, neste processo, alguns deles são descartados, pois são avaliados como gestos e não como sinais lexicais, portanto, não se encaixam em seu repertório atualiza-do. É o caso da apontação. Isso ocorre nas enunciações, de crianças surdas e ouvintes no período de balbucio, que não serão aproveitadas

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pelos surdos para pronominar. De maneira sucessiva, quando a estru-tura gramatical tiver sofrido maturação, ocorrerá sua reorganização e aceitação, pois a criança entenderá que a apontação sofreu modificação e se tornou elemento gramatical. Por certo tempo, as crianças ouvintes continuam no balbucio e somente depois partem para a palavra, dife-rentemente das surdas, que têm essa vivência aos oito meses.

Grolla (2006) acrescenta que, quando as crianças atingem um ano de idade, a habilidade de identificação de línguas estrangeiras diminui e concede espaço ao refinamento para sua língua natural. Então, elas começam a elaborar enunciados com apenas uma pala-vra – com significado de sentença completa – e conseguem assimilar pequenas imposições.

Esse início antecipado de elaboração de sinais e o lento processo do estágio de uma palavra dita, falada, ocorre pelo desenvolvimento de mecanismos de emissão e recepção linguística, ou seja, a coordenação motora das mãos evolui de forma mais acelerada do que a coordenação para o trato vocal e a articulação para a fala. Da mesma forma, os sons exercem maior dificuldade perceptiva aos ouvidos do que os movimen-tos espaciais aos olhos.

Emmorey (2002) verificou, em pesquisa com crianças ouvintes adquirindo, simultaneamente, o inglês falado e a língua de sinais ame-ricana, que a sinalização foi a primeira a ser adquirida. Posteriormente, as crianças vivenciam o período das primeiras combinações, pois, neste momento, conseguem aprender um grande número de palavras dife-rentes a cada dia, aumentando seu repertório e elaborando falas pausa-das entre uma e outra palavra.

Conforme Grolla (2006), com um ano e seis meses de idade, as crianças ouvintes fazem relação semântica – de ordem lexical como a organização de classes prototípicas – para escolha das palavras, e a construção das frases se dá na ordem canônica, apresentando erros naquilo que equivale à conjugação de passado, pronominalização e outros, que são os indicativos de que ela entendeu a regra e está se superando. Em Quadros (1997) percebemos que as crianças surdas, nesse estágio, apresentam dificuldades para entender os pronomes e, por isso, em diversos momentos, apontam para o interlocutor se refe-rindo a elas mesmas, ou vice-versa.

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Capítulo 3

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A pronominalização na língua de sinais é produzida por meio de apontação, sendo assim, a relação significado e significante não fica evi-dente para a criança surda que está desenvolvendo a linguagem. Nesse momento, destacamos que a aquisição possui uma universalidade, pois, indiferente da modalidade, as crianças ouvintes utilizam o eu para de-monstrar ou apontar outra pessoa, sendo verdadeiro, também, o inverso.

Tanto crianças surdas quanto ouvintes, aos três anos de idade, vi-venciam uma propagação vocabular muito grande, produzindo frases complexas, como orações relativas e coordenadas, mas pelo nível ele-vado de dificuldade gramatical, continuam o curso da aquisição come-tendo pequenos equívocos. Quadros (1997) diz que a criança surda: não adota pronomes para referentes ausentes ou o faz incorretamente; não cria correspondência entre a pessoa e o ponto estabelecido no es-paço; estabelece mais de um referente num mesmo ponto; comete um excesso de generalização para concordância de verbos simples seme-lhante à gramática dos adultos, em que a sequência de concordâncias se dará do mesmo modo.

No Brasil, uma escola de referência no quesito ensino da língua de sinais a bebês surdos é a Escola Rio Branco, em São Paulo. Nessa escola entram crianças em tenra idade, que recebem todo um trabalho de treino visual com adultos surdos, pois as crianças surdas precisam lançar os olhos para o objeto que está nas mãos de quem fala e para seu rosto. É um processo diferente da criança ouvinte, pois esta é capaz de olhar para o brinquedo que está nas mãos do adulto e ouvi-lo ao mesmo tempo. Então, os olhos da criança surda devem ser treinados para isso, e somente escolas especia-lizadas são capazes de suprir o estímulo que não há em casa, no caso dos pais serem ouvintes. Aos pais, entretanto, é exigida a inscrição em curso de Libras, pois não convém à instituição ensinar a língua a criança (por meio de interação e brincadeira) se seus pais não forem capazes de se comunicar com ela. Sobre esse assunto acessar os links:

<http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL732407-5598,00-BEBES+SURDOS+DEVEM+APRENDER+LINGUA+DOS+SINAIS+NOS+PRIMEIROS+MESES+DE+VIDA.html> e <http://www.ecs.org.br/site/default.aspx>.

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Com quatro anos, as crianças surdas dominam a língua de sinais, sendo que seus pais abordam qualquer assunto com elas, designando ordens, oferecendo carinho, tratando de assuntos futuros, etc. Falam sobre tudo, inclusive sobre informes da TV que, na atual sociedade, é o meio que mais rapidamente comunica, estando ao alcance de todo e qualquer indivíduo. Essa possibilidade existe mediante a função closed caption. O termo em inglês possui a tradução “legenda oculta” e está relacionado a uma função que muitos televisores possuem, acionada mediante controle remoto. Esse recurso é recente e, somente em 1980, foi disponibilizado nos Estados Unidos, vindo para o Brasil um longo período depois.

Atualmente, muitas emissoras não dispõem desse recurso em toda a programação, mesmo sendo amplamente divulgado que essa ferra-menta possibilita a acessibilidade de grande parte da população que tem perda auditiva. Tal ferramenta, além de promover a interação dos surdos em discussão de grandes temas, favorece pessoas idosas que apre-sentam alguma diminuição auditiva. Favorece, ainda, aqueles que são considerados analfabetos, neste caso, ouvintes que, com a utilização do closed caption, podem relacionar o som das palavras com a legenda, iniciando, assim, um aprendizado de decodificação, identificando na palavra escrita o som da fala. Além disso, pessoas que frequentam aero-portos, shopping centers ou qualquer outro lugar de acesso público com elevado nível de barulho, em que a televisão tem seu volume diminuído e não se ouve, a função closed caption propicia entretenimento, conhe-cimento e informação ao público em geral.

Apesar de comunicativa, a televisão não é o único meio de inte-ração e lazer que os surdos gostam de ter. Existem outras atividades e programações acessíveis. Esse ambiente em que pais ouvintes e filhos surdos (ou Codas) participam é que denominamos um espaço de con-vivência da comunidade surda. Essa comunidade é constituída por um grande número de adeptos, com perfis diferenciados, como surdos, ou-vintes, intérpretes, profissionais, familiares, religiosos e outras pessoas com interesses variados. Porém, aquilo que os evidencia é a utilização da língua de sinais. Sendo assim, se utilizar a língua de sinais é aquilo que motiva o ingresso na comunidade, então é provável que existam surdos que não participem, pois preferem a utilização da língua falada, por diversos motivos.

