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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM MÁRCIA SCHMALTZ CLASSIFICADORES NOMINAIS CHINESES: UMA ABORDAGEM SEMÂNTICO-COGNITIVA EXPERIENCIALISTA Porto Alegre, agosto de 2005.

Gramatica e Historial Da Lingua Chinesa

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  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

    REA DE CONCENTRAO EM AQUISIO DA LINGUAGEM

    MRCIA SCHMALTZ

    CLASSIFICADORES NOMINAIS CHINESES:

    UMA ABORDAGEM

    SEMNTICO-COGNITIVA EXPERIENCIALISTA

    Porto Alegre, agosto de 2005.

  • 2

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

    REA DE CONCENTRAO EM AQUISIO DA LINGUAGEM

    MRCIA SCHMALTZ

    CLASSIFICADORES NOMINAIS CHINESES:

    UMA ABORDAGEM

    SEMNTICO-COGNITIVA EXPERIENCIALISTA

    Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do Grau de Mestre em Letras, sob a orientao da Prof. Dr. Luciene Juliano Simes.

    Porto Alegre, agosto de 2005.

  • 3

    Jingnn w su yu, lio zng y zh chn.

    Em Jiangnan no tem nada, meramente presenteio-lhe com um galho primavera.

    (Lu Kai: Poema ao Fan Ye)

    Escrito h aproximadamente 1400 anos.

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Minha infinita gratido:

    Aos meus adorados Paulo e Dandara, pela pacincia, compreenso e

    pelo amor;

    minha me, Janete, por ter me levado pela mo, em vrias ocasies

    da vida;

    Aos meus sogros, Francisco e Mariza, pelo apoio e suporte recebidos;

    minha orientadora, Prof Dr Luciene Juliano Simes, por dar

    sempre o melhor de si;

    professora Maria de Lourdes Cauduro, por me guiar nas primeiras

    incurses cientficas e me incentivar a nunca desistir;

    Ao professor Hardarik Blhdorn, pelas primeiras discusses, por

    enviar orientaes, artigos e tanto afeto;

    minha irm, Annie, e aos primos, Marco e Rossana, pelo estmulo;

    Aos professores e colegas do PPGL, pela honra de compartilhar com

    eles momentos to ricos de aprendizagem;

    Aos amigos todos, pelo carinho e ateno;

    Malu Cardinale, pela orientao e encorajamento, no processo de

    escritura.

  • 5

    Ao CNPq, pela bolsa de pesquisa, que permitiu a realizao deste

    trabalho.

    minha av, Luiza Marina, esteja onde estiver, por estar sempre ao

    meu lado e acreditar em mim. Voc estar eternamente em meu

    corao. Saudades eternas.

    A Deus, pelas oportunidades que me concede, pela graa de

    conquist-las e, acima de tudo, pelas pessoas que me acompanham,

    sem as quais nada faria sentido.

  • 6

    RESUMO

    A presente dissertao apresenta a anlise dos classificadores nominais

    especficos chineses, embasada na Lingstica Cognitiva, tendo como arcabouo

    terico a Semntica Cognitiva Experiencialista e a Teoria Prototpica, visando a

    revelar as motivaes semnticas subjacentes e as propriedades de categorizao

    dos classificadores nominais chineses, quando colocados junto a substantivos.

    Foram analisados todos os classificadores nominais, a partir dos modelos da

    Semntica Cognitiva Experiencialista, baseados em Lakoff (1987). A amostragem

    envolveu dados retirados de livros, revistas e internet e da prpria experincia

    vivencial de pesquisadora. Esto descritas as anlises de dez classificadores,

    selecionados pela relevncia cultural e potencial de explicitao dos aspectos

    discutidos. O estudo revela que a combinao de classificadores com substantivos

    no arbitrria, como alguns lingistas chineses acreditam, mas, sim, um reflexo da

    interao humana com o mundo objetivo, baseada na cognio.

    Palavras-chave: Classificadores nominais teoria experiencialista teoria

    prototpica chins.

  • 7

    80

    .

  • 8

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Relao entre os Classificadores zh, p, tu, ku, tio ............................106

    Figura 2: Relao entre os Classificadores mng e wi...........................................110

    Figura 3: Trs Aprovados na Academia Real Chinesa .................................................... 112

    Figura 4: O nico Canho de Montanha que a Longa Marcha do Comando de Armas do 2

    Exrcito da Libertao Nacional levou para o Norte de Shaanxi....................................... 113

    Figura 5: Diagrama do Classificador mn .......................................................................... 120

    Figura 6 : O Monitor pode facilmente virar a 180............................................................ 122

  • 9

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Tipos de Classificadores, segundo Chao. ................................................40

    Quadro 2: Tipos de Classificadores, segundo Shao. ................................................45

    Quadro 3: Exemplo de Funo Semntica Combinatria. ........................................46

    Quadro 4: Exemplo de Classificador Homfono e Homgrafo..................................46

    Quadro 5: Nveis de Categorizao. .........................................................................64

    Quadro 6: Esquema da Metfora do Conduto...........................................................72

    Quadro 7: Modelo de Base........................................................................................81

    Quadro 8: Modelo de Oposio Bsica.....................................................................81

    Quadro 9: Transformao Imagem-Esquema de hon ...............................................83

  • 10

    SUMRIO

    1 INTRODUO.......................................................................................................11

    2 OS CLASSIFICADORES EM CHINS-MANDARIM:............................................16

    UMA REVISO DA LITERATURA...........................................................................16

    2.1 Classificadores nas Lnguas do Mundo.....................................................16

    2.2 Abordagens na Literatura Chinesa.............................................................27

    2.3 Abordagens Histricas ................................................................................48

    3 FUNDAMENTAO TERICA.............................................................................53

    3.1 Fundamentos Filosficos............................................................................55

    3.2 Fundamentos Cognitivos ............................................................................60

    3.2.1 A Teoria Prototpica ........................................................................60

    3.2.2 Outros Princpios Estruturadores dos Modelos Cognitivos

    Idealizados .........................................................................................................66

    3.3 A Semntica Cognitiva Experiencialista de George Lakoff e os

    Classificadores........................................................................................................75

    4 ANLISE DOS CLASSIFICADORES NOMINAIS CHINESES LUZ DA

    SEMNTICA COGNITIVA EXPERIENCIALISTA.....................................................95

    4.1 O Classificador bn ..................................................................................98 4.2 O Classificador su ................................................................................100 4.3 O Classificador k ..................................................................................101 4.4 O Classificador k ..................................................................................103 4.5 O Classificador zh .................................................................................104 4.6 Os Classificadores mng e wi...........................................................106 4.7 O Classificador mn ...............................................................................110 4.8 O Classificador min ..............................................................................121 4.9 O Classificador b ..................................................................................124

    5 CONCLUSO ......................................................................................................129

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................135

  • 11

    1 INTRODUO

    A presente pesquisa faz uma descrio e anlise dos classificadores nominais

    especficos chineses, a partir de uma perspectiva semntico-cognitiva

    experiencialista.

    Os classificadores representam uma classe de palavras, que indica alguma

    caracterstica perceptvel da entidade qual a classificao se refere. Ocorrem na

    forma de um demonstrativo e/ou + um numeral + um classificador, em frente ao

    substantivo que eles modificam. A funo do determinante indicar a posio dos

    seres, em relao s trs pessoas do discurso. O numeral quantifica o substantivo,

    mas a funo do classificador no assim to fcil de especificar. Em anlises

    tradicionais, os classificadores so considerados um subgrupo de medidores, que

    fornecem unidades de contagem. Devido ao fato que os classificadores, usualmente,

    salientam algumas caractersticas das entidades designadas pelos nomes, eles

    tambm desempenham a funo de categorizao de nomes em classes.

    O uso do classificador chins varivel, mais que categrico; isto , um

    mesmo item, como uma cabra, pode ser referido de diversas maneiras: y-zh

    yng, um-CL animal cabra; y-tu yng, um-CL cabea cabra; y-tio

    yng, um-CL longo cabra; y-g yng, um-CL genrico cabra. O mesmo

    falante pode alternar entre diversos classificadoresde acordo com a sua inteno

  • 12

    de comunicao. No exemplo citado, todas essas variantes so traduzidas,

    simplesmente, como uma cabra, em portugus.

    Os classificadores surgiram tardiamente na lngua chinesa, conforme Liu

    (1959), Erbaugh (1986) e Chen (1999). Esta classe decorre da necessidade de

    especificao dos itens, nas transaes comerciais, entre os povos. A especificao

    foi provocada pela necessidade de distines de superfcie, explcitas entre

    substantivos, enquanto a lngua se tornou cada vez mais homfona, por causa da

    massiva fuso fonmica (ERBAUGH, 1986). Como resultado, nasceu essa posio

    sinttico/semntica dentro da lngua.

    Aqui abriremos parnteses, porque adotaremos a definio sinttica para o

    termo palavra, como unidade bsica em chins, conforme proposto por Packard

    (2001). Isto ocorre, porque essa definio sinttica a que mais se aproxima da

    noo intuitiva de palavra. A partir desta noo, as pesquisas demonstram uma

    hierarquia unnime, entre os falantes nativos de chins, em relao a quais

    entidades so aptas para ocupar o espao da posio sinttica, no sentido das

    transformaes de palavras que ocupam a posio de outras classes. O segundo

    motivo que o termo tcnico chins para palavra (c) muito prximo da noo da

    definio da palavra sintaxe.

    Durante a caminhada como professora de chins como Lngua Estrangeira

    (LE), observamos a dificuldade de os alunos adquirirem os classificadores chineses.

    Esta percepo foi o fator motivador da presente pesquisa. A inteno inicial era

    investigar como os aprendizes brasileiros adquirem os classificadores nominais

    chineses; contudo, durante esse percurso, deparamo-nos com o fato de que, para

    atingir a este objetivo, seria necessria uma investigao mais aprofundada e

    sistematizada. Estudos e pesquisas sobre o idioma chins ainda so muito raros, no

  • 13

    Brasil. Deste modo, a presente pesquisa tem como objetivo descrever e analisar os

    classificadores nominais chineses e pretende produzir informaes sobre esta

    subclasse, de tal modo que os dados possam ser consultados pelos alunos, pelos

    professores e por pesquisadores da aquisio de chins como LE.

    Esta dissertao pretende descrever e analisar somente os classificadores

    nominais especficos chineses, porque, primeiro, como foi dito anteriormente, esta

    uma famlia de muitos membros e, sendo numerosa, ela se subdivide em dois

    grandes grupos: os classificadores nominais e os classificadores verbais. Os

    classificadores nominais, por seu turno, so divididos em medidores e em

    especficos. Como os medidores so universais lingsticos, aqui nos deteremos no

    que relevante e de difcil aquisio pelos aprendizes: os classificadores nominais

    especficos.

