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bom material para aprender mandarim
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
REA DE CONCENTRAO EM AQUISIO DA LINGUAGEM
MRCIA SCHMALTZ
CLASSIFICADORES NOMINAIS CHINESES:
UMA ABORDAGEM
SEMNTICO-COGNITIVA EXPERIENCIALISTA
Porto Alegre, agosto de 2005.
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
REA DE CONCENTRAO EM AQUISIO DA LINGUAGEM
MRCIA SCHMALTZ
CLASSIFICADORES NOMINAIS CHINESES:
UMA ABORDAGEM
SEMNTICO-COGNITIVA EXPERIENCIALISTA
Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do Grau de Mestre em Letras, sob a orientao da Prof. Dr. Luciene Juliano Simes.
Porto Alegre, agosto de 2005.
3
Jingnn w su yu, lio zng y zh chn.
Em Jiangnan no tem nada, meramente presenteio-lhe com um galho primavera.
(Lu Kai: Poema ao Fan Ye)
Escrito h aproximadamente 1400 anos.
4
AGRADECIMENTOS
Minha infinita gratido:
Aos meus adorados Paulo e Dandara, pela pacincia, compreenso e
pelo amor;
minha me, Janete, por ter me levado pela mo, em vrias ocasies
da vida;
Aos meus sogros, Francisco e Mariza, pelo apoio e suporte recebidos;
minha orientadora, Prof Dr Luciene Juliano Simes, por dar
sempre o melhor de si;
professora Maria de Lourdes Cauduro, por me guiar nas primeiras
incurses cientficas e me incentivar a nunca desistir;
Ao professor Hardarik Blhdorn, pelas primeiras discusses, por
enviar orientaes, artigos e tanto afeto;
minha irm, Annie, e aos primos, Marco e Rossana, pelo estmulo;
Aos professores e colegas do PPGL, pela honra de compartilhar com
eles momentos to ricos de aprendizagem;
Aos amigos todos, pelo carinho e ateno;
Malu Cardinale, pela orientao e encorajamento, no processo de
escritura.
5
Ao CNPq, pela bolsa de pesquisa, que permitiu a realizao deste
trabalho.
minha av, Luiza Marina, esteja onde estiver, por estar sempre ao
meu lado e acreditar em mim. Voc estar eternamente em meu
corao. Saudades eternas.
A Deus, pelas oportunidades que me concede, pela graa de
conquist-las e, acima de tudo, pelas pessoas que me acompanham,
sem as quais nada faria sentido.
6
RESUMO
A presente dissertao apresenta a anlise dos classificadores nominais
especficos chineses, embasada na Lingstica Cognitiva, tendo como arcabouo
terico a Semntica Cognitiva Experiencialista e a Teoria Prototpica, visando a
revelar as motivaes semnticas subjacentes e as propriedades de categorizao
dos classificadores nominais chineses, quando colocados junto a substantivos.
Foram analisados todos os classificadores nominais, a partir dos modelos da
Semntica Cognitiva Experiencialista, baseados em Lakoff (1987). A amostragem
envolveu dados retirados de livros, revistas e internet e da prpria experincia
vivencial de pesquisadora. Esto descritas as anlises de dez classificadores,
selecionados pela relevncia cultural e potencial de explicitao dos aspectos
discutidos. O estudo revela que a combinao de classificadores com substantivos
no arbitrria, como alguns lingistas chineses acreditam, mas, sim, um reflexo da
interao humana com o mundo objetivo, baseada na cognio.
Palavras-chave: Classificadores nominais teoria experiencialista teoria
prototpica chins.
7
80
.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Relao entre os Classificadores zh, p, tu, ku, tio ............................106
Figura 2: Relao entre os Classificadores mng e wi...........................................110
Figura 3: Trs Aprovados na Academia Real Chinesa .................................................... 112
Figura 4: O nico Canho de Montanha que a Longa Marcha do Comando de Armas do 2
Exrcito da Libertao Nacional levou para o Norte de Shaanxi....................................... 113
Figura 5: Diagrama do Classificador mn .......................................................................... 120
Figura 6 : O Monitor pode facilmente virar a 180............................................................ 122
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Tipos de Classificadores, segundo Chao. ................................................40
Quadro 2: Tipos de Classificadores, segundo Shao. ................................................45
Quadro 3: Exemplo de Funo Semntica Combinatria. ........................................46
Quadro 4: Exemplo de Classificador Homfono e Homgrafo..................................46
Quadro 5: Nveis de Categorizao. .........................................................................64
Quadro 6: Esquema da Metfora do Conduto...........................................................72
Quadro 7: Modelo de Base........................................................................................81
Quadro 8: Modelo de Oposio Bsica.....................................................................81
Quadro 9: Transformao Imagem-Esquema de hon ...............................................83
10
SUMRIO
1 INTRODUO.......................................................................................................11
2 OS CLASSIFICADORES EM CHINS-MANDARIM:............................................16
UMA REVISO DA LITERATURA...........................................................................16
2.1 Classificadores nas Lnguas do Mundo.....................................................16
2.2 Abordagens na Literatura Chinesa.............................................................27
2.3 Abordagens Histricas ................................................................................48
3 FUNDAMENTAO TERICA.............................................................................53
3.1 Fundamentos Filosficos............................................................................55
3.2 Fundamentos Cognitivos ............................................................................60
3.2.1 A Teoria Prototpica ........................................................................60
3.2.2 Outros Princpios Estruturadores dos Modelos Cognitivos
Idealizados .........................................................................................................66
3.3 A Semntica Cognitiva Experiencialista de George Lakoff e os
Classificadores........................................................................................................75
4 ANLISE DOS CLASSIFICADORES NOMINAIS CHINESES LUZ DA
SEMNTICA COGNITIVA EXPERIENCIALISTA.....................................................95
4.1 O Classificador bn ..................................................................................98 4.2 O Classificador su ................................................................................100 4.3 O Classificador k ..................................................................................101 4.4 O Classificador k ..................................................................................103 4.5 O Classificador zh .................................................................................104 4.6 Os Classificadores mng e wi...........................................................106 4.7 O Classificador mn ...............................................................................110 4.8 O Classificador min ..............................................................................121 4.9 O Classificador b ..................................................................................124
5 CONCLUSO ......................................................................................................129
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................135
11
1 INTRODUO
A presente pesquisa faz uma descrio e anlise dos classificadores nominais
especficos chineses, a partir de uma perspectiva semntico-cognitiva
experiencialista.
Os classificadores representam uma classe de palavras, que indica alguma
caracterstica perceptvel da entidade qual a classificao se refere. Ocorrem na
forma de um demonstrativo e/ou + um numeral + um classificador, em frente ao
substantivo que eles modificam. A funo do determinante indicar a posio dos
seres, em relao s trs pessoas do discurso. O numeral quantifica o substantivo,
mas a funo do classificador no assim to fcil de especificar. Em anlises
tradicionais, os classificadores so considerados um subgrupo de medidores, que
fornecem unidades de contagem. Devido ao fato que os classificadores, usualmente,
salientam algumas caractersticas das entidades designadas pelos nomes, eles
tambm desempenham a funo de categorizao de nomes em classes.
O uso do classificador chins varivel, mais que categrico; isto , um
mesmo item, como uma cabra, pode ser referido de diversas maneiras: y-zh
yng, um-CL animal cabra; y-tu yng, um-CL cabea cabra; y-tio
yng, um-CL longo cabra; y-g yng, um-CL genrico cabra. O mesmo
falante pode alternar entre diversos classificadoresde acordo com a sua inteno
12
de comunicao. No exemplo citado, todas essas variantes so traduzidas,
simplesmente, como uma cabra, em portugus.
Os classificadores surgiram tardiamente na lngua chinesa, conforme Liu
(1959), Erbaugh (1986) e Chen (1999). Esta classe decorre da necessidade de
especificao dos itens, nas transaes comerciais, entre os povos. A especificao
foi provocada pela necessidade de distines de superfcie, explcitas entre
substantivos, enquanto a lngua se tornou cada vez mais homfona, por causa da
massiva fuso fonmica (ERBAUGH, 1986). Como resultado, nasceu essa posio
sinttico/semntica dentro da lngua.
Aqui abriremos parnteses, porque adotaremos a definio sinttica para o
termo palavra, como unidade bsica em chins, conforme proposto por Packard
(2001). Isto ocorre, porque essa definio sinttica a que mais se aproxima da
noo intuitiva de palavra. A partir desta noo, as pesquisas demonstram uma
hierarquia unnime, entre os falantes nativos de chins, em relao a quais
entidades so aptas para ocupar o espao da posio sinttica, no sentido das
transformaes de palavras que ocupam a posio de outras classes. O segundo
motivo que o termo tcnico chins para palavra (c) muito prximo da noo da
definio da palavra sintaxe.
Durante a caminhada como professora de chins como Lngua Estrangeira
(LE), observamos a dificuldade de os alunos adquirirem os classificadores chineses.
Esta percepo foi o fator motivador da presente pesquisa. A inteno inicial era
investigar como os aprendizes brasileiros adquirem os classificadores nominais
chineses; contudo, durante esse percurso, deparamo-nos com o fato de que, para
atingir a este objetivo, seria necessria uma investigao mais aprofundada e
sistematizada. Estudos e pesquisas sobre o idioma chins ainda so muito raros, no
13
Brasil. Deste modo, a presente pesquisa tem como objetivo descrever e analisar os
classificadores nominais chineses e pretende produzir informaes sobre esta
subclasse, de tal modo que os dados possam ser consultados pelos alunos, pelos
professores e por pesquisadores da aquisio de chins como LE.
Esta dissertao pretende descrever e analisar somente os classificadores
nominais especficos chineses, porque, primeiro, como foi dito anteriormente, esta
uma famlia de muitos membros e, sendo numerosa, ela se subdivide em dois
grandes grupos: os classificadores nominais e os classificadores verbais. Os
classificadores nominais, por seu turno, so divididos em medidores e em
especficos. Como os medidores so universais lingsticos, aqui nos deteremos no
que relevante e de difcil aquisio pelos aprendizes: os classificadores nominais
especficos.