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Capítulo 3

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Para que ocorra a constituição da comunidade surda, é necessária a utilização da língua de sinais, sendo estabelecida por meio das afini-dades daqueles que a integram. Isso leva a crer que não existe somente uma comunidade surda, mas, sim, diversas comunidades, como a da igreja, da escola, do hip-hop, dos líderes e tantas outras que evidenciem sua identidade cultural. Os benefícios advindos da participação do ou-vinte nessa comunidade são vários, como a oportunidade de conhecer o sujeito surdo de perto, aprender a língua de sinais e conhecer os cos-tumes e hábitos vivenciados pelo surdo, tanto individualmente quanto em comunidade.

Aproveitar a oportunidade de conviver com a diversidade promove um sentido diferente, outra visão, tanto para nós mesmos como para as outras pessoas. No caso do surdo, isso tem um significado muito grande, pois o coloca em contato com aquilo que é diferente, já que tem uma vivência isolada em seu mundo, por ser considerado minoria social. O contato com pessoas que se comunicam em sua língua per-mite que sua diferença não seja enaltecida, sentindo-se à vontade para expressar seus sentimentos e ideias para aqueles que estão em um nível, uma relação de igualdade.

Em relação às crianças surdas, a comunidade representa a projeção com o amanhã, a possibilidade de um futuro, pois vislumbra exemplos positivos, surdos adultos interagindo na sociedade. Nesse ambiente, terão a oportunidade de enxergar a si próprios de forma diferente, não como deficientes, mas assimilando que existe diferença linguística, sendo neste momento que ocorre a formação da identidade e cultura surda.

De um modo geral, a cultura representa um conjunto complexo de conhecimentos, línguas, crenças, arte, moral, leis, costumes, capaci-dades e hábitos, que faz parte de uma sociedade e é repassado aos seus membros. Conjunto esse que é evidenciado pelos elementos da língua e pelos costumes, levando-se em conta que, quando visto sob a perspecti-va de um grupo diferente, ou seja, que possui outra cultura, o que mais se percebe são estes elementos.

Strobel (2008) define que a cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e modificá-lo, para que tenha acesso e possa interagir mediante as percepções visuais, o que compreende a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo, caracterizado assim a

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identidade surda. Devido a essas questões é que, se nos perguntarem a respeito da cultura norte-americana, poderíamos abordar o assunto sob a ótica da língua e do costume, e teríamos resultados que se restringi-riam ao que se fala: inglês, e ao que se come: fast food. Assim, existem outros componentes nesse conjunto, nessa cultura. Chamamos a cultura de “conjunto complexo” quanto à composição, ao acesso, ao desenvolvi-mento e à transmissão dos elementos que o integram procederem natu-ralmente com as relações sociais. Até o momento, estamos nos restringin-do ao contexto de cultura popular, sendo esta transmitida livremente nas relações com o outro, de geração a geração, por meio da língua.

A cultura se modifica constantemente, é histórica, então, é passi-va de mudanças quando em contato com outra cultura. Dessa forma, quando passamos a olhar para as ações de um determinado grupo de pessoas e tais ações começam a fazer sentido para nós, passamos a atri-buir valores e, com isso, o compartilhar ocorre naturalmente. Então, é possível pensar que a cultura surda compreende aquele conjunto com-plexo, em que a composição dos elementos ocorre de modo visual, seu conhecimento começa com o contato do que vê, sua língua se manifes-ta no espaço e a leitura se faz com os olhos. A arte e a poesia do surdo acontecem por diferentes movimentos com as mãos, como também hábitos e costumes ocorrem mediante o que viram e se constroem no envolvimento com os outros surdos. Assim, no seio da comunidade surda, está inserida a cultura surda.

Nesse ambiente, é de costume falar da representação da surdez por dois vieses: passado e futuro. Isto é, tratam da história do surdo abordan-do as represálias que enfrentaram quanto ao oralismo, e pensam sobre as perspectivas de futuro para esta população. A cultura surda é muito im-portante, pois é na comunidade surda que ocorre o processo de apren-dizagem e o sujeito poderá proferir suas falas. Diferente do que ocorre com os ouvintes, a cultura surda não é transmitida naturalmente de geração a geração, pois a grande maioria de surdos são filhos de pais ou-vintes. Então, o sujeito surdo, para ter sua língua, hábitos e crenças, isto é, sua cultura visual, precisa obtê-la na comunidade surda. Tal processo de transmissão cultural de surdos, conforme Strobel (2008), também pode ocorrer na idade mais avançada, adulta, pois, em sua maioria, os surdos possuem família ouvinte, ou até mesmo pela imposição de estu-darem em escolas ouvintes. Dessa forma, sem a convivência na escola

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de surdos, acabam por perder o contato com a comunidade surda. Pela dificuldade de ter sido conquistada por seus criadores e por ser tão ofus-cada pela cultura ouvinte é que a cultura surda precisa ser enaltecida.

No que diz respeito à formação de identidade das crianças que par-ticipam das comunidades surdas, podemos destacar a importância de se refletir sobre si mesmas, sobre como sua constituição atuará em sua percepção do mundo de forma visual. Desse modo, enquanto acontecia a educação dos surdos – dirigida pela corrente oralista –, adotavam o critério clínico-patológico para o surdo e lhe atribuíam uma identida-de, dependendo daquilo que era respondido com a audição. As especi-ficações eram:

surdez leve ● – capacidade de ouvir a voz humana, a pessoa tende a aumentar a voz progressivamente.

surdez moderada ● – não é possível ouvir as palavras com clareza.

surdez severa ● – surdez que só permite perceber os sons mui-to graves.

surdez profunda ● – a pessoa não retém som algum, não ouve nada.

No decorrer da história, quando a sociedade mudou a forma de olhar para a surdez e novas taxionomias se imprimiram na educação de surdos, a classificação passou a ser pelo critério linguístico e o rótulo de identidade era feito mediante o conhecimento que o surdo apresentava a respeito da língua de sinais. Segundo Perlin (2004), as definições são as seguintes:

identidade surda ● – pessoa consciente quanto à sua condição de surdez, é politizada e tem a língua de sinais como nativa.

identidade surda incompleta ● – é o surdo que não se aceita, pelo sentimento de inferioridade em relação aos ouvintes.

identidade surda de transição ● – surdo oralizado que, mui-to tempo depois, descobre a comunidade surda e transita do mundo auditivo para o mundo visual.

identidade surda embaçada ● – surdo que não consegue cap-tar o mundo de forma visual e nem auditiva.

