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I CONACSO I Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos contemporâneos
23 a 25 de setembro de 2015, UFES, Vitória-ES
2207
GT 11 - EDUCAÇÃO E DIVERSIDADES
Coordenadores:
Prof.ª Dr.ª Andrea Bayerl Mongim (UFES)
Prof.ª Dr.ª Celeste Ciccarone (UFES)
Debatedores:
Prof.ª Dr.ª Cleyde Amorim (UFES)
Prof. Dr. Lusival Antonio Barcelos (UFPA)
I CONACSO I Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos contemporâneos
23 a 25 de setembro de 2015, UFES, Vitória-ES
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DESAFIOS DA/NA PRÁTICA DOCENTE: UM ESTUDO SOBRE AS
REPRESENTAÇÕES CONSTRUÍDAS, POR DOCENTES EM FORMAÇÃO,
ACERCA DAS PRÁTICAS CULTURAIS ORIUNDOS DA AFRODIÁSPORA
Danúbia Aires de Souza FCSES
José Jairo Vieira FE/UFRJ
Débora Nascimento FCSES
Stephany C. de Freitas FCSES
Resumo: Este trabalho trata de um relato de experiência cujo objetivo foi investigar como acadêmicos
matriculados na disciplina “Danças Folclóricas e Populares” do curso de Licenciatura em Educação
Física da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo (FCSES) e do Projeto de Extensão em Dança,
interpretam e representam às práticas culturais presentes no estado. Foram realizadas visitas a Vila de
Regência e a Vila de Itaúnas, sendo possível vivenciar as comemorações do Centenário da Memória
de Caboclo Bernardo e os Festejos em homenagem a São Sebastião e São Benedito. Os dados foram
coletados por meio de registros fotográficos, produção de relatórios, além de entrevistas e
questionários. Os resultados apontam à necessidade de transcender da reflexão para a ação, no que
tange aos desafios relacionados à implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08 nos processos de
formação docente, visto que a abordagem das questões étnico-raciais na Educação Básica encontra-se
atrelada à formação inicial dos professores. Ressaltamos a importância dessa experiência com vistas à
superação de paradigmas e estereótipos historicamente fortalecidos, especificamente acerca das
práticas culturais de matriz africana, afro-brasileira e indígena, à medida que incita a reflexão sobre o
vivido, além da ressignificação do nosso olhar sobre nós mesmos, nosso povo, nossa cultura.
Palavras-chave: identidade; formação docente; práticas culturais.
Abstract: This work is an experience report which aimed to investigate how academics enrolled in the
discipline “Folk dances and Popular” of the Bachelor’s Degree in Physical Education of the Faculdade
Católica Salisiana do Espírito Santo (FCSES) andthe Extension Project in Dance, are interpreted and
represented in cultural practices present in the state. Visits were conducted in Vila de Regência and
Vila de Itaúnas, being possible experienced the celebrations of the Memory Centenary of the Caboclo
Bernardo and Celebrations in honor of Saint Sebastian and Saint Benedict. Data were collected through
photographic records, reports , as well as interviews and questionnaires. The results point to the need
to transcend from reflection to action, with respect to the challenges related through the implementation
of the law 10.639/03 and 11.645/08 in teacher training processes, as the approach to ethnic and racial
issues in Basic Education is linked the initial teacher training. We point out the importance of this
experience with a view to overcoming paradigms and stereotypes historically strengthened, specifically
about the cultural practices of African origin, African-Brazilian and Indigenous (natives), as it incites
reflection on the lived, beyond the redefinition of our view about ourselves , our people, our culture.
Keywords: identity; teacher training; cultural practices.
I CONACSO I Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos contemporâneos
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Introdução
A pesquisa no cotidiano da formação docente teve como foco analisar como um
grupo de acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física da Faculdade Católica
Salesiana do Espírito Santo (FCSES) interpretam e representam as práticas culturais,
manifestadas em torno dos saberesfazeres1 artísticos, oriundos da afrodiáspora.
O presente trabalho trata de um relato de experiência, na qual propôs-se aos alunos
integrantes (bolsistas/voluntários) do grupo de estudo implementado a partir das atividades
propostas no Projeto de Extensão em Dança, juntamente com um grupo de acadêmicos
matriculados na disciplina “Danças Folclóricas e Populares”, uma visita à Vila de Regência
e a Vila de Itaúnas, com o intuito de promover uma aproximação entre os acadêmicos e as
práticas culturais que constituem o patrimônio cultural capixaba.
A intenção pela pesquisa emergiu durante as aulas desenvolvidas no Curso de
Licenciatura em Educação Física da FCSES, nas disciplinas “Teoria e Metodologia da
Dança” e “Danças Folclóricas e Populares”. Onde em uma tentativa de implementação de
elementos da cultural corporal2 de origem afro-brasileira, identificamos, a partir de relatos
dos acadêmicos, que parte considerável dos participantes desconhecia e/ou rejeitava
determinadas práticas corporais, como o jongo, o maculelê e a capoeira.
Vale ressaltar, que os acadêmicos que alegavam conhecimento das práticas, em parte a
relacionavam ao espiritismo, estranhamento esse que segundo Rodrigues (2007, p. 17) “[...] tem
origem nos modos de expressão em que são produzidas tais práticas – são tidas como marginais
por usarem alegorias (tambores, estandartes) que são comuns nas religiões afrodescendentes”. O
que contribuía para o fortalecimento do desdém e/ou brincadeiras que depreciavam os aspectos
relacionados especificamente às características culturais de origem africana de afro-brasileira.
Esses episódios contribuíram para que várias inquietações e questionamentos
emergissem. Qual a gênese da falta de conhecimento e resistência relacionada às práticas
culturais e manifestações da cultura corporal que contém imbricações com as matrizes
africana e afro-brasileira? Como não reproduzir leituras e discussões estereotipadas sobre o
1 Apoiamo-nos em Alves (2004) ao propor na escrita a junção dos pares, visto que ainda percebemos o quanto
às dicotomias emergentes em função do desenvolvimento das ciências, na Modernidade, corroboram para o
fortalecimento da fragmentação do pensar, da reflexãoação, pois assim o aprendemos dicotomizados:
espaçostempos, reflexãoação, apendizagemensino, saberesfazeres. 2 Cultura corporal diz respeito ao acervo de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer
da história, exteriorizadas pela expressão corporal na forma de jogos, ginástica, esportes, lutas, entre outras
práticas corporais (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
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negro e sua cultura? Em que medida em nosso fazer docente, acabamos reforçando
estereótipos e representações negativas sobre o negro, seu padrão estético e sua cultura? E,
como a prática docente pode promover a superação dessa forma de pensar e agir em relação
ao negro, suas tradições e cultura?
Para tanto propôs-se especificamente: Promover uma aproximação entre os
sujeitos e as práticas culturais observadas; analisar como os acadêmicos representam
essas práticas, identificando se e como estas participam da constituição identitária dos
sujeitos; propor uma reflexão acerca dos principais desafios que envolveram a práxis
pedagógica das Africanidades3, identificando pontos nevrálgicos e discutindo formas de
enfrentar os dilemas do cotidiano docente.
Ressaltamos nessa pesquisa, que parte considerável das manifestações e artefatos
culturais produzidos e selecionados para investigação, emergiu das construções culturais das
populações indígenas e africanas e afro-brasileiras, além da imperiosa contribuição europeia.
Contudo, considerando os limites da pesquisa, estabelecemos como foco para análise, a
abordagem da influência cultural africana e afro-brasileira na/para construção do patrimônio
cultural capixaba. Sem desconsiderar as outras matrizes (ameríndia e europeia), visto ser
praticamente impossível dialogar na cultura brasileira sem considerá-las.
Faz-se relevante pontuar que a partir do contexto da diáspora africana em que povos
de diferentes regiões do continente migraram para o Brasil, suas simbologias passaram por
um processo de reconstrução de significados se adaptando a dinâmica cultural de outra
realidade. Portanto diversas manifestações culturais relacionadas à língua, a dança, a ciência,
a arte, a culinária, os costumes, a visualidade e a religiosidade, têm se configurando enquanto
práticas de resistência e afirmação identitária, que tem buscado reconhecimento no escopo
da cultura nacional brasileira (SILVA, 2012, p. 3).
Nessa perspectiva apoiamos a discussão em torno das referências estéticas e éticas,
bem como as implicações nos processos de (des)construção identitária dos sujeitos
participantes da pesquisa a partir da vivência e apreciação (observações, produção áudio
visual e imagética) das práticas culturais. Ponderando os posicionamentos éticos, estéticos e
políticos que assumem, sob a hipótese da existência, não só de uma tensão entre identidade
3 Ao dizer africanidades brasileiras estamos nos referindo às raízes da cultura brasileira que têm origem
africana. Dizendo de outra forma, estamos, de um lado, nos referindo aos modos de ser, de viver, de organizar
suas lutas, próprios dos negros brasileiros, e de outro lado, às marcas da cultura africana que,
independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia (SILVA, 2005, p. 155).
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cultural e subjetividade dos futuros docentes, considerando a existência de ideias de
preconceito e de discriminação racial, vinculadas às práticas culturais de matriz africana e
afro-brasileira. Como também a presunção de significativa fragilidade na prática docente no
tocante ao trato de questões relativas à diversidade e a diferença na formação inicial de
professores de Educação Física.
Apoiamo-nos em Bhabha (2005) que apresenta dois conceitos imprescindíveis para
entender o processo de dominação e superioridade que um povo exerce sobre o outro: o
estereótipo e a mímica. Segundo o autor, o estereótipo opera no sentido de reconhecer e de
recusar a diferença, impondo um enquadramento, uma classificação, que muitas vezes não
corresponde à realidade social. Já a mímica constitui-se em uma das estratégias mais ardilosas
e eficazes do poder e do saber colonial, pois se mostra ao Outro, como fonte de inspiração para
a imitação, a cópia e consequentemente para a relativização da cultura subalterna.
Ainda segundo o autor, ao discorrer sobre o conceito de diversidade cultural e
diferença cultural, destaca a preferência pela utilização desse último termo para o tratamento
das questões ligadas a cultura. Segundo ele, a diversidade cultural abrange um universo de
coisas, enquanto a diferença cultural representa melhor como enunciados são criados para
promover a legitimação de determinadas culturas em relação a outras (BHABHA, 2005).
A abordagem das questões étnico-raciais na Educação Básica está atrelada à
formação inicial dos profissionais da educação. O escopo das leis está em promover a
discussão e valorização de todo acervo cultural e histórico das populações de ascendência
africana e indígena, atribuindo maior visibilidade à contribuição desses povos para a
construção da identidade brasileira. Assim, consideramos imprescindível que essa discussão
esteja presente no espaçotempo da escola, via formação de professores.
Nessa perspectiva, ponderamos a necessidade de intervenções como esta, à medida que
compreendemos que parte considerável dos acadêmicos em formação logo estará atuando
como docentes em escolas públicas e privadas da região, e o distanciamento/desconhecimento,
outrora mencionado, tornam-se cíclicos à medida que esses conhecimentos continuam
excluídos dos nossos currículos acadêmicos e escolares, ou relegados ao lugar do exótico,
trabalhados sob uma perspectiva acrítica e por vezes caricaturados.
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1. Caminhos percorridos...
Inicialmente, com a turma matriculada na disciplina “Danças Folclóricas e
Populares” (2014/1), foi realizado um diagnóstico, por meio de um questionário com o
intuito de identificar quais os conhecimentos a turma obtinha acerca das práticas culturais
existentes no país e mais especificamente no Espírito Santo. Estratégia esta, também adotada
com as acadêmicas/bolsistas do projeto de extensão em dança.
A opção pelo grupo específico deu-se em função das possibilidades de aprofundar as
discussões acerca da temática proposta, visto que a disciplina apresenta em sua ementa o
estudo dos aspectos socioculturais das danças e manifestações folclóricas e populares, além de
contemplar o trato das questões referentes à diversidade cultural e as relações étnico-raciais.
Outra estratégia utilizada foi à técnica de leitura de imagens, onde os acadêmicos
após efetuarem a leitura de imagens diversas, pertencentes às manifestações populares e
folclóricas da cultura capixaba. Descreviam e posteriormente relatavam suas impressões e
conhecimentos acerca do observado. Nessa perspectiva, as imagens não cumpriam apenas a
função de informar ou ilustrar, mas, sobretudo de produzir conhecimento.
Dentre as atividades previstas na disciplina tem-se a apresentação de um seminário
sobre as Relações Étnico-raciais. Este momento favoreceu a problematização e o
esclarecimento de diferentes questões, especificamente de questões que historicamente
foram invisibilizadas no que tange aos povos indígenas e as populações negras que em solo
brasileiro foram escravizadas.
Todavia, considerando a importância da vivência, experimentação, do fazer e sentir nos
processos de ensinoaprendizagem. Além das vivências propostas nas aulas, ponderamos que a
verdadeira essência emergente dos batuques e demais práticas culturais mencionadas na
disciplina, só afetariam e seriam realmente internalizadas por parte dos sujeitos, no contato direto
com os saberesfazeres artísticos. Com isso, foi proposta uma atividade de campo por meio de
uma viagem à Vila de Regência, onde os acadêmicos puderam vivenciar as comemorações do
Centenário da Memória de Caboclo Bernardo em junho de 2014. Na ocasião foi possível apreciar
o encontro das bandas de Congo, Jongo, Caxambu, além de apresentações de capoeira.
Esse primeiro contato despertou o olhar dos acadêmicos, com particular
proeminência para os participantes do projeto de extensão em Dança. Com isso, foi proposta
uma visita a Vila de Itaúnas com intuito de participar dos Festejos em homenagem a São
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Sebastião e São Benedito, realizado em janeiro de 2015. Onde foi possível conhecer e
apreciar as apresentações do Ticumbí, Alardo, Reis de Bois, Folia de reis, Boi Pintadinho,
Jongo, Congo e Caxambu.
2. Primeiras impressões: superando os mitos, os medos e o desconhecimento
Os principais conhecimentos acerca do folclore e da cultura popular relatados por
parte dos acadêmicos vão de encontro as práticas culturais vivenciadas e/ou tematizadas
durante a escolarização, sendo as mais mencionadas as lendas e a quadrilha na festa junina.
O que reforça a superficialidade com que historicamente essa temática vem sendo abordada
nos currículos escolares.
No que tange ao currículo, Pacheco (2005, p. 141) compreende-o como, “[...] um
lugar privilegiado para (des)construção de identidades, ou de processos de subjetivação”,
embora historicamente possa ser descrito como um dispositivo social e ideológico de
reprodução de uma identidade que continua sendo notavelmente “[...] iníqua em termos de
classe, gênero e raça” (APPLE,1989, p. 26).
Em relação à Educação Física é válido pontuar que, enquanto disciplina escolarizada,
onde o corpo como seu objeto de intervenção é o principal referencial a ser considerado no
trabalho do professor e na ação do aluno. Destaca-se que sua história aponta para um
distanciamento do corpo negro, na medida em que o corpo idealizado pela Educação Física
partiu da imagem corporal dos gregos, portanto de um corpo branco. Essas diretrizes “[...]
assumiram importância vital na construção da matriz racista e na ideologia racial brasileira,
formulada e difundida no século XIX. Fortalecendo a hegemonia de uma corporeidade quase
sempre branca, cristã, burguesa, eurocêntrica, heterossexual e racista” (MATTOS, 2007, p. 11).
Quando questionados em relação aos conhecimentos que obtinham acerca das práticas
culturais de matriz africana e afro-brasileira, os relatos envolvem várias dimensões, que
perpassam desde a vivência de práticas corporais como a capoeira, a superficialidade com que
esses saberes historicamente foram tratados no espaçotempo da escola. Normalmente
relacionando à imagem do negro a figura do escravo nos navios negreiros e nos canaviais.
Aspecto esse, que de certa forma reflete a pouca visibilidade do negro nos livros
didáticos, especificamente no que se refere a sua contribuição na história, cultura economia
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do país, com proeminência para o período compreendido como pós-abolição. Haja vista a
completa ausência dos povos indígenas, salvo quando no “descobrimento” do Brasil.
No relato da acadêmica “F4” os aspectos mencionados são traduzidos da seguinte forma:
[...] no período onde vivenciei o ensino fundamental e médio posso pontuar
que não me recordo de um estudo sistematizado e aprofundado sobre tais
culturas. Infelizmente ao remeterem ao negro ou a África, eram assuntos sobre
a escravidão, período de muito sofrimento, interrompido pela lei Aurea. [...]
os conhecimentos sobre a cultura indígena obtive apenas “como um povo que
já estavam no Brasil antes dos portugueses chegarem”. A minha maior dúvida
no decorrer de todo meu ensino básico foi sobre (Quem realmente descobriu
o Brasil? Os índios ou os Portugueses?) pois era algo pouco aprofundado.
A luta da comunidade afro-brasileira por reconhecimento e afirmação de direitos,
especificamente no que se refere à educação, passou a ser fortalecida pela promulgação das
Leis 10.639/03 e 11.645/08 que estabelecem obrigatoriedade do ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira, Africana e Indígena no currículo oficial da Educação Básica. O escopo das
leis está em promover a discussão e a valorização de todo acervo cultural e histórico das
populações de ascendência africana e indígena e, assim, trazer visibilidade à contribuição
desses povos na construção da identidade brasileira.
Essa temática ainda carece de incontestável atenção, à medida que compreendemos que a
efetivação da lei transcende ao cumprimento de sua obrigatoriedade nos documentos que regem as
instituições. Sendo necessário, nesse sentido, propor uma reflexão crítica acerca da temática
mencionada a partir dos saberesfazeres vivenciados no chão da escola e na formação de professores.
Corroborando, Silva (apud MEC/SECAD, 2006, p. 56) chama a atenção para a “[…]
falta de conteúdos ligados à cultura afro-brasileira que apontem a importância desta
população na construção da identidade brasileira, não apenas no registro folclórico ou datas
comemorativas, mas principalmente para a compreensão do respeito às diferenças”.
Todavia, o que mais chamou a atenção, foi e continua sendo a intencional negação
dos saberes em função das concepções religiosas. Esta ainda constitui-se enquanto entrave,
com vistas à equidade nos processos educativos, especificamente no que se refere ao trato
das Africanidades nos currículos acadêmicos e escolares.
Ainda em relação à religiosidade, consideramos importante destacar duas passagens
vivenciadas no decorrer da experiência. A acadêmica “S”, pondera que em seu caso, parte
4 O nome dos participantes da pesquisa não será divulgado, com isso, utilizamos letras para nomeá-los.
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do desconhecimento das práticas culturais mencionadas na pesquisa, deve-se a sua formação
religiosa. Segundo ela “[...] o papel da igreja evangélica reforçava o pensamento e postura
preconceituosa sobre os mesmos”. Ou seja, sobre determinadas práticas culturais,
especificamente as manifestações que envolvem batuques, tambores e danças.
Características marcantes também na religiosidade caracterizada como afro-brasileira que
também foi/é alvo de muita condenação e perseguição.
Já o acadêmico “C” apresenta o seguinte relato:
Tais atividades me trouxeram a oportunidade de “sentir na pele” essas
diferentes manifestações de cultura, que algumas nem mesmo ouvira falar
antes da graduação. Não posso deixar de destacar um fato ocorrido na pesquisa
em Itaúnas. No momento da fincada do mastro de São Benedito, ouve certa
confusão por conta da profundidade do local que o mastro seria fincado, ou
por conta da posição do estandarte (não sei se posso chamar dessa forma). Um
dos senhores que o carregavam, mais exaltado se afastou do grupo, se ajoelhou
frente ao mastro que estava no chão e o beijou em forma de oração. Isso
chamou minha atenção por minhas raízes religiosas e também por perceber
que outras pessoas estavam pela festa “empunhando” suas latinhas de cerveja.
Isso evidenciou a diversidade de sentidos que as manifestações culturais têm.
Imagem 1 - Fincada do Mastro de São Benedito - Itaúnas/ES
Fonte: Arquivo pessoal.
As constantes pressões da Igreja Católica para extinção dos cultos e rituais de matriz
africana e afro-brasileiras levou às religiões afro-brasileiras a junção de aspectos das crenças
e rituais católicos com tradições africanas e, por vezes, indígenas. Estabeleceu-se, assim, o
sincretismo religioso, forte característica presente nas religiões e práticas culturais
brasileiras, conforme podemos perceber na imagem abaixo (ALBUQUERQUE, 2006).
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Imagem 2 - Banda de Congo Konshaça em Vila de Regência/ES
Fonte: Arquivo pessoal.
A expressão “sentir na pele” relatada pelo acadêmico, nos conduz ao diálogo com os
ensinamentos de Lopes (1990, apud Silva, 2005, p. 159) de que “[...] na cultura de origem
africana só tem realmente sentido o que for aprendido pela ação, isto é, se no ato de aprender,
o aprendiz executar tarefas que o levem a pôr ‘a mão na massa’”.
Nesse sentido, faz-se imperioso transversalizar, problematizar e, sobretudo oportunizar
a vivencia dessas saberesfazeres na formação de professores, de forma que as às práticas
manifestadas em torno do patrimônio imaterial das culturas populares alcancem o chão da
escola. Pois, se compreendemos que a aprendizagem efetiva-se a partir da experiência, do fazer
e sentir, nada mais coerente do que por “a mão na massa”. Só assim, sendo conhecidas, que estas
práticas poderão legitimamente consideradas como bens patrimoniais.
3. Segundas, terceiras impressões: ressignificando o olhar e (des)construindo identidades
Segundo LOURO (citado por GOMES, 2005, p. 43) “[...] como sujeitos sociais, é no
âmbito da cultura e da história que definimos as identidades sociais (todas elas, e não apenas a
identidade racial, mas também as identidades de gênero, sexuais, de nacionalidade, de classe,
etc.)”. Nessa lógica, reconhecer-se numa delas supõe, portanto “[...] responder afirmativamente
a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência”.
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Nesse processo, conforme destaca Hall (2001), nada é simples ou estável, pois essas
múltiplas identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, lealdades distintas, divergentes, ou
até contraditórias. Ainda segundo o autor,
[...] a cultura é constituída de instituições, símbolos e representações; um
modo de construir sentido que tangencia a organização tanto de nossas
ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas, ao
produzirem sentido com os quais podemos nos identificar, constroem
identidades. Os sentidos oriundos das histórias contadas na cultura são
memórias e imagens que conectam o presente com o passado dos
indivíduos e projetam seu futuro [...] (HALL 2001, p. 50).
Nesse sentido, tendo como pressuposto que “[...] as práticas e artefatos culturais
encontram-se articulados aos processos identitários dos sujeitos, e que estes ao viverem a
situação de rememorar/narrar estas práticas passam por processos de atualização identitária”
(PASSOS, 2010, p. 146). Destacamos alguns relatos que fortalecem a importância do fazer
e do sentir nos processos de formação cultural e estética dos sujeitos que o vivenciaram.
Inicialmente a surpresa toma conta do olhar, que ora analisa, com o estranhamento fruto
de uma formação que fez ausentes, invisíveis e inaudíveis, os saberesfazeres artísticos oriundos
de uma ancestralidade negada. Ora, deslumbra-se com tamanha energia que emerge dos
batuques, da cantoria por vezes pouco compreendida e do bailado que oscila entre a contida
(porém forte) movimentação característica de nossos ancestrais indígenas. E a frenética
movimentação de ombros e quadris acompanhando os tambores da ancestralidade negra.
Imagem 2 - Dança do Jongo - Vila de Itaúnas 2015
Fonte: Arquivo pessoal
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A acadêmica “E” descreve esse momento da seguinte forma:
Não sabia se registrava, se perguntava, se eu me metia nas rodas para
dançar junto...até que...somente observei. Notava-se algo surreal, distinto
de tudo, pois não conhecia. [...] eles estavam presentes ali levando sua
gratidão, adoração, família e alegria, interagindo. Percebi o quão distante
estamos das nossas raízes e como também potencializamos a exclusão e
“recriminamos” tais manifestações de maneira equivocada. Pude entrar em
conflito constante comigo.
Percebe-se, na fala que antecede, que o contato com as práticas culturais fez emergir uma
série de conflitos que, por conseguinte, culminou no que poderíamos chamar de crise, perda e/ou
(des)construção das identidades anteriormente afirmadas. Todavia, segundo Bhabha (2005), uma
saída para esse conflito, está no exercício de rememorar como o colonizado era antes da colonização,
seu passado de luta e escravidão. Não com a intensão de sanar os conflitos atuais, mas sim, fazer
surgir algo novo, que não se iguala ao passado – que agora faz-se consciente na mente do colonizado
– mas que também não continua refém das amarras culturais que o colonizador propõe.
As práticas culturais oriundas dos nossos ancestrais africanos e manifestadas por
meio das danças e folguedos populares constituem-se práticas de resistência, construídas a
luz da resistência às crueldades vivenciadas nos cativeiros e senzalas e manifestadas por
meio do corpo em movimento nas diferentes práticas que compõem o patrimônio cultural
nacional. Que mesmo passando por processos de ressignificação, continuam carregadas de
simbologias, sentidos e significados que engrandecem o patrimônio cultural nacional.
Acrescenta-se, no diálogo com Martins (2012, p. 18) que “[...] possibilitar a construção, o
conhecimento e a valorização dessa cultura antes negada poderia levar uma tomada de consciência
(corporal e negra)”. Logo, atribuir sentido, significado e visibilidade a essas manifestações
corroboram para superação de paradigmas historicamente construídos, que ainda hoje continuam
sendo usados para “camuflar o pertencimento étnico-racial, na tentativa de encobrir dilemas
referentes ao processo de construção da identidade negra” (GOMES, 2003, p. 138).
4. Relações étnico-raciais nos processos de formação docente: desafios, reflexões e ações
A relação entre pesquisa, formação do professor e prática pedagógica tem recebido
destaque nos discursos políticos e acadêmicos sobre educação no Brasil, especialmente sobre a
formação do professor como pesquisador. Nessa perspectiva, a possibilidade de discutir e refletir
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sobre a formação de professores a partir de vivências como docente em uma instituição criada e
pensada com esta finalidade, configura-se como uma valorosa experiência com vistas à
investigação de práticas efetivas e de construção de conhecimentos sobre o que fazemos e como
podemos melhor desenvolver nossos objetivos em todos os níveis de ensino.
Findo o processo de investigação e coleta de dados identificamos alguns aspectos que
carecem de maior atenção, dentre estes ressaltamos: a importância da formação estética e cultural
dos discentes, com vistas à superação de paradigmas relacionados às práticas culturais e ao trato com
a diversidade e a diferença; a necessidade de transcender da reflexão para a ação, especificamente no
tocante aos desafios relacionados à implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08.
Consideramos significativo pontuar ações emergentes da pesquisa realizada: A
elaboração de dois planos de intervenção que foram desenvolvidos com crianças estudantes de
escolas públicas do Município de Vitória, matriculadas no Programa de Extensão “Esporte
Cidadão”, uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Vitória e a FCSES; a ampliação das
atividades do projeto de extensão em dança por meio de uma parceria com um Centro Municipal
de Educação Infantil de Vitória, tendo por escopo fomentar o ensino do Folclore e da Cultura
Popular na escola. Atendendo cerca de 70 crianças por semana com idades variando entre 02 e
05 anos; a inserção da temática étnico-racial em dois projetos aprovados para iniciação científica
na FCSES e a produção artística do espetáculo “Di Versos”, trabalho desenvolvido no projeto
de extensão em dança, que será apresentado em dezembro de 2015.
Ressalta-se que consideramos o presente relato à concretização temporal da
intervenção proposta. Visto que, considerando tanto os aspectos qualitativos resultantes do
trabalho, quanto os pontos nevrálgicos ainda latentes. Daremos continuidade à proposta, sendo
os próximos destinos o Sitio Histórico de São Mateus e a Aldeia Indígena situada em Aracruz.
Ao levantar essa discussão, propõe-se não o esgotamento da referida temática, visto
a complexidade do problema mencionado. A intenção é de reacender o debate com vistas ao
comprometimento com a equidade em educação para com outros grupos que compõem a
diversidade humana e que por suas especificidades, foram colocados em situação de
inferioridade. Quem sabe assim possamos transcender do “mito” para uma verdadeira
“democracia racial” em nosso país.
Destacamos a importância de experiências como estas para a formação cultural e
estética dos sujeitos que a vivenciam, especificamente para o escopo desta pesquisa, de
docentes em formação, à medida que incitou a reflexão sobre o vivido, o desconhecido, sobre
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as interpretações e representações construídas acerca das práticas culturais presentes no
Estado. Além da ressignificação do nosso olhar sobre nós mesmos, nosso povo, nossa cultura.
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A ESCOLA SILENCIA AS DIVERSIDADES? ESTUDO DE CASO DE UMA
INSTITUIÇÃO DE ENSINO EM CARIACICA-ES
Emanuel Vieira de Assis Colégio Castro Alves
Fabrisa Leite B. da Silva Colégio Castro Alves
Resumo: Este trabalho apresenta um estudo de caso que busca compreender a forma pela qual o
discurso acerca da diversidade do Brasil, muito presente nos documentos oficiais, deriva e produz,
no ambiente da sala de aula de uma determinada escola em Cariacica/ES, o efeito de sentido de
desigualdade/discriminação. O objetivo geral é observar as representações dos alunos em relação ao
discurso ideológico capitalista pautado por uma concepção de escola voltada para o mercado de
trabalho e para o que as obras didáticas consideram como desenvolvimento econômico da nação e
como estes fatores suprimem o conhecimento e o desenvolvimento de diversidades no espaço
escolar. O que se espera com esta pesquisa é que, através da análise destes elementos, se desenvolvam
críticas que possam contribuir para o debate sobre o caráter ideológico da escola, e da educação como
um todo, em relação às diversidades presentes no espaço escolar.
Palavras-chave: escola; diversidade; preconceito
Abstract: This work presents a study of case that seeks to understand the way in which the discourse
about diversity of Brazil, which is present in official documents, comes from and produces, in the
classroom environment of a private school in Cariacica/ES, the effect of sense of
inequality/discrimination. The overall objective is to observing the representations of the students in
relation to the capitalist ideological discourse pointed by a school that look for geared to the labour
market and what the textbooks consider how economic national development and how these factors
suppresses the knowledge and development of diversity at school's space. What is expected whit this
research is that through the analysis ofthese elements, developing criticisms that can contribute to
the debate on the ideological character of the school and education as a whole, in relation to the
diversity what is present in the school environment.
Keywords: school; diversity; prejudice.
Introdução
O mundo no qual cada um vive depende da maneira de concebê-lo,
que varia, por conseguinte, segundo a diversidade das mentes.
Arthur Schopenhauer
A escola se apresenta como um espaço onde os diferentes se encontram. Alunos,
professores, funcionários e gestores, cada qual com suas experiências de vida, impressões
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sobre a realidade, formação, desejos e concepções de mundo, interage com o outro num
processo de construção e reconstrução constante de pensamentos.
Neste palco, qual o papel da escola na organização e/ou reorganização destas diferenças?
Os discursos ideológicos produzidos pela escola buscam alinhar um pensamento e comportamento
homogêneo para com os discentes? As diferenças são trabalhadas de forma a se evidenciarem
como um instrumento importante de aprendizado e desenvolvimento de novas ideias?
A escola reflete a pluralidade cultural presente na sociedade. Diante da heterogeneidade
presente nas salas de aulas, faz-se necessário refletir sobre as ideologias presentes no ensino
como forma de produção e reprodução de sentidos que visem à homogeneização de resultados
esperados. Resultados estes muitas vezes impressos nas avaliações como meio de reproduzir
ideias colocadas por ideologias nem sempre condizentes com as realidades e diversidades
presentes no segmento discente. O controle disciplinar muitas vezes imprime uma ideia de
ordem, de correto e de organização que não correspondem ao que as diferenças existentes na
escola trazem como ordem, como correto e como organização. São padrões estabelecidos pela
própria instituição escolar que oprimem e sufocam a participação do diferente.
A partir do momento em que essas ideologias dominantes de fazem presentes no
currículo escolar, a perspectiva multiculturalista perde espaço enquanto campo político.
Porém, cabe à escola adotar caminhos viáveis para que o multiculturalismo se faça concreto
nas práticas curriculares, pois “os partidários da homogeneização frequentemente não levam
em conta a criatividade da recepção e a renegociação de significados” (Burke, 2003, p. 111).
Diante destas questões, este trabalho apresenta-se como um estudo de caso que busca
compreender a forma pela qual o discurso acerca da diversidade, muito presente nos
documentos oficiais, deriva e produz, no ambiente da sala de aula de aula, o efeito de sentido
de desigualdade/discriminação. Tal discurso muitas vezes acarreta no silenciamento de
grupos sociais identitários que não encontram espaço de reconhecimento e participação no
ambiente escolar. Alunos enfileirados em carteiras, excesso de avaliações tradicionais
quantitativas, exigência de comportamentos, roupas e acessórios padronizados. Tudo isso se
torna importante para a preservação da cultura e domínio de grupos privilegiados e do status
quo, apesar de nem sempre de forma consciente (Moreira; Candau, 2003, p. 157).
O objetivo geral é analisar as representações dos alunos em relação ao discurso
ideológico produzido pela escola e como ele pode suprimir o conhecimento e o
desenvolvimento de diversidades no espaço escolar. O que se espera com esta pesquisa é
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que, através da análise destes elementos, se desenvolvam críticas que possam contribuir para
o debate sobre o caráter ideológico da escola, e da educação como um todo, em relação às
diversidades presentes no espaço escolar; de forma a identificar possíveis situações de
discriminação e silenciamento das identidades culturais no ambiente escolar, apontar como
se expressa o discurso ideológico dominante no currículo escolar e refletir sobre as condições
de produção do discurso enquanto parte constitutiva da relação sujeito/linguagem na
produção e circulação de sentidos.
Para que fosse realizado, este trabalho contou com um estudo de caso de caráter
quantitativo e qualitativo como instrumento de coleta de dados. Como ponto de partida da
pesquisa, houve a aplicação de um questionário aberto e fechado aos alunos matriculados
no ensino médio. Além disso, entrevistas de grupo focal realizadas como forma de observar
as impressões deixadas pelos alunos em relação ao tema, forneceram as materialidades a
serem analisadas.
1. Educação, discurso e neutralidade
Segundo Orlandi (2001, p. 22) “a ideologia se caracteriza, assim, pela fixação de um
conteúdo, pela impressão do sentido literal, pelo apagamento da materialidade da linguagem
e da história, pela estruturação ideológica da subjetividade”. Neste sentido, considerando
que é através da linguagem que o sujeito atribui sentido sobre si mesmo e sobre o mundo,
poderemos observar elementos relacionados aos gestos de interpretação produzidos nas
relações sociais dominantes.
Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocarem
questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem.
Perceber que não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade.
Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos.
A entrada no simbólico é irremediável e permanente: estamos comprometidos com os
sentidos e o político, não temos como não interpretar (ORLANDI, 2007, p. 09).
Com esta reflexão, Eni Orlandi embasa o posicionamento deste trabalho de que os
discursos ultrapassam as fronteiras da estrutura linguístico-sociais e buscam, para além dela,
os efeitos de sentido de seu dizer.
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E toda essa composição fez com que pudéssemos entender que a constituição sócio
histórica do sujeito permite a compreensão da ideologia dominante que está se
materializando neste discurso presente em sala de aula e, por conseguinte, a compreensão
dos efeitos de sentidos que esta prática discursiva acarretará no aluno/leitor que, na escola,
terá acesso ao discurso referente à diversidade.
A educação – transmitindo conhecimento de uma geração a outra – é, portanto,
juntamente a outras instituições, responsável pelo processo de sociabilidade do ser.
Dessa forma, desde uma sociedade primitiva em que a educação é vista como uma
atividade cotidiana, presente nas cerimônias e nos rituais, passando pelas sociedades escravistas e
feudais até chegar à atualidade, a educação constitui-se como o processo pelo qual se transmite aos
indivíduos os conhecimentos necessários para que ele possa se integrar à sociedade.
Esta atitude de visualizar a educação como uma prática social faz com que ela seja
tomada como um processo longo e complexo cuja ausência traria dificuldades ao ser
humano, sobretudo numa sociedade em que as condições e os instintos naturais não são
suficientes para garantir a sobrevivência da espécie humana.
Ao tomarmos, neste estudo, o posicionamento de que a cultura é representativa do povo
que a possui e, ao mesmo tempo, é resultado de processos históricos, assumimos que não existam
culturas superiores ou inferiores, mas diferentes. E ainda que, não devam ser tomadas como
superiores ou inferiores as questões relacionadas às diversidades, quaisquer que sejam elas.
Sabendo-se que em nenhum momento os discursos analisados poderiam ser tomados
como neutros – afinal estão inscritos sócio historicamente – a análise procurou observar a
forma pela qual ele está sendo construído, e de que maneira se relacionava com o mundo.
Compreendendo que discurso é “efeito de sentido entre interlocutores” e que é na
língua que este discurso se materializa, tomados as sequências discursivas dos elementos de
análise como materialidade para compreender os efeitos de sentido de cada um bem como
os efeitos de sentido produzidos pelos “diálogos” de ambos.
Bakhtin (1992) afirma que o homem constrói sua existência dentro das condições
socioeconômicas objetivas, de uma sociedade. Somente como membro de um grupo social, de
uma classe social é que o indivíduo ascende a uma realidade histórica e a uma produtividade
cultural. Para a Análise do Discurso, o sujeito do Discurso é histórico, social e descentrado.
Descentrado, pela Ideologia e pelo inconsciente. Histórico, por que não está alienado do mundo
que o cerca. Social, por que não é o indivíduo, mas aquele apreendido num espaço coletivo. “O
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sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da Língua e também pelo real da
história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam” (ORLANDI, 2002, p. 20).
Fomos, assim, desenvolvendo o trabalho de forma a se fazer perceber que a escola
tida como um importante fator de mudança social na verdade não tem poderes para modificar
as estruturas, e, mais até, é ela a responsável por confirmar e sustentar esta estrutura.
2. Multiculturalismo e educação
Quais os discursos que são produzidos pela escola a respeito das diferenças e uma
possível padronização de comportamentos e ideias no espaço escolar? Quais os discursos
que os alunos expressam acerca deste tema? Eles encontram liberdade para isto? O
multiculturalismo se faz presente na escola estudada? Do que se trata o multiculturalismo?
Trata-se de uma perspectiva na qual os sujeitos são plurais, não há hierarquias quanto
às formas de pensar, interagir e se comportar, pois as diferenças são vistas como importantes
para o processo educativo e assim, todos estão preparados para dialogar com o diferente. A
ideia de padronização cultural se dissolve, pois não é capaz de responder as necessidades de
compreensão da complexidade cultural cada vez mais presente. Assim, não faz sentido
conceber uma escola voltada somente para um público, como geralmente ocorre o predomínio
de uma educação direcionada para um grupo erudito, letrado e que seja capaz de reproduzir os
discursos e conteúdos pautados por um conhecimento e comportamento dominante.
De acordo com Semprini (2006), o ponto chave do multiculturalismo é a diferença, que
ele trata como “uma realidade concreta, um processo humano e social, que os homens empregam
em suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no processo histórico” (Semprini, 2006, p. 11).
Assim, ele sinaliza que a perspectiva multiculturalista gera uma ruptura com um
pensamento homogêneo de sociedade e de cultura, onde a humanidade caminha para uma
evolução natural, como se orienta os modelos ocidentais de cultura determinados
historicamente, como a ideia do branco erudito, “bem educado”, de uma sociedade
patriarcal, cristã e obediente.
Dessa forma, o multiculturalismo trata a diversidade e a diferença não como
problemas, mas como elementos centrais na prática educativa. Os currículos escolares devem
pautar suas orientações tendo o diferente não como algo a ser combatido e neutralizado, mas
o entendendo como figura importante no processo de ensino e aprendizagem. É importante
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salientar que a diversidade não deve ser trabalhada nos espaços escolares como algo folclórico,
mítico e exótico. Esta forma de encarar as diferenças só a torna algo distante da realidade dos
sujeitos escolares. Trabalhar a diversidade como elemento central significa colocá-la como
aspecto comum, dissolvido na cultura escolar e importante para o desenvolvimento das
discussões e práticas escolares. Assim, todos os indivíduos e grupos são tratados como
inacabados e possíveis de mudança (Canem; Oliveira, 2002, p. 61-62).