    Atravs da reviso da literatura, vimos que os estudiosos, imbudos pela

    sistematicidade, tenderam a generalizar quais entidades podem se combinar com

    quais classificadores. Suas teorias no so suficientes, contudo, para satisfazer o

    nosso desejo de saber o porqu dessas possibilidades de escolhas e se h sistemas

    implcitos organizados.

    Para poder responder a estas questes, encontramos o aporte na Semntica

    Cognitiva, porque essa abordagem leva em conta a lngua, como um dos tantos

    aparatos da cognio humana, para que possamos discernir, compreender e

    comunicar. Alm disso, buscamos desenvolver a abordagem, de modo relacionado

    histria, experincia e categorizao. Assim, o nosso embasamento filosfico

    em Wittgenstein, de segunda fase; no Realismo Interno, de Putnam; e, no plano da

    Lingstica, est vinculado Semntica Cognitiva Prototpica, de Lakoff.

  • 14

    O presente estudo estruturado em cinco captulos, organizados da seguinte

    forma. Neste captulo um, introduzimos o assunto, acompanhado de uma breve

    apresentao do arcabouo terico adotado e das motivaes para realizar a

    investigao.

    No captulo dois, fazemos uma reviso bibliogrfica dos estudos mais

    relevantes sobre os classificadores, por lingistas, percorrendo Lyons (1977), Allan

    (1977), Denny (1976), com nfase nas anlises realizadas por diversos lingistas

    chineses. apresentada uma distino entre os classificadores e os medidores.

    No captulo trs, apresentamos os fundamentos tericos da Semntica

    Cognitiva Experiencialista, subdividindo em dois planos, o de fundamentos filosfico

    e o cognitivo. No plano filosfico, abordamos s propriedades wittgensteinianas da

    proposta, demonstradas, sobretudo, pelas suas ligaes com o Realismo Interno de

    Putnam, do qual o Realismo Experiencialista uma assumida verso. No plano dos

    fundamentos cognitivistas, apresentamos a Teoria Prototpica da categorizao, de

    Rosch, o cerne da Semntica Cognitiva Experientalista, verso proposta por George

    Lakoff (1987). A seguir, apresentamos as influncias tericas mais diretas, como a

    semntica de frame, de Fillmore; a teoria da metfora e metonmia, de Lakoff e

    Johnson; a teoria dos espaos mentais, de Fauconnier; e a gramtica cognitiva, de

    Langacker. Por fim, atravs das anlises dos classificadores em outras lnguas,

    descrevemos o funcionamento dos Modelos Cognitivos Idealizados, em sua tipologia

    bsica, quais sejam: os modelos de esquemas de imagens, os modelos

    proposicionais, os modelos metonmicos, os modelos metafricos e os modelos

    simblicos.

    No captulo quatro, analisamos alguns classificadores nominais chineses, com

    base na Semntica Cognitiva Experiencialista. Os dados utilizados foram extrados

  • 15

    de livros, jornais, revistas, Internet, bem como de informao prestada por

    colaboradores e da prpria experincia vivencial da pesquisadora. A ttulo de

    consulta, utilizamos o Dicionrio de Classificadores de Jiao (2001), em que se

    encontram 178 classificadores e medidores mais empregados no chins-mandarim

    contemporneo, centralizando a pesquisa nos classificadores especficos. Foram

    analisados todos os classificadores nominais, mas esto descritas as anlises de

    dez classificadores, selecionados pela relevncia cultural e potencial de explicitao

    dos aspectos discutidos.

    Em termos de descrio, importante destacar, aqui, algumas convenes

    tipogrficas. Um asterisco (*) indica que a expresso lingstica inaceitvel, seja no

    campo semntico ou sinttico. Expresses de aceitabilidade questionvel so

    precedidas por um sinal de interrogao (?). As expresses lingsticas em chins

    foram transcritas em pinyin, alfabeto fontico chins, e escritas em corpo itlico,

    sendo a sua respectiva traduo feita entre aspas ( ). Expresses como unidades

    de palavras, unidades nominais, medidores so denominaes de outros perodos,

    para o mesmo referente, conhecido atualmente como classificador. Alm disso, as

    tradues de todas as citaes de trechos em Lngua Inglesa e Chinesa, contidas

    neste trabalho, so de nossa inteira responsabilidade.

    Na concluso, retomamos pontos levantados, apresentamos o contraponto

    com os objetivos deste trabalho, em seus aspectos mais relevantes, e trazemos

    algumas pistas para futuras pesquisas. Desejamos uma boa leitura.

  • 16

    2 OS CLASSIFICADORES EM CHINS-MANDARIM:

    UMA REVISO DA LITERATURA

    2.1 Classificadores nas Lnguas do Mundo

    Para falar em sistema de classificadores nominais, deve-se, primeiro,

    distinguir dois fenmenos semelhantes em termos semnticos, mas diferentes em

    termos gramaticais, conforme observa Dixon (1986). Existe a categoria gramatical

    classes nominais, que exibe fenmenos referentes aos sistemas de gneros. Nestes

    sistemas, cada substantivo escolhe, dentre um pequeno nmero de possibilidades, a

    que subcategoria pertencer, marcando, atravs de prefixos ou sufixos, a inflexo.

    Outro fenmeno, do ponto de vista formal, o conjunto dos sistemas lxico-

    sintticos de classificao nominal, que inclui os classificadores nominais. Estes so

    lexemas independentes e livres, que podem ser colocados junto a um substantivo,

    em certos ambientes sintticos.

    Segundo Dixon (1986), ambos os fenmenos fornecem informaes sobre o

    aspecto fsico, tamanho, forma e animao; a funo, como alimentao ou

    vesturio; as categorias cognitivas; os papis sociais; e a forma de interao. Essas

    informaes contribuem para construir o significado do sintagma, em termos

    denotativos.

  • 17

    Outros autores tambm deram nfase aos classificadores nas lnguas do

    mundo. O uso de classificadores tem sido considerado um fenmeno universal, por

    muitos lingistas (GREENBERG, 1972 apud LYONS, 1977, p. 464; LYONS, 1977;

    ALLAN, 1977, etc.). A distino entre lnguas classificadoras e lnguas no-

    classificadoras, feita por Lyons e Allan, leva noo de que os classificadores

    ocupam uma posio nica, na gramtica de muitas lnguas.

    Lyons (1977) dedica parte de seu estudo aos classificadores nominais,

    porque essa categoria no faz parte das gramticas da maioria das lnguas indo-

    europias. Os princpios de individuao so universais e independentes, e o que

    varia a forma dessa distino gramatical entre as lnguas. Assim, para o autor, o

    termo classificador empregado para designar aquela classe de palavra que se

    localiza entre um numeral e um substantivo: Os classificadores so comparveis em

    funo sinttica a palavras como charco ou libra em sintagmas como dois

    charcos de gua, aquele charco de gua, trs libras de manteiga (LYONS,

    1977, p. 186). So usados obrigatoriamente, porm, no apenas com os nomes que

    denotam substncias amorfas ou espalhadas, como a gua ou a manteiga, mas

    tambm com nomes que denotam classes de indivduos. Isto ocorre de tal modo que

    se traduziria a expresso trs homens, de maneira a sugerir uma anlise

    semntica do tipo trs pessoas homem.

    Lyons (1977), seguindo a sua explanao, afirma que construes com os

    classificadores so muito similares, tanto sinttica como semanticamente, s

    construes como cinco cabeas de gado, trs resmas de papel ou aquele lote

    de ferro, em portugus e ingls, por exemplo. Diz que cabea, resma e lote, em

    construes deste tipo, exercem a mesma funo de individuao e enumerao

    como os classificadores de tzeltal ou do chins-mandarim, etc. Afirma que a

  • 18

    diferena entre as chamadas lnguas classificadoras e o ingls, por exemplo, que,

    no ltimo, assim como na maioria das lnguas indo-europias, existe uma distino

    gramatical entre substantivos contveis e no-contveis. O autor ainda sinaliza que,

    de um ponto de vista semntico, a gramaticalizao de contabilidade baseia-se no

    condensamento do componente entidade, no significado de quaisquer lexemas que

    sejam tratados gramaticalmente como um substantivo contvel: garoto, cachorro,

    rvore, etc. Segundo o autor, importante perceber que a categoria gramatical de

    contabilidade, assim como a categoria gramatical de nmero (singular versus plural,

    etc.), um dos diversos dispositivos inter-relacionados, usados na lngua para a

    construo de expresses referenciais. O que todos estes dispositivos tm em

    comum que so baseados na - ou pressupem a - possibilidade de individuao e

    de enumerao.

    Lyons (1977) cita o exemplo do chins-mandarim, como lngua-classificadora,

    na qual o classificador obrigatrio, no somente entre o numeral e o substantivo,

    mas tambm entre o demonstrativo e o substantivo. O autor observa que, nessa

    lngua, existe um classificador especial pluralizador, que ocorre com os

    demonstrativos (mas no com os numerais) e substitui semanticamente o

    classificador apropriado, que seria usado em construes no plurais

    (GREENBERG, 1972). Por exemplo, (i) um livro, (ii) trs livros, (iii) este livro e

    (iv) estes livros so traduzidos para o chins-mandarim como (i) y bn sh,

    (ii) sn bn sh, (iii) zh bn sh e (iv) zh xi sh. A palavra

    bn o classificador usado, segundo o autor, para objetos com superfcie plana,

    embora xi possa ser usado para qualquer tipo de pluralizao ou coletividade.

    Uma outra generalizao que pode ser feita, segundo Lyons (1977), que, na

    maioria, seno em todas as lnguas-classificadoras, existe, alm do classificador

  • 19

    especializado semanticamente para a referncia a entidades particulares (por

    exemplo, seres humanos, animais, plantas, objetos planos, etc.), um classificador

    semanticamente neutro. Este pode ser empregado (no lugar do classificador

    especializado apropriado semanticamente), com referncia a todas as classes de

    entidades. A palavra g, por exemplo, usada desta maneira, em chins-mandarim.