Atravs da reviso da literatura, vimos que os estudiosos, imbudos pela
sistematicidade, tenderam a generalizar quais entidades podem se combinar com
quais classificadores. Suas teorias no so suficientes, contudo, para satisfazer o
nosso desejo de saber o porqu dessas possibilidades de escolhas e se h sistemas
implcitos organizados.
Para poder responder a estas questes, encontramos o aporte na Semntica
Cognitiva, porque essa abordagem leva em conta a lngua, como um dos tantos
aparatos da cognio humana, para que possamos discernir, compreender e
comunicar. Alm disso, buscamos desenvolver a abordagem, de modo relacionado
histria, experincia e categorizao. Assim, o nosso embasamento filosfico
em Wittgenstein, de segunda fase; no Realismo Interno, de Putnam; e, no plano da
Lingstica, est vinculado Semntica Cognitiva Prototpica, de Lakoff.
14
O presente estudo estruturado em cinco captulos, organizados da seguinte
forma. Neste captulo um, introduzimos o assunto, acompanhado de uma breve
apresentao do arcabouo terico adotado e das motivaes para realizar a
investigao.
No captulo dois, fazemos uma reviso bibliogrfica dos estudos mais
relevantes sobre os classificadores, por lingistas, percorrendo Lyons (1977), Allan
(1977), Denny (1976), com nfase nas anlises realizadas por diversos lingistas
chineses. apresentada uma distino entre os classificadores e os medidores.
No captulo trs, apresentamos os fundamentos tericos da Semntica
Cognitiva Experiencialista, subdividindo em dois planos, o de fundamentos filosfico
e o cognitivo. No plano filosfico, abordamos s propriedades wittgensteinianas da
proposta, demonstradas, sobretudo, pelas suas ligaes com o Realismo Interno de
Putnam, do qual o Realismo Experiencialista uma assumida verso. No plano dos
fundamentos cognitivistas, apresentamos a Teoria Prototpica da categorizao, de
Rosch, o cerne da Semntica Cognitiva Experientalista, verso proposta por George
Lakoff (1987). A seguir, apresentamos as influncias tericas mais diretas, como a
semntica de frame, de Fillmore; a teoria da metfora e metonmia, de Lakoff e
Johnson; a teoria dos espaos mentais, de Fauconnier; e a gramtica cognitiva, de
Langacker. Por fim, atravs das anlises dos classificadores em outras lnguas,
descrevemos o funcionamento dos Modelos Cognitivos Idealizados, em sua tipologia
bsica, quais sejam: os modelos de esquemas de imagens, os modelos
proposicionais, os modelos metonmicos, os modelos metafricos e os modelos
simblicos.
No captulo quatro, analisamos alguns classificadores nominais chineses, com
base na Semntica Cognitiva Experiencialista. Os dados utilizados foram extrados
15
de livros, jornais, revistas, Internet, bem como de informao prestada por
colaboradores e da prpria experincia vivencial da pesquisadora. A ttulo de
consulta, utilizamos o Dicionrio de Classificadores de Jiao (2001), em que se
encontram 178 classificadores e medidores mais empregados no chins-mandarim
contemporneo, centralizando a pesquisa nos classificadores especficos. Foram
analisados todos os classificadores nominais, mas esto descritas as anlises de
dez classificadores, selecionados pela relevncia cultural e potencial de explicitao
dos aspectos discutidos.
Em termos de descrio, importante destacar, aqui, algumas convenes
tipogrficas. Um asterisco (*) indica que a expresso lingstica inaceitvel, seja no
campo semntico ou sinttico. Expresses de aceitabilidade questionvel so
precedidas por um sinal de interrogao (?). As expresses lingsticas em chins
foram transcritas em pinyin, alfabeto fontico chins, e escritas em corpo itlico,
sendo a sua respectiva traduo feita entre aspas ( ). Expresses como unidades
de palavras, unidades nominais, medidores so denominaes de outros perodos,
para o mesmo referente, conhecido atualmente como classificador. Alm disso, as
tradues de todas as citaes de trechos em Lngua Inglesa e Chinesa, contidas
neste trabalho, so de nossa inteira responsabilidade.
Na concluso, retomamos pontos levantados, apresentamos o contraponto
com os objetivos deste trabalho, em seus aspectos mais relevantes, e trazemos
algumas pistas para futuras pesquisas. Desejamos uma boa leitura.
16
2 OS CLASSIFICADORES EM CHINS-MANDARIM:
UMA REVISO DA LITERATURA
2.1 Classificadores nas Lnguas do Mundo
Para falar em sistema de classificadores nominais, deve-se, primeiro,
distinguir dois fenmenos semelhantes em termos semnticos, mas diferentes em
termos gramaticais, conforme observa Dixon (1986). Existe a categoria gramatical
classes nominais, que exibe fenmenos referentes aos sistemas de gneros. Nestes
sistemas, cada substantivo escolhe, dentre um pequeno nmero de possibilidades, a
que subcategoria pertencer, marcando, atravs de prefixos ou sufixos, a inflexo.
Outro fenmeno, do ponto de vista formal, o conjunto dos sistemas lxico-
sintticos de classificao nominal, que inclui os classificadores nominais. Estes so
lexemas independentes e livres, que podem ser colocados junto a um substantivo,
em certos ambientes sintticos.
Segundo Dixon (1986), ambos os fenmenos fornecem informaes sobre o
aspecto fsico, tamanho, forma e animao; a funo, como alimentao ou
vesturio; as categorias cognitivas; os papis sociais; e a forma de interao. Essas
informaes contribuem para construir o significado do sintagma, em termos
denotativos.
17
Outros autores tambm deram nfase aos classificadores nas lnguas do
mundo. O uso de classificadores tem sido considerado um fenmeno universal, por
muitos lingistas (GREENBERG, 1972 apud LYONS, 1977, p. 464; LYONS, 1977;
ALLAN, 1977, etc.). A distino entre lnguas classificadoras e lnguas no-
classificadoras, feita por Lyons e Allan, leva noo de que os classificadores
ocupam uma posio nica, na gramtica de muitas lnguas.
Lyons (1977) dedica parte de seu estudo aos classificadores nominais,
porque essa categoria no faz parte das gramticas da maioria das lnguas indo-
europias. Os princpios de individuao so universais e independentes, e o que
varia a forma dessa distino gramatical entre as lnguas. Assim, para o autor, o
termo classificador empregado para designar aquela classe de palavra que se
localiza entre um numeral e um substantivo: Os classificadores so comparveis em
funo sinttica a palavras como charco ou libra em sintagmas como dois
charcos de gua, aquele charco de gua, trs libras de manteiga (LYONS,
1977, p. 186). So usados obrigatoriamente, porm, no apenas com os nomes que
denotam substncias amorfas ou espalhadas, como a gua ou a manteiga, mas
tambm com nomes que denotam classes de indivduos. Isto ocorre de tal modo que
se traduziria a expresso trs homens, de maneira a sugerir uma anlise
semntica do tipo trs pessoas homem.
Lyons (1977), seguindo a sua explanao, afirma que construes com os
classificadores so muito similares, tanto sinttica como semanticamente, s
construes como cinco cabeas de gado, trs resmas de papel ou aquele lote
de ferro, em portugus e ingls, por exemplo. Diz que cabea, resma e lote, em
construes deste tipo, exercem a mesma funo de individuao e enumerao
como os classificadores de tzeltal ou do chins-mandarim, etc. Afirma que a
18
diferena entre as chamadas lnguas classificadoras e o ingls, por exemplo, que,
no ltimo, assim como na maioria das lnguas indo-europias, existe uma distino
gramatical entre substantivos contveis e no-contveis. O autor ainda sinaliza que,
de um ponto de vista semntico, a gramaticalizao de contabilidade baseia-se no
condensamento do componente entidade, no significado de quaisquer lexemas que
sejam tratados gramaticalmente como um substantivo contvel: garoto, cachorro,
rvore, etc. Segundo o autor, importante perceber que a categoria gramatical de
contabilidade, assim como a categoria gramatical de nmero (singular versus plural,
etc.), um dos diversos dispositivos inter-relacionados, usados na lngua para a
construo de expresses referenciais. O que todos estes dispositivos tm em
comum que so baseados na - ou pressupem a - possibilidade de individuao e
de enumerao.
Lyons (1977) cita o exemplo do chins-mandarim, como lngua-classificadora,
na qual o classificador obrigatrio, no somente entre o numeral e o substantivo,
mas tambm entre o demonstrativo e o substantivo. O autor observa que, nessa
lngua, existe um classificador especial pluralizador, que ocorre com os
demonstrativos (mas no com os numerais) e substitui semanticamente o
classificador apropriado, que seria usado em construes no plurais
(GREENBERG, 1972). Por exemplo, (i) um livro, (ii) trs livros, (iii) este livro e
(iv) estes livros so traduzidos para o chins-mandarim como (i) y bn sh,
(ii) sn bn sh, (iii) zh bn sh e (iv) zh xi sh. A palavra
bn o classificador usado, segundo o autor, para objetos com superfcie plana,
embora xi possa ser usado para qualquer tipo de pluralizao ou coletividade.
Uma outra generalizao que pode ser feita, segundo Lyons (1977), que, na
maioria, seno em todas as lnguas-classificadoras, existe, alm do classificador
19
especializado semanticamente para a referncia a entidades particulares (por
exemplo, seres humanos, animais, plantas, objetos planos, etc.), um classificador
semanticamente neutro. Este pode ser empregado (no lugar do classificador
especializado apropriado semanticamente), com referncia a todas as classes de
entidades. A palavra g, por exemplo, usada desta maneira, em chins-mandarim.
Lyons (1977) prope dois tipos de classificadores: de classe e de medida. O
autor define o de classe, como aquele que individualiza o substantivo, em termos do
tipo de entidade, ou agrupa as entidades em tipos. J o classificador de medida
apresentado como aquele que individualiza, em termos de quantidade. O termo
classe demonstra que o autor realizou, implicitamente, a categorizao da natureza
dos classificadores e comparou-os com os artigos definidos e adjetivos
demonstrativos de lnguas no-classificadoras. Ele concluiu que ambos formam
descries definidas e que podem ser usados em funes pronominais, em
referncia ditica e anafrica. Lyons (1977) justifica esta afirmao, citando
Greenberg (1977, apud LYONS, 1977, p. 464): [...] o ncleo nominal pode ser
suprimido quando este j foi previamente mencionado ou devido ao contexto
lingstico. Ele ainda faz a seguinte ponderao:
Em muitos casos, o classificador o ncleo, mais do que um modificador, nas construes em que ele ocorre. Isso faz com que classificadores de classe se tornem semelhantes a determinantes. Os determinantes, apesar de seu tratamento convencional como modificadores do substantivo, podem freqentemente ser considerados, de um ponto de vista sinttico, como ncleos melhores do que os modificadores (LYONS, 1977, p.464).