Este trabalho envolvendo currículo escolar e multiculturalismo leva em consideração
que escola e cultura não podem ser vistas de forma independentes, pois elas estão
entrelaçadas, assim como na sociedade, onde a pluralidade cultural se manifesta (Candau;
Moreira, 2006, p. 160). Se na realidade social, as diferenças estão presentes e se
comunicando a todo o momento, por que na escola o pensamento homogêneo e a
unilateralidade cultural deve ser a perspectiva central?
3. Metodologia e resultados
Como professores da rede básica de ensino, acreditamos que o ensino não deve ser
dissociado da pesquisa. Esta tarefa, que geralmente está ligada às universidades, não
possibilita a maioria dos professores do ensino básico a trabalharem concomitantemente ao
ensino. Porém, para que o processo de ensino e aprendizagem não se torne estanque,
repetitivo e descontextualizado da realidade dos sujeitos escolares, faz-se necessário este
trabalho de pesquisa. A falta de ligação com a academia não pode ser justificativa para que
este trabalho não seja realizado.
Por isso, buscamos realizar um estudo de caso de caráter quantitativo e qualitativo
como instrumento de coleta de dados. Como ponto de partida da pesquisa, o trabalho consiste
na aplicação de um questionário aberto e fechado aos alunos matriculados no ensino médio.
Os dados coletados foram analisados à luz das teorias que envolvam questões relacionadas
ao multiculturalismo.
Os questionários foram aplicados aos alunos do 2º ano e do 3º ano do Ensino Médio
e totalizou 42 respostas, no período de treze dias, através de uma plataforma virtual em que
os mesmos não precisavam se identificar.
A primeira questão a ser respondida pelos alunos referia-se ao fato de já ter visto ou
já ter sofrido discriminação na escola. Do total de respostas:
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69,05% disseram que já sofreram ou já viram alguém sofrendo este tipo de violência na escola;
21,43% responderam “não, nunca sofri discriminação e nunca vi ninguém sofrê-la”.
Este dado pode levantar duas hipóteses. Uma, de que estes alunos não percebem
alguma forma de discriminação que possa estar presente no espaço escolar, talvez por estarem
inseridos em grupos ditos dominantes e que comumente não sofrem desta violência. Ou, por
estarem tão envolvidos com os discursos discriminatórios, que estes se tornam “transparentes”,
impossibilitando uma percepção/reflexão. E a outra é que há um trabalho da escola para que
este tipo de situação não ocorra e que este trabalho atinja somente alguns alunos.
A primeira hipótese parece mais adequada, visto que se houvesse de fato um amplo trabalho
de luta contra formas discriminatórias, ele abarcaria a maioria dos alunos e não uma minoria.
Em seguida, o respondente tinha opção de comentar a discriminação sofrida na escola
e entre elas, alguns comentaram e exemplificam a violência exercida pela instituição, como:
Aluno 1: “Involuntariamente, uma professora me ofendeu dizendo que todos os ateus
são imorais”;
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Aluno 2: “Consigo ver a diferença que eu e outras pessoas são tratadas, pelo fato de talvez
não ter uma renda tão alta quanto a de outros alunos, há também a diferença que
professores tratam alunos mais inteligentes e alunos com dificuldades de aprendizagem,
consigo ver nitidamente o quanto um aluno mais inteligente é bem tratado por um
professor e o com dificuldade acaba sendo ‘esquecido’, ou o que na rua seria reconhecido
por um professor por ter dinheiro ou por ser mais inteligente, o outro com dificuldade e
com uma renda menos passaria dispercebido (sic)”;
Aluno 3: “Uns dos casos foi em aulas de educação física onde os alunos com um certo
peso maior eram sempre os últimos a ser escolhidos em jogos”;
Aluno 4: “Durante a colagem de cartazes contra o preconceito (mas especificamente a
homofobia), um funcionário da escola questionou se eu a minha amiga tínhamos
autorização para a colagem, já que a escola não pode ‘incentivar’ certas coisas”;
Aluno 5: “Frequentemente me sinto prejudicada pela preferência de uma parte dos
funcionários da escola por alguns alunos que apresentam boas notas, ou que demostram
com facilidade tudo que sabem fazer”;
Nestas falas, podem-se observar algumas formas de discriminação por parte de professores
e funcionários da escola, como renda, peso, orientação sexual e ritmo de aprendizagem.
Em algumas situações e por alguns alunos, a tentativa de padronização ocorre como
modo de referência a ser seguida, gerando posturas de estranhamento quando não realizada.
Todos estes discursos acerca da diversidade que deslizam para discursos da desigualdade
fazem com que se reflita acerta da identidade que se está construindo no aluno que, no ambiente
escolar, vive estas situações. Em filosofia, de onde o termo se originou, identidade
refere-se primeiramente, aquilo que dá a alguém sua natureza essencial e
sua continuidade; em seguida, ao que faz duas pessoas ou grupos de
pessoas, terem características comuns. O conceito envolve negação e
diferença: algo é alguma coisa e não outra” (PIRES, 2001, p. 11).
Cavalcante afirma que
“[...] um mesmo fato pode ser captado e interpretado de formas diferentes
por diferentes sujeitos o que resulta em diferentes discursos, que por sua vez,
materializam-se em diferentes textos que, uma vez postos em circulação na
sociedade, possibilitam várias leituras [...]” afinal “o sujeito leitor também
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produz sentidos e o faz a partir de referências culturais e ideológicas do
grupo social no qual se inscreve” (CAVALVANTE, 1996, p. 36).
Com isso vai-se estabelecendo os pares inteligente/pouco inteligente, boas condições de
vida/ condições de vida ruins/, de aspecto dito aceitável/de aspecto dito não aceitável; de forma
que o aluno tenha um ou outro elemento do par como opção para identificar-se, e esta identificação
não é livre, e sim construída a partir das condições sócio históricas em que este aluno está inserido.
Como questão aberta, o aluno poderia descrever como ele acha que a escola o vê e o
trata em relação a sua identidade. No total, 37 responderam e destes, 16 alunos sinalizaram
uma visão positiva do tratamento da escola, afirmando que a instituição o trata de forma
normal, sem discriminação e ou tentativa de igualar a outros.
Por outro lado, a maioria lançou críticas na forma de tratamento da escola, gerando
uma conduta de não identificação por parte destes alunos, por considerar que a instituição
escolar da qual estudam não leva em consideração as diferenças e comportamentos identitários
que eles manifestam, como afirma uma aluna: Preferem dar mais atenção aos alunos
excelentes em matemática, física e química ou quem foi o melhor no simulado. Não tenho
muito espaço para demostrar minha identidade, e alguns professores não nos levam a sério.
Alguns professores desconversam, outros reprimem. Alguns nos tratam como experiências de
laboratório: como ele vai se comportar em tal situação? E depois jogam na sua cara o
resultado dessa experiência (assim como a nota das provas que parece ser tudo que importa,
deslizes não são permitidos). Claro, não jogam na sua cara de maneira obvia, mas você será
tratado ou ouvido de acordo com a sua nota, quanto maior a sua nota, mas importante e
incrível você é). Se você foi ruim, te olham com decepção por um longo tempo, e é necessária
paciência da sua parte até que ele(a) te perdoe (professor(a)), e se você foi bem ele(a) te
expõe, levanta seu ego de maneira que os outros vejam como você é brilhante e sintam-se
obrigados e ser como você. Ai sim. Parabéns, você é um excelente aluno! Vai ganhar voz,
destaque, vai ser exemplo, vai ser melhor SEMPRE. E os outros que te acompanhem, não
interessa se os outros são diferentes, de repente bons em outras coisas, mas isso não interessa,
não são bons nos testes, provas, deveres do portal, em responder perguntas que reprimem na
hora da aula, eles não são bons como você! E não podem ser ouvidos com tanta seriedade
como você que é um EXCELENTE aluno. Excelente aluno em matemática, física e química,
porque você é um desastre em português, suas respostas em filosofia são confusas e tem uma
opinião superficial sobre todos os assuntos necessários na redação do ENEM. Mas isso não
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importa! Você é um EXCELENTE aluno, parabéns! Aqui um presentinho, gente, batam
palmas e na próxima vez dediquem-se mais! Aí eu penso: mais para quê? Para ser bom em
calculo ou para convencer ao professor que posso ser bom em outras coisas? Tipo uma que
eu goste. Parece que estão tão preocupados em destacar um, dois ou três alunos para
estabelecer um padrão que todos DEVEM seguir. Mas nós não queremos segui-los, e
desanima demais ir todos os dias para a escola sentir-se assim, obrigada a ser boa no que eu
não sou (boa não, EXCELENTE). Claro que todos nós temos que estudar, dedicar-se. Mas
estamos lá principalmente para aprender, e para que possamos aprender alguns erros serão
cometidos. Mas feri errar quando esperam de nós perfeição. Faço a prova com medo do olhar
de reprovação. Dou minha opinião sabendo que não vou ser ouvida.
Esta ideia de padronização da forma de aprender fica é comentada por outro aluno na
resposta da questão: Ela nos prende, toma essa liberdade que ainda está crescendo junto com a
nossa opinião. Não sei o porque dessa padronização, talvez uma melhor forma de organização
ou então mostrar para os outros de fora como os alunos são pessoas lineares na melhor forma
da sociedade padrão, aquele padrão em que todos os pais querem ver seus filhos. E caso você
tente por seu verdadeiro eu de fora, pronto você virá o REBELDE, que precisa ser contido.
De acordo com Esteban (2001), no processo de ensino e aprendizagem o erro é um
importante instrumento pedagógico, desde que se crie ambientes confiantes e estimulantes
para se aprender com ele. Desta forma, alunos que acertam e alunos que erram devem
conviver e aprender uns com os outros, afim de que os desafios sejam encarados juntos e
este processo de torne dinâmico. Mas para alguns alunos, nem sempre a escola valoriza isto,
como afirma o aluno: A escola quer que o aluno seja bom em tudo que faça, em todas as
matérias, com todos os professores. Quer que tenha um alto rendimento escolar, em todas
as matérias, todas, sem exceção. E isso é bom, mas não quando nos vemos obrigados a
sermos “perfeitinhos”. O comportamento “adequado” que seria silêncio o tempo todo,
quem pergunta de mais é tachado de enjoado, quem é contra questiona o porquê que uma
coisa ocorre de determinada maneira é ignorado, muitas vezes recebe respostas, mas
insuficientes. Deveria, na escola, ser permitido que alunos errem, pois ali nós alunos
estamos aprendendo. E não sermos tratados como um todo que não tem nada pra fazer da
vida além de estudar. Para informação de todos: os alunos possuem uma vida fora da
escola. O que mais me incomoda é a pressão por querer que eu mostre resultados, mas não
apenas por assim dizer, querem que eu seja a melhor, (muito obrigado pela consideração,
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mas não existe lugar pra todo mundo ser melhor neste sistema capitalista que vivemos).
Parece que um aluno bom não pode tirar nota baixa, qual é o problema?
Considerações Finais
Compreendendo que discurso é “efeito de sentido entre interlocutores” e que é na
língua que este discurso se materializa, tomamos as sequências discursivas dos elementos de
análise como materialidade para compreender os efeitos de sentido de cada um bem como
os efeitos de sentido produzidos pelos “diálogos” de ambos.
Fomos, assim, desenvolvendo o trabalho de forma a se fazer perceber que a escola
tida como um importante fator de mudança social na verdade não tem poderes para modificar
as estruturas, e, mais até, é ela a responsável por confirmar e sustentar esta estrutura.
A linguagem se institucionaliza tanto historicamente quanto sobre uma forma de ação
sobre o outro e sobre o mundo. E é na linguagem, através dos discursos, que as ideologias
são materializadas, reproduzidas e perpetuadas.
A escola não está criando discursos, ela está colocando em circulação discursos já
cristalizados na sociedade brasileira, provocando efeitos de sentidos que mantêm o
preconceito, na forma de não valorizar as diferentes formas de aprender, buscando constituir
alunos que tenham um padrão de notas, de comportamento e processo de aprendizagem.
Importantíssimo salientar que ao chegarmos ao fim desta pesquisa é que começa,
efetivamente, o “trabalho”. Trabalho de se questionar, de se pensar, professores e demais
envolvidos na educação, qual o papel que a escola está tendo na constituição, e solidificação, de
uma sociedade voltada para os interesses do ser social e não para a disseminação de preconceitos.
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SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. São Paulo: EDUSC, 2006.
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PARTICIPAÇÃO E JUVENTUDE: DESAFIOS METODOLÓGICOS E PRÁTICAS
INOVADORAS
Euzeneia Carlos Doutora em Ciência Política, professora adjunta do PPGCS e coordenadora de área do Pibid
Ciências Sociais da UFES. E-mail: [email protected]
Larissa Pinheiro Mestre em Ciências Sociais e bolsista do Pibid Ciências Sociais da UFES.
E-mail: [email protected]
Resumo: Este artigo analisa o projeto pedagógico “Participação Estudantil” desenvolvido, na disciplina
Sociologia, em escola pública estadual de ensino médio na cidade de Vitória. Tal projeto visa ampliar as
condições de participação e de protagonismo estudantil da juventude a partir de um trabalho pedagógico
caracterizado por um duplo sentido: possibilitar ao aluno ser um agente ativo e construtor do
conhecimento e, fomentar a emergência de formas diversas de participação e representação na vida
escolar e fora dela. A análise se baseia em instrumentos do método qualitativo e quantitativo: observação
participante, entrevista semiestruturada e questionário estruturado. Buscou-se examinar a realização do
Projeto enquanto uma proposta metodológica inovadora e refletir acerca de suas implicações sobre o
processo ensino-aprendizagem e a formação política e cidadã da juventude.
Palavras-chave: participação; juventude; sociologia.
Abstract: This article analyzes the pedagogical project “Student Participation” developed in sociology
discipline in high school public in the city of Vitória. This project aims to expand the conditions of
participation of youth characterized by a double meaning: to enable the student to be an active agent
and builder of knowledge and to foster the emergence of various forms of participation and
representation in school life and beyond. The analysis is based on instruments of qualitative and
quantitative method: participant observation, semi-structured interview and structured questionnaire.
We sought to examine the Project as an innovative methodological approach and reflect on its
implications on the teaching-learning process and the political education and civic youth.
Keywords: participation; youth; sociology.
Introdução
No contexto escolar, a temática da participação e da juventude busca desenvolver
ações de incentivo à atuação e organização dos jovens nos seus processos de
desenvolvimento pessoal, social e de vivência política. Nestes termos, as atividades
educacionais deverão propiciar o desenvolvimento de metodologias voltadas à participação
e a “pluralidade de manifestação da juventude, estabelecendo formas de apoio para o
desenvolvimento de alternativas estruturadas de organização [...], representação e
participação estudantil no contexto escolar e social” (BRASIL, 2011, p. 16).
Este artigo analisa um projeto pedagógico denominado “Aprendendo a participar –
como desenvolver um projeto de participação estudantil na escola”, doravante “Participação
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Estudantil”, aplicado em escola pública estadual de ensino médio na cidade de Vitória, em
2014. No que preconiza as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2006),
este projeto visa ampliar as condições de participação e de protagonismo estudantil da
juventude a partir de um trabalho pedagógico na disciplina Sociologia, caracterizado por um
duplo sentido: (i) possibilitar ao aluno ser um agente ativo e construtor do conhecimento e
(ii) fomentar a emergência de formas diversas de participação e representação na vida escolar
e fora dela. Desse modo, esta proposta é consonante as diretrizes do Currículo Básico Escola
Estadual que destaca a importância da Sociologia como forma de: “Possibilitar ao aluno uma
atitude investigativa/cognitiva e uma prática social voltadas para a autonomia e participação,
através da compreensão da construção social da realidade e da emergência de ações efetivas
para transformá-la [...]” (ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 95).
O Projeto aborda o conceito de participação relacionado a uma concepção de
cidadania, ou seja, toma-se a participação estudantil como a apropriação dos alunos dos
meios de reflexão que lhes possibilitem a elaboração de uma consciência crítica que parta
para uma ação prática na escola e no seu entorno.
Neste artigo, buscamos analisar o desenvolvimento do Projeto Participação enquanto
uma proposta metodológica inovadora e refletir acerca de suas implicações sobre o processo
ensino-aprendizagem; seja na assimilação pela juventude de conhecimentos sociológicos
pertinentes seja na sua formação política e cidadã. Neste intuito, foram utilizados
instrumentos do método qualitativo e quantitativo para a coleta de informações e análise dos
dados, a saber: observação participante ao longo da concepção e execução do projeto,
aplicação de entrevista semiestruturada a três atores-chave e de questionário estruturado a
138 alunos do ensino médio da escola.
1. Democracia, participação e juventude: discussão teórica
Desde a década de 1960, em face da crítica à democracia representativa ou modelo
do elitismo pluralista (MACPHERSON, 1978), emergiu uma concepção participativa de
democracia, “pautada na ideia da ampla participação dos cidadãos nos assuntos de interesse
da coletividade” (LÜCHMANN, 2002, p. 22). Essa acepção parte dos teóricos clássicos
como Rousseau e J. Stuart Mill e enfatiza a retomada da articulação entre o conceito de
cidadania e o de soberania popular.
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Rousseau ressalta o caráter pedagógico da participação política, o seu cunho
transformador sobre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes dos indivíduos
que interagem dentro delas. Em sua teoria avalia o papel da participação para além de sua função
como complemento protetor de uma série de arranjos institucionais, enfatizando, sobretudo, o
efeito psicológico provocado sobre os que participam: o cidadão que participa da tomada de
decisões, mesmo sendo um indivíduo de interesses privados, aprende a ser também público.
Deste modo, a função central da participação na teoria de Rousseau é educativa, em seu sentido
mais amplo, ou seja, seu sistema ideal é concebido para desenvolver uma ação responsável,
individual, social e política como resultado do processo participativo. Em seu caráter educativo,
“a participação pode aumentar o valor da liberdade para o indivíduo, capacitando-o a ser (e
permanecer) seu próprio senhor” (PATEMAN, 1992, p. 40).
Stuart Mill acrescenta novas dimensões à teoria da democracia participativa,
conforme afirma Pateman (1992, p. 46). O autor argumenta que a participação nas
instituições formais da democracia apenas se efetiva como um comportamento orientado
pelo espírito público e responsável se o indivíduo tiver aprendido a se autogovernar na vida
cotidiana, ou seja, seu intelecto e disposições morais necessários à participação democrática
somente são alterados caso tenha se desenvolvido nos hábitos diários da cidadania, onde se
dá o verdadeiro efeito educativo da participação.
Partindo do pressuposto de que a teoria da democracia participativa se construiu em
torno da afirmação central de que os indivíduos e suas instituições não podem ser considerados
isoladamente, Pateman (1992) afirma que o máximo de participação de todas as pessoas em
todas as esferas (e não somente nas instituições representativas) é condição ao desenvolvimento
de atitudes e qualidades necessárias à vida verdadeiramente democrática. Para ela, o processo
participativo promove e desenvolve as qualidades que são necessárias à sua autossustentação,
na medida em que leva a aquisição de prática de habilidades cidadãs e procedimentos
democráticos. Nas palavras da autora: “[...] para que exista uma forma de governo democrática
é necessária a existência de uma sociedade participativa, isto é, uma sociedade onde todos os
sistemas políticos tenham sido democratizados e onde a socialização por meio da participação
pode ocorrer em todas as áreas” (PATEMAN, 1992, p. 61).
A participação possibilitaria aos indivíduos a capacitação e conscientização para
tomada de decisões políticas, alimentando-se e reproduzindo-se do próprio processo de
socialização coletiva. Assim, a participação é entendida como um processo que gera o
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desenvolvimento da cidadania e seu efetivo exercício configura-se como fator principal na
transformação das condições de subordinação política e de injustiças sociais.
2. Participação e juventudes
O debate teórico-conceitual em torno do tema da participação tem uma longa tradição
de estudos e análises, particularmente na ciência política. Soma-se a isto o fato de na
contemporaneidade as possibilidades de ampliação e fortalecimento da democracia
vislumbrar uma direção comum: a participação de atores sociais múltiplos e plurais na
tomada de decisões políticas. As experiências de combinação entre mecanismos de
democracia participativa e de democracia representativa, nas duas últimas décadas, têm
conferido ao termo participação novos significados. Neste contexto, o conceito de
participação pode ser desdobrado em participação política, popular, cidadã e social.
O conceito de participação política ressurge na concepção representativa de
democracia, segundo a qual a participação dos cidadãos tem um sentido decisional e restringe-
se ao processo eleitoral. Com efeito, pode ainda ser compreendido como o exercício de
atividades político-partidárias, ser membro em associações civis, além de manifestações de
protestos, marchas, ocupação de edifícios. Recentemente, esse conceito de participação
política vem traduzindo novos conteúdos e sentidos. Emerge do debate teórico uma visão
heterodoxa e emancipatória da política, depreendendo-se alguns elementos e valores comuns,
tais como “a solidariedade, a não preocupação com a tomada do poder, o respeito à pluralidade
e às diferenças, a prática de relações democráticas” (TEIXEIRA, 2002, p. 26).
Esta noção de participação, embora seja essencial seu sentido decisionístico e de
intervenção dos atores da sociedade civil no processo decisório, permanece insuficiente à
constituição da legitimidade política, requerendo para tanto uma dimensão argumentativa na
formação da vontade pública. Segundo Avritzer (2000), esse conceito vem sendo
complementado pela concepção pautada em processos de discussão e avaliação no qual os
diferentes aspectos de uma determinada proposta são pesados, a partir de uma tendência a
reavaliar o peso do elemento argumentativo no interior do processo deliberativo. Habermas
(1984), em sua preocupação em estabelecer uma forma de debate argumentativo na análise
do político, observa que a formação de uma esfera pública para a argumentação emerge
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historicamente como o resultado de um processo no qual os indivíduos demandam dos
governantes justificação moral dos seus atos em público.
A ideia de participação popular, por sua vez, configura-se nos anos oitenta associada
aos movimentos populares. Neste contexto, a participação nos processos de elaboração de
estratégias e de tomada de decisões orienta-se pelas categorias de classes populares e povo.
A participação popular foi definida como esforços da sociedade civil em movimentos sociais
urbanos e associações de moradores para aumentar o controle sobre os recursos e as
instituições do Estado (GOHN, 2001).
Na década seguinte, o aprofundamento da categoria cidadania e a construção de
novos espaços de ações coletivas inscritos na relação entre o público e o privado vão
valorizar os conceitos de participação cidadã e de participação social para designar as novas
formas de inserção participativa dos cidadãos na vida pública. A reorientação da ação dos
movimentos sociais e sua atuação dirigindo-se muito mais para a gestão de políticas exige,
como coloca Telles (1994, p. 52), “requalificar a participação popular nos termos de uma
participação cidadã que interfere, interage e influencia na construção de um senso de ordem
pública regida pelos critérios da equidade e justiça”.
Na participação cidadã, a categoria central passa a ser a sociedade em vez de ser a
comunidade ou o povo. A participação é concebida enquanto intervenção social ao longo de
todo o processo de formulação e implementação de políticas públicas. Tem como
característica principal a tendência à institucionalização, a partir da criação de estruturas de
representação da sociedade civil. Para Teixeira (2002, p. 30), a participação cidadã busca
aperfeiçoar o sistema de representação, “exigindo a responsabilização política e jurídica dos
mandatários, o controle social e a transparência das decisões”.
Já a participação social se constrói na relação sociedade e Estado. Neste tipo de
participação, a mobilização social passa a ser compreendida como energias a serem
canalizadas para objetivos comuns, em vez de uma aglutinação de pessoas para fins de
protestos e manifestações públicas. Para Gohn (2001, p. 1212), nessa modalidade de
participação ocorre um “esvaziamento do conteúdo político da mobilização e a sua
transfiguração em processo para atingir resultados”. Nesta concepção ganha relevância a
categoria de pertencimento, entendida como um sentimento de identidade que gera
motivação nos atores sociais, além da redefinição do conceito de solidariedade e de trabalho
voluntário, articulados às novas redes de sociabilidade.
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Em que medida estes conceitos expressam a participação juvenil? Qual é o
significado da participação da juventude? Quais repertórios de ação coletiva predominam
entre os jovens? A compreensão da participação como “tipos puros” são insuficientes para
apreender o engajamento das juventudes na contemporaneidade, dado que a relação entre os
jovens e o espaço público é complexa e multifacetada. Conforme aponta Dayrell (2013, p.
31), “há uma diversidade de estratégias utilizadas pelo mundo juvenil no sentido de construir
sua visibilidade pública e sua práxis social”.
Essa complexidade e diversidade de formas de manifestação política e social expressam
a heterogeneidade das culturas e sociabilidades juvenis. No entanto, essa diversidade nem
sempre está presente nos estudos. Ao contrário, no século XX, os estudos associaram a juventude
ora a delinquência ora a transformação social ora a apatia e despolitização (CASTRO, 2009).
Assim, se na década de 1960 tornou-se recorrente a ênfase na juventude revolucionária e seu
potencial transformador, principalmente em decorrência dos novos movimentos sociais; no
período pós-transição ressalta-se a juventude como apática ou desinteressada da vida pública e
da política. Três aspectos devem aí ser considerados.
Em primeiro lugar, conquanto o movimento estudantil brasileiro tenha passado por
significativas transformações em sua estrutura organizacional, nos seus propósitos,
identidades sociais e redes de relações sociais, permaneceu atuante ao longo das duas últimas
décadas na defesa de suas causas gerais (MISCHE, 1996).
Em segundo lugar, nesse contexto, nota-se o surgimento de novas organizações e
grupos culturais e políticos que se identificam como jovens (CASTRO, 2009). Ademais, os
dois grandes “ciclos de protesto” de âmbito nacional que marcaram a cena pública no país
no período pós Constituição de 1988 foram protagonizados pela juventude, a saber, o
Movimento dos Caras Pintadas Pró-Impeachment do presidente Collor de Mello, em 1992,
e os Protestos de Junho de 2013.
O terceiro aspecto se refere ao suposto descrédito dos jovens em relação à
representação política. De acordo com os estudos de Dayrell (2013) e Ibase/Pólis (2006), a
limitada quantidade de dados sobre a participação sociopolítica da população brasileira,
impede a afirmação de que a juventude é o único segmento que não apresenta maiores
índices de participação, dado que essa pode ser a realidade do conjunto da população.
Ademais, algumas pesquisas apontam uma coincidência entre (i) os índices de participação
da juventude e aquele do conjunto da população, inclusive, o baixo nível de envolvimento
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com os partidos políticos e sindicatos, e (ii) a correlação positiva entre os níveis de instrução
e de rendimento e a propensão à associação, em ambos os segmentos (IBASE/PÓLIS, 2006).
Dayrell (2013) argumenta que a participação juvenil ultrapassa as formas
institucionais de participação cuja compreensão não deve se restringir aos partidos políticos,
sindicatos, grêmios estudantis, etc. Acentua haver por parte dos jovens uma negação das
formas tradicionais de participação quando solapadas pelo clientelismo e nepotismo, o que
não significa, contudo, o desconhecimento da sua legitimidade quando bem-sucedidas.
Assim, algumas pesquisas destacam:
[...] o afastamento dos jovens dos sindicatos, mas não a sua negação; a
desconfiança em relação aos partidos; mas o reconhecimento de um
interesse difuso sem a participação correspondente; e a busca de uma
política sem rótulos tradicionais que designam posições de direita e
esquerda (SPOSITO, 2000 apud DAYRELL, 2013, p. 32).
Neste contexto, emergem novas formas de associativismo e participação juvenis que
precisam ser identificadas e compreendidas, as quais podem caracterizar repertórios mais
autônomos, espontâneos e fluidos. Além das formas contestatórias de ação direta, dos
coletivos juvenis e das manifestações culturais outra configuração da participação juvenil é
acentuada por Dayrell (2013) – o voluntariado.
O trabalho voluntário é acentuado pelos jovens pela sua capacidade de mobilização
e de aperfeiçoamento da participação política (IBASE/PÓLIS, 2006). Trata-se de um tipo de
intervenção de caráter individual voltado para o desenvolvimento social e a atenuação dos
efeitos das desigualdades sociais. Entendemos que o trabalho voluntário não
necessariamente é esvaziado de conteúdo político e – sendo de diversos tipos, objetivos e
estratégias – muitas vezes se inscrevem “num novo processo de envolvimento da juventude
atual com a política e a vida pública” (DAYRELL, ibid., p. 33). Nas palavras do autor:
Estas novas formas de associativismo juvenil podem apontar para um
alargamento dos interesses e práticas coletivas juvenis que fomentam
mecanismos de aglutinação de sociabilidades, de práticas coletivas e de
interesses comuns. Tais ações apontam para a questão da identidade juvenil
e o direito a vivenciar a própria juventude como mobilizadores de uma
possível participação social. Além disso, novas formas de ação e novos
temas parecem se articular em torno de ações coletivas que se dão de
múltiplas formas e com níveis diversos de intervenção no social, muitas
vezes de uma maneira fluida e pouco estruturada (DAYRELL, 2013, p. 33).
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3. Projeto participação: metodologia e práticas inovadoras
A investigação como base da educação escolar é uma forma de envolver alunos e
professores em um processo permanente de questionamento e reflexão sobre a realidade.
Este projeto pedagógico pretendeu contribuir com o tema da participação estudantil e teve
como objetivo promover ações de incentivo que despertassem o senso crítico dos alunos,
contribuindo para a sua formação política e cidadã.
O projeto foi realizado na Escola Estadual de Ensino Médio Professor Fernando
Duarte Rabelo, localizada na Praia de Santa Helena, Vitória/ES. Há uma peculiaridade desta
escola o fato dela não ser uma escola de bairro. Por ser considerada uma escola modelo
referência de ensino, trata-se de uma escola muito procurada. Por isso, chegam alunos de
diferentes localidades da Região Metropolitana da Grande Vitória.
Quando foi realizado um diagnóstico inicial na escola, no início dos trabalhos do
Pibid Ciências Sociais, em 2014, o tema da participação estudantil foi apontado como uma
das questões mais urgentes a serem trabalhadas, haja vista uma demanda da própria escola
de instrumentalizar os alunos para se mobilizarem de forma organizada em suas
reivindicações, e, inclusive de incentivar a reorganização do próprio grêmio estudantil que
se encontrava inativo – considerado a instância máxima e legítima de participação estudantil.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (2006), que orientam o
desenvolvimento da cidadania e do exercício do direito, propostas de ações que viabilizam
a articulação e o protagonismo dos alunos são relevantes, e, esta foi à intenção deste projeto.
O objetivo maior do projeto foi desenvolver o interesse nos alunos pela participação, a partir
do conhecimento acerca da participação estudantil dentro e fora dos muros da escola,
reconhecendo o papel protagonista do estudante como agente de transformação social.
Quanto aos objetivos específicos deste projeto pedagógico, destacamos: a) compreender
conceitos e teorias referentes ao tema participação, com ênfase na participação estudantil na
história política brasileira recente; b) orientar os alunos sobre como conduzir suas demandas de
forma legítima; c) incentivar a criação de formas de participação cidadã, tendo como protagonista
da mudança o aluno, viabilizando o exercício da cidadania dentro da escola e; d) desenvolver o
senso de participação dos alunos nas mais variadas áreas da vida social para além da escola.
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O projeto se deu inicialmente como projeto-piloto, abrangendo as turmas da segunda
série do ensino médio do turno matutino1. Com isso, nossa intenção foi recortar o objeto de
aplicação e análise a fim de dimensionar de forma compacta as atividades formativo-
pedagógicas e os resultados do projeto, facilitando a obtenção de resultados. A seguir
apresentaremos a metodologia, aplicada entre os meses de julho a setembro de 2014.
Na primeira parte do projeto foi realizado um levantamento histórico e de público,
tendo como enfoque a participação estudantil. Coletamos os dados por meio de um
questionário por amostragem, aplicado aos alunos da escola2. Também foram realizadas
algumas entrevistas individuais semiestruturadas de modo a conhecer os diferentes pontos
de vista em relação ao tema. Na segunda parte do projeto foram desenvolvidas as seguintes
atividades formativo-pedagógicas: aulas expositivas-dialogadas; roda de conversa;
confecção de fanzines e varal sociológico, as quais detalharemos a seguir.
Primeiramente realizamos aulas expositivas-dialogadas por meio de apresentação de
uma linha do tempo, elaborada em slides e em banner, sobre a participação estudantil na
história política recente do país, abrangendo quatro importantes eventos políticos: durante o
período da ditadura militar; no movimento das “Diretas Já”; no movimento “Fora Collor”
ou dos “Caras-Pintadas” e mais recentemente nos “Protestos de Junho”. A ideia desta
exposição logo no início do projeto foi motivar os alunos a aprenderem mais sobre o tema.
A dinâmica foi interessante porque os alunos tiveram oportunidade de participarem
diretamente das aulas, contribuindo com questionamentos e apontamentos que
demonstraram o interesse dos mesmos pela temática proposta pelo projeto.
Em seguida, organizamos uma roda de conversa com o título “Movimento Estudantil na
Prática” que contou com a participação de um ex-gremista do Colégio Estadual, outra escola de
referência em Vitória. A dinâmica da palestra foi conduzida pelas bolsistas de iniciação à
docência que dialogaram com o palestrante convidado por meio de um bate-papo, com
participação da plateia que favoreceu a apresentação das experiências vividas pelo convidado e
reflexões sobre a participação estudantil. Estiveram presentes 140 alunos aproximadamente.
Concomitantemente, os alunos iniciaram a produção de fanzines que é um tipo de
publicação impressa independente, cuja expressão informativa e de arte pretende fugir das
1 O projeto foi replicado para as turmas da segunda série vespertino da escola, ao mesmo tempo, pela professora
supervisora e com recursos do Pibid Ciências Sociais. 2 O questionário foi aplicado às turmas do ensino médio: 1M4, 1M1Integrado, 2M2, 2M2Integrado, 3M1 e
3M1Integrado. São turmas regulares e técnicas de Rede de Computadores.
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formas tradicionais de comunicação e mídia. A proposta do fanzine foi o desenvolvimento
de diferentes temáticas3 relacionadas ao tema participação. Em grupos, os alunos receberam
orientação de como desenvolver o fanzine por meio de um roteiro de instrução previamente
disponibilizado e tendo como exemplo um fanzine produzido pelas pibidianas com o tema
da participação estudantil na história brasileira que serviu de modelo.
Ao final, os alunos apresentaram suas produções no Varal Sociológico denominado
“ParticipAÇÃO”. Durante uma semana os fanzines foram expostos no pátio da escola,
juntamente com poemas/poesias e fotos sobre a participação estudantil na história política
brasileira. Ao todo foram confeccionados 57 fanzines.
4. Perfil associativo e político da juventude
A caracterização do perfil associativo e político da juventude se baseia na aplicação
de questionário estruturado aos alunos de seis turmas do Ensino Médio Regular e do Ensino
Médio Técnico em Rede de Computadores, do turno matutino, da Escola Estadual Professor
Fernando Duarte Rabelo, em julho de 20144. Do total de 169 alunos matriculados nessas
turmas, 138 responderam ao questionário, perfazendo uma amostra de 81,66% do universo
investigado. Dos respondentes 43,48% estão matriculados no 1º ano, 32,61% no 2º ano e
23,91% no 3º ano (Tabela 1). Cabe assinalar que o 3º ano, além de ter menor número de
matriculados, também consiste em nossa menor amostra (68,75%).
Tabela 1 - Composição dos respondentes por série do Ensino Médio
Turmas Respondentes %
1º ano 60 43,48
2º ano 45 32,61
3º ano 33 23,91
Total 138 100,00
Fonte: Projeto Pedagógico Participação Estudantil, 2014; Pibid Ciências Sociais-UFES.
3 Os temas desenvolvidos foram os seguintes: participação estudantil na história do país; grêmio; eleições; movimentos
sociais; democracia e cidadania; o povo como ferramenta da mudança social, por fim, política e cotidiano. 4 Conforme dito, o questionário foi aplicado antes da execução das etapas do projeto participação e seu objetivo
foi realizar um diagnóstico inicial das percepções dos alunos do ensino médio acerca do tema.
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A faixa etária dos estudantes é de 15 a 18 anos de idade, classificada como jovens
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cujo recorte vai de 15 a 24 anos.
O questionário levantou as percepções dos jovens acerca de seu perfil associativo. Do total
de estudantes, apenas 13% afirmou participar de associação, entidade política ou movimento social,
sendo o 3º ano a série de maior participação (18,18%) e o 2º ano a menor (4,4%) - Tabela 2.
Tabela 2 - Você participa de alguma associação/entidade política ou movimento social?
Turmas Sim Não NR Total
1º ano 10 49 1 60
2º ano 2 42 1 45
3º ano 6 27 0 33
Total 18 118 2 138
Percentual 13,04% 85,51% 1,45% 100%
Fonte: Projeto Pedagógico Participação Estudantil, 2014; Pibid Ciências Sociais-UFES.
No entanto, a propensão dos jovens respondentes a participar de um grêmio estudantil
é maior e alcança 30,43% (Tabela 3). Vale destacar, ainda, que quando perguntados se
participariam de um projeto que estimule a participação estudantil o nível de adesão salta
para 48,55%, estando a maior receptividade no 3º ano (57,58%).
Tabela 3 - Você participaria de um grêmio estudantil?
Turmas Sim Não NR Total
1º ano 18 41 1 60
2º ano 15 30 0 45
3º ano 9 24 0 33
Total 42 95 1 138
Percentual 30,43% 68,85% 0,72% 100%
Fonte: Projeto Pedagógico Participação Estudantil, 2014; Pibid Ciências Sociais-UFES.
A pesquisa do Ibase/Pólis (2006) mapeou o grau de mobilização dos jovens no Brasil
e demonstrou que 28% da juventude participam no seu bairro ou em qualquer parte da
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cidade, de algum grupo social. Esse indicador é similar aquele encontrado no conjunto da
população brasileira (DAYRELL, 2013).
O perfil político dos jovens do ensino médio, por sua vez, é caracterizado por suas
percepções da importância e do papel da participação estudantil no contexto escolar. A quase
totalidade dessa juventude (98,55%) reconhece a importância da participação dos alunos nas
decisões da escola, com destaque em todas as séries do ensino médio (Tabela 4).
Esta participação, além de concebida como um valor em si, pelo seu potencial
educativo, pedagógico, inclusivo e formador da cidadania é esperado como um mecanismo
eficiente na produção de melhores resultados no processo decisório e na gestão da escola.
Conforme demonstram os dados, 90,58% dos jovens do ensino médio apontam que a sua
participação na escola melhoraria o ambiente escolar, vislumbrando, assim, um efeito prático
da participação no cotidiano vivido.
Tabela 4 - Você acha importante a participação dos alunos nas decisões da escola?
Turmas Sim Não Total
1º ano 59 1 60
2º ano 44 1 45
3º ano 33 0 33
Total 136 2 138
Percentual 98,55% 1,45% 100%
Fonte: Projeto Pedagógico Participação Estudantil, 2014; Pibid Ciências Sociais-UFES.
Este perfil associativo e político da juventude do ensino médio demonstra, por um lado,
que a adesão às formas tradicionais de participação como associações, entidades civis e
movimentos sociais não está tanto em evidência, e acompanha a tendência da população brasileira
em geral. Por outro lado, a sua caracterização política aponta que os jovens não são indiferentes
ou desinteressados da participação como um todo, ao contrário, eles reconhecem a relevância de
seu engajamento no contexto escolar e o papel da participação na melhoria das decisões tomadas.
5. Inovação nas práticas pedagógicas e promoção da participação
A EEEM Professor Fernando Duarte Rabelo possui tradição de participação em processos
políticos na região da Grande Vitória, em articulação com outras escolas. A escola participou de
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forma integrada aos Protestos de Junho de 20135. No início de 2014 pudemos observar de perto a
mobilização dos alunos dando apoio à greve dos professores da rede estadual6. Isso se deu a partir
dos debates que foram promovidos no começo do ano com relação ao movimento grevista, com
destaque para as aulas de Sociologia onde o Pibid Ciências Sociais atua.
Foi uma das escolas que iniciou o movimento de apoio à paralização dos professores.
Os estudantes são protagonistas até na organização política estudantil na região. A escola
tem uma característica peculiar de não ser de comunidade, ao contrário, concentra alunos
que vem de vários locais da Grande Vitória, o que colabora na mobilização do movimento.
Apesar de a escola estar inserida em um bairro nobre Praia de Santa Helena, a sua clientela
é formada por alunos de nível sócio econômico baixo a médio, oriundos do entorno da escola
e outros distantes da Grande Vitória.