    Lyons (1977) prope dois tipos de classificadores: de classe e de medida. O

    autor define o de classe, como aquele que individualiza o substantivo, em termos do

    tipo de entidade, ou agrupa as entidades em tipos. J o classificador de medida

    apresentado como aquele que individualiza, em termos de quantidade. O termo

    classe demonstra que o autor realizou, implicitamente, a categorizao da natureza

    dos classificadores e comparou-os com os artigos definidos e adjetivos

    demonstrativos de lnguas no-classificadoras. Ele concluiu que ambos formam

    descries definidas e que podem ser usados em funes pronominais, em

    referncia ditica e anafrica. Lyons (1977) justifica esta afirmao, citando

    Greenberg (1977, apud LYONS, 1977, p. 464): [...] o ncleo nominal pode ser

    suprimido quando este j foi previamente mencionado ou devido ao contexto

    lingstico. Ele ainda faz a seguinte ponderao:

    Em muitos casos, o classificador o ncleo, mais do que um modificador, nas construes em que ele ocorre. Isso faz com que classificadores de classe se tornem semelhantes a determinantes. Os determinantes, apesar de seu tratamento convencional como modificadores do substantivo, podem freqentemente ser considerados, de um ponto de vista sinttico, como ncleos melhores do que os modificadores (LYONS, 1977, p.464).

    O autor conclui dizendo que, assim como h uma conexo, tanto sinttica

    como semntica, entre os classificadores de medida e os quantificadores, h

  • 20

    tambm, em muitas lnguas, uma conexo sinttica e semntica entre os

    classificadores de classe e os determinantes.

    Ainda sobre os classificadores de classe, Lyons (1977) observa que as

    categorias mais comuns, observadas nas lnguas classificadoras, envolvem a forma.

    Neste sentido, a ordem seria uma, duas e trs dimenses, respectivamente; depois

    viria o tamanho, seguido pela textura. O autor ressalta, ainda, que princpios

    funcionais de classificao por classe so mais difceis de serem identificados e

    comparados intralnguas, pois so culturalmente dependentes; contudo, poderia ser

    observada a caracterstica de ser comestvel, identificada em todas as lnguas.

    Os termos de medida de vrios tipos so encontrados em muitas lnguas.

    Muitas vezes, para surgirem, eles necessitam ter, proximamente, quantificadores,

    acompanhando-os. Para Lyons (1977), uma entidade uma unidade quantificvel

    de classe, ou classes, a qual pertence; um montante ou quantia de alguma massa

    como gua, dinheiro ou usque pode tambm ser tratado como uma unidade

    individualizada, re-identificada e enumervel. Lnguas que gramaticalizam a

    distino entre substantivos que denotam entidades individuadas e substantivos que

    denotam entidades de massa tendem a distinguir, sintaticamente, frases como trs

    homens, por um lado, e trs copos de usque, por outro lado. J as lnguas

    classificadoras no os distinguem: estas tratam entidades numerveis e entidades

    de massa da mesma maneira. Ainda, o significado mais apropriado que se pode

    extrair de um classificador de classe semanticamente neutro unidade, mais do

    que entidade. Para Lyons (1995), os atributos funcionais aqueles que fazem as

    coisas serem teis a ns, para propsitos particulares so, com freqncia,

    gramaticalmente (ou semigramaticalmente) codificados em classificadores ou em

    gneros de lnguas que tm tais categorias.

  • 21

    Allan (1977) e Denny (1976) apresentaram uma ampla anlise das unidades

    internas das propriedades fundamentais dos classificadores nominais. Allan (1977)

    tornou-se pioneiro, pela sua investigao em mais de 50 lnguas classificadoras no

    mundo. Ele realizou uma comparao dos tipos de coisas que so agrupadas pelos

    classificadores. O autor definiu os classificadores, segundo dois critrios: (a) eles

    ocorrem como morfemas em estruturas superficiais, sob condies especficas; (b)

    eles tm significado, no sentido que um classificador denota alguma caracterstica

    saliente, perceptvel ou imputada, da entidade a qual um substantivo associado se

    refere (ou que pode ser referido). Embora possa se dizer, em um sentido lato, que

    em todas as lnguas existem classificadores, em um sentido restrito, as lnguas

    classificadoras se distinguem pelos critrios: (a) tm classificadores, alguns

    funcionam somente em construes restritas a classificadores, embora existam

    classificadores que funcionam em outros ambientes; (b) eles pertencem a um dos

    quatro tipos de lnguas classificadoras: (i) lnguas classificadoras numerais, (ii)

    lnguas classificadoras concordantes, (iii) lnguas classificadoras predicativas e (iv)

    lnguas classificadoras intralocativas.

    Allan (1977) encontrou semelhanas entre classificadores para substantivos,

    em muitas lnguas geograficamente distintas e sem nenhuma relao entre si - da

    frica, das Amricas, da sia e da Oceania - e em lnguas sintaticamente distintas,

    no seu sistema de classificadores. Certos morfemas ou palavras so usados para

    denotar uma caracterstica perceptvel ou imputada entidade a qual um substantivo

    associado se refere. Esta constatao no surpreendente para o autor, j que ele

    parte do ponto de vista de que a percepo humana geralmente similar e estimula

    a classificao cognitiva do mundo.

  • 22

    O autor atribui a natureza das noes semnticas operao de princpios

    cognitivos (ALLAN, 1977). Assim, concentra-se nas propriedades inerentes de uma

    classe a que todos (ou, no mnimo, a maioria) os membros participem e fornece uma

    lista exaustiva de caractersticas semnticas, as quais servem como base, para a

    classificao nas lnguas naturais. Ele ilustra a recorrncia de caractersticas

    particulares, em diferentes lnguas, embasado na faculdade perceptual humana;

    explicitamente tratando as classes de nomes como categorias embasadas

    cognitivamente. Allan (1997) nota que, com poucas excees, essas propriedades

    so propriedades inerentes, mais do que contingentes, de um objeto. Sugere que

    as caractersticas distintivas de uma lngua classificadora envolvem a possesso de

    um sistema gramatical, que agrupa os substantivos de acordo com as suas

    caractersticas inerentes. As oito categorias de classificao de Allan (2001) so:

    material (constituio), funo, forma, consistncia, tamanho, locao, arranjo e

    quanta.

    Para Denny (1986), os substantivos referem-se a determinado tipo de

    entidade individual ou de massa e a alguma propriedade que as coisas tm,

    enquanto os classificadores representam uma unidade ou variedade daquele

    indivduo ou massa. Os classificadores tm duplo papel: o papel quantificativo e

    classificativo, que explicaremos adiante.

    Ritchie (1971, apud DENNY, 1986, p. 298) afirma que um classificador

    expressa um indivduo ou uma instncia, de uma substncia indicada pelo

    substantivo. Denny (1976, apud LAKOFF, 1987, p. 112) observa que

    [...] a funo semntica dos classificadores nominais a de colocar os objetos dentro de um conjunto de classes diferentes e adicionais daquelas dadas pelos substantivos. Essas classes tratam principalmente de objetos que participam em interaes humanas.

  • 23

    Denny (1986) dividiu os classificadores em trs tipos semnticos bsicos,

    todos relacionados com a forma de interao humana: i) de interao fsica, como

    manipulao; ii) de interao funcional, atravs do uso de objetos; e iii) de interao

    social, que pode ser percebido em casos de comparao entre um humano e um

    animal, ou entre diferentes classes sociais. Denny (1986) argumenta que a variao

    dos classificadores de interao fsica est relacionada com o tipo de atividades

    fsicas significantes, realizadas em dada cultura. Segundo o lingista, as distines

    de animao, na sociedade, so feitas porque alguns de seus membros devem agir

    diferentemente de acordo com o seu papel social, em relao a outro membro da

    sociedade. O autor tambm observa que, mesmo as classes inanimadas, so

    basicamente embasadas na interao das pessoas com os objetos. Cada objeto tem

    um grande nmero de caractersticas distintivas, e as lnguas podem diferir na

    escolha de quais destas caractersticas so importantes para os propsitos

    classificatrios. Por exemplo, a palavra mesa pode ser classificada como objeto

    tridimensional, como ocorre no malaio, mas mais freqente ser categorizada como

    bidimensional, j que a superfcie plana da mesa a forma com a qual as pessoas

    interagem ou usam a mesa, como observado no chins-mandarim.

    Para Denny (1986), os classificadores nominais, em combinao com a

    entidade, determinam composicionalmente o significado dos substantivos que eles

    classificam. O autor afirma que os classificadores nominais expressam o argumento

    do falante, para o tipo de coisa sobre a qual ele est falando. Isto comunica as

    expectativas sobre os predicados que ele pode atribuir para aquela coisa, o que o

    lingista denomina de papel classificatrio. O falante restringe o domnio, a partir do

    qual o referente delineado. Ele se constitui atravs de alguma especificao

    (unidade, parte, mltiplo, medida ou classe) e integra alguma classe em particular,

  • 24

    que o lingista denomina de papel quantificativo. Restringindo o domnio do

    quantificador para este tipo, expresso pelo classificador, parece ser reforado o foco

    sobre alguma classe de coisas. Assim, fica delineada a ateno para predicados que

    podem ser aplicados aos seus membros.

    Neste sentido, na expresso em burms um cacho de bananas, o

    classificador cacho significa unidades de cachos e o substantivo somente lhes d

    a propriedade de bananas. Denny (1986) acredita que isto ajuda a entender o

    fenmeno das palavras de medidas, em ingls: a frase sheet of paper, folha de

    papel, sugere que o papel um nome de massa, enquanto ream of paper, resma

    de papel (para 500 folhas), indica que ele um nome contvel. Se ns

    considerarmos, contudo, papel apenas como um predicado, ento sheet, folha,

    significa unidade (de classe bidimensional) e ream, resma, significa 500 folhas.

    Isto ajuda a perceber que os classificadores estabelecem dois tipos de quantificao

    para a varivel que eles expressam. Primeiro, h o tipo de unidades que a varivel

    diversifica ou unidades, partes, mltiplos, medidas ou tipos e segundo, a classe

    de tais unidades qual a varivel restringida. No exemplo, em ingls, com a

    palavra de medida sheet, folha, o primeiro componente de quantificao

    unidade e o segundo bidirecional. J no exemplo do classificador em burms,

    cacho, o primeiro mltiplo e o segundo alguma coisa do tipo [...] um n

    fisicamente crescido de uma planta. (DENNY, 1986, p. 301)

    Denny (1986) ainda cita os dados de tailands, da pesquisa realizada por

    Conklin (1981, apud DENNY, 1986, p. 301). Nesta pesquisa, os classificadores so

    introduzidos, quando buscada uma referncia a indivduos particulares, e so

    suprimidos, quando tal referncia no necessria. Isto confirma a viso de que os

    classificadores se referem ao conjunto de indivduos. Igualmente, Conklin (1981,

  • 25

    apud DENNY, 1986, p. 301) demonstra vrias evidncias que indicam que os

    substantivos so suprimidos, quando a propriedade expressa pelo substantivo no

    a questo. Em geral, os substantivos so mais freqentemente suprimidos em frases

    numerais, do que os classificadores. Isto o que se pode depreender da sua teoria,

    no sentido de que os classificadores se referem aos indivduos sendo enumerados,

    embora substantivos somente expressem alguma propriedade que eles tenham.