O autor conclui dizendo que, assim como h uma conexo, tanto sinttica
como semntica, entre os classificadores de medida e os quantificadores, h
20
tambm, em muitas lnguas, uma conexo sinttica e semntica entre os
classificadores de classe e os determinantes.
Ainda sobre os classificadores de classe, Lyons (1977) observa que as
categorias mais comuns, observadas nas lnguas classificadoras, envolvem a forma.
Neste sentido, a ordem seria uma, duas e trs dimenses, respectivamente; depois
viria o tamanho, seguido pela textura. O autor ressalta, ainda, que princpios
funcionais de classificao por classe so mais difceis de serem identificados e
comparados intralnguas, pois so culturalmente dependentes; contudo, poderia ser
observada a caracterstica de ser comestvel, identificada em todas as lnguas.
Os termos de medida de vrios tipos so encontrados em muitas lnguas.
Muitas vezes, para surgirem, eles necessitam ter, proximamente, quantificadores,
acompanhando-os. Para Lyons (1977), uma entidade uma unidade quantificvel
de classe, ou classes, a qual pertence; um montante ou quantia de alguma massa
como gua, dinheiro ou usque pode tambm ser tratado como uma unidade
individualizada, re-identificada e enumervel. Lnguas que gramaticalizam a
distino entre substantivos que denotam entidades individuadas e substantivos que
denotam entidades de massa tendem a distinguir, sintaticamente, frases como trs
homens, por um lado, e trs copos de usque, por outro lado. J as lnguas
classificadoras no os distinguem: estas tratam entidades numerveis e entidades
de massa da mesma maneira. Ainda, o significado mais apropriado que se pode
extrair de um classificador de classe semanticamente neutro unidade, mais do
que entidade. Para Lyons (1995), os atributos funcionais aqueles que fazem as
coisas serem teis a ns, para propsitos particulares so, com freqncia,
gramaticalmente (ou semigramaticalmente) codificados em classificadores ou em
gneros de lnguas que tm tais categorias.
21
Allan (1977) e Denny (1976) apresentaram uma ampla anlise das unidades
internas das propriedades fundamentais dos classificadores nominais. Allan (1977)
tornou-se pioneiro, pela sua investigao em mais de 50 lnguas classificadoras no
mundo. Ele realizou uma comparao dos tipos de coisas que so agrupadas pelos
classificadores. O autor definiu os classificadores, segundo dois critrios: (a) eles
ocorrem como morfemas em estruturas superficiais, sob condies especficas; (b)
eles tm significado, no sentido que um classificador denota alguma caracterstica
saliente, perceptvel ou imputada, da entidade a qual um substantivo associado se
refere (ou que pode ser referido). Embora possa se dizer, em um sentido lato, que
em todas as lnguas existem classificadores, em um sentido restrito, as lnguas
classificadoras se distinguem pelos critrios: (a) tm classificadores, alguns
funcionam somente em construes restritas a classificadores, embora existam
classificadores que funcionam em outros ambientes; (b) eles pertencem a um dos
quatro tipos de lnguas classificadoras: (i) lnguas classificadoras numerais, (ii)
lnguas classificadoras concordantes, (iii) lnguas classificadoras predicativas e (iv)
lnguas classificadoras intralocativas.
Allan (1977) encontrou semelhanas entre classificadores para substantivos,
em muitas lnguas geograficamente distintas e sem nenhuma relao entre si - da
frica, das Amricas, da sia e da Oceania - e em lnguas sintaticamente distintas,
no seu sistema de classificadores. Certos morfemas ou palavras so usados para
denotar uma caracterstica perceptvel ou imputada entidade a qual um substantivo
associado se refere. Esta constatao no surpreendente para o autor, j que ele
parte do ponto de vista de que a percepo humana geralmente similar e estimula
a classificao cognitiva do mundo.
22
O autor atribui a natureza das noes semnticas operao de princpios
cognitivos (ALLAN, 1977). Assim, concentra-se nas propriedades inerentes de uma
classe a que todos (ou, no mnimo, a maioria) os membros participem e fornece uma
lista exaustiva de caractersticas semnticas, as quais servem como base, para a
classificao nas lnguas naturais. Ele ilustra a recorrncia de caractersticas
particulares, em diferentes lnguas, embasado na faculdade perceptual humana;
explicitamente tratando as classes de nomes como categorias embasadas
cognitivamente. Allan (1997) nota que, com poucas excees, essas propriedades
so propriedades inerentes, mais do que contingentes, de um objeto. Sugere que
as caractersticas distintivas de uma lngua classificadora envolvem a possesso de
um sistema gramatical, que agrupa os substantivos de acordo com as suas
caractersticas inerentes. As oito categorias de classificao de Allan (2001) so:
material (constituio), funo, forma, consistncia, tamanho, locao, arranjo e
quanta.
Para Denny (1986), os substantivos referem-se a determinado tipo de
entidade individual ou de massa e a alguma propriedade que as coisas tm,
enquanto os classificadores representam uma unidade ou variedade daquele
indivduo ou massa. Os classificadores tm duplo papel: o papel quantificativo e
classificativo, que explicaremos adiante.
Ritchie (1971, apud DENNY, 1986, p. 298) afirma que um classificador
expressa um indivduo ou uma instncia, de uma substncia indicada pelo
substantivo. Denny (1976, apud LAKOFF, 1987, p. 112) observa que
[...] a funo semntica dos classificadores nominais a de colocar os objetos dentro de um conjunto de classes diferentes e adicionais daquelas dadas pelos substantivos. Essas classes tratam principalmente de objetos que participam em interaes humanas.
23
Denny (1986) dividiu os classificadores em trs tipos semnticos bsicos,
todos relacionados com a forma de interao humana: i) de interao fsica, como
manipulao; ii) de interao funcional, atravs do uso de objetos; e iii) de interao
social, que pode ser percebido em casos de comparao entre um humano e um
animal, ou entre diferentes classes sociais. Denny (1986) argumenta que a variao
dos classificadores de interao fsica est relacionada com o tipo de atividades
fsicas significantes, realizadas em dada cultura. Segundo o lingista, as distines
de animao, na sociedade, so feitas porque alguns de seus membros devem agir
diferentemente de acordo com o seu papel social, em relao a outro membro da
sociedade. O autor tambm observa que, mesmo as classes inanimadas, so
basicamente embasadas na interao das pessoas com os objetos. Cada objeto tem
um grande nmero de caractersticas distintivas, e as lnguas podem diferir na
escolha de quais destas caractersticas so importantes para os propsitos
classificatrios. Por exemplo, a palavra mesa pode ser classificada como objeto
tridimensional, como ocorre no malaio, mas mais freqente ser categorizada como
bidimensional, j que a superfcie plana da mesa a forma com a qual as pessoas
interagem ou usam a mesa, como observado no chins-mandarim.
Para Denny (1986), os classificadores nominais, em combinao com a
entidade, determinam composicionalmente o significado dos substantivos que eles
classificam. O autor afirma que os classificadores nominais expressam o argumento
do falante, para o tipo de coisa sobre a qual ele est falando. Isto comunica as
expectativas sobre os predicados que ele pode atribuir para aquela coisa, o que o
lingista denomina de papel classificatrio. O falante restringe o domnio, a partir do
qual o referente delineado. Ele se constitui atravs de alguma especificao
(unidade, parte, mltiplo, medida ou classe) e integra alguma classe em particular,
24
que o lingista denomina de papel quantificativo. Restringindo o domnio do
quantificador para este tipo, expresso pelo classificador, parece ser reforado o foco
sobre alguma classe de coisas. Assim, fica delineada a ateno para predicados que
podem ser aplicados aos seus membros.
Neste sentido, na expresso em burms um cacho de bananas, o
classificador cacho significa unidades de cachos e o substantivo somente lhes d
a propriedade de bananas. Denny (1986) acredita que isto ajuda a entender o
fenmeno das palavras de medidas, em ingls: a frase sheet of paper, folha de
papel, sugere que o papel um nome de massa, enquanto ream of paper, resma
de papel (para 500 folhas), indica que ele um nome contvel. Se ns
considerarmos, contudo, papel apenas como um predicado, ento sheet, folha,
significa unidade (de classe bidimensional) e ream, resma, significa 500 folhas.
Isto ajuda a perceber que os classificadores estabelecem dois tipos de quantificao
para a varivel que eles expressam. Primeiro, h o tipo de unidades que a varivel
diversifica ou unidades, partes, mltiplos, medidas ou tipos e segundo, a classe
de tais unidades qual a varivel restringida. No exemplo, em ingls, com a
palavra de medida sheet, folha, o primeiro componente de quantificao
unidade e o segundo bidirecional. J no exemplo do classificador em burms,
cacho, o primeiro mltiplo e o segundo alguma coisa do tipo [...] um n
fisicamente crescido de uma planta. (DENNY, 1986, p. 301)
Denny (1986) ainda cita os dados de tailands, da pesquisa realizada por
Conklin (1981, apud DENNY, 1986, p. 301). Nesta pesquisa, os classificadores so
introduzidos, quando buscada uma referncia a indivduos particulares, e so
suprimidos, quando tal referncia no necessria. Isto confirma a viso de que os
classificadores se referem ao conjunto de indivduos. Igualmente, Conklin (1981,
25
apud DENNY, 1986, p. 301) demonstra vrias evidncias que indicam que os
substantivos so suprimidos, quando a propriedade expressa pelo substantivo no
a questo. Em geral, os substantivos so mais freqentemente suprimidos em frases
numerais, do que os classificadores. Isto o que se pode depreender da sua teoria,
no sentido de que os classificadores se referem aos indivduos sendo enumerados,
embora substantivos somente expressem alguma propriedade que eles tenham.