Apesar de serem avançados em termos de participação estudantil fora dos muros da escola,
a participação dentro dos muros da escola era ainda um tanto incipiente. Além disso, os alunos
desconheciam a função do grêmio estudantil dentro da escola em si. Por duas vezes, nos anos de
2012 e 2013, ocorreram tentativas frustradas de se criar um grêmio na escola que não foi à frente
devido à desmobilização dos alunos de um modo geral. O projeto veio exatamente nessa tentativa
de auxiliar os alunos a se organizarem para esta modalidade de participação estudantil.
Antes de dar início ao mesmo nos deparamos com uma situação que alterou a
concepção original do mesmo que foi a reorganização do grêmio pelos próprios alunos por
meio de Assembleia Geral dos Estudantes na escola, no dia 30 de julho de 2014, o que
pudemos tão somente acompanhar e dar apoio à implementação do mesmo. Essa realização,
segundo o presidente do grêmio se deu ao espírito de mudança que tomou o Brasil em 2013.
Algumas semanas depois ocorreu à primeira eleição e eleita a chapa única
“#Movimente-se”. A partir disso, deu-se início aos trabalhos do grêmio na escola cujo nome
é “Honestino Monteiro Guimarães”. Para o presidente do grêmio por meio desta organização
os alunos têm seus direitos reconhecidos e são representados por uma organização formada
por e para os alunos. Por meio dele os alunos têm suas ideias, propostas e reclamações
5 Foi uma série de protestos populares (com um número grande de estudantes) que ocorreram em todo o país
que inicialmente contestava o aumento das tarifas de transporte público e que em seguida se expandiu para
outros temas, como gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, má qualidade dos serviços
públicos, corrupção, etc. 6 No mês de abril de 2014 em apoio à paralização dos professores, os alunos da escola foram em cortejo até a
direção da Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo (Sedu), juntamente com alunos de outras
escolas. Os alunos se mobilizaram por meio das redes sociais, denominando o movimento de “Hoje a aula é na
rua”. A greve dos professores da rede pública durou 37 dias.
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ouvidas, e, conforme o caso, o grêmio busca soluções para que o ambiente escolar seja
agradável ao convívio. Contudo, quando se trata de faltas disciplinares ou atos infracionais
o grêmio acaba sendo mal visto pelos alunos por não interferir nesses casos.
Outro ponto importante que coloca é que os alunos desconhecem seus direitos e
deveres como estudante e que são mais cobrados pelos seus deveres, e, muitas vezes são
ocultados seus direitos como estudantes. Para ele a participação é pouca aplicada e requerida
pelos alunos. De fato, seu ponto de vista coincide com os resultados encontrados nos
questionários aplicados aos alunos.
Segundo a professora de Sociologia, apesar dos professores serem engajados
politicamente e motivarem a existência do grêmio, a dinâmica da escola fez com que a
orientação sobre participação estudantil fosse adiada e que alguns professores vissem o
grêmio como uma ameaça. Para ela o aluno tem uma visão reduzida da participação
estudantil que se restringe apenas ao lado dos conflitos dos assuntos que emergem no
cotidiano da escola. Então, antes seria necessário se organizar para depois participar.
A partir do questionário aplicado, concluímos que os alunos acreditam que seja
importante a participação estudantil nas decisões na escola e que conhecem o que vem a ser
um grêmio estudantil, entretanto, ao serem questionados se participariam do mesmo, a
maioria não participaria. Reconhecem, contudo, que se participassem das decisões da escola
contribuiria para a melhoria do ambiente escolar. A reorganização do grêmio pelos próprios
alunos demonstrou a forma como eles encontraram para se articularem no espaço escolar, e,
encontraram uma ocasião oportuna devido ao fato de ganharem o apoio do diretor da escola.
Em última análise, podemos dizer que a aplicação do projeto participação se correlaciona
aos resultados obtidos no processo ensino-aprendizagem, especialmente, em dois aspectos. Em
primeiro lugar, pelo conhecimento sociológico adquirido acerca do tema da participação e da
democracia e expresso pelos alunos, seja na sala de aula seja nas atividades extraclasse seja ainda
nos fanzines confeccionados. Em segundo lugar, pela contribuição do projeto à formação política
e cidadã dos educandos, tendo fomentado processos de engajamento na participação estudantil que
potencialmente impactam seu cotidiano dentro e fora da escola.
Referências
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AFRICANIZANDO
Fabíola dos Santos Cerqueira PIBID Ciências Sociais/UFES
Alexandre Holanda Nascimento Mestrando em Geografia/UFES
Resumo: O Projeto “Africanizando”, desenvolvido durante o ano letivo 2015 com jovens estudantes do
Ensino Médio da EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão, em parceria com o PIBID Ciências Sociais/UFES, visa
atender as Leis 10639/2003 e 11645/2008, as quais tornam obrigatório o Ensino da História e da Cultura
Africana e Afro-brasileira e dos indígenas na Educação Básica. Abordamos no desenvolvimento do projeto
a (des)construção histórica do racismo e a permanência política e ideológica das teorias racistas que
inferiorizam a população negra no imaginário social, através de Rodas de Conversa Sociológicas, pesquisas
bibliográficas, produção de painéis com dados políticos, sociais, culturais e econômicos de países africanos,
oficinas, aula de campo em comunidade quilombola, vídeos, músicas e customização de bonecas negras.
Palavras-chave: cultura afro-brasileira; história da África; escola.
Abstract: The Project “Africanizing” developed during the 2015 school year with youth high school
students from EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão in partnership with PIBID Social Sciences/UFES, that aims
to meet the Laws 10639/2003 and 11645/2008 which make mandatory the teaching of the History of
Education and Culture of the African and Afro-Brazilian and indigenous in Basic Education. Approach in
Project development a(un)building historical of racism and political and ideological persistence of racist
theories that abashes the Black population in the social imaginary, through Sociological conversation, library
research, production of panels with political, social, cultural and economic data of African countries,
workshops,field class in a quilombola community, videos, music and Black doll's customization.
Keywords: afro-brazilian culture; history of Africa; school.
Introdução
O presente trabalho refere-se a um relato de experiência desenvolvida na EEEFM
Aristóbulo Barbosa Leão, localizada no município de Serra/ES, no turno noturno, com
jovens estudantes do 3º ano do Ensino Médio Regular, de forma interdisciplinar, entre as
disciplinas Sociologia e Geografia, em parceria com o PIBID Ciências Sociais/UFES, no
primeiro semestre letivo de 2015.
Através de Rodas de Conversas abordando a História e a Cultura da África e dos Afro-
brasileiros, assim como de trabalho de pesquisa e elaboração de banners, os estudantes
apresentaram trabalhos sobre países da África, focando nos seguintes aspectos: Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), Idioma, Culinária, Danças, Músicas, Aspectos Históricos e
Geográficos, Organização Social e Espacial, Forma de Governo, Religião, País Colonizador,
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assim como aspectos da contemporaneidade, como a existência ou não de conflitos
envolvendo o país escolhido para a pesquisa.
Todo o trabalho foi registrado através de vídeos e fotografias. Essa proposta está
embasada na Lei 11645/2008 (BRASIL, 2008), a qual prevê a obrigatoriedade do ensino de
História da África e da Cultura Afro-brasileira e Indígena nas escolas de Educação Básica.
Acreditamos que a não discussão dessas temáticas no contexto escolar, somado às teorias
racistas que, mesmo já tendo sido derrubadas cientificamente permeiam o imaginário social, na
perspectiva política e ideológica, abrem espaço para que práticas de racismo ocorram também
no cotidiano da escola reverberando nas famílias e por seu turno na sociedade.
Rocha (1994) afirma que o etnocentrismo é uma visão do mundo no qual nosso
próprio grupo é tomado como centro de tudo, e todos os outros são pensados e sentidos
através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência.
Passamos a julgar o “outro” segundo o que pensamos, sentimos e acreditamos ser correto. O
“eu” passa a ser a referência para o “outro”. O reconhecimento da diferença é ameaçador
justamente porque fere a nossa própria identidade cultural. A sociedade do “eu” passa então
a ser reconhecida como a melhor, a superior, a civilizada por excelência.
Rocha aponta ainda:
Aqueles que são diferentes do grupo do eu – os diversos “outros” deste
mundo – por não poderem dizer algo de si mesmos, acabam representados
pela ótica etnocêntrica e segundo as dinâmicas ideológicas de
determinados momentos (ROCHA, 1994, p. 15).
Daí torna-se necessário um esforço de relativizar, a fim de não transformar a diferença em
desigualdade, que hierarquiza as culturas e os homens e as mulheres em superiores e inferiores.
Relativização [...] é o esforço de compreender a significação dos
comportamentos, pensamentos e sentimentos do “outro”, nos termos da
cultura do “outro” [...], a tarefa relativizadora da antropologia seria a de
denunciar as lentes como lentes, lembrando que nenhuma delas é única,
melhor, superior, intransformável ou insubstituível [...] não é nada fácil
relativizar, pois a relativização vai contra as tendências etnocêntricas
espontâneas do pensamento, que é sempre pensamento segundo os cânones
de determinada cultura (RODRIGUES, 2003, p. 135).
A relativização possibilita que a diferença seja vista em sua riqueza:
O ser da sociedade do “eu” e os da sociedade do “outro” devem estar mais
perto do espelho onde as diferenças se olham como escolha, esperança e
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generosidade. Devem estar, também, mais longe das hierarquias que se
traduzem em formas de dominação. [...] A ida ao “outro” se faz alternativa
para o “eu” (ROCHA, 1994, p. 93).
No início do ano letivo de 2015 resolvemos montar o “Painel Sociológico”, no corredor
da escola. A proposta era de que o mesmo fosse temático. Abordamos cinco temáticas: Equilíbrio
do Planeta Terra; Manifestações ABL; Bullying; Tribos Juvenis; e Onde está o Negro?
Figura 1 - Painel Sociológico
O último painel (Onde está o Negro?) foi proposto duas vezes, ficando exposto por
aproximadamente três semanas e o teor das mensagens escritas nos trouxe muitas
preocupações, uma vez que explicitava o racismo, o ódio e o desrespeito ao outro, disfarçado
na forma de “brincadeiras”. Diante dessas preocupações, levamos o painel para a sala de
aula e lá solicitamos que os próprios estudantes fizessem a análise e então pudemos debater
o assunto com eles de forma mais aprofundada, conforme mostra a Figura 2.
Figura 2 - Análise dos Painéis Sociológicos em sala de aula
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Muitos ficaram espantados com as frases e palavras que liam. Outros eram indiferentes.
Muitos mostravam-se indignados. Foi o impacto do resultado do “Painel Sociológico” que mais
influenciou no direcionamento deste projeto, sobretudo, devido às frases, algumas de cunho
preconceituoso, como “O negro está onde tem pessoas praticando racismo”, “Somos todos
macacos”, “Camuflados na escuridão”, “Os negros estão nas cadeias”, “Não me julgue por não
ser igual”, “O negro está roubando”, “Preto é cor, negro é foda”, dentre outras frases e palavras
de baixo calão, todas escritas em letras grandes e destacadas, o que fazia com que outras, de
caráter afirmativo, sumissem, já que eram escritas de forma discreta, no canto do painel, quase
imperceptível, como “Abra sua mente, negro também é gente”, “Mostre sua raça, mostre sua
cor”, “Enquanto a cor da pele for identidade sempre haverá guerra”, “Diga não ao racismo”.
Esse projeto é uma aposta de que o conhecimento a respeito do outro (sua história,
sua cultura, sua religião), nesse caso aqui o negro, poderá desconstruir o racismo. Os
preconceitos são socialmente aprendidos, logo, podem ser desconstruídos, com
conhecimento a respeito do outro, vencendo o etnocentrismo, superando política e
ideologicamente a ideia de raças superiores. Foi essa ideia cruel, que no século XX, dizimou
mais de 6 milhões de judeus, negros, ciganos, homossexuais e todos os que não cabiam na
forma “ariana” de Hitler, na Alemanha. Quiçá, esse mesmo racismo esteja tácito nos
movimentos migratórios da contemporaneidade entre a África e a Europa.
1. O desenvolvimento da experiência
Para o desenvolvimento das atividades aqui relatadas utilizamos textos (COSTA e
OLIVEIRA, 2013, p. 63-75; 92-99), imagens e músicas; discussões em pequenos grupos nas
salas de aula; rodas de conversa; aula expositiva dialogada; pesquisas e apresentações de
trabalho; produção de banners; e customização de bonecas negras. Ao longo dos dois
primeiros trimestres, a partir de aulas expositivas dialogadas, leitura de textos e trabalhos em
pequenos grupos, músicas, vídeos e rodas de conversa, trabalhamos com os conceitos
sociológicos de culturas, etnocentrismo, racismo, preconceito, discriminação, teorias
racistas e mito da democracia racial.
No dia 07 de maio de 2015 tivemos a 1ª Roda de Conversa Sociológica “Africanizando”,
com o Pedagogo angolano Abraão Nicodemos Ndjung (Figura3), objetivando desmistificar a
África primitiva. Ele abordou a cultura angolana e os conflitos porque passa vários países
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africanos, dentre eles, a República Democrática do Congo, onde ele nasceu e de onde teve que
sair devido à guerra. Falou de sua experiência nos campos de refugiados e da exploração de
Coltan, produto extraído das minas e que serve para a fabricação de celulares, computadores e
aparelhos eletrônicos. É o efeito do capitalismo na vida das pessoas de lugares mais distantes o
que foi também abordado nessa roda de conversa. Esse momento foi especialmente para os
estudantes do noturno e contou com a participação de cerca de 60 estudantes e Professores de
Sociologia, Geografia, Língua Portuguesa, História e Matemática.
Figura 3 - 1ª Roda de Conversa Sociológica
No dia 18 de junho de 2015 tivemos a 3ª Roda de Conversa, a qual teve como tema
“As Religiões de Matriz Africana”, mediada pela Professora da Rede Municipal de Vitória,
Indiomara Sant’Anna (Figura 4).
Figura 4 - 2ª Roda de Conversa Sociológica
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2. “No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho...”
Os desafios para a elaboração e execução deste projeto foram muitos e acredito que
ainda teremos muitos a serem vencidos até o final do ano letivo e a sua “finalização”.
Agrupar todos os profissionais interessados para planejar coletivamente as ações a serem
desenvolvidas foi o maior de todos os desafios. Muitas vezes tivemos que recorrer às redes
sociais ou ao e-mail para nos comunicar, já que presencialmente nem sempre foi possível.
Só faltou mesmo uma web conferência (o que não teria sido uma má ideia).
Conseguir motivar os estudantes, que a princípio parecia ser a maior de todas as
“pedras”, foi muito fácil, principalmente porque as atividades planejadas os tinham como
foco da aprendizagem (principalmente os do 3º ano). Uma estratégia foi a problematização
dos conceitos como tema da redação, nos moldes do ENEM. Embora a superação do
racismo não seja tão fácil, já que apesar de todos os argumentos científicos, culturais,
históricos percebemos que alguns estudantes e até professores, verbalizam frases/palavras
ofensivas e que mostram desconhecimento acerca do outro. Superar o etnocentrismo não
é milagre. É persistência e muito trabalho.
Coordenar um projeto como este tendo apenas uma aula por semana também não
foi nada fácil. A Sociologia tem um grande potencial como disciplina, pois nos permite
trabalhar de forma interdisciplinar com todos os outros componentes curriculares,
sobretudo, quando apostamos na pesquisa sociológica como eixo do trabalho. Mas a carga
horária de trabalho dificulta a ampliação de muitas discussões, daí que tentamos contornar
essa “pedra”, no turno noturno (onde foi possível), disponibilizando meu tempo livre para
estar em parceria com o Professor de Geografia, Alexandre Holanda Nascimento, para o
desenvolvimento de algumas atividades, em sala de aula, conforme a Figura 5. As
apresentações de trabalho foram excelentes e superaram nossas expectativas. Acreditamos
que o fato do trabalho ter sido solicitado, cobrado, incentivado e avaliado por professores
de duas disciplinas contribuiu para o empenho dos estudantes.
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Figura 5 - Trabalho de Pesquisa e Elaboração de Banner - Conhecendo os Países da África
No segundo trimestre produziram pesquisas sobre aspectos culturais, sociais, econômicos
e políticos de países africanos, de forma interdisciplinar com Geografia. Essas pesquisas foram
materializadas em banner e apresentadas em sala de aula. No noturno fizemos a apresentação
juntando na mesma aula os professores de Sociologia e Geografia para a avaliação dos trabalhos.
Ainda no segundo trimestre tivemos a customização de bonecas negras. Do total de 50
(cinquenta) bonecas, 27 (vinte e sete) foram doadas por amigos e parceiros para que fossem
customizadas e posteriormente, doadas a um orfanato do município da Serra. Ressaltamos que
além da customização das bonecas, os estudantes deveriam escolher um nome para elas, o qual
deveria estar relacionado com mulheres negras que lutaram em prol da liberdade e da
igualdade racial, demandando disso um aprofundamento ainda maior em antropologia cultural
sobre o povo do continente em tela. Dois nomes escolhidos e que chamara atenção até o
momento: Dandara (esposa de Zumbi dos Palmares) e Luiza Mahin (mãe biológica de Luiz
Gama – poeta e abolicionista –, quitandeira que, segundo o filho, foi uma das articuladoras da
Revolta dos Malês). Além disso, na distribuição das bonecas em sala de aula, pudemos
observar uma postura diferente nos meninos, que ao invés de fazer brincadeiras machistas com
os que seguravam as bonecas, passaram a escolhê-las e a verbalizar que queriam aquelas que
se fossem filhas/filhos se pareceriam com eles. Destacamos aí a questão de gênero colocada
de forma positiva, pois pudemos refletir sobre a paternidade responsável.
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Figura 6 - Customização das bonecas negras
Conclusão
Sabemos que esse trabalho está só no começo, pois se faz necessário realizá-lo
diariamente. A Lei 10639/2003 completou 12 anos em maio e mesmo sendo reforçada (e
ampliada com a obrigatoriedade da inserção da cultura indígena na educação básica) a partir da
Lei 11645/2008, percebemos o quão longe estamos de ver essas temáticas incluídas no currículo
da Educação Básica. Infelizmente, conforme nos faz refletir Martin Luther King, “aprendemos
a voar como pássaros e a nadar como peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos”.
Acreditamos que a experiência vivenciada por nós na EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão
pode ser desenvolvida em outras unidades de ensino, com a mesma metodologia, adaptando-a
as especificidades da comunidade escolar. Acreditamos ainda que este trabalho deve ser de
continuidade e envolver todos os componentes curriculares e transversalizar o currículo escolar.
Há necessidade de problematizar o racismo no ambiente escolar e a forma como visibilizamos
o negro. Sem isso continuaremos a naturalizar posturas racistas, as quais rejeitamos.
Durante a avaliação do projeto com os estudantes, fomos surpreendidos com as
seguintes afirmações:
“Só parei para pensar que não existem bonecas negras depois desse trabalho”.
“Minha filha é negra e o primeiro presente que dei a ela foi uma boneca
branca. Se fosse hoje, daria uma boneca negra. Esse projeto me estimulou
a enxergar isso”.
“O projeto foi muito bom. Gostei do vídeo “Vista minha pele”, pois foi a
primeira vez que vi um branco passando pelo que passo diariamente”.
“O trabalho em parceria com Geografia foi muito bom. Ótima ideia”.
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O momento de recebimento das bonecas customizadas foi muito emocionante. Além
de perceber através das rodas de conversa o amadurecimento dos estudantes em relação à
discussão a respeito do racismo e da África, percebi que nos aproximamos a partir desse
trabalho. Era comum ser procurada para ouvir como as mães, as tias, as cunhadas e irmãs
estavam empolgadas com essa atividade.
O que mudaria numa próxima aplicação seria a realização de uma aula de campo numa
comunidade quilombola. Penso que seria a primeira coisa a ser feita. Infelizmente tivemos que
deixar para o terceiro trimestre, devido à falta de recursos. A experiência com a pesquisa
sociológica é muito importante para o desenvolvimento de projetos que trabalham temas como
identidade, preconceito e discriminação. O contato com o outro, com o diferente, com o
“estranho” e com a sua história é capaz de mobilizar ainda mais para o trabalho.
Como acreditamos que o racismo não é natural, ou seja, não nascemos, mas nos
tornamos racistas, apostamos que a escola, através da conscientização e do conhecimento, pode
contribuir para atitudes de respeito à diversidade. Para tanto precisamos estar dispostos a abordar
as temáticas que envolvem os direitos humanos em sala de aula e a exigir uma postura de respeito
por parte de todos. Acreditamos que assim estaremos fazendo nossa parte enquanto educadores.
Referências
BRASIL. Lei 11.645, que Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei
no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília: 10 de março de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.
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A IMPORTÂNCIA DO PIBID PARA A PROMOÇÃO DA LICENCIATURA NAS
CIÊNCIAS SOCIAIS
Leonardo Rangel Bolsista Pibid Ciências Sociais/UFES
Yamilia Siqueira Bolsista Pibid Ciências Sociais/UFES
Larissa Pinheiro Bolsista Pibid Ciências Sociais/UFES
Euzeneia Carlos Coordenadora Pibid Ciências Sociais/UFES
Resumo: Este artigo avalia os resultados de uma experiência de formação docente em duas escolas
públicas da Grande Vitória/ES, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(Pibid) Ciências Sociais. Nele buscamos apresentar as contribuições do Pibid para a formação docente
e a consolidação da licenciatura nas Ciências Sociais, enfatizando o processo de formação de futuros
professores na interação entre o ambiente universitário e o escolar, e na relação entre a formação teórica
e a prática, tendo em vista os desafios da disciplina de Sociologia no Ensino Médio.
Palavras-chave: sociologia; formação docente; Pibid.
Abstract: This article analyzes the results of a teacher training experience in two public schools in
Grande Vitória/ES, through the Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID)
in Social Sciences. We seek to present the Pibid contributions to teacher training and the
consolidation of degree in Social Sciences, emphasizing the process of future teachers training in the
interaction between University and school environment, as well the relationship between theory and
practice, and in view of Sociology discipline challenges in high school.
Keywords: sociology; teacher training; PIBID.
Introdução
Apresentamos relatos vivenciados em duas escolas da rede pública estadual da Grande
Vitória, denominadas EEEM Professor Fernando Duarte Rabelo, localizada na Praia de Santa
Helena, Vitória/ES e EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão, localizada na Avenida Desembargador
Mário da Silva, Jardim Limoeiro, Serra/ES. Em 2014, as escolas foram escolhidas para receber
o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), experiência inédita realizada
pela Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E é a
partir da realização do programa nestas duas escolas que conseguimos elaborar a reflexão sobre
este primeiro ano de construção do Pibid nas Ciências Sociais, tentando pensar sobre o papel e
a relevância do Pibid para a consolidação da Licenciatura.
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Este artigo não se restringe ao levantamento bibliográfico sobre o Pibid ou sobre a
licenciatura de Ciências Sociais, mas sim se propõe a documentar parte das reflexões sobre
o programa ao longo de um ano de sua implantação. Assim, será enfatizado os seus impactos
na formação docente dos bolsistas e na licenciatura em Ciências Sociais, ou seja, será levado
em conta o que a implantação do Pibid contribuiu e contribui para os alunos da graduação.
Explicitaremos a relevância do programa, suas realizações e as demandas geradas.
Ao longo de mais de um ano do Pibid nas Ciências Sociais, foi possível etnografar
(GEERTZ, 2008) semanalmente uma série de percepções, relatos e situações significativas,
através de nossos diários de campo. Além do nosso caderno de campo utilizamos também o
método etnográfico de observação participante tendo como principal objetivo compreender
distintas relações que envolvem o ambiente acadêmico e o escolar. Segundo Tura (2013, p. 187):
A observação participante tornou-se uma referência importante na
distinção entre as diferentes abordagens, caracterizando-se, num sentido,
pela presença constante do observador no campo e a observação direta das
atividades de um grupo no local de sua ocorrência. Haguette (1987)
distinguiu basicamente concepções com relação a essa metodologia. Uma
em que define como uma forma específica de coleta de dados que se
sobrepõe à entrevista e ao questionário e outra que a entende mais
especificamente como instrumento de mudança social, considera o
observador mais ativo e capaz de planejar com o grupo intervenções no
contexto social (TURA, 2013, p. 187).
Nós alunos “pibidianos” nos enquadramos como observadores ativos, estando
semanalmente dentro de nosso campo de estudo, a escola, sempre em contato e em constante
reflexão sobre a educação escolar e a Sociologia no Ensino Médio, e procurando intervir
rotineiramente nos processos de ensino objetivando colaborar com a melhoria da educação
e do ensino de Sociologia. Utilizando como ferramenta de observação o diário de campo
para compreender e analisar as relações entre Pibid, Escola e Universidade.
Apesar da contribuição fundamental da observação participante e do caderno de
campo para o auxílio da construção textual, este documento não constitui uma etnografia em
si, o que se pretende é construir uma avaliação do programa e das metas de formação de
professores e da consolidação da licenciatura em Ciências Sociais. Bem como, buscarmos
uma reflexão sobre a relação da Sociologia com a sala de aula, relatando objetivos
alcançados, demandas criadas e também as experiências e percepções geradas nos alunos
bolsistas em contato com a Sociologia no Ensino Médio.
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1. PIBID e consolidação da licenciatura nas Ciências Sociais
Neste ano de 2015, o Pibid Ciências Sociais concluiu seu primeiro ano de experiência
na Universidade Federal do Espírito Santo. Neste período o Pibid foi a principal conquista
da licenciatura no curso, tendo difíceis responsabilidades e muitos resultados em pouco
tempo de implantação, um programa que vem adquirindo identidade e maturidade e se
propondo a superar desafios, sendo estes desafios tanto da própria execução do programa,
quanto dos objetivos a serem alcançados como a formação de futuros docentes em Ciências
Sociais e a consolidação da Licenciatura.
Este artigo vem a se consistir no relato das realizações do Pibid até o momento. A
contribuição do programa na formação dos bolsistas, e no processo de consolidação da
licenciatura nas Ciências Sociais, e uma reflexão acerca das práticas do Pibid, com intuito
de ampliar seu papel e contribuir na realização de seus objetivos. Considerando as vivências
e impressões dos próprios “pibidianos” na construção deste artigo.
O Pibid Ciências Sociais começou suas atividades em março de 2014, contando com
duas professoras supervisoras, abrangendo duas escolas da Grande Vitória, juntamente com
uma professora na coordenação de área, quatro professores colaboradores, e quatorze
bolsistas. Este grupo formado iniciou o programa nas escolas de Ensino Médio,
possibilitando a comunicação e trocas de saberes entre escola e universidade.
Tratando então do desafio para a consolidação da licenciatura no curso de Ciências
Sociais, o Pibid tem a responsabilidade de ser a principal conquista do curso para pensar e
praticar o ensino da Sociologia no Ensino Médio. Nossa primeira ação com o intuito de
contribuir com a formação de professores e trazer o debate sobre as práticas educacionais
para o curso foi a realização de “Rodas de Conversa” (Figura 1). Trata-se de um espaço
aberto pelo Pibid para pensar temas relacionados ao trabalho docente, com professores
convidados para tratar de assuntos como: “O currículo de Sociologia no Ensino Médio”,
“Desafios da diversidade no Ensino Médio”, entre outros assuntos, além de rodas de
conversa ministradas pelos próprios bolsistas usando como temas “Desafios teóricos e
pedagógicos para as Ciências Sociais no Ensino Médio”1.
1 Do período de maio de 2014 a junho de 2015 foram realizadas seis Rodas de Conversa, nas quais estiveram
presentes, no total, 101 participantes.
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Figura 1 - Roda de conversa realizada no dia 08 de maio de 2014.
Fonte: Acervo Pibid Ciências Sociais UFES, 2014.
Além das vivências escolares, as rodas de conversa são os principais momentos de
formação do Pibid, proporcionando o debate, questionamentos, e maior conhecimento acerca
dos assuntos relacionados à educação, contribuindo também para a integração dos grupos
das escolas. Outra vantagem também das rodas de conversas é que outros estudantes da
graduação podem participar desse momento, podendo discutir a licenciatura no curso,
trazendo relatos e experiências diversas. Este espaço de discussão deve ser cada vez mais
valorizado funcionando como integralizador com a participação de mais estudantes,
contribuindo que não participantes do Pibid também se beneficiem do programa.
Outras importantes realizações do Pibid foram as participações em eventos, sendo o
primeiro evento que participamos a VIII Semana de Ciências Sociais da UFES, realizada nos
dias 12, 13 e 14 de novembro de 2014, onde apresentamos os projetos realizados nas escolas de
Ensino Médio, demonstrando a importância do Pibid para a educação e para a Sociologia no
ensino escolar. Os trabalhos apresentados foram o “Aprendendo a Participar: Como Desenvolver
um Projeto de Participação Estudantil na Escola”, realizado pela escola EEEM Professor
Fernando Duarte Rabelo, e o projeto “Pesquisa Sociológica, Desvelando a Cultura Guarani na
Perspectiva do Ensino Médio”, realizado pela escola EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão.
Outro evento com participação e realização do Pibid Ciências Sociais, junto com
outros programas de iniciação à docência foi o Encontro da Rede de Formação em Ciências
Humanas (REFOCH) com a temática “Cotidiano, currículo e formação na Educação Básica”,
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realizado no dia 27 de novembro de 2014, e o II Seminário do Programa Institucional do
PIBID-UFES com a temática “Cotidiano escolar e integração de conhecimentos na formação
de professores” (Figura 2), realizado nos dias 28 e 29 de novembro de 2014. Eventos como
estes que contribuem para a integração dos projetos de diferentes áreas, as trocas de
conhecimento e de práticas que favorecem a valorização das licenciaturas e do Pibid como
um todo, sendo uma grande realização para o Pibid Ciências Sociais conseguir em menos de
um ano participar, e também organizar importantes eventos.
Figura 2 - II Seminário do PIBID-UFES, 29 de novembro de 2014.
Fonte: Acervo Pibid Ciências Sociais UFES, 2014.
Uma das mais recentes atividades realizadas pelo Pibid Ciências Sociais foi à
vivência na Comunidade Quilombola de Monte Alegre, no dia 11 de julho de 2015. Tal visita
de campo foi organizada em decorrência dos trabalhos realizados pelos grupos das duas
escolas em que o Pibid participa, onde estão sendo trabalhados os conteúdos sobre cultura
negra, etnicidade e africanidade com os terceiros anos do Ensino Médio, conforme preconiza
a Lei nº 10.639/2003. A vivência trouxe a oportunidade de conhecer um quilombo, seus
moradores e a aprender sobre a história e a cultura de comunidades tradicionais. Contamos
com um roteiro para a vivência, em que tivemos a oportunidade de conhecer a escola local,
assistir a uma “Roda de Caxambu Mirim” (Figura 3), visitar as obras do projeto do governo
federal “Minha Casa, Minha Vida Quilombola” e realizar a “Trilha das Árvores Centenárias
na Floresta Nacional de Pacotuba”.
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Figura 3 - Roda de Caxambu Mirim, 11 de julho de 2015.
Fonte: Acervo Pibid Ciências Sociais UFES, 2015.
Esta experiência contém grande valor na formação profissional dos futuros
professores de Sociologia, contribuindo para que os bolsistas levem estes saberes para a sala
de aula. A vivência no quilombo contou com a colaboração de dois professores antropólogos
do departamento de Ciências Sociais, participação de alunos da pós-graduação e de outros
cursos, além de toda a equipe do Pibid. Contando com mais um momento de interação entre
o Pibid e a comunidade acadêmica.
Os eventos aos quais participamos, realizamos, e as ações que produzimos, consistem
em mais um dos meios que podemos utilizar para dar protagonismo às licenciaturas no meio
acadêmico, valorizando a profissionalização dos futuros docentes. Para as Ciências Sociais
da UFES, estes momentos propiciados pelas rodas de conversa, eventos, seminários e outros
meios que integrem a comunidade acadêmica é o início de um trabalho para a concretização
da licenciatura dentro do curso de Ciências Sociais. É o momento em que o foco sobre o
ensino de Sociologia no Ensino Médio ganha espaço e visibilidade, condição para que a
licenciatura deixe de ser uma extensão do bacharelado.
A consolidação da licenciatura em Ciências Sociais é inerente à qualidade da
formação dos licenciados e futuros profissionais docentes. As licenciaturas, segundo as
Diretrizes para a Formação de Professores da UFES, devem formar um profissional “de
caráter amplo com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com
desenvolvimento da consciência crítica que lhe permitisse interferir e transformar as
condições da escola, da educação e da sociedade” (BRASIL, 2005, p. 6-7).
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Assim, a UFES trata a formação de professores com um caráter sócio-histórico de
sua formação. Exigindo-se que a universidade forme profissionais que sejam capazes de
darem a seus alunos formação integral que sejam valorizados os aspectos cultural, científico
e ético, e que forme indivíduos que sejam cidadãos autônomos, preparados para exercer a
cidadania e que também estejam aptos para o mercado de trabalho.
É compreensível que o Pibid não é o responsável pela formação de todos os
profissionais da educação nem pela formação integral dos alunos participantes, porém, o
Pibid é um grande auxiliar na formação docente, tanto para os bolsistas quanto para os
demais estudantes das Ciências Sociais que não participam do programa de bolsas de forma
direta, mas podem manter o vínculo participando, por exemplo, das rodas de conversa. Como
relatado anteriormente, sobre as contribuições já realizadas pelo programa, as contribuições
para a licenciatura das Ciências Sociais podem e devem ser ainda maiores, visto que o Pibid
tem como responsabilidade a consolidação da licenciatura do curso, como dito, não sendo o
único responsável, mas devendo ser um grande contribuidor. O Pibid é o principal núcleo da
Licenciatura de Ciências Sociais da UFES, com objetivo de formar professores de Sociologia
voltados para desenvolver novas práticas de ensino, e estimular a construção de alternativas
didático-metodológicas para melhorar o ensino das Ciências Sociais no Ensino Médio.
Também é necessária para a formação do professor a reflexão sobre as práticas
docentes. Nosso campo de estudos e de trabalho que é a escola de Ensino Médio, não deve
ser somente um ambiente de aplicação das práticas de ensino, mas também um campo de
reflexão das mesmas, para que se construa conhecimento científico e com criticidade sobre
elas, e que o processo de formação não se torne a simples reprodução de práticas vivenciadas.
Nas Diretrizes para a Formação de Professores da UFES é levantado alguns dos problemas
dos cursos de licenciatura da universidade, alguns deles são:
[...]
E) inadequação de tempos e espaços curriculares específicos na grade curricular
para efetivação de práticas de ensino e estágio supervisionado que visem à
formação de profissionais para o magistério que se voltem à reflexão-ação-
reflexão do ensino e da aprendizagem em toda a sua extensão; [...]
K) falta de tratamento e incentivo à pratica da pesquisa como elemento de
produção de conhecimento vinculado a temas diretamente ligados às etapas
da Educação Básica; [...]
I) presença de dicotomias entre pensar vs fazer, teoria vs prática, trabalho
vs estudo (BRASIL, 2005. p. 12).
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Estes três pontos são dificuldades que estão sendo e devem ser superadas pelo Pibid,
nossas realizações e práticas tomadas até hoje caminham a passos largos para isto. Devemos,
no entanto, utilizando nossas vivências nas escolas, construir saberes que possam ser
compartilhados para toda a comunidade acadêmica. É necessário pensar e repensar nossas
práticas. O Pibid como meio de consolidação da licenciatura em Ciências Sociais deve se
voltar também para a universidade, pensar e produzir conhecimento sobre o Ensino de
Sociologia, sobre a Escola e sobre a Educação, pensar o trabalho e o ambiente do trabalho
docente, deve-se tentar compreender o papel da Sociologia no ensino médio, o sentido e
objetivos de lecionar Sociologia e também a nossa formação, construindo assim um
arcabouço teórico de cunho científico para que se valorize a pesquisa no campo da educação,
e que a licenciatura ganhe espaço na academia. Para concluir julgamos necessária a
contribuição de Amaury Cesar Moraes:
[...] Aliás, Bourdieu, em entrevista a Menga Ludke, ampliava sua crítica aos
sociólogos que abandonaram o objeto ‘educação’ para os pedagogos, abrindo
até mão dessa especialidade – sociologia da educação – para os educadores
(Ludke, 1991). De fato, se a sociologia da educação constitui um referencial
fundamental na formação de professores no antigo curso normal, dando um
caráter de modernidade e eficiência, como ‘ciência da educação’, para a
pedagogia em nível médio ou superior (cf. Meucci, 2002), garantindo mercado
de trabalho para egressos das ciências sociais, com o tempo, tanto esse
mercado foi-se restringindo a egressos da pedagogia (cf. Resolução MEC nº
399/89) como foi desaparecendo como linha de pesquisa ou disciplina dos
cursos de ciências sociais (MORAES, 2003, p. 9, grifos no original).
No que ressaltamos a importância das Ciências Sociais, valorizamos e retomamos os
estudos das práticas educacionais, ou seja, passamos a realizar pesquisa sobre a educação
que contribui para o desenvolvimento das licenciaturas, algo que não deve ser abandonado
pelo licenciando nem pelo licenciado.
2. A Sociologia e as práticas educacionais do Pibid no Ensino Médio
A partir da promulgação da Lei nº 11.684 de 2008 (que altera o artigo nº 36 da Lei
nº 9.394, de 1996, que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases - LDB), e do ano de 2009, a
disciplina de Sociologia tornou-se obrigatória no currículo proposto para os alunos do
Ensino Médio no Brasil. Sabe-se que a educação em geral não é exclusivamente da escola,
não se restringindo a um período único da vida do estudante. Assim, compreendemos que
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toda a prática em torno do ambiente escolar constitui um lugar privilegiado para o processo
de ensino-aprendizagem na formação do aluno. De acordo com Mota (2005):
[...] investigar e discutir a sociologia no ensino médio é de especial
relevância para a percepção do seu processo de construção e instituição na
escola; e também da sua recepção social, [...] sua incipiente constituição
como disciplina escolar, permite-nos perceber o imaginário e as
expectativas que existem e que têm sido difundidas a respeito de sua
especificidade e de sua importância (ou não) na educação escolar dos
estudantes (MOTA, 2005, p. 88-89).
Desta forma, a inclusão da Sociologia como disciplina no currículo escolar do Ensino
Médio constituiu-se em objeto de análise na medida em que após a sua inclusão muito se
tem questionado acerca de: (i) seu papel na formação dos alunos, (ii) suas metodologias de
ensino e (iii) suas formas de avaliação da aprendizagem dos estudantes no que concerne à
cidadania, reflexão e crítica e sua operacionalidade.
A disciplina Sociologia está situada nas três séries do Ensino Médio, com uma aula por
semana de 55 minutos. A carga horária anual é de 120 horas, ou seja, 40 horas/trimestre. Para
preparação das aulas, as professoras supervisoras do Pibid contam com o Plano de Ensino Anual
(2015), com o Currículo Básico da Escola Estadual e os Referenciais de Sociologia da Sedu. Além
desses documentos também são utilizados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (PCN+EM) e Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCN-EM) que fornecem os
parâmetros para o cumprimento das demandas da disciplina de Sociologia.
Considerando essas questões, a prática dos bolsistas no ambiente escolar é realizada de
acordo com a dinâmica da escola e de seu processo educacional. Os licenciandos pibidianos
participam de todas as atividades realizadas pelas professoras supervisoras, desde o
planejamento até a preparação de materiais didático-pedagógicos e de pequenas intervenções
durante as aulas, seguindo o modo operacional que a disciplina está inserida no Ensino Médio.
Fazer parte do Pibid, principalmente no início da inserção escolar é sentir-se como um
corpo “estranho” na escola. Essa sensação de deslocamento no ambiente escolar é compartilhada
por muitos de nós pibidianos, talvez porque sentimos que somos realmente exteriores ao
ambiente escolar, ou seja, não nos enquadramos nem no papel de docente e nem no de aluno.
Porém, essa sensação de deslocamento deve ser aproveitada, pois ao mesmo tempo em que
deixamos de ser meramente alunos ainda não somos professores. Portanto, o Pibid nos dá essa
oportunidade de inserção no ambiente escolar através de uma condição peculiar, cuja vivência
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deve servir de experiência e reflexão acerca dos problemas e possibilidades do exercício docente,
quiçá problematizada e aprofundada como objeto de estudo.