    Substantivos so regularmente apagados, quando a referncia repetida a alguma

    coisa. Por exemplo: khun hn pt ki tua?, Quantos patos que voc v?, hk tua,

    seis neste caso, tanto o substantivo pt, pato, quanto o classificador tua,

    animal, aparecem na questo, mas somente o classificador repetido na resposta.

    Nesta pergunta, nota-se que, uma vez que o substantivo se estabeleceu como

    propriedade pato, no se faz necessria a sua repetio, mas a referncia ao

    domnio de indivduos, dada por tua, animal, ainda essencial para o quantificador

    hk, seis. Por outro lado, Conklin (1981, apud DENNY, 1986, p. 301) relata que os

    substantivos so mantidos, quando modificados por um adjetivo, presumidamente

    porque ele essencial, para expressar a propriedade que est sendo modificada.

    As observaes de Denny ajustam-se perfeitamente s observaes de

    Rosch (1977), sobre a categorizao de nvel bsico. O que estas pesquisadoras

    encontraram que a categorizao neste nvel depende da natureza da interao

    humana cotidiana, bem como do ambiente fsico e da cultura. Os fatores envolvidos

    na categorizao de nvel bsico incluem percepo gestltica, interao motora,

    imagens mentais e importncia cultural. Consideradas conjuntamente, essas

    observaes apiam a viso de que o sistema conceitual humano dependente e

    intimamente ligado experincia fsica e cultural. Isto nega a viso clssica de que

  • 26

    os conceitos so abstratos e distantes dessas experincias, como veremos mais

    detalhadamente no captulo trs.

    A hiptese perceptiva de Allan e a hiptese funcional de Denny, citadas

    acima, no so incompatveis, mas complementares. Allan (1977) restringe o

    conjunto de sistemas possveis pela limitao do mbito das classes, mas Denny

    traz de volta a relatividade cultural, com toda a fora. No h, em princpio, nenhuma

    limitao em classes na abordagem funcional, desde que no haja restrio na

    funo possvel de um objeto em uma cultura. Assim, o tratamento satisfatrio de

    animacidade encontra o seu caminho na abordagem funcional de Denny.

    A salincia cognitiva determina classes de objetos inanimados; a similaridade

    funcional determina classes de humanos. Realmente, as propriedades do quadro de

    Allan (1977) so freqentemente associadas com a interao funcional. Essas

    propriedades podem indicar como os seres humanos interagem com os objetos. A

    forma e a consistncia material de um objeto so obviamente importantes, para o

    uso a que este proposto. Por outro lado, no existe nenhum caso em que a

    interao humana com um objeto diferente, devido a sua cor. Ento, no existem

    classificadores baseados naquela caracterstica. Neste sentido, pode-se afirmar que

    a interao fsica de Denny inclui todas as categorias de Allan; a interao social de

    Denny inclui a relao familiar e o status; e a interao funcional relaciona-se a

    propriedades funcionais.

  • 27

    2.2 Abordagens na Literatura Chinesa

    Os classificadores nominais chineses, muitas vezes, ocorrem na forma de

    numeral + classificador ou na forma de determinante + classificador, em frente ao

    substantivo que eles modificam. A funo do numeral quantificar o substantivo, e a

    funo do determinativo a de definir a referencialidade do substantivo. A funo do

    classificador, contudo, no assim to fcil para especificar.

    Os classificadores nominais podem ser divididos em classificadores de

    medida, como sn jn xingjio, trs quilos de banana, ou sn bi

    shu, trs copos de gua. Estes so universais lingsticos, encontrados em todas

    as lnguas, quantificando os substantivos de massa nomes no-contveis, ou seja,

    [...] referem-se a grandezas contnuas, descrevendo entidades no-suscetveis de numerao. Trata-se de referncia a uma substncia homognea, que no pode ser expandida em indivduos, mas apenas em massas menores, e que pode ser expandida indefinidamente, sem que sejam afetadas suas propriedades cognitivas e categoriais (NEVES, 2000, p. 82).

    J os classificadores especficos, nomenclatura dada por Erbaugh (1986),

    modificam os substantivos contveis, concretos, bem como os substantivos

    abstratos, perodos de tempo e aes. Esses no tm equivalente em lnguas indo-

    europias. Quando o falante de chins se refere a animais, por exemplo, pode tomar

    zh, como classificador para indicar a categoria animal. o que ocorre em ni-

    zh gu, aquele-CL animal cachorro ou aquele cachorro. possvel, tambm,

    optar, para a mesma entidade (ou o mesmo cachorro), pela referncia forma e,

    ento, ser utilizado o classificador tio, para designar entidades de forma

    alongada.

  • 28

    Em anlises gramaticais e lingsticas chinesas, h diversidade de opinies,

    quanto a sua nomenclatura e a sua categorizao. Por exemplo: para alguns

    autores, os classificadores so considerados um subgrupo de palavras de medida,

    as quais fornecem unidades de contagem, enquanto, para outros, devido ao fato de

    que os classificadores usualmente revelam algumas caractersticas das entidades

    designadas pelos nomes, eles tambm desempenham a funo de categorizao de

    nomes em classes. Assim, autores como Li (2001), Erbaugh (1986) e Hopper (1986)

    afirmam que a escolha de um classificador pode no se restringir apenas a uma

    questo de determinao gramatical. Antes, ele pode ser discursivamente e/ou

    pragmaticamente sensitivo, tendo efeitos no nvel discursivo. Este conceito no

    levado em conta nas abordagens gramaticais, segundo a reviso da literatura

    realizada.

    Os classificadores chineses podem ser subdivididos em dois grandes grupos:

    classificadores nominais e classificadores verbais. Aqui, nos propomos a apenas

    descrever o sistema dos classificadores nominais e, particularmente, os especficos,

    j que os de medida so universais lingsticos. Alm disso, o recorte se justifica

    pelo fato de que se tem observado dificuldade na aprendizagem, para os alunos

    que, em suas lnguas, no lidam com essa distino gramatical.

    Feitas essas observaes, iniciaremos a anlise dos classificadores nominais

    especficos chineses, atravs de uma reviso da literatura, a partir de estudiosos

    chineses, seguindo a linha do tempo.

    Na primeira gramtica, escrita por Ma (1898), os classificadores ainda no

    possuam a denominao atual. Estavam categorizados como uma subclasse de

    adjetivos, por terem uma funo modificadora quantitativa para o substantivo (MA,

    1898, p. 78). A reviso da literatura indica que a gramtica chinesa ainda no tentou

  • 29

    uma abordagem mais cognitiva, ou seja, como um sistema de categorizao mental,

    que reflete como uma determinada comunidade percebe as entidades que a cercam.

    Classificadores ou medidores?

    Gramticos chineses de diferentes pocas, como L (1941), Wang (1955),

    Chao (1968), Ding (1979), Zhu (1982) e Fang (2001) indicam os classificadores

    como uma subclasse dos numerais ou de numeral-medidores.

    L (1941), em uma primeira abordagem sobre o sistema de classificadores,

    denomina os classificadores como palavras de unidade, uma subclasse de

    medidores numerais, localizada sintaticamente entre o nmero e o substantivo. Em

    sua pesquisa comparativa entre a lngua escrita clssica e moderna chinesa, o autor

    observa que, na Antigidade, os numerais podiam estar diretamente ligados s

    entidades contveis, para demonstrar a quantidade, enquanto que, entre os

    numerais e as entidades de massa, era colocada uma palavra de unidade de

    medida, como os equivalentes chineses a metro, balde, hectare, entre outros.

    Erbaugh (1986) observa que o uso de classificadores era bastante raro na

    China Antiga. A autora lembra que isto ocorria, exclusivamente, para especificar ao

    mximo os itens contveis, concretos e discretos; particularmente para inventariar

    bens; e especialmente quando os itens no estavam presentes na cena discursiva

    entre os falantes. Wang (1955) observa que a partir das dinastias Yuan e Ming

    (1206-1644) que comea a se popularizar o uso de classificadores.

    Contemporaneamente, especialmente na lngua oral, a colocao do classificador

    entre um numeral e o substantivo obrigatria. Os estudiosos, entretanto, no

    oferecem nenhuma explicao para este fenmeno observado. Na presente

    dissertao, contudo, pretendemos, ao final, apresentar uma explicao, seguindo

    uma abordagem semntico-experiencialista, abordada no captulo 5.

  • 30

    L (1941) divide em oito tipos o que chama de unidades de palavras:

    (1) Unidade de pesos e medidas:

    m, metro: y m b, *um metro pano;

    (2) Unidades de emprstimo de recipientes e utenslios (pela sua forma ou

    pela forma de seu manuseio):

    bi, copo: y bi ji, *um copo vinho;

    (3) Unidades de emprstimo de verbos:

    pn, prato: y pn xing, *um prato incenso;

    (4) Unidades com caractersticas coletivas:

    du, time, peloto: y du bng, *um peloto soldados;

    shung, par: y shung xi, *um par sapatos;

    (5) Unidades relacionadas com a quantidade de tempo:

    zhn, perodo: y zhn fng, *um perodo de vento ou uma

    ventania;

    (6) Unidades cujo nome uma parte da entidade:

    tu, cabea: y tu ni, *uma cabea boi;

    (7) Unidades de acordo com o formato: se for longo, emprega-se gn ou

    tio, se fino e plano, emprega-se pin, se for mais tridimensional, emprega-se

    kui, se pode ser segurado, emprega-se b, e assim sucessivamente. O autor

    esclarece que muitos empregos no tm explicao, justificam-se pelo hbito de

    uso.

    (8) Unidades genricas:

    g: o de emprego mais amplo. Pode ser utilizado tanto para pessoa

    quanto para os objetos.

  • 31

    wi: de uso exclusivo para pessoas. Contm significado de respeito.

    jin: empregado para coisas materiais e substantivos abstratos.

    Ding (1979) segue o mesmo raciocnio de L; contudo, agrupa os

    classificadores em quatro subclasses e denomina-os classificadores de medidores:

    (1) medidores de individuao, equivalentes s subclasses (3), (5), (6), (7) e (8) de

    L; (2) medidores coletivos, equivalentes subclasse (4) de L; (3) unidades de

    medidas, equivalentes subclasse (1) de L; e (4) medidores ocasionais,

    equivalentes subclasse (2) de L. Tanto Ding (1979) quanto Zhu (1981) falam de

    uma subclasse de medidores de quantidade indeterminada, como xi, para pouca

    quantidade, e din, para uma quantidade menor que xi. Esta subclasse

    tambm discutida por Lyons (1997)

    Alguns autores, como L, Ding, Zhu, misturam as unidades de medida, que

    so universais lingsticos, com aquilo que particular, os classificadores. Wang

    (1955) chamou de unidades nominais o que, atualmente, se chama de

    classificadores; tambm classificou essas unidades, a partir de critrios similares aos

    de L, porm de forma mais simples.