Substantivos so regularmente apagados, quando a referncia repetida a alguma
coisa. Por exemplo: khun hn pt ki tua?, Quantos patos que voc v?, hk tua,
seis neste caso, tanto o substantivo pt, pato, quanto o classificador tua,
animal, aparecem na questo, mas somente o classificador repetido na resposta.
Nesta pergunta, nota-se que, uma vez que o substantivo se estabeleceu como
propriedade pato, no se faz necessria a sua repetio, mas a referncia ao
domnio de indivduos, dada por tua, animal, ainda essencial para o quantificador
hk, seis. Por outro lado, Conklin (1981, apud DENNY, 1986, p. 301) relata que os
substantivos so mantidos, quando modificados por um adjetivo, presumidamente
porque ele essencial, para expressar a propriedade que est sendo modificada.
As observaes de Denny ajustam-se perfeitamente s observaes de
Rosch (1977), sobre a categorizao de nvel bsico. O que estas pesquisadoras
encontraram que a categorizao neste nvel depende da natureza da interao
humana cotidiana, bem como do ambiente fsico e da cultura. Os fatores envolvidos
na categorizao de nvel bsico incluem percepo gestltica, interao motora,
imagens mentais e importncia cultural. Consideradas conjuntamente, essas
observaes apiam a viso de que o sistema conceitual humano dependente e
intimamente ligado experincia fsica e cultural. Isto nega a viso clssica de que
26
os conceitos so abstratos e distantes dessas experincias, como veremos mais
detalhadamente no captulo trs.
A hiptese perceptiva de Allan e a hiptese funcional de Denny, citadas
acima, no so incompatveis, mas complementares. Allan (1977) restringe o
conjunto de sistemas possveis pela limitao do mbito das classes, mas Denny
traz de volta a relatividade cultural, com toda a fora. No h, em princpio, nenhuma
limitao em classes na abordagem funcional, desde que no haja restrio na
funo possvel de um objeto em uma cultura. Assim, o tratamento satisfatrio de
animacidade encontra o seu caminho na abordagem funcional de Denny.
A salincia cognitiva determina classes de objetos inanimados; a similaridade
funcional determina classes de humanos. Realmente, as propriedades do quadro de
Allan (1977) so freqentemente associadas com a interao funcional. Essas
propriedades podem indicar como os seres humanos interagem com os objetos. A
forma e a consistncia material de um objeto so obviamente importantes, para o
uso a que este proposto. Por outro lado, no existe nenhum caso em que a
interao humana com um objeto diferente, devido a sua cor. Ento, no existem
classificadores baseados naquela caracterstica. Neste sentido, pode-se afirmar que
a interao fsica de Denny inclui todas as categorias de Allan; a interao social de
Denny inclui a relao familiar e o status; e a interao funcional relaciona-se a
propriedades funcionais.
27
2.2 Abordagens na Literatura Chinesa
Os classificadores nominais chineses, muitas vezes, ocorrem na forma de
numeral + classificador ou na forma de determinante + classificador, em frente ao
substantivo que eles modificam. A funo do numeral quantificar o substantivo, e a
funo do determinativo a de definir a referencialidade do substantivo. A funo do
classificador, contudo, no assim to fcil para especificar.
Os classificadores nominais podem ser divididos em classificadores de
medida, como sn jn xingjio, trs quilos de banana, ou sn bi
shu, trs copos de gua. Estes so universais lingsticos, encontrados em todas
as lnguas, quantificando os substantivos de massa nomes no-contveis, ou seja,
[...] referem-se a grandezas contnuas, descrevendo entidades no-suscetveis de numerao. Trata-se de referncia a uma substncia homognea, que no pode ser expandida em indivduos, mas apenas em massas menores, e que pode ser expandida indefinidamente, sem que sejam afetadas suas propriedades cognitivas e categoriais (NEVES, 2000, p. 82).
J os classificadores especficos, nomenclatura dada por Erbaugh (1986),
modificam os substantivos contveis, concretos, bem como os substantivos
abstratos, perodos de tempo e aes. Esses no tm equivalente em lnguas indo-
europias. Quando o falante de chins se refere a animais, por exemplo, pode tomar
zh, como classificador para indicar a categoria animal. o que ocorre em ni-
zh gu, aquele-CL animal cachorro ou aquele cachorro. possvel, tambm,
optar, para a mesma entidade (ou o mesmo cachorro), pela referncia forma e,
ento, ser utilizado o classificador tio, para designar entidades de forma
alongada.
28
Em anlises gramaticais e lingsticas chinesas, h diversidade de opinies,
quanto a sua nomenclatura e a sua categorizao. Por exemplo: para alguns
autores, os classificadores so considerados um subgrupo de palavras de medida,
as quais fornecem unidades de contagem, enquanto, para outros, devido ao fato de
que os classificadores usualmente revelam algumas caractersticas das entidades
designadas pelos nomes, eles tambm desempenham a funo de categorizao de
nomes em classes. Assim, autores como Li (2001), Erbaugh (1986) e Hopper (1986)
afirmam que a escolha de um classificador pode no se restringir apenas a uma
questo de determinao gramatical. Antes, ele pode ser discursivamente e/ou
pragmaticamente sensitivo, tendo efeitos no nvel discursivo. Este conceito no
levado em conta nas abordagens gramaticais, segundo a reviso da literatura
realizada.
Os classificadores chineses podem ser subdivididos em dois grandes grupos:
classificadores nominais e classificadores verbais. Aqui, nos propomos a apenas
descrever o sistema dos classificadores nominais e, particularmente, os especficos,
j que os de medida so universais lingsticos. Alm disso, o recorte se justifica
pelo fato de que se tem observado dificuldade na aprendizagem, para os alunos
que, em suas lnguas, no lidam com essa distino gramatical.
Feitas essas observaes, iniciaremos a anlise dos classificadores nominais
especficos chineses, atravs de uma reviso da literatura, a partir de estudiosos
chineses, seguindo a linha do tempo.
Na primeira gramtica, escrita por Ma (1898), os classificadores ainda no
possuam a denominao atual. Estavam categorizados como uma subclasse de
adjetivos, por terem uma funo modificadora quantitativa para o substantivo (MA,
1898, p. 78). A reviso da literatura indica que a gramtica chinesa ainda no tentou
29
uma abordagem mais cognitiva, ou seja, como um sistema de categorizao mental,
que reflete como uma determinada comunidade percebe as entidades que a cercam.
Classificadores ou medidores?
Gramticos chineses de diferentes pocas, como L (1941), Wang (1955),
Chao (1968), Ding (1979), Zhu (1982) e Fang (2001) indicam os classificadores
como uma subclasse dos numerais ou de numeral-medidores.
L (1941), em uma primeira abordagem sobre o sistema de classificadores,
denomina os classificadores como palavras de unidade, uma subclasse de
medidores numerais, localizada sintaticamente entre o nmero e o substantivo. Em
sua pesquisa comparativa entre a lngua escrita clssica e moderna chinesa, o autor
observa que, na Antigidade, os numerais podiam estar diretamente ligados s
entidades contveis, para demonstrar a quantidade, enquanto que, entre os
numerais e as entidades de massa, era colocada uma palavra de unidade de
medida, como os equivalentes chineses a metro, balde, hectare, entre outros.
Erbaugh (1986) observa que o uso de classificadores era bastante raro na
China Antiga. A autora lembra que isto ocorria, exclusivamente, para especificar ao
mximo os itens contveis, concretos e discretos; particularmente para inventariar
bens; e especialmente quando os itens no estavam presentes na cena discursiva
entre os falantes. Wang (1955) observa que a partir das dinastias Yuan e Ming
(1206-1644) que comea a se popularizar o uso de classificadores.
Contemporaneamente, especialmente na lngua oral, a colocao do classificador
entre um numeral e o substantivo obrigatria. Os estudiosos, entretanto, no
oferecem nenhuma explicao para este fenmeno observado. Na presente
dissertao, contudo, pretendemos, ao final, apresentar uma explicao, seguindo
uma abordagem semntico-experiencialista, abordada no captulo 5.
30
L (1941) divide em oito tipos o que chama de unidades de palavras:
(1) Unidade de pesos e medidas:
m, metro: y m b, *um metro pano;
(2) Unidades de emprstimo de recipientes e utenslios (pela sua forma ou
pela forma de seu manuseio):
bi, copo: y bi ji, *um copo vinho;
(3) Unidades de emprstimo de verbos:
pn, prato: y pn xing, *um prato incenso;
(4) Unidades com caractersticas coletivas:
du, time, peloto: y du bng, *um peloto soldados;
shung, par: y shung xi, *um par sapatos;
(5) Unidades relacionadas com a quantidade de tempo:
zhn, perodo: y zhn fng, *um perodo de vento ou uma
ventania;
(6) Unidades cujo nome uma parte da entidade:
tu, cabea: y tu ni, *uma cabea boi;
(7) Unidades de acordo com o formato: se for longo, emprega-se gn ou
tio, se fino e plano, emprega-se pin, se for mais tridimensional, emprega-se
kui, se pode ser segurado, emprega-se b, e assim sucessivamente. O autor
esclarece que muitos empregos no tm explicao, justificam-se pelo hbito de
uso.
(8) Unidades genricas:
g: o de emprego mais amplo. Pode ser utilizado tanto para pessoa
quanto para os objetos.
31
wi: de uso exclusivo para pessoas. Contm significado de respeito.
jin: empregado para coisas materiais e substantivos abstratos.
Ding (1979) segue o mesmo raciocnio de L; contudo, agrupa os
classificadores em quatro subclasses e denomina-os classificadores de medidores:
(1) medidores de individuao, equivalentes s subclasses (3), (5), (6), (7) e (8) de
L; (2) medidores coletivos, equivalentes subclasse (4) de L; (3) unidades de
medidas, equivalentes subclasse (1) de L; e (4) medidores ocasionais,
equivalentes subclasse (2) de L. Tanto Ding (1979) quanto Zhu (1981) falam de
uma subclasse de medidores de quantidade indeterminada, como xi, para pouca
quantidade, e din, para uma quantidade menor que xi. Esta subclasse
tambm discutida por Lyons (1997)
Alguns autores, como L, Ding, Zhu, misturam as unidades de medida, que
so universais lingsticos, com aquilo que particular, os classificadores. Wang
(1955) chamou de unidades nominais o que, atualmente, se chama de
classificadores; tambm classificou essas unidades, a partir de critrios similares aos
de L, porm de forma mais simples.