Outra vantagem que o Pibid acrescenta à formação docente é o de habituar-se ao
ambiente escolar. Vivenciar a sala de aula antes de ser realmente professor nos transmite um
saber importante, podemos ao longo dela ir experimentando o nosso próprio fazer docente,
a cada projeto pedagógico que dá certo ou errado, ou seja, cada intervenção bem ou
malsucedida contribui com a formação do futuro jovem professor2.
Além da realização de projetos pedagógicos em si, o contato com a aplicação do
OCNs e do PCNs do ensino médio contribuiu para a familiarização e o maior conhecimento
dos conteúdos a serem por nós trabalhados. É de grande importância para que um professor
esteja preparado para a sala de aula, compreender as possibilidades e as dificuldades do
currículo que circunscrevem o trabalho docente e a vida cotidiana escolar.
No caso da Sociologia em que temos apenas uma aula semanal, são várias as
dificuldades, uma delas a de ministrar conteúdos completos, seja por conta do curto tempo
da aula ou pelas tantas interrupções que a aula de Sociologia sofre, “sociologia é aula de dar
recado”, é o estigma que a matéria sofre pelo desconhecimento de seus conteúdos, sendo
comentada como “matéria que fala de tudo”. Concordamos com Lourenço (2008, p. 11):
Outro ponto bastante importante é evitar afirmar que a Sociologia é uma
‘ciência fácil’, que ela ‘está em tudo’, ou que ela estuda ‘de tudo um pouco’
(portanto, não estuda nada, ou não tem uma identidade), ou ainda, discorrer
que determinada abordagem vai ‘além das fronteiras das ciências sociais’.
De maneira que se evite a perpetuação de estigmas, e de vícios sobre a disciplina, é
necessário ganhar território e valorização da disciplina dentro do espaço escolar, evitar que
seja vista como uma aula vaga pelos alunos e como uma aula livre a ser utilizada para
qualquer fim pelo corpo escolar. Estigmas e precarizações que devem ser combatidas, por
isso deve ser dada importância para a consolidação de identidade e sentido para a disciplina,
que possibilite a afirmação do papel que a Sociologia tem no ensino médio, dever este de
nós “pibidianos”, estudantes de licenciatura e de todos os docentes de Ciências Sociais.
Nesse sentido, as supervisoras das duas escolas integradas ao programa ministram
com êxito a disciplina, refutando a ideia de que a Sociologia não reprova. Elas
2 No ano de 2014, os principais projetos pedagógicos executados nas escolas pelo Pibid Ciências Sociais foram:
Participação Estudantil; Diversidade em Ação; Cotidiano em Cena e Cultura Guarani.
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desenvolveram um compromisso com os alunos, de formar seu espaço de legitimidade junto
à comunidade escolar, uma vez que “[...] o papel da Sociologia no Ensino Médio é a
desnaturalização, o estranhamento e a tomada de consciência dos fenômenos sociais [...]”
(LOURENÇO, 2008, p. 3). Dessa forma, reconhecemos a importância e o compromisso que
os alunos mantêm com a disciplina. Eles participam dos debates, tarefas, retornam de forma
significativa às propostas elaboradas em sala de aula.
Percebemos que os alunos levam as discussões para além das salas de aula, e até
mesmo para outras disciplinas, identificando como a Sociologia pode interagir e contribuir
com o pensamento crítico dos alunos, mesmo quando se é trabalhado temas, autores e
conceitos de tamanha densidade, confirmando com o que diz Sarandy (s/d, p. 2):
[...] a sociologia tem a contribuir para o desenvolvimento do pensamento
crítico, ao lado de outras disciplinas, pois promove o contato do aluno com
realidades distantes e culturalmente diferentes. É justamente nesse
movimento de distanciamento do olhar sobre nossa própria realidade e de
aproximação sobre realidades outras que desenvolvemos uma
compreensão de outro nível e crítica.
Aqui compreendemos a habilidade e clareza das professoras quando ministram o
conteúdo, pois a linguagem acadêmica é diferenciada da linguagem e exposição do conteúdo
para o Ensino Médio. Reconhecendo a dificuldade da transposição dos conteúdos e práticas
do Ensino Superior para o Ensino Médio, concordamos com Lourenço (2008) quando relata
em seu artigo que nessa transposição é necessário fazer mediações, ou seja, adaptar os
conteúdos propostos em termos de métodos e recortes. Nesse intuito, buscamos sempre
realizar essas transposições ao lidar com conteúdo complexo voltado ao aluno do Ensino
Médio. Nesse propósito, destacamos a importância do contato com os alunos, manter um
diálogo com eles e trocar experiências como fundamentais para a avaliação das melhores
formas de lidar com o ensino da Sociologia na prática, criando o nosso próprio método de
ensino em meio às inúmeras dificuldades do ambiente escolar.
A escola como um todo apresenta várias dificuldades para o trabalho docente, as salas
de aulas são lotadas, causando desgastes para as professoras e para nós na realização de
determinadas atividades, além disso, a escola não fornece recursos audiovisuais de modo
adequado para todos os professores. Sobre esse último aspecto, a falta de suporte no uso de
aparelhos de informática limita a dinâmica das aulas, pois subir e descer escadas, andar em
corredores com datashow e notebook, carregar livros, pauta, bolsas e demais materiais
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necessários para ministrar uma aula e ainda atender alunos pelo caminho, não é tarefa fácil.
O professor nesse momento se multiplica diante das demandas da sala de aula.
Durante o nosso período de formação sentimos falta de trabalhar com a
interdisciplinaridade, pois a Sociologia não corresponde apenas a conteúdos específicos
descritos nos documentos e currículos oficiais, a Sociologia também trabalha com temas
transversais, principalmente que perpassam as disciplinas de História e Geografia.
Percebemos inúmeras vezes o interesse das professoras em trabalhar com as demais áreas
do conhecimento, mas as tentativas são em vão. Não há tempo hábil de planejamento para
sentar e discutir sobre essa questão. Infelizmente a educação ainda não é prioridade em nosso
país como já diagnostica Lourenço (2008, p. 5):
Educação nunca foi prioridade no Brasil, contudo, atualmente temos
presenciado um momento de grande degradação do valor da educação. Ela
não é mais tida como um valor e sim como um instrumento. Aprender é
para a vida e não necessariamente para ganhar alguma coisa.
Percebemos nitidamente que muitos alunos estudam apenas em função de adquirir o
diploma do Ensino Médio e que não levam o aprendizado para a vida. Infelizmente,
costumam realizar a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) apenas para
alcançarem a aprovação no Ensino Médio, pois a mesma é obrigatória. Na nossa percepção,
não há muito interesse em realizar a prova para obter nota para o ingresso na universidade
pública. Entretanto, as professoras reconhecem a importância da disciplina e seu
comprometimento com a formação profissional dos alunos, além da formação cidadã, alguns
alunos ingressaram no curso de Ciências Sociais na UFES no ano de 2015, o que vem
motivando o trabalho das professoras e o nosso, afinal, os esforços para o aprendizado são
recíprocos. Supervisores e pibidianos se dedicam em prol da formação dos alunos.
Reconhecemos o desinteresse pelo ingresso a uma universidade pública até mesmo
pela falta de motivação das famílias e da própria escola. Não ocorre uma preparação
escolar para atender a linguagem do público juvenil, notamos a insegurança de muitos ao
falar de mercado de trabalho, carreira e planos futuros, pois “[...] no Brasil, o princípio da
incerteza domina o cotidiano dos jovens, que se depara com verdadeiras encruzilhadas de
vidas [...]” (DAYRELL, 2007, p. 1113).
Ao relatar esses desafios percebemos a importância da Sociologia para manter um
diálogo expressivo com os alunos, estar em sala de aula é um desafio contínuo. O contato
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direto com a Sociologia no Ensino Médio por meio dessa experiência, nos fez perceber na
prática como as Ciências Sociais é aplicada para os alunos de Ensino Médio, em outras
palavras, qual é a sua verdadeira finalidade. Nesse sentido, “embora parece óbvio o estudo,
enfatiza-se que a Sociologia permite compreender a relação indivíduo e sociedade, pois é ela
que estabelece uma explicação mais direta do que acontece com cada um de nós e a
organização da sociedade mais ampla [...]” (PEREIRA, 2007, p. 147). Transmitir o conteúdo
teórico acadêmico para o público jovem de forma didática com o objetivo de alcançar a
Imaginação Sociológica, não é tarefa fácil. Ser professor de Sociologia é um grande desafio
ao qual pretendemos assumir em prol de uma educação de qualidade, que almejamos alcançar.
Conclusão
A recente implantação do Pibid Ciências Sociais na UFES trouxe um novo olhar acerca
da prática docente para futuros professores e profissionais da educação. Assim como possibilitou
a reflexão acerca da institucionalização das Ciências Sociais enquanto disciplina de Sociologia no
currículo escolar do Ensino Médio, meio a inúmeros questionamentos sobre sua implementação e
real objetivo em relação à formação do indivíduo. Ao analisarmos os relatos escritos em nossos
cadernos de campo podemos perceber o quanto a licenciatura das Ciências Sociais ganhou
visibilidade no curso e na universidade como um todo. Durante o primeiro ano de implementação
do Pibid, desenvolvemos inúmeras atividades nas escolas, as quais apresentaram em seminários
dentro da própria universidade. Contamos com o apoio de uma equipe de professores que
contribuíram para a nossa formação por meio de rodas de conversa que nos fez repensar as práticas
educacionais em torno da disciplina de Sociologia para o Ensino Médio.
Resultados bons foram alcançados durante esse período, assim como a identificação
de recursos variados e métodos para se pensar a prática docente e atuar perante as demandas
da rotina escolar. Ser professor não é tarefa fácil, seria importante se todos os alunos do
curso de licenciatura fossem contemplados com o Pibid em sua formação. Estar em contato
com o ambiente escolar ainda nos anos iniciais de formação é de suma importância, entender
como é feito o processo de transmissão do conteúdo acadêmico para o universo juvenil de
forma didática é pensado e praticado constantemente.
No entanto, percebemos que o impacto na escola depende de uma menor ou maior
aceitação do próprio Pibid no seu espaço escolar, por isso, acreditamos que seja importante
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uma maior interação entre o Pibid e as escolas participantes. Ou seja, quanto maior o apoio
dado ao projeto, maiores serão as chances de impactos positivos na escola, e,
consequentemente melhores serão os resultados dos trabalhos realizados, o que poderá ser
compartilhado como experiência para outras escolas ligadas ou não ao Pibid e na própria
universidade. Com isso, fortalecemos a educação básica que, ao fim e ao cabo, é o nosso
objetivo principal: melhorar a qualidade da educação básica brasileira.
O projeto ainda está longe de atender todas as demandas como a falta da
interdisciplinaridade entre as áreas do conhecimento afins, assim pouco é feito para que as
disciplinas dialoguem entre si e promovam maior interação na vivência escolar do aluno.
Muito esforço é necessário para se alcançar as demandas da sala de aula. Seminários e
eventos do Pibid são fundamentais para visualizarmos os resultados e benefícios desse
projeto. Participar do Pibid nos possibilita estar em contato direto com a realidade que a
Sociologia perpassa no Ensino Médio em nossos anos iniciais de formação. Além disso, é
possível desenvolver pesquisas lidando em sala de aula com a função de professor e
pesquisador, tendo a chance de enxergar a realidade de outra forma, inclusive, intervindo na
mesma e aperfeiçoando sua prática educacional.
Referências
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ESTÉTICA DE RESISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
Luana da Costa Fonseca PUC-Rio
Resumo: esse artigo surgiu da sistematização dos estudos para a aplicação da Lei Federal nº 10.639/03,
uma das metas do projeto visa discutir o enfrentamento do racismo a partir da abordagem da estética
de resistência do corpo e cabelo negro. A partir disso, buscar a afirmação identitária, embasado que um
“sujeito social se constitui nas relações sociais” Cunha Jr (2005) a emancipação e a afirmação da
identidade requerem relações verdadeiramente humanas. Não existe ‘empoderamento’ para indivíduos
isolados. A escola tem um papel fundamental na construção identitária da/do aluna/o negra/o, pois a/o
professora/o lida com a/o aluna/o concreto e essa/o aluna/o é a síntese de inúmeras relações sociais. A
identidade é definida por essa síntese que fazem sentindo para um determinado grupo social. A estética
aqui pode ser compreendida como percepção, o que vestimos, o modo que usamos o cabelo transmitem
a noção de estética que queremos construir. Deste modo, a estética faz parte da estrutura da identidade.
O projeto tem como objetivo observar que a autoafirmação e a autoestima dessas/os alunas/os está
relacionada com o melhor desempenho nos estudos e nas relações sociais.
Palavras-chave: racismo; identidade; educação
Abstract: This article came from the studies systematization for the implementation of Federal Law
10.639/03, one of the project goals is discussing the racism confrontation from the approach of the body’s
resistance aesthetics and black hair. From this we aim the identity affirmation, based on the affirmation
that “social subject is constituted in social relations” Cunha Jr. (2005) emancipation and identity
affirmation require truly human relations. There is not ‘empowerment’ to isolate individuals. The school
has a key role in identity construction of the black students, because the teacherdeals withthe concrete
student and this student is the synthesis of numerous social relations. Identity is defined by this synthesis
that make sense to a particular social group. The aesthetic here can be understood as perception, what we
wear, the way we use hair can convey the notion of aesthetics that we want to build. Thus, the aesthetics
is a part of the identity structure. The project aims observing that self-assertion and self-esteem of those
students are related to the better performance in studies also in social relations.
Keywords: racism; identity; education.
Introdução
Esse artigo surgiu da sistematização dos estudos para a aplicação da Lei Federal nº
10.639/03, em uma escola estadual da cidade do Rio de Janeiro. Estudos estes que se
manifestaram a partir que o PIBID Ciências Sociais PUC-Rio se inseriu na escola. O PIBID
– Programa Institucional de Iniciação a Docência – proporciona um diálogo entre
professores universitários, alunas/os de graduação e professores da educação básica e
consequentemente estimula a pesquisa e valorização da prática docente, renovando as
relações aluno; professor e escola, ampliando os olhares para trabalhar com as diversidades
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e incentivando a/o graduanda/o a responder e compreender a realidade social, política e
cultural dentro desse contexto escolar.
O PIBID Ciências Sociais PUC-Rio, tem como uma das suas principais identidades
trabalhar a construção de pertencimento e apropriação do espaço escolar e com isso
aprofundar o respeito das diversidades. O projeto de aplicação da Lei 10.639/03 surgiu dessa
mediação de equilibrar e compreender a relação aluna/o e escola e todas as particularidades.
Uma das metas do projeto visa discutir o enfrentamento do racismo a partir da
abordagem da estética de resistência com o foco no cabelo negro. A identidade é definida
por síntese de diversos fatores sociais, fatores esses que fazem sentindo para um determinado
grupo social, o professor que lida com a/o aluna/o concreto em seu cotidiano essa/o aluna/o
é a síntese dessas inúmeras relações sociais.
No contexto escolar, discutir essas relações sociais priorizando o campo étnico racial
é buscar relevância e a necessidade da discussão sobre identidade e a autoafirmação. A
autoafirmação da identidade negra é construída na troca, na experiência e representatividade,
não existe ‘empoderamento’ para indivíduos isolados, sobretudo quando se transfere
“idealisticamente o problema do plano das contradições objetivas para o da psicologia social
individual” (MEZAROS, 2002, s/p). O racismo é e “está institucionalizado na discriminação
sistemática de pessoas negras sofrem no trabalho, moradia, no sistema educacional e no
assédio pela polícia e autoridades de controle e migração” (CALLINICOS, 2000, p. 4).
Um dos objetivos do trabalho é buscar a experiência de aceitação e identificação de
suas características. Aceitar a negritude, não querer disfarçar as características mais visíveis,
como por exemplo, o cabelo. A escola que se localiza na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro,
porém é constituída em sua maioria por alunas/os das favelas do Vidigal e Rocinha e na
contextualização histórica, em sua maioria negra. O ambiente escolar por muitas vezes
reforça o padrão estético ocidentalizado, o que dificulta a construção e o reconhecimento da
identidade negra. A escola precisa saber lidar com situações discriminatórias, com
argumentos sólidos, buscando sempre apoio em literaturas que antes não eram consultadas.
A Lei Federal 10.639/3, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e
Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, afirma que “garantir o direito de
aprender implica em fazer da escola um lugar em que todos e todas sintam-se valorizados e
reconhecidos como sujeitos de direito em sua singularidade e identidade” (LDB, 2009, p. 2). Em
resumo, a escola precisa ser um ambiente acolhedor e que reconheça as diferenças e que estimulem
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a autoestima das/dos alunas/os negras/os que historicamente são marginalizados, principalmente
dentro do contexto escolar. A valorização das identidades é um passo fundamental para
reestabelecer o prazer de estar na escola e pertencer ao espaço junto com os demais.
1. Racismo e identidade
Racismo e identidade são temas importantes que precisam estar presentes na escola,
mas, as questões sociais a tomam de sobressalto, as intenções isoladas pouco podem fazer.
E a compreensão e percepção que o cabelo negro tem um significado social dentro e fora do
ambiente escolar, o cabelo pode ser considerado expressões e suportes simbólicos da
identidade negra no Brasil e trabalhar a revalorização do cabelo no ambiente escolar é de
extrema importância, pois trabalha um resgate da ancestralidade e a consciência da sua
beleza e consequentemente o pertencimento. Como diz Neusa Santos Souza: “ser negro no
Brasil é tornar-se negro” (SOUZA, 1990, p. 77). A compreensão do “tornar-se negro” dentro
do contexto de discriminação orienta o nosso olhar para a necessidade de considerar como
que a identidade se constrói no plano simbólico.
O cabelo negro na sociedade brasileira expressa o conflito racial vivido por negros e
brancos em nosso país. Considerando a construção histórica do racismo brasileiro, a negação
da estética negra e a institucionalização do cabelo ‘ruim’ versus o cabelo ‘bom’, o cabelo
‘ruim’ é a expressão do racismo e da desigualdade racial.
Compreende-se então, que para o negro, a intervenção no cabelo é mais que uma
questão de vaidade ou estética e sim, uma questão identitária. E a escola tem um papel de
mediação desses conflitos e de afirmação da identidade e diversidade. A expressão estética
negra é inseparável do plano político, econômico e do espaço de pertencimento. Aqui
fazendo o recorte para o gênero, mulheres negras são socialmente desvalorizadas em todos
os níveis, as valorizações do padrão de beleza ocidental são reforçadas nos bancos escolares
e trabalham com o aprofundamento do racismo e a descaracterização da mulher negra e o
isolamento da sua cultura e o aprofundamento da sua baixa estima.
Os espaços urbanos e sociais que vivemos a complexificação das sociedades dificultam
a construção social da identidade, os mapas de orientação são tortuosos e contraditórios. A
fluidez das fronteiras de uma cidade mexe com os códigos de emoção e estilo de vida que são
ancorados em leis simbólicas de grupos. A dinâmica do espaço escolar solidifica ainda mais os
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códigos e os estilos de vida, os engessamentos das práticas escolares não se equilibram com a
fluidez das fronteiras dos espaços urbanos. O cabelo e o corpo negro são códigos e linguagens
da sociedade brasileira, elas representam e vão além da moldura escolar. Os engessamentos das
práticas escolares principalmente nas escolas públicas e particulares brasileiras trabalham com
o ideal de igualdade que deságua na democracia racial e com isso oculta os conflitos raciais.
O estilo do cabelo e o sentido de subjetividade que atribuímos se relaciona com o
espaço e a expressão a ser passada, que pode ser usado para camuflar o pertencimento
ético/racial ou o reconhecimento de suas raízes. A aplicação da lei 10.639/03 na escola
estadual busca enfatizar esse reconhecimento de raízes e a partir de alguns depoimentos de
alunas/os é possível identificar essa transformação não só de reconhecimento como também
pertencimento ao seu lugar de fala e dentro do ambiente escolar.
Como por exemplo, a fala de Dara1, aluna do 2ª ano do Ensino Médio: “Eu sou muito
forte, a minha vida sempre foi luta. Sou negra e mulher, esse é o meu cabelo, esse é o meu
jeito de ver a vida e as pessoas tem que aceitar isso”. Podemos destacar que ela coloca a
negritude à frente da definição de mulher. Compreende-se então, um ‘empoderamento’ do
coletivo para o individual, uma resposta a todos os processos de exclusão, esteriotipação e
distorções raciais. É um ato pequeno, mas o depoimento da Dara revela o poder da fala e o
pertencimento ao espaço escolar e suas raízes. Aqui podemos destacar a importância da
inserção das/os alunas/os de graduação via PIBID em escolas públicas, pois é um passo
fundamental para a renovação e diálogos mais sólidos entre a universidade e a escola e a
construção de um espaço escolar mais atento à realidade das/os alunas/os.
A discussão sobre a estética de resistência na escola é cotidiana, tendo em vista que
algumas construções são legitimadas e institucionalizadas, como a ideia do cabelo ‘ruim’
versus o ‘bom’ produzindo desigualdades e sendo determinantes no processo de exclusão.
Porém, nessa discussão cotidiana, além da marcação da estética negra, a classe, o gênero, a
opção política e a opção sexual são interligadas e estão na fluidez das fronteiras, como dito
acima. Na discussão, é possível observar as distintas formas de se colocar e agir no meio
social, pensar a identidade circunscrita da ideia de raça que perpassa não somente a
categorização de si, e que se estabelece a partir da identificação com o outro e a escolha que
o ator social faz da sua identidade, a partir da sua trajetória de vida, suas características e o
seu processo de individualização.
1 Neste trabalho, atribuímos nomes fictícios aos entrevistados.
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2. Racismo e espaços
A partir dessas abordagens da estética do corpo e cabelo negro como ferramenta de
enfrentamento do racismo, o projeto remodelou algumas mesas e rodas de conversa,
trazendo também os interelações das discussões sobre identidade que é construída
historicamente em meio a mediações que diferem de cultura para cultura.
O projeto também se propôs a discutir com mais aprofundamento sobre a construção
de se ‘tornar negro’ e o alinhamento com as pesquisas políticas sobre o racismo estrutural e
institucionalizado.
O sociólogo Pierre Bourdieu ao escrever sobre as transformações no sistema escolar
evidencia que o sistema escolar contém fronteiras fortemente traçadas e marcadas e levam a
interiorização das divisões escolares que consequentemente as divisões sociais, um sistema
de classificações imprecisas e a hierarquização simbólica.
O processo de identidade social sem espaço para a compreensão da diversidade
possibilita a instabilidade estrutural, e a crise social passa ser a individual, e esse sistema
escolar perdura até os dias de hoje reforçando as classificações meritocráticas.
Vê-se como é ingênua a pretensão de resolver o problema da “mudança
social” atribuindo à “renovação” ou à “inovação” um lugar no espaço
social – para uns, o mais elevado e para outros, o mais baixo – sempre
alhures, em todos os grupos “novos”, “marginais” e “excluídos”, para
todos aqueles cuja primeira preocupação consiste em introduzir, a qualquer
preço, a “renovação” no discurso: caracterizar uma classe como
“conservadora” ou “inovadora” – sem precisar sob qual aspecto – é,
recorrendo tacitamente a um padrão ético, situado necessariamente no
ponto de vista social, produzir um discurso que, praticamente se limita a
dizer o lugar de onde se articula porque faz desaparecer o essencial, ou
seja, o campo de lutas como sistema de relações objetivas no qual as
posições e tomadas de posição definem-se relacionalmente e que domina
ainda as lutas visam transformá-lo: é somente com referência ao espaço de
disputa que as define que elas visam manter ou redefinir, enquanto tal,
quase completamente, que se pode compreender as estratégias individuais
ou coletivas, espontâneas ou organizadas, que visam conservar e
transformar ou transformar para conservar (BOURDIEU, 2013, p. 151).
Com discussões e compreensões mais embasadas, a interdisciplinaridade é a pauta
principal de todo o projeto, pois é a ação educativa mais viável. As conversas e debates saíram
na moldura estabelecida e se transformaram em discussões cotidianas e chegaram a outras
aulas, possibilitando o exercício interdisciplinar. “A viabilidade política de um projeto social,
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propriamente dita, dependerá de sua eficácia em mapear o sentido às emoções e sentimentos
individuais” (VELHO, 2004, p. 33). Esse alcance singular do projeto de mapeamento das
emoções e sentimentos é a linha mais tênue e o ponto mais difícil de explorar, por exemplo,
quando ouvimos a seguinte frase após a uma conversa sobre os processos de exclusão
histórica, “me sinto triste quando alguém fala mal do meu cabelo, mas eu só choro em casa”.
Essa frase dita por uma menina de 16 anos que está em processo de transição capilar
e com baixa estima e consequentemente relações estremecidas no espaço escolar e notas
baixas. A frase dessa menina revela todos os privilégios negados e a sustentação do padrão
de beleza eurocêntrico imposto. E para além dessa moldura, existe ainda a questão de classe,
que enfatiza mais ainda a distinção por não ter o poder de compra. Trazendo novamente
Bourdieu para a discussão sobre a realidade da representação e representação da realidade.
Os sujeitos classificantes que classificam as propriedades e as práticas dos
outros, ou as deles próprios, são também objetos classificáveis que se
classificam (perante aos outros) apropriando-se das práticas e propriedades já
classificadas (tais como vulgares ou distintas, elevadas ou baixas, pesadas ou
leves, etc., ou seja, em última análise, populares ou burguesas) segundo sua
repartição provável entre grupos, eles próprios classificados; as mais
classificantes e as mais classificadas dessas propriedades são, evidentemente,
aquelas que são expressamente designadas para funcionar como sinais de
distinção ou marcas da infância [...] (BOURDIEU, 2013, p. 446).
Retomando a estética do corpo e cabelo negro e trabalhando a distinção dos
penteados característicos, como as tranças ou box braids, existe a hierarquização entre as/os
negras/os e isso realça o processo de competição/reprodução e destaca a classe dentro da
questão de hierarquização. Porém é importante destacar aqui, que não existe hierarquia de
opressão, como muito bem salientado pela intelectual Audre Lorde. O projeto como é
contínuo não tem um prazo para terminar e sim para desenvolver cada vez mais discussões
sobre formas de enfrentamento do racismo e busca do pertencimento com a sua identidade
e o seu lugar de fala em diferentes ambientes.
As classes e suas classificações se constituem na busca pela diferenciação/distinção
dentro de estruturas sociais incorporadas. A busca simbólica por se distinguir até dentro
do seu próprio grupo de pertencimento, sublinha mais uma vez o complicado processo de
individualismo e isolamento.
Em uma das rodas de conversa realizada na hora do almoço, uma menina chorava
desesperadamente, pois alguém tinha escrito na porta da sala “Beta, não tira nem a peruca
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para lavar” e ela dizia alto: “eu tenho certeza que foi uma menina com o cabelo igual ao
meu que escreveu isso”. Essa questão desencadeou em discutir a política do julgamento e o
processo de distinção e individualismo ao invés da busca do coletivo.
A autoafirmação da estética que equilibra estrutura da identidade com o
pertencimento tem que ser construída de forma coletiva, não deixando a valorização
individual, mas equilibrando e proporcionando desenvolvimentos de fala política dentro do
contexto de reproduções de racismo no espaço escolar e fora dele. É necessário que as/os
professoras/es estejam preparadas/os para quebrar essas estruturas do racismo estrutural
e transformar em ação de enfrentamento do racismo.
A busca por representações de falas, líderes negras/os, convites a professores
negras/os, luta pela mudança na grade escolar para a aplicação da lei 10.639/03 e inserção
desses intelectuais no cotidiano da escola é essencial para a autoestima e valorização das
raízes de matriz africana, e o PIBID Ciências Sociais PUC-Rio, tem como princípio levar
esses representantes nas escolas para a participação nas rodas de conversa, palestras,
debates. Buscando novamente ampliar as discussões, Bourdieu foi necessário para
trabalhar questões dos capitais culturais e o habitus, “a proposição fundamental que define
o habitus como necessidade que se torna virtude nunca é experimentada com tanta vontade
evidência que quanto no caso das classes populares” (BOURDIEU, 2013, p. 350).
O gosto da necessidade devolvida pela competição e imposiçoes de uma estrutura com
modelo padrão e que impõe formar e de obrigada a ter o gosto por cerros produtos para se
encaixar e identificar com certos grupos e pertencer ao padrão dito o ‘certo’. Faz com que a
competição cresça entre pessoas do mesmo grupo, trabalhando aqui com a questão racial. A
disputa entre obter os melhores produtos para cuidar a estética potencializa uma distinção e
uma reprodução desnecessária e enfatiza os capitais culturais, econômico. Após alguns meses
de conversa é possível perceber que o pertencimento e a busca de uma fala política e consciente
vêm se estruturando na escola e nos espaços para além dos muros da escola.
E essa consciência de ir contra a imposição do padrão de beleza eurocêntrico e a
ideologia de branqueamento sustentando pela sociedade competitiva, principalmente nos
espaços urbanos acaba balançando algumas relações com pessoas brancas e a apropriação
com o uso de acessórios afros. Outro ponto fundamental de discussão dentro do projeto é a
apropriação cultural que podemos compreender quando Bourdieu escreve “a aquisição da
cultura legítima pela familiarização insensível no âmago da família tende a favorecer, de
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fato, uma experiência encantada da cultura que implica o esquecimento da aquisição e a
ignorância dos instrumentos de apropriação” (BOURDIEU, 2013, p. 10).
O cabelo é simbólico, a pessoa negra sair na rua já é um ato de resistência dentro dos
parâmetros conservadores de uma cidade baseada e construída na ideia da democracia racial.
O empoderamento tem que se consolidar para além das características e acessórios afros,
como os turbantes, blacks, tranças, roupas, não é apenas isso que vai livrar a pessoa negra
de sofrer racismo, a estética de resistência em si é o primeiro passo para enfrentamento
cotidiano e consciência da sua importância para outras pessoas negras.
[...] favorecer processos de ‘empoderamento’: principalmente orientados aos
atores sociais que historicamente tiveram menos poder na sociedade, ou seja,
menores possibilidades de influir nas decisões e nos processos coletivos. O
‘empoderamento’ começa por liberar a possibilidade, o poder, a potência que
cada pessoa tem, para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social. O
‘empoderamento’ tem também uma dimensão coletiva, trabalha com grupos
sociais minoritários, discriminados, marginalizados etc., favorecendo sua
organização e participação ativa na sociedade civil (CANDAU, 2005, p. 35).
Gayatri Chakravorty Spivak, uma intelectual feminista compreende-se também que
o discurso de resistência tem que ser compreendido em todos os espaços.
Dessa forma, Spivak desvela o lugar de incômodo e a cumplicidade do
intelectual que julga poder falar pelo outro e, por meio dele, construir um
discurso de resistência. Agir dessa forma, Spivak argumenta, é reproduzir as
estruturas de poder e opressão, mantendo o subalterno silenciado, sem lhe
oferecer uma posição, um espaço de onde possa falar e, principalmente, no
qual possa ser ouvido. Spivak alerta, portanto, para o perigo de se constituir
o outro e o subalterno apenas como objetos de conhecimento por parte de
intelectuais que almejam meramente falar pelo outro (SPIVAK, 2010, p. 14).
Conclusão
O projeto de aplicação da lei 10.639/03 vem aos poucos desconstruindo o que muitos
livros didáticos oferecem. Um desconhecimento da história afeta essa produção de livros e
o próprio currículo escolar. As/os aulas/os saem da escola sem sequer ouvir falar de uma
liderança negra. A escola tem que contribuir no processo de afirmação da identidade negra.
A instituição escolar que desconhece todo o contexto de negritude e africanidade acabam
desaguando no “perigo da história única”. Ideia trabalhada pela escritora nigeriana
Chimamanda Adichie Ngozi, “a história única cria estereótipos e o problema com os
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estereótipos não é eles serem mentira, é serem incompletos. Fazem com que uma história se
torne na única história” (NGOZI, 2008).
A escola por sua vez, em sua estrutura mais simples deveria trabalhar como um
instrumento transformador sobre as consciências, acaba por reproduzir as relações sociais e
emoldurando em cada período histórico. E que aprofunda ainda mais a democracia racial de
um país, e folclariza um estudo sobre a diversidade brasileira e a suas histórias ligadas a
África, traçando a ideia de que a África é um único país. O racismo precisa ser compreendido
em sua base, como muito bem apontado pela filosofa Djamila Ribeiro, “racismo é um
sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de poder. Negros não
possuem poder institucional para ser racistas. A população negra sofre um histórico de
opressão e violência que a exclui” (RIBEIRO, 2014).
O racismo está profundamente conectado ao sistema capitalista. Não somente
afirma a escravidão como constituição social natural, mas tende a favorecer a
opressão argumentando favoravelmente pela diversidade de raças, entendendo
ser a “raça” negra inferior à branca. Com o avanço da ciência experimental,
bem como da eugenia e da biologia, a inferioridade da “raça” africana foi
elevada ao patamar de ciência (SILVA; BERTOLDO 2010, p. 110).
Como conclusão, podemos compreender que a escola tem que ser uma estrutura que
trabalhe com a diversidade com embasamento, e não uma estrutura que potencializa a exclusão
racial e social da/o aluna/o. É necessário entender que essas discussões vão além dos muros da
escola, mas a escola é uma ferramenta importante da inserção da/o aluna/o na sociedade que
fortifica o processo de distinção por raça, classe, espaço. Conclui-se que a escola encontra limites
para abordar racismo e identidade nas ações. As práticas pedagógicas necessitam de continuidade.
A Lei 10.639/03 existe e cabe aos professores e aos projetos, como o PIBID aplicarem e ampliarem
o olhar e a fala de cada aluna/o. Não deveria ser uma lei, ela devia estar a muito tempo em cada
pessoa que se propõe a comunicar e trocar experiências com os outros proporcionando o
conhecimento, o pertencimento, a afirmação da identidade e a felicidade de ser e estar.
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IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR ENTRE OS GUARANIS DE
ANGRA DOS REIS E PARATY
Maria Betânia Guerra Duarte MPF
Resumo: O Ministério Público Federal (MPF) acompanha as políticas públicas para educação nas
comunidades indígenas do Estado do Rio de Janeiro desde 1997. Este tempo correspondeu a um período
de discussão e construção dessas políticas em nível nacional – um processo dinâmico, que contou no Rio
de Janeiro com avanços e recuos por parte dos guaranis e dos gestores de educação. A fiscalização que
cabe ao MPF inseriu-se no bojo dessas mudanças, tornando-o também um ator neste processo. Por muito
tempo a atuação da instituição consistiu no envio de ofícios e acompanhamento dos fatos por meio de
relatórios antropológicos. Tendo em vista uma maior cobrança das comunidades diante da morosidade
do Estado, esses instrumentos mostraram-se ineficazes. Assim, a assessoria antropológica foi a campo;
articulou e ouviu os índios; elaborou relatórios diagnósticos; organizou reuniões com a comunidade, os
Procuradores e os gestores visando firmar compromissos e prazos; debateu e sugeriu linhas de ação para
os Procuradores. O resultado dessas medidas foi a expedição de recomendação e ajuizamento de ação
judicial que, entre outras conquistas, redundou na criação do Conselho de Educação Escolar Indígena e
na implementação do segundo segmento do ensino fundamental.
Palavras-chave: educação escolar indígena; comunidades guarani; direitos indígenas.
Abstract: The Federal Public Ministry (FPM) follows the public education policies related to the indigenous
communities in the state of Rio de Janeiro since 1997. This time span corresponds to a period of discussion
and construction of these policies at a national level – a dynamic process that has been dealing with advances
and drawbacks by the Guarani and the education managers. The inspection process attributed to the FPM
has become part of these changes, turning the Federal Public Ministry into an actor in this process. For a
long time the institution’s actions consisted in elaborating tasks and following facts through anthropological
reports. Taking in consideration the increasing demands from the indigenous communities versus the
government’s laxness, these instruments have proven to be ineffective. Therefore, the anthropological
consultants went on the field; joined and heard the indigenous populations; elaborated diagnostic reports;
organized meetings with the communities, attorney generals, and managers, seeking commitments and
deadlines; debated and suggested lines of action to the attorney generals. The result of these actions was the
delivery of recommendations and legal actions, which, amongst other conquests, resulted in the creation of
the Indigenous Education Council and the implementation of the second segment of basic education.
Keywords: indigenous education; guarani communities; indigenous rights.
Introdução
O Ministério Público Federal (MPF) acompanha as políticas públicas para educação
nas comunidades indígenas do Estado do Rio de Janeiro desde 1997. Este tempo
correspondeu a um período de discussão e construção dessas políticas em nível nacional –
um processo dinâmico, que contou no Rio de Janeiro com avanços e recuos por parte dos
guaranis e dos gestores de educação. A fiscalização que cabe ao MPF inseriu – se no bojo
dessas mudanças, tornando-se o Parquet Federal também um ator neste processo.
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Por anos, contudo, a atuação da instituição consistiu no envio de ofícios e acompanhamento
dos fatos apenas por meio de relatórios antropológicos. Tendo em vista uma maior cobrança das
comunidades diante da morosidade do Estado, esses instrumentos mostraram-se ineficazes.
Isto posto, a Procuradoria da República no Município de Angra dos Reis provocada
pela assessoria antropológica, acionou-a para ir a campo; articular e ouvir os índios; elaborar
relatórios, diagnósticos; organizar reuniões com a comunidade, os Procuradores e os
gestores, visando firmar compromissos e prazos; debater e sugerir linhas de ação para os
Procuradores da República, em conjunto com os índios. O objetivo deste trabalho foi
subsidiar os operadores do Direito em sua atuação, através do esboço do estado da arte dessas
políticas educacionais, que será apresentado ao longo do texto.
1. Metodologia
A metodologia partiu de observações etnográficas realizadas nas aldeias guarani dos
Município de Angra dos Reis e Paraty, Estado do Rio de Janeiro, no período de 1997 a 2015.
As situações de pesquisa aconteceram sempre em reuniões em que estiveram presentes as
comunidades, os gestores das políticas para educação no Estado e demais atores sociais,
colaboradores da implementação desse processo, tais como organizações não-
governamentais, universidades, etc.
A participação da pesquisadora ocorreu na qualidade de antropóloga do Ministério
Público Federal/Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, na condição de
assessora de Procuradores da República com atuação no acompanhamento e fiscalização de
políticas públicas para educação indígena.
A partir desse lugar, elaborou-se um inventário de problemas e de possíveis soluções
apresentadas pelos indígenas. As demandas reiteradamente trazidas formaram uma pauta
que se repetia em reuniões periódicas, fazendo com que, aos poucos, fossem sendo
aperfeiçoadas as técnicas de enfrentamento de questões não resolvidas ou mal resolvidas.
2. Caracterização do contexto
A título de caracterização da educação escolar indígena no Rio de Janeiro,
inicialmente verifica-se que no Estado do Rio de Janeiro existem seis aldeias guarani: Aldeia
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Sapukai, em Angra dos Reis; Aldeias Ka’aguy Hovy Porã (Mata Verde Bonita) e Itaipuaçu,
em Maricá; e Aldeias Itaxin, Arandu Mirim, Araponga e Rio Pequeno, em Paraty. Dessas
comunidades, da etnia guarani, apenas a de Rio Pequeno é caracterizada como pertencente
ao subgrupo kaiowá, sendo as demais designadas como do subgrupo mbyá. A população de
todas as aldeias é calculada em cerca de 800 indígenas.
A Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ) é o órgão oficial
responsável pela educação indígena. Os Municípios também podem atuar desde que
preencham alguns requisitos previstos na Resolução CNE nº 05/2012. O Conselho Estadual
de Educação do Estado do Rio de Janeiro, através do Decreto 33.033/2003, incorporou ao
sistema de ensino do Estado a categoria “educação indígena” no âmbito da educação básica.
Os níveis de ensino oferecidos abrangem as primeiras séries do ensino fundamental – do
primeiro ao quinto ano. Neste ano de 2015 foi iniciado o 6º ano, com professores não indígenas
nas aldeias de Paraty e Angra dos Reis. Há também o ensino para jovens e adultos (EJA).
A estrutura existente compõe-se de uma escola na Aldeia de Bracuí e três salas de extensão
vinculadas, situadas nas Aldeias de Rio Pequeno, Itaxin e Araponga. Esse desenho foi concebido
levando em conta os entraves burocráticos para implementação de escolas nas aldeias,
considerando o pequeno número de crianças em cada comunidade. Além desta, que foi a primeira
escola, existe também uma unidade escolar em Maricá, que funciona em um container fornecido
pela Prefeitura. Em Itaipuaçu está pendente o atendimento à demanda de um prédio escolar.