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identidade surda híbrida ● – pessoa que nasceu ouvinte e, pos-teriormente, se tornou surda. Tem conhecimento da estrutura do português falado.

identidade surda flutuante ● – surdo que oscila de uma co-munidade a outra, convivendo tanto com surdos quanto com ouvintes. Há falta de língua de sinais com surdos e falta de comunicação com ouvintes.

identidade surda diáspora ● – pessoa que tem a necessidade de trocar experiências com seus colegas surdos, indiferente de onde eles estejam.

Quando o assunto se refere à identidade, não se pode conceber uma visão reducionista do homem, tanto que, em relação às visões comenta-das, apresentam-se ultrapassadas. Para Skliar (2001), a identidade está ligada a relações sociais, pois é constituída e manifestada na interação com o outro, podendo ser entendida como o conjunto de característi-cas específicas de uma pessoa que a diferencia da outra. É possível que, em uma comparação com o outro, exista algo de semelhante, mas acaba por ser único e singular tudo aquilo que compreende a identidade da pessoa. Esse conjunto de características próprias, a identidade, ocorre por meio da linguagem e é construído por papéis sociais que exercemos em diferentes locais, pessoas e contextos.

No caso de alguém descrever sua identidade como mulher, hete-rossexual, professora, evangélica, solteira, pobre, branca, ouvinte, ocorre que está havendo um condicionamento de tais características naquele dado momento, pois a constituição não é perene, mas adaptável, flexível e mutável. A manifestação da identidade deve acontecer pela subjetiva-ção que ocorre mediante interiorização de uma língua, seja ela qual for. No entanto, quando nos referimos à identidade surda, pensamos numa pequena parte do conjunto de características que ela apresenta.

A criança que participa da comunidade surda, além de desenvol-ver a cultura e a identidade surda, tem a possibilidade de participar de movimentos sociais, que entendemos como um espaço de arti-culação das aspirações, lutas e reivindicações de determinados gru-po de pessoas. Agregado a essas articulações está o reconhecimento de sua língua. Esses movimentos sociais e espaços de luta social são chamados de movimento surdo, sendo de muita importância, pois

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representam um local onde ocorre resistência à predominância das pessoas ouvintes dentro dos locais de trabalho, saúde, educação e lazer, como também as afirmações dos direitos do sujeito surdo em diferentes instâncias sociais.

O movimento não é contrário diretamente às pessoas, mas em re-lação a evidentes posições de liderança ao longo da história. É possível citar como exemplo a reestruturação da Feneida em Feneis. Em 1970, um grupo de profissionais ouvintes funda uma organização e dá início aos seus ideais de reabilitação dos chamados deficientes auditivos, por isso o nome da instituição era Federação Nacional de Educação e Inte-gração dos Deficientes Auditivos – Feneida.

Um grupo de surdos, no ano de 1983, se organiza para reclamar seus direitos junto à direção e pede participação dentro da Feneida. A princípio, conseguiram participação em pequenas atividades. Não mui-to satisfeitos, persistiram até conquistarem uma posição de destaque dentro da instituição a ponto de serem atendidos em suas aspirações políticas. Em 1983, os surdos dão início à liderança e alteram o nome para Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – Feneis. Essa alteração não se deu por simples mudança terminológica, mas em decorrência da perspectiva de trabalho, ou seja, a missão passa a aten-der aos ideais das pessoas surdas, que começam a ser vistas não como deficientes auditivas, mas, sim, pessoas com diferença linguística. Hoje, existem vários escritórios regionais da Feneis espalhados pelo país, com o objetivo de difundir a Libras e congregar surdos para discussões em relação à sua participação ativa na sociedade.

Atualmente, os quatro milhões de surdos brasileiros, além de se reunirem na Feneis, se organizam em outros espaços como associações, cooperativas e clubes. Existem duzentas associações, aproximadamente, espalhadas pelos estados, e órgãos voltados apenas à questão desportiva dos surdos, como a Confederação Brasileira de Surdos – CBS.

Todas se caracterizam pela cumplicidade linguística cultural dos participantes. O movimento surdo atinge espaços acadêmicos e che-ga a conquistar um curso de licenciatura a distância. Tra-ta-se do curso Letras-Libras, com sede na Universidade

Para conhecer mais sobre a CBS, acesse o link: <http://www.cbsurdos.org.br>.

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Federal de Santa Catarina, contendo vários polos distribuídos pelo Brasil. Nessa graduação, os alunos surdos têm a possibilidade de se qualificarem para atuarem como professores de Libras.

No entanto, não somente no Brasil acontece de o movi-mento surdo ser preponderante. Existem, em outros países, ins-tituições que se colocam como

representantes do potencial dessas pessoas. A formatação desse movi-mento tem tomado dimensões cada vez maiores, chegando ao ponto de ter uma Federação Mundial de Surdos (Word Federation of the Deaf – WFD), com sede na Finlândia, desde 1951.

Envolver-se com o movimento surdo é mais do que, simplesmen-te, participar dos eventos que promovem, é desenvolver um intercâm-bio linguístico e cultural, como também, despertar a atenção para esses lugares e perceber que os surdos possuem capacidade de liderança.

A possibilidade de acesso aos filmes que são transmitidos no cine-ma foi uma das conquistas mais recentes do movimento surdo, pois, no caso de filmes estrangeiros, é possível fazer a opção pela legenda

ao invés da dublada, no entanto, no caso de filmes nacionais, esta opção é inviável. As dificuldades de inserção em meios culturais começaram a ser resolvidas quando um surdo, Marce-

lo de Carvalho Pedroso, organizou um movimento de reivindicação a respeito da legenda nacional. Esse movimento circulou em importantes eventos do cinema e do teatro e, desde 2004, vem tentando propagar a ideia a produtores, editores e diretores. Porém, somente em 2008, em Pernambuco, na edição do Festival do Audiovisual – Cine/PE, o grupo conseguiu provar para os produtores que a legenda nacional não iria ocultar as diversidades regionais ou depreciar os dialetos falados na nação, mas que significaria acesso no que se refere à cultura. Mes-mo porque, a acessibilidade não pode restringir, mas, sim, promover a participação no mundo, pois é algo indispensável para a evolução do homem em todos os seus aspectos, inclusive o artístico.

Para mais detalhes sobre o curso de Letras Libras, consulte: <http://www.libras.ufsc.br>.

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Conheça mais sobre a WFD acessando: <http://www.wfdeaf.org>.

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Capítulo 3

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A campanha “Legenda para quem não ouve, mas se emociona!”, foi a grande encabeçadora da conquista dos surdos pela legenda. O slogan é

LEGENDA

PARA QUEM

NÃO OUVE,

MAS SE EMOCIONA!