A discusso mais completa sobre os classificadores realizada por Chao
(1968). Este lingista analisa os classificadores, de acordo com a sua funo na
frase. As marcas morfolgicas, para Chao (1968), so secundrias.
O autor inicia a sua discusso, a partir da diviso das palavras em classes
abertas e fechadas. As palavras de classes abertas tm baixa ou mdia freqncia
de ocorrncia e, em chins, tm tons. J as palavras de classes fechadas so
aquelas listveis, com alta freqncia de ocorrncia, sendo a maioria de tom neutro.
Chao (1968) afirma, ainda, que a questo classe dos nomes pode ser subdividida
em entidades individuadas e em entidades de massa. O autor observa que as
32
entidades individuadas podero ser acompanhadas, segundo a sua nomenclatura,
de medidores individuadores1, enquanto as entidades de massa so acompanhadas
por medidores de contagem. Por exemplo: as entidades individuadas podero estar
acompanhadas do medidor g ou, no mximo, por dois ou trs outros medidores,
como y g gu, um - M genrico cachorro, y tio gu, um - M para
coisas longas cachorro, y zh gu, um - M para animais cachorro. J as
entidades de massa, segundo o autor, no podem ser antecedidas por g,
classificador genrico, ou por qualquer medidor para entidades individuadas, mas
podem ser acompanhadas por medidores de contagem, como y xi shu,
umas guas, y d shu, uma gota dgua, y tng shu, um galo de
gua, etc. Por outro lado, acima da classe de nome, pronome, etc., pode ser
constitudo um grupo superior tc ou classe das entidades, porque todos os
seus membros podem atuar como sujeito, complemento, ou podem ser delimitados
por adjetivos. Acima das classes adjetivas e verbais (verbos de ao), ainda pode
ser constituda uma classe predicativa, tambm chamada, em sentido amplo, de
classe de verbos, porque pode atuar como predicado e ser delimitada por adjuntos
adverbiais.
Chao (1968) subdivide as entidades nominais em onze subclasses:
substantivo, substantivo prprio, locativo, temporal, determinante (D), Medidor (M),
direcional (L), composto Determinativo-Medidor (D-M), composto Substantivo-
direcional (N-L), pronome e anfora.
Quanto aos substantivos, Chao (1968) separa-os nas seguintes subclasses,
de acordo com a caracterstica dos compostos Determinativo-Medidores (D-M) que
1 Chao (1968) utiliza o smbolo M para se referir aos classificadores, pois designa essa classe como medidores.
33
os antecedem: nomes individuados, nomes de massa, nomes coletivos, nomes
abstratos.
(1) Nomes individuados: Chao (1968) o primeiro lingista chins a abordar
uma subclasse de medidor, denominando-o de classificador, pois se refere a um tipo
de medidor ligado aos nomes individuados. Cada nome acompanhado de seu
classificador especfico. Por isso, segundo o autor, o dicionrio deve trazer, junto ao
nome, a observao de seu classificador especfico (como ocorre nas lnguas em
que h a distino de gnero, e apresentada a observao masculino,
feminino e neutro, etc.). O autor observa que a ligao entre o substantivo e o
classificador aproximada, do ponto de vista do significado. Por exemplo,
y gn gnzi, um CL vara, y zh b, um CL lpis. Nestes casos,
no se pode dizer * y zh gnzi, * y gn b, apesar de os dois
objetos terem o mesmo formato. At o mesmo objeto, dependendo da sua
denominao, poder ser referido pelo uso de um classificador especfico, como em
y wi xinshng, um CL honorfico senhor, y g rn, um - CL
genrico pessoa (como no sistema de gnero do alemo ou esloveno, em que uma
mesma mulher pode ser tanto die Frau ou das Weibi; a mesma cabea pode ser
der Kopf ou das Haupt). Enfim, para o autor, os classificadores, na gramtica, so
uma questo de expresso e no uma questo objetiva.
Contraditoriamente, entretanto, Chao (1968) afirma que existem alguns
substantivos que aceitam mais de um classificador. Justifica pelo fato de esses
substantivos apresentarem distino semntica. Por exemplo, y shn mn,
um CL leque porta indica uma referncia direta porta, enquanto y do
mn, um CL caminho porta indica o lugar de sada e entrada de pessoas. O
classificador g, classificador genrico/individual pode substituir quase todos os
34
classificadores especficos. Por exemplo, y g mn, um CL genrico
porta pode substituir y shn mn e y do mn. O autor no explica,
contudo, o porqu desses diferentes usos.
(2) Nomes de massa: os nomes de massa no tm um classificador
especfico. Seu emprego depender do contexto no qual o substantivo est inserido.
Quando o nome de massa sofre delimitao por um composto Determinante-
Medidor (D-M), o medidor pode ser dos seguintes tipos:
(a) Uma unidade de medida: y ch b, um M - metro pano;
(b) Um recipiente, de contagem ou ocasional: y bi ch, um M copo
de ch, y shn xu, um M corpo de neve, y w yn, um M quarto
de fumaa;
(c) Um medidor de segmento: y din shu, um M pouco gua,
n xi ji, aquele M tanto bebida alcolica;
(d) Uma forma da massa: ling du t, dois M monte terra, y
kui b, um M pedao pano.
(3) Nomes coletivos: necessrio distinguir entre os nomes, ou os medidores
das coisas que se tornam coletivos, e o que a gramtica denomina de nome coletivo.
Por exemplo, tunt, grupo, jij, classe, qn, bando, du, peloto,
to, conjunto - todos se referem a objetos coletivos, mas os dois primeiros so
nomes individuados, por poderem ser antecedidos por g (y g tunt
um-M grupo, ling g jij, duas-M classes). J os trs posteriores so
medidores (y qn nior, um M bando pssaros, y du bng, um
M peloto soldados, y to yf, um M conjunto vesturio). Apesar de,
em seus prprios exemplos, haver classificadores antes dos nomes coletivos, Chao
35
(1968) afirma que os classificadores no podem ser empregados com os nomes
coletivos; somente podem ser empregados com os medidores de contagem ou
medidores de segmento. Por exemplo, n xi hizimen, aquela M plural
crianas, y to zhuy, um M jogo mesa e cadeira.
(4) Nomes abstratos: os nomes abstratos no podem utilizar medidores
individuais ou medidores de massa. Somente podem utilizar medidores de classe
como zhng, tipo, li, classe, pi, escola/faco e medidores de
segmento como xi, algum e dinr, pouco. Vrios substantivos referentes
a objetos abstratos, contudo, so, em termos gramaticais, nomes individuados ou de
massa. Xushu, doutrina, mng, sonho e x, teatro, nas frases de
ling g xushu, duas - M genrico doutrina, y g mng, um - M
sonho, sn chng x, trs - M peas teatro exibem propriedades de nomes
individuados. J gngf e lling, em sn fn lling, trs - M
partes esforo e si nin gngf, quatro anos trabalho comportam-se como
nomes de massa, segundo o autor.
Por fim, Chao (1968, p. 263) define um medidor ou um classificador como [...]
um morfema delimitado que forma um Determinante-Medidor (D-M) composto com
determinativos. O autor distinguiu nove subclasses de medidores-classificadores:
(1) Classificador (Mc). Cada nome tem um classificador especfico. H
tambm o individualizador genrico g, que pode anteceder qualquer
substantivo. Vrios nomes tm mais do que um classificador. De acordo com o
significado do nome, empregam-se medidores diversos:
y shn mn, uma folha porta; y do mn, *um caminho
porta; y g mn, uma classificador genrico porta.
36
zh bn shu, este tomo livro; zh b shu, *um volume livro;
zh g shu, este livro.
Chao (1968) observa que vrios classificadores no tm equivalncia na
traduo para outras lnguas. Por exemplo, em portugus, seria estranho uma
locuo do tipo: *uma folha porta ou * um tomo livro.
(2) Classificadores entre V-O (Mc). O tipo de classificador anterior une-se
aos substantivos, formando uma expresso D-M N, tendo a funo de sujeito ou de
objeto, ou ainda de delimitador. Este tipo de classificador aparece, principalmente,
dentro do complemento objeto. O medidor Mc pode ser duplicado e, neste
momento, precisa estar na frente do verbo. Exemplo:
j, frase: ...shu... hu, falar ... palavra; ...wn...hu, perguntar
... palavra.
(3) Medidor coletivo (Mg). Diferente de Mc, a maioria destes medidores pode
estar acompanhada por de, de - genitivo. Os que no podem ser acompanhados
por de de esto sinalizados com *de.
()du(er), par - *de: gz, pombo; ynjng, olhos; fq, casal.
d, dzia: y d de gz, uma dzia de pombo.
(4) Medidor de segmento (Mp). Trata um segmento como um todo. Esta
oposio , no entanto, um problema de ponto de vista, porque um determinado
grupo de entidades individuadas pode ser, ao mesmo tempo, uma parte de um
grupo maior. S pode ser antecedido pelo numeral y, um:
37
xi, plural: uns, alguns: y xi shqng, uns assuntos.
(5) Medidores de recipiente (Mo). Basicamente so substantivos que, nessa
posio, se tornam medidores (tm o seu prprio medidor g, medidor individuado e
genrico, entre outros). Esta subclasse aberta.
h, caixinha: y h huci, *uma caixa fsforo.
(6) Medidores ocasionais (Mt). Da mesma forma que os medidores de
contagem e de recipiente, os Mt, basicamente, so substantivos. A diferena, em
relao ao medidor de contagem e de recipiente, que o medidor ocasional utiliza o
mbito ou extenso para medir; dificilmente utiliza recipiente para medir. A sua
caracterstica particular, em relao aos demais medidores, que no permite outro
determinante, fora o y, um, como precedente, sendo que o significado deste y,
um, no sentido de completo, inteiro, cheio. O medidor ocasional no pode ser
duplicado no uso, para indicar referncia. Veja o exemplo:
shn(zi), corpo: y shn xu, *um corpo neve.