    A discusso mais completa sobre os classificadores realizada por Chao

    (1968). Este lingista analisa os classificadores, de acordo com a sua funo na

    frase. As marcas morfolgicas, para Chao (1968), so secundrias.

    O autor inicia a sua discusso, a partir da diviso das palavras em classes

    abertas e fechadas. As palavras de classes abertas tm baixa ou mdia freqncia

    de ocorrncia e, em chins, tm tons. J as palavras de classes fechadas so

    aquelas listveis, com alta freqncia de ocorrncia, sendo a maioria de tom neutro.

    Chao (1968) afirma, ainda, que a questo classe dos nomes pode ser subdividida

    em entidades individuadas e em entidades de massa. O autor observa que as

  • 32

    entidades individuadas podero ser acompanhadas, segundo a sua nomenclatura,

    de medidores individuadores1, enquanto as entidades de massa so acompanhadas

    por medidores de contagem. Por exemplo: as entidades individuadas podero estar

    acompanhadas do medidor g ou, no mximo, por dois ou trs outros medidores,

    como y g gu, um - M genrico cachorro, y tio gu, um - M para

    coisas longas cachorro, y zh gu, um - M para animais cachorro. J as

    entidades de massa, segundo o autor, no podem ser antecedidas por g,

    classificador genrico, ou por qualquer medidor para entidades individuadas, mas

    podem ser acompanhadas por medidores de contagem, como y xi shu,

    umas guas, y d shu, uma gota dgua, y tng shu, um galo de

    gua, etc. Por outro lado, acima da classe de nome, pronome, etc., pode ser

    constitudo um grupo superior tc ou classe das entidades, porque todos os

    seus membros podem atuar como sujeito, complemento, ou podem ser delimitados

    por adjetivos. Acima das classes adjetivas e verbais (verbos de ao), ainda pode

    ser constituda uma classe predicativa, tambm chamada, em sentido amplo, de

    classe de verbos, porque pode atuar como predicado e ser delimitada por adjuntos

    adverbiais.

    Chao (1968) subdivide as entidades nominais em onze subclasses:

    substantivo, substantivo prprio, locativo, temporal, determinante (D), Medidor (M),

    direcional (L), composto Determinativo-Medidor (D-M), composto Substantivo-

    direcional (N-L), pronome e anfora.

    Quanto aos substantivos, Chao (1968) separa-os nas seguintes subclasses,

    de acordo com a caracterstica dos compostos Determinativo-Medidores (D-M) que

    1 Chao (1968) utiliza o smbolo M para se referir aos classificadores, pois designa essa classe como medidores.

  • 33

    os antecedem: nomes individuados, nomes de massa, nomes coletivos, nomes

    abstratos.

    (1) Nomes individuados: Chao (1968) o primeiro lingista chins a abordar

    uma subclasse de medidor, denominando-o de classificador, pois se refere a um tipo

    de medidor ligado aos nomes individuados. Cada nome acompanhado de seu

    classificador especfico. Por isso, segundo o autor, o dicionrio deve trazer, junto ao

    nome, a observao de seu classificador especfico (como ocorre nas lnguas em

    que h a distino de gnero, e apresentada a observao masculino,

    feminino e neutro, etc.). O autor observa que a ligao entre o substantivo e o

    classificador aproximada, do ponto de vista do significado. Por exemplo,

    y gn gnzi, um CL vara, y zh b, um CL lpis. Nestes casos,

    no se pode dizer * y zh gnzi, * y gn b, apesar de os dois

    objetos terem o mesmo formato. At o mesmo objeto, dependendo da sua

    denominao, poder ser referido pelo uso de um classificador especfico, como em

    y wi xinshng, um CL honorfico senhor, y g rn, um - CL

    genrico pessoa (como no sistema de gnero do alemo ou esloveno, em que uma

    mesma mulher pode ser tanto die Frau ou das Weibi; a mesma cabea pode ser

    der Kopf ou das Haupt). Enfim, para o autor, os classificadores, na gramtica, so

    uma questo de expresso e no uma questo objetiva.

    Contraditoriamente, entretanto, Chao (1968) afirma que existem alguns

    substantivos que aceitam mais de um classificador. Justifica pelo fato de esses

    substantivos apresentarem distino semntica. Por exemplo, y shn mn,

    um CL leque porta indica uma referncia direta porta, enquanto y do

    mn, um CL caminho porta indica o lugar de sada e entrada de pessoas. O

    classificador g, classificador genrico/individual pode substituir quase todos os

  • 34

    classificadores especficos. Por exemplo, y g mn, um CL genrico

    porta pode substituir y shn mn e y do mn. O autor no explica,

    contudo, o porqu desses diferentes usos.

    (2) Nomes de massa: os nomes de massa no tm um classificador

    especfico. Seu emprego depender do contexto no qual o substantivo est inserido.

    Quando o nome de massa sofre delimitao por um composto Determinante-

    Medidor (D-M), o medidor pode ser dos seguintes tipos:

    (a) Uma unidade de medida: y ch b, um M - metro pano;

    (b) Um recipiente, de contagem ou ocasional: y bi ch, um M copo

    de ch, y shn xu, um M corpo de neve, y w yn, um M quarto

    de fumaa;

    (c) Um medidor de segmento: y din shu, um M pouco gua,

    n xi ji, aquele M tanto bebida alcolica;

    (d) Uma forma da massa: ling du t, dois M monte terra, y

    kui b, um M pedao pano.

    (3) Nomes coletivos: necessrio distinguir entre os nomes, ou os medidores

    das coisas que se tornam coletivos, e o que a gramtica denomina de nome coletivo.

    Por exemplo, tunt, grupo, jij, classe, qn, bando, du, peloto,

    to, conjunto - todos se referem a objetos coletivos, mas os dois primeiros so

    nomes individuados, por poderem ser antecedidos por g (y g tunt

    um-M grupo, ling g jij, duas-M classes). J os trs posteriores so

    medidores (y qn nior, um M bando pssaros, y du bng, um

    M peloto soldados, y to yf, um M conjunto vesturio). Apesar de,

    em seus prprios exemplos, haver classificadores antes dos nomes coletivos, Chao

  • 35

    (1968) afirma que os classificadores no podem ser empregados com os nomes

    coletivos; somente podem ser empregados com os medidores de contagem ou

    medidores de segmento. Por exemplo, n xi hizimen, aquela M plural

    crianas, y to zhuy, um M jogo mesa e cadeira.

    (4) Nomes abstratos: os nomes abstratos no podem utilizar medidores

    individuais ou medidores de massa. Somente podem utilizar medidores de classe

    como zhng, tipo, li, classe, pi, escola/faco e medidores de

    segmento como xi, algum e dinr, pouco. Vrios substantivos referentes

    a objetos abstratos, contudo, so, em termos gramaticais, nomes individuados ou de

    massa. Xushu, doutrina, mng, sonho e x, teatro, nas frases de

    ling g xushu, duas - M genrico doutrina, y g mng, um - M

    sonho, sn chng x, trs - M peas teatro exibem propriedades de nomes

    individuados. J gngf e lling, em sn fn lling, trs - M

    partes esforo e si nin gngf, quatro anos trabalho comportam-se como

    nomes de massa, segundo o autor.

    Por fim, Chao (1968, p. 263) define um medidor ou um classificador como [...]

    um morfema delimitado que forma um Determinante-Medidor (D-M) composto com

    determinativos. O autor distinguiu nove subclasses de medidores-classificadores:

    (1) Classificador (Mc). Cada nome tem um classificador especfico. H

    tambm o individualizador genrico g, que pode anteceder qualquer

    substantivo. Vrios nomes tm mais do que um classificador. De acordo com o

    significado do nome, empregam-se medidores diversos:

    y shn mn, uma folha porta; y do mn, *um caminho

    porta; y g mn, uma classificador genrico porta.

  • 36

    zh bn shu, este tomo livro; zh b shu, *um volume livro;

    zh g shu, este livro.

    Chao (1968) observa que vrios classificadores no tm equivalncia na

    traduo para outras lnguas. Por exemplo, em portugus, seria estranho uma

    locuo do tipo: *uma folha porta ou * um tomo livro.

    (2) Classificadores entre V-O (Mc). O tipo de classificador anterior une-se

    aos substantivos, formando uma expresso D-M N, tendo a funo de sujeito ou de

    objeto, ou ainda de delimitador. Este tipo de classificador aparece, principalmente,

    dentro do complemento objeto. O medidor Mc pode ser duplicado e, neste

    momento, precisa estar na frente do verbo. Exemplo:

    j, frase: ...shu... hu, falar ... palavra; ...wn...hu, perguntar

    ... palavra.

    (3) Medidor coletivo (Mg). Diferente de Mc, a maioria destes medidores pode

    estar acompanhada por de, de - genitivo. Os que no podem ser acompanhados

    por de de esto sinalizados com *de.

    ()du(er), par - *de: gz, pombo; ynjng, olhos; fq, casal.

    d, dzia: y d de gz, uma dzia de pombo.

    (4) Medidor de segmento (Mp). Trata um segmento como um todo. Esta

    oposio , no entanto, um problema de ponto de vista, porque um determinado

    grupo de entidades individuadas pode ser, ao mesmo tempo, uma parte de um

    grupo maior. S pode ser antecedido pelo numeral y, um:

  • 37

    xi, plural: uns, alguns: y xi shqng, uns assuntos.

    (5) Medidores de recipiente (Mo). Basicamente so substantivos que, nessa

    posio, se tornam medidores (tm o seu prprio medidor g, medidor individuado e

    genrico, entre outros). Esta subclasse aberta.

    h, caixinha: y h huci, *uma caixa fsforo.

    (6) Medidores ocasionais (Mt). Da mesma forma que os medidores de

    contagem e de recipiente, os Mt, basicamente, so substantivos. A diferena, em

    relao ao medidor de contagem e de recipiente, que o medidor ocasional utiliza o

    mbito ou extenso para medir; dificilmente utiliza recipiente para medir. A sua

    caracterstica particular, em relao aos demais medidores, que no permite outro

    determinante, fora o y, um, como precedente, sendo que o significado deste y,

    um, no sentido de completo, inteiro, cheio. O medidor ocasional no pode ser

    duplicado no uso, para indicar referncia. Veja o exemplo:

    shn(zi), corpo: y shn xu, *um corpo neve.