A partir de tal convencimento, foi criado o Projeto de Lei n. 1.078 (BRASIL, 2007) que, após análise, foi aprovado por representantes políticos. Com a aprovação, tanto em filmes como em teatros nacio-nais as legendas se tornaram obrigatórias. Essas legendas podem ser em Libras – com o espaço (a janelinha) destinado para o intérprete – ou com caracteres. A escolha fica a critério da produtora. O Projeto de Lei n. 1.078 entrou em vigor no Brasil em 2007 e presume que:

As empresas responsáveis por distribuir obras cinematográfi- ●cas ou videofonográficas, para exibição em salas de cinema, e os promotores de peças teatrais e demais obras cenográficas, sejam obrigados a incluir a legenda nas obras exibidas ou a ofertar interpretação do texto correspondente, em linguagem compreensível a pessoas com deficiência auditiva.

A obrigação estende-se a todos os filmes comercializados para ●exibição, exceto: os destinados à divulgação de músicas; os de peças publicitárias; os de curta-metragem, conforme disposto em regulamento; e os exibidos em caráter não comercial ou em festivais e mostras competitivas.

Sendo assim, os surdos têm a possibilidade de ir ao cinema e ao teatro como qualquer outra pessoa, com a oportunidade de diminuir a distância que ficou estabele-cida da cultura nacional, sendo esta muito importante para o conhecimento, a criatividade e a civilidade.

Para mais informações sobre a legenda nacio-nal, acesse: <http://www.legendanacional.com.

br/campanha.php>.

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Inclusão educacional de surdosCom a liberdade de escolha, a criança surda pode ser inserida tanto

na escola de surdos como na escola de ouvintes. Entende-se por escola de surdos aqueles espaços que possuem toda uma estrutura formaliza-da, com professores, currículo, seriação, projeto político-pedagógico e atendimento específico para determinada clientela. Em relação à escola de ouvintes, percebe-se a mesma formação do espaço citado anterior-mente, mas com a clientela, em sua grande maioria, ouvinte. Essa dis-tinção se contrapõe à antiga terminologia de escolas especiais. Tais es-colas, denominadas especiais, possuem profissionais especializados em uma deficiência específica e atuam como reabilitadores. Em relação aos surdos, a visão começa a variar, sendo evidente que a implantação des-se sistema, já existente no Brasil, se mostra favorável. Certamente que ainda existem centros especializados de apoio ao surdo, que se prestam a ministrar métodos de letramento e oferecer reforço pedagógico aos alunos que participam da escola comum.

Independente do espaço de escolarização dos surdos – seja na es-cola de surdo ou escola de ouvintes –, a Libras sempre deverá estar presente, não como meio de comunicação secular restrito a crianças em horário de intervalo, mas como língua de instrução, aprendizagem, pois é possível perceber que a Libras é entendida como primeira língua e o português como segunda. Se a primeira língua do surdo é a Libras e se ela é usuária de língua de sinais, cabe destacar que a escola deve ensiná-la um método de escrita compatível com sua habilidade visual, chamado de SignWriting (escrita de sinais). Esse termo se refere ao sis-tema de escrita dos usuários da língua de sinais. Muitas comunidades surdas de diferentes países possuem, à sua disposição, um recurso de fixação de sua língua, uma maneira de registrar ideias que as tornam atemporais. Esse sistema ainda permanece sob pesquisa, mas pensar a possibilidade de registrar a língua de sinais de forma escrita é algo que, em termos de conquista, somente no futuro poderemos mensurar.

Até o momento, fazer o registro de produções dos surdos só era possível mediante filmagens, um meio custoso quando pensado em produção de alta escala, ainda tendo a desvantagem de que, diferente-mente da escrita, aquilo que se produz e elabora não pode ser revisado e avaliado, apenas após o término da produção. Outra forma de registro

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da língua, que até então vem sendo utilizada, é a Glosa. Esse sistema pa-liativo transcreve as línguas de sinais com auxilio dos códigos da língua oral. Quase sempre, esse recurso é muito limitado, pois não abrange as sutilezas visuais da língua de sinais, sendo muito utilizado em pesquisas linguísticas, com o objetivo de promover uma tradução em que os pes-quisadores podem propor outras discussões em relação à estrutura da língua de sinais, nos níveis sintático, fonológico e morfológico.

Dessa forma, a ferramenta adequada para a fixação da língua de sinais seria o SignWriting, demonstrando ser uma nova linguagem que modela o pensamento e o organiza quando escrito. Semelhantemente ao que ocorreu com as línguas orais, a implantação de um método de escrita para as línguas visuais possibilita abertura ao desenvolvimento da cultura e produção de conhecimento nas comunidades surdas, uma vez que a escrita de sinais consegue armazenar e propagar, por gerações, informações entre as pessoas. No entanto, para que isso se torne real, é preciso que essa ferramenta seja ensinada aos usuários das línguas de sinais. A maior dificuldade é que não existem profissionais formados para desempenhar tal tarefa, e as ações relacionadas com a alfabetiza-ção dos surdos em escritas de sinais são ações isoladas e específicas de pesquisadores, cujos objetivos são descobrir e aperfeiçoar métodos de ensino para o SignWriting.

No Brasil, podemos citar o trabalho da Prof.ª Dra. Marianne Rossi Stumpf (2005), que aponta que as crianças surdas, ao aprenderem a escri-ta de sinais, passam pelo mesmo processo de alfabetização que as crianças ouvintes em relação ao português. A pesquisa também demonstra que o SignWriting é uma ferramenta de escrita que o surdo assimila com maior facilidade, pois ela se objetiva a uma representação visual de uma língua que é visual. A escrita de sinais, por ter como fundamento elementos visuais, é para o surdo um sistema de grafia muito mais compreensível do que o alfabético, fundamentado em elementos fônicos. A criação dessa ferramenta se deu nos anos 70 do século XX, mas somente agora teve início sua divulgação e implantação. A princípio, essa ferramenta foi ela-borada como uma forma de registrar as coreografias a serem realizadas numa apresentação de dança. Uma vez percebida a oportunidade de apli-car tal ferramenta às línguas de sinais – representando seus movimentos, configurações, expressões –, empreenderam-se pesquisas no sentido de tornar aquela ferramenta inicial, básica, numa ferramenta bem elaborada,

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a ponto de funcionar como meio de representação de uma língua. Desde então, pesquisas vêm sendo realizadas e aperfeiçoamentos vêm ocorren-do, assim como acontece com as escritas das línguas orais – como o por-tuguês que, recentemente, foi reformado ortograficamente.