(7) Medidor padro (Mm). Os medidores-padro so as unidades de pesos e
medidas.
A forma do medidor-padro semelhante ao Mc e ao Mg (vide Quadro 1). As
diferenas entre eles so: primeiro, Mc tem uma relao direta com a estrutura V-O,
enquanto o Mm, no; segundo, Mm pode ter a expresso n1-M1 n2- (M2)2, em que M2
uma unidade de medida menor do que M1, como () li ch sn (cn), seis
2 n para numeral e m para medidor.
38
ps trs (polegadas), com a possvel omisso de M2, enquanto Mg, coletivos no
tm unidades menores.
(8) Quase-Medidor (Mq). Os quase-medidores tambm so chamados de
medidores autnomos. Estes so medidores, porque so antecedidos por numerais
ou outros determinantes, ao mesmo tempo em que se diferenciam de outros
medidores, por serem autnomos, no pertencendo a qualquer classe de nomes.
Por exemplo:
ling gu de rn,
dois pas de pessoa,
pessoa de dois pases
e
ling gu de fn,
duas panelas de comida,
duas panelas de comida.
Chao (1968) observa que pessoa de dois pases significa uma pessoa que
tem dois pases, e no que dois pases tm pessoas; enquanto que a segunda frase
significa que h mais de duas panelas de comida e no uma comida que pertence a
duas panelas. A maioria dos medidores de preciso igual aos medidores-padro,
no sentido de que pode ser seguida de um adjetivo e, no meio, ainda pode ser
inserido um nme, assim. Por exemplo: ()ling nin (nme) chng,
dois anos (assim) longos; ()sn zhn (nme) yun, trs paradas
(assim) longe.
39
Apesar de no ser objeto da presente dissertao, a ttulo de registro e para
mostrar a anlise completa de Chao (1968), citamos que existem classificadores
verbais:
(9) Medidores verbais (Mv). Os medidores verbais demonstram a quantidade
da ao (ou do evento). Podem ser:
(a) o prprio verbo, como kn y kn, olhar um olhar ou dar uma
olhada. (Por isso, a criao de knkn olhar-olhar);
(b) o segmento do corpo que realiza esta ao, como d y qun, bater
um soco;
(c) um instrumento pela qual a ao performada, como fng y jin,
lanar uma flecha.
O medidor verbal o prprio objeto do verbo. Caso haja outro objeto, deve-se
observar se nome ou pronome. O nome posiciona-se aps o verbo; o pronome se
posiciona antes do medidor verbal.
Chao (1968) resume a sua subclassificao de medidores (classificadores) no
quadro 1, abaixo:
40
Quadro 1: Tipos de Classificadores, segundo Chao. Fonte: Chao, 1968, p. 277.
Shao (1993) traz uma viso que se contrape idia dos estudiosos
anteriores, de que a combinao entre os classificadores e os substantivos
meramente uma conveno social. Segundo o autor, por detrs deste costume, h
de se ter uma regra e uma tendncia de uso. Para Shao, muitas pesquisas sobre os
classificadores adotam uma posio esttica, isto , em que apenas o classificador
considerado na descrio e na anlise. Shao (1993), ento, adota o ponto de vista
da semntica dinmica, ou seja, descreve e analisa no s os classificadores, mas
tambm os substantivos, em suas modificaes restritivas e no-restritivas (traos
de seleo), para desenvolver uma anlise semntica dos classificadores. Assim, o
autor estabelece uma rede combinatria de seleo bidirecional entre os
classificadores e os substantivos, bem como trs nveis de seleo dos
>1
Exemplo Duplicao de
Substantivo Listvel
(1) Mc Classificadores ou Medidores individuados
g classificador genrico
() * rn pessoa
(2) Mc Classificador entre o V-O
j frase
() ( ) hu palavra
(3) Mg Medidor coletivo
hng fila/fileira
() ( ) z ideograma
(4) Mp Medidor de segmento
du monte
(*) ( ) t terra
(5) Mo Medidor de volume
gu panela
(*) ( ) min macarro
*
(6) Mt Medidor ocasional
* d cho
* dngx coisa
*
(7) Mm Medidor padro
ch chi
(medida)
() b pano
()
(8) Mq Quase-Medidor
k aula
() * * ()
(9) Mv Medidor verbal tng () * *
41
classificadores. Essa rede revela as caractersticas opostas e complementares dos
quatro grupos semnticos dos classificadores: 1) preciso e impreciso/ambigidade
(fuzzy); 2) polissemia e relaes de sentido; 3) sinonmia e polissemia; 4) concretude
e abstrao semntica dos classificadores. A diferena, na essncia dos
classificadores, o resultado das trocas entre as pessoas, a partir de pontos de vista
e de maneiras diversas, observando as entidades. Inclumos a sua discusso, no
nosso texto, pela importncia de sua contribuio.
Shao (1993) estabeleceu os traos semnticos dos classificadores, em trs
tipos: com contorno, sem contorno e de recipientes. O contorno das entidades,
geralmente, tomado a partir de uma referncia caracterstica e saliente da
percepo visual humana. O autor ainda subdivide os classificadores em
classificadores de forma e classificadores de movimento. Embora diferentes
entidades se distingam na forma, so trs as formas mais empregadas para as
entidades contveis e no-contveis:
ponto como din, ponto - e formas associadas - como k,
esfera; d, gota; xng, migalha; wn, plula, etc.
linha - como xin, linha - e formas associadas - como s, fio;
tio, tira; zhi, galho, etc.
plano - como min, rosto; pin, camada; fng, quadrado;
wng, charco, etc.
Shao (1993), assim como Wang (1955), observa que a maioria dos
classificadores uma derivao dos substantivos. Trata-se de uma classe aberta -
como y, folha, de y y qngzhu, um-CL folha barco -, quando o
42
classificador se combina ao substantivo, tendo uma funo modificadora, no nvel de
descrio, da metfora ou de efeito semntico no texto.
Os classificadores de movimento dizem respeito s entidades que decorrem
de aes relacionadas a verbos, sendo, assim, considerados como modificadores do
substantivo associado. Por exemplo:
chun, conto, cacho; du, empilhamento, monto; di,
empilhamento, etc.
Shao (1993) observa que este tipo de classificador derivado do verbo.
Conquanto que certas entidades no se originem de algum movimento, mas em
funo da semelhana, tambm pode ser utilizado desta forma. Por exemplo:
y chun zhngzh, um-CL conto prolas e y chun
pto, um-CL cacho uva
Shao (1993) observa que a aparncia externa das entidades dinmica e,
muitas vezes, de difcil descrio ou classificao. Outras entidades no tm
nenhuma caracterstica externa saliente. Ento, necessitam ser observadas por um
outro ngulo. Este o tipo de classificador sem contorno definido. O autor dividiu
este grupo de classificadores em quatro subtipos: substituio, emprstimo,
convencional e especializados.
(a) Substituio: de acordo com a parte mais representativa da entidade para
evidenciar o seu todo, isto depende, principalmente, da ligao entre as partes com
o todo da entidade. Por exemplo:
y ku zh um-CL boca porco
y tu ni um-CL cabea bovino
y wi y um-CL rabo peixe
43
(b) Emprstimo: o classificador por emprstimo toma a dinmica, a
ferramenta, a localizao ou o perodo de durao da entidade, para demonstrar a
sua caracterstica. Isto depende, principalmente, da interdependncia entre as
entidades. Por exemplo:
y m x um-CL pano teatral
y do zh um-CL faca papel
(ferramenta)
y chung bi um-CL cama coberta
y zhu ci um-mesa comida
(localizao)
y zhn y um-CL perodo chuva
y rn xinzhng um-mandato distrital
(perodo)
(c) Convencional: o significado e o emprego do classificador esto
consagrados pelo uso. Isto depende, especialmente, da obteno de concordncia
entre os sujeitos e as entidades. A autora rene todas as medidas neste grupo. Por
exemplo3:
du
shung
f
bng
to
bn
nin
j
fn
casal par par bando conjunto turma ano estao minuto
(d) Especializados: estes so os classificadores para indicaes especficas.
Isto depender, em particular, da especificidade de sentido do substantivo (ou de
muitos poucos verbos) que se gramaticalizou em classificador. Por exemplo, para
assunto ou negcio: jin, xing, zhung, etc., como em y jin
shqng um-CL pea assunto; para pessoa ou animal: g, wi, mng, yun
3 A listagem do autor pode ser ainda dividida em trs subgrupos: das entidades que se agrupam em pares, dos classificadores para todo o tipo de agrupamento humano e o grupo das medidas temporais.
44
y mng jiolin; para graduao de classe, categoria, grau, hierarquia:
dng, j, li, cng, pn, como y li rnw um-CL nvel cidado;
para classificao: zhng, tipo; li, classe; yng, amostra, como
y zhng dngx um-CL tipo coisa; para famlia: sh, di, gerao;
bi, posio na linhagem; mn, casamento, etc, como s sh
tngtng quatro-CL gerao viva.
A definio de Shao (1993) para os classificadores de recipientes
semelhante ao que Wang (1955) chamou de termos de contedo e ao que Chao
(1968) chamou de medidores ocasionais. Como tais, estes classificadores so
ocasionais ou tomados por emprstimo, bem como formam uma classe aberta, com
a validade da combinao determinada pelo bom-senso.
O autor ainda dividiu-os em dois subtipos, os recipientes e os aderentes. Para
Shao (1993), o classificador aderente aquele substantivo de lugar, que est em
uma posio sinttica de um classificador e determina o lugar de aderncia da
entidade. Como uma referncia entidade, como um todo, o numeral que
normalmente acompanha estas construes o um. Caso seja uma entidade em
par, tambm pode ser usado o numeral dois. uma classe aberta.
Entidades que estejam em estado lquido ou pastoso e corpos que tenham a
proporo de poeira tm a possibilidade de se aderir a outros corpos. Por exemplo:
y lin hnshu, um-CL rosto suor
y qn xuw, um-CL saia sangue
y tu huchn, um-CL cabea poeira
Shao (1993) afirma que, quando ocorre a combinao entre o substantivo e o
classificador, o substantivo sempre se localiza em uma posio de comando
45
restritivo; impe restries de seleo ao classificador. O contrrio tambm ocorre,
quando o classificador exerce, igualmente, uma fora contra-restritiva ao
substantivo. Estes traos de restrio e contra-restrio semntica especificam as
combinaes possveis, entre os substantivos e os classificadores, em um contexto
dado.