    (7) Medidor padro (Mm). Os medidores-padro so as unidades de pesos e

    medidas.

    A forma do medidor-padro semelhante ao Mc e ao Mg (vide Quadro 1). As

    diferenas entre eles so: primeiro, Mc tem uma relao direta com a estrutura V-O,

    enquanto o Mm, no; segundo, Mm pode ter a expresso n1-M1 n2- (M2)2, em que M2

    uma unidade de medida menor do que M1, como () li ch sn (cn), seis

    2 n para numeral e m para medidor.

  • 38

    ps trs (polegadas), com a possvel omisso de M2, enquanto Mg, coletivos no

    tm unidades menores.

    (8) Quase-Medidor (Mq). Os quase-medidores tambm so chamados de

    medidores autnomos. Estes so medidores, porque so antecedidos por numerais

    ou outros determinantes, ao mesmo tempo em que se diferenciam de outros

    medidores, por serem autnomos, no pertencendo a qualquer classe de nomes.

    Por exemplo:

    ling gu de rn,

    dois pas de pessoa,

    pessoa de dois pases

    e

    ling gu de fn,

    duas panelas de comida,

    duas panelas de comida.

    Chao (1968) observa que pessoa de dois pases significa uma pessoa que

    tem dois pases, e no que dois pases tm pessoas; enquanto que a segunda frase

    significa que h mais de duas panelas de comida e no uma comida que pertence a

    duas panelas. A maioria dos medidores de preciso igual aos medidores-padro,

    no sentido de que pode ser seguida de um adjetivo e, no meio, ainda pode ser

    inserido um nme, assim. Por exemplo: ()ling nin (nme) chng,

    dois anos (assim) longos; ()sn zhn (nme) yun, trs paradas

    (assim) longe.

  • 39

    Apesar de no ser objeto da presente dissertao, a ttulo de registro e para

    mostrar a anlise completa de Chao (1968), citamos que existem classificadores

    verbais:

    (9) Medidores verbais (Mv). Os medidores verbais demonstram a quantidade

    da ao (ou do evento). Podem ser:

    (a) o prprio verbo, como kn y kn, olhar um olhar ou dar uma

    olhada. (Por isso, a criao de knkn olhar-olhar);

    (b) o segmento do corpo que realiza esta ao, como d y qun, bater

    um soco;

    (c) um instrumento pela qual a ao performada, como fng y jin,

    lanar uma flecha.

    O medidor verbal o prprio objeto do verbo. Caso haja outro objeto, deve-se

    observar se nome ou pronome. O nome posiciona-se aps o verbo; o pronome se

    posiciona antes do medidor verbal.

    Chao (1968) resume a sua subclassificao de medidores (classificadores) no

    quadro 1, abaixo:

  • 40

    Quadro 1: Tipos de Classificadores, segundo Chao. Fonte: Chao, 1968, p. 277.

    Shao (1993) traz uma viso que se contrape idia dos estudiosos

    anteriores, de que a combinao entre os classificadores e os substantivos

    meramente uma conveno social. Segundo o autor, por detrs deste costume, h

    de se ter uma regra e uma tendncia de uso. Para Shao, muitas pesquisas sobre os

    classificadores adotam uma posio esttica, isto , em que apenas o classificador

    considerado na descrio e na anlise. Shao (1993), ento, adota o ponto de vista

    da semntica dinmica, ou seja, descreve e analisa no s os classificadores, mas

    tambm os substantivos, em suas modificaes restritivas e no-restritivas (traos

    de seleo), para desenvolver uma anlise semntica dos classificadores. Assim, o

    autor estabelece uma rede combinatria de seleo bidirecional entre os

    classificadores e os substantivos, bem como trs nveis de seleo dos

    >1

    Exemplo Duplicao de

    Substantivo Listvel

    (1) Mc Classificadores ou Medidores individuados

    g classificador genrico

    () * rn pessoa

    (2) Mc Classificador entre o V-O

    j frase

    () ( ) hu palavra

    (3) Mg Medidor coletivo

    hng fila/fileira

    () ( ) z ideograma

    (4) Mp Medidor de segmento

    du monte

    (*) ( ) t terra

    (5) Mo Medidor de volume

    gu panela

    (*) ( ) min macarro

    *

    (6) Mt Medidor ocasional

    * d cho

    * dngx coisa

    *

    (7) Mm Medidor padro

    ch chi

    (medida)

    () b pano

    ()

    (8) Mq Quase-Medidor

    k aula

    () * * ()

    (9) Mv Medidor verbal tng () * *

  • 41

    classificadores. Essa rede revela as caractersticas opostas e complementares dos

    quatro grupos semnticos dos classificadores: 1) preciso e impreciso/ambigidade

    (fuzzy); 2) polissemia e relaes de sentido; 3) sinonmia e polissemia; 4) concretude

    e abstrao semntica dos classificadores. A diferena, na essncia dos

    classificadores, o resultado das trocas entre as pessoas, a partir de pontos de vista

    e de maneiras diversas, observando as entidades. Inclumos a sua discusso, no

    nosso texto, pela importncia de sua contribuio.

    Shao (1993) estabeleceu os traos semnticos dos classificadores, em trs

    tipos: com contorno, sem contorno e de recipientes. O contorno das entidades,

    geralmente, tomado a partir de uma referncia caracterstica e saliente da

    percepo visual humana. O autor ainda subdivide os classificadores em

    classificadores de forma e classificadores de movimento. Embora diferentes

    entidades se distingam na forma, so trs as formas mais empregadas para as

    entidades contveis e no-contveis:

    ponto como din, ponto - e formas associadas - como k,

    esfera; d, gota; xng, migalha; wn, plula, etc.

    linha - como xin, linha - e formas associadas - como s, fio;

    tio, tira; zhi, galho, etc.

    plano - como min, rosto; pin, camada; fng, quadrado;

    wng, charco, etc.

    Shao (1993), assim como Wang (1955), observa que a maioria dos

    classificadores uma derivao dos substantivos. Trata-se de uma classe aberta -

    como y, folha, de y y qngzhu, um-CL folha barco -, quando o

  • 42

    classificador se combina ao substantivo, tendo uma funo modificadora, no nvel de

    descrio, da metfora ou de efeito semntico no texto.

    Os classificadores de movimento dizem respeito s entidades que decorrem

    de aes relacionadas a verbos, sendo, assim, considerados como modificadores do

    substantivo associado. Por exemplo:

    chun, conto, cacho; du, empilhamento, monto; di,

    empilhamento, etc.

    Shao (1993) observa que este tipo de classificador derivado do verbo.

    Conquanto que certas entidades no se originem de algum movimento, mas em

    funo da semelhana, tambm pode ser utilizado desta forma. Por exemplo:

    y chun zhngzh, um-CL conto prolas e y chun

    pto, um-CL cacho uva

    Shao (1993) observa que a aparncia externa das entidades dinmica e,

    muitas vezes, de difcil descrio ou classificao. Outras entidades no tm

    nenhuma caracterstica externa saliente. Ento, necessitam ser observadas por um

    outro ngulo. Este o tipo de classificador sem contorno definido. O autor dividiu

    este grupo de classificadores em quatro subtipos: substituio, emprstimo,

    convencional e especializados.

    (a) Substituio: de acordo com a parte mais representativa da entidade para

    evidenciar o seu todo, isto depende, principalmente, da ligao entre as partes com

    o todo da entidade. Por exemplo:

    y ku zh um-CL boca porco

    y tu ni um-CL cabea bovino

    y wi y um-CL rabo peixe

  • 43

    (b) Emprstimo: o classificador por emprstimo toma a dinmica, a

    ferramenta, a localizao ou o perodo de durao da entidade, para demonstrar a

    sua caracterstica. Isto depende, principalmente, da interdependncia entre as

    entidades. Por exemplo:

    y m x um-CL pano teatral

    y do zh um-CL faca papel

    (ferramenta)

    y chung bi um-CL cama coberta

    y zhu ci um-mesa comida

    (localizao)

    y zhn y um-CL perodo chuva

    y rn xinzhng um-mandato distrital

    (perodo)

    (c) Convencional: o significado e o emprego do classificador esto

    consagrados pelo uso. Isto depende, especialmente, da obteno de concordncia

    entre os sujeitos e as entidades. A autora rene todas as medidas neste grupo. Por

    exemplo3:

    du

    shung

    f

    bng

    to

    bn

    nin

    j

    fn

    casal par par bando conjunto turma ano estao minuto

    (d) Especializados: estes so os classificadores para indicaes especficas.

    Isto depender, em particular, da especificidade de sentido do substantivo (ou de

    muitos poucos verbos) que se gramaticalizou em classificador. Por exemplo, para

    assunto ou negcio: jin, xing, zhung, etc., como em y jin

    shqng um-CL pea assunto; para pessoa ou animal: g, wi, mng, yun

    3 A listagem do autor pode ser ainda dividida em trs subgrupos: das entidades que se agrupam em pares, dos classificadores para todo o tipo de agrupamento humano e o grupo das medidas temporais.

  • 44

    y mng jiolin; para graduao de classe, categoria, grau, hierarquia:

    dng, j, li, cng, pn, como y li rnw um-CL nvel cidado;

    para classificao: zhng, tipo; li, classe; yng, amostra, como

    y zhng dngx um-CL tipo coisa; para famlia: sh, di, gerao;

    bi, posio na linhagem; mn, casamento, etc, como s sh

    tngtng quatro-CL gerao viva.

    A definio de Shao (1993) para os classificadores de recipientes

    semelhante ao que Wang (1955) chamou de termos de contedo e ao que Chao

    (1968) chamou de medidores ocasionais. Como tais, estes classificadores so

    ocasionais ou tomados por emprstimo, bem como formam uma classe aberta, com

    a validade da combinao determinada pelo bom-senso.

    O autor ainda dividiu-os em dois subtipos, os recipientes e os aderentes. Para

    Shao (1993), o classificador aderente aquele substantivo de lugar, que est em

    uma posio sinttica de um classificador e determina o lugar de aderncia da

    entidade. Como uma referncia entidade, como um todo, o numeral que

    normalmente acompanha estas construes o um. Caso seja uma entidade em

    par, tambm pode ser usado o numeral dois. uma classe aberta.

    Entidades que estejam em estado lquido ou pastoso e corpos que tenham a

    proporo de poeira tm a possibilidade de se aderir a outros corpos. Por exemplo:

    y lin hnshu, um-CL rosto suor

    y qn xuw, um-CL saia sangue

    y tu huchn, um-CL cabea poeira

    Shao (1993) afirma que, quando ocorre a combinao entre o substantivo e o

    classificador, o substantivo sempre se localiza em uma posio de comando

  • 45

    restritivo; impe restries de seleo ao classificador. O contrrio tambm ocorre,

    quando o classificador exerce, igualmente, uma fora contra-restritiva ao

    substantivo. Estes traos de restrio e contra-restrio semntica especificam as

    combinaes possveis, entre os substantivos e os classificadores, em um contexto

    dado.

