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I CONACSO I Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos contemporâneos 23 a 25 de setembro de 2015, UFES, Vitória-ES 2207 GT 11 - EDUCAÇÃO E DIVERSIDADES Coordenadores: Prof.ª Dr.ª Andrea Bayerl Mongim (UFES) Prof.ª Dr.ª Celeste Ciccarone (UFES) Debatedores: Prof.ª Dr.ª Cleyde Amorim (UFES) Prof. Dr. Lusival Antonio Barcelos (UFPA)

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23 a 25 de setembro de 2015, UFES, Vitória-ES

2207

GT 11 - EDUCAÇÃO E DIVERSIDADES

Coordenadores:

Prof.ª Dr.ª Andrea Bayerl Mongim (UFES)

Prof.ª Dr.ª Celeste Ciccarone (UFES)

Debatedores:

Prof.ª Dr.ª Cleyde Amorim (UFES)

Prof. Dr. Lusival Antonio Barcelos (UFPA)

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DESAFIOS DA/NA PRÁTICA DOCENTE: UM ESTUDO SOBRE AS

REPRESENTAÇÕES CONSTRUÍDAS, POR DOCENTES EM FORMAÇÃO,

ACERCA DAS PRÁTICAS CULTURAIS ORIUNDOS DA AFRODIÁSPORA

Danúbia Aires de Souza FCSES

José Jairo Vieira FE/UFRJ

Débora Nascimento FCSES

Stephany C. de Freitas FCSES

Resumo: Este trabalho trata de um relato de experiência cujo objetivo foi investigar como acadêmicos

matriculados na disciplina “Danças Folclóricas e Populares” do curso de Licenciatura em Educação

Física da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo (FCSES) e do Projeto de Extensão em Dança,

interpretam e representam às práticas culturais presentes no estado. Foram realizadas visitas a Vila de

Regência e a Vila de Itaúnas, sendo possível vivenciar as comemorações do Centenário da Memória

de Caboclo Bernardo e os Festejos em homenagem a São Sebastião e São Benedito. Os dados foram

coletados por meio de registros fotográficos, produção de relatórios, além de entrevistas e

questionários. Os resultados apontam à necessidade de transcender da reflexão para a ação, no que

tange aos desafios relacionados à implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08 nos processos de

formação docente, visto que a abordagem das questões étnico-raciais na Educação Básica encontra-se

atrelada à formação inicial dos professores. Ressaltamos a importância dessa experiência com vistas à

superação de paradigmas e estereótipos historicamente fortalecidos, especificamente acerca das

práticas culturais de matriz africana, afro-brasileira e indígena, à medida que incita a reflexão sobre o

vivido, além da ressignificação do nosso olhar sobre nós mesmos, nosso povo, nossa cultura.

Palavras-chave: identidade; formação docente; práticas culturais.

Abstract: This work is an experience report which aimed to investigate how academics enrolled in the

discipline “Folk dances and Popular” of the Bachelor’s Degree in Physical Education of the Faculdade

Católica Salisiana do Espírito Santo (FCSES) andthe Extension Project in Dance, are interpreted and

represented in cultural practices present in the state. Visits were conducted in Vila de Regência and

Vila de Itaúnas, being possible experienced the celebrations of the Memory Centenary of the Caboclo

Bernardo and Celebrations in honor of Saint Sebastian and Saint Benedict. Data were collected through

photographic records, reports , as well as interviews and questionnaires. The results point to the need

to transcend from reflection to action, with respect to the challenges related through the implementation

of the law 10.639/03 and 11.645/08 in teacher training processes, as the approach to ethnic and racial

issues in Basic Education is linked the initial teacher training. We point out the importance of this

experience with a view to overcoming paradigms and stereotypes historically strengthened, specifically

about the cultural practices of African origin, African-Brazilian and Indigenous (natives), as it incites

reflection on the lived, beyond the redefinition of our view about ourselves , our people, our culture.

Keywords: identity; teacher training; cultural practices.

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Introdução

A pesquisa no cotidiano da formação docente teve como foco analisar como um

grupo de acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física da Faculdade Católica

Salesiana do Espírito Santo (FCSES) interpretam e representam as práticas culturais,

manifestadas em torno dos saberesfazeres1 artísticos, oriundos da afrodiáspora.

O presente trabalho trata de um relato de experiência, na qual propôs-se aos alunos

integrantes (bolsistas/voluntários) do grupo de estudo implementado a partir das atividades

propostas no Projeto de Extensão em Dança, juntamente com um grupo de acadêmicos

matriculados na disciplina “Danças Folclóricas e Populares”, uma visita à Vila de Regência

e a Vila de Itaúnas, com o intuito de promover uma aproximação entre os acadêmicos e as

práticas culturais que constituem o patrimônio cultural capixaba.

A intenção pela pesquisa emergiu durante as aulas desenvolvidas no Curso de

Licenciatura em Educação Física da FCSES, nas disciplinas “Teoria e Metodologia da

Dança” e “Danças Folclóricas e Populares”. Onde em uma tentativa de implementação de

elementos da cultural corporal2 de origem afro-brasileira, identificamos, a partir de relatos

dos acadêmicos, que parte considerável dos participantes desconhecia e/ou rejeitava

determinadas práticas corporais, como o jongo, o maculelê e a capoeira.

Vale ressaltar, que os acadêmicos que alegavam conhecimento das práticas, em parte a

relacionavam ao espiritismo, estranhamento esse que segundo Rodrigues (2007, p. 17) “[...] tem

origem nos modos de expressão em que são produzidas tais práticas – são tidas como marginais

por usarem alegorias (tambores, estandartes) que são comuns nas religiões afrodescendentes”. O

que contribuía para o fortalecimento do desdém e/ou brincadeiras que depreciavam os aspectos

relacionados especificamente às características culturais de origem africana de afro-brasileira.

Esses episódios contribuíram para que várias inquietações e questionamentos

emergissem. Qual a gênese da falta de conhecimento e resistência relacionada às práticas

culturais e manifestações da cultura corporal que contém imbricações com as matrizes

africana e afro-brasileira? Como não reproduzir leituras e discussões estereotipadas sobre o

1 Apoiamo-nos em Alves (2004) ao propor na escrita a junção dos pares, visto que ainda percebemos o quanto

às dicotomias emergentes em função do desenvolvimento das ciências, na Modernidade, corroboram para o

fortalecimento da fragmentação do pensar, da reflexãoação, pois assim o aprendemos dicotomizados:

espaçostempos, reflexãoação, apendizagemensino, saberesfazeres. 2 Cultura corporal diz respeito ao acervo de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer

da história, exteriorizadas pela expressão corporal na forma de jogos, ginástica, esportes, lutas, entre outras

práticas corporais (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

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negro e sua cultura? Em que medida em nosso fazer docente, acabamos reforçando

estereótipos e representações negativas sobre o negro, seu padrão estético e sua cultura? E,

como a prática docente pode promover a superação dessa forma de pensar e agir em relação

ao negro, suas tradições e cultura?

Para tanto propôs-se especificamente: Promover uma aproximação entre os

sujeitos e as práticas culturais observadas; analisar como os acadêmicos representam

essas práticas, identificando se e como estas participam da constituição identitária dos

sujeitos; propor uma reflexão acerca dos principais desafios que envolveram a práxis

pedagógica das Africanidades3, identificando pontos nevrálgicos e discutindo formas de

enfrentar os dilemas do cotidiano docente.

Ressaltamos nessa pesquisa, que parte considerável das manifestações e artefatos

culturais produzidos e selecionados para investigação, emergiu das construções culturais das

populações indígenas e africanas e afro-brasileiras, além da imperiosa contribuição europeia.

Contudo, considerando os limites da pesquisa, estabelecemos como foco para análise, a

abordagem da influência cultural africana e afro-brasileira na/para construção do patrimônio

cultural capixaba. Sem desconsiderar as outras matrizes (ameríndia e europeia), visto ser

praticamente impossível dialogar na cultura brasileira sem considerá-las.

Faz-se relevante pontuar que a partir do contexto da diáspora africana em que povos

de diferentes regiões do continente migraram para o Brasil, suas simbologias passaram por

um processo de reconstrução de significados se adaptando a dinâmica cultural de outra

realidade. Portanto diversas manifestações culturais relacionadas à língua, a dança, a ciência,

a arte, a culinária, os costumes, a visualidade e a religiosidade, têm se configurando enquanto

práticas de resistência e afirmação identitária, que tem buscado reconhecimento no escopo

da cultura nacional brasileira (SILVA, 2012, p. 3).

Nessa perspectiva apoiamos a discussão em torno das referências estéticas e éticas,

bem como as implicações nos processos de (des)construção identitária dos sujeitos

participantes da pesquisa a partir da vivência e apreciação (observações, produção áudio

visual e imagética) das práticas culturais. Ponderando os posicionamentos éticos, estéticos e

políticos que assumem, sob a hipótese da existência, não só de uma tensão entre identidade

3 Ao dizer africanidades brasileiras estamos nos referindo às raízes da cultura brasileira que têm origem

africana. Dizendo de outra forma, estamos, de um lado, nos referindo aos modos de ser, de viver, de organizar

suas lutas, próprios dos negros brasileiros, e de outro lado, às marcas da cultura africana que,

independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia (SILVA, 2005, p. 155).

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cultural e subjetividade dos futuros docentes, considerando a existência de ideias de

preconceito e de discriminação racial, vinculadas às práticas culturais de matriz africana e

afro-brasileira. Como também a presunção de significativa fragilidade na prática docente no

tocante ao trato de questões relativas à diversidade e a diferença na formação inicial de

professores de Educação Física.

Apoiamo-nos em Bhabha (2005) que apresenta dois conceitos imprescindíveis para

entender o processo de dominação e superioridade que um povo exerce sobre o outro: o

estereótipo e a mímica. Segundo o autor, o estereótipo opera no sentido de reconhecer e de

recusar a diferença, impondo um enquadramento, uma classificação, que muitas vezes não

corresponde à realidade social. Já a mímica constitui-se em uma das estratégias mais ardilosas

e eficazes do poder e do saber colonial, pois se mostra ao Outro, como fonte de inspiração para

a imitação, a cópia e consequentemente para a relativização da cultura subalterna.

Ainda segundo o autor, ao discorrer sobre o conceito de diversidade cultural e

diferença cultural, destaca a preferência pela utilização desse último termo para o tratamento

das questões ligadas a cultura. Segundo ele, a diversidade cultural abrange um universo de

coisas, enquanto a diferença cultural representa melhor como enunciados são criados para

promover a legitimação de determinadas culturas em relação a outras (BHABHA, 2005).

A abordagem das questões étnico-raciais na Educação Básica está atrelada à

formação inicial dos profissionais da educação. O escopo das leis está em promover a

discussão e valorização de todo acervo cultural e histórico das populações de ascendência

africana e indígena, atribuindo maior visibilidade à contribuição desses povos para a

construção da identidade brasileira. Assim, consideramos imprescindível que essa discussão

esteja presente no espaçotempo da escola, via formação de professores.

Nessa perspectiva, ponderamos a necessidade de intervenções como esta, à medida que

compreendemos que parte considerável dos acadêmicos em formação logo estará atuando

como docentes em escolas públicas e privadas da região, e o distanciamento/desconhecimento,

outrora mencionado, tornam-se cíclicos à medida que esses conhecimentos continuam

excluídos dos nossos currículos acadêmicos e escolares, ou relegados ao lugar do exótico,

trabalhados sob uma perspectiva acrítica e por vezes caricaturados.

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1. Caminhos percorridos...

Inicialmente, com a turma matriculada na disciplina “Danças Folclóricas e

Populares” (2014/1), foi realizado um diagnóstico, por meio de um questionário com o

intuito de identificar quais os conhecimentos a turma obtinha acerca das práticas culturais

existentes no país e mais especificamente no Espírito Santo. Estratégia esta, também adotada

com as acadêmicas/bolsistas do projeto de extensão em dança.