O SignWriting, como toda escrita, é dotado de regras quanto à or-ganização, que procuram – no sentido de que toda escrita é uma tenta-tiva – representar a língua utilizada pelos surdos. Dentre os princípios básicos estão: a representação da configuração de mão levando em conta sua orientação (se a mão é vista de frente, de perfil, etc.) e sua distância do corpo (perto ou longe); da localização (se a mão toca alguma parte do corpo); do movimento presente no sinal (se é circular, se é alternado, se é lento, etc.); do sentido em que o sinal é realizado (esquerda ou direita).

Muitos elementos presentes nas línguas de sinais são contempla-dos pelo SignWriting e, assim como na escrita alfabética do português, os elementos do sistema são finitos e podem ser organizados e reorga-nizados com o objetivo de formular os diferentes sinais escritos. Isso significa que pode ser um sistema reversível e que, como tal, necessita de ensino específico e treino para seu aprendizado. Porém, como todo e qualquer sistema de escrita, ele também é dotado de limitações, que não devem, no entanto, significar desmotivação em relação à escrita. Afinal, a escrita do português não consegue explicitar as diferentes in-flexões de vozes, que podem conceder diferentes significados em uma dada frase, e nem por este motivo há descaso em relação à continuidade de escrita dessa língua.

A seguir, alguns exemplos dos símbolos do SignWriting:

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Finalmente, para os surdos, a possibilidade de empregar um siste-ma de escrita que empreenda sua primeira língua significa mais do que um avanço técnico, denota o prazer de poder se expressar, para além de sua própria geração, em sua própria língua. Representa o valor de poder possuir uma língua escrita e preservada ao longo da vida e para além dela, pois, nas línguas orais, foi a invenção da escrita que possibilitou que as línguas se estabelecessem e se padronizassem, oportunizando que diferentes pessoas pudessem interagir de forma clara em lugares diferentes.

A Libras é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural mediante contato com sinalizadores, sem ser ensinada, conse-quentemente, deve ser sua primeira língua. A aquisição dessa língua precisa ser assegurada para realizar um trabalho siste-mático com a L2, considerando a realidade do ensino formal. A necessidade formal do ensino da língua portuguesa eviden-cia que essa língua é, por excelência, uma segunda língua para a pessoa surda (QUADROS, 1997, p. 84).

Sendo assim, o sujeito surdo poderá iniciar o processo de apren-dizagem da segunda língua, no caso, o português. Para ter uma segun-da língua se faz necessária a aproximação, o contato com aqueles que fazem uso da língua que se quer aprender. Por exemplo, uma criança, filha de brasileiros que moram em colônias alemãs. Mesmo fazendo uso do português para se comunicar com seus pais, irá adquirir o alemão como uma segunda língua, pois quando está em horário de lazer, brin-cando e se divertindo com colegas na escola, ouve as pessoas falando em alemão e precisa interagir nesta língua. O que difere entre segunda língua e língua estrangeira é que, para o primeiro caso a língua falada está próxima e no caso de língua estrangeira o aprendizado é de outra língua que se fala em outro lugar diferente daquele que se está. É o caso de alunos brasileiros aprendendo francês sem qualquer contato com pessoas do país de referência. Em relação aos surdos, o português caracteriza-se para eles como uma segunda língua. Não é o caso de lín-gua estrangeira porque ele se encontra no Brasil, mas é segunda língua, já que adquire naturalmente uma língua espaço-visual até, no máximo, seus sete anos, salvo por exceções.

O método de ensino do português como segunda língua presume que, em suas aulas, o professor retire do conteúdo a ser lecionado as au-las com exercícios de leitura em grupo ou coletiva (em que o professor

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aponta com a régua aquilo que deve ser lido), ou aqueles que tornam evidente a silabação (junção de b + a = ba), pois, atualmente, o foco de discussão incide sobre práticas de letramento. O letramento possui sua abordagem mais globalizada quanto à língua, ou seja, propõe o trabalho em forma de texto e não com palavras, sílabas ou frases. Para a criança surda, isto é muito significativo, pois ela não consegue fazer uma leitura linear – os olhos não percorrem palavra a palavra dentro do texto –, mas visual, isto é, irá destacar aquilo que mais se eviden-cia (imagens, letras negritadas, itálicas, cores, etc.). Após isso, concede abertura para uma aprendizagem mais significativa, ou seja, a partir do texto pode tratar de questões diversas quanto à realidade.

A leitura consiste no primeiro passo e, para Quadros (1997), o professor deve passar para o aluno surdo o texto integral, contendo elementos visuais, diferenciando o tipo de texto a cada aula, como des-critivo, narrativo, dissertativo e permeado de função social explícita, como: cartazes, panfletos, anúncios de jornal e outros.

Possuir o texto em mãos, na íntegra, significa que, se o professor for reproduzi-lo, deve garantir sua formatação e cores, evitando escrevê-lo no quadro. Deve também possuir uma cópia ampliada, em slide ou transpa-rência, a fim de que haja exploração na leitura. O aluno surdo não lerá em voz alta. Então, caso o professor proponha este tipo de atividade para a sala, deve “pular” o surdo. Tal atitude não significa ser excludente, pois o respeito fica estabelecido quando a pessoa é tratada com os mesmos di-

reitos e com sua especificidade. Esse aluno deverá rea- lizar a sinalização quanto ao texto, manifestando um sinal equivalente. Deve percorrer visualmente todo o texto e, em seguida, sinalizar a temática do texto, que informações possui, que palavras já conhece e se tais palavras podem ser aplicadas naquele contexto. Após essa realização, cabe ao professor ajudá-lo no aperfei-çoamento da leitura. Antecipadamente, o professor precisa ter planejado algumas perguntas para fazer ao aluno surdo (não sendo interpretação de texto), uma orientação para que o aluno seja estimulado a pensar sobre o conteúdo que está sendo abordado naquele texto. Dessa forma, a leitura procederá conforme o texto. A seguir, um exemplo de como realizar esse tra-balho, baseado no cartaz ao lado.Fonte: São Paulo (2007).

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Inicialmente, é necessário deixar os alunos discutirem sobre os ele-mentos extralinguísticos (cores e desenhos), e conversarem sobre o por-quê disto, sobre o objetivo social desse gênero textual. No cartaz sobre a campanha de vacinação contra a raiva, da Prefeitura de São Paulo, há variedade de cores, o que possibilita o desenvolvimento de um trabalho interessante, pois, além de despertarem muito a atenção, podem ser exploradas. Os sinais das cores são demonstrados a seguir.

marrom branco

amarelo

preto

azulverdevermelho

alaranjado

cor-de-rosa

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Em seguida, o professor pode fazer a pergunta, em Libras, para seu aluno surdo: “Por que é importante vacinar o cachorro e o gato?”

E quando o aluno responder, em Libras: evitar bravo morder, o professor deve apontar no tex-to onde isso se encontra escrito, ou seja, mostrar a palavra raiva no panfleto.