    O quadro abaixo sintetiza os tipos de classificadores de Shao (1993):

    contorno forma

    movimento

    substituio

    Classificadores sem contorno emprstimo

    convencional

    especializado

    recipientes

    recipientes e de locao aderentes

    Quadro 2: Tipos de Classificadores, segundo Shao. Fonte: Elaborado pela autora.

    Segundo o autor, de acordo com o trao semntico e a possibilidade

    combinatria do substantivo, a funo semntica combinatria do classificador pode

    ser dividida em trs situaes:

    (a) especfica: somente empregvel a um objeto especfico. O significado do

    classificador nico, bem como mais concreto. Por exemplo:

    zhn, para lmpada; jin, para casa; su, para barco

    (b) compartilhada: pode ser empregada a mais de dois objetos. O

    classificador polissmico. Na maioria das situaes, estes significados

    permanecem e estabelecem uma relao em cadeia. Por exemplo:

  • 46

    Classificador Grupo de entidades Exemplo

    Pessoa agente, operrio, agricultor, professor, etc. ji

    Ramo de atividade indstria, banco, editora, empresa, etc.

    Imvel casa, edifcio, fbrica, etc. su Local de trabalho universidade, hospital, igreja, etc. qn Coletivo pessoas, animais, arquiplago

    Quadro 3: Exemplo de Funo Semntica Combinatria. Fonte: Elaborado pela autora.

    Uma minoria de classificadores composta de homfonos e homgrafos e,

    pelo significado, no se consegue perceber uma relao interna. Por exemplo:

    Classificador Grupo de entidades Exemplo

    Animais montveis cavalo, burro, jegue, camelo, etc. p Produto txtil tecido, seda, cetim, nailom, etc.

    Quadro 4: Exemplo de Classificador Homfono e Homgrafo Fonte: Elaborado pela autora.

    (c) genrica: envolve os classificadores mais comuns e que podem ser

    empregados a vrios tipos de objetos. As suas combinaes com o substantivo so

    mais abertas. Este tipo de classificador tem o seu significado mais esvaziado. Dentre

    estes, o prototpico o g [+individuado], que pode ser usado para pessoas,

    animais, vegetais e mobilirios.

    Shao (1993) ainda determinou trs etapas de seleo dos classificadores, que

    ocorrem na seleo dos substantivos com os classificadores, devido a vrios

    insumos influenciadores. As etapas so:

    1. seleo de um grupo de classificador provvel ou potencial, para um dado

    substantivo;

  • 47

    2. seleo de um classificador especfico, demonstrado atravs de uma

    combinao realstica;

    3. seleo sinonmica, demonstrado atravs de uma combinao, conforme o

    contexto e a vontade do falante.

    Como efeito contra o condicionamento dos classificadores aos substantivos,

    Shao (1993) descobriu trs regras, descritas abaixo.

    1. As caractersticas semnticas codificadas em um classificador sero

    transferidas ao substantivo que ele acompanha.

    2. Quando um classificador empregado a uma entidade abstrata ou sem

    uma forma exterior especfica, este classificador transfere a sua caracterstica

    semntica entidade referida.

    3. Caso o significado do classificador seja claramente definido, a combinao

    de escolha junto ao substantivo nica, mesmo que o substantivo no esteja

    explicitado, no ocorrendo mal-entendido. Neste momento, a construo

    classificador-numeral pode substituir o substantivo ou, de outro ponto de vista, o

    substantivo pode ser elptico. Isto ocorre, principalmente, adicionando o verbo que

    restringe, ainda mais, o campo semntico. Desta forma, o significado interno da

    construo classificador-numeral fica mais evidenciado.

    Shao (1993) constata o emprego de diferentes componentes de um mesmo

    grupo de classificadores selecionveis e afirma que este gera, no ouvinte,

    sensaes diversas. Segundo o autor, nisto que reside a caracterstica e o

    emprego dos classificadores.

    De acordo com Shao (1993), para haver uma combinao entre o substantivo

    e o classificador, necessrio somente que haja uma interseco de traos. Essa

  • 48

    concluso feita a partir da anlise dos traos semnticos de classificadores e de

    substantivos. Por exemplo:

    Entidade: gua: [+lquido][+multiforme] d, gota: [+lquido][+forma em ponto] wng, charco: [+lquido][+profundidade] tn,praia:[+lquido][+extenso]

    [+plano] pin, camada: [lquido][-extenso][+plano] g, madeixa: [lquido]

    [+grupo][+longo]

    2.3 Abordagens Histricas

    Entendemos a lngua como um meio de expresso e produto de interao

    entre as pessoas e entre as pessoas e as entidades que as cercam, inseridas em

    um dado contexto histrico. Para se chegar a uma abordagem contempornea sobre

    os classificadores nominais especficos, segundo a nomenclatura dada por Erbaugh

    (1986), faz-se necessrio uma breve descrio histrica da evoluo dos

    classificadores na lngua chinesa.

    Na literatura, encontramos lingistas como L (1941), Wang (1955), Liu

    (1959), Erbaugh (1986), e Chen (1999, 2002), que realizaram uma ampla pesquisa

    histrica sobre o surgimento e o uso dos classificadores. Os dados das pesquisas

    revelam que, embora os classificadores nominais sejam empregados desde pocas

    muito remotas, os classificadores nominais especficos somente iniciaram o seu

    desenvolvimento, no perodo das Dinastias Wei, Jin e NanBei, doravante NanBei,

    correspondendo aos anos de 220 a 590 da Era Atual (LIU, 1959).

    Segundo Liu (1959), o emprego dos classificadores especficos era

    extremamente raro na China Antiga (antes de 220 da Era Atual). Estes foram

  • 49

    originalmente usados, apenas, para especificar ao mximo os itens concretos,

    discretos e contveis, em especial para inventariar bens valiosos, em cenas de

    discurso de compra, de comrcio, inventrio, narrao e solicitao de itens ou

    aes. Os classificadores especficos so numerosos e variados; mantm esta

    funo de discurso at os dias atuais.

    Conforme Liu (1959), a categoria, a funo e a estrutura sinttica dos

    classificadores nominais especficos se estabeleceram e se desenvolveram na

    Dinastia NanBei e se estabilizaram at os dias de hoje. Constituram-se, assim,

    como um dos componentes do sintagma nominal, cuja funo sinttica de

    complemento (preferencialmente nominal), sendo obrigatrio na ligao entre o

    numeral e o substantivo, podendo ser ainda antecedido por um adjetivo.

    Segundo Liu (1959), a funo dos classificadores nominais especficos deriva

    dos substantivos. No perodo da Dinastia Wei (220 da Era Atual), j se observava

    iniciar a normatizao da combinao entre os classificadores e os substantivos. A

    funo dos classificadores de qualificar o substantivo e o resultado desta funo

    exerceu larga influncia na gramtica do chins-mandarim. Em princpio, no havia a

    necessidade da classificao de substantivos no chins-mandarim; em determinado

    momento, quando das intensificaes comerciais, devido popularizao do uso de

    classificadores de medida, ento, comeou-se a dividir os substantivos em diferentes

    pequenos domnios. Segue o exemplo de um excerto:

    Dn jing q zh sn bi zhng, b sh gun, m w tng, n w m l (Sushn

    j).

  • 50

    Mas tire papis trezentos CL para coisas planas, pincis dez CL para

    coisas em forma de tubo, tinta cinco CL para recipientes longos, coloquem dentro

    de meu tmulo (EM BUSCA DOS DEUSES4, apud LIU, 1959, p. 530).

    Este excerto retirado de um romance um exemplo do incio da funo dos

    classificadores naquele perodo, isto , a classificao dos referentes de sintagmas

    nominais, com base em caractersticas perceptivas dos objetos. Desse modo,

    surgiram classes de entidades que, no universo do discurso, atribuiro o significado

    dos classificadores classe de coisas relativas boca (pessoas, porcos, etc.),

    relativas cabea (burro, boi, cabra, etc.), relativas a plano (papel, mesa, etc...),

    etc.

    Trata-se do estabelecimento de uma regra, em que a ligao entre o numeral

    e o substantivo tem de ser feita atravs de um classificador, que contribui para

    explicitar uma dada informao e ajuda a enriquecer a funo retrica do sintagma

    nominal, como no exemplo abaixo:

    Jingnn w su yu, lio zng y zh chn. (Lu Kai: Poema ao Fan Ye) (LIU,

    1959, p. 532).

    Em Jiangnan no tem nada, meramente presenteio-lhe com um CL-galho

    primavera.

    Na tradio chinesa, o poema acima considerado clebre, justamente pela

    sua economia, permitida pela referncia implcita flor, atravs do emprego do

    classificador zh CL-galho com primavera. Tal efeito s possvel, segundo Liu

    (1959), graas ao classificador. Este, segundo a nossa anlise, devido ao modelo

    4 A indicao aqui est sendo feita pelo ttulo da obra, conforme citao do autor.

  • 51

    metonmico, parte pelo todo do sistema conceitual humano. O galho no poema

    representa a flor.

    A regularidade do uso dos classificadores especiais entre o numeral e o

    substantivo na Dinastia NanBei, comentada acima, representou um grande avano

    histrico na evoluo dos classificadores, pois, se antes o uso era eventual, a partir

    deste perodo, observou-se uma regularidade (LIU, 1959). De acordo com Liu

    (1959), do ponto de vista morfolgico, esta regularidade formou uma nova categoria

    gramatical, o classificador. Do ponto de vista sinttico, esta regularidade, apesar de

    o numeral e de o classificador estarem ainda pospostos ao substantivo,

    desencadeou um novo regramento de construo frasal: para a formao de um

    sintagma nominal com a presena das categorias numeral e substantivo, deve haver

    um classificador entre eles. A formao e o desenvolvimento dos classificadores,

    especialmente o dos classificadores especficos, tiveram uma clara influncia na

    gramtica chinesa, gerando a necessidade de se ter classificadores, tambm, como

    complemento do ncleo verbal, no nvel do sintagma verbal.