A opção pelo grupo específico deu-se em função das possibilidades de aprofundar as

discussões acerca da temática proposta, visto que a disciplina apresenta em sua ementa o

estudo dos aspectos socioculturais das danças e manifestações folclóricas e populares, além de

contemplar o trato das questões referentes à diversidade cultural e as relações étnico-raciais.

Outra estratégia utilizada foi à técnica de leitura de imagens, onde os acadêmicos

após efetuarem a leitura de imagens diversas, pertencentes às manifestações populares e

folclóricas da cultura capixaba. Descreviam e posteriormente relatavam suas impressões e

conhecimentos acerca do observado. Nessa perspectiva, as imagens não cumpriam apenas a

função de informar ou ilustrar, mas, sobretudo de produzir conhecimento.

Dentre as atividades previstas na disciplina tem-se a apresentação de um seminário

sobre as Relações Étnico-raciais. Este momento favoreceu a problematização e o

esclarecimento de diferentes questões, especificamente de questões que historicamente

foram invisibilizadas no que tange aos povos indígenas e as populações negras que em solo

brasileiro foram escravizadas.

Todavia, considerando a importância da vivência, experimentação, do fazer e sentir nos

processos de ensinoaprendizagem. Além das vivências propostas nas aulas, ponderamos que a

verdadeira essência emergente dos batuques e demais práticas culturais mencionadas na

disciplina, só afetariam e seriam realmente internalizadas por parte dos sujeitos, no contato direto

com os saberesfazeres artísticos. Com isso, foi proposta uma atividade de campo por meio de

uma viagem à Vila de Regência, onde os acadêmicos puderam vivenciar as comemorações do

Centenário da Memória de Caboclo Bernardo em junho de 2014. Na ocasião foi possível apreciar

o encontro das bandas de Congo, Jongo, Caxambu, além de apresentações de capoeira.

Esse primeiro contato despertou o olhar dos acadêmicos, com particular

proeminência para os participantes do projeto de extensão em Dança. Com isso, foi proposta

uma visita a Vila de Itaúnas com intuito de participar dos Festejos em homenagem a São

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Sebastião e São Benedito, realizado em janeiro de 2015. Onde foi possível conhecer e

apreciar as apresentações do Ticumbí, Alardo, Reis de Bois, Folia de reis, Boi Pintadinho,

Jongo, Congo e Caxambu.

2. Primeiras impressões: superando os mitos, os medos e o desconhecimento

Os principais conhecimentos acerca do folclore e da cultura popular relatados por

parte dos acadêmicos vão de encontro as práticas culturais vivenciadas e/ou tematizadas

durante a escolarização, sendo as mais mencionadas as lendas e a quadrilha na festa junina.

O que reforça a superficialidade com que historicamente essa temática vem sendo abordada

nos currículos escolares.

No que tange ao currículo, Pacheco (2005, p. 141) compreende-o como, “[...] um

lugar privilegiado para (des)construção de identidades, ou de processos de subjetivação”,

embora historicamente possa ser descrito como um dispositivo social e ideológico de

reprodução de uma identidade que continua sendo notavelmente “[...] iníqua em termos de

classe, gênero e raça” (APPLE,1989, p. 26).

Em relação à Educação Física é válido pontuar que, enquanto disciplina escolarizada,

onde o corpo como seu objeto de intervenção é o principal referencial a ser considerado no

trabalho do professor e na ação do aluno. Destaca-se que sua história aponta para um

distanciamento do corpo negro, na medida em que o corpo idealizado pela Educação Física

partiu da imagem corporal dos gregos, portanto de um corpo branco. Essas diretrizes “[...]

assumiram importância vital na construção da matriz racista e na ideologia racial brasileira,

formulada e difundida no século XIX. Fortalecendo a hegemonia de uma corporeidade quase

sempre branca, cristã, burguesa, eurocêntrica, heterossexual e racista” (MATTOS, 2007, p. 11).

Quando questionados em relação aos conhecimentos que obtinham acerca das práticas

culturais de matriz africana e afro-brasileira, os relatos envolvem várias dimensões, que

perpassam desde a vivência de práticas corporais como a capoeira, a superficialidade com que

esses saberes historicamente foram tratados no espaçotempo da escola. Normalmente

relacionando à imagem do negro a figura do escravo nos navios negreiros e nos canaviais.

Aspecto esse, que de certa forma reflete a pouca visibilidade do negro nos livros

didáticos, especificamente no que se refere a sua contribuição na história, cultura economia

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do país, com proeminência para o período compreendido como pós-abolição. Haja vista a

completa ausência dos povos indígenas, salvo quando no “descobrimento” do Brasil.

No relato da acadêmica “F4” os aspectos mencionados são traduzidos da seguinte forma:

[...] no período onde vivenciei o ensino fundamental e médio posso pontuar

que não me recordo de um estudo sistematizado e aprofundado sobre tais

culturas. Infelizmente ao remeterem ao negro ou a África, eram assuntos sobre

a escravidão, período de muito sofrimento, interrompido pela lei Aurea. [...]

os conhecimentos sobre a cultura indígena obtive apenas “como um povo que

já estavam no Brasil antes dos portugueses chegarem”. A minha maior dúvida

no decorrer de todo meu ensino básico foi sobre (Quem realmente descobriu

o Brasil? Os índios ou os Portugueses?) pois era algo pouco aprofundado.

A luta da comunidade afro-brasileira por reconhecimento e afirmação de direitos,

especificamente no que se refere à educação, passou a ser fortalecida pela promulgação das

Leis 10.639/03 e 11.645/08 que estabelecem obrigatoriedade do ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira, Africana e Indígena no currículo oficial da Educação Básica. O escopo das

leis está em promover a discussão e a valorização de todo acervo cultural e histórico das

populações de ascendência africana e indígena e, assim, trazer visibilidade à contribuição

desses povos na construção da identidade brasileira.

Essa temática ainda carece de incontestável atenção, à medida que compreendemos que a

efetivação da lei transcende ao cumprimento de sua obrigatoriedade nos documentos que regem as

instituições. Sendo necessário, nesse sentido, propor uma reflexão crítica acerca da temática

mencionada a partir dos saberesfazeres vivenciados no chão da escola e na formação de professores.

Corroborando, Silva (apud MEC/SECAD, 2006, p. 56) chama a atenção para a “[…]

falta de conteúdos ligados à cultura afro-brasileira que apontem a importância desta

população na construção da identidade brasileira, não apenas no registro folclórico ou datas

comemorativas, mas principalmente para a compreensão do respeito às diferenças”.

Todavia, o que mais chamou a atenção, foi e continua sendo a intencional negação

dos saberes em função das concepções religiosas. Esta ainda constitui-se enquanto entrave,

com vistas à equidade nos processos educativos, especificamente no que se refere ao trato

das Africanidades nos currículos acadêmicos e escolares.

Ainda em relação à religiosidade, consideramos importante destacar duas passagens

vivenciadas no decorrer da experiência. A acadêmica “S”, pondera que em seu caso, parte

4 O nome dos participantes da pesquisa não será divulgado, com isso, utilizamos letras para nomeá-los.

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do desconhecimento das práticas culturais mencionadas na pesquisa, deve-se a sua formação

religiosa. Segundo ela “[...] o papel da igreja evangélica reforçava o pensamento e postura

preconceituosa sobre os mesmos”. Ou seja, sobre determinadas práticas culturais,

especificamente as manifestações que envolvem batuques, tambores e danças.

Características marcantes também na religiosidade caracterizada como afro-brasileira que

também foi/é alvo de muita condenação e perseguição.

Já o acadêmico “C” apresenta o seguinte relato:

Tais atividades me trouxeram a oportunidade de “sentir na pele” essas

diferentes manifestações de cultura, que algumas nem mesmo ouvira falar

antes da graduação. Não posso deixar de destacar um fato ocorrido na pesquisa

em Itaúnas. No momento da fincada do mastro de São Benedito, ouve certa

confusão por conta da profundidade do local que o mastro seria fincado, ou

por conta da posição do estandarte (não sei se posso chamar dessa forma). Um

dos senhores que o carregavam, mais exaltado se afastou do grupo, se ajoelhou

frente ao mastro que estava no chão e o beijou em forma de oração. Isso

chamou minha atenção por minhas raízes religiosas e também por perceber

que outras pessoas estavam pela festa “empunhando” suas latinhas de cerveja.

Isso evidenciou a diversidade de sentidos que as manifestações culturais têm.

Imagem 1 - Fincada do Mastro de São Benedito - Itaúnas/ES

Fonte: Arquivo pessoal.

As constantes pressões da Igreja Católica para extinção dos cultos e rituais de matriz

africana e afro-brasileiras levou às religiões afro-brasileiras a junção de aspectos das crenças

e rituais católicos com tradições africanas e, por vezes, indígenas. Estabeleceu-se, assim, o

sincretismo religioso, forte característica presente nas religiões e práticas culturais

brasileiras, conforme podemos perceber na imagem abaixo (ALBUQUERQUE, 2006).

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Imagem 2 - Banda de Congo Konshaça em Vila de Regência/ES

Fonte: Arquivo pessoal.

A expressão “sentir na pele” relatada pelo acadêmico, nos conduz ao diálogo com os

ensinamentos de Lopes (1990, apud Silva, 2005, p. 159) de que “[...] na cultura de origem

africana só tem realmente sentido o que for aprendido pela ação, isto é, se no ato de aprender,

o aprendiz executar tarefas que o levem a pôr ‘a mão na massa’”.

Nesse sentido, faz-se imperioso transversalizar, problematizar e, sobretudo oportunizar

a vivencia dessas saberesfazeres na formação de professores, de forma que as às práticas

manifestadas em torno do patrimônio imaterial das culturas populares alcancem o chão da

escola. Pois, se compreendemos que a aprendizagem efetiva-se a partir da experiência, do fazer

e sentir, nada mais coerente do que por “a mão na massa”. Só assim, sendo conhecidas, que estas

práticas poderão legitimamente consideradas como bens patrimoniais.

3. Segundas, terceiras impressões: ressignificando o olhar e (des)construindo identidades

Segundo LOURO (citado por GOMES, 2005, p. 43) “[...] como sujeitos sociais, é no

âmbito da cultura e da história que definimos as identidades sociais (todas elas, e não apenas a

identidade racial, mas também as identidades de gênero, sexuais, de nacionalidade, de classe,

etc.)”. Nessa lógica, reconhecer-se numa delas supõe, portanto “[...] responder afirmativamente

a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência”.

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Nesse processo, conforme destaca Hall (2001), nada é simples ou estável, pois essas

múltiplas identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, lealdades distintas, divergentes, ou

até contraditórias. Ainda segundo o autor,

[...] a cultura é constituída de instituições, símbolos e representações; um

modo de construir sentido que tangencia a organização tanto de nossas

ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas, ao

produzirem sentido com os quais podemos nos identificar, constroem

identidades. Os sentidos oriundos das histórias contadas na cultura são

memórias e imagens que conectam o presente com o passado dos

indivíduos e projetam seu futuro [...] (HALL 2001, p. 50).

Nesse sentido, tendo como pressuposto que “[...] as práticas e artefatos culturais

encontram-se articulados aos processos identitários dos sujeitos, e que estes ao viverem a

situação de rememorar/narrar estas práticas passam por processos de atualização identitária”

(PASSOS, 2010, p. 146). Destacamos alguns relatos que fortalecem a importância do fazer

e do sentir nos processos de formação cultural e estética dos sujeitos que o vivenciaram.

Inicialmente a surpresa toma conta do olhar, que ora analisa, com o estranhamento fruto

de uma formação que fez ausentes, invisíveis e inaudíveis, os saberesfazeres artísticos oriundos

de uma ancestralidade negada. Ora, deslumbra-se com tamanha energia que emerge dos

batuques, da cantoria por vezes pouco compreendida e do bailado que oscila entre a contida

(porém forte) movimentação característica de nossos ancestrais indígenas. E a frenética

movimentação de ombros e quadris acompanhando os tambores da ancestralidade negra.