O quadro abaixo sintetiza os tipos de classificadores de Shao (1993):
contorno forma
movimento
substituio
Classificadores sem contorno emprstimo
convencional
especializado
recipientes
recipientes e de locao aderentes
Quadro 2: Tipos de Classificadores, segundo Shao. Fonte: Elaborado pela autora.
Segundo o autor, de acordo com o trao semntico e a possibilidade
combinatria do substantivo, a funo semntica combinatria do classificador pode
ser dividida em trs situaes:
(a) especfica: somente empregvel a um objeto especfico. O significado do
classificador nico, bem como mais concreto. Por exemplo:
zhn, para lmpada; jin, para casa; su, para barco
(b) compartilhada: pode ser empregada a mais de dois objetos. O
classificador polissmico. Na maioria das situaes, estes significados
permanecem e estabelecem uma relao em cadeia. Por exemplo:
46
Classificador Grupo de entidades Exemplo
Pessoa agente, operrio, agricultor, professor, etc. ji
Ramo de atividade indstria, banco, editora, empresa, etc.
Imvel casa, edifcio, fbrica, etc. su Local de trabalho universidade, hospital, igreja, etc. qn Coletivo pessoas, animais, arquiplago
Quadro 3: Exemplo de Funo Semntica Combinatria. Fonte: Elaborado pela autora.
Uma minoria de classificadores composta de homfonos e homgrafos e,
pelo significado, no se consegue perceber uma relao interna. Por exemplo:
Classificador Grupo de entidades Exemplo
Animais montveis cavalo, burro, jegue, camelo, etc. p Produto txtil tecido, seda, cetim, nailom, etc.
Quadro 4: Exemplo de Classificador Homfono e Homgrafo Fonte: Elaborado pela autora.
(c) genrica: envolve os classificadores mais comuns e que podem ser
empregados a vrios tipos de objetos. As suas combinaes com o substantivo so
mais abertas. Este tipo de classificador tem o seu significado mais esvaziado. Dentre
estes, o prototpico o g [+individuado], que pode ser usado para pessoas,
animais, vegetais e mobilirios.
Shao (1993) ainda determinou trs etapas de seleo dos classificadores, que
ocorrem na seleo dos substantivos com os classificadores, devido a vrios
insumos influenciadores. As etapas so:
1. seleo de um grupo de classificador provvel ou potencial, para um dado
substantivo;
47
2. seleo de um classificador especfico, demonstrado atravs de uma
combinao realstica;
3. seleo sinonmica, demonstrado atravs de uma combinao, conforme o
contexto e a vontade do falante.
Como efeito contra o condicionamento dos classificadores aos substantivos,
Shao (1993) descobriu trs regras, descritas abaixo.
1. As caractersticas semnticas codificadas em um classificador sero
transferidas ao substantivo que ele acompanha.
2. Quando um classificador empregado a uma entidade abstrata ou sem
uma forma exterior especfica, este classificador transfere a sua caracterstica
semntica entidade referida.
3. Caso o significado do classificador seja claramente definido, a combinao
de escolha junto ao substantivo nica, mesmo que o substantivo no esteja
explicitado, no ocorrendo mal-entendido. Neste momento, a construo
classificador-numeral pode substituir o substantivo ou, de outro ponto de vista, o
substantivo pode ser elptico. Isto ocorre, principalmente, adicionando o verbo que
restringe, ainda mais, o campo semntico. Desta forma, o significado interno da
construo classificador-numeral fica mais evidenciado.
Shao (1993) constata o emprego de diferentes componentes de um mesmo
grupo de classificadores selecionveis e afirma que este gera, no ouvinte,
sensaes diversas. Segundo o autor, nisto que reside a caracterstica e o
emprego dos classificadores.
De acordo com Shao (1993), para haver uma combinao entre o substantivo
e o classificador, necessrio somente que haja uma interseco de traos. Essa
48
concluso feita a partir da anlise dos traos semnticos de classificadores e de
substantivos. Por exemplo:
Entidade: gua: [+lquido][+multiforme] d, gota: [+lquido][+forma em ponto] wng, charco: [+lquido][+profundidade] tn,praia:[+lquido][+extenso]
[+plano] pin, camada: [lquido][-extenso][+plano] g, madeixa: [lquido]
[+grupo][+longo]
2.3 Abordagens Histricas
Entendemos a lngua como um meio de expresso e produto de interao
entre as pessoas e entre as pessoas e as entidades que as cercam, inseridas em
um dado contexto histrico. Para se chegar a uma abordagem contempornea sobre
os classificadores nominais especficos, segundo a nomenclatura dada por Erbaugh
(1986), faz-se necessrio uma breve descrio histrica da evoluo dos
classificadores na lngua chinesa.
Na literatura, encontramos lingistas como L (1941), Wang (1955), Liu
(1959), Erbaugh (1986), e Chen (1999, 2002), que realizaram uma ampla pesquisa
histrica sobre o surgimento e o uso dos classificadores. Os dados das pesquisas
revelam que, embora os classificadores nominais sejam empregados desde pocas
muito remotas, os classificadores nominais especficos somente iniciaram o seu
desenvolvimento, no perodo das Dinastias Wei, Jin e NanBei, doravante NanBei,
correspondendo aos anos de 220 a 590 da Era Atual (LIU, 1959).
Segundo Liu (1959), o emprego dos classificadores especficos era
extremamente raro na China Antiga (antes de 220 da Era Atual). Estes foram
49
originalmente usados, apenas, para especificar ao mximo os itens concretos,
discretos e contveis, em especial para inventariar bens valiosos, em cenas de
discurso de compra, de comrcio, inventrio, narrao e solicitao de itens ou
aes. Os classificadores especficos so numerosos e variados; mantm esta
funo de discurso at os dias atuais.
Conforme Liu (1959), a categoria, a funo e a estrutura sinttica dos
classificadores nominais especficos se estabeleceram e se desenvolveram na
Dinastia NanBei e se estabilizaram at os dias de hoje. Constituram-se, assim,
como um dos componentes do sintagma nominal, cuja funo sinttica de
complemento (preferencialmente nominal), sendo obrigatrio na ligao entre o
numeral e o substantivo, podendo ser ainda antecedido por um adjetivo.
Segundo Liu (1959), a funo dos classificadores nominais especficos deriva
dos substantivos. No perodo da Dinastia Wei (220 da Era Atual), j se observava
iniciar a normatizao da combinao entre os classificadores e os substantivos. A
funo dos classificadores de qualificar o substantivo e o resultado desta funo
exerceu larga influncia na gramtica do chins-mandarim. Em princpio, no havia a
necessidade da classificao de substantivos no chins-mandarim; em determinado
momento, quando das intensificaes comerciais, devido popularizao do uso de
classificadores de medida, ento, comeou-se a dividir os substantivos em diferentes
pequenos domnios. Segue o exemplo de um excerto:
Dn jing q zh sn bi zhng, b sh gun, m w tng, n w m l (Sushn
j).
50
Mas tire papis trezentos CL para coisas planas, pincis dez CL para
coisas em forma de tubo, tinta cinco CL para recipientes longos, coloquem dentro
de meu tmulo (EM BUSCA DOS DEUSES4, apud LIU, 1959, p. 530).
Este excerto retirado de um romance um exemplo do incio da funo dos
classificadores naquele perodo, isto , a classificao dos referentes de sintagmas
nominais, com base em caractersticas perceptivas dos objetos. Desse modo,
surgiram classes de entidades que, no universo do discurso, atribuiro o significado
dos classificadores classe de coisas relativas boca (pessoas, porcos, etc.),
relativas cabea (burro, boi, cabra, etc.), relativas a plano (papel, mesa, etc...),
etc.
Trata-se do estabelecimento de uma regra, em que a ligao entre o numeral
e o substantivo tem de ser feita atravs de um classificador, que contribui para
explicitar uma dada informao e ajuda a enriquecer a funo retrica do sintagma
nominal, como no exemplo abaixo:
Jingnn w su yu, lio zng y zh chn. (Lu Kai: Poema ao Fan Ye) (LIU,
1959, p. 532).
Em Jiangnan no tem nada, meramente presenteio-lhe com um CL-galho
primavera.
Na tradio chinesa, o poema acima considerado clebre, justamente pela
sua economia, permitida pela referncia implcita flor, atravs do emprego do
classificador zh CL-galho com primavera. Tal efeito s possvel, segundo Liu
(1959), graas ao classificador. Este, segundo a nossa anlise, devido ao modelo
4 A indicao aqui est sendo feita pelo ttulo da obra, conforme citao do autor.
51
metonmico, parte pelo todo do sistema conceitual humano. O galho no poema
representa a flor.
A regularidade do uso dos classificadores especiais entre o numeral e o
substantivo na Dinastia NanBei, comentada acima, representou um grande avano
histrico na evoluo dos classificadores, pois, se antes o uso era eventual, a partir
deste perodo, observou-se uma regularidade (LIU, 1959). De acordo com Liu
(1959), do ponto de vista morfolgico, esta regularidade formou uma nova categoria
gramatical, o classificador. Do ponto de vista sinttico, esta regularidade, apesar de
o numeral e de o classificador estarem ainda pospostos ao substantivo,
desencadeou um novo regramento de construo frasal: para a formao de um
sintagma nominal com a presena das categorias numeral e substantivo, deve haver
um classificador entre eles. A formao e o desenvolvimento dos classificadores,
especialmente o dos classificadores especficos, tiveram uma clara influncia na
gramtica chinesa, gerando a necessidade de se ter classificadores, tambm, como
complemento do ncleo verbal, no nvel do sintagma verbal.