De acordo com o documento “Comunidades Educativas Indígenas do Estado do Rio
de Janeiro”, elaborado pelos guaranis do Rio de Janeiro na Conferência Regional de
Educação Indígena (CONEEI), realizada no Paraná em 2009, existem ao todo cerca de 180
alunos matriculados na estrutura escolar acima.
Os índios hoje reivindicam a mudança desse modelo “escola – salas de aula
vinculadas”, uma vez que ao longo do tempo houve um significativo aumento populacional
nas aldeias e, consequentemente, uma demanda maior por escolarização. Além disso, apesar
de situadas no mesmo Estado, a realidade de cada comunidade é diferente da outra,
apresentando necessidades e propostas diversas, afetas aos seus respectivos contextos.
Segundo indica o documento acima, nas escolas do Rio de Janeiro o que existe hoje
em termos de conquistas são: prédios escolares; contratação de professores indígenas;
merendeiras e zeladores indígenas; merenda escolar; proposta curricular e projeto politico-
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pedagogico sendo construídos coletivamente; ensino bilíngue, tendo o guarani como língua
de instrução (primeira língua).
O documento aponta que todos os professores e o pessoal de apoio (merendeiras,
vigias, serventes) são guarani e, no quadro das escolas, a única juruá (não-indígena) e a
diretora. A médio prazo os índios desejam que todos os profissionais de escola sejam
indígenas. No 6º ano, implantado no ano corrente, os professores são juruá.
Um dos problemas principais na implantação da educação indígena que prima pelo
protagonismo dos índios, no Rio de Janeiro e em outros Estados, é a necessidade de
capacitação para formação de professores indígenas.
Para viabilizar a contratação, o Ministério da Educação promoveu a participação dos
professores indígenas das aldeias do Rio de Janeiro no Curso de Formação para Professores
Indígenas Guarani das regiões Sul e Sudeste, intitulado Protocolo Guarani, ministrado em
Santa Catarina de 2003 até 2010.
A participação no Protocolo Guarani, além de capacitar, permitiu uma reflexão sobre
educação e ensejou trocas entre índios guarani originários de aldeias diversas, dos Estados
de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro.
Entretanto, durante o curso, frequentemente os professores se ausentavam de suas
comunidades para as aulas presenciais no Estado de Santa Catarina e as escolas ficavam sem
professor, gerando um custo alto para a comunidade. Procurava-se suprir a falta dos
professores na semana do curso com monitores, o que nem sempre era possível pois não era
fácil conseguir voluntários para esse papel.
3. Um processo em andamento: demandas apontadas pelos guaranis
Em 2010, após concluído o Protocolo Guarani e o curso de EJA para formação de
agentes de saúde e saneamento indígenas promovido por um pool de universidades, em
conjunto com a FUNASA, houve um momento de paralisação das ações de educação escolar
que gerou grande insatisfação.
O MPF passou a ser acionado para que ocorressem mudanças nesse cenário. A partir
desse chamado, a Procuradoria da República no Município de Angra dos Reis, com a
assessoria antropológica do órgão, passou a organizar reuniões periódicas para resolver
questões relativas à educação. Participaram dessas reuniões representantes da Procuradoria
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da República no Estado do Rio de Janeiro, da SEEDUC/RJ, Secretarias Municipais de
Educação de Paraty e Angra dos Reis, universidades, FUNAI, ONGs, professores indígenas
e demais interessados na construção da agenda de educação para os povos indígenas do
Estado do Rio de Janeiro. As reuniões aconteceram nas Aldeias de Bracuí, em Angra dos
Reis, e Parati-mirim, em Paraty, entre 2010 e 2015.
A partir de notas e observações tomadas durante a participação nessas reuniões,
destacou-se um inventário de problemas e de possíveis soluções apresentadas pelos índios e
demais atores sociais, construídas coletivamente.
Em apresentação do seminário “O Rio de Janeiro continua índio”, ocorrido no Museu
da Justiça/RJ, em agosto de 2015, representantes da SEEDUC/RJ sistematizaram as atuais
demandas dos guaranis àquela Secretaria nas seguintes:
Ofertar ensino fundamental, médio e EJA.
Ofertar ensino médio na modalidade de magistério indígena.
Contratar professor indígena para escolas indígenas.
Construir coletivamente com a comunidade indígenas as matrizes curriculares da
educação básica.
Criar cargo de professor indígena.
Manter e ampliar a oferta de ensino nas aldeias indígenas.
Manter a interlocução permanente entre as comunidades indígenas e os responsáveis pela
promoção da educação escolar indígena nas Secretarias de Educação.
Efetivar parcerias com os Municípios que, por critérios e anuência da comunidade, executam
educação escolar indígena, objetivando o atendimento e a qualidade na educação indígena.
Reunir com a equipe gestora para alinhamento e direcionamento das demandas.
As demandas apontadas pela SEEDUC/RJ não esgotam todas as reclamações dos
índios em relação à educação nas aldeias do Estado do Rio de Janeiro, surgidas nas reuniões,
tais como: as crianças frequentam as escolas mas obtêm muito pouco êxito no aprendizado
da leitura e da escrita; as aulas são ministradas de forma descontínua e sem currículo
definido; alguns ritos da formalização da educação escolar ainda não são cumpridos, como
a concessão de diploma, por exemplo, ao final de cada ciclo, até porque há uma certa
indefinição quanto à seriação: as famílias cobram, sem sucesso, avaliações de resultados dos
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alunos, não necessariamente através de notas mas sim de aferições periódicas que tragam
segurança para os pais sobre o desenvolvimento escolar dos seus filhos; falta supervisão e
acompanhamento satisfatórios do processo pedagógico dos professores indígenas em suas
atividades. É necessário, portanto, melhorar a organização do cotidiano escolar.
O contexto atual desmotiva os professores, resultando em evasão e deixando
sobrecarregados os que permanecem. Às vezes as salas de aula vinculadas ficam muito
tempo sem professores. Eventualmente a SEEDUC/RJ consegue um professor juruá (não
indígena) substituto, que também fica desestimulado e desiste em pouco tempo de exercício;
No documento elaborado por ocasião da Conferência Regional de Educação
Indígena, preparatória para a I CONEEI, os índios do Estado do Rio de Janeiro apontaram,
em linhas gerais, os seguintes caminhos para melhoria, que coincidem com os apontados
pela SEEDUC/RJ e observados nas reuniões nas aldeias:
Transformar cada sala de extensão em uma Unidade Administrativa com CNPJ próprio,
para garantir autonomia financeira e de gestão;
Implantar o Ensino Fundamental (segundo segmento) na modalidade EJA, com
organização curricular, nas aldeias de Angra e Paraty, para jovens e adultos;
Implantar um curso de magistério indígena, presencial, nas aldeias, com módulos intercalados
nas cidades de Angra e Paraty, para suprir demanda reprimida de ampliação da escola;
Promover concurso público específico para os professores indígenas;
Garantir representatividade indígena nos espaços de formulação e acompanhamento de
políticas públicas em Educação Indígena no Estado, como: Comissão Estadual de
Educação Indígena; Conselho Estadual de Educação e Conselho Municipal de Educação;
Implantar na estrutura da SEEDUC/RJ, órgão ou departamento específico de gestão da
Educação Escolar Indígena, com equipe e infraestrutura de trabalho coerente com a
demanda das escolas indígenas, conforme orientação da legislação federal;
Ampliar a discussão nas comunidades sobre o modelo de escola mais adequado ao projeto
de futuro dos Guarani no Rio de Janeiro;
Estimular a articulação política dos professores em uma OPI - Organização dos
professores indígenas, garantindo espaços de estudo e organização coletiva.
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Nas reuniões realizadas entre 2010 e 2012 foram apresentadas pelos indígenas
algumas ideias que complementam, reiteram e especificam a implementação das propostas
acima. Tentamos sistematizá-las abaixo, procurando manter fidelidade ao sentido original
das falas dos índios:
Formalização da educação escolar (concessão de diploma, por exemplo);
Aprovação pela SEEDUC/RJ da criação de três unidades escolares, cada uma com a sua
respectiva diretoria;
Nova formação, capacitação e treinamento dos professores indígenas mais próximo às aldeias;
Flexibilização da legislação estadual relativa à contratação de professores indígenas;
Contratação de professor(a) para Rio Pequeno;
Criação do Núcleo de Educação Indígena ou Conselho de Educação Indígena, de acordo
com o previsto na legislação;
Ensino fundamental com terminalidade e definição de séries;
Possibilidade da eventual contratação de professores juruá para agir em parceria com os
indígenas, apoiando-os e orientando-os;
Aproveitamento das iniciativas educacionais já existentes, inclusive material didático e
metodologias produzidos no âmbito do curso de EJA Guarani e do Protocolo Guarani;
Criação de uma secretaria nas escolas que comporte a organização documental: fichas
dos alunos, arquivos, notas fiscais, etc.;
Mais professores e assessoria pedagógica prestada pela Secretaria de Educação, Ciência
e Tecnologia de Angra dos Reis;
Contratação dos formados pelo EJA como professores do 1º segmento;
Apoio financeiro da SEEDUC/RJ para a criação do EJA Guarani;
Funcionamento do EJA Guarani nas próprias comunidades, em paralelo com o ensino regular;
Aperfeiçoamento do EJA através de encontros mais frequentes (periodicidade maior do
que a mensal) e continuidade das assessorias das universidades;
Curso de formação de professores, estruturado como magistério, em nível de ensino
médio, com duração de quatro anos (600hs), desenvolvido pela UFF - Campus Angra dos
Reis, em parceria com escola estadual de Angra dos Reis e com aproveitamento de
proposta curricular semelhante à elaborada no âmbito do antigo Núcleo de Educação
Indígena do Estado do Rio de Janeiro (NEI/RJ), extinto em 2002;
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Parceria oficial com os Municípios e instituições envolvidas através da assinatura de
termos de convênio e/ou cooperação técnica entre a SEEDUC/RJ, a SME/AR e as
universidades envolvidas.
Na aldeia de Parati-mirim os índios sugeriram capacitação antropológica para os
professores não indígenas que trabalhem na supervisão, como forma de ambientá-los nas
comunidades e na cultura guarani.
4. Empecilhos e avanços
Algumas reivindicações dos índios foram conquistadas ao longo desses anos com o
processo de discussão através das reuniões com os atores sociais, tais como a criação da sala
de extensão de Rio Pequeno e a contratação temporária de professor indígena para esta
aldeia. Igualmente, duas turmas de EJA vieram a se formar; foi contratada monitoria para
auxiliar a supervisão pedagógica; iniciou-se o 6º ano em duas aldeias.
Contudo, desde 2010 encontra-se em andamento a formalização de um convênio
entre a Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense - Campus Angra dos
Reis e a SEEDUC/RJ, sem que se obtenha autorização da SEEDUC/RJ para o seu início. O
objetivo do convênio é oferecer o curso de magistério diferenciado no nível de ensino médio,
com o envolvimento e apoio do Colégio Estadual Engenheiro Artur Vargas, situado em
Angra dos Reis, em parceria com a Secretaria de Educação daquele Município. Os entraves
burocráticos são imensos para o início deste curso.
Levar essa iniciativa adiante, entretanto, dependeria também da existência de alunos
concluintes do ensino fundamental. Assim, a partir de 2011 a Secretaria de Educação do Município
de Angra dos Reis, em parceria com a SEEDUC/RJ e com universidades, continuaria a oferecer o
curso de EJA Guarani em paralelo com o curso de nível médio. Os alunos que o desejassem
poderiam, inclusive, participar concomitantemente dos dois cursos – EJA e magistério –, tendo em
vista a urgência de solução de problemas relativos à formação de professores indígenas e a
demanda de que os profissionais de ensino sejam indígenas. Além disso, o ensino regular do
primeiro segmento do ensino fundamental continuaria sendo oferecido às crianças indígenas.
Até então, ao longo da primeira década do século XXI, as principais ações da
SEEDUC/RJ diziam respeito à formação dos professores indígenas, com apoio ao
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engajamento dos docentes no curso Protocolo Guarani, ministrado em Santa Catarina, e à
contratação provisória, em paralelo, desses professores participantes do curso.
Em paralelo a essas atividades desenvolvidas pela Secretaria de Estado, foi levada a
cabo uma iniciativa exitosa, por um pool de universidades do Rio de Janeiro, entre os anos
de 2004 e 2010, sobre a qual abriremos aqui um parêntesis para contar como foi. Trata-se do
curso de Ensino para Jovens e Adultos Indígenas, o EJA Guarani, concebido para a formação
de agentes de saúde e saneamento indígenas.
A partir da constatação da escolaridade incompleta dos agentes indígenas de saúde (AIS)
e agentes indígenas de saneamento (AISANs), com a aquisição precária da leitura e da escrita
em português e em guarani, a UFRJ, o Pró-Índio/UERJ e o Laboratório da Imagem e do Olhar
(Leio) / Faculdade de Educação/ UFF – atuantes desde a década de noventa na formação de
professores e na assessoria de produção de materiais paradidáticos junto às aldeias guarani na
Baía da Ilha Grande – articularam-se para, em conjunto com a Funasa e em parceria com as
Secretarias de Educação dos Municípios de Paraty e Angra dos Reis, constituir o EJA Guarani.
Duas turmas de agentes foram organizadas: uma em 2004, que se formou em 2007;
outra constituída em 2007, que se formou em 2010. A escolarização teve um caráter
semipresencial com encontros presenciais mensais. O curso foi constituído em dois módulos,
cada uma com a duração de dez meses. O primeiro com Português, Etnociências,
Etnomatemática e Artes. O segundo com Guarani, Etnogeografia e Etnohistória. Em cada
mês houve uma concentração de três dias, em tempo integral. Entre cada encontro presencial
mensal, os professores da Secretaria Municipal de Angra dos Reis (SME/AR), vinculados
ao EJA, realizavam estudos dirigidos com os exercícios acordados com a assessoria e
dispostos no material didático concebido em conjunto com os índios.
Considerando a importância da oralidade na cultura guarani, a organização dos temas
foi realizada de acordo com seus interesses e universo cotidiano procurando privilegiar os
assuntos mais presentes no trabalho dos AIS e dos AISAN nas aldeias.
O Projeto EJA Guarani atendeu aos seus objetivos, capacitando os agentes e
conferindo-lhes o diploma do ensino fundamental e, em dezembro de 2010, recebeu a
Medalha Paulo Freire do Ministério da Educação.
Este projeto, portanto, ocupou um lugar que estava vago, nesta primeira década do
século XXI, preenchendo um vácuo existente nas políticas públicas de educação para os
povos indígenas do Estado. Feita essa digressão, voltamos aos impasses da educação
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oferecida aos indígenas pela SEEDUC/RJ. Como dissemos anteriormente, finalizado o
Curso de EJA Guarani e o Curso do Protocolo Guarani de Formação de Professores, os
indígenas passaram a pressionar a SEEDUC/RJ e a Procuradoria da República para a oferta
da educação escolar indígena de forma regular e satisfatória.
Em 2011, algumas reuniões e visitas foram realizadas pela SEEDUC/RJ, para
conhecimento da realidade dos índios. A Secretaria iniciou um levantamento, aldeia por
aldeia, dos problemas de cada escola. A partir dessas incursões em áreas indígenas, a
SEEDUC/RJ apresentou uma proposta de construção de prédio escolar e de implantação de
um projeto educacional já conhecido na SEEDUC/RJ - o Projeto Autonomia. Nenhuma das
duas propostas, contudo, constava na agenda elaborada anteriormente pelos indígenas. O
Projeto Autonomia foi implantando, mas não atendeu às reivindicações dos índios.
A maioria dos óbices alegados pela SEEDUC/RJ para a implantação do modelo
educacional almejado são de ordem burocrática. A necessidade de contratação de
professores indígenas sem a formação integralizada demorou a ser reconhecida como direito,
mesmo prevista em legislação a educação diferenciada, com especificidades próprias.
Persiste a demanda pela contratação definitiva, por concurso público, de professores já
formados, sendo necessárias providências para encaminhamento de Projeto de Lei à
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para aprovação.
Do mesmo modo, considerando que os prédios escolares já existem pelo menos em
três aldeias, a aprovação do projeto de criação de três unidades escolares autônomas depende
de autorização da SEEDUC/RJ e, principalmente, de vontade política para adaptar as normas
dos não índios às necessidades dos índios.
A assessoria pedagógica é muitas vezes descontínua, fragmentada, prejudicando o
cotidiano escolar. Assim, possíveis parcerias são deixadas de lado, não só entre as
universidades, como também no âmbito administrativo, entre as Secretarias de Educação
Municipal e Estadual, e também entre os demais participantes do processo de construção de
educação indígena no Estado.
Outro grande impasse nos andamentos necessários para a implementação da
educação diferenciado no Estado é, como foi colocado anteriormente, a discussão entre os
indígenas sobre que escola querem e para que a querem, ou seja, para que projeto de futuro
esperam que a escola vá contribuir em suas aldeias. Este é um tema que vai e volta na
realidade educacional do Rio de Janeiro.
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As soluções para a superação de tais obstáculos passam, sem dúvida, pelo incremento
do controle social com a entrada em funcionamento do Conselho de Educação Escolar
Indígena do Estado do Rio de Janeiro. Nesse locus, que existe em vários Estados do Brasil, os
problemas e soluções são trazidos à baila e debatidos, por índios e/ou não índios, facilitando a
cobrança de ações, a exemplo do que acontece nos Conselhos de Saúde Indígenas.
Nas reuniões mencionadas neste trabalho buscou-se formalizar o controle social.
Nessas reuniões começaram a ganhar corpo algumas propostas dos índios. Considerando que
os compromissos assumidos nas reuniões não surtiam mais efeito, o MPF expediu
Recomendação para que se atendesse ao acordado e ajuizou ação civil pública, gerando
resultados positivos e alguns avanços. Mas ainda há muito por fazer.
Considerações Finais
No acompanhamento que realizamos das políticas de educação escolar e nas reuniões
das quais participamos com as comunidades do Rio de Janeiro, os índios relataram que o
processo educacional diferenciado indígena no Estado é um dos mais incipientes do Brasil.
Durante muito tempo o poder público esteve ausente alimentado, tanto pela máquina
burocrática e falta de vontade política, quanto pelo questionamento dos próprios índios sobre
os benéficos e prejuízos que a educação escolar formal, mesmo diferenciada, poderia trazer
para as suas comunidades.
Em paralelo, o projeto do curso de Ensino para Jovens e Adultos Guarani,
direcionado à escolarização de agentes de saúde e saneamento conferiu aos índios um sentido
especial para o aprendizado, na medida em que o conteúdo do currículo se ancorava no
atendimento às demandas da sua realidade. Sentido este que caminhou na direção do diálogo
intercultural e que contribuiu para afirmar esta possibilidade.
Para fazer jus ao que se conquistou até agora, é preciso valorizar os avanços obtidos
na implementação da educação escolar indígena entre as aldeias de Angra dos Reis e Paraty,
conquistado através do controle social ocorrido nas reuniões promovidas pelo MPF e
reforçado pelas medidas subsequentes tomadas pela instituição.
O início do 6º ano, a criação do Conselho de Educação Escolar Indígena, a formação
para os professores que lecionam no 6º ano e a realização do EJA foram alguns avanços.
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Entretanto, questões como a contratação temporária dos professores indígenas
continuam gerando situações inaceitáveis, como o fato de algumas turmas do 1º segmento
terrem ficado um semestre sem professor e sem aulas em 2015. Além disso, até então não
foi aprovado pela SEEDUC/RJ o curso de magistério para formação de professores
indígenas, proposto pela UFF desde 2010. Sem contar que o Conselho de Educação Escolar
Indígena, criado em 2014, ainda não entrou em funcionamento.
O processo educacional diferenciado teve, e continua tendo, avanços e recuos. É
um caminho em construção. O momento atual, de preparação para a II CONEEI, a ocorrer
em 2016, nos acena maior participação, controle social e empoderamento dos guaranis de
Angra dos Reis e Paraty.
Referências
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Documentos
Documento preparatório da I Conferência Nacional de Educação Indígena - Comunidades
educativas indígenas do Estado do Rio de Janeiro. 2009.
Atas de reuniões sobre educação indígena ocorridas nas aldeias do Estado do Rio de
Janeiro entre os anos de 2010 e 2015.
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INVESTIGANDO AS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EJA
NO MUNICÍPIO DE RIO GRANDE-RS
Pâmela Rodrigues Altamor FURG
Vanise dos Santos Gomes FURG
Resumo: O presente artigo apresenta reflexões motivadoras de pesquisa acerca da formação continuada
de professores de jovens e adultos (EJA), tendo por objetivo situar historicamente os interesses da
pesquisadora, bem como promover breves reflexões acerca do lugar ocupado pelas discussões sobre EJA
nos cursos de formação inicial e nas pesquisas em nível de mestrado e de doutorado. Nestes últimos,
busca-se evidenciar um panorama amplo do modo como a formação continuada de professores em EJA
tem sido tratada por pesquisadores, sendo levantadas, no banco de teses da Coordenação de
aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES, pesquisas realizadas entre os anos de 2009-2015.
A partir dos resultados encontrados nesta investigação ressalta-se a importância de produzir estudos
referentes à formação continuada dos professores da EJA. Em todas as produções investigadas, salienta-
se a importância da formação continuada específica para educadores que atuam com jovens e adultos,
considerando que a prática de formação oportuniza reflexões acerca da complexidade que envolve o
trabalho em sala de aula, contribuindo com a constituição dos educadores, com a melhoria da qualidade
da formação continuada do docente na EJA e, consequentemente, com a qualidade da escola pública.
Palavras-chave: formação continuada; educação de jovens e adultos; constituição docente.
Abstract: This article presents reflections about the Youths and Adults Education (EJA) continuing
teacher training, having as an aiming to situate historically the researcher’s interests as well as
promoting a brief reflections on discussions about youths and adults education in the initial teachers
program and in master's and doctoral researches. The intention is to highlight how the continuing
teachers education has been treated by researchers, the study has being conducted based on the
CAPES database enhancing the productions between 2009-2015. The result found in this research
emphasizes the importance of producing studies on the continuing teacher education teachers. In all
investigated productions, it emphasizes the importance of specific continuing education for ones who
works with youths and adults students. Concerning that the training practices give the opportunity to
reflect about the complexity that involves working in class, to constitute as teacher and to develop
the continuing teachers training quality as well as the public school quality.
Keywords: continuing teacher education; youths and adults education; teacher tonstitution.
Introdução
Diante da complexidade que envolve o cenário educacional brasileiro muitas são as
inquietações que me acompanham enquanto uma educadora/pesquisadora em formação.
Busco, ao longo desta escrita, contar um tanto de minha trajetória acadêmica para, então,
melhor evidenciar minha escolha em pesquisar a formação dos professores da Educação de
Jovens e Adultos (EJA).
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Os caminhos percorridos durante minha formação inicial me permitiram transitar pela
Educação Jovens e Adultos, proporcionando vivências que aqui busco brevemente citar a fim
de contextualizar minha relação com essa área do conhecimento. Ainda que as discussões
sobre EJA nas disciplinas cursadas ao longo do curso de pedagogia entre os anos de 2006-
2010 eram poucas, a motivação pelo debate nesta área do conhecimento foi-me seduzindo ao
inserir-me, no mundo acadêmico, em espaços em que o debate ganhava lugar de destaque.
Momentos como a participação no Núcleo de Estudos em Educação de Jovens e Adultos
e Alfabetização - NEEJAA/FURG, a prática do estágio supervisionado com jovens e adultos e
a atuação em um curso de especialização envolvendo a formação de professores da EJA,
oportunizaram-me aprimorar estudos envolvendo esta modalidade de ensino, despertando
inquietações que contribuíram significativamente para o nascimento desta pesquisa.
Entre antigos e novos desafios que envolvem a Educação de Jovens e Adultos, lutas
e conquistas históricas, conteúdos curriculares inadequados, infraestrutura precária para
atender aulas noturnas, falta de apoio pedagógico, índices altos de evasão, escolho dedicar
meus estudos à formação continuada dos professores da EJA, atentando para as
particularidades que envolvem este educador. Por que esta temática? Até onde consigo
perceber, encontro neste tema um respaldo para ampliar meus próprios conhecimentos sobre
educação de jovens e adultos, tema tão periférico nos cursos de pedagogia e, na sequência,
contribuir para que a formação continuada de professores da EJA seja pensada e valorizada
enquanto ambiente de constituição destes docentes.
A formação continuada dos professores da educação básica é assegurada no Art. 67
da Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e tem como objetivo
oferecer ao professor a possibilidade de discutir, refletir e criar condições necessárias para
enfrentar a complexidade do sistema educacional. No entanto, o que temos encontrado é uma
formação continuada pautada em uma perspectiva instrucionista, que parece não vir
contribuindo para avanços qualitativos da educação. De acordo com Imbernón (2009, p. 30),
os encontros oferecidos aos professores têm se convertido, muitas vezes, em
potencializadores da exclusão social, pois não parecem acrescentar informações
significativas para qualificar suas práticas, algumas vezes contribuindo apenas para que os
sujeitos fiquem desconfortáveis diante da profissão. Nesse sentido, que Soares (2008, p. 85)
chama a atenção para a importância das discussões envolvendo a formação dos profissionais
que atuam na EJA, uma vez que “a formação dos educadores tem se inserido na problemática
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mais ampla da instituição da EJA como um campo pedagógico específico que, desse modo,
requer a profissionalização de seus agentes”.
O educador da EJA tem o direito de participar de uma formação continuada
permanente, que considere, valorize e estude essas especificidades de sua ação docente que,
entre outros aspectos, encontra o desafio de lidar com uma diversidade cada vez maior de
educandos. Arroyo (2005, p. 29) ao escrever sobre a diversidade que envolve os estudantes
da EJA, afirma que, “desde que a EJA é EJA, os jovens e adultos são os mesmos: pobres,
desempregados, vivem da economia informal, negros, vivem nos limites da sobrevivência”.
O autor ainda chama atenção para o discurso escolar que os trata, a priori, como os
repetentes, evadidos, defasados, aceleráveis, deixando de fora dimensões da condição
humana desses sujeitos, básicas para o processo educacional.
É neste sentido que se destaca a importância da formação continuada específica para
educadores da EJA, de forma que proporcione aos educadores reflexões acerca da
complexidade que envolve o trabalho em sala de aula com jovens e adultos, atrelado à
diversidade e necessidades dos educandos, da escola e da comunidade que atende. Arroyo
(2006, p. 21), ao retratar sobre essa formação específica para EJA, considera que “se
caminharmos no sentido de que se reconheçam as especificidades da Educação de Jovens e
Adultos, aí sim teremos de ter um perfil específico do educador da EJA e, consequentemente,
uma política específica para a formação desses educadores”.
Ainda, é interessante ressaltar, que a importância da formação continuada específica aos
educadores da EJA se reforça diante do aspecto deficitário que a formação inicial apresenta.
Refiro-me, aqui, à formação ofertada nos cursos de Pedagogia, caracterizada como polivalente
uma vez que visa formar um profissional que possa transitar por diferentes áreas do conhecimento
pedagógico, sem possibilitar, no entanto, aprofundamento teórico-prático em nenhuma delas.
A Resolução CNE/CP nº 1/2006, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Graduação em Pedagogia, define que o curso formará profissionais para o
magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, para as matérias
pedagógicas no Curso Normal de nível médio e de cursos da Educação Profissional, e ainda
mantêm a formação de profissionais da educação prevista no artigo 641 da Lei nº. 9394/1996.
Segundo Gonçalves (2012, p. 74) essas políticas públicas educacionais têm provocado
1 Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e
orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível
de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.
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repercussões não só no cotidiano da escola como também no trabalho docente e na própria
identidade dos profissionais da educação.
Os estudos de Soares (2002) demonstram que a maioria das universidades brasileiras que
oferta o curso de Pedagogia não oferece componentes curriculares suficientes para a formação
o campo específico da educação de pessoas jovens e adultas. Tal afirmação também se confirma
diante da análise atual das grades curriculares que configuram os cursos de Pedagogia das seis
universidades federais do estado do Rio Grande do Sul: FURG2, UFSM3, UFRGS4, UFFS5,
UFPEL6 e UNIPAMPA7. Observa-se que, ao considerar a carga horária total dos cursos de
Pedagogia de tais universidades, apenas uma disciplina que trata das especificidades da educação
de jovens e adultos é ofertada, o que correspondem no máximo a apenas 2% da carga horária
total dos cursos. Outras disciplinas são oferecidas como optativas, deixando clara a carência na
formação inicial dos professores no que se refere às discussões sobre EJA.
O mencionado acima contribui para a histórica marginalização que acompanha a
educação de jovens e adultos, pois, mesmo os cursos se configurando como polivalentes,
devendo atender múltiplas formações, ao compararmos o número de disciplinas vinculadas
ás discussões sobre infância, por exemplo, encontramos uma carga horária que representa
mais que o dobro da oferecida para os debates pertinentes à EJA. Podemos melhor visualizar
tais informações a partir dos gráficos abaixo:
Gráfico 1: Carga horária dedicada a educação de jovens e adultos nos cursos de
Pedagogia nas Universidades Federais no estado do Rio Grande do Sul
2 Universidade Federal do Rio Grande - FURG. 3 Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 4 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 5 Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS. 6 Universidade Federal de Pelotas - UFPEL. 7 Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA.
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Se ampliarmos a análise para, então, melhor prestar atenção nas ementas das
disciplinas que constituem os componentes curriculares dos cursos de pedagogia das IES
acima mencionadas, é possível verificar que a EJA é citada em algumas disciplinas que
envolvem metodologias da Língua Portuguesa, Matemática, Alfabetização e Ciências
Sociais. No entanto fica o questionamento: Será que essas disciplinas dão conta de discutir
de forma específica a complexidade que a educação com jovens e adultos demanda?
É precisamente a partir dos argumentos mencionados acima que justifico a razão
social da pesquisa aqui proposta, pois entendo ser emergencial pensar e repensar a formação
continuada de professores no campo da EJA, de modo que se ofereça aos professores
respaldo teórico e pedagógico para atuar com as especificidades desta modalidade de ensino.
Como expressa Nóvoa (2001):
A formação de professores deve ser concebida como uma das componentes
da mudança, em conexão estreita com outros setores e áreas de
intervenção, e não como uma espécie de condição prévia de mudança. A
formação não se faz antes da mudança, faz-se durante, produz-se nesse
esforço de inovação e de procura dos melhores percursos para a
transformação da escola (NÓVOA, 2001, p. 28).
O autor ainda salienta sobre a importância das pesquisas educacionais terem por
objetivo o estudo acerca do professor, pois é necessário compreender a complexidade da
docência e para isto é preciso reconhecer que neste mesmo profissional há a pessoa do
professor, que tem sua identidade, medos, anseios, valores e expectativas.
É tomando por referência as ideias acima mencionadas que se configura a pesquisa
realizada em nível de mestrado, caracterizada como qualitativa, na qual propomos investigar as
contribuições da formação continuada na constituição dos professores da EJA no município de
Rio Grande/RS. Tal objetivo pode ser melhor especificado por meio das seguintes indagações:
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Como ocorre o processo de formação continuada para os professores da EJA no município de
Rio Grande/RS e qual a influência dessas formações na constituição desses profissionais?
É interessante salientar que a escolha de pesquisar a formação continuada dos
professores do município de Rio Grande/RS, localizada no sul do estado do Rio Grande do Sul,
está atrelada ao momento histórico que cidade vem atravessando no que se refere a conquistas
na área da educação. O novo plano de carreira do magistério público municipal sancionado em
fevereiro de 2015 é uma dessas recentes conquistas. Tal plano garante avanços na carreira dos
professores municipais como o pagamento do reajuste do Piso Salarial Nacional dos
profissionais da educação; criação de dois níveis de valorização dos professores que possuem
mestrado e doutorado, com índice de reajuste de 10% para cada um dos novos níveis; ajuste na
tabela de valorização para enquadramento dos professores com licenciatura curta na mesma base
percentual dos professores do nível II; e ajuste na tabela de progressão por tempo de serviço, de
modo que os professores atinjam 100% de acréscimo dos seus vencimentos em 30 anos de
trabalho, igualando-se, assim, aos demais servidores do município.
A instituição da EJA enquanto modalidade de ensino é recente no município. No ano
de 2012, a Secretaria de Município da Educação - SMED, no intuito de garantir o acesso à
escola aos alunos com 15 anos ou mais de idade, deliberou as políticas curriculares
específicas para a EJA garantindo, assim, o trabalho dos educadores desta modalidade.
É considerando tal momento histórico e a identificação da pesquisadora com a
temática da formação dos professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA) que surge a
proposta de investigação aqui apresentada. Com tal proposta buscamos colaborar com a
melhoria da qualidade da formação continuada do docente na EJA e, consequentemente,
com a qualidade da escola pública, de modo que o trabalho investigativo venha a contribuir
em futuras avaliações da Secretaria de Município da Educação - SMED da cidade do Rio
Grande- RS acerca da formação continuada ofertadas aos docentes.
1. A produção stricto sensu na formação de educadores de jovens e adultos no período
2009/2015
O conjunto significativo de pesquisas produzidas no campo da educação de jovens e
adultos é um ponto de partida importante a ser considerado ao propor-se o estudo aqui em
questão. Isso porque as pesquisas no campo da EJA não são recentes, tampouco solitária.
Pesquisadores da educação embrenham-se por processos investigativos que possibilitam
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ampliar as compreensões sobre a educação de jovens e adultos a partir da análise de campo
empírico e de discursos ali produzidos.
O que buscamos realizar, aqui, constitui-se como um encontro com pesquisas cujos
interesses convergem para compreensões acerca da formação continuada de professores de
jovens e adultos. O que tem sido investigado, nos cursos stricto sensu, a este respeito? Que
sujeitos tem sido olhados, escutados? Que pontos de partida poderíamos tomar, neste
trabalho, considerando as pesquisas já realizadas?
Importa localizar (ou relocalizar) a pesquisa que aqui propomos, expondo seus
principais objetivos para, então, deixarmos evidente o porquê de nossas escolhas. O que
desejamos é olhar com uma maior atenção aos processos formativos continuados de
educadores de jovens e adultos, investigando as contribuições da formação continuada na
constituição dos professores da EJA no município de Rio Grande/RS.
Consideramos que os estudos de tipo estado da arte auxiliam na compreensão dos
discursos que estão sendo produzidos sobre um dado tema em um determinado momento
histórico. Ainda, conforme expressa Sérgio Haddad (2000), coordenador de projeto que
propõe o estudo sobre o estado da arte das pesquisas que envolvem a Educação de Jovens e
Adultos no Brasil, realizadas entre 1986 e 1998:
Os estudos de tipo estado da arte permitem, num recorte temporal definido,
sistematizar um determinado campo de conhecimento, reconhecer os
principais resultados da investigação, identificar temáticas e abordagens
dominantes e emergentes, bem como lacunas e campos inexplorados
abertos à pesquisa futura (HADDAD, 2000, p. 4).
O presente artigo partiu da análise da produção acadêmica strictu sensu em educação,
expressa em teses de doutorado e dissertações de mestrado, defendidas durante o período de
2009 a 2015, que tiveram como específico foco de estudo a formação continuada de
professores em EJA. Importa salientar que a escolha do recorte temporal toma como base a
data de assinatura do Decreto Nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009 que institui a Política
Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, sancionado pelo
Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Tal decreto vem reforçar os Arts. 61 a 67
da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que garante o direito do professor à formação
continuada e abrange as diferentes modalidades da educação básica.
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Art. 3o São objetivos da Política Nacional de Formação de Profissionais do
Magistério da Educação Básica: IV - Identificar e suprir a necessidade das redes e sistemas públicos de
ensino por formação inicial e continuada de profissionais do magistério;
VII - ampliar as oportunidades de formação para o atendimento das
políticas de educação especial, alfabetização e educação de jovens e
adultos, educação indígena, educação do campo e de populações em
situação de risco e vulnerabilidade social;
X - Promover a integração da educação básica com a formação inicial
docente, assim como reforçar a formação continuada como prática escolar
regular que responda às características culturais e sociais regionais
(BRASIL. Decreto Nº 6.755, de 29/01/2009).
2.1. Levantamento dos dados
O levantamento dos dados aqui apresentados foi feito no banco de teses da
Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior-CAPES o qual é reconhecido
como o sistema online oficial do governo brasileiro, vinculado ao Ministério da Educação
(MEC), para compilação de arquivo de teses e dissertações brasileiras.
A primeira etapa de tal levantamento consistiu-se na identificação de dissertações de
mestrado e teses de doutorado que envolvessem as políticas públicas de formação de professores
na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil, considerando estudos relativos a educação
formal que tratam de processos da escolarização básica. A identificação dos trabalhos foi realizada
através da pesquisa de palavras-chave como formação de professores Educação de Jovens e
Adultos – Políticas Públicas formação de professores Educação de Jovens e Adultos – políticas
publica para Educação de Jovens e Adultos e do conteúdo dos resumos das obras.
A partir daí, foram encontradas 183 pesquisas referentes ao tema deste estudo, porém
com uma análise mais detalhada dos resumos considerou-se que alguns deles não eram
pertinentes ao recorte temático do estado da arte em questão. Este processo conduziu à
seleção de apenas 31 pesquisas que apresentavam discussões mais aprofundadas referentes
à formação de educadores de jovens e adultos, sendo 21 sobre formação de professores e 10
sobre políticas públicas que envolvem esta formação.
No que se refere às pesquisas sobre formação de professores em EJA, a maior parte
da produção é gerada em teses de doutorado (14), sendo sete as dissertações que abordam
esta temática divididas entre as seguintes regiões: 7 região sudeste, 5 região Sul, 8 região
Nordeste e 1 região Norte. Referente às temáticas políticas públicas em EJA, foram
selecionadas 10 pesquisas, 3 teses e 7 dissertações, 9 na região sudeste e 1 na região sul.
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2.2. Analisando as produções acadêmicas:
Diante dos dados apresentados no gráfico III podemos perceber que o número de
produção acadêmica que envolve a educação de jovens e adultos é significativamente
expressivo no centro-sul do país, particularmente na Região Sudeste, com destaque para o
Estado de São Paulo. Das 31 pesquisas selecionadas, o estado de São Paulo responde a 12
das 16 produções pertencentes à região sudeste. Para Haddad (2000. p. 11):
A localização dos centros de pós-graduação acaba por atrair pesquisadores
da própria região, influindo na escolha dos objetos de estudo. Assim,
preponderam as pesquisas sobre práticas de educação de jovens e adultos
desenvolvidas naqueles estados em que se localizam as universidades (SP,
RJ. RS, MG, PB). Esse perfil de estudos reflete as próprias condições em
que se realizam as pesquisas de pós-graduação: financiamento escasso,
limites de tempo, ausência de projetos integrados. Fica evidente que a
pesquisa nessa área temática carece de meios adequados para realizar
estudos de maior fôlego, como os de avaliação de políticas e programas ou
sobre analfabetismo/alfabetismo, por exemplo.
Das pesquisas selecionadas todas se caracterizam como qualitativas descritivas e
apontam, em sua maioria, para um resgate histórico sobre a Educação Popular e da Educação
de Jovens e Adultos no Brasil, destacando a crítica da EJA enquanto educação
compensatória e não emancipatória. É o que pode ser observado no estudo de Rocha (2010).
Historicamente sabemos que Educação de Jovens e Adultos enquanto
política compensatória não garante aos alunos a reinserção ao mundo do
trabalho como produtores autônomos, tampouco o exercício de uma
cidadania crítica e participativa, afirmam somente o compromisso com o
capital, deixando assim, a mercê da manutenção de sua lógica os
trabalhadores como dependentes da pobreza e da exclusão.
Ainda que motivadas por uma temática em comum as propostas investigativas das teses
e dissertações antes citadas apresentam particularidades diferentes uma vez que direcionam seus
olhares para questões específicas no que tange a EJA. Assim, dos estudos apresentados, apenas
21 discutem a formação de professores, sendo que, destes, são cinco os trabalhos que promovem
um olhar mais atento à formação continuada de educadores de jovens e adultos.
No que se refere às demais pesquisas, seus focos investigativos transitam por analises
que buscaram compreender trajetórias pessoais e profissionais de educadores da EJA, bem
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como por processo de formação desses profissionais, particularidades da EJA no curso de
Pedagogia e caminhos e desafios que percorrem a profissionalidade docente.