Imagem 2 - Dança do Jongo - Vila de Itaúnas 2015

Fonte: Arquivo pessoal

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A acadêmica “E” descreve esse momento da seguinte forma:

Não sabia se registrava, se perguntava, se eu me metia nas rodas para

dançar junto...até que...somente observei. Notava-se algo surreal, distinto

de tudo, pois não conhecia. [...] eles estavam presentes ali levando sua

gratidão, adoração, família e alegria, interagindo. Percebi o quão distante

estamos das nossas raízes e como também potencializamos a exclusão e

“recriminamos” tais manifestações de maneira equivocada. Pude entrar em

conflito constante comigo.

Percebe-se, na fala que antecede, que o contato com as práticas culturais fez emergir uma

série de conflitos que, por conseguinte, culminou no que poderíamos chamar de crise, perda e/ou

(des)construção das identidades anteriormente afirmadas. Todavia, segundo Bhabha (2005), uma

saída para esse conflito, está no exercício de rememorar como o colonizado era antes da colonização,

seu passado de luta e escravidão. Não com a intensão de sanar os conflitos atuais, mas sim, fazer

surgir algo novo, que não se iguala ao passado – que agora faz-se consciente na mente do colonizado

– mas que também não continua refém das amarras culturais que o colonizador propõe.

As práticas culturais oriundas dos nossos ancestrais africanos e manifestadas por

meio das danças e folguedos populares constituem-se práticas de resistência, construídas a

luz da resistência às crueldades vivenciadas nos cativeiros e senzalas e manifestadas por

meio do corpo em movimento nas diferentes práticas que compõem o patrimônio cultural

nacional. Que mesmo passando por processos de ressignificação, continuam carregadas de

simbologias, sentidos e significados que engrandecem o patrimônio cultural nacional.

Acrescenta-se, no diálogo com Martins (2012, p. 18) que “[...] possibilitar a construção, o

conhecimento e a valorização dessa cultura antes negada poderia levar uma tomada de consciência

(corporal e negra)”. Logo, atribuir sentido, significado e visibilidade a essas manifestações

corroboram para superação de paradigmas historicamente construídos, que ainda hoje continuam

sendo usados para “camuflar o pertencimento étnico-racial, na tentativa de encobrir dilemas

referentes ao processo de construção da identidade negra” (GOMES, 2003, p. 138).

4. Relações étnico-raciais nos processos de formação docente: desafios, reflexões e ações

A relação entre pesquisa, formação do professor e prática pedagógica tem recebido

destaque nos discursos políticos e acadêmicos sobre educação no Brasil, especialmente sobre a

formação do professor como pesquisador. Nessa perspectiva, a possibilidade de discutir e refletir

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sobre a formação de professores a partir de vivências como docente em uma instituição criada e

pensada com esta finalidade, configura-se como uma valorosa experiência com vistas à

investigação de práticas efetivas e de construção de conhecimentos sobre o que fazemos e como

podemos melhor desenvolver nossos objetivos em todos os níveis de ensino.

Findo o processo de investigação e coleta de dados identificamos alguns aspectos que

carecem de maior atenção, dentre estes ressaltamos: a importância da formação estética e cultural

dos discentes, com vistas à superação de paradigmas relacionados às práticas culturais e ao trato com

a diversidade e a diferença; a necessidade de transcender da reflexão para a ação, especificamente no

tocante aos desafios relacionados à implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08.

Consideramos significativo pontuar ações emergentes da pesquisa realizada: A

elaboração de dois planos de intervenção que foram desenvolvidos com crianças estudantes de

escolas públicas do Município de Vitória, matriculadas no Programa de Extensão “Esporte

Cidadão”, uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Vitória e a FCSES; a ampliação das

atividades do projeto de extensão em dança por meio de uma parceria com um Centro Municipal

de Educação Infantil de Vitória, tendo por escopo fomentar o ensino do Folclore e da Cultura

Popular na escola. Atendendo cerca de 70 crianças por semana com idades variando entre 02 e

05 anos; a inserção da temática étnico-racial em dois projetos aprovados para iniciação científica

na FCSES e a produção artística do espetáculo “Di Versos”, trabalho desenvolvido no projeto

de extensão em dança, que será apresentado em dezembro de 2015.

Ressalta-se que consideramos o presente relato à concretização temporal da

intervenção proposta. Visto que, considerando tanto os aspectos qualitativos resultantes do

trabalho, quanto os pontos nevrálgicos ainda latentes. Daremos continuidade à proposta, sendo

os próximos destinos o Sitio Histórico de São Mateus e a Aldeia Indígena situada em Aracruz.

Ao levantar essa discussão, propõe-se não o esgotamento da referida temática, visto

a complexidade do problema mencionado. A intenção é de reacender o debate com vistas ao

comprometimento com a equidade em educação para com outros grupos que compõem a

diversidade humana e que por suas especificidades, foram colocados em situação de

inferioridade. Quem sabe assim possamos transcender do “mito” para uma verdadeira

“democracia racial” em nosso país.

Destacamos a importância de experiências como estas para a formação cultural e

estética dos sujeitos que a vivenciam, especificamente para o escopo desta pesquisa, de

docentes em formação, à medida que incitou a reflexão sobre o vivido, o desconhecido, sobre

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as interpretações e representações construídas acerca das práticas culturais presentes no

Estado. Além da ressignificação do nosso olhar sobre nós mesmos, nosso povo, nossa cultura.

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A ESCOLA SILENCIA AS DIVERSIDADES? ESTUDO DE CASO DE UMA

INSTITUIÇÃO DE ENSINO EM CARIACICA-ES

Emanuel Vieira de Assis Colégio Castro Alves

Fabrisa Leite B. da Silva Colégio Castro Alves

Resumo: Este trabalho apresenta um estudo de caso que busca compreender a forma pela qual o

discurso acerca da diversidade do Brasil, muito presente nos documentos oficiais, deriva e produz,

no ambiente da sala de aula de uma determinada escola em Cariacica/ES, o efeito de sentido de

desigualdade/discriminação. O objetivo geral é observar as representações dos alunos em relação ao

discurso ideológico capitalista pautado por uma concepção de escola voltada para o mercado de

trabalho e para o que as obras didáticas consideram como desenvolvimento econômico da nação e

como estes fatores suprimem o conhecimento e o desenvolvimento de diversidades no espaço

escolar. O que se espera com esta pesquisa é que, através da análise destes elementos, se desenvolvam

críticas que possam contribuir para o debate sobre o caráter ideológico da escola, e da educação como

um todo, em relação às diversidades presentes no espaço escolar.

Palavras-chave: escola; diversidade; preconceito

Abstract: This work presents a study of case that seeks to understand the way in which the discourse

about diversity of Brazil, which is present in official documents, comes from and produces, in the

classroom environment of a private school in Cariacica/ES, the effect of sense of

inequality/discrimination. The overall objective is to observing the representations of the students in

relation to the capitalist ideological discourse pointed by a school that look for geared to the labour

market and what the textbooks consider how economic national development and how these factors

suppresses the knowledge and development of diversity at school's space. What is expected whit this

research is that through the analysis ofthese elements, developing criticisms that can contribute to

the debate on the ideological character of the school and education as a whole, in relation to the

diversity what is present in the school environment.

Keywords: school; diversity; prejudice.

Introdução

O mundo no qual cada um vive depende da maneira de concebê-lo,

que varia, por conseguinte, segundo a diversidade das mentes.

Arthur Schopenhauer

A escola se apresenta como um espaço onde os diferentes se encontram. Alunos,

professores, funcionários e gestores, cada qual com suas experiências de vida, impressões

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sobre a realidade, formação, desejos e concepções de mundo, interage com o outro num

processo de construção e reconstrução constante de pensamentos.

Neste palco, qual o papel da escola na organização e/ou reorganização destas diferenças?

Os discursos ideológicos produzidos pela escola buscam alinhar um pensamento e comportamento

homogêneo para com os discentes? As diferenças são trabalhadas de forma a se evidenciarem

como um instrumento importante de aprendizado e desenvolvimento de novas ideias?

A escola reflete a pluralidade cultural presente na sociedade. Diante da heterogeneidade

presente nas salas de aulas, faz-se necessário refletir sobre as ideologias presentes no ensino

como forma de produção e reprodução de sentidos que visem à homogeneização de resultados

esperados. Resultados estes muitas vezes impressos nas avaliações como meio de reproduzir

ideias colocadas por ideologias nem sempre condizentes com as realidades e diversidades

presentes no segmento discente. O controle disciplinar muitas vezes imprime uma ideia de

ordem, de correto e de organização que não correspondem ao que as diferenças existentes na

escola trazem como ordem, como correto e como organização. São padrões estabelecidos pela

própria instituição escolar que oprimem e sufocam a participação do diferente.

A partir do momento em que essas ideologias dominantes de fazem presentes no

currículo escolar, a perspectiva multiculturalista perde espaço enquanto campo político.

Porém, cabe à escola adotar caminhos viáveis para que o multiculturalismo se faça concreto

nas práticas curriculares, pois “os partidários da homogeneização frequentemente não levam

em conta a criatividade da recepção e a renegociação de significados” (Burke, 2003, p. 111).

Diante destas questões, este trabalho apresenta-se como um estudo de caso que busca

compreender a forma pela qual o discurso acerca da diversidade, muito presente nos

documentos oficiais, deriva e produz, no ambiente da sala de aula de aula, o efeito de sentido

de desigualdade/discriminação. Tal discurso muitas vezes acarreta no silenciamento de

grupos sociais identitários que não encontram espaço de reconhecimento e participação no

ambiente escolar. Alunos enfileirados em carteiras, excesso de avaliações tradicionais

quantitativas, exigência de comportamentos, roupas e acessórios padronizados. Tudo isso se

torna importante para a preservação da cultura e domínio de grupos privilegiados e do status

quo, apesar de nem sempre de forma consciente (Moreira; Candau, 2003, p. 157).

O objetivo geral é analisar as representações dos alunos em relação ao discurso

ideológico produzido pela escola e como ele pode suprimir o conhecimento e o

desenvolvimento de diversidades no espaço escolar. O que se espera com esta pesquisa é

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que, através da análise destes elementos, se desenvolvam críticas que possam contribuir para

o debate sobre o caráter ideológico da escola, e da educação como um todo, em relação às

diversidades presentes no espaço escolar; de forma a identificar possíveis situações de

discriminação e silenciamento das identidades culturais no ambiente escolar, apontar como

se expressa o discurso ideológico dominante no currículo escolar e refletir sobre as condições

de produção do discurso enquanto parte constitutiva da relação sujeito/linguagem na

produção e circulação de sentidos.

Para que fosse realizado, este trabalho contou com um estudo de caso de caráter

quantitativo e qualitativo como instrumento de coleta de dados. Como ponto de partida da

pesquisa, houve a aplicação de um questionário aberto e fechado aos alunos matriculados

no ensino médio. Além disso, entrevistas de grupo focal realizadas como forma de observar

as impressões deixadas pelos alunos em relação ao tema, forneceram as materialidades a

serem analisadas.

1. Educação, discurso e neutralidade

Segundo Orlandi (2001, p. 22) “a ideologia se caracteriza, assim, pela fixação de um

conteúdo, pela impressão do sentido literal, pelo apagamento da materialidade da linguagem

e da história, pela estruturação ideológica da subjetividade”. Neste sentido, considerando

que é através da linguagem que o sujeito atribui sentido sobre si mesmo e sobre o mundo,

poderemos observar elementos relacionados aos gestos de interpretação produzidos nas

relações sociais dominantes.

Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocarem

questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem.

Perceber que não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade.

Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos.

A entrada no simbólico é irremediável e permanente: estamos comprometidos com os

sentidos e o político, não temos como não interpretar (ORLANDI, 2007, p. 09).

Com esta reflexão, Eni Orlandi embasa o posicionamento deste trabalho de que os

discursos ultrapassam as fronteiras da estrutura linguístico-sociais e buscam, para além dela,

os efeitos de sentido de seu dizer.

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E toda essa composição fez com que pudéssemos entender que a constituição sócio

histórica do sujeito permite a compreensão da ideologia dominante que está se

materializando neste discurso presente em sala de aula e, por conseguinte, a compreensão

dos efeitos de sentidos que esta prática discursiva acarretará no aluno/leitor que, na escola,

terá acesso ao discurso referente à diversidade.