Após apontar no texto a palavra “falada” pelo aluno, o professor irá registrá-la no quadro para servir de orientação, para quando for neces-sária nova leitura ou haver esquecimento da palavra, ele consiga voltar ao caderno e lembrar-se.

Diferentes tipos de perguntas que o professor poderia formular e oferecer ao aluno, seriam: a) Quem pode tomar esta vacina?; b) Precisa pagar?; c) Qual o período de vacinação?; d) Onde podemos obter maio-res informações sobre a vacinação?; e) O que significa o termo “contra”, na frase “Vacinação contra a raiva em cães e gatos”?

Frente às respostas em Libras, o professor atuaria de forma seme-lhante, fazendo a ligação daquilo que o aluno diz com o que está escrito no cartaz e, simultaneamente, registrando o roteiro no quadro.

O desafio de trabalho com a leitura é um momento muito im-portante na aula de alfabetização. Devido a isso, o professor necessita empreender tempo oportuno em busca desse material, para que seja algo muito interessante ao aluno surdo. O educador deve oferecer uma leitura de texto que contenha uma imagem condizente com o discurso apresen-tado, não muito delongado e que tenha um objetivo social específico, de real circulação. Após o trabalho de escolha do texto, encaminha-se para a aula propriamente dita, que é o momento em que o professor deve oportunizar, várias vezes, o contato do material com o aluno, bem como a interação discursiva sobre a temática apresentada (BRASIL, 2002a).

O contato intenso com o material abordado nos textos propor-ciona a aquisição de conhecimento, apreensão do saber, acréscimo de informação e, por isso, representa aprendizado a todos os alunos e não apenas aos surdos. Quadros (1997) aborda que esse contato, quanto aos surdos, torna-se muito significativo, considerando que se destaca como

Consulte: <http://www.youtube.com/watch?v=0l3NX__oQAk>. Nesse link é possível visualizar o alfabeto, os números, as cores e os

dias da semana na Libras.

Saiba mais

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Capítulo 3

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uma das únicas formas de acesso às atualidades, pois são privados das informações que são veiculadas de forma auditiva na sociedade. Com a possibilidade de o aluno interagir com o a temática do texto, ele pode ser levado pelo professor a refletir sobre o conteúdo apresentado. No momento da interpretação do texto, quando as questões relativas às considerações abordados pelo autor são pontuadas, o professor se colo-ca como um mediador, estabelecendo relações, visando traçar paralelos e sugerindo uma conversa intertextos, ou seja, a intertextualidade.

Essa função do professor, para Silva (2001), é de suma importância para que o aluno obtenha uma referência na leitura e, ao aluno surdo, é como se pudesse confirmar as hipóteses que ele levanta. Isso porque, como esse aluno ainda está no processo de aquisição da língua escrita e trabalha com dificuldade frente aos códigos da língua portuguesa, ele procura descobrir o significado de algumas palavras e, em situações assim, a intervenção do professor pode ser decisiva para o aluno.

Depois, algo tão importante quanto o processo de leitura é o da elaboração escrita, pois é quando o aluno tem a oportunidade de ma-nifestar o seu entendimento sobre a temática apresentada, ele sente-se participante no processo de aprendizagem. No trabalho com a escrita, o professor poderá propor temas a serem discutidos com todo o grupo. Temas esses que, se forem apropriados à idade das crianças, poderão promover grandes discussões, produtivas ao aprendizado. Em seguida, o encaminhamento para a aula de português e a metodologia utilizada para trabalhar o letramento com as crianças surdas serão iguais aos dos alunos ouvintes, com o diferencial de que o canal de comunicação será o espaço e a visão, quer dizer, a interação se dará por meio da Libras (BRASIL, 2002a). A fim de elucidarmos a proposta apresentada, segue o exemplo de um trabalho com a temática: materiais escolares.

Em relação a essa proposta, o objetivo principal pode ser o da apropriação das palavras relacionadas ao tema, bem como a elaboração de frases curtas a ele pertinentes. Após a leitura do texto sugerido, o professor irá propor atividades para que reflitam sobre a língua. Sendo assim, é interessante obter sentenças modelo que possam servir de fon-te para outras situações semelhantes. Dessa forma, pode-se exibir uma parte do texto, como: “O menino escreveu com o lápis.” e indagar a colocação do pronome seguido do sujeito da sentença na seguinte situa-ção: se você é uma menina escrevendo, colocaria “o menina”? E assim,

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ir promovendo a aula, permitindo espaços para que os alunos, inclusive o surdo, abordem possíveis comutações com outras palavras:

Insira as palavras a seguir nos seus devidos lugares.

as canetas – a caneta – os meninos – as meninas

O menino escreveu com o lápis.

O menino escreveu com ______________.

O menino escreveu com ______________.

______________ escreveram com o lápis.

______________ escreveram com o lápis.

É necessário que o professor sempre retorne às frases escolhidas para aprofundar a reflexão em aula. Isso porque esse momento é de tamanha riqueza para os surdos, pois é diferente da língua de sinais. No caso anteriormente apresentado, vimos a questão da flexão verbal apontando as pessoas no discurso, a concordância nominal para evi-denciar o número de pessoas, o uso do s como identificador de plural para o complemento caneta e sua inexistência no caso de lápis. Após essa explanação, o professor poderá desenvolver exercícios de fixação, em que os alunos deverão revisar aquilo que foi trabalhado no texto, no caso, as palavras discutidas na reflexão linguística feita coletivamente. Assim, poderão surgir caça-palavras, atividades de ligar gravuras a pala-vras, cruzadinhas, frases para serem completadas, etc.

Nota-se que, em relação ao surdo, o processo de escrita é muito mais difícil do que para os ouvintes, porque para os surdos que não ouvem e nem falam o português, significa a aquisição de uma segun-da língua (QUADROS, 1997). Quando esse processo se estabelece, é natural recorrer a primeira língua ao se deparar com uma determinada insegurança. No caso dos surdos, a mesma situação acontece, ou seja, quando estão tentando elaborar mentalmente uma frase em português, há interferência da Libras e, muitas vezes, a frase escrita não será nem em uma língua nem em outra, mas em ambas. A essa mistura chama-mos interlíngua, o que significa que o aluno não se apropriou do portu-guês completamente e não se distanciou da Libras, está em processo.

Uma frase típica de interlíngua escrita por surdos é: casa ir. Essa frase representa seu aprendizado no português, em que o nome do lugar

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onde moramos é casa e em que usamos o verbo ir quando anunciamos que haverá deslocamento de um lugar para outro. Porém, ele desconhe-ce a necessidade de conjugar o verbo para que haja concordância com a pessoa, com o sujeito da frase que, nesse caso, seria: eu irei. Além disso, a pessoa surda ainda não aprendeu que, depois do verbo ir, é necessário o uso da preposição para.