Os resultados das pesquisas, embora realizadas em lugares e temporalidades
distintas, apontando várias necessidades e problemas da educação de jovens e adultos
considerados clássicos nessa modalidade de ensino. Questões como a marginalização da EJA
na estrutura educacional surgem como situação crítica a ser superada entre todos os trabalhos
pesquisados. A evasão e a repetência apresentam-se como problemas educacionais
relacionados a múltiplos fatores de ordem política, ideológica, social, econômica,
psicológica e pedagógica. Assim como, antigos anseios também se reafirmam e indicam uma
série de reivindicações como: infra-estrutura adequada às aulas noturnas, recursos
pedagógicos, metas e objetivos claros, formação continuada, apoio pedagógico de qualidade,
supervisão pedagógica que garanta o cumprimento das ações dos docentes, conteúdos
curriculares significativos, coordenação pedagógica e professores com expectativas
positivas em relação a aprendizagem dos alunos.
2.3. Algumas obras e suas contribuições:
Das 31 pesquisas que envolvem este estudo, cinco (três dissertações e duas teses) se
destacaram, uma vez que abordam discussões específicas a respeito da formação continuada
do educador de jovens e adultos, consideradas pertinentes por vir ao encontro do estudo
proposto para a presente proposta de mestrado.
Salientamos que a leitura completa das produções ficará para um momento posterior,
considerando que a pesquisa encontra-se em período inicial. Neste momento busco apontar
as produções selecionadas, brevemente, apresentando alguns dados referentes às pesquisas.
Os cinco estudos selecionados para maior análise e entendidos como importantes para
este estudo, levando-se em consideração a similaridade de seus focos, centram atenção na
formação continuada, trazendo em suas investigações apontamentos referentes sua importância
no processo de constituição do professor, bem como salientando a necessidade de construir de
políticas públicas voltadas para a formação e valorização desses profissionais.
Na dissertação de Menezes (2011) sobre a práxis docente na EJA, estudo vinculado
a Universidade Federal do Amazonas-UFAM, o autor buscou analisar de que maneira se
realiza a práxis do educador da educação de jovens e adultos em uma escola estadual do
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município de Tabatinga-AM, refletindo sobre as políticas públicas empreendidas pelo estado
brasileiro para a formação docente. Os procedimentos metodológicos foram realizados
através de levantamento bibliográfico, aplicação de formulários a oito docentes e 94
discentes do 3º ano do ensino médio da educação de jovens e adultos, além de entrevistas
semiestruturadas com seis, dos oito docentes envolvidos no processo de investigação. Com
seu estudo Menezes (2011), concluiu que:
[...] todos os professores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem
da modalidade EJA não possuem formação específica para atuarem nesta
modalidade de ensino, bem como suas práticas ainda reproduzem o
enfoque da pedagogia tradicional. [...] embora não tenham formação
específica, os professores se esforçam para realizar seu trabalho da melhor
maneira possível. Identificamos ainda, que as condições para a realização
do trabalho docente são insuficientes no sentido de potencializar o
processo de ensino aprendizagem na EJA. Por fim, acreditamos ser
necessário priorizar no campo das políticas públicas ações voltadas para a
formação e valorização dos profissionais da educação.
Menezes, assim, buscou abranger não apenas a voz dos docentes, mas também a dos
educandos atuantes na EJA, concluindo que encontra, em seu estudo, uma realidade que não
é local, mas que representa o modo como a educação escolar no campo da EJA tem sido
tratada: professores sem formação específica para este nível de ensino.
Alves (2012), ao analisar a formação continuada do professor da EJA e sua contribuição
para o enfrentamento dos desafios vivenciados no contexto escolar, investigou 17 profissionais
que atuam com jovens e adultos no município de Pedreiras/MA. Sua dissertação de Mestrado
foi realizada pela Fundação Universidade Federal do Piauí-UFPI, e para coleta dos dados foram
utilizados questionários e entrevistas semiestruturadas. O autor salienta:
O estudo aponta a importância da formação contínua para os educadores
de jovens e adultos, pois consiste na oportunidade para refletir as
limitações da prática, retomando-as com uma postura mais crítica. Vale
salientar que o movimento de repensar a prática, indagando à sua maneira
de agir, faz com que o educador se conscientiza de que pode ser o
gerenciador de sua própria aprendizagem.
Na tese de Silva (2012), estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro - UERJ, a autora propôs pesquisar como se caracteriza os aspectos teóricos
necessários a formação inicial e continuada dos professores alfabetizadores da Educação de
Jovens e adultos no município de Campina Grande/PB. Para tanto, foram investigados
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aspectos sobre os marcos teóricos abordados na formação dos professores da EJA da
Secretaria de Educação do Município de Campina Grande/PB, como o perfil dos sujeitos
alfabetizadores da EJA. A tese de Silva (2012) revela que:
O estudo revelou fora que a maior parte dos professores e demais agentes
escolares que atuam na EJA não tem formação especifica nessa área e
realizam seu trabalho pedagógico utilizando o que sabem sobre a escola
das crianças. Isso aligeira e situa-se fora de um projeto político que reflita
e busque alternativa para a questão da inclusão desses alunos.
A proposta do estudo de Porcaro (2011), em sua Tese, pela Universidade Federal de
Minas Gerais - UFMG, foi investigar a formação de educadores de jovens e adultos,
identificando os desafios que se interpõem na construção de sua profissionalidade docente
no cenário educacional. Especificamente a autora investigou a inserção profissional do
educador da EJA, identificando os desafios e possibilidades que permeiam sua atuação e
analisando o olhar desses educadores sobre a sua profissão e o impacto da experiência no
processo de sua construção profissional. Os sujeitos da pesquisa foram 25 educadores, um
de cada estado brasileiro. Como resultado de seu estudo Porcaro (2011) aponta:
Na vivencia cotidiana, no enfrentamento das dificuldades que se interpõem
a sua pratica e na busca de alternativas para a superação dessas
dificuldades. A construção de sua profissionalidade docente ocorre à
medida que vivenciam a realidade específica da EJA e, a partir daí, criam
alternativas de ação, utilizando-se dos recursos de que dispõem.
Ao investigar sobre a experiência da formação continuada para professores da EJA
no município de Valinhos/SP, Barbeto (2010) considerou a importância da formação
continuada na visão de seis professoras da rede municipal. Para tanto, analisando as
metodologias utilizadas em sala de aula, os conteúdos desenvolvidos com os alunos e se
houve ou não valorização do professor pela Secretaria da Educação do município.
Os resultados obtidos revelam não apenas a importância, mas também a
necessidade de uma formação continuada para os professores que atuam
na EJA. É evidente que, além da implementação de políticas que
contemplem a formação continuada do professor, haja continuidade das
mesmas, pois um dos problemas mais frequentes na EJA é a
descontinuidade dessas ações.
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Considerando os resultados das produções acadêmicas mencionadas, percebe-se uma
unanimidade na constatação da necessidade de uma formação específica para os professores
que atuam em EJA. A maior parte dos professores, sujeitos das pesquisas, não tem formação
na área e sua constituição enquanto docente da EJA se dá na vivencia cotidiana em sala de
aula, na relação com os educandos e no enfrentamento das dificuldades que a docência
apresenta. Neste sentido, os professores ressaltam a importância da formação continuada
específica para educadores de EJA, considerando que a formação oportuniza reflexões
acerca das limitações da prática, retomando-as com uma postura mais crítica.
As conclusões dos trabalhos selecionados, ainda, denunciam a escassez de políticas
públicas permanentes para a formação dos educadores da EJA e expressam a necessidade de
priorizar essas políticas de forma que garantam condições para a realização do trabalho
docente no sentido de oferecer aos professores respaldo teórico e pedagógico para atuar com
as especificidades desta modalidade de ensino.
Considerações Finais
No presente recorte desta pesquisa buscou-se analisar as produções stricto sensu
referentes às políticas públicas de formação de professores na Educação de Jovens e Adultos
(EJA), defendidas no período de 2009 a 2015. Com tal estudo percebem-se pontos em que
pesquisadores já avançaram apresentando respostas e novos questionamentos acerca desta
modalidade de ensino, como o entendimento da necessidade de uma formação específica
para o professor que atua com jovens, assim como a importância da construção políticas
públicas voltadas para a formação e valorização desses profissionais.
A partir dos resultados encontrados nesta investigação confirma-se a ausência de
estudos sobre a formação continuada dos professores da EJA no município de Rio Grande/RS,
e se reafirma a importância de produzir estudos envolvendo tal temática. Em todas as
produções investigadas, salienta-se a importância da formação continuada específica para
educadores que atuam com jovens e adultos, considerando que a prática de formação
oportuniza reflexões acerca da complexidade que envolve o trabalho em sala de aula,
contribuindo com a constituição dos educadores, com a melhoria da qualidade da formação
continuada do docente na EJA e, consequentemente, com a qualidade da escola pública.
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Referenciais
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ARROYO, Miguel. Formar educadoras e educadores de jovens e adultos. In: Soares,
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LEI 11.645/08 E IFBA: LACUNAS E INICIATIVAS
Taíse de Jesus Chates IFBA
Resumo: Concepções discriminatórias em relação às populações negras e indígenas são recorrentes
na sociedade brasileira em espaços diversos. Para se contrapor a tal situação, foram promulgadas as
leis 10.639/03 e 11.645/08, que tratam do ensino de história e cultura relacionadas às populações
afro-brasileiras e africanas e indígenas, respectivamente. Este trabalho tem como objetivo discutir
elementos relacionados à implementação da Lei 11.645/08 no Instituto Federal da Bahia - IFBA, que
é uma das instituições com Licenciatura Intercultural Indígena no estado da Bahia, atualmente. A
análise tem como foco lacunas e iniciativas até então observadas sobre a implementação da Lei e
conta com entrevistas e questionários com diversos/as participantes da comunidade escolar, além da
observação constante e participante da autora, que leciona na instituição aqui referida.
Palavras-chave: Lei 11.645/08; questão indígena na escola; etnicidade.
Abstract: Discriminatory beliefs regarding the black and indigenous populations are recurrent in
Brazilian society in several areas. In order to counter such a situation, it was enacted the laws
10.639/03 and 11.645/08, which dealing with the teaching of History and culture related to african-
Brazilian, African and indigenous populations, respectively. This work aims to discuss elements
related to the implementation of the Law 11,645/08 at the Federal Institute of Bahia - IFBA, which
is one of the institutions with Indigenous Intercultural Degree in Bahia today. The analysis focuses
on gaps and initiatives hitherto observed on the implementation of the Law and has interviews and
questionnaires with different / the participants of the school community and the constant observation
and participant of the author, who teaches at the institution referred to herein.
Keywords: Law 11,645/08; indigenous issues in school; ethnicity.
Introdução
A Lei 11.645/08, que modifica a Lei 10.639/03 e a Lei de Diretrizes e Bases da educação
brasileira, obriga o ensino de história e cultura indígenas e afro-brasileiras em território nacional,
assim ampliando a Lei 10.639/03, que obrigava o ensino de história e cultura afro-brasileiras.
Embora a Lei 11.645/08 conte com sete anos de sua promulgação, os esforços no país para
implementá-la são incipientes. No IFBA não é diferente, focamos o ensino de história e cultura
dos povos indígenas brasileiros, visto que a pesquisa em curso é realizada por uma docente que
realizou pesquisa de mestrado voltado para a questão indígena1 e é intitulada “Lei 11645/08 e o
IFBA: história e cultura indígenas no Instituto”. Os instrumentos utilizados na pesquisa vão
desde entrevistas, questionários, cadernos de campo e levantamento de dados institucionais. O
1 Ver Chates (2011).
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foco é o Campus Camaçari, o que se trata de um direcionamento, e não uma restrição na análise
e na apresentação de dados acessados ao longo da pesquisa.
Sem dúvidas, e possível afirmar que as escolas indígenas brasileiras contam com um
acúmulo importante no que diz respeito ao tratamento da interculturalidade no espaço escolar.
Enquanto os povos indígenas vêm se apropriando da escola como instrumento de defesa, com o
objetivo de não serem mais enganados, como foram historicamente pelos “brancos”, as escolas
afro-indígenas continuam cumprindo um papel de natureza colonizatória, tentando ignorar a
participação dos indígenas no processo de formação da sociedade brasileira.
A Lei 11.645/08 enfatiza as disciplinas de história, artes e português (BRASIL,
2008), mas prevê a abordagem das temáticas relacionadas às populações africanas, afro-
brasileiras e indígenas em todo o currículo.
Neste texto, primeiro faço um breve relato sobre o Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia da Bahia - IFBA e, na sequência, apresento algumas reflexões e pontos observados
até agora no diagnóstico sobre a implementação da Lei na Instituição. Sigamos com a discussão.
1. Um pouco sobre o IFBA
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA, conta com
uma história de 115 anos, nos quais teve uma série de nomes diferentes. Entre esses, Liceu
Industrial de Salvador (1937); Escola Técnica de Salvador; Escola Técnica Federal da Bahia
- ETFBA (1965); Centro de Educação Tecnológica da Bahia - CENTEC (1976); Centro
Federal de Educação Tecnológica da Bahia - CEFET-BA (1993) e; Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA, a partir de 2008.
Os interesses iniciais ligados à Rede de Educação Profissional no Brasil foram variados ao
longo de sua história. Inicialmente, os objetivos em relação aos Liceus de Artes e Ofícios no Brasil.
Oliveira e Santos (2012), sobre a trajetória da Instituição, defendem que:
Neste percurso, percebemos que a instituição adquiriu experiência e
notoriedade no que se refere à Educação Profissional. Resta saber se está
apta para atender a reivindicações por direitos sociais, indo além da reserva
de vagas, através da adoção das cotas, para a seleção dos candidatos, na
busca por garantia de igualdade de direitos para todos os seus estudantes em
progredirem em seus estudos e/ou conseguirem formação que lhes
proporcione o progresso profissional (OLIVEIRA e SANTOS, 2012, p. 16).
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Tecendo relação com o que defendem as autoras, creio que a garantia dos direitos
sociais é indispensável e não se restringe à reserva de vagas. Todavia, levando em
consideração o tema deste artigo, aponto que o progresso profissional e acadêmico também
não dá conta de uma escola inclusiva. É necessário pautar que as escolas contem com
constantes reflexões sobre o caráter dos conhecimentos e formatos mediados por elas, para
que as práticas educativas possam ser alvo de transformação efetiva.
2. A Lei 11.645/08 e o IFBA: leituras sobre a temática indígena e sua discussão no Instituto
Como base para a desconstrução das diversas variantes do racismo na sociedade
brasileira, que pode estar ligado às questões raciais e de diversidade étnica nesse contexto,
visto que, historicamente, a construção do conceito de raça se pautou na estigmatização não
somente da população negra, mas também da indígena. Para a utilização da escola como um
instrumento de superação do racismo, Munanga defende que:
Aqui está o grande desafio da educação como estratégia na luta contra o
racismo, pois não basta a lógica da razão científica que diz que
biologicamente não existem raças superiores e inferiores, como não basta a
moral cristã que diz que perante Deus somos todos iguais, para que as
cabeças de nossos alunos possam automaticamente deixar de ser
preconceituosas. Como educadores, devemos saber que apesar da lógica da
razão ser importante nos processos formativos e informativos, ela não
modifica por si o imaginário e as representações coletivas negativas que se
tem do negro e do índio na nossa sociedade. Considerando que esse
imaginário e essas representações, em parte situados no inconsciente
coletivo, possuem uma dimensão afetiva e emocional, dimensão onde
brotam e são cultivadas as crenças, os estereótipos e os valores que
codificam as atitudes, é preciso descobrir e inventar técnicas e linguagens
capazes de superar os limites da pura razão e de tocar no imaginário e nas
representações. Enfim, capazes de deixar aflorar os preconceitos escondidos
na estrutura profunda do nosso psiquismo (MUNANGA, 2005, p. 18).
Com base nas entrevistas e questionários é possível afirmar que, se analisarmos de maneira
ampla, os estudantes contam com conhecimentos mais aprofundados sobre os conceitos de raça e
etnia, bem como sobre os direitos e problemas dos povos indígenas no Brasil. Destaca-se a
especificidade das áreas de humanas e linguagens no conhecimento de questões étnicas e raciais.
Os conceitos de raça e etnia, embora sejam recorrentemente vistos como sinônimos,
abarcam diferenças importantes. O conceito de raça surgiu na Zoologia e na Botânica, com
o intuito de classificar espécies animais e vegetais e, posteriormente, foi apropriado por
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outros campos para designar diferenças humanas. Com o progresso da genética, foi
comprovado que não existem raças na espécie humana (MUNANGA, 2003). Entretanto,
com a queda da crença que existiriam raças dentro da espécie humana na biologia, o racismo
não se desconstruiu junto, visto que uma série de hierarquizações sociais foram construídas
a partir de tal conceito e de interesses colonizatórios. Munanga define:
O racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a
divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas
que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estes últimos
suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e
se situam numa escala de valores desiguais. Visto deste ponto de vista, o
racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas
pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o
físico e o cultural (MUNANGA, 2003, p. 03).
Embora possa parecer um detalhe teórico, a distinção entre raça e racismo é
indispensável para compreender as nuances da discriminação racial nas escolas e na sociedade
como um todo. Nesse sentido, é importante fazer a distinção também em relação ao conceito
de etnia, Munanga (2003, p. 12) realiza a seguinte diferenciação: “o conteúdo da raça é morfo-
biológico e o da etnia é sociocultural, histórico e psicológico”. Assim, podemos explicar como
um indígena pode, a partir de uma concepção pautada na ideia de que o mesmo faria parte de
uma raça específica, sofrer racismo, mesmo tendo como forte elemento identitário sua etnia
indígena. Reflexões como esta tem passado longe do cotidiano do IFBA, no Campus Camaçari
e em outras unidades, se formos levar em consideração os diversos relatos. Expostos alguns
pontos, passo para o relato do que foi observado em relação ao que pensam estudantes,
professores/as e técnicos administrativos sobre a questão étnica/indígena.
Alguns equívocos recorrentes sobre a questão étnica são, como exemplo, definir etnia
como diferenças individuais ou abordá-la como algo inerente às diferenças entre grupos sociais
indiscriminadamente. Também é usual na relação direta feita entre raça e etnia, como se os dois
conceitos fossem sinônimos e não estivessem relacionados a elementos conceituais e empíricos
que, embora próximos em diversos contextos, contam com diferenças consideráveis.
Como já exposto, tais conceitos não abarcam diferenças somente teóricas, mas sim
políticas e, desse modo, devem ser observadas no ambiente escolar se a superação do racismo
é um objetivo adotado efetivamente. Além disso, é recorrente a referência a uma imagem
dos povos indígenas pautada na ideia de índio genérico, que ignora a grande diversidade
cultural presente entre os povos indígenas brasileiros.
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A grande maioria dos informantes destacou que quase não ouve falar sobre os povos
indígenas dentro da escola, apontando que, nas poucas vezes em que a questão indígena é tratada
na escola, isso acontece nas disciplinas de humanas ou na “Semana de Consciência Negra”2.
Visto que os estudantes de ensino médio contam com a modalidade integrada, que é o
ensino técnico integrado ao médio. Faz-se necessário refletir sobre tal especificidade no que diz
respeito à implementação da Lei 11.645/08. O coordenador do curso de eletrotécnica, Josan
Freitas, enfatiza a importância da formação docente no tema e relata não ter conhecimento de
atividades relacionadas à questão indígena em disciplinas da área técnica no curso que coordena.
O professor João Marcelo Fernandes, coordenador do curso de Tecnologias da Informação,
também indica a inexistência de conteúdos específicos relacionados à questão indígena nas
disciplinas técnicas do curso de TI, bem como a importância da formação docente nesse sentido.
É fato que existem áreas do conhecimento historicamente mais habituadas a trabalhar
com a questão indígena, porém, faz-se necessário que se avalie a seguinte questão: se há, ainda,
uma maior dificuldade de tratar tais questões em determinadas áreas, não devemos, contudo,
deixar de observar a necessidade formativa para todas as áreas, afinal, com o conhecimento sobre
a questão, cada profissional tem maiores possibilidades de inseri-la em suas atividades.
No que diz respeito aos conhecimentos sobre história e cultura dos povos indígenas,
as concepções, usualmente, são bastante genéricas, apontando que os índios já estavam em
terras brasileiras antes da chegada dos colonizadores e reconhecendo um olhar restrito,
pautado no que é veiculado pela mídia. Além disso, uma lógica de que os indígenas estariam
se aproximando da cultura do homem “branco” nos tempos atuais indica uma noção
essencialista de cultura, bem como uma leitura próxima ao conceito de aculturação. Sobre
tal conceito, destaca-se que Malinowski já apontava a seguinte crítica:
Consideremos, por exemplo, o termo aculturação que, depois de algum
tempo, começou a se propagar e ameaça tomar o terreno, sobretudo nos
escritos sociológicos dos autores norte-americanos. Além de sua fonética
ingrata, o termo aculturação contém todo um conjunto determinado de
implicações etimológicas inadaptadas. É um termo etnocêntrico com uma
significação moral. O imigrante deve se aculturar (to acculturate) assim
como os indígenas, pagãos e os infiéis, os bárbaros e os selvagens, que
gozam do “benefício” de ser submisso à nossa grande cultura ocidental
(MALINOWSKY, apud ATHIAS, 2007, p. 70).
2 A Semana de Consciência Negra é um evento que vem acontecendo anualmente no IFBA - Campus Camaçari.
A mesma costuma contar com palestras, oficinas e apresentações estudantis em sua programação e vem sendo
organizada por comissões voltadas especificamente para a organização da atividade.
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O conceito de aculturação abarca alguns problemas. Aqui elencamos os seguintes:
parte de uma noção de cultura essencialista, ignorando o caráter dinâmico das
transformações culturais; está preso a uma significação moral etnocêntrica e pautada nos
moldes colonizatórios, como já defendia Malinowski. Ou seja, é emergencial a necessidade
de desconstruir concepções pautadas no conceito de aculturação, tanto nas escolas quanto
no contexto social de maneira mais ampla.
Enquanto se observa um indicativo de que, entre os servidores, a apropriação seja
maior em relação ao que pauta a Lei 11.645/08, do que sobre elementos relacionados aos
povos indígenas. Entre os estudantes a dinâmica é inversa. A maioria dos estudantes mostra
maior conhecimento sobre os povos indígenas, mesmo com aprofundamento distante do
tema, do que sobre a Lei. Tal ponto levanta a seguinte questão: haveria, entre os servidores,
uma tendência a se ater a pontos legais, ou seja, uma obrigatoriedade ligada às suas
atribuições na escola? Com tal reflexão, defendo que seja importante aliar a sensibilização à
responsabilidade legal de cada profissional no ambiente escolar.
A estudante Larissa da Hora, ao responder sobre elementos que gostaria de pontuar
e não estava no questionário, lançou a seguinte questão: “Onde estão os indígenas? ”. Creio
que o questionamento seja bastante representativo em relação a como a escola vem tratado
a questão indígena: como algo distante. Assim, a abordagem acaba não se distanciando
daquela utilizada pela mídia, que enquanto aborda conflitos internacionais relacionando-os
à crise europeia, ignora o longo massacre do qual vem sendo alvo os Guarani-Kaiowá do
Mato Grosso do Sul, por exemplo. Maher (2006, p. 15) destaca que “fomos educados no
interior de um sistema de educação construído a partir de um posicionamento ideológico que
procura diluir as identidades indígenas com o intuito de torná-las menos visíveis aos olhos
da nação brasileira”. Logo, para superar a tentativa de invisibilizar, diluir as diferenças e
consolidar uma ideia de que os povos indígenas estariam distantes da realidade dos
estudantes, é preciso fortalecer a compreensão de que existe uma presença concreta dos
povos indígenas na sociedade brasileira, bem como da diversidade sociocultural e da
necessidade de garantia de seus direitos.
E inegável a centralidade que a escrita tem nos sistemas escolares baseados em
formatos eurocentrados, como na sociedade brasileira. A partir disso, é necessário analisar a
existência de livros didáticos e de outros materiais voltados para a temática indígena na
escola. Segundo um dos bibliotecários do campus Camaçari, Fábio Galeão, o acervo
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bibliográfico da escola sobre questão indígena poderia ser mais amplo, visto que existem
poucos livros na biblioteca, sendo restritos às áreas de humanas e linguagens.
Todavia, a análise sobre a abordagem da questão indígena na escola não deve se
pautar somente nos instrumentos historicamente utilizados pelas escolas. Tantos os povos
indígenas quanto os africanos têm a oralidade como elemento central para a educação em
suas sociedades. Desse modo, é preciso repensar a escola enquanto espaço formativo que
não pode ser encarado de maneira estanque. As instituições sociais têm como elemento a
historicidade, ou seja, a capacidade de transformação ao longo da história e de acordo com
as necessidades de cada sociedade e, assim, não podem ser vistas como um espaço intacto.
Não foi manifestada pelos informantes nenhuma negativa em relação à importância
da implementação da Lei 11.645/08 no Instituto ou no Campus Camaçari. Entretanto, mesmo
com o discurso voltado para a necessidade de implementar a Lei, os indicativos de ações
para tal se restringem à Semana de Consciência Negra e à proposta de uma Semana de
Consciência Indígena. Destaca-se a dificuldade de utilização de dois dias letivos e meio para
realização da Semana de Consciência Negra do IFBA - Campus Camaçari em 2012. Na
ocasião, a Direção de Ensino alegou dificuldade de sensibilizar os docentes do Campus e de
remanejamento das atividades daqueles dias letivos.
Aqui, cabem algumas considerações: mesmo sendo convencida pela comissão de
organização da Semana de Consciência Negra que, entre vários argumentos, lembrou que o
Instituto já fora notificado anteriormente em relação à implementação da Lei 11.645/08, até
hoje não houve uma movimentação da Direção de Ensino para cobrar das coordenações e
dos docentes do Campus uma posição em relação à implementação da Lei. Destaco que, com
isso, não quero individualizar a responsabilidade da implementação da Lei paras os/as
servidores, mas que, com uma postura de convocação dos profissionais da comunidade
escolar, no mínimo, seriam elencadas dificuldades para colocar a Lei em prática e um
diagnóstico básico de tais elementos estariam de posse da Direção. Para não dizer que só
falei de espinhos, aponto que, desde o ano de 2013, a Semana de Consciência Negra faz
parte das atividades previstas no calendário letivo do Campus.
Ainda assim, a estudante Daniele Freitas apontou sua leitura sobre a postura da gestão
do IFBA - Campus Camaçari sobre a implementação da Lei:
Não muito atenta ou preocupada em implementar a lei no campus. Pois a
lei entrou em vigor em 2008 e até agora não foi implementada, nem houve
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discussão com a comunidade, ou qualquer atitude que demonstrasse
preocupação em fazer a lei vigorar de forma eficaz.
Partindo do pressuposto de que a implantação de uma Licenciatura Intercultural Indígena
– LINTER – significaria um compromisso de gestão com a questão indígena, concluiríamos que
a situação do IFBA - Campus Porto Seguro, em relação à implementação da Lei 11.645/08,
estaria em boas condições. Entretanto, o professor do IFBA - Campus Porto Seguro, João
Veridiano, que atua na Licenciatura e no ensino médio integrado, relata que “não existe a
preocupação e a discussão sobre a implementação dessa Lei no Campus de Porto Seguro do
IFBA”, e em relação ao IFBA, de modo geral, “não é possível apontar ponto de implementação”.
O mesmo descaso está presente em relação à LINTER, segundo o professor, que defende que
“não há apoio institucional, os docentes viajam sem diárias e com carros precários, não há
discussão pedagógica do corpo docente sobre o curso”. Assim, sobre a relação direta entre a
LINTER e a implementação da Lei 11.645/08, Veridiano destaca que “não parece haver relação
entre a Lei e a implementação do curso no campus, tampouco no IFBA”.
Visto que, historicamente, as nossas licenciaturas não ofereceram para os graduandos
condições de formação em questões relacionadas às heranças culturais, sociais, econômicas etc.
dos povos indígenas e africanos na formação da sociedade brasileira, defendo a necessidade
urgente de operacionalizar sistemas de formação docente e de demais profissionais que atuam no
espaço escolar. É demasiado idealista acreditar que um problema estrutural de séculos, que é a
redução das matrizes culturais africanas, afro-brasileiras e indígenas, vai se resolver a partir de boa
vontade individual. Sobre a importância da formação docente voltada para a questão indígena, o
professor de história do Campus Camaçari, Alex Ivo, defende que:
Nossa formação acadêmica, marcada por um forte eurocentrismo, desprezou
tais conhecimentos. O pouco que tive acesso foi através de um curso de
extensão sobre história indígena, com 16 horas. O assunto mais flagrante
hoje é a luta dos indígenas pelo direito às suas terras e o duro enfrentamento
que eles fazem contra o agronegócio e sua representação política.
O professor também destaca como propostas “A inclusão de atividades regulares de
formação de quadro docente e técnico da instituição; incorporação dessa temática no
planejamento pedagógico dos cursos”. Logo, urge a necessidade de implantar programas de
formação não somente docente, mas também das comunidades escolares de maneira geral,
voltados para a questão indígena.
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A realização da pesquisa em curso, que embasa os dados expostos neste artigo, conta
com a concepção de que é necessário levantar propostas para a aplicação da Lei no Instituto.
Desse modo, aponto algumas iniciativas observadas nos últimos anos em relação à discussão
sobre questão indígena nessa instituição, apesar da ausência de uma política institucional
consolidada voltada para a implementação. Em artigo anterior, relatei que existem
Algumas iniciativas que vêm acontecendo no campus, apesar da postura omissa
da gestão do Instituto, seja em nível do campus, ou do Instituto como um todo.
Com a realização das semanas de consciência negra, alguns/as docentes vêm
realizando atividades com acompanhamento nas turmas voltados não somente
para a questão racial, mas também étnica indígena. Tal ponto não se restringe ao
campus Camaçari, é possível citar como exemplos com os quais tive contato:
palestras proferidas por diversos profissionais, Jornadas das Relações Étnicas e
Raciais no campus Salvador, bem como oficinas ministradas por mim nos campi
Vitória da Conquista e Ilhéus, nos anos de 2012 e 2013, respectivamente.
Cogita-se ampliar a pesquisa atualmente com foco no campus Camaçari para
outras unidades do Instituto (CHATES, 2015, p. 11).
Cita-se ainda a Pós-Graduação em Relações Étnicas e Raciais, realizada no IFBA -
Campus Salvador e o Grupo de Estudos em Temática Indígena, sediado no IFBA - Campus Porto
Seguro. Sobre a primeira, ainda conta com apenas uma disciplina, com carga horária de 30 horas,
voltada para a questão indígena, o que é insuficiente para uma formação básica voltada para essa
temática. Sobre o Grupo de Estudos, o professor João Veridiano, presidente, relata que:
O Grupo de Estudo em Temática Indígena nasceu do interesse de alguns
professores atuantes na LINTER. Entretanto, o Grupo despertou interesse
de pesquisadores de outras instituições que possuem interesse em
questões indígenas. O foco era que o grupo desenvolvesse atividades
coladas ao curso, mas, por vários motivos institucionais, o grupo foi
construindo um caminho próprio.
O grupo tinha o objetivo de realizar atividades na área, como o IX Encontro Sobre
Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas (ELESI), que aconteceu em 2013 no IFBA -
Campus Porto Seguro.
Conclusões
Hoje, infelizmente, se reportar à Lei 11.645/08 no IFBA é pautar a não aplicação da
mesma. Como docente que vem estudando a questão há dois anos, defendo a necessidade de
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realizar projetos de formação sobre a temática indígena junto a um processo de
sensibilização e responsabilização dos setores responsáveis e dos servidores, após promoção
básica de condições para que os mesmos possam ser empoderados em relação à
implementação da Lei no Instituto.
Me parece muito simbólico que um Instituto, que é sediado em um estado com um dos
maiores contingentes de pessoas negras fora da África e que contou com o primeiro espaço de
invasão portuguesa no que hoje são terras brasileiras, conte com um descaso tão grande na
aplicação da Lei. Tal fato aponta um caminho ainda muito longo a ser trilhado. Em
contrapartida, a esperança de uma mudança de quadro pode ser sustentada pela existência de
um grupo de servidores que vem atuando de maneira dispersa e capilarizada no Instituto,
pautando a questão racial mais fortemente e, em certa medida, a questão indígena.
Os dedos escrevem palavras pessimistas sobre a aplicação da Lei 11.645/08 no IFBA,
mas o desejo é que esse quadro seja revertido. Embora a escola seja historicamente um
espaço que tem legitimado a existência de diversas opressões, creio que desistir da
transformação da mesma é desistir da reconstrução de uma sociedade em moldes igualitários.
Se não é possível, nos dias atuais, viver sem escola, que possamos virá-la do avesso e atribuí-
la um caráter público de verdade, uma escola para todos, com todos e de todos.
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UM CASO DE “VANDALISMO”: COMPROMISSO COM A GRANDEZA
ESCOLAR NA ARENA PÚBLICA DA INTERNET
Ubirajara Santiago de Carvalho Pinto UENF
Resumo: O presente trabalho aborda a questão da justiça escolar no contexto da escola
contemporânea, tomando como foco de análise empírica um caso de vandalismo que deu origem ao
que a abordagem da sociologia pragmática chamou de "momento crítico". Parte-se do pressuposto
de que os agentes sociais, ao avaliarem criticamente um caso de vandalismo ocorrido na escola,
fazem-no de modo reflexivo e dentro de limites de racionalidade. A partir disso, o trabalho analisa
os critérios de justiça mobilizados pelos estudantes do ensino médio do Instituto Federal
Fluminense/Macaé e procura avançar o debate da justiça escolar no quadro da universalização do
acesso à escola que, na atualidade, comporta um público de diferentes classes sociais, além da
diversidade cultural e das diferentes vozes que, nela, demandam reconhecimento.
Palavras-chave: socialização política; justiça escolar; pragmatismo.
Abstract: The present article focuses on justice question in the context of contemporary school. We
analyzed a case of ‘vandalism’ from the pragmatic sociology perspective, so to say, as a “critical
moment”. We assume that the social agents estimate critically what happened in the school and are
able to reflect and criticize these events. From this starting point, the paper analyses the multiple
criteria of justice mobilized by the students of one technical school and seeks to advance the
discussion about justice in the contemporary education.
Keywords: political socialization; educational justice; pragmatism.
Introdução
A escola contemporânea se revela mais complexa tão logo se tenha em conta as
transformações que nela se passaram no último século e que, por assim dizer, tem se passado
no mundo político contemporâneo1. Nesta perspectiva, o objetivo deste trabalho é pensar a
escola a partir da pluralidade de regimes justificação e de ação que nela se apresentam.
1 Refiro-me à ampliação do acesso à escola, quer dizer, à universalização da escola em consonância com as ideias
apresentadas por Derouet que, após referir-se à distribuição em forma de sino (normal) das classes sociais na
escola, usa a expressão escola explodida para se referir sinteticamente ao quadro complexo de transformações por
que passou a escola desde seus princípios na França até a atualidade, período em que todas as classes estão
formalmente na escola, mas em que as exigências que se colocam para a escola fazem apelo a um critério
compósito de justiça, na medida em que na escola se apresentam uma pluralidade de critérios de justiça, muitas
vezes, em tensão. Paralelamente a isso, o mundo contemporâneo pode ser pensado, em sua ampliação da crítica
e das manifestações políticas, pelo que foi denominado “modernidade liberal estendida” por Peter Wagner em
“Modernidade, Capitalismo e Crítica” (In: Fórum Sociológico número 5/6 (2a Série), p. 41-70). Dito de modo
resumido, ele propõe uma análise das ‘modernidades’ que mostra as tensões e ambiguidades da autonomia e da
liberdade na teoria social e, pari passu, um quadro de extensão das demandas de justiça colocadas pela democracia
liberal e a modernização econômica que desemboca na exigência de revisão das abordagens no sentido de
compreender as socialidades contemporâneas mediante conceitos que tenham, numa palavra, substância empírica.
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Procederemos, pois, à análise de um momento crítico (BOLTANSKI e THÉVENAUT, 1999,
p. 359) a partir da démarche da sociologia pragmática da crítica. Assume-se, como ponto de
partida, a reflexividade e a competência crítica dos atores em suas próprias operações críticas,
no sentido de que eles conhecem as tensões e restrições envolvidas na ordenação das
grandezas, embora não criem sistemas filosóficos para sustentar, em toda sua generalidade,
‘um critério último de justiça’, tal como se pode ler em De la Justification (1997).
Nas sociedades complexas contemporâneas, marcadas pela mesma institucionalidade
cujos princípios de justiça confinam com os desvelados pelas filosofias políticas organizadas na
gramática política de Boltanski e Thévénaut em torno de seu modelo de cidade (1997, p. 96-97),
os atores sociais, em suas denúncias e reclames, colocam em pauta critérios plurais de justiça.
As situações de crise (BOLTANSKI, 1999, p. 359), constituem-se, neste sentido, especialmente
propícias à investigação acerca do modo como se produzem os acordos e se (re)ordenam as
grandezas, poder-se-ia dizer, sobre como se faz e se refaz a comunidade política da escola.
Em se tratando de formas de coordenação das ações que não degeneram em violência
nem aos limiares da afetividade, há restrições às operações críticas que podem ser analisadas
a partir de uma gramática plural. O estudo acurado desta gramática, mobilizada pelo
estudantado e por aqueles que se encontram noutros pontos da ordem de grandeza que
preside a escola, permite-nos conhecer melhor as construções políticas daqueles que tomam
parte na socialização política da educação (RESENDE e GOUVEIA, 2013).
A perspectiva da sociologia pragmática, neste sentido, nos leva a seguir os atores no
quadro de suas atividades e competências na arena pública. O trabalho de qualificação e a
ordenação das grandezas na escola deixa entrever disputas, controvérsias, reavaliações e
zonas problemáticas, as quais nos permitem perceber como se dá a produção de acordos e
desacordos, isto é, como se faz o comum nas escolas (RESENDE, 2013, p. 105). Além disso,
acessar “as lógicas e os dispositivos que sustentam os comportamentos no espaço da escola
permite aceder a uma outra escola que os alunos constroem para além das regras formais em
que os estabelecimentos de ensino assentam” (Rayou 1998 apud RESENDE p. 111).
A abordagem pragmatista, aberta a novas construções críticas, remete-nos a um
campo de investigações empíricas formidável, sobre as formas pelas quais se produzem
acordos, estados de compromisso e perspectivas críticas que se dão no quadro de limites
reflexivamente conhecidos pelos atores.
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1. O julgamento de pessoas e objetos: a grandeza da escola à prova da realidade.
Para pensar o que faz o ‘comum’ na escola, escolhemos o que julgamos ser um
momento crítico (BOLTANSKI E THÉVENAUT, 1999, p. 359). Ele deu lugar a uma
denúncia da diretora de ensino do que podemos chamar, a partir da démarche proposta por
Boltanski e Thévenaut (1997), de uma falha de grandeza. Ela denuncia, publicamente, na
página oficial da escola no facebook, um recente ato de depredação do patrimônio público da
escola. O litígio gira em torno de por em evidência uma falta de grandeza e, portanto, uma
injustiça ou uma falta de justeza num agenciamento” (BOLTANSKI e THÉVENAUT, p. 169,
1997). Desta falta resulta uma discordância que pode ser um conflito social no mundo cívico.
Como procuraremos mostrar, isso dá azo a uma prova pública da grandeza da escola e
dos que nela agem, colocando a escola, seus atores, objetos e investimentos de forma sob
avaliação crítica. Este momento crítico foi capaz de colocar à prova a grandeza não só de alunos,
mas da prática de alunos, professores e da direção. As provas a que se submetem adultos e jovens
permitem pensar suas diferentes lógicas de agir, suas continuidades e rupturas (RAYOU, 2005).
É neste sentido que, à contrapelo da ordenação das grandezas presidida pela cidade
cívica, que instaura um compromisso dos debatedores na arena pública virtual para com o
caráter reprovável da falta de ‘respeito’ para com a ordem cívica da escola, é possível
escutar outras vozes. Terão lugar de ser, uma vez denunciado o ocorrido, comparações
com eventos passados, referências a outras lógicas de justificação da grandeza e modos de
ação, enfim, a outras justificações da falha de grandeza, as quais se reputam o ‘sentido da
crise’ denunciada na arena pública virtual.