    A finalidade deste captulo foi realizar uma reviso da literatura no que tange

    aos classificadores, particularmente dos classificadores nominais chineses. Para

    responder a esta tarefa, realizamos primeiramente a distino entre classes

    nominais e sistemas lxico-sintticos de classificao nominal, exposta por Dixon

    (1986); depois disso, apresentamos as anlises semnticas de Lyons (1977), em

    que este autor define os classificadores como a classe de palavras que se localiza

    entre o numeral e o substantivo, distingue as lnguas classificadoras das lnguas

    indo-europias, bem como prope dois tipos de classificadores. Allan (1977, 2001) e

    Denny (1976, 1986) foram os autores que mais se debruaram na anlise das

    unidades internas dos classificadores nominais. Allan (1977) foi o pioneiro, ao

  • 52

    investigar mais de 50 lnguas classificadoras no mundo. Definiu os classificadores

    em quatro tipos, com a seguinte caracterstica: [...] denota caractersticas

    percebveis ou atribudas a entidade ao qual o nome associado se refere (ALLAN,

    1977, p. 285). Organizou as lnguas classificadoras em oito categorias. Centrou-se

    nas propriedades inerentes da classe e forneceu uma lista exaustiva de

    caractersticas semnticas. Denny (1976, 1986) focou a sua pesquisa dos

    classificadores na sua funo interacional e dividiu-os em trs tipos de interaes.

    Chegamos concluso de que a hiptese de Allan e a hiptese funcional de

    Denny so complementares. Ainda falta, contudo, explicar a sua relao com a

    cognio humana.

    Segundo o nosso ponto de vista, a reviso da anlise dos classificadores

    nominais, realizada por estudiosos chineses, demonstrou que sistematicidade e

    generalizaes com as excees justificadas pela conveno social ou hbito de

    uso no so condies suficientes e necessrias, para dar conta da explicitao

    das razes de variabilidade de uso do classificador, perante a entidade a que se

    refere. At o momento, no h uma abordagem cognitiva, em que se tome a

    categorizao mental como reflexo do modo com que uma determinada comunidade

    percebe as entidades que a cercam. Portanto, nos captulos seguintes, analisaremos

    o objeto em questo os classificadores nominais especficos luz de uma nova

    proposta: a semntica cognitiva, cujo arcabouo terico-metodolgico

    apresentaremos no prximo captulo.

  • 53

    3 FUNDAMENTAO TERICA

    No captulo anterior, realizamos uma reviso bibliogrfica, e, acreditando que

    as abordagens explanadas no do conta do fenmeno de classificao,

    apresentamos, a seguir, a abordagem semntico-cognitiva experiencialista.

    A cognio a ao e o processo de conhecimento, que envolve a

    percepo, a memria, a compreenso e o pensamento humano. Tem uma relao

    fundamental com a nossa mente e a reflexo de nosso entendimento do mundo. A

    lngua(gem) o produto da mente humana, e a mais caracterstica dentre as

    atividades cognitivas humanas (LAKOFF, 1987). Deste modo, na produo da

    linguagem, a cognio tem um papel essencial. Com o incremento do conhecimento

    obtido da cognio humana, a lingstica cognitiva vem ocupando um lugar nico, na

    explanao de vrios fenmenos lingsticos, e ganhando fora continuamente.

    Segundo Craig (1986), a anlise dos sistemas de classificao tem sido feita

    atravs da abordagem da Semntica Cognitiva, porque esses sistemas podem ser

    vistos como uma instncia de um dispositivo lingstico de categorizao. Alm

    disso, se o que os classificadores definem so categorias, ento eles devem ser o

    caso de uma categorizao evidente na lngua. Neste sentido, o seu estudo pode

    contribuir compreenso do fenmeno global da categorizao humana.

    O estudo dos sistemas de classificao, em lnguas naturais, tem muito a

    contribuir para o avano da compreenso da natureza da categorizao, da

  • 54

    cognio humana, e da natureza da estrutura semntica da lngua. Em particular, o

    estudo revela que o significado no uma propriedade das elocues, mas um

    produto da interao entre uma elocuo e a base de conhecimento dos seres

    humanos uma idia que introduz uma importante dimenso relativista ao processo

    de interpretao. Esta viso de linguagem e interpretao faz com que a teoria

    lingstica seja muito mais relacionada s disciplinas (de carter mais social), tais

    como estudos etnogrficos e culturais, do que aquelas abordagens baseadas em

    estudos formais, qual a presente pesquisa est associada.

    A semntica cognitiva experiencialista preocupa-se com os princpios que

    governam os fenmenos lingsticos e, ao se interessar pelas gramticas das

    lnguas, d especial ateno aos conceitos que so ou no gramaticalizados pelas

    lnguas. Assim, tem uma preocupao pelo modo como compreendemos nossas

    experincias e se questiona sobre o porqu de os seres humanos terem o sistema

    conceitual que tm. Para um lingista cognitivista, importa concluir [...] as hipteses

    relativas organizao conceptual como parte do que caracteriza o sistema

    conceptual, [...] sistemas conceptuais com diferentes organizaes, so sistemas

    diferentes (LAKOFF, 1987, p. 334).

    A fim de expor a teoria semntico-cognitiva experiencialista, que constitui o

    arcabouo terico escolhido para a anlise dos classificadores nominais chineses,

    este captulo est subdividido em trs sees. Isto ocorre porque se refere a uma

    proposta semntica, que o resultado da incorporao de uma srie de princpios e

    conceitos. Na primeira seo, apresentamos, de forma sinttica e seletiva, os

    fundamentos filosficos. Na segunda seo, expomos os fundamentos cognitivistas,

    iniciando pela Teoria Prototpica de categorizao de Rosch, o cerne da Teoria dos

    Modelos Cognitivos Idealizados. A seguir, apresentamos as influncias tericas mais

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    diretas, como a semntica de frame, de Fillmore (1985); a teoria da metfora e

    metonmia, de Lakoff & Johnson (1980); a teoria dos espaos mentais, de

    Fauconnier (1996); e a gramtica cognitiva, de Langacker (1986). Por fim, atravs

    das anlises dos classificadores, realizadas por Dixon (1968, apud LAKOFF, 1986,

    1987) e Downing (1984, apud LAKOFF, 1986, 1987), descrevemos o funcionamento

    dos Modelos Cognitivos Idealizados, em sua tipologia bsica, quais sejam: os

    modelos de esquemas de imagens, os modelos proposicionais, os modelos

    metonmicos, os modelos metafricos e os modelos simblicos.

    3.1 Fundamentos Filosficos

    Nessa seo, resumimos a epistemologia que d sustentao filosfica

    semntica experiencialista, enfatizando a discusso no segundo Wittgenstein. Esta

    discusso est intimamente relacionada ao Realismo Interno de Putnam (1981), do

    qual o Realismo Experiencialista da Semntica Cognitiva Prototpica uma

    assumida verso. Primeiramente, expomos a teoria de categorizao clssica, para,

    a seguir, expor as propriedades wittgensteinianas.

    A abordagem da teoria de categorizao clssica baseia-se na idia de que

    as categorias so definidas por propriedades comuns. Isto quer dizer que uma

    categoria formada pelo conjunto discreto de propriedades, que servem como

    condies suficientes e necessrias para a definio da categoria.

    Conseqentemente, um objeto um membro de uma categoria, se, e somente se,

    tiver todas caractersticas e critrios daquela categoria. Esta abordagem categorial

    tem desempenhado um papel central, em vrias teorias formais na sintaxe e na

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    semntica. tambm a principal teoria, que tem se desenvolvido h mais de 2 mil

    anos.

    A teoria clssica prediz que as categorias so baseadas em propriedades

    comuns a todos os seus membros. Isto no est totalmente errado. Freqentemente,

    as coisas so categorizadas nessa base. Esta abordagem, contudo, no abarca o

    todo. Nos ltimos anos, tem se tornado claro que a categorizao muito mais

    complexa do que isso. Desde os anos da dcada de 1960, a teoria clssica de

    categorizao tem sido modificada por antroplogos (BERLIN; KAY, 1969; KAY; Mc

    DANIEL, 1978), psiclogos (ROSCH, 1978; TVERSKY; HEMENWAY, 1983, 1984),

    lingistas (HOPPER; THOMPSON, 1984; LAKOFF, 1987) e filsofos

    (WITTGENSTEIN, 1953; PUTNAM, 1981). Graas aos seus esforos e pesquisas,

    uma nova teoria sobre a categorizao surgiu, conhecida como teoria prototpica.

    Essa teoria afirma que a categorizao baseada em princpios, que vo alm das

    asseres da teoria clssica. Iniciaremos pelos pressupostos filosficos para, a

    seguir, adentrarmo-nos nas teorias cognitivas.

    Wittgenstein da segunda fase (1953, apud LAKOFF, 1987; GIVN, 1986;

    OLIVEIRA, 1996) foi o primeiro filsofo a chamar a ateno para o problema da

    abordagem da categorizao, pela teoria clssica. As categorias da teoria clssica

    so claramente delimitadas, pois todos os membros de uma categoria dada tm

    propriedades comuns. Wittgenstein contrape a viso clssica, atravs da anlise

    das palavras como nmero e jogo.

    Os membros da categoria jogo no compartilham propriedades, em seu todo

    comum. Alguns jogos envolvem mero divertimento; em outros, no existe

    competio ningum perde ou ganha , embora em outros jogos haja esta

    caracterstica. Alguns jogos envolvem sorte; outros, destreza. Em outros, ainda,

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    ambas caractersticas so evidenciadas. Conquanto que os jogos no compartilhem

    de todas as propriedades, a categoria jogo formada pelo que Wittgenstein

    denominou de semelhanas de famlia. Sabe-se que os membros de uma famlia

    se assemelham, entre si, de vrias maneiras: podem compartilhar as mesmas

    estruturas fsicas ou ter a mesma caracterstica facial, a mesma cor de cabelo ou de

    olhos e, at mesmo, apresentar semelhanas de comportamento. Eles no

    precisam, necessariamente, contudo, compartilhar a mesma coleo singular de

    propriedades, que caracteriza os membros da famlia. A categoria jogo, neste

    sentido, parece-se com uma famlia. Os seus membros assemelham-se em

    determinadas caractersticas e distinguem-se por outras, como uma rede.

    Wittgenstein tambm observou que no existem limites fixados para a

    categoria jogo. A categoria pode ser estendida e novos tipos de jogos podem ser

    introduzidos. O filsofo analisa os diferentes usos da palavra jogo e conclui que

    estes no possuem uma propriedade comum, que permita uma definio acabada e

    definitiva. O que existe so elementos comuns, que se interpenetram. Assim, no h

    fronteiras definitivas, no uso das palavras, e sim semelhanas de famlia entre

    conceitos (WITTGENSTEIN, 1953, IF 67, apud OLIVEIRA, 1996, p. 130), que,

    freqentemente, se apiam entre os vrios membros da mesma categoria, ou entre

    as vrias categorias na meta-categoria supra-ordinal