A educação – transmitindo conhecimento de uma geração a outra – é, portanto,

juntamente a outras instituições, responsável pelo processo de sociabilidade do ser.

Dessa forma, desde uma sociedade primitiva em que a educação é vista como uma

atividade cotidiana, presente nas cerimônias e nos rituais, passando pelas sociedades escravistas e

feudais até chegar à atualidade, a educação constitui-se como o processo pelo qual se transmite aos

indivíduos os conhecimentos necessários para que ele possa se integrar à sociedade.

Esta atitude de visualizar a educação como uma prática social faz com que ela seja

tomada como um processo longo e complexo cuja ausência traria dificuldades ao ser

humano, sobretudo numa sociedade em que as condições e os instintos naturais não são

suficientes para garantir a sobrevivência da espécie humana.

Ao tomarmos, neste estudo, o posicionamento de que a cultura é representativa do povo

que a possui e, ao mesmo tempo, é resultado de processos históricos, assumimos que não existam

culturas superiores ou inferiores, mas diferentes. E ainda que, não devam ser tomadas como

superiores ou inferiores as questões relacionadas às diversidades, quaisquer que sejam elas.

Sabendo-se que em nenhum momento os discursos analisados poderiam ser tomados

como neutros – afinal estão inscritos sócio historicamente – a análise procurou observar a

forma pela qual ele está sendo construído, e de que maneira se relacionava com o mundo.

Compreendendo que discurso é “efeito de sentido entre interlocutores” e que é na

língua que este discurso se materializa, tomados as sequências discursivas dos elementos de

análise como materialidade para compreender os efeitos de sentido de cada um bem como

os efeitos de sentido produzidos pelos “diálogos” de ambos.

Bakhtin (1992) afirma que o homem constrói sua existência dentro das condições

socioeconômicas objetivas, de uma sociedade. Somente como membro de um grupo social, de

uma classe social é que o indivíduo ascende a uma realidade histórica e a uma produtividade

cultural. Para a Análise do Discurso, o sujeito do Discurso é histórico, social e descentrado.

Descentrado, pela Ideologia e pelo inconsciente. Histórico, por que não está alienado do mundo

que o cerca. Social, por que não é o indivíduo, mas aquele apreendido num espaço coletivo. “O

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sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da Língua e também pelo real da

história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam” (ORLANDI, 2002, p. 20).

Fomos, assim, desenvolvendo o trabalho de forma a se fazer perceber que a escola

tida como um importante fator de mudança social na verdade não tem poderes para modificar

as estruturas, e, mais até, é ela a responsável por confirmar e sustentar esta estrutura.

2. Multiculturalismo e educação

Quais os discursos que são produzidos pela escola a respeito das diferenças e uma

possível padronização de comportamentos e ideias no espaço escolar? Quais os discursos

que os alunos expressam acerca deste tema? Eles encontram liberdade para isto? O

multiculturalismo se faz presente na escola estudada? Do que se trata o multiculturalismo?

Trata-se de uma perspectiva na qual os sujeitos são plurais, não há hierarquias quanto

às formas de pensar, interagir e se comportar, pois as diferenças são vistas como importantes

para o processo educativo e assim, todos estão preparados para dialogar com o diferente. A

ideia de padronização cultural se dissolve, pois não é capaz de responder as necessidades de

compreensão da complexidade cultural cada vez mais presente. Assim, não faz sentido

conceber uma escola voltada somente para um público, como geralmente ocorre o predomínio

de uma educação direcionada para um grupo erudito, letrado e que seja capaz de reproduzir os

discursos e conteúdos pautados por um conhecimento e comportamento dominante.

De acordo com Semprini (2006), o ponto chave do multiculturalismo é a diferença, que

ele trata como “uma realidade concreta, um processo humano e social, que os homens empregam

em suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no processo histórico” (Semprini, 2006, p. 11).

Assim, ele sinaliza que a perspectiva multiculturalista gera uma ruptura com um

pensamento homogêneo de sociedade e de cultura, onde a humanidade caminha para uma

evolução natural, como se orienta os modelos ocidentais de cultura determinados

historicamente, como a ideia do branco erudito, “bem educado”, de uma sociedade

patriarcal, cristã e obediente.

Dessa forma, o multiculturalismo trata a diversidade e a diferença não como

problemas, mas como elementos centrais na prática educativa. Os currículos escolares devem

pautar suas orientações tendo o diferente não como algo a ser combatido e neutralizado, mas

o entendendo como figura importante no processo de ensino e aprendizagem. É importante

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salientar que a diversidade não deve ser trabalhada nos espaços escolares como algo folclórico,

mítico e exótico. Esta forma de encarar as diferenças só a torna algo distante da realidade dos

sujeitos escolares. Trabalhar a diversidade como elemento central significa colocá-la como

aspecto comum, dissolvido na cultura escolar e importante para o desenvolvimento das

discussões e práticas escolares. Assim, todos os indivíduos e grupos são tratados como

inacabados e possíveis de mudança (Canem; Oliveira, 2002, p. 61-62).

Este trabalho envolvendo currículo escolar e multiculturalismo leva em consideração

que escola e cultura não podem ser vistas de forma independentes, pois elas estão

entrelaçadas, assim como na sociedade, onde a pluralidade cultural se manifesta (Candau;

Moreira, 2006, p. 160). Se na realidade social, as diferenças estão presentes e se

comunicando a todo o momento, por que na escola o pensamento homogêneo e a

unilateralidade cultural deve ser a perspectiva central?

3. Metodologia e resultados

Como professores da rede básica de ensino, acreditamos que o ensino não deve ser

dissociado da pesquisa. Esta tarefa, que geralmente está ligada às universidades, não

possibilita a maioria dos professores do ensino básico a trabalharem concomitantemente ao

ensino. Porém, para que o processo de ensino e aprendizagem não se torne estanque,

repetitivo e descontextualizado da realidade dos sujeitos escolares, faz-se necessário este

trabalho de pesquisa. A falta de ligação com a academia não pode ser justificativa para que

este trabalho não seja realizado.

Por isso, buscamos realizar um estudo de caso de caráter quantitativo e qualitativo

como instrumento de coleta de dados. Como ponto de partida da pesquisa, o trabalho consiste

na aplicação de um questionário aberto e fechado aos alunos matriculados no ensino médio.

Os dados coletados foram analisados à luz das teorias que envolvam questões relacionadas

ao multiculturalismo.

Os questionários foram aplicados aos alunos do 2º ano e do 3º ano do Ensino Médio

e totalizou 42 respostas, no período de treze dias, através de uma plataforma virtual em que

os mesmos não precisavam se identificar.

A primeira questão a ser respondida pelos alunos referia-se ao fato de já ter visto ou

já ter sofrido discriminação na escola. Do total de respostas:

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69,05% disseram que já sofreram ou já viram alguém sofrendo este tipo de violência na escola;

21,43% responderam “não, nunca sofri discriminação e nunca vi ninguém sofrê-la”.

Este dado pode levantar duas hipóteses. Uma, de que estes alunos não percebem

alguma forma de discriminação que possa estar presente no espaço escolar, talvez por estarem

inseridos em grupos ditos dominantes e que comumente não sofrem desta violência. Ou, por

estarem tão envolvidos com os discursos discriminatórios, que estes se tornam “transparentes”,

impossibilitando uma percepção/reflexão. E a outra é que há um trabalho da escola para que

este tipo de situação não ocorra e que este trabalho atinja somente alguns alunos.

A primeira hipótese parece mais adequada, visto que se houvesse de fato um amplo trabalho

de luta contra formas discriminatórias, ele abarcaria a maioria dos alunos e não uma minoria.

Em seguida, o respondente tinha opção de comentar a discriminação sofrida na escola

e entre elas, alguns comentaram e exemplificam a violência exercida pela instituição, como:

Aluno 1: “Involuntariamente, uma professora me ofendeu dizendo que todos os ateus

são imorais”;

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Aluno 2: “Consigo ver a diferença que eu e outras pessoas são tratadas, pelo fato de talvez

não ter uma renda tão alta quanto a de outros alunos, há também a diferença que

professores tratam alunos mais inteligentes e alunos com dificuldades de aprendizagem,

consigo ver nitidamente o quanto um aluno mais inteligente é bem tratado por um

professor e o com dificuldade acaba sendo ‘esquecido’, ou o que na rua seria reconhecido

por um professor por ter dinheiro ou por ser mais inteligente, o outro com dificuldade e

com uma renda menos passaria dispercebido (sic)”;

Aluno 3: “Uns dos casos foi em aulas de educação física onde os alunos com um certo

peso maior eram sempre os últimos a ser escolhidos em jogos”;

Aluno 4: “Durante a colagem de cartazes contra o preconceito (mas especificamente a

homofobia), um funcionário da escola questionou se eu a minha amiga tínhamos

autorização para a colagem, já que a escola não pode ‘incentivar’ certas coisas”;

Aluno 5: “Frequentemente me sinto prejudicada pela preferência de uma parte dos

funcionários da escola por alguns alunos que apresentam boas notas, ou que demostram

com facilidade tudo que sabem fazer”;

Nestas falas, podem-se observar algumas formas de discriminação por parte de professores

e funcionários da escola, como renda, peso, orientação sexual e ritmo de aprendizagem.

Em algumas situações e por alguns alunos, a tentativa de padronização ocorre como

modo de referência a ser seguida, gerando posturas de estranhamento quando não realizada.

Todos estes discursos acerca da diversidade que deslizam para discursos da desigualdade

fazem com que se reflita acerta da identidade que se está construindo no aluno que, no ambiente

escolar, vive estas situações. Em filosofia, de onde o termo se originou, identidade

refere-se primeiramente, aquilo que dá a alguém sua natureza essencial e

sua continuidade; em seguida, ao que faz duas pessoas ou grupos de

pessoas, terem características comuns. O conceito envolve negação e

diferença: algo é alguma coisa e não outra” (PIRES, 2001, p. 11).

Cavalcante afirma que

“[...] um mesmo fato pode ser captado e interpretado de formas diferentes

por diferentes sujeitos o que resulta em diferentes discursos, que por sua vez,

materializam-se em diferentes textos que, uma vez postos em circulação na

sociedade, possibilitam várias leituras [...]” afinal “o sujeito leitor também

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produz sentidos e o faz a partir de referências culturais e ideológicas do

grupo social no qual se inscreve” (CAVALVANTE, 1996, p. 36).

Com isso vai-se estabelecendo os pares inteligente/pouco inteligente, boas condições de

vida/ condições de vida ruins/, de aspecto dito aceitável/de aspecto dito não aceitável; de forma

que o aluno tenha um ou outro elemento do par como opção para identificar-se, e esta identificação

não é livre, e sim construída a partir das condições sócio históricas em que este aluno está inserido.

Como questão aberta, o aluno poderia descrever como ele acha que a escola o vê e o

trata em relação a sua identidade. No total, 37 responderam e destes, 16 alunos sinalizaram

uma visão positiva do tratamento da escola, afirmando que a instituição o trata de forma

normal, sem discriminação e ou tentativa de igualar a outros.

Por outro lado, a maioria lançou críticas na forma de tratamento da escola, gerando

uma conduta de não identificação por parte destes alunos, por considerar que a instituição

escolar da qual estudam não leva em consideração as diferenças e comportamentos identitários

que eles manifestam, como afirma uma aluna: Preferem dar mais atenção aos alunos

excelentes em matemática, física e química ou quem foi o melhor no simulado. Não tenho

muito espaço para demostrar minha identidade, e alguns professores não nos levam a sério.