Assim, reportaremos os dados aos modos de justificação e às lógicas de ação política
discutidas por alguns autores que se debruçam sobre a escola, o estudantado, seu modo de
agir e o criticismo dos atores no mundo contemporâneo. Estamos cientes, seja dito, de que
este primeiro movimento de reflexão, que parte do que nos pareceu ser um acontecimento-
chave (RAYOU, 2005, p. 472), só pode ser feito pelo fato de que, enquanto professor da
escola, tenho acesso a referências situadas no 'comum' desta escola. A esta análise puramente
qualitativa e ancorada no texto, seria fecundo aliar o método utilizado por Rayou (2005),
que une o significativo e o representativo, combinando dialeticamente o survey e sua
abrangência aos incidentes sensíveis às experiências dos atores, no sentido de sua
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mobilização em torno de critérios de justiça e do que para eles, ainda que em controvérsias,
revela-se como fundamento do ‘comum’.
A partir disso, seria completar a análise com estudos de caráter etnográfico, a fim de
colorir aquelas zonas de sombra e aquelas regiões problemáticas que levam o estudo para os
pontos mais agonísticos da escola ou para modos de agir que podem ser melhor pensados não
pela polissemia da justiça política, mas pelo engajamento dos alunos enquanto pares e situados
em uma cultura estudantil que, de certo modo, os distancia da cultura escolar, que dispõe de
investimentos de forma específicos (de estirpe republicana) e que com ela se tenciona.
Avancemos, pois, mais um passo, na preparação da análise dos termos derivados da denúncia.
1.1 O compromisso cívico com a escola
Apesar da discussão acerca do desajustamento produzido pelo ato qualificado como
vandalismo e, reiteradamente, reforçado em sua significação imoral pelos que aderiram ao
debate e o qualificaram como aquém da dignidade comum, outras vozes fizeram apelo a
critérios que não dizem respeito ao ‘bem comum cívico da escola’. Podemos dizer, destarte,
que a ordem cívica esteve em compromisso com outros mundos (BOLTANSKI e
THÉVENAUT, 1997, p. 373-378). E sua falha de grandeza, no decurso da prova, verá o
aparecimento de outras naturezas e mundos, assim como o questionamento de algumas de
suas formas de investimento. Reminiscências de eventos anteriores que (des)qualificaram
outras formas de ação são referidas ao desajustamento ‘atual’ da ordem cívica da escola.
1.2 A justiça plural e o (des)valor da ordem cívica da escola
A partir da denúncia já mencionada, começa a altercação sobre as razões da falha. A
altercação recai sobre a qualidade, isto é, a grandeza dos alunos, visto que o ‘mal feito’ é
atribuído a alunos na denúncia. Depois de uma série de manifestações de apoio à punição
daqueles que atentaram contra a lógica cívica da escola, na qual a ‘menoridade’ (e o repasse
da punição para a família) e o respeito aparecem, temos uma justificação da falha de
grandeza da escola pautada no mérito: “E creio que só vai ficar pior com essa nova regra da
cota e esse sistema de não jubilar depois de repetir duas vezes o mesmo ano...” diz o aluno
L. M. E., após outras manifestações de repúdio que reforçam a pré-cidadania dos alunos que
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teriam cometido tais violações da ordem cívica, pode-se ler: “Um conjunto de erros. Desde
o fim das jubilações até a permissão da entrada de estudantes ainda despreparados para uma
instituição como o IFF, na qual saber lidar com a liberdade é fundamental. Também não
podemos esquecer da responsabilidade de alguns professores que ‘jogam’ seus alunos nos
laboratórios e somem pela escola para não dar aula. Os laboratórios devem ser sempre
acessados com algum responsável”, diz o aluno G. C.
O valor meritocrático, como se viu, associa-se à importância da eficiência do
funcionamento dos investimentos de forma da escola, da responsabilidade do professor, ladeado
por uma ideia de liberdade que reclama também a responsabilidade de uma ‘tutela cívica’ que,
lembra essa justificação, faz também parte de uma sala de aula bem ordenada. Há aí uma
composição de critérios de justiça: liberdade, responsabilidade, eficiência e mérito. Como se
nota, a situação de crise evidencia o desajustamento de pessoas e objetos, confrontando a
coatuação dos envolvidos com sua experiência e suas expectativas futuras. Assim, diz outra
aluna, R. L.: “Destruíram o que não funcionava 100% pra comprarem novos, não?”
A proposição do mérito, tal como exposta acima, encontrará, contudo, reações críticas,
quer providas pela ideia, ainda que incompleta, de que deve haver uma discriminação positiva
(DUBET, 2004, p. 545), como se pode ler em “Vocês nem sabem quem foi e já estão acusando os
cotistas, tá cheio de sangue azul nesse iff hein”, como diz o aluno F. A., quer por uma justificação
que também apela para o doméstico: “Gente, o fato ocorrido não pode ser associado ao não-
jubilamento e ao programa de ações afirmativas, por favor não se equivoquem. O incidente é
provido de falta de uma coça em casa, irracionalidade, falta de caráter e egocentrismo”, diz o aluno
E. M., ao apresentar uma justificação em termos plurais.
Na sequência do debate, dois eventos sociais que foram proibidos pela direção da
escola serão lembrados. Interditados que foram pela ordem cívica da escola, alguns alunos
os mobilizam no sentido de justificar a irrupção do desajuste: “Todo mundo sabe que isso é
culpa da ausência de trote”, diz J. B., em coro com outros alunos. Ao passo que E. M.
sustenta que o “Piranhabol tinha seu valor pedagógico, construção de caráter através de
saudáveis competições onde se trabalhava a tolerância através do contato com transgêneros”.
Comecemos pela alusão ao trote.
O trote lança mão, a nosso ver, de um compromisso entre o mundo doméstico – na
medida em que ele propiciaria, de certo modo, a compreensão do lugar do aluno na ordem
doméstica hierarquizada da escola – e o mundo cívico. Para a antropóloga Ana Lúcia Modesto,
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o trote reforça a hierarquia, opondo-se, neste sentido, à igualdade cívica2. Por outro lado, este
critério diverso daquele da ordem cívica da escola é também a reivindicação de um espaço de
sociabilidade que comporta um jogo complexo de proximidade e distância entre os alunos. Ele
pode ser pensado também a partir de outro modo de ação, a saber, a philia, com tudo que isso
comporta de outros mundos e tensões na escola (RAYOU, 2005, p. 467).
Detenhamo-nos, agora, no sentido do “Piranhabol”3. Sua reminiscência é frequente na fala
dos alunos do IFF/Macaé. Trata-se de uma competição ao estilo do futebol americano, na qual os
times de alunos se travestem invertendo os gêneros e o contato físico excede o uso ordinário do
corpo, o que contribui sobremaneira para a vinculação de seus participantes num evento deveras
diverso da “ordem corrente” da escola que, com efeito, funda-se na philia, na simetria e também
pode ser pensado como uma forma de sociação no sentido de Simmel, qual seja, a competição
entre os participantes4. O caráter horizontalizante do evento nos parece tal que vale mencionar o
uso de bebidas entre os pares. Ocorre que se trata de uma competição e, como tal, nem sempre os
limites respeitam as formas de se fazer a equivalência entre os competidores.
A última edição do evento, em 2012, deu lugar a um conflito físico entre alunos, que
ganhou as dimensões de um momento crítico (BOLTANSKI e THÉVENAUT, 1999, p. 359).
De sorte que o evento, após ser submetido à prova, mediante comissão disciplinar, foi retirado
do calendário estudantil, sendo qualificado como desajustado à ordem cívica da escola e suas
expectativas de conduta. Assim, a competição conhecida como “Piranhabol”, uma vez ausente,
teria, na evocação do aluno, que ver com a crise atual, na medida em que propiciava experiências
de proximidade que contribuíam para a formação dos alunos e, por extensão, do cidadão.
Entre as manifestações de apoio à ordem cívica da escola, assim entendida nos termos
articulados pela diretora de ensino na denúncia, se fazem e refazem as “economias de
grandeza da escola”. O mérito será, por sua vez, denunciado em sua parcialidade, pela
justificação doméstica na qual se localiza a falha. “Ainda tem gente que diz que não existe
preconceito nem racismo no brasil... Quem faz esse tipo de coisa é MAU EDUCADO e não
2 In: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/027790.shtml>, ‘O trote é uma prática arbitrária que foi
naturalizada’, boletim da UFMG/1814. A ideia de naturalização, com efeito, não é compatível com a démarche
que aqui se optou, na medida em que produz o reducionismo da sociologização e trata o evento ‘trote’ como
explicável a partir de um critério único e positivo, ao qual apenas o pesquisador tem acesso. 3 A ideia de inversão de gêneros está implicada no neologismo ‘piranhabol’ que une o ‘bol’ do futebol
americano com o termo ‘piranha’ que se refere tipicamente ao gênero feminino e é carregado de conotações
morais negativas relativamente a uma moral patriarcal. 4 Remetemos à abordagem de Simmel do conflito como forma de sociação (Vergesellschaftung). A competição
é uma modalidade de conflito na qual as regras fazem o nivelamento das partes envolvidas e que tem, pois, um
aspecto civilizador: ela nivela as partes e permite a objetivação de valores subjetivos.
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cotista/repetente”, diz a aluna D. R. Vê-se que a qualificação do ato imoral se desvincula, de
certo modo, do êxito nas provas tipicamente escolares. Desdobram-se, como já dito, uma
pluralidade de critérios de justiça: “Sabia que iriam me chamar de racista KKKKKKKK O
que eu quis dizer é que cada vez está mais fácil de entrar no IFF, as pessoas que entravam
antigamente ralaram para estar lá, por isso tinham amor pela escola, de certa forma. Agora
não é mais um desafio, não tem mais essa emoção, então o pessoal está cagando. Não estou
dizendo que todos que entrarem por causa dessa nova cota ou ficarem lá repetindo pra
sempre são assim...”, retorquiu o aluno L. M.
Não se trata, diz o aluno, de atacar pessoas, mas de fazer referência ao mérito e à
eficiência como critérios de justiça que, uma vez ausentes, produziriam o desarranjo da ordem
de grandeza de pessoas e objetos que deveriam estar sob a equivalência das grandezas da
escola. A discussão segue no sentido de avaliar o valor do mérito dos alunos que tem acesso à
escola. A esta altura, alguns alunos adscrevem sua classificação no concurso de entrada. Nega-
se, em seguida, o vínculo entre cota/mérito e a conduta denunciada na abertura do julgamento.
Dá-se, aqui, a primeira intervenção da diretora de ensino, após feita a denúncia: “A
discussão está interessante. Queria contribuir com uma informação, concorrência de 2015:
Automação 8,6 candidatos por vaga; Eletromecânica 9,4 candidatos por vaga; Eletrônica 4,7
candidatos por vaga; Meio Ambiente 5,2 candidatos por vaga. Infelizmente ainda é alta”. E,
um pouco adiante, ela retoma: “Acho alta, Cássio. Tem muito vestibular que tem
concorrência menor que essa. O ideal é que pudéssemos atender mais pessoas, pois temos
500 pessoas que querem entrar e 440 ficam de fora, é muito triste...” A tristeza aludida tem
como critério a ordem cívica, uma vez que a escola é referida como um ‘bem comum’ a todo
cidadão e, como tal, acessível independentemente de outras esferas de justiça.
O desajustamento de pessoas e dos objetos é pontuado à intervalos. O aluno M. D.
diz: “Quando eu era do IFF, o ‘vandalismo’ era tomar uma ducha no chuveiro na piscina
depois da pelada”, seguido pelo aluno P. F. que emenda: “Virar as cadeiras da sala já dava
uma confusão fudida HAUHAUHAUHuahuahuahuahano”.
Passemos, doravante, à fase final da análise. Deparamo-nos com a seguinte pergunta:
“E uma instituição desse nível não possui ao menos uma câmera de segurança?”, indaga o
aluno C. C. Que receberá como resposta uma justificação da diretora, não por acaso
referendada pelo critério cívico, já que, como diretora, ela está investida desta grandeza nessa
atuação: “Triste é uma instituição ‘desse nível’ precisar de câmeras de segurança. Já
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solicitamos as imagens das câmeras do Sicoob e o processo de compra de outras está na fase
final, câmeras que infelizmente precisamos”. Não por acaso as aspas da diretora em “desse
nível”, já que se trata da grandeza da própria escola que, nesta arena, é objeto das sucessivas
avaliações. Ademais, a infelicidade da necessidade do controle das condutas por câmeras deve-
se, na justificação da diretora, a uma falha na ordem cívica da escola: tal falha recai sobre os
'menores', os mais jovens na ordem de grandeza escolar, isto é, os alunos, que assim como os
mais velhos importam pouco para a cidade cívica (BOLTANSKI e THÉVENAUT, 1997).
Findo o julgamento, parece-nos que o acontecimento-chave nos forneceu um bom
exemplo de prova de realidade. Como diz Rayou “crianças e jovens devem, como os adultos,
submeter-se à prova de realidade, únicas suscetíveis, num mundo de múltiplos princípios de
legitimação, de liberar “valores” orientados para a justiça e sendo o objeto de um acordo”
(2005, p. 167). Ora, o que se desvela no julgamento é a grandeza da escola e de seus
partícipes. O que se questiona diz respeito, também, às providências tomadas frente ao ato
em juízo, no sentido do (re)ajustamento do acordo cívico.
Importa lembrar, neste sentido, que
sucede do fato de que qualidades de grandeza e pequenez não são
vinculadas às pessoas que uma política de justiça deve solucionar disputas
ao fazer a convenção de equivalência se submeter a uma prova. Apenas no
desfecho da prova, no decurso da qual as partes conflitantes são induzidas
a mencionar os objetos e os fins de um mundo compartilhado, que seu
estado de 'grandeza' é revelado. É pelo fato de que seus argumentos são
confrontados com a realidade que a ordem produzida pela prova (que uma
prova diversa poderia desafiar) pode ser qualificada como justa
(BOLTANSKI, In: The Politics of Pity, excerto, p. 4, data).
2. O ‘comum’ plural da escola e suas tensões
As tensões que se revelam na escola, sobretudo nas situações de prova a que nela se
submete o estudantado, mostram, de um lado, o fechamento da concepção política
republicana, até certo ponto refratária às lógicas de atuação e justificação política dos
estudantes que, por seu turno, estão aquém da cidadania política republicana da escola e, por
outro lado, revelam-se portadores de outras formas de ação e justificação de sua autonomia
cujas vozes são audíveis. Assim, se tomarmos à sério a investigação dos modos de ação
fundados na philia e na proximidade, suas tensões com outros mundos e regimes de
justificação, alarga-se o campo de investigação empírica da socialização política na escola
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contemporânea que viu, nas últimas três décadas, uma ampliação significativa de seus
quadros institucionais, assim como a diversificação sem par da oferta e da demanda escolar.
Para o caso francês, aliás, a complexidade da disputa e da oferta dos recursos distribuídos
pela escola encontra boa descrição em Derouet (2010).
Assim, tendo em vista o modelo de cidade de Boltanski e Thévenaut (1997), a
ordenação das grandezas de uma escola pode ser analisada sob o prisma da reflexividade e
das formas de ação de seu público, isto é, os alunos, tal como nos mostram Resende e
Gouveia (2013) ao abordarem a amizade como modo de ação e o insulto moral entre pares,
revelando toda uma economia de grandezas diversas daquelas do mundo adulto. E, a despeito
de ser pública, a escola pode ser remetida ao mercado como bem mercantil pelos atores que,
por assim dizer, também adquirem a competência requisitada para fazer a equivalência nas
operações típicas do mercado.
Na contrapartida crítica dos alunos, aliás, dispostos numa condição de, por assim
dizer, pré-cidadania, numa ótica puramente cívica/meritocrática e suas situações de prova,
vislumbra-se outras lógicas de ação política: quando não reduzidas por uma ‘cidade’ em
compromisso com ela, ou em disputa por uma redução em outro bem comum, mas assentes
em critérios de justiça política plurais.
Essas tensões que perpassam a escola e suas situações encontram eco na abordagem de
Boltanski e Thévenaut, ao formularem o modelo de cidade para dar conta das operações críticas
e disputas a que se entregam as pessoas: “ainda que o modelo de cidade não faça referência
senão a um princípio de justificação, ele é uma resposta à multiplicidade de princípios sem a
qual o mundo seria um éden” (1997, p. 100-101). E, como dizem à página seguinte
A redução da pluralidade de formas de generalidade operada pelo modelo
de cidade esclarece, igualmente, sua ‘fórmula de investimento’: o sacrifício
exigido para se aceder a um estado de grandeza aparece, pois, tenuemente
ligado à extensão das outras cidades. A chance particular dos pequenos,
sacrificada no estado de grande, é assim o traço de outros ‘bens comuns’
que não podem ser reconhecidos como tais na cidade (1997, p. 102).
No momento crítico aqui analisado, o compromisso com a ordem cívica da escola
fará as vezes de uma “ordenação mais geral, ancorada num princípio superior comum, que
é, a bem dizer, o critério das grandezas, [e que] permite conter os desacordos dentro do
admissível, evitando sua quebra ao colocar em causa o princípio do acordo” (1997, p. 101).
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3. Outras grandezas: a internet e a voz dos alunos
É digno de nota que a internet é uma marca das práticas de comunicação na
atualidade, de maneira a dar lugar, amiúde, a situações de controvérsias acerca de temas
variados. Sua presença massificada no cotidiano e na socialização dos jovens tem sido
notada nas ciências sociais (MORDUCHOWICZ 2012 e 2013). Tendo isso em vista,
escolhemos como objeto de uma primeira investida analítica sob a ótica da sociologia
política da educação, no quadro teórico da sociologia pragmática da crítica, as reações dos
alunos, alguns professores e da diretora de uma escola pública.
Considerado amplamente inaceitável, o ato denunciado carreia consigo avaliações morais
sucessivas daqueles que fazem a socialidade da escola. Ancoradas numa gramática plural,
podemos perceber que os jovens seguem linhas de socialização política que não convergem,
deixando-se de lado uma postura adultocêntrica (RAYOU 2005 apud RESENDE e GOUVEIA,
2013), simplesmente com a política no sentido das formas de investimento da cidadania
republicana, para as quais a escola representou, sobretudo no século XVIII e XIX (DEROUET,
2010, p. 1009), a liberação do acesso às instituições do estado moderno do familismo e das
nobiliarquias locais, uma vez que o processo de escolarização teve, com seu fundo meritocrático,
o avanço de hierarquizar não pela origem social, mas no transcurso nivelador das provas escolares.
No sentido aludido, os alunos se encontram muito bem cientes dos investimentos de
forma que devem ser por eles preenchidos, a fim de aceder ao mundo do “alto”, por
referência à hierarquia de grandezas que presidem às provas – que são provas de grandeza –
na escola, assim como o comportamento no sentido do público e da cidade cívica.
Por fim, podemos dizer que os alunos, ao mobilizarem uma diversidade de critérios
de justiça, apresentam-se capacitados a contribuir para a reflexão sobre o que é uma escola
justa (DUBET, 2004). À possibilidade de envergar diferentes critérios de justiça, assim como
à demanda pelo reconhecimento de outras modalidades de ação, somam-se à ampliação das
condições de exercício da crítica nas situações escolares e cotidianas.
4. Considerações sobre a escola justa e o bem comum
É impossível, posto que utópico, sustentar como justificação, numa sociedade
complexa, a perfeita igualdade dos seus membros como critério de justiça. Primeiro, por que
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ela não existe. Segundo, por que ela não comporta as necessidades e possibilidades das
pessoas que nela conduzem suas vidas e que podem, inclusive, hoje mais do que outrora,
demandar um tratamento equitativo a sua situação, consoante diferenças que não podem ser
apagadas pelas desigualdades reais nem por uma igualdade fantasiosa.
De modo análogo, a escola francesa, uma vez unificada em 1940, ao pretender nivelar
as pessoas sob um fundamento cívico, não logrou solucionar os dilemas da igualdade e da
liberdade – que se encontram tensionados nas democracias liberais contemporâneas e nas
formas de investimento da escola – de uma vez por todas (DEROUET, 2010, p. 1008).
Acresce que projetar como critério único da justiça escolar a igualdade de oportunidades
converte-se em meta quimérica, uma vez que a escola contemporânea é o espaço de uma
diversidade de trajetórias e de classes cujas demandas de justiça mobilizam critérios plurais.
Pode-se postular, neste sentido, um rol de critérios de justiça que, embora não forneçam uma
fórmula sintética mágica, já que o ‘comum’ da escola é feito e refeito constantemente,
permitem avançar a reflexão da justiça escolar (DUBET, 2004).
Admitindo-se que o princípio do mérito logrou a separação da esfera de justiça escolar de
outras esferas de justiça (WALZER, 1984, p. 319), as qualificações operadas nas formas de
investimentos da escola e sua forma de equivalência fundada no mérito colocam problemas para
a questão da igualdade que, por outro lado, é também objeto de reclame, mas deixa de ser pensada
como um objetivo a todo custo e desatento às desigualdades justas. A reflexão sobre a justiça
escolar deve considerar, portanto, a presença de pelo menos mais 4 critérios, a saber: 1) a
discriminação positiva no sentido da justiça distributiva ou equitativa de John Rawls; 2) a justiça
como prestação de contas; 3) a garantia de competências mínimas e 4) a eficácia e a utilidade social
da formação escolar (DUBET, 2003, p. 544-549). Combinados à meritocracia, estes critérios
permitem avançar o sentido do que é uma escola justa e como ela deveria tratar seu público.
5. Conclusão: as formas de engajamento político e a abordagem pragmática
A pesquisa que procuro desenvolver – no doutoramento do Programa de Pós-Graduação
em Sociologia Política da UENF – se debruça sobres as atitudes, as formas de cognição e as
formas de engajamento político dos estudantes do IFF/Macaé, escola em que, atualmente, sou
professor. Ela parte de uma proposta metodológica que pretende inventariar quantitativamente
– far-se-á um survey – o ser da política entre os alunos, no sentido de perceber descontinuidades
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de comportamento político nesta geração de estudantes correlacionadas a variáveis
socioeconômicas, socioculturais e suas referências na socialização familiar.
Pode-se dizer, neste sentido, que a abordagem pragmatista da socialização política
da educação permite aprofundar nuances e tensões que nos colocam problemas que o método
quantitativo não parece suficiente para explicar e compreender: ela revela outras formas de
se fazer a política na vida dos alunos, que demandam a pesquisa etnográfica e o levantamento
de situações críticas nas quais os que tomam parte na escola revelam suas posições e suas
formas de fazer o “comum”, para além dos arranjos formais tipificados pela ciência política.
Estas formas de engajamento do estudantado, não obstante o rumo futuro de suas
tendências, não podem ainda ser pensadas como substitutas das que presidem as instituições
da democracia atual, tal como adverte Rayou (2007, p. 29-30), ao pensar a lógica da
proximidade/distância e da responsabilidade na atuação dos jovens franceses escolarizados.
Parece razoável, contudo, pensar o descontentamento político e as novas formas de
engajamento político, batizadas como não-tradicionais, em seus vínculos com as tensões que,
atualmente, afetam a dinâmica política da socialização dos estudantes. Tanto os movimentos
sociais quanto as formas de denúncia e de vocalização das demandas na atualidade se opõe,
com frequência, às formas de ação cristalizadas em organizações típicas da cidadania
republicana, quais sejam, os partidos, os sindicatos e as instituições coladas no poder público.
Soma-se a isso a baixa confiança nas formas cívicas tradicionais em várias regiões
do mundo, sobretudo entre os mais jovens, que são, por alguns cientistas sociais – que em
certo sentido contribuem para o encapsulamento da cidadania republicana – qualificados
como avessos à política. Por outro lado, surgem propostas de renovação, ainda em gestação,
em torno da ideia de organizações deliberativas fundadas na horizontalidade.
Acresce que o programa de pesquisa da socialização política da educação, ao nos
confrontar com as lógicas de ação e de justificação política dos jovens, permite compor
melhor a riqueza do que aqui denominamos, sem pretensão substancialista, de o ‘ser da
política’ dos que fazem a unidade analítica que escolhemos, a saber, a escola. Se, por um
lado, o inventário quantitativo nos fornecer dados de baixa atuação cívica tradicional entre
os estudantes, ao passo que nos conceda alguma novidade acerca do engajamento político
nas ditas novas formas de participação, tais como protestos, boicotes, assinatura de petições
virtuais, numa lógica mais pautada na escolha do que na lealdade (NORRIS, 2004, p. 2), por
outro lado, o estudo de acontecimentos-chave da escola em combinação com o método
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quantitativo, poderá nos fornecer evidências para sustentar a criticidade política presente nas
escolas contemporâneas, assim como a presença marcante de uma reflexividade crítica no
estudantado, cada vez mais atento às questões e dilemas públicos, ainda que se afaste ele das
tonalidades de ação valorizadas pela tradição republicana.
Uma vez que a participação, as atitudes e a cognição política comportam várias dimensões
explicativas, as quais extrapolam o status econômico, o capital cultural e as referências domésticas,
a abordagem pragmatista do ‘ser da política’ entre os alunos poderá revelar dimensões da ação
política que, à luz destes fatores, poderiam vir a ser consideradas improváveis. Ela pode contribuir,
ademais, para responder quais temas do debate público mobilizam os estudantes – a despeito de
uma possível baixa participação cívica tradicional – sem cair nas armadilhas de depositá-los numa
condição de pré-cidadania ou apoliticismo. Por fim, a abordagem que deu o tom deste trabalho
pode fornecer um quadro qualitativo de contrafactualidades às tipologias estatísticas que serão,
destarte, apenas uma face da coleta de dados para análise, devendo ser reportadas à práxis dos
atores em seus próprios termos, para daí dar lugar a uma atividade de síntese explicativa dos modos
e das razões de ser do político entre os estudantes.
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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADES: CINEMA COMO
RECURSO DIDÁTICO NA ESCOLA
Wilson Camerino dos Santos Junior Mestre em Educação/Ifes. Bolsista de extensão no país (c) - CNPq
E-mail: [email protected]
Wendell Marcel Alves da Costa Graduando em Ciências Sociais/Ufrn. Bolsista Pibic - CNPq
E-mail: [email protected]
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir a dignidade humana por meio de práticas didáticas
na escola. Para isto propõe a utilização do cinema como mediador na abordagem da diversidade em
espaços de educação formal ou não. A educação em direitos humanos tem por objetivo discutir a
valorização da dignidade humana, ou seja, o reconhecimento do homem como um sujeito histórico
demarcado por diferenças culturais. Objetivamos problematizar o cinema como mediador da(s)
diversidade(s) no processo educacional. Os referenciais teóricos utilizados foram Magri (2009), Xarão
(2011), Pequeno (2008). No âmbito do cinema, refletiremos as contribuições de Costa (2003) e Xavier
(2005), para compreender o cinema como dispositivo e instituição social e, para saber as experiências e
usos da linguagem cinematográfica nas escolas, Rizzo Junior (2011) e Lima (2013). Especificamente
abordaremos a educação em direitos humanos e seus fundamentos e a questão didática nas abordagens
do cinema. A metodologia utilizada foram os estudos de revisão bibliográfica. Os resultados de nossa
pesquisa apontam para as abordagens da(s) diversidade(s) por meio do cinema como política educacional.
Palavras-chave: direitos; cinema; educação.
Abstract: This paper aims to discuss human dignity through teaching practices at school. For this
was proposed the use of film as a mediator in the approach of diversity in formal and informal
education spaces. The human rights education aims to discuss the enhancement of human dignity,
namely the recognition of man as a historical subject marked by cultural differences. We aimed to
discuss the film as mediator of variety in the educational process. The theoretical framework used
were Magri (2009), Xarão (2011), Pequeno (2008). About the cinema we are going to reflect the
contributions of Costa (2003) and Xavier (2005), to understand the cinema as a device and a social
institution, and to know the experiences and practices of film language in schools, Rizzo Junior
(2011) and Lima (2013). Specifically discuss the human rights education and its foundations and
didactic approaches on the issue of cinema. The methodology used was a bibliographic review. The
results of our research point to the approaches’ diversity through the cinema as an educational policy.
Keywords: rights; cinema; education.
Apresentação
No século XX algumas questões das violações aos direitos humanos vêm ganhando
especial atenção nos debates das políticas públicas. A fome, o trabalho, o direito a educação
e outras violações são questões que até hoje permeiam as reflexões dos denominados direitos
fundamentais do homem, direitos estes previstos em legislações internacionais e nacionais.
Algumas das violações aos direitos humanos perpetuam no cenário público e privado do
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tecido social, sobretudo as violações que concernem às questões da diversidade religiosa, de
gênero, da etnia e outras que corriqueiramente são conduzidas por práticas etnocêntricas pelo
fundamentalismo tradicional societário, ao invés de serem gestadas por políticas públicas.
Mediante os contextos de ausência do Estado, práticas etnocêntricas e intolerância para
com a diversidade são estabelecidas as práticas de ódio para com as diferenças sociais existentes,
práticas estas construídas sistematicamente pela cultura heteronormativa que é uma cultura
compostas de valores religiosos, de valores de gênero e estabelecimento de classes sociais, valores
estes de estabelecimentos societários com práticas culturais já definidas, sem a possibilidade do
reconhecimento do outro, ou seja, sem possibilidade de reconhecer a diversidade.
Contrapondo a este contexto que vivenciamos escolhemos debater/propor neste
trabalho que as políticas para as diversidades devem se dar por meio de processos educativos
da educação formal ou não, possibilitando discutir a dignidade humana por meio de
dispositivos didáticos, apontando a utilização do cinema como o dispositivo mediador da
relação diversidade e reconhecimento da dignidade humana.
A escolha da educação em direitos humanos é por a concebermos como importante
referencial teórico metodológico quando o objetivo é tratar direitos humanos. Podemos
considerar que a educação em direitos humanos se divide em dois grandes eixos para tratar
a questão da dignidade humana, sendo esta questão seu principal fundamento.
O primeiro eixo são os aspectos históricos, filosóficos, políticos e jurídicos e o
segundo eixo os fundamentos culturais e educacionais. No âmbito desta divisão
metodológica, o diferencial de falar de educação em direitos humanos e, não unicamente em
direitos humanos, refere-se que a educação em direitos humanos ultrapassa a legislação
prescrita, portanto, ela busca o reconhecimento da dignidade humana.
Em suma, neste ensaio refletiremos como a educação em direitos humanos corrobora
no debate do exercício da liberdade, da preservação da dignidade e da proteção à própria
existência, sendo os direitos humanos responsáveis por zelar pela humanidade que cada um
de nós possui, ou seja, a garantia da dignidade humana. E um dos instrumentos didáticos que
podem colaborar na difusão das práticas da educação em direitos humanos é o cinema, que
retira espectador de sua posição de ouvinte, e o coloca como sujeito de ação no processo de
subjetivação da imagem como representação da sociedade. Neste caso, objetivamos a
indignação do espectador, mediante a identificação da violação de direitos, não apenas no
filme, como também em seu cotidiano.
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1. Educação em direitos humanos no processo de escolarização
A educação em direitos humanos há mais de uma década vem sendo debatida
enquanto recurso teórico-metodológico na implementação de políticas públicas ou sociais
mediante a identificação de violação de direitos humanos. O termo direitos humanos é
corriqueiramente estudado como garantia daquilo que é fundamental ao ser humano, mas e
a educação em direitos humanos? Qual é a sua proposta diferencial mediante aos contextos
de violações que estamos circunscritos?
De acordo com Zenaide (2008), a educação em direitos humanos possui por base a
educação para a paz, contra todas as formas de autoritarismos, guerras, extermínios, ou seja,
contra todas as práticas violadoras do direito à vida das pessoas em situação de desvantagem
social, tais como os trabalhadores da via camponesa, os gays, as lésbicas, os transexuais, os
transgêneros, as travestis e outros identificados por sua expressão de gênero ou pela
orientação sexual em desvantagem. Também podemos apontar pertencentes a este contexto
de violação: os negros em desvantagens sociais, as mulheres não reconhecidas socialmente
pelo seu exercício de gênero, as crianças e adolescentes historicamente violadas, os
adolescentes em conflito com a lei, os jovens inseridos em situação de desoportunação social
contínua e os idosos sem seguridade social.
Neste sentido a educação em direitos humanos como um referencial teórico-
metodológico é uma proposição que possui por objetivo incentivar por meio de práticas
didáticas contínuas e correlatas ações interdisciplinares de resistência cultural contra todas
as formas de violação aos direitos humanos. Com base em Zenaide (2008, p. 130), definimos
o princípio metodológico da educação em direitos humanos:
[...] fundamentação da paz, da liberdade e da justiça, [...] reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana; a proteção dos
direitos humanos pelo império da lei; o desenvolvimento de relações amistosas
entre as nações; a igualdade de direitos entre homens e mulheres; o progresso
social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; o ensino e
a educação que promova o respeito aos direitos e às liberdades. [...] ser
reconhecido como sujeito de direitos, de dignidade, proteção dos DH,
segurança pessoal e social, fraternidade, igualdade, extinção da escravidão,
acesso à justiça e ao asilo, ao trabalho e ao padrão de vida, à nacionalidade e à
educação em direitos e à liberdade. [...] para os deveres universais de todo ser
humano para com a coletividade, a responsabilização com a comunidade, a
qual vive, trabalha, constitui identidades e modos de ser e de vida.
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Para a autora, a adoção da educação em direitos humanos significa inserirmos na
pauta das práticas educacionais questões específicas, como: os direitos dos povos a liberdade
e a paz, temáticas como a cidadania, o direito humanitário, a democracia, a justiça social,
entre as demais ações que busquem a materialidade da promoção aos direitos humanos e do
reconhecimento mútuo. Para Zenaide (2008), a educação em direitos humanos tem como
proposta central a construção de uma cultura universal dos direitos humanos.
No âmbito da construção de uma cultura universal dos direitos humanos é que
concebemos a educação em direitos humanos como oponente instrumento de um processo
norteador para abordarmos as questões das diferenças de educação formal ou não. O
diferencial da educação em direitos humanos se pauta pela consolidação da dignidade
humana para além da legislação. Falar em educar em direitos humanos significa implementar
práticas culturais de reconhecimento do outro em sua pluralidade. O educar em direitos
humanos ultrapassa qualquer acordo, tratado ou convenção, significa reconhecer o outro a
partir de sua diversidade como sujeito de direito.
De acordo com Pequeno (2008), o fundamento dos direitos humanos é correlata a própria
essência do ser humano, é o reconhecimento do homem como um sujeito inacabado e imerso numa
formação diacrônica a partir de sua experiência com o mundo, desta forma o homem vai
construindo a sua essência como pessoa, ou para aquilo que denominamos de busca pelo
reconhecimento e afirmação da dignidade humana. A dignidade humana é o conceito central para
consolidarmos as práticas didáticas formais e não formais da educação em direitos humanos. A
dignidade é a qualidade da pessoa humana, ou seja, aquilo que confere humanidade ao sujeito.
Para Pequeno (2008, p. 23) os direitos humanos são:
Os direitos humanos são aqueles princípios ou valores que permitem a uma
pessoa afirmar sua condição humana e participar plenamente da vida. Tais
direitos fazem com que o indivíduo possa vivenciar plenamente sua
condição biológica, psicológica, econômica, social cultural e política. Os
direitos humanos se aplicam a todos os homens e servem para proteger a
pessoa de tudo que possa negar sua condição humana. Com isso, eles
aparecem como um instrumento de proteção do sujeito contra todo tipo de
violência. Pretende-se, com isso, afirmar que eles têm, pelo menos
teoricamente, um valor universal, ou seja, devem ser reconhecidos e
respeitados por todos os homens, em todos os tempos e sociedades.
Poderíamos suscitar o seguinte questionamento neste momento: existe possibilidade
de alguém conferir humanidade a alguém por meio de práticas pedagógicas em espaços de
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educação formais ou não formais? Iremos afirmar que sim e, baseados a partir de Pequeno
(2008), em dois princípios epistemológicos: a dignidade é um valor incondicional e a
dignidade é um valor incomensurável.
A dignidade como valor incondicional está baseada na possibilidade desta se apresentar
e ser do outro como independente de qualquer contexto. Seja o autor da ação violadora, ou seja,
o violado, ambos possuem o direito inerente de terem a sua dignidade na condição de ser humano
protegida pelo Estado, mercado e pela sociedade civil. A dignidade como valor incondicional é
toda e qualquer ação que promova o fim da negação, da violação e da invisibilidade.
Já a dignidade humana como um valor incomensurável faz menção ao princípio da
indignação, tais como o contexto que reconhecemos que a dignidade do outro enquanto ser
humano foi atingida. O reconhecimento da incomensurabilidade da dignidade humana reside na
indignação quando verificamos a condição de exclusão e invisibilidade quais massas da
população são colocadas, sem condições de defesa e até mesmo de garantia da vida. Totalmente
em situação de desvantagem social em relação aos demais extratos do tecido social.
A tentativa de exemplificar por meio de dois princípios a dignidade humana nada
mais é do que uma tentativa de demonstrar que ao defendermos o ser humano enquanto um
sujeito social dotado de práticas culturais e históricas atreladas à vida, estamos a favor de do
reconhecimento da existência de um sujeito que teve sua condição de ser humano
invisibilizada. Para Pequeno (2008) quando defendemos a dignidade humana de outra
pessoa, estamos em busca da vida social menos injusta e mais digna.
Neste sentido, ao debatermos com nossos educandos o princípio da dignidade
humana nossa abordagem deve ser aberta ao reconhecimento que trabalhadores da via
camponesa, os gays, as lésbicas, os transexuais, os transgêneros, as travestis e outros
identificados por sua expressão de gênero ou pela orientação sexual em desvantagem. Ainda
temos os negros em desvantagens sociais, as mulheres não reconhecidas socialmente pelo
seu exercício de gênero, as crianças e adolescentes historicamente violadas, os adolescentes
em conflito com a lei, os jovens inseridos em situação de desoportunação social contínua, os
idosos sem seguridade social, os migrantes, os refugiados e os querentes de asilo político
que são exemplos de pessoas que devem inicialmente ser reconhecidas pela sua condição de
ser humano, para que o Estado, o mercado e a sociedade civil possam identificar a seguridade
social em que serão acolhidos a partir dos tratados legais internacionais ou locais.
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A educação em direitos humanos, ao tratar da existência do ser humano para além da
legislação, conforme fundamenta Xarão (2011), propõe que possamos compreender a
pluralidade intrínseca à condição humana. Ainda, Magri (2009) aponta a importância do
sujeito se posicionar de forma crítica ao mundo, vivendo a sua própria existência e não a
existência dos outros, sendo estas proposições apontadas pelos autores importantes práticas
didáticas a serem adotadas pelos educadores.
O escolarizar em educação em direitos humanos a partir de Xarão (2011), Magri (2009)
e Benevides (2007) remete ao educador tratar a humanização das relações sociais, tendo por
pressuposto relações baseadas no direito a diversidade. O artigo 1º da Declaração Internacional
de Direitos Humanos de 1948, reza: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos”, este artigo deve ser a referência principal para que os educadores
identifiquem em conjunto aos membros de uma comunidade educacional o direito a educação,
ao trabalho, a saúde e demais direitos fundamentais como uma garantia da dignidade humana.
Considerando o exposto até o presente momento, compreendemos que a utilização
do cinema como possibilidade formativa pode oportunizar a discussão em torno de temáticas
envolvendo o gênero, a diversidade sexual, a participação política, a cidadania, o meio-
ambiente, a tecnologia, a etnia, o racismo e outras temáticas quais sejam correlatas a
afirmação e reconhecimento da dignidade humana.
O cinema pode ser considerado como um dispositivo didático de práticas
educacionais na escola, que permitirá ao educador promover a sensibilização, as reflexões e
novas possibilidades de relacionamento entre os indivíduos envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem, pois as temáticas específicas que aludem à dignidade humana
proporcionam uma descolonização do olhar etnocêntrico.
2. Cinema e seus aspectos formativos na educação em direitos humanos e diversidades
A didática tem como premissa adquirir no espaço escolar, na sala de aula, fundamentos
que orientem o professor na tarefa de ensinar o aluno, procurando maneiras e recursos para que
o processo de ensino-aprendizagem seja, de forma dialogada e multicultural, um canal por onde
novos conhecimentos se apresentarão na interação professor-aluno. Frente a isso, compreende-
se que a metodologia de ensino seja um conjunto de regras e normas prescritivas, mas não
delimitantes, visando à orientação do ensino do aluno (VEIGA, 1993).
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Particularmente, no ensino da Sociologia, a Secretaria de Educação Básica (2006)
orienta a admissão de estratégias didáticas para a aprendizagem do aluno. Essas motivações
entrecruzam-se com os saberes correntes na educação em direitos humanos e diversidades, por
que, justamente, novas paisagens humanas serão validadas no exercício de recorrer a novos
dispositivos didáticos. Sendo assim, além da aula expositiva e de seminários, o professor pode,
para desenvolver o senso crítico e novas leituras socioculturais em seus alunos, optar por
excursões, visitas à museus, parques ecológicos, leitura e análise de textos, vídeo, televisão,
fotografia, charges, cartuns, tiras e, como abordaremos neste trabalho, o cinema.