A finalidade deste captulo foi realizar uma reviso da literatura no que tange
aos classificadores, particularmente dos classificadores nominais chineses. Para
responder a esta tarefa, realizamos primeiramente a distino entre classes
nominais e sistemas lxico-sintticos de classificao nominal, exposta por Dixon
(1986); depois disso, apresentamos as anlises semnticas de Lyons (1977), em
que este autor define os classificadores como a classe de palavras que se localiza
entre o numeral e o substantivo, distingue as lnguas classificadoras das lnguas
indo-europias, bem como prope dois tipos de classificadores. Allan (1977, 2001) e
Denny (1976, 1986) foram os autores que mais se debruaram na anlise das
unidades internas dos classificadores nominais. Allan (1977) foi o pioneiro, ao
52
investigar mais de 50 lnguas classificadoras no mundo. Definiu os classificadores
em quatro tipos, com a seguinte caracterstica: [...] denota caractersticas
percebveis ou atribudas a entidade ao qual o nome associado se refere (ALLAN,
1977, p. 285). Organizou as lnguas classificadoras em oito categorias. Centrou-se
nas propriedades inerentes da classe e forneceu uma lista exaustiva de
caractersticas semnticas. Denny (1976, 1986) focou a sua pesquisa dos
classificadores na sua funo interacional e dividiu-os em trs tipos de interaes.
Chegamos concluso de que a hiptese de Allan e a hiptese funcional de
Denny so complementares. Ainda falta, contudo, explicar a sua relao com a
cognio humana.
Segundo o nosso ponto de vista, a reviso da anlise dos classificadores
nominais, realizada por estudiosos chineses, demonstrou que sistematicidade e
generalizaes com as excees justificadas pela conveno social ou hbito de
uso no so condies suficientes e necessrias, para dar conta da explicitao
das razes de variabilidade de uso do classificador, perante a entidade a que se
refere. At o momento, no h uma abordagem cognitiva, em que se tome a
categorizao mental como reflexo do modo com que uma determinada comunidade
percebe as entidades que a cercam. Portanto, nos captulos seguintes, analisaremos
o objeto em questo os classificadores nominais especficos luz de uma nova
proposta: a semntica cognitiva, cujo arcabouo terico-metodolgico
apresentaremos no prximo captulo.
53
3 FUNDAMENTAO TERICA
No captulo anterior, realizamos uma reviso bibliogrfica, e, acreditando que
as abordagens explanadas no do conta do fenmeno de classificao,
apresentamos, a seguir, a abordagem semntico-cognitiva experiencialista.
A cognio a ao e o processo de conhecimento, que envolve a
percepo, a memria, a compreenso e o pensamento humano. Tem uma relao
fundamental com a nossa mente e a reflexo de nosso entendimento do mundo. A
lngua(gem) o produto da mente humana, e a mais caracterstica dentre as
atividades cognitivas humanas (LAKOFF, 1987). Deste modo, na produo da
linguagem, a cognio tem um papel essencial. Com o incremento do conhecimento
obtido da cognio humana, a lingstica cognitiva vem ocupando um lugar nico, na
explanao de vrios fenmenos lingsticos, e ganhando fora continuamente.
Segundo Craig (1986), a anlise dos sistemas de classificao tem sido feita
atravs da abordagem da Semntica Cognitiva, porque esses sistemas podem ser
vistos como uma instncia de um dispositivo lingstico de categorizao. Alm
disso, se o que os classificadores definem so categorias, ento eles devem ser o
caso de uma categorizao evidente na lngua. Neste sentido, o seu estudo pode
contribuir compreenso do fenmeno global da categorizao humana.
O estudo dos sistemas de classificao, em lnguas naturais, tem muito a
contribuir para o avano da compreenso da natureza da categorizao, da
54
cognio humana, e da natureza da estrutura semntica da lngua. Em particular, o
estudo revela que o significado no uma propriedade das elocues, mas um
produto da interao entre uma elocuo e a base de conhecimento dos seres
humanos uma idia que introduz uma importante dimenso relativista ao processo
de interpretao. Esta viso de linguagem e interpretao faz com que a teoria
lingstica seja muito mais relacionada s disciplinas (de carter mais social), tais
como estudos etnogrficos e culturais, do que aquelas abordagens baseadas em
estudos formais, qual a presente pesquisa est associada.
A semntica cognitiva experiencialista preocupa-se com os princpios que
governam os fenmenos lingsticos e, ao se interessar pelas gramticas das
lnguas, d especial ateno aos conceitos que so ou no gramaticalizados pelas
lnguas. Assim, tem uma preocupao pelo modo como compreendemos nossas
experincias e se questiona sobre o porqu de os seres humanos terem o sistema
conceitual que tm. Para um lingista cognitivista, importa concluir [...] as hipteses
relativas organizao conceptual como parte do que caracteriza o sistema
conceptual, [...] sistemas conceptuais com diferentes organizaes, so sistemas
diferentes (LAKOFF, 1987, p. 334).
A fim de expor a teoria semntico-cognitiva experiencialista, que constitui o
arcabouo terico escolhido para a anlise dos classificadores nominais chineses,
este captulo est subdividido em trs sees. Isto ocorre porque se refere a uma
proposta semntica, que o resultado da incorporao de uma srie de princpios e
conceitos. Na primeira seo, apresentamos, de forma sinttica e seletiva, os
fundamentos filosficos. Na segunda seo, expomos os fundamentos cognitivistas,
iniciando pela Teoria Prototpica de categorizao de Rosch, o cerne da Teoria dos
Modelos Cognitivos Idealizados. A seguir, apresentamos as influncias tericas mais
55
diretas, como a semntica de frame, de Fillmore (1985); a teoria da metfora e
metonmia, de Lakoff & Johnson (1980); a teoria dos espaos mentais, de
Fauconnier (1996); e a gramtica cognitiva, de Langacker (1986). Por fim, atravs
das anlises dos classificadores, realizadas por Dixon (1968, apud LAKOFF, 1986,
1987) e Downing (1984, apud LAKOFF, 1986, 1987), descrevemos o funcionamento
dos Modelos Cognitivos Idealizados, em sua tipologia bsica, quais sejam: os
modelos de esquemas de imagens, os modelos proposicionais, os modelos
metonmicos, os modelos metafricos e os modelos simblicos.
3.1 Fundamentos Filosficos
Nessa seo, resumimos a epistemologia que d sustentao filosfica
semntica experiencialista, enfatizando a discusso no segundo Wittgenstein. Esta
discusso est intimamente relacionada ao Realismo Interno de Putnam (1981), do
qual o Realismo Experiencialista da Semntica Cognitiva Prototpica uma
assumida verso. Primeiramente, expomos a teoria de categorizao clssica, para,
a seguir, expor as propriedades wittgensteinianas.
A abordagem da teoria de categorizao clssica baseia-se na idia de que
as categorias so definidas por propriedades comuns. Isto quer dizer que uma
categoria formada pelo conjunto discreto de propriedades, que servem como
condies suficientes e necessrias para a definio da categoria.
Conseqentemente, um objeto um membro de uma categoria, se, e somente se,
tiver todas caractersticas e critrios daquela categoria. Esta abordagem categorial
tem desempenhado um papel central, em vrias teorias formais na sintaxe e na
56
semntica. tambm a principal teoria, que tem se desenvolvido h mais de 2 mil
anos.
A teoria clssica prediz que as categorias so baseadas em propriedades
comuns a todos os seus membros. Isto no est totalmente errado. Freqentemente,
as coisas so categorizadas nessa base. Esta abordagem, contudo, no abarca o
todo. Nos ltimos anos, tem se tornado claro que a categorizao muito mais
complexa do que isso. Desde os anos da dcada de 1960, a teoria clssica de
categorizao tem sido modificada por antroplogos (BERLIN; KAY, 1969; KAY; Mc
DANIEL, 1978), psiclogos (ROSCH, 1978; TVERSKY; HEMENWAY, 1983, 1984),
lingistas (HOPPER; THOMPSON, 1984; LAKOFF, 1987) e filsofos
(WITTGENSTEIN, 1953; PUTNAM, 1981). Graas aos seus esforos e pesquisas,
uma nova teoria sobre a categorizao surgiu, conhecida como teoria prototpica.
Essa teoria afirma que a categorizao baseada em princpios, que vo alm das
asseres da teoria clssica. Iniciaremos pelos pressupostos filosficos para, a
seguir, adentrarmo-nos nas teorias cognitivas.
Wittgenstein da segunda fase (1953, apud LAKOFF, 1987; GIVN, 1986;
OLIVEIRA, 1996) foi o primeiro filsofo a chamar a ateno para o problema da
abordagem da categorizao, pela teoria clssica. As categorias da teoria clssica
so claramente delimitadas, pois todos os membros de uma categoria dada tm
propriedades comuns. Wittgenstein contrape a viso clssica, atravs da anlise
das palavras como nmero e jogo.
Os membros da categoria jogo no compartilham propriedades, em seu todo
comum. Alguns jogos envolvem mero divertimento; em outros, no existe
competio ningum perde ou ganha , embora em outros jogos haja esta
caracterstica. Alguns jogos envolvem sorte; outros, destreza. Em outros, ainda,
57
ambas caractersticas so evidenciadas. Conquanto que os jogos no compartilhem
de todas as propriedades, a categoria jogo formada pelo que Wittgenstein
denominou de semelhanas de famlia. Sabe-se que os membros de uma famlia
se assemelham, entre si, de vrias maneiras: podem compartilhar as mesmas
estruturas fsicas ou ter a mesma caracterstica facial, a mesma cor de cabelo ou de
olhos e, at mesmo, apresentar semelhanas de comportamento. Eles no
precisam, necessariamente, contudo, compartilhar a mesma coleo singular de
propriedades, que caracteriza os membros da famlia. A categoria jogo, neste
sentido, parece-se com uma famlia. Os seus membros assemelham-se em
determinadas caractersticas e distinguem-se por outras, como uma rede.
Wittgenstein tambm observou que no existem limites fixados para a
categoria jogo. A categoria pode ser estendida e novos tipos de jogos podem ser
introduzidos. O filsofo analisa os diferentes usos da palavra jogo e conclui que
estes no possuem uma propriedade comum, que permita uma definio acabada e
definitiva. O que existe so elementos comuns, que se interpenetram. Assim, no h
fronteiras definitivas, no uso das palavras, e sim semelhanas de famlia entre
conceitos (WITTGENSTEIN, 1953, IF 67, apud OLIVEIRA, 1996, p. 130), que,
freqentemente, se apiam entre os vrios membros da mesma categoria, ou entre
as vrias categorias na meta-categoria supra-ordinal