Alguns professores desconversam, outros reprimem. Alguns nos tratam como experiências de

laboratório: como ele vai se comportar em tal situação? E depois jogam na sua cara o

resultado dessa experiência (assim como a nota das provas que parece ser tudo que importa,

deslizes não são permitidos). Claro, não jogam na sua cara de maneira obvia, mas você será

tratado ou ouvido de acordo com a sua nota, quanto maior a sua nota, mas importante e

incrível você é). Se você foi ruim, te olham com decepção por um longo tempo, e é necessária

paciência da sua parte até que ele(a) te perdoe (professor(a)), e se você foi bem ele(a) te

expõe, levanta seu ego de maneira que os outros vejam como você é brilhante e sintam-se

obrigados e ser como você. Ai sim. Parabéns, você é um excelente aluno! Vai ganhar voz,

destaque, vai ser exemplo, vai ser melhor SEMPRE. E os outros que te acompanhem, não

interessa se os outros são diferentes, de repente bons em outras coisas, mas isso não interessa,

não são bons nos testes, provas, deveres do portal, em responder perguntas que reprimem na

hora da aula, eles não são bons como você! E não podem ser ouvidos com tanta seriedade

como você que é um EXCELENTE aluno. Excelente aluno em matemática, física e química,

porque você é um desastre em português, suas respostas em filosofia são confusas e tem uma

opinião superficial sobre todos os assuntos necessários na redação do ENEM. Mas isso não

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importa! Você é um EXCELENTE aluno, parabéns! Aqui um presentinho, gente, batam

palmas e na próxima vez dediquem-se mais! Aí eu penso: mais para quê? Para ser bom em

calculo ou para convencer ao professor que posso ser bom em outras coisas? Tipo uma que

eu goste. Parece que estão tão preocupados em destacar um, dois ou três alunos para

estabelecer um padrão que todos DEVEM seguir. Mas nós não queremos segui-los, e

desanima demais ir todos os dias para a escola sentir-se assim, obrigada a ser boa no que eu

não sou (boa não, EXCELENTE). Claro que todos nós temos que estudar, dedicar-se. Mas

estamos lá principalmente para aprender, e para que possamos aprender alguns erros serão

cometidos. Mas feri errar quando esperam de nós perfeição. Faço a prova com medo do olhar

de reprovação. Dou minha opinião sabendo que não vou ser ouvida.

Esta ideia de padronização da forma de aprender fica é comentada por outro aluno na

resposta da questão: Ela nos prende, toma essa liberdade que ainda está crescendo junto com a

nossa opinião. Não sei o porque dessa padronização, talvez uma melhor forma de organização

ou então mostrar para os outros de fora como os alunos são pessoas lineares na melhor forma

da sociedade padrão, aquele padrão em que todos os pais querem ver seus filhos. E caso você

tente por seu verdadeiro eu de fora, pronto você virá o REBELDE, que precisa ser contido.

De acordo com Esteban (2001), no processo de ensino e aprendizagem o erro é um

importante instrumento pedagógico, desde que se crie ambientes confiantes e estimulantes

para se aprender com ele. Desta forma, alunos que acertam e alunos que erram devem

conviver e aprender uns com os outros, afim de que os desafios sejam encarados juntos e

este processo de torne dinâmico. Mas para alguns alunos, nem sempre a escola valoriza isto,

como afirma o aluno: A escola quer que o aluno seja bom em tudo que faça, em todas as

matérias, com todos os professores. Quer que tenha um alto rendimento escolar, em todas

as matérias, todas, sem exceção. E isso é bom, mas não quando nos vemos obrigados a

sermos “perfeitinhos”. O comportamento “adequado” que seria silêncio o tempo todo,

quem pergunta de mais é tachado de enjoado, quem é contra questiona o porquê que uma

coisa ocorre de determinada maneira é ignorado, muitas vezes recebe respostas, mas

insuficientes. Deveria, na escola, ser permitido que alunos errem, pois ali nós alunos

estamos aprendendo. E não sermos tratados como um todo que não tem nada pra fazer da

vida além de estudar. Para informação de todos: os alunos possuem uma vida fora da

escola. O que mais me incomoda é a pressão por querer que eu mostre resultados, mas não

apenas por assim dizer, querem que eu seja a melhor, (muito obrigado pela consideração,

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mas não existe lugar pra todo mundo ser melhor neste sistema capitalista que vivemos).

Parece que um aluno bom não pode tirar nota baixa, qual é o problema?

Considerações Finais

Compreendendo que discurso é “efeito de sentido entre interlocutores” e que é na

língua que este discurso se materializa, tomamos as sequências discursivas dos elementos de

análise como materialidade para compreender os efeitos de sentido de cada um bem como

os efeitos de sentido produzidos pelos “diálogos” de ambos.

Fomos, assim, desenvolvendo o trabalho de forma a se fazer perceber que a escola

tida como um importante fator de mudança social na verdade não tem poderes para modificar

as estruturas, e, mais até, é ela a responsável por confirmar e sustentar esta estrutura.

A linguagem se institucionaliza tanto historicamente quanto sobre uma forma de ação

sobre o outro e sobre o mundo. E é na linguagem, através dos discursos, que as ideologias

são materializadas, reproduzidas e perpetuadas.

A escola não está criando discursos, ela está colocando em circulação discursos já

cristalizados na sociedade brasileira, provocando efeitos de sentidos que mantêm o

preconceito, na forma de não valorizar as diferentes formas de aprender, buscando constituir

alunos que tenham um padrão de notas, de comportamento e processo de aprendizagem.

Importantíssimo salientar que ao chegarmos ao fim desta pesquisa é que começa,

efetivamente, o “trabalho”. Trabalho de se questionar, de se pensar, professores e demais

envolvidos na educação, qual o papel que a escola está tendo na constituição, e solidificação, de

uma sociedade voltada para os interesses do ser social e não para a disseminação de preconceitos.

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PARTICIPAÇÃO E JUVENTUDE: DESAFIOS METODOLÓGICOS E PRÁTICAS

INOVADORAS

Euzeneia Carlos Doutora em Ciência Política, professora adjunta do PPGCS e coordenadora de área do Pibid

Ciências Sociais da UFES. E-mail: [email protected]

Larissa Pinheiro Mestre em Ciências Sociais e bolsista do Pibid Ciências Sociais da UFES.

E-mail: [email protected]

Resumo: Este artigo analisa o projeto pedagógico “Participação Estudantil” desenvolvido, na disciplina

Sociologia, em escola pública estadual de ensino médio na cidade de Vitória. Tal projeto visa ampliar as

condições de participação e de protagonismo estudantil da juventude a partir de um trabalho pedagógico

caracterizado por um duplo sentido: possibilitar ao aluno ser um agente ativo e construtor do

conhecimento e, fomentar a emergência de formas diversas de participação e representação na vida

escolar e fora dela. A análise se baseia em instrumentos do método qualitativo e quantitativo: observação

participante, entrevista semiestruturada e questionário estruturado. Buscou-se examinar a realização do

Projeto enquanto uma proposta metodológica inovadora e refletir acerca de suas implicações sobre o

processo ensino-aprendizagem e a formação política e cidadã da juventude.

Palavras-chave: participação; juventude; sociologia.

Abstract: This article analyzes the pedagogical project “Student Participation” developed in sociology

discipline in high school public in the city of Vitória. This project aims to expand the conditions of

participation of youth characterized by a double meaning: to enable the student to be an active agent

and builder of knowledge and to foster the emergence of various forms of participation and

representation in school life and beyond. The analysis is based on instruments of qualitative and

quantitative method: participant observation, semi-structured interview and structured questionnaire.

We sought to examine the Project as an innovative methodological approach and reflect on its

implications on the teaching-learning process and the political education and civic youth.

Keywords: participation; youth; sociology.

Introdução

No contexto escolar, a temática da participação e da juventude busca desenvolver

ações de incentivo à atuação e organização dos jovens nos seus processos de

desenvolvimento pessoal, social e de vivência política. Nestes termos, as atividades

educacionais deverão propiciar o desenvolvimento de metodologias voltadas à participação

e a “pluralidade de manifestação da juventude, estabelecendo formas de apoio para o

desenvolvimento de alternativas estruturadas de organização [...], representação e

participação estudantil no contexto escolar e social” (BRASIL, 2011, p. 16).

Este artigo analisa um projeto pedagógico denominado “Aprendendo a participar –

como desenvolver um projeto de participação estudantil na escola”, doravante “Participação

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Estudantil”, aplicado em escola pública estadual de ensino médio na cidade de Vitória, em

2014. No que preconiza as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2006),

este projeto visa ampliar as condições de participação e de protagonismo estudantil da

juventude a partir de um trabalho pedagógico na disciplina Sociologia, caracterizado por um

duplo sentido: (i) possibilitar ao aluno ser um agente ativo e construtor do conhecimento e

(ii) fomentar a emergência de formas diversas de participação e representação na vida escolar

e fora dela. Desse modo, esta proposta é consonante as diretrizes do Currículo Básico Escola

Estadual que destaca a importância da Sociologia como forma de: “Possibilitar ao aluno uma

atitude investigativa/cognitiva e uma prática social voltadas para a autonomia e participação,

através da compreensão da construção social da realidade e da emergência de ações efetivas

para transformá-la [...]” (ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 95).

O Projeto aborda o conceito de participação relacionado a uma concepção de

cidadania, ou seja, toma-se a participação estudantil como a apropriação dos alunos dos

meios de reflexão que lhes possibilitem a elaboração de uma consciência crítica que parta

para uma ação prática na escola e no seu entorno.

Neste artigo, buscamos analisar o desenvolvimento do Projeto Participação enquanto

uma proposta metodológica inovadora e refletir acerca de suas implicações sobre o processo

ensino-aprendizagem; seja na assimilação pela juventude de conhecimentos sociológicos

pertinentes seja na sua formação política e cidadã. Neste intuito, foram utilizados

instrumentos do método qualitativo e quantitativo para a coleta de informações e análise dos

dados, a saber: observação participante ao longo da concepção e execução do projeto,

aplicação de entrevista semiestruturada a três atores-chave e de questionário estruturado a

138 alunos do ensino médio da escola.

1. Democracia, participação e juventude: discussão teórica

Desde a década de 1960, em face da crítica à democracia representativa ou modelo

do elitismo pluralista (MACPHERSON, 1978), emergiu uma concepção participativa de

democracia, “pautada na ideia da ampla participação dos cidadãos nos assuntos de interesse

da coletividade” (LÜCHMANN, 2002, p. 22). Essa acepção parte dos teóricos clássicos

como Rousseau e J. Stuart Mill e enfatiza a retomada da articulação entre o conceito de

cidadania e o de soberania popular.

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Rousseau ressalta o caráter pedagógico da participação política, o seu cunho

transformador sobre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes dos indivíduos

que interagem dentro delas. Em sua teoria avalia o papel da participação para além de sua função

como complemento protetor de uma série de arranjos institucionais, enfatizando, sobretudo, o

efeito psicológico provocado sobre os que participam: o cidadão que participa da tomada de

decisões, mesmo sendo um indivíduo de interesses privados, aprende a ser também público.

Deste modo, a função central da participação na teoria de Rousseau é educativa, em seu sentido

mais amplo, ou seja, seu sistema ideal é concebido para desenvolver uma ação responsável,

individual, social e política como resultado do processo participativo. Em seu caráter educativo,

“a participação pode aumentar o valor da liberdade para o indivíduo, capacitando-o a ser (e

permanecer) seu próprio senhor” (PATEMAN, 1992, p. 40).

Stuart Mill acrescenta novas dimensões à teoria da democracia participativa,

conforme afirma Pateman (1992, p. 46). O autor argumenta que a participação nas

instituições formais da democracia apenas se efetiva como um comportamento orientado

pelo espírito público e responsável se o indivíduo tiver aprendido a se autogovernar na vida

cotidiana, ou seja, seu intelecto e disposições morais necessários à participação democrática

somente são alterados caso tenha se desenvolvido nos hábitos diários da cidadania, onde se

dá o verdadeiro efeito educativo da participação.

Partindo do pressuposto de que a teoria da democracia participativa se construiu em

torno da afirmação central de que os indivíduos e suas instituições não podem ser considerados

isoladamente, Pateman (1992) afirma que o máximo de participação de todas as pessoas em

todas as esferas (e não somente nas instituições representativas) é condição ao desenvolvimento

de atitudes e qualidades necessárias à vida verdadeiramente democrática. Para ela, o processo

participativo promove e desenvolve as qualidades que são necessárias à sua autossustentação,

na medida em que leva a aquisição de prática de habilidades cidadãs e procedimentos

democráticos. Nas palavras da autora: “[...] para que exista uma forma de governo democrática

é necessária a existência de uma sociedade participativa, isto é, uma sociedade onde todos os

sistemas políticos tenham sido democratizados e onde a socialização por meio da participação

pode ocorrer em todas as áreas” (PATEMAN, 1992, p. 61).

A participação possibilitaria aos indivíduos a capacitação e conscientização para

tomada de decisões políticas, alimentando-se e reproduzindo-se do próprio processo de

socialização coletiva. Assim, a participação é entendida como um processo que gera o

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desenvolvimento da cidadania e seu efetivo exercício configura-se como fator principal na

transformação das condições de subordinação política e de injustiças sociais.

2. Participação e juventudes

O debate teórico-conceitual em torno do tema da participação tem uma longa tradição

de estudos e análises, particularmente na ciência política. Soma-se a isto o fato de na

contemporaneidade as possibilidades de ampliação e fortalecimento da democracia

vislumbrar uma direção comum: a participação de atores sociais múltiplos e plurais na

tomada de decisões políticas. As experiências de combinação entre mecanismos de

democracia participativa e de democracia representativa, nas duas últimas décadas, têm

conferido ao termo participação novos significados. Neste contexto, o conceito de

participação pode ser desdobrado em participação política, popular, cidadã e social.

O conceito de participação política ressurge na concepção representativa de

democracia, segundo a qual a participação dos cidadãos tem um sentido decisional e restringe-

se ao processo eleitoral. Com efeito, pode ainda ser compreendido como o exercício de

atividades político-partidárias, ser membro em associações civis, além de manifestações de

protestos, marchas, ocupação de edifícios. Recentemente, esse conceito de participação

política vem traduzindo novos conteúdos e sentidos. Emerge do debate teórico uma visão

heterodoxa e emancipatória da política, depreendendo-se alguns elementos e valores comuns,

tais como “a solidariedade, a não preocupação com a tomada do poder, o respeito à pluralidade

e às diferenças, a prática de relações democráticas” (TEIXEIRA, 2002, p. 26).

Esta noção de participação, embora seja essencial seu sentido decisionístico e de

intervenção dos atores da sociedade civil no processo decisório, permanece insuficiente à

constituição da legitimidade política, requerendo para tanto uma dimensão argumentativa na

formação da vontade pública. Segundo Avritzer (2000), esse conceito vem sendo

complementado pela concepção pautada em processos de discussão e avaliação no qual os

diferentes aspectos de uma determinada proposta são pesados, a partir de uma tendência a

reavaliar o peso do elemento argumentativo no interior do processo deliberativo. Habermas

(1984), em sua preocupação em estabelecer uma forma de debate argumentativo na análise

do político, observa que a formação de uma esfera pública para a argumentação emerge

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historicamente como o resultado de um processo no qual os indivíduos demandam dos

governantes justificação moral dos seus atos em público.

A ideia de participação popular, por sua vez, configura-se nos anos oitenta associada

aos movimentos populares. Neste contexto, a participação nos processos de elaboração de

estratégias e de tomada de decisões orienta-se pelas categorias de classes populares e povo.

A participação popular foi definida como esforços da sociedade civil em movimentos sociais

urbanos e associações de moradores para aumentar o controle sobre os recursos e as

instituições do Estado (GOHN, 2001).

Na década seguinte, o aprofundamento da categoria cidadania e a construção de

novos espaços de ações coletivas inscritos na relação entre o público e o privado vão

valorizar os conceitos de participação cidadã e de participação social para designar as novas

formas de inserção participativa dos cidadãos na vida pública. A reorientação da ação dos

movimentos sociais e sua atuação dirigindo-se muito mais para a gestão de políticas exige,

como coloca Telles (1994, p. 52), “requalificar a participação popular nos termos de uma

participação cidadã que interfere, interage e influencia na construção de um senso de ordem

pública regida pelos critérios da equidade e justiça”.

Na participação cidadã, a categoria central passa a ser a sociedade em vez de ser a

comunidade ou o povo. A participação é concebida enquanto intervenção social ao longo de

todo o processo de formulação e implementação de políticas públicas. Tem como

característica principal a tendência à institucionalização, a partir da criação de estruturas de

representação da sociedade civil. Para Teixeira (2002, p. 30), a participação cidadã busca

aperfeiçoar o sistema de representação, “exigindo a responsabilização política e jurídica dos

mandatários, o controle social e a transparência das decisões”.

Já a participação social se constrói na relação sociedade e Estado. Neste tipo de

participação, a mobilização social passa a ser compreendida como energias a serem

canalizadas para objetivos comuns, em vez de uma aglutinação de pessoas para fins de

protestos e manifestações públicas. Para Gohn (2001, p. 1212), nessa modalidade de

participação ocorre um “esvaziamento do conteúdo político da mobilização e a sua

transfiguração em processo para atingir resultados”. Nesta concepção ganha relevância a

categoria de pertencimento, entendida como um sentimento de identidade que gera

motivação nos atores sociais, além da redefinição do conceito de solidariedade e de trabalho

voluntário, articulados às novas redes de sociabilidade.

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Em que medida estes conceitos expressam a participação juvenil? Qual é o

significado da participação da juventude? Quais repertórios de ação coletiva predominam

entre os jovens? A compreensão da participação como “tipos puros” são insuficientes para

apreender o engajamento das juventudes na contemporaneidade, dado que a relação entre os

jovens e o espaço público é complexa e multifacetada. Conforme aponta Dayrell (2013, p.

31), “há uma diversidade de estratégias utilizadas pelo mundo juvenil no sentido de construir

sua visibilidade pública e sua práxis social”.

Essa complexidade e diversidade de formas de manifestação política e social expressam

a heterogeneidade das culturas e sociabilidades juvenis. No entanto, essa diversidade nem

sempre está presente nos estudos. Ao contrário, no século XX, os estudos associaram a juventude

ora a delinquência ora a transformação social ora a apatia e despolitização (CASTRO, 2009).

Assim, se na década de 1960 tornou-se recorrente a ênfase na juventude revolucionária e seu

potencial transformador, principalmente em decorrência dos novos movimentos sociais; no

período pós-transição ressalta-se a juventude como apática ou desinteressada da vida pública e

da política. Três aspectos devem aí ser considerados.

Em primeiro lugar, conquanto o movimento estudantil brasileiro tenha passado por

significativas transformações em sua estrutura organizacional, nos seus propósitos,

identidades sociais e redes de relações sociais, permaneceu atuante ao longo das duas últimas

décadas na defesa de suas causas gerais (MISCHE, 1996).

Em segundo lugar, nesse contexto, nota-se o surgimento de novas organizações e

grupos culturais e políticos que se identificam como jovens (CASTRO, 2009). Ademais, os

dois grandes “ciclos de protesto” de âmbito nacional que marcaram a cena pública no país

no período pós Constituição de 1988 foram protagonizados pela juventude, a saber, o

Movimento dos Caras Pintadas Pró-Impeachment do presidente Collor de Mello, em 1992,

e os Protestos de Junho de 2013.

O terceiro aspecto se refere ao suposto descrédito dos jovens em relação à

representação política. De acordo com os estudos de Dayrell (2013) e Ibase/Pólis (2006), a

limitada quantidade de dados sobre a participação sociopolítica da população brasileira,

impede a afirmação de que a juventude é o único segmento que não apresenta maiores

índices de participação, dado que essa pode ser a realidade do conjunto da população.

Ademais, algumas pesquisas apontam uma coincidência entre (i) os índices de participação

da juventude e aquele do conjunto da população, inclusive, o baixo nível de envolvimento

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com os partidos políticos e sindicatos, e (ii) a correlação positiva entre os níveis de instrução

e de rendimento e a propensão à associação, em ambos os segmentos (IBASE/PÓLIS, 2006).

Dayrell (2013) argumenta que a participação juvenil ultrapassa as formas

institucionais de participação cuja compreensão não deve se restringir aos partidos políticos,

sindicatos, grêmios estudantis, etc. Acentua haver por parte dos jovens uma negação das

formas tradicionais de participação quando solapadas pelo clientelismo e nepotismo, o que

não significa, contudo, o desconhecimento da sua legitimidade quando bem-sucedidas.

Assim, algumas pesquisas destacam:

[...] o afastamento dos jovens dos sindicatos, mas não a sua negação; a

desconfiança em relação aos partidos; mas o reconhecimento de um

interesse difuso sem a participação correspondente; e a busca de uma

política sem rótulos tradicionais que designam posições de direita e

esquerda (SPOSITO, 2000 apud DAYRELL, 2013, p. 32).

Neste contexto, emergem novas formas de associativismo e participação juvenis que

precisam ser identificadas e compreendidas, as quais podem caracterizar repertórios mais

autônomos, espontâneos e fluidos. Além das formas contestatórias de ação direta, dos

coletivos juvenis e das manifestações culturais outra configuração da participação juvenil é

acentuada por Dayrell (2013) – o voluntariado.

O trabalho voluntário é acentuado pelos jovens pela sua capacidade de mobilização

e de aperfeiçoamento da participação política (IBASE/PÓLIS, 2006). Trata-se de um tipo de

intervenção de caráter individual voltado para o desenvolvimento social e a atenuação dos

efeitos das desigualdades sociais. Entendemos que o trabalho voluntário não

necessariamente é esvaziado de conteúdo político e – sendo de diversos tipos, objetivos e

estratégias – muitas vezes se inscrevem “num novo processo de envolvimento da juventude

atual com a política e a vida pública” (DAYRELL, ibid., p. 33). Nas palavras do autor:

Estas novas formas de associativismo juvenil podem apontar para um

alargamento dos interesses e práticas coletivas juvenis que fomentam

mecanismos de aglutinação de sociabilidades, de práticas coletivas e de

interesses comuns. Tais ações apontam para a questão da identidade juvenil

e o direito a vivenciar a própria juventude como mobilizadores de uma

possível participação social. Além disso, novas formas de ação e novos

temas parecem se articular em torno de ações coletivas que se dão de

múltiplas formas e com níveis diversos de intervenção no social, muitas

vezes de uma maneira fluida e pouco estruturada (DAYRELL, 2013, p. 33).

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3. Projeto participação: metodologia e práticas inovadoras

A investigação como base da educação escolar é uma forma de envolver alunos e

professores em um processo permanente de questionamento e reflexão sobre a realidade.

Este projeto pedagógico pretendeu contribuir com o tema da participação estudantil e teve

como objetivo promover ações de incentivo que despertassem o senso crítico dos alunos,

contribuindo para a sua formação política e cidadã.

O projeto foi realizado na Escola Estadual de Ensino Médio Professor Fernando

Duarte Rabelo, localizada na Praia de Santa Helena, Vitória/ES. Há uma peculiaridade desta

escola o fato dela não ser uma escola de bairro. Por ser considerada uma escola modelo

referência de ensino, trata-se de uma escola muito procurada. Por isso, chegam alunos de

diferentes localidades da Região Metropolitana da Grande Vitória.

Quando foi realizado um diagnóstico inicial na escola, no início dos trabalhos do

Pibid Ciências Sociais, em 2014, o tema da participação estudantil foi apontado como uma

das questões mais urgentes a serem trabalhadas, haja vista uma demanda da própria escola

de instrumentalizar os alunos para se mobilizarem de forma organizada em suas

reivindicações, e, inclusive de incentivar a reorganização do próprio grêmio estudantil que

se encontrava inativo – considerado a instância máxima e legítima de participação estudantil.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (2006), que orientam o

desenvolvimento da cidadania e do exercício do direito, propostas de ações que viabilizam

a articulação e o protagonismo dos alunos são relevantes, e, esta foi à intenção deste projeto.

O objetivo maior do projeto foi desenvolver o interesse nos alunos pela participação, a partir

do conhecimento acerca da participação estudantil dentro e fora dos muros da escola,

reconhecendo o papel protagonista do estudante como agente de transformação social.

Quanto aos objetivos específicos deste projeto pedagógico, destacamos: a) compreender

conceitos e teorias referentes ao tema participação, com ênfase na participação estudantil na

história política brasileira recente; b) orientar os alunos sobre como conduzir suas demandas de

forma legítima; c) incentivar a criação de formas de participação cidadã, tendo como protagonista

da mudança o aluno, viabilizando o exercício da cidadania dentro da escola e; d) desenvolver o

senso de participação dos alunos nas mais variadas áreas da vida social para além da escola.

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O projeto se deu inicialmente como projeto-piloto, abrangendo as turmas da segunda

série do ensino médio do turno matutino1. Com isso, nossa intenção foi recortar o objeto de

aplicação e análise a fim de dimensionar de forma compacta as atividades formativo-

pedagógicas e os resultados do projeto, facilitando a obtenção de resultados. A seguir

apresentaremos a metodologia, aplicada entre os meses de julho a setembro de 2014.

Na primeira parte do projeto foi realizado um levantamento histórico e de público,

tendo como enfoque a participação estudantil. Coletamos os dados por meio de um

questionário por amostragem, aplicado aos alunos da escola2. Também foram realizadas

algumas entrevistas individuais semiestruturadas de modo a conhecer os diferentes pontos

de vista em relação ao tema. Na segunda parte do projeto foram desenvolvidas as seguintes

atividades formativo-pedagógicas: aulas expositivas-dialogadas; roda de conversa;

confecção de fanzines e varal sociológico, as quais detalharemos a seguir.

Primeiramente realizamos aulas expositivas-dialogadas por meio de apresentação de

uma linha do tempo, elaborada em slides e em banner, sobre a participação estudantil na

história política recente do país, abrangendo quatro importantes eventos políticos: durante o

período da ditadura militar; no movimento das “Diretas Já”; no movimento “Fora Collor”

ou dos “Caras-Pintadas” e mais recentemente nos “Protestos de Junho”. A ideia desta

exposição logo no início do projeto foi motivar os alunos a aprenderem mais sobre o tema.

A dinâmica foi interessante porque os alunos tiveram oportunidade de participarem

diretamente das aulas, contribuindo com questionamentos e apontamentos que

demonstraram o interesse dos mesmos pela temática proposta pelo projeto.

Em seguida, organizamos uma roda de conversa com o título “Movimento Estudantil na

Prática” que contou com a participação de um ex-gremista do Colégio Estadual, outra escola de

referência em Vitória. A dinâmica da palestra foi conduzida pelas bolsistas de iniciação à

docência que dialogaram com o palestrante convidado por meio de um bate-papo, com

participação da plateia que favoreceu a apresentação das experiências vividas pelo convidado e

reflexões sobre a participação estudantil. Estiveram presentes 140 alunos aproximadamente.

Concomitantemente, os alunos iniciaram a produção de fanzines que é um tipo de

publicação impressa independente, cuja expressão informativa e de arte pretende fugir das

1 O projeto foi replicado para as turmas da segunda série vespertino da escola, ao mesmo tempo, pela professora

supervisora e com recursos do Pibid Ciências Sociais. 2 O questionário foi aplicado às turmas do ensino médio: 1M4, 1M1Integrado, 2M2, 2M2Integrado, 3M1 e

3M1Integrado. São turmas regulares e técnicas de Rede de Computadores.

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formas tradicionais de comunicação e mídia. A proposta do fanzine foi o desenvolvimento

de diferentes temáticas3 relacionadas ao tema participação. Em grupos, os alunos receberam

orientação de como desenvolver o fanzine por meio de um roteiro de instrução previamente

disponibilizado e tendo como exemplo um fanzine produzido pelas pibidianas com o tema

da participação estudantil na história brasileira que serviu de modelo.

Ao final, os alunos apresentaram suas produções no Varal Sociológico denominado

“ParticipAÇÃO”. Durante uma semana os fanzines foram expostos no pátio da escola,

juntamente com poemas/poesias e fotos sobre a participação estudantil na história política

brasileira. Ao todo foram confeccionados 57 fanzines.

4. Perfil associativo e político da juventude

A caracterização do perfil associativo e político da juventude se baseia na aplicação

de questionário estruturado aos alunos de seis turmas do Ensino Médio Regular e do Ensino

Médio Técnico em Rede de Computadores, do turno matutino, da Escola Estadual Professor

Fernando Duarte Rabelo, em julho de 20144. Do total de 169 alunos matriculados nessas

turmas, 138 responderam ao questionário, perfazendo uma amostra de 81,66% do universo

investigado. Dos respondentes 43,48% estão matriculados no 1º ano, 32,61% no 2º ano e

23,91% no 3º ano (Tabela 1). Cabe assinalar que o 3º ano, além de ter menor número de

matriculados, também consiste em nossa menor amostra (68,75%).

Tabela 1 - Composição dos respondentes por série do Ensino Médio

Turmas Respondentes %

1º ano 60 43,48

2º ano 45 32,61

3º ano 33 23,91

Total 138 100,00

Fonte: Projeto Pedagógico Participação Estudantil, 2014; Pibid Ciências Sociais-UFES.

3 Os temas desenvolvidos foram os seguintes: participação estudantil na história do país; grêmio; eleições; movimentos

sociais; democracia e cidadania; o povo como ferramenta da mudança social, por fim, política e cotidiano. 4 Conforme dito, o questionário foi aplicado antes da execução das etapas do projeto participação e seu objetivo

foi realizar um diagnóstico inicial das percepções dos alunos do ensino médio acerca do tema.

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A faixa etária dos estudantes é de 15 a 18 anos de idade, classificada como jovens

segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para

a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cujo recorte vai de 15 a 24 anos.

O questionário levantou as percepções dos jovens acerca de seu perfil associativo. Do total

de estudantes, apenas 13% afirmou participar de associação, entidade política ou movimento social,

sendo o 3º ano a série de maior participação (18,18%) e o 2º ano a menor (4,4%) - Tabela 2.

Tabela 2 - Você participa de alguma associação/entidade política ou movimento social?

Turmas Sim Não NR Total

1º ano 10 49 1 60

2º ano 2 42 1 45

3º ano 6 27 0 33

Total 18 118 2 138

Percentual 13,04% 85,51% 1,45% 100%

Fonte: Projeto Pedagógico Participação Estudantil, 2014; Pibid Ciências Sociais-UFES.

No entanto, a propensão dos jovens respondentes a participar de um grêmio estudantil

é maior e alcança 30,43% (Tabela 3). Vale destacar, ainda, que quando perguntados se

participariam de um projeto que estimule a participação estudantil o nível de adesão salta

para 48,55%, estando a maior receptividade no 3º ano (57,58%).

Tabela 3 - Você participaria de um grêmio estudantil?

Turmas Sim Não NR Total

1º ano 18 41 1 60

2º ano 15 30 0 45

3º ano 9 24 0 33

Total 42 95 1 138

Percentual 30,43% 68,85% 0,72% 100%

Fonte: Projeto Pedagógico Participação Estudantil, 2014; Pibid Ciências Sociais-UFES.

A pesquisa do Ibase/Pólis (2006) mapeou o grau de mobilização dos jovens no Brasil

e demonstrou que 28% da juventude participam no seu bairro ou em qualquer parte da

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cidade, de algum grupo social. Esse indicador é similar aquele encontrado no conjunto da

população brasileira (DAYRELL, 2013).

O perfil político dos jovens do ensino médio, por sua vez, é caracterizado por suas

percepções da importância e do papel da participação estudantil no contexto escolar. A quase

totalidade dessa juventude (98,55%) reconhece a importância da participação dos alunos nas

decisões da escola, com destaque em todas as séries do ensino médio (Tabela 4).

Esta participação, além de concebida como um valor em si, pelo seu potencial

educativo, pedagógico, inclusivo e formador da cidadania é esperado como um mecanismo

eficiente na produção de melhores resultados no processo decisório e na gestão da escola.

Conforme demonstram os dados, 90,58% dos jovens do ensino médio apontam que a sua

participação na escola melhoraria o ambiente escolar, vislumbrando, assim, um efeito prático

da participação no cotidiano vivido.

Tabela 4 - Você acha importante a participação dos alunos nas decisões da escola?

Turmas Sim Não Total

1º ano 59 1 60

2º ano 44 1 45

3º ano 33 0 33

Total 136 2 138

Percentual 98,55% 1,45% 100%

Fonte: Projeto Pedagógico Participação Estudantil, 2014; Pibid Ciências Sociais-UFES.

Este perfil associativo e político da juventude do ensino médio demonstra, por um lado,

que a adesão às formas tradicionais de participação como associações, entidades civis e

movimentos sociais não está tanto em evidência, e acompanha a tendência da população brasileira

em geral. Por outro lado, a sua caracterização política aponta que os jovens não são indiferentes

ou desinteressados da participação como um todo, ao contrário, eles reconhecem a relevância de

seu engajamento no contexto escolar e o papel da participação na melhoria das decisões tomadas.

5. Inovação nas práticas pedagógicas e promoção da participação

A EEEM Professor Fernando Duarte Rabelo possui tradição de participação em processos

políticos na região da Grande Vitória, em articulação com outras escolas. A escola participou de

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forma integrada aos Protestos de Junho de 20135. No início de 2014 pudemos observar de perto a

mobilização dos alunos dando apoio à greve dos professores da rede estadual6. Isso se deu a partir

dos debates que foram promovidos no começo do ano com relação ao movimento grevista, com

destaque para as aulas de Sociologia onde o Pibid Ciências Sociais atua.

Foi uma das escolas que iniciou o movimento de apoio à paralização dos professores.

Os estudantes são protagonistas até na organização política estudantil na região. A escola

tem uma característica peculiar de não ser de comunidade, ao contrário, concentra alunos

que vem de vários locais da Grande Vitória, o que colabora na mobilização do movimento.

Apesar de a escola estar inserida em um bairro nobre Praia de Santa Helena, a sua clientela

é formada por alunos de nível sócio econômico baixo a médio, oriundos do entorno da escola

e outros distantes da Grande Vitória.

Apesar de serem avançados em termos de participação estudantil fora dos muros da escola,

a participação dentro dos muros da escola era ainda um tanto incipiente. Além disso, os alunos

desconheciam a função do grêmio estudantil dentro da escola em si. Por duas vezes, nos anos de

2012 e 2013, ocorreram tentativas frustradas de se criar um grêmio na escola que não foi à frente

devido à desmobilização dos alunos de um modo geral. O projeto veio exatamente nessa tentativa

de auxiliar os alunos a se organizarem para esta modalidade de participação estudantil.

Antes de dar início ao mesmo nos deparamos com uma situação que alterou a

concepção original do mesmo que foi a reorganização do grêmio pelos próprios alunos por

meio de Assembleia Geral dos Estudantes na escola, no dia 30 de julho de 2014, o que

pudemos tão somente acompanhar e dar apoio à implementação do mesmo. Essa realização,

segundo o presidente do grêmio se deu ao espírito de mudança que tomou o Brasil em 2013.

Algumas semanas depois ocorreu à primeira eleição e eleita a chapa única

“#Movimente-se”. A partir disso, deu-se início aos trabalhos do grêmio na escola cujo nome

é “Honestino Monteiro Guimarães”. Para o presidente do grêmio por meio desta organização

os alunos têm seus direitos reconhecidos e são representados por uma organização formada

por e para os alunos. Por meio dele os alunos têm suas ideias, propostas e reclamações

5 Foi uma série de protestos populares (com um número grande de estudantes) que ocorreram em todo o país

que inicialmente contestava o aumento das tarifas de transporte público e que em seguida se expandiu para

outros temas, como gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, má qualidade dos serviços

públicos, corrupção, etc. 6 No mês de abril de 2014 em apoio à paralização dos professores, os alunos da escola foram em cortejo até a

direção da Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo (Sedu), juntamente com alunos de outras

escolas. Os alunos se mobilizaram por meio das redes sociais, denominando o movimento de “Hoje a aula é na

rua”. A greve dos professores da rede pública durou 37 dias.