Tanto o uso de preposição quanto a conjugação do verbo são ques-tões gramaticais que não seriam omitidas pelas crianças ouvintes, pois estas já possuem total domínio na hora de escrever, já que estão habi-tuadas a ouvir os adultos se comunicando. As crianças surdas, diferen-temente, decoram os nomes dos sinais que produzem em Libras, pois, nesta língua, quando o verbo ir é sinalizado, de imediato se indica a direção do deslocamento (percurso) e aponta-se quem vai (pessoa) a de-terminado lugar. Na Libras, a preposição e a conjunção são implícitas ao sinal (BRASIL, 2002a).

No entanto, se esse aluno surdo se encontra na segunda etapa do Ensino Fundamental, ou então, se está no Ensino Médio, é importante que os professores das variadas disciplinas entendam a especificidade da forma como o surdo escreve para poder estabelecer critérios diferenciados de avaliação. Sabemos que o ato avaliativo é de suma importância no contexto pedagógico e que não deve ser de caráter punitivo, mas constru-tivo e reflexivo, que é o que permeia todas as áreas do conhecimento.

Quando o professor avalia qualitativamente, está contribuindo para o desenvolvimento e crescimento intelectual e pessoal do seu aluno e, devido a isso, deve entender que a simples disposição de valor a uma atividade não será significativa. É necessário ir além. O professor precisa destacar claramente a atuação incorreta do aluno e mostrar a ele qual a maneira correta de fazer. Caso contrário, existe uma grande propensão de que o erro seja internalizado por quem produz, ou seja, o aluno sem-pre comete o mesmo equívoco e o professor sempre o evidencia (com caneta vermelha), mas não explica a razão do erro. Isso pode se tornar algo costumeiro e, então, ele fará novamente, e mais uma vez o professor fará a marcação sobre o erro e não dará explicações a respeito, e assim sucessivamente, até que, enfim, o erro é apreendido, porque após tantas repetições daquilo que é errado o aluno entenderá o que é certo.

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Em casos de correção de textos, o normal é que os alunos, devido a tantas sinalizações sem qualquer explicação, passem a ter aversão à língua portuguesa, sempre pensarem que é difícil e que nada sabem. Quando o professor fizer a correção dos textos elaborados pelos alu-nos, é preciso que ele tenha em mente o significado social da escrita. É necessário que o professor se coloque na posição de interlocutor e faça interação com o texto. O texto deverá servir como elemento de comunicação entre o professor e o aluno, pois, assim, a correção será mais uma forma de interação, tornando a escrita relevante, já que o aprendizado acontece mediante interações sociais.

Dessa forma, o professor deverá estimular o diálogo com seu alu-no, tornar importante aquilo que foi produzido por ele mediante in-centivo e fazer com que ele perceba que sua comunicação poderia ter acontecido de outra maneira, não melhor, mas de acordo com as regras gramaticais normativas. O propósito pelo qual o professor deve corri-gir o texto do aluno é de que, ao final de um processo pedagógico de ensino da língua portuguesa, o aluno tenha uma expressividade fluente com clareza e objetividade. Tais pontuações é que devem ser avaliadas com frequência nas correções textuais.

O mesmo objetivo que se aplica ao aluno ouvinte deve ser aplicado ao aluno surdo. Porém, para que se obtenha sucesso no propósito peda-gógico de ensino do português para surdos, o professor deve participar em língua de sinais e compreender que a dificuldade destacada em rela-ção a esse aluno ocorre devido a ele escrever em uma língua que não fala e, desta forma, se relaciona com o português como uma segunda lín-gua. Ao olhar para a produção textual de um aluno surdo, o professor deve considerar a organização do pensamento e, assim, poderá atentar para a separação das ideias em parágrafos e para a coesão.

O próximo passo requer ensino dos elementos coesivos. É impor-tante saber que tal trabalho será contínuo e constante, pois, devido aos conectivos inexistirem na Libras, os alunos surdos os esquecem com frequência. Frente à tamanha dificuldade de lidar com artigos, preposi-ções, ligações e conjunções necessárias na língua portuguesa, os alunos surdos costumam decorar a ortografia destas palavras e confundir sua ordem sintática. Normalmente, os surdos alteram a ordem da frase por não se lembrarem do local exato em que se deve empregar os consti-tuintes da língua. Sendo assim, surgem frases como: “Casa é a bonita”.

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Essa frase demonstra que o seu responsável já tem ciência da necessidade de nomes femininos virem acompanhados da vogal “a” e, por desconhe-cer onde deve colocá-la, escolhe aleatoriamente um lugar próximo ao adjetivo. Tal regra não existe no português, o que ocasiona uma sentença agramatical. Por isso, o professor precisa intervir a esse respeito e mostrar para o aluno que há uma dependência estrutural (organização obrigató-ria da frase) que rege o local do nome e o local do artigo e, neste caso, a vogal “a” deve ser inserida antes do sujeito (casa).

Quadros (1997) diz que, por se tratar de uma situação muito específica do português, o aluno adota o hábito de decorar a regra e utilizá-la de maneira genérica em qualquer caso, podendo, assim, cons-truir sentenças erradas, tais como: “O moto”. O que será altamente compreensível, pois, em conformidade com as regras gramaticais, um vocabulário masculino solicita o acompanhamento de um artigo do mesmo gênero. Eventuais situações exigirão do professor que esclareça as exceções, o que consiste num trabalho sistemático para ele.

Ainda no contexto dos anos finais do Ensino Fundamental ou de Ensino Médio, há que se destacar que os sistemas de ensino têm garan-tido a presença de um profissional muito importante para acompanhar o aluno surdo, figura esta que também faz parte da comunidade surda e é responsável pela mediação entre surdos e ouvintes: o intérprete. Esse profissional é aquele que, por dominar a Libras e o português, pode vincular a interação entre pessoas que as desconheçam. O trabalho do intérprete consiste em transpor textos ou discursos de uma língua para outra, permitindo que pessoas que escrevem e falam em línguas dife-rentes possam se comunicar entre si.

Além do intérprete, há outro sujeito, também envolvido na comu-nidade surda e com o mesmo domínio linguístico, mas que desempe-nha um trabalhado diferenciado, o tradutor.

A principal diferença entre a atuação desses profissionais está no fato de que o tradutor trabalha com textos escritos, o intérprete com discursos orais. Dessa feita, pessoas surdas podem atuar como traduto-res quando leem textos em português e os transpõem para Libras. Ou ainda, podem ser intérpretes quando veem uma língua sinalizada de um país em específico e a transpõe para a língua de sinais de outro país.

Para tanto, os tradutores leem e estudam o texto original, apreendem o seu sentido geral e, em seguida, procedem à sua tradução, procurando

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respeitar as ideias e os pensamentos nele presentes, aplicando a termino-logia mais correta.