O cinema como ferramenta de ensino tem sido utilizado em diversas realidades
escolares (RIZZO JUNIOR, 2011; LIMA, 2013). Cada vez mais, os professores estão
aderindo ao uso da linguagem cinematográfica para provocar a discussão em torno de
temáticas envolvendo sexualidade, política, meio-ambiente e, neste caso, a educação em
direitos humanos. Nesse sentido, este trabalho compreende o cinema como instituição social
(COSTA, 2003), funcionando como uma representação das relações sociais e da significação
dos discursos proferidos na sociedade.
Como instituição, o cinema também incorpora noções estabelecidas na sociedade, códigos,
representações, signos, sentidos históricos e culturais estabelecidos nas convenções idealizadas nas
interações sociais. Em suma, antes de tudo, para utilizar o cinema como um dispositivo que angarie
discursos no campo da educação em direitos humanos e na desconstrução dos marcadores sociais
da diferença1, precisa-se igualmente entende-lo como arte que repercute ideologia e construção de
espacialidades representativas em seu discurso fílmico.
Visto isso, as possibilidades formativas do cinema são múltiplas. De acordo com
Almeida (2014), existem duas formas de abordar o cinema em sala de aula, sendo uma como
àquela que é a exposição do mundo, ou seja, analisando as diferentes repercussões
representacionais que a linguagem cinematográfica atinge na encenação no produto
1 “Problemas sociais e problemas de pesquisa sócio-antropológica especificam-se crescentemente em sujeitos de
direitos minoritários referidos a marcadores de raça, etnia, gênero e orientação sexual, que passam a ocupar de modo
inédito a agenda política e acadêmica do país. Ao se penetrar no labirinto da produção de categorias identitárias e
formas de discriminação associadas àqueles marcadores de diferença, é possível perceber como a produção do saber
vem atuando e sendo incorporada aos movimentos sociais em questão. Trata-se, portanto, não apenas de reelaborar
questões clássicas e recorrentes sobre miscigenação, erotismo e nação, mas também refletir sobre o impacto das
políticas de identidade e de ações afirmativas, percorrer o embate entre políticas de escopo universalista e políticas
de promoção de direitos especiais, bem como buscar a compreensão renovada de convenções, representações e
sociabilidades associadas a raça, etnia, religião, deficiência, sexualidade e gênero” (NUMAS, 2012, p. 349).
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audiovisual, e outra como problematização do mundo, desmistificando as variadas facetas
da realidade fílmica e da realidade real, representada como tal na imagem cinematográfica.
É deveras importante ressaltar a noção de realidade que o cinema proporciona para
os espectadores. Logo, o professor tem como função desconstruir, junto com os alunos, a
imagem, relativizando as noções fomentadas pelo que é posto na narrativa audiovisual.
Nesse sentido, é preciso evitar o ditame de que o cinema é uma representação da realidade.
Ele é mais do que isso, o cinema é uma representação da realidade que ressignifica e que
cria, em seu discurso, uma realidade, um espaço fílmico que oriunda histórias fantásticas;
releituras da realidade e do imaginário.
Dito isso, o cinema tem uma importância formadora, de espectadores preocupados
com a leitura do que está inscrito na imagem. Segundo Fresquet (2013, p 123):
O cinema [...] alarga nosso conhecimento do mundo, do tempo e de nós
mesmos. A possibilidade de identificar essa relação entre mim e o outro,
mediada pela câmera, constitui uma mola para ativar a tensão entre dois
estados cuja potência pedagógica o cinema movimenta com especial
competência: crer e duvidar. Transitar entre esses dois polos que
paralelamente nos aproximam de certa materialidade do real para o infinito
do imaginário exercita a inventividade de ensinantes e aprendentes em dois
gestos fundadores da educação: descobrir e inventar o mundo.
Como aspecto formativo de espectadores críticos por meio do cinema, entendemos
que a realidade escolar atravessa algumas dificuldades, tanto estruturais quanto conceituais.
Muitas vezes as instituições de ensino não possuem estrutura para a exibição de filmes e
vídeos para a ilustração do conteúdo do professor; e, além disso, o próprio professor não tem
formação suficiente para realizar a devida desconstrução do produto audiovisual exibido.
Assim, o longa-metragem ou, mais comumente, o curta-metragem termina por não reaver os
aspectos formativos que apresentamos anteriormente, por que justamente perpassa a falta de
estratégias de uma orientação pedagógica audiovisual.
Contudo, as possibilidades formativas do cinema são várias, não se restringindo ao
campo educacional, mas funcionando como um leque nos campos institucionais. O cinema tem
na experiência estética a relação entre espectador-filme no momento em que as nuances
artísticas do filme atingem o primeiro, gerando identificação ou repúdio; imersão do imaginário,
que por meio da similitude o espectador orienta-se na narrativa fílmica; modelos de existência,
na medida em que os arquétipos recorrentes abrangem medidas de identificação/projeção; e
formas de pensamento, na função de ensinar a pensar de modo plural (ALMEIDA, 2014, p. 16).
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Em suma, Almeida (2014, p 15) afirma:
É esse exercício de nos situarmos constantemente de outra vez no mundo,
porque um filme nos des-orientou, nos des-situou, que constitui o caráter
formativo do cinema. A equação entre a somatória desses momentos, a
subtração de outros tantos, tudo multiplicado pelos discursos que nos
atravessam, é que resultará nos nossos itinerários de (auto) formação.
Tomando a escola como um espaço por onde o indivíduo sofre influências culturais
e políticas no seu processo de formação, ela igualmente precisa se inteirar das novas
dinâmicas socioculturais envolvidas com a construção de identidades dos jovens alunos. O
cinema é um fator determinante na construção da juventude pós-moderna, que se vê
bombardeada de informações por todos os dispositivos de comunicação hoje existentes.
Neste sentido, é importante a fusão entre o cinema e a educação escolar, “[...] porque traz
para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e
fundamental: participante ativa da cultura e não repetidora e divulgadora de conhecimentos
massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados” (ALMEIDA, 2001, p. 48).
Além disso, muito correntemente são construídos estereótipos sobre o negro e a
mulata, o homossexual masculino e o comportamento afeminado, a mulher brasileira e o
desejo, o pobre e a desigualdade social, fatores que estão imbricados quando as questões
permeiam os debates envolvendo política e sociedade. O senso comum, a cultura popular e os
discursos dos alunos devem ser incitados, motivados; o espaço da sala de aula necessita cada
vez mais de liberdade de expressão mediada pela posição do professor. O cinema, nesta etapa,
vai além de uma mera ferramenta ilustrativa do tema em questão; ele abre novos campos de
discussão, problematiza conflitos sociais e interpela o espectador em sua posição de ouvinte.
Considerações
Os resultados do ensaio apontam para a Educação em Direitos Humanos como uma
política educacional que pode colaborar nas abordagens das políticas da(s) diversidade(s)
nos processos de escolarização. Ainda aponta a necessidade de implementação do plano
nacional de Educação em Direitos Humanos (2013) e das referências e diretrizes da
Educação em Direitos Humanos (2007), por oportunizarem diretrizes gerais que levam ao
conhecimento dos direitos humanos e do reconhecimento da dignidade humana.
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A abordagem didática utilizando o cinema propicia colocar em debate o
fundamentalismo societário de um modelo de família tradicional e único, os valores, as
atitudes, a defesa e promoção de uma única religião, a cristã. Trabalhar com filmes permitirá
reflexões sobre um fundamentalismo que têm colocado parcelas da sociedade em situação
de desvantagem social, como o negro, o homoafetivo, a mulher, os espíritas, o filho de santo
e outra(s) diversidade(s). Os resultados apontam ainda a didática a ser desenvolvida com
base na Educação em Direitos Humanos mediada pelo cinema, como um desvelar da(s)
diversidade(s) como anomalia e sim as coloca como uma construção social.
O recurso didático de filmes em sala de aula para gerar diálogo com os alunos sobre
questões de direitos humanos e diversidades, em síntese, precisa estar regimentada numa
abordagem inter e multidisciplinar entre os campos do conhecimento. Mais do que qualquer
outra arte, o cinema possui a junção de diversas realidades sociais, pois é, ao mesmo tempo,
uma arte antropológica, sociológica e política; logo, é uma linguagem ideológica e repleta
de convenções orientadas pelo imaginário social. O profissional da educação escolar que
estiver no encalço da busca de ferramentas de ensino, neste caso o cinema, terá que se
orientar na leitura e análise de filmes junto com os seus alunos, principais atores sociais e
multiplicadores da reflexão em direitos humanos.
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APONTAMENTOS SOBRE ETNICIDADE NA ESCOLA
Yamilia Siqueira Bolsista Pibid Ciências Sociais - UFES
Larissa Pinheiro Bolsista Pibid Ciências Sociais - UFES
Resumo: Neste artigo apresentaremos alguns apontamentos a respeito de como se processa o ensino de
história e cultura afro-brasileira nas escolas, tendo como referência EEEM Professor Fernando Duarte
Rabelo, localizada em Vitória/ES, ligada ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(Pibid) do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Antes disso,
apresentaremos como o movimento negro se articulou em favor dessa política educacional; a
regulamentação e complementação da legislação e os desafios de sua aplicabilidade nas escolas brasileiras.
Palavras-chave: etnicidade; história e cultura afro-brasileira; Pibid.
Abstract: In this article we present some notes about how is handled the teaching of History and
African-Brazilian culture in schools, with reference the school EEEM Professor Fernando Duarte
Rabelo, located in Vitória/ES, which is linked to the Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a
Docência (Pibid) of Social Sciences course at the Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Before that, we are going to present how the black movement was articulated in favor of educational
policy; regulation and completion of the law and the challenges of its applicability in Brazilian schools.
Keywords: Ethnicity; History and African-Brazilian culture; Pibid.
Introdução
A Lei nº 10.639/2003 e as relações étnico-raciais na escola surgiram como tema
devido à vontade de nos aproximarmos dessa área, haja vista que se discute nas
universidades a sua baixa inclusão nos currículos das escolas o que forma por si só um objeto
de estudo. Também a escolha pela temática ocorreu devido à nossa inserção na escola através
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no curso de Ciências
Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Dessa forma, o tema se apresenta
como de grande relevância para os nossos estudos1.
De um modo geral, acompanhando a rotina escolar na EEEM Professor Fernando
Duarte Rabelo foi constatado um déficit com o tema das relações étnico-raciais, de fato,
trata-se de um tema urgente a ser debatido na escola. Nosso objetivo neste artigo foi
1 Este artigo é resultado de reflexões realizadas durante as aulas de Política e Organização da Educação Básica,
Instrumentalização de Ensino de Antropologia, Estágio Supervisionado I e Antropologia da Etnicidade, na
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
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identificar como se apresenta a etnicidade em uma escola pública da Grande Vitória e como
a escola se desenvolve em relação à Lei nº 10.639/2003. Depois de quase dois anos
acompanhando a rotina escolar foi percebida a existência de muitos problemas ligados às
diferenças étnico-raciais que se manifestam em bullying, por vezes, aparente, por vezes
submerso. Ao mesmo tempo se percebeu uma reação por parte de alunos afrodescendentes
no sentido de afirmação de uma identidade e de um pertencimento a um determinado grupo
social. Esse será o recorte do nosso artigo.
A disciplina de Sociologia no Ensino Médio tem sido a porta para discutir temas da
diversidade, sendo que neste ano está se promovendo um projeto que visa discutir os efeitos
das desigualdades étnico-raciais no país e refletir acerca das posições sociais dos negros e
negras no contexto brasileiro. Esse trabalho na escola teve como pano de fundo alguns
acontecimentos na escola ocorridos no ano passado relacionados a preconceito e racismo
contra estudantes afrodescendentes que será discorrido mais à frente.
Como mencionado anteriormente, o projeto foi realizado na Escola Estadual de
Ensino Médio Professor Fernando Duarte Rabelo, localizada na Praia de Santa Helena,
Vitória/ES. A escola está situada geograficamente em um bairro considerado nobre da
capital, no entanto, a sua clientela é formada por alunos de nível socioeconômico baixo a
médio, oriundos de regiões próximas e distantes da escola. Há uma peculiaridade desta
escola o fato dela não ser uma escola de bairro. Por ser considerada uma escola modelo
referência de ensino, trata-se de uma escola muito procurada. Por isso, chegam alunos de
diferentes localidades da Região Metropolitana da Grande Vitória.
A análise deste processo ocorreu sob um olhar antropológico, tendo como metodologia
de pesquisa a etnografia com observação participante, objetivando compreender as
interferências tanto internas quanto externas que afetam a etnicidade de um determinado grupo
social. O artigo tem como referencial teórico autores da disciplina da área de educação que
discutem o tema das relações étnico-raciais, assim como análises de antropólogos como Barth
(2005), Hannerz (1997) e Sahlins (1997) que discutem o tema da etnicidade.
Para chegarmos ao universo da escola em si, pretendemos inicialmente fazer um
percurso da inserção da temática das relações étnico-raciais nas escolas que se inicia com a
promulgação da Lei nº 9.394/1996 que inclui no currículo a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, que foi alterada a posteriori pela Lei nº
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10.639/2003 que por sua vez foi complementada pela Lei nº 11.645/20082. Em linhas gerais,
será abordado os seus antecedentes, incluindo a luta do movimento negro a favor dessa política;
as mudanças na legislação no governo Lula e os desafios de sua aplicabilidade nas escolas.
1. Os antecedentes e a luta do movimento negro
O movimento negro foi constituído há muito tempo, formando um dos mais
importantes movimentos na sociedade brasileira, a exemplo dos quilombos que se tornaram
verdadeiros símbolos de resistência. Com o fim da escravidão e o início do trabalho livre, os
negros foram inseridos na lógica do sistema capitalista com base no mito da democracia
racial3 que acabou por construir uma naturalização da desigualdade racial no Brasil.
Contudo, foram se constituindo, dentro do movimento negro, espaço de organização,
diversas associações, além de clubes recreativos e culturais que buscavam solidariedade e
cooperação mútua e com preocupação com as novas questões como acesso ao trabalho, à
educação e contra a desigualdade racial (DA ROCHA, 2006).
Desde o início, uma das bandeiras de luta do movimento negro foi o estabelecimento
de uma educação plural e inclusiva. Muitos foram os exemplos de ações em favor disso, com
destaque para Frente Negra Brasileira, na década de 1930, que lutava por uma educação que
contemplasse a História da África e dos povos negros, além disso, que combatesse práticas
discriminatórias na escola. Uma década depois, o Teatro Experimental do Negro (TEN)
começou a discutir as primeiras propostas de ação afirmativa no país. Em 1978, o
Movimento Negro Unificado (MNU) já defendia a inclusão da história da África e do negro
no Brasil no currículo escolar. Nesse período o movimento negro contou com o apoio de
Florestan Fernandes, que juntamente com outros estudiosos brasileiros se lançavam contra
o mito da democracia racial (BRASIL, 2013).
Na década de 1980, as reivindicações do movimento negro se juntaram com a luta
dos trabalhadores por direitos sociais. Nesse mesmo período, o movimento negro contribuiu
com o texto da Constituição de 1988 que estabeleceu ineditamente o crime de racismo, além
disso, definiu a demarcação territorial das comunidades quilombolas, estabeleceu a proteção
2 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. 3 “[...] Tentativa da elite brasileira esconder ou minimizar os efeitos da escravidão e da inserção do negro no
capitalismo brasileiro” (DA ROCHA, 2006, p. 25).
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às manifestações da cultura afro-brasileira e incluiu no currículo de história as contribuições
das diversas culturas e etnias à formação do povo brasileiro (DA ROCHA, 2006). Essa
mesma década foi rica em termos de discussão entre o Movimento Social Negro, intelectuais
e pesquisadores da área da educação sobre a necessidade de um currículo que refletisse a
diversidade étnico-racial da sociedade brasileira (BRASIL, 2013).
Mesmo após a Constituição de 1988 que foi estabelecido o crime de racismo, não
ocorreu de fato efetivas medidas desejadas para o combate às desigualdades raciais, “[...]
mas contabiliza o mérito de ter simbolicamente, através da inclusão da questão racial como
tópico no debate público, auxiliando na problematização de certo ‘desconforto’ quanto à
defesa da democracia racial” (VIEIRA, 2007, p. 89).
Destaca-se a marcha “Zumbi dos Palmares4”, em 1995, que contou com dezenas de
milhares de manifestantes. Segundo Brasil (2013) a marcha “[...] representou um momento
de maior aproximação e reivindicação com propostas de políticas públicas para a população
negra, inclusive com políticas educacionais, sugeridas pelo governo federal”. A partir dessa
década vários sindicatos incorporaram o tema racial em suas agendas, o que gerou uma
denúncia na Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a existência da
discriminação racial no mercado de trabalho (DA ROCHA, 2006).
A criação do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) em 1996 foi o primeiro
documento oficial a inserir em seus pressupostos a proposta de realização de ações afirmativas
tendo avançado na discussão de políticas de igualdade por adotar a doutrina da proteção
internacional dos direitos humanos, com base nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
Pré-vestibulares para negros e carentes foram adotados com o objetivo de preparar grupos
excluídos para o ingresso a universidade, tais iniciativas influenciaram a abertura de cotas para
estudantes afrodescendentes nas universidades públicas (VIEIRA, 2007).
Ainda nesse período destacamos a atuação parlamentar do senador Abdias de
Nascimento e da senadora Benedita da Silva, lideranças nacionais do movimento negro que
apresentaram proposições dentro da legislação oriundas do próprio movimento. Aumentou
bastante nesse período o número de estudos e pesquisas sobre a situação racial no país,
muitos financiados por organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (DA ROCHA, 2006).
4 Reuniu aproximadamente trinta mil pessoas no dia 20 de novembro, em Brasília. A finalidade do ato foi
denunciar a ausência de políticas públicas para a população negra.
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Estudos especialmente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os
do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), conquistaram destaque ao abordar
a relevância do componente étnico-racial no entendimento do quadro de pobreza e exclusão
social do país, o que contribuiu para as teses defendidas pelo movimento negro e a
reivindicação de políticas afirmativas que começaram a ser lançadas nesse período. Um dos
destaques no campo do ensino foi à inclusão da temática diversidade como um tema
transversal dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 2000 (DA ROCHA, 2006).
A III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata, ocorrida em Durban, na África do Sul, no ano de 2001 foi um marco
nas discussões sobre as relações raciais no Brasil. A partir disso, ocorreu um tratamento
diferenciado da questão racial, sendo incluída como prioridade na pauta das políticas
públicas no país (BRASIL, 2013). Foram formuladas políticas de ação afirmativa, com
destaque para as cotas para ingresso nas instituições públicas de ensino superior destinadas
a negros e indígenas (LIMA; CASTILHO, 2010).
Foi durante o governo Lula5 que foi assinada a Lei nº 10.639/03 que institui a
obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira (DA ROCHA,
2006)6. Com isso, o ensino de História e Cultura Africana no sistema de Educação Básica em
disciplinas específicas de História, Português e Artes se tornou obrigatória. A lei é fruto de um
processo que visa à retificação histórica de um currículo oficial que perpetuou a cultura e as
raízes ancestrais de parte considerável da população brasileira em silêncio (SANTOS, 2010).
Segundo Dias (2004 apud DA ROCHA, 2006), tratou-se de uma resposta às antigas
reivindicações do movimento negro, o que favoreceu o governo, pois esse intento dificulta
que este segmento da sociedade causasse algum constrangimento no início da gestão petista.
Ainda assim, o governo sofreu pressões internas e externas que impossibilitaram a criação
do órgão responsável por promoção de igualdade racional, tão almejado, o que veio a ser
criado um pouco mais tarde.
5 Nesse mesmo período o governo sofreu com a reforma universitária que foi bastante criticado, pois de fato se
desenvolveu dentro um programa controverso (PROUNI), na medida em que se instituíam políticas públicas
para jovens pobres e excluídos do ensino superior, mas através do setor privado de ensino, por meio de parcerias
público-privadas, o que levantou protestos do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior (Andes) e do próprio movimento negro que por sua vez ficou dividido. A grande expectativa do
movimento negro é aprovação do Estatuto da Igualdade Racial que traz em seu bojo o direcionamento mais
recente do movimento que é de ocupar os espaços na vida social brasileira (DA ROCHA, 2006). 6 Em março de 2008, o artigo 26-A obteve uma complementação em sua redação: acrescentou a obrigatoriedade do
ensino de história e cultura indígena, além da história e Cultura Afro-Brasileira dando origem a Lei nº 11.645/08.
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A promulgação da Lei nº 10.639/03 foi importante, mas o movimento negro não se
deu por satisfeito. Foram realizadas reuniões em vários lugares do país, enquanto as
entidades negras reclamavam a presença de uma estrutura no primeiro escalão do governo.
No mesmo ano, o presidente Lula criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de
Igualdade Racial (SEPPIR)7, com status de Ministério, assumindo uma representante do
movimento negro, Matilde Ribeiro. Nesse período o governo se externou em relação à
necessidade de se desenvolver políticas públicas afirmativas (DA ROCHA, 2006).
Todo esse debate visou contribuir para a compreensão de todo o processo histórico e
cultural relacionada não apenas as relações de trabalho, mas também com as políticas
afirmativas que abrem espaço para o ‘resgate da identidade e autoestima dos integrantes da
comunidade afrodescendente brasileira’ que condicionara a fomentação ‘um sentimento de
pertencimento a um povo’ (SANTOS, 2010, p. 42).
2. As dificuldades de aplicação da Lei nº 10.639/03 nas escolas
A literatura narra várias dificuldades de aplicação da lei nas escolas. Com o
sancionamento da Lei nº 10.639/03 e posteriormente a Lei n° 11.645/08 foram implantadas as
“políticas curriculares oficiais que não costumam ser um reflexo do pensamento de docentes e
demais pessoas ligadas ao cotidiano escolar” (SANTOS, 2010, p. 43), uma vez que raramente
essas pessoas são inseridas nas discussões de novas propostas governamentais.
As políticas curriculares, além de trazerem um conjunto de prescrições a serem
implantadas pelas escolas, chamam a atenção, segundo Goodson (2005, apud SANTOS, 2010)
pelo fato de o currículo escrito ser apenas um documento legal, evidenciando as intenções políticas
e uma estrutura institucionalizada da escolarização. Quando apresentado aos professores o
currículo documental passa de pré-ativo em ativo, pois os professores são convocados a se
enquadrarem na lógica de legitimação desse currículo. A fim de adaptar as mudanças propostas
sem que haja rejeição e se torne alvo de resistência, assim como foi o currículo oficial, o governo
dispõe de um meio considerado complementar ao processo oficial, sendo este o livro didático. Os
livros didáticos rapidamente foram adequados aos padrões dos conteúdos relativos à nova proposta
7 A SEPPIR é responsável pela formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção
da igualdade racial e proteção dos direitos dos grupos raciais e étnicos discriminados, com ênfase na população
negra. No planejamento governamental, à pauta da inclusão social, foi incorporada a dimensão étnico-racial e, ao
mesmo tempo, a meta da diminuição das desigualdades raciais como um dos desafios de gestão (BRASIL, 2013).
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por envolver questões mercadológicas passando os conteúdos relacionados por um filtro
governamental, sendo previamente selecionados (SANTOS, 2010).
É notório retratar o papel do livro didático, pois ele é a principal ferramenta didática
utilizada em sala de aula pelos professores, principalmente, para alunos de classes populares.
“Para as crianças empobrecidas, esse livro ainda é, talvez, o único recurso de leitura na sua
casa, onde não se compram jornais e revistas” (DA SILVA, p. 23, 2005). A criança negra no
livro didática era inferiorizada expandindo a teoria do branqueamento efetivada por uma
expressão de negatividade da raça negra em detrimento da superioridade de determinada raça.
A lei por si só não seria suficiente para mudar ou inserir uma nova prática escolar, segundo
Chervel (1990, apud SANTOS, 2010), seria necessário que a lei atendesse alguma realidade do
universo escolar libertando-a da demanda de satisfação dos poderes públicos. Em relação ao
conteúdo abordado desde o século XIX, principalmente, na disciplina de História, o negro é
apresentado como um elemento estrangeiro incorporado à cultura nacional, sendo retratado de
forma ‘folclorizada e pirotesca’, segundo Fernandes (2005, apud SANTOS, 2010, p. 49) que
argumenta a falta de valorização a diversidade étnico-cultural da formação do nosso país.
E para mudar ou intervir nessa visão não é suficiente à implementação da Lei nº 10.639/03
por si só. Para que ganhe vida, necessária uma revisão do trabalho docente, a partir da sala de aula.
Apesar das dificuldades, felizmente, alguns professores têm feito um esforço para inserir temas
ligados às questões étnico-raciais em suas práticas, como afirma Gomes (2002, p. 40):
Aos poucos, os educadores e educadoras vêm interessando-se cada vez
mais pelos estudos que articulam educação, cultura e relações raciais.
Temas como a representação do negro nos livros didáticos, o silêncio sobre
questão racial na escola, a educação de mulheres negras, relações raciais e
educação infantil, negros e currículo, entre outros, começam a ser
incorporados na produção teórica educacional.
Certamente, para que a Lei nº 10.639/03 surta efeito, necessário o investimento na formação
de professores que necessita de um modo geral de uma “[...] reorganização tanto em termos de
conhecimento, como em termos pedagógicos” (OLIVEIRA, SALES, GOUVÊA, 2014, p. 21). Essa
demanda se realiza devido a um passado pedagógico eurocêntrico, e, com isso, exige-se uma tomada
de posição política, epistemológica e identitária, de forma a possibilitar um diálogo entre diferentes
conhecimentos, culturas e sujeitos históricos (OLIVEIRA, SALES, GOUVÊA, 2014).
Todavia, na prática, as dificuldades de efetivação da lei justificadas pelos professores
apontam falhas em relação à falta de formação acadêmica inicial, falta de formação
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continuada, falta de materiais necessários que não dão suporte para o professor trabalhar o
conteúdo em aula. Outras dificuldades são levantadas devido a questões de conflito pessoal e
ideológico dos próprios professores levantadas por Rocha (2009, apud SANTOS, 2010). Essa
restrição em relação ao processo de adequação à lei mantém uma ‘impressão de concordância’
(SANTOS, 2010, p. 52) da aplicabilidade da lei, pois a ausência de indagação e o silêncio
impedem propostas pertinentes para soluções dos devidos casos de discordância à própria lei.
Independentemente de qualquer uma dessas dificuldades apresentadas para que a Lei
nº 10.639/03 obtenha resultados, necessário um esforço dos docentes e das instituições
formadoras, no sentido de se colocarem como protagonistas para a implementação desse
dispositivo legal, pedagógico e político. Para que haja inclusão da diversidade, necessária a
implantação de ações de natureza política, acadêmica e também pessoal para superar as
ausências, invisibilidades e concepções hegemônicas do currículo sobre relações étnico-
raciais que ainda se fazem presentes (OLIVEIRA, SALES, GOUVÊA, 2014).
Nas próximas linhas traremos algumas considerações sobre a etnicidade e a escola.
3. Analisando a etnicidade na escola
No trabalho de campo na escola de ensino médio foi constatado que de um modo
geral se percebe uma falta de debate na escola a respeito dos estudos referentes aos elementos
da cultura negra. Na maior parte das vezes ou quase sempre se assume a cultura do branco
como algo legítimo ou a única a ser considerada, restando ao negro estar numa posição de
inferioridade na busca do conhecimento de suas próprias origens. Com isso, a história negra
fica de lado e se conserva a postura eurocêntrica no exercício da educação.
Além disso, pela falta de conhecimento e o tema não ser devidamente
problematizado, não ultrapassamos a visão simplista do senso comum e a cultura negra acaba
assumindo na maior parte das vezes um caráter pejorativo. Esse problema é reproduzido
todos os dias em sala de aula e, de um modo geral, a escola não dá conta de problematizar o
assunto. Ao mesmo tempo, se percebe que alunos negros se esforçam na tentativa de se criar
estratégias de resistência e de autoafirmação de sua identidade, principalmente em termos
estéticos o que pode ser constatado na escola.
O Ensino Médio é a etapa de ensino da Educação Básica com menor cobertura e
maior desigualdade entre negros e brancos:
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Segundo dados do Censo do IBGE/2010, 54% da população negra não
havia completado o ensino médio. No ensino médio, a taxa de estudantes
é de 52,4% brancos e a de negros, 28,2%. Acreditamos que a Educação das
Relações Étnico-Raciais pode contribuir para a ampliação do acesso e
permanência de jovens negros e negras no ensino médio e possibilitar o
diálogo com os saberes e valores da diversidade (BRASIL, 2013, p. 51).
E o que vem a ser etnicidade? Segundo Barth (2005, p. 01) “o contraste entre ‘nós’ e os
‘outros’ está inscrito na organização da etnicidade: uma alteridade dos demais que está
explicitamente relacionada à asserção de diferenças culturais”. Como a etnicidade acontece na
escola? O discurso pedagógico ao privilegiar a questão racial, não gira somente em torno de
conceitos, disciplinas e saberes escolares, mas também aborda a questão do negro referindo-se ao
seu pertencimento étnico, à sua condição socioeconômica, à sua cultura, ao seu grupo geracional,
aos valores de gênero, etc. A partir desses discursos, consciente ou inconscientemente sobre o
corpo do negro que são reproduzidos estereótipos e preconceitos (GOMES, 2012).
E já sabemos uma das origens disso. Entender os grupos étnicos em termos de raça é ter
uma visão essencialista que não leva em consideração a centralidade das relações entre os grupos
e as diversas culturas espalhadas no mundo. As formulações sobre os grupos étnicos se centram
na identificação de determinadas características fenotípicas. Esse tipo de entendimento foi
superado, tanto por parte da Antropologia quanto da Biologia. Destacamos os trabalhos de Franz
Boas, Lévi-Strauss e Clifford Geertz. No entanto, a ideia de raça não só funcionou como tese
científica sobre as características biológicas distintas, mas também como ideologia e fundamento
para os vários tipos de preconceito e formas de racismo8 (LIMA; CASTILHO, 2010).
O que acontece é que o racismo continua com muita força agindo sobre o senso
comum e nas concepções dominantes dentro das sociedades ocidentais. Constatamos essa
repercussão na escola. Pudemos vivenciar por diversas vezes opiniões e atitudes racistas em
sala de aula. As aulas de Sociologia buscam todo tempo acabar com certos estereótipos e
estigmas sociais, o que dá muito trabalho porque as visões de mundo são muito arraigadas.
No ano passado, a escola teve uma situação de bullying contra uma aluna negra que ganhou
uma competição que escolhia representantes estudantis da escola.
O fato ganhou notoriedade nos corredores da escola e nas redes sociais. Não vimos por
parte da escola uma atitude mais enérgica de tratar a situação, o que caiu na impunidade. Havia
8 O racismo como ideologia justificou as arbitrariedades e os desmandos do colonialismo nas Américas e na
África, estabelecendo a raça negra como um dos seus alvos principais, juntamente com os povos indígenas
(LIMA; CASTILHO, 2010).
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vários quesitos na escolha desses alunos. Não se tratava apenas de um concurso de beleza. A aluna
é reconhecida pelo corpo docente por ser uma ótima aluna. No momento em que a aluna foi
escolhida foi vaiada e alvo de comentários maldosos de cunho preconceituoso e racista do tipo de
que a aluna estaria se valendo de cotas raciais – algo visto como demérito pela maioria dos alunos.
Mas, nos perguntamos quem é o aluno do Ensino Médio? É em sua maioria formada
por alunos proveniente da periferia da Grande Vitória e de origem afrodescendente. Então,
por que reproduzem preconceito e racismo se eles mesmos são alvos de preconceito e
racismo também? Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola, a referência familiar se
divide entre os pais responsáveis diretos pelo sustento e manutenção da estrutura familiar, e
a ocupação deste papel por avós maternos, em sua maioria. Havendo em raros casos a
presença de avós paternos como agentes mantenedores da instituição familiar. O nível de
escolaridade dos pais é variável, bem como a situação econômica, tendo em vista
transferências de local de trabalho e remanejamentos para empresas que investem na sua
formação educacional como prioridade para promoções nas mesmas. Havendo, contudo, um
índice considerável de pais analfabetos e desprovidos de uma renda que dê condições de
sustentos e manutenção de familiares, favorecendo com isso uma inserção dos alunos no
mercado de trabalho (como menores aprendizes ou estagiários) e outros em busca de
qualificação e habilitação para conquistar e/ou garantir a permanência no trabalho.
Como dito anteriormente, há uma peculiaridade desta escola que não é uma escola
de bairro. Essa falta de vínculo com a comunidade faz com que essa escola não seja
considerada de bairro, mas central, por atender a região metropolitana. Trata-se também de
uma escola modelo no sistema de ensino estadual também o porquê de ser tão procurada.
Seus alunos são em sua maioria de origem africana, ou seja, afrodescendentes ou afro-
brasileiros. Então, nos perguntamos como esses alunos são capazes de reproduzir
preconceito? Aparentemente existem mais igualdades do que diferenças entre esses alunos.
Contudo, segundo Brasil (2013) o uso do termo étnico na expressão étnico-racial
significa “[...] marcar as relações tensas advindas das diferenças na cor da pele e nos traços
fisionômicos. Demonstra, ainda, a raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que
difere em visão de mundo, valores e princípios das de origem indígena, europeia e asiática”.
A partir desse entendimento, necessário demarcar o uso dessa expressão nas políticas sociais
e tudo do que dela advém, como os próprios projetos escolares.
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Ainda assim, parece se formar na escola um grupo de alunos, mesmo que de diferentes
turmas e séries que compartilham das mesmas práticas, representações, símbolos e rituais por
meio dos quais o jovem busca demarcar sua identidade juvenil. Assim, acaba formando uma
espécie de tribo, algo comum e típico da condição juvenil. Eles agem apropriando-se de uma
cultura da qual acreditam fazer parte e juntos lutam contra formas impostas por outras culturas
e pela restauração de suas origens e tradições (SAHLINS, 1997). Não é um grupo somente, mas
vários grupos dentro da escola, dentre eles de jovens afrodescendentes.
Percebemos que os alunos se reúnem no pátio da escola durante o recreio em dias
específicos da semana por iniciativas próprias para realizarem duelos de hip-hop formando
grupos juvenis que se reconhecem dentro de determinada cultura, sendo a maioria formada
por alunos afrodescendentes. Reconhecemos que “a cultura possui fronteiras móveis e em
constante expansão. Tampouco é conjugada no singular, posto que é plural, marcada por
intensas trocas e muitas contradições nas relações entre grupos culturais diversos e mesmo
no interior de um mesmo grupo” (GUSMÃO, 200, p. 16).
Logo após o ocorrido, foram afixados vários cartazes em vários locais da escola com
as seguintes mensagens supostamente colocados por alunos9:
Meu cabelo crespo, minha identidade, minha raiz!
Portanto, respeite-o.
Que cabelo é este?
Cabelo que conhece suas raízes;
Cabelo que não se esconde mais;
É o nosso cabelo político;
Cabelo crespo.
Gomes (2002) coloca a importância da trajetória escolar na construção da identidade
negra, mas, infelizmente, essa construção tem relação com o reforço de estereótipos e
representações negativas em relação ao padrão estético, como falado anteriormente. A autora
questiona se este é o padrão de beleza presente nas escolas hoje. Segundo ela mesma aborda,
o padrão de beleza é baseada na ‘brancura’, mesmo sendo uma sociedade miscigenada como
a nossa. A partir dessa constatação coloca se isso afeta ou não nossa vida nas diferentes
9 Até uma chapa que concorria ao grêmio estudantil na escola fez sua campanha apoiando essa causa colocando
em um dos seus cartazes: “meu cabelo é bom, ruim é o racismo”. A aluna que foi alvo de racismo, no caso, usa
cabelo afro o que gera estranheza por parte dos outros alunos.
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instituições sociais em que vivemos como na escola? Certamente sim. E dois elementos
ficam em evidência: a cor da pele e o cabelo.
Observamos que o cabelo entre as meninas é alvo de maior preocupação, as alunas
dos terceiros anos, por exemplo, utilizam os cabelos de modo a manter certa identidade.
Notamos que são as alunas dos terceiros anos que mantém seus cabelos crespos naturais.
Acreditamos que por estarem mais amadurecidas, tentam fugir do processo de
branqueamento. Elas usam adereços que definem seus estilos. Percebemos que as alunas
negras dos primeiros e segundos anos em sua grande maioria, entretanto, mantêm seus
cabelos lisos ou presos, seguindo um padrão de beleza predominante.
Mas, por que esses alunos não se reconhecem como negros? A resposta se inicia com o
processo de branqueamento pelo que passou a população brasileira após a abolição da escravatura.
O governo promoveu a imigração maciça de europeus considerados agentes mais eficazes de
acelerar a passagem do Brasil agrícola e rural para o capitalismo industrial e urbano. O Brasil do
pós-abolicionismo colocou o negro de lado. Aliada a esse fato, dados do IPEA indicam o fosso
existente entre a população afrodescendente e a não negra, restando aos negros patamares mais
baixos da pirâmide social. Ainda por cima a atuação da televisão e da publicidade reproduzem os
padrões de beleza dos astros e estrelas de Hollywood (LOPES, 2008).
Por essas e outras razões não citadas existe uma resistência por parte de alguns alunos
de não se identificarem como negros e tomarem uma atitude negativa contra uma colega de
escola. Os alunos não se viram representados pela colega, e, talvez, se sentiram confrontados
com a ideia de quem são eles próprios. São muitas questões que são colocadas a respeito
deste assunto e o problema do preconceito é patente, mesmo quando se vê a ascensão social
de negros em nossa sociedade.
Por outro lado, o conceito de etnicidade também é contra a tendência à reificação e
objetivação do conceito de cultura como base de identificação dos grupos étnicos. Aqui está
a contribuição de Fredrik Barth que identifica como foco central da investigação dos grupos
étnicos a fronteira étnica que define o grupo, em detrimento do conteúdo cultural por ela
delimitado (LIMA; CASTILHO, 2010). O melhor termo a ser utilizado é etnicidade em lugar
de culturas para designar a construção dinâmica de fronteiras naturalizadas como diferenças
culturais (BARTH, 1995 apud PAYET, 2005).
Parece difícil conceber a ideia de fronteira cultural dentro da escola, mas, ela está presente,
tanto fora como dentro dela. Segundo Payet (2005) a fronteira vai sendo construída e depois
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cristalizada nos domínios simbólicos e visíveis como na mídia, na política e também na escola.
Todavia, não são estáticas e impermeáveis, por meio delas existem contatos e interações, com
fluxos e contrafluxos como coloca Hannerz (1997), inclusive com a presença de conflitos sociais.
Considerações Finais
A partir dos estudos realizados deste artigo percebemos o quanto foi custoso todo o
processo de inserção da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena no contexto
educacional brasileiro. Não somente em relação à legislação, mas, e principalmente, da
resistência encontrada na sala de aula por parte dos professores e das dificuldades devido à
falta de materiais didáticos. A Lei nº 10.639/03 não é somente uma questão curricular, ela é
também uma questão sociocultural, uma vez que não dispomos de meios que nos permitam
afirmar ter havido as discussões necessárias para esse entendimento. Não é o bastante criar
uma lei quando ela parece não vir de encontro às necessidades reais.
É necessária uma atuação ativa na desconstrução de estereótipos e preconceitos
relacionados ao ensino da História Africana e Indígena, devendo ser compreendido como
necessário para dar um passo adiante na tentativa de inserção da trajetória histórica dos
antepassados de parte considerável da população brasileira. Não existe um manual a ser seguido
para tratar do tema das relações étnico-raciais na escola, muito embora seja um tema obrigatório
e de essencial importância de ser debatido. Existe uma dificuldade de se discutir o tema na escola
e a disciplina que mais se coloca à disposição para tratar do assunto é a Sociologia. Trata-se de
algo que professores de outras disciplinas de um modo geral não assumem essa tarefa para si.
E também o que não pode acontecer é do preconceito e o racismo ficarem impunes,
sendo necessário comunicar situações como essas às autoridades competentes para resolver
o caso. E por fim, o que não se pode permitir é que a escola torne um lugar para a manutenção
da desigualdade racial.
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