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ouvidas, e, conforme o caso, o grêmio busca soluções para que o ambiente escolar seja

agradável ao convívio. Contudo, quando se trata de faltas disciplinares ou atos infracionais

o grêmio acaba sendo mal visto pelos alunos por não interferir nesses casos.

Outro ponto importante que coloca é que os alunos desconhecem seus direitos e

deveres como estudante e que são mais cobrados pelos seus deveres, e, muitas vezes são

ocultados seus direitos como estudantes. Para ele a participação é pouca aplicada e requerida

pelos alunos. De fato, seu ponto de vista coincide com os resultados encontrados nos

questionários aplicados aos alunos.

Segundo a professora de Sociologia, apesar dos professores serem engajados

politicamente e motivarem a existência do grêmio, a dinâmica da escola fez com que a

orientação sobre participação estudantil fosse adiada e que alguns professores vissem o

grêmio como uma ameaça. Para ela o aluno tem uma visão reduzida da participação

estudantil que se restringe apenas ao lado dos conflitos dos assuntos que emergem no

cotidiano da escola. Então, antes seria necessário se organizar para depois participar.

A partir do questionário aplicado, concluímos que os alunos acreditam que seja

importante a participação estudantil nas decisões na escola e que conhecem o que vem a ser

um grêmio estudantil, entretanto, ao serem questionados se participariam do mesmo, a

maioria não participaria. Reconhecem, contudo, que se participassem das decisões da escola

contribuiria para a melhoria do ambiente escolar. A reorganização do grêmio pelos próprios

alunos demonstrou a forma como eles encontraram para se articularem no espaço escolar, e,

encontraram uma ocasião oportuna devido ao fato de ganharem o apoio do diretor da escola.

Em última análise, podemos dizer que a aplicação do projeto participação se correlaciona

aos resultados obtidos no processo ensino-aprendizagem, especialmente, em dois aspectos. Em

primeiro lugar, pelo conhecimento sociológico adquirido acerca do tema da participação e da

democracia e expresso pelos alunos, seja na sala de aula seja nas atividades extraclasse seja ainda

nos fanzines confeccionados. Em segundo lugar, pela contribuição do projeto à formação política

e cidadã dos educandos, tendo fomentado processos de engajamento na participação estudantil que

potencialmente impactam seu cotidiano dentro e fora da escola.

Referências

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AFRICANIZANDO

Fabíola dos Santos Cerqueira PIBID Ciências Sociais/UFES

Alexandre Holanda Nascimento Mestrando em Geografia/UFES

Resumo: O Projeto “Africanizando”, desenvolvido durante o ano letivo 2015 com jovens estudantes do

Ensino Médio da EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão, em parceria com o PIBID Ciências Sociais/UFES, visa

atender as Leis 10639/2003 e 11645/2008, as quais tornam obrigatório o Ensino da História e da Cultura

Africana e Afro-brasileira e dos indígenas na Educação Básica. Abordamos no desenvolvimento do projeto

a (des)construção histórica do racismo e a permanência política e ideológica das teorias racistas que

inferiorizam a população negra no imaginário social, através de Rodas de Conversa Sociológicas, pesquisas

bibliográficas, produção de painéis com dados políticos, sociais, culturais e econômicos de países africanos,

oficinas, aula de campo em comunidade quilombola, vídeos, músicas e customização de bonecas negras.

Palavras-chave: cultura afro-brasileira; história da África; escola.

Abstract: The Project “Africanizing” developed during the 2015 school year with youth high school

students from EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão in partnership with PIBID Social Sciences/UFES, that aims

to meet the Laws 10639/2003 and 11645/2008 which make mandatory the teaching of the History of

Education and Culture of the African and Afro-Brazilian and indigenous in Basic Education. Approach in

Project development a(un)building historical of racism and political and ideological persistence of racist

theories that abashes the Black population in the social imaginary, through Sociological conversation, library

research, production of panels with political, social, cultural and economic data of African countries,

workshops,field class in a quilombola community, videos, music and Black doll's customization.

Keywords: afro-brazilian culture; history of Africa; school.

Introdução

O presente trabalho refere-se a um relato de experiência desenvolvida na EEEFM

Aristóbulo Barbosa Leão, localizada no município de Serra/ES, no turno noturno, com

jovens estudantes do 3º ano do Ensino Médio Regular, de forma interdisciplinar, entre as

disciplinas Sociologia e Geografia, em parceria com o PIBID Ciências Sociais/UFES, no

primeiro semestre letivo de 2015.

Através de Rodas de Conversas abordando a História e a Cultura da África e dos Afro-

brasileiros, assim como de trabalho de pesquisa e elaboração de banners, os estudantes

apresentaram trabalhos sobre países da África, focando nos seguintes aspectos: Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), Idioma, Culinária, Danças, Músicas, Aspectos Históricos e

Geográficos, Organização Social e Espacial, Forma de Governo, Religião, País Colonizador,

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assim como aspectos da contemporaneidade, como a existência ou não de conflitos

envolvendo o país escolhido para a pesquisa.

Todo o trabalho foi registrado através de vídeos e fotografias. Essa proposta está

embasada na Lei 11645/2008 (BRASIL, 2008), a qual prevê a obrigatoriedade do ensino de

História da África e da Cultura Afro-brasileira e Indígena nas escolas de Educação Básica.

Acreditamos que a não discussão dessas temáticas no contexto escolar, somado às teorias

racistas que, mesmo já tendo sido derrubadas cientificamente permeiam o imaginário social, na

perspectiva política e ideológica, abrem espaço para que práticas de racismo ocorram também

no cotidiano da escola reverberando nas famílias e por seu turno na sociedade.

Rocha (1994) afirma que o etnocentrismo é uma visão do mundo no qual nosso

próprio grupo é tomado como centro de tudo, e todos os outros são pensados e sentidos

através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência.

Passamos a julgar o “outro” segundo o que pensamos, sentimos e acreditamos ser correto. O

“eu” passa a ser a referência para o “outro”. O reconhecimento da diferença é ameaçador

justamente porque fere a nossa própria identidade cultural. A sociedade do “eu” passa então

a ser reconhecida como a melhor, a superior, a civilizada por excelência.

Rocha aponta ainda:

Aqueles que são diferentes do grupo do eu – os diversos “outros” deste

mundo – por não poderem dizer algo de si mesmos, acabam representados

pela ótica etnocêntrica e segundo as dinâmicas ideológicas de

determinados momentos (ROCHA, 1994, p. 15).

Daí torna-se necessário um esforço de relativizar, a fim de não transformar a diferença em

desigualdade, que hierarquiza as culturas e os homens e as mulheres em superiores e inferiores.

Relativização [...] é o esforço de compreender a significação dos

comportamentos, pensamentos e sentimentos do “outro”, nos termos da

cultura do “outro” [...], a tarefa relativizadora da antropologia seria a de

denunciar as lentes como lentes, lembrando que nenhuma delas é única,

melhor, superior, intransformável ou insubstituível [...] não é nada fácil

relativizar, pois a relativização vai contra as tendências etnocêntricas

espontâneas do pensamento, que é sempre pensamento segundo os cânones

de determinada cultura (RODRIGUES, 2003, p. 135).

A relativização possibilita que a diferença seja vista em sua riqueza:

O ser da sociedade do “eu” e os da sociedade do “outro” devem estar mais

perto do espelho onde as diferenças se olham como escolha, esperança e

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generosidade. Devem estar, também, mais longe das hierarquias que se

traduzem em formas de dominação. [...] A ida ao “outro” se faz alternativa

para o “eu” (ROCHA, 1994, p. 93).

No início do ano letivo de 2015 resolvemos montar o “Painel Sociológico”, no corredor

da escola. A proposta era de que o mesmo fosse temático. Abordamos cinco temáticas: Equilíbrio

do Planeta Terra; Manifestações ABL; Bullying; Tribos Juvenis; e Onde está o Negro?

Figura 1 - Painel Sociológico

O último painel (Onde está o Negro?) foi proposto duas vezes, ficando exposto por

aproximadamente três semanas e o teor das mensagens escritas nos trouxe muitas

preocupações, uma vez que explicitava o racismo, o ódio e o desrespeito ao outro, disfarçado

na forma de “brincadeiras”. Diante dessas preocupações, levamos o painel para a sala de

aula e lá solicitamos que os próprios estudantes fizessem a análise e então pudemos debater

o assunto com eles de forma mais aprofundada, conforme mostra a Figura 2.

Figura 2 - Análise dos Painéis Sociológicos em sala de aula

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Muitos ficaram espantados com as frases e palavras que liam. Outros eram indiferentes.

Muitos mostravam-se indignados. Foi o impacto do resultado do “Painel Sociológico” que mais

influenciou no direcionamento deste projeto, sobretudo, devido às frases, algumas de cunho

preconceituoso, como “O negro está onde tem pessoas praticando racismo”, “Somos todos

macacos”, “Camuflados na escuridão”, “Os negros estão nas cadeias”, “Não me julgue por não

ser igual”, “O negro está roubando”, “Preto é cor, negro é foda”, dentre outras frases e palavras

de baixo calão, todas escritas em letras grandes e destacadas, o que fazia com que outras, de

caráter afirmativo, sumissem, já que eram escritas de forma discreta, no canto do painel, quase

imperceptível, como “Abra sua mente, negro também é gente”, “Mostre sua raça, mostre sua

cor”, “Enquanto a cor da pele for identidade sempre haverá guerra”, “Diga não ao racismo”.

Esse projeto é uma aposta de que o conhecimento a respeito do outro (sua história,

sua cultura, sua religião), nesse caso aqui o negro, poderá desconstruir o racismo. Os

preconceitos são socialmente aprendidos, logo, podem ser desconstruídos, com

conhecimento a respeito do outro, vencendo o etnocentrismo, superando política e

ideologicamente a ideia de raças superiores. Foi essa ideia cruel, que no século XX, dizimou

mais de 6 milhões de judeus, negros, ciganos, homossexuais e todos os que não cabiam na

forma “ariana” de Hitler, na Alemanha. Quiçá, esse mesmo racismo esteja tácito nos

movimentos migratórios da contemporaneidade entre a África e a Europa.

1. O desenvolvimento da experiência

Para o desenvolvimento das atividades aqui relatadas utilizamos textos (COSTA e

OLIVEIRA, 2013, p. 63-75; 92-99), imagens e músicas; discussões em pequenos grupos nas

salas de aula; rodas de conversa; aula expositiva dialogada; pesquisas e apresentações de

trabalho; produção de banners; e customização de bonecas negras. Ao longo dos dois

primeiros trimestres, a partir de aulas expositivas dialogadas, leitura de textos e trabalhos em

pequenos grupos, músicas, vídeos e rodas de conversa, trabalhamos com os conceitos

sociológicos de culturas, etnocentrismo, racismo, preconceito, discriminação, teorias

racistas e mito da democracia racial.

No dia 07 de maio de 2015 tivemos a 1ª Roda de Conversa Sociológica “Africanizando”,

com o Pedagogo angolano Abraão Nicodemos Ndjung (Figura3), objetivando desmistificar a

África primitiva. Ele abordou a cultura angolana e os conflitos porque passa vários países

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africanos, dentre eles, a República Democrática do Congo, onde ele nasceu e de onde teve que

sair devido à guerra. Falou de sua experiência nos campos de refugiados e da exploração de

Coltan, produto extraído das minas e que serve para a fabricação de celulares, computadores e

aparelhos eletrônicos. É o efeito do capitalismo na vida das pessoas de lugares mais distantes o

que foi também abordado nessa roda de conversa. Esse momento foi especialmente para os

estudantes do noturno e contou com a participação de cerca de 60 estudantes e Professores de

Sociologia, Geografia, Língua Portuguesa, História e Matemática.

Figura 3 - 1ª Roda de Conversa Sociológica

No dia 18 de junho de 2015 tivemos a 3ª Roda de Conversa, a qual teve como tema

“As Religiões de Matriz Africana”, mediada pela Professora da Rede Municipal de Vitória,

Indiomara Sant’