Já as pessoas ouvintes que atuam profissionalmente como intér-pretes, transpõem um discurso oral emitido em uma língua para outra língua, e funcionam como elo entre pessoas que se comunicam verbal-mente em idiomas diferentes.

Para desempenhar bem esse trabalho, o profissional intérprete pode escolher entre uma das principais modalidades de interpretação existentes:

interpretação de acompanhamento ● – é o profissional que, acompanhando determinada pessoa, interpreta em ambos os sentidos os diálogos que esta estabelece com interlocutores que se comunicam em outra língua, ou seja, quando o surdo fala, o intérprete passa a Libras para o português, a fim de que o interlocutor o entenda e, quando o ouvinte fala, o intérprete sinaliza para o surdo.

interpretação judicial ● – é a interpretação realizada no âmbi-to de um julgamento.

interpretação de conferência ● – é realizada em reuniões mul-tilíngues formais, designadamente, congressos, seminários, conferências, mesas-redondas, encontros ou jornadas.

Essa última forma de atuação é bastante comum em relação à Li-bras, pois em situações formais de palestras e simpósios, normalmente, é solicitada a presença do profissional intérprete, a fim de que os parti-cipantes surdos possam acompanhar o evento.

Quando o intérprete está mediando uma relação entre surdos e ou-vintes de ordem formal, ele pode optar por desempenhar seu trabalho de forma consecutiva ou simultânea. A interpretação consecutiva é mais adequada para as conversações que envolvem um número reduzido de participantes, tais como pequenas reuniões técnicas entre especialistas. Nesses casos, o intérprete encontra-se junto ao orador, ouvindo a sua intervenção e tirando apontamentos; em seguida, interpreta integral-mente em outra língua o discurso feito, como se este fosse seu (isto é, na primeira pessoa do singular). Já a interpretação simultânea é mais adequada para encontros que envolvem muitos participantes, garantin-do a transposição quase imediata dos discursos orais.

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Ao mediador de relações entre surdos e ouvintes são outorgadas pelo menos três grandes responsabilidades, a saber: de conhecimento profundo sobre as línguas envolvidos, neste caso, Libras e português; de conhecimento sobre as culturas envolvidas – de surdos e de ouvintes; e de conhecimento sobre atualidade política, econômica e social.

Além disso, esse profissional precisa ter clareza do que ouve para interpretar adequadamente o sentido, o estilo e o espírito que o discur-so apresenta. Para isso, precisa ter grande capacidade de concentração e de memória, treino auditivo e rápida compreensão dos discursos orais, de forma a não perder nenhuma informação. Isso é importante porque os intérpretes nunca têm a possibilidade de voltar a ouvir o que foi dito. Por isso, é essencial que o intérprete também tenha excelentes faculda-des de análise e de síntese, de forma que, preservando a continuidade e o sentido dos discursos orais, consiga manter o ritmo da intervenção sem perder informações.

Diante de tantas exigências para atuação, vemos o quão árdua é a profissão de intérprete e o quão importante ela é para que a interação social entre falantes de línguas diferentes seja bem-sucedida. Aos in-térpretes de Libras, nosso respeito e consideração pelo grande trabalho desempenhado junto às pessoas surdas.

Da teoria para a práticaAgora que o profissional da educação já entende, como se dão as

relações sociais da surdez, coloca-se uma questão: a relação do direito assegurado e do julgamento de valor. Nesse sentido, cabe à coordenação pedagógica gerir qual o melhor procedimento diante de uma disciplina de música a ser trabalha em uma sala de aula em que estejam incluídas pessoas surdas. Nesse caso, a melhor atitude a ser tomada seria:

Poupá-lo da aula, afinal, sua constituição intelectual, pessoal ●e subjetiva é construída a partir da visão, e deixá-lo junto às atividades desenvolvidas (coral, sons dos instrumentos) pelo professor denotará preconceito, já que ele sentirá que não produz na mesma proporção que os demais alunos.

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Integrá-lo à aula, salvaguardando suas especificidades e ten- ●tando adaptar os sons para os gestos e/ou movimentos dos sinais, já que a condição auditiva não poderá ser alterada. Pri-vá-lo dessa participação implica em reserva de cultura e isso é, humanamente falando, injusto.

Ainda levando em conta a tomada de decisão no contexto escolar, sugere-se uma questão ao professor regente de sala de aula: diante da proposta de assistir um filme e fazer um relatório, o aluno surdo com-parece à aula sem a atividade executada e argumenta que não deve ficar sem a nota, devido ao fato das dificuldades inerentes à sua história de vida (não adianta assistir ao filme, pois não há janela e, por isso, ele não entende e não consegue escrever no nível exigido, já que o português é sua segunda língua). Diante disso, a melhor atitude seria:

Insistir na cobrança da atividade, afinal, como aluno, ele deve- ●rá realizar todas as demandas apresentadas em sala, ainda que existam critérios diferenciados para avaliação. O aluno deverá procurar uma forma de assistir ao filme e compreendê-lo.

Adaptar a atividade. Ao invés de assistir ao filme – dada a ●ausência de legenda –, o professor passa o relatório de um dos alunos para que o surdo leia e o dispensa da entrega do rela-tório. Apenas solicita que, se possível, ele explique em Libras o que entendeu da leitura, pois o filme tem um conteúdo extremamente importante para a disciplina.

SínteseNeste capítulo, vimos que a vida de uma pessoa surda tem peculia-

ridades que não se encontram na organização de uma pessoa ouvinte. Além disso, vimos que o surdo prefere se casar com outro surdo, para ter uma comunicação facilitada, que quando têm filhos surdos a relação é amena, ao passo que quando os filhos são ouvintes (Codas) haverá uma dupla constituição psicológica, o que poderá acarretar em algumas difi-culdades de relacionamento. Destacamos que a aquisição da linguagem da criança surda acontece nos mesmos moldes da criança ouvinte.

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Abordamos, também, a questão de que as relações sociais se mos-tram como espaço constituidor de identidade e de desenvolvimento cultural e apresentamos as disseminações políticas consideradas no caso da surdez (closed claption e Lei n. 1.078/2007). Quanto à inclusão dos surdos, trouxemos os tipos possíveis de escolarização (escola especial, escola inclusiva e centro de apoio ao surdo) e defendemos que, indife-rente do espaço, a Libras deve ser assegurada como língua de instrução. Dessa forma, apresentamos a importância do seu registro por meio do SignWriting (escrita de sinais) e de metodologia específica para o ensino do português, pois este se apresenta como segunda língua e por isto vem carregado de dificuldades para ser aprendido, já que estas pessoas não ouvem e não falam a língua que devem escrever e ler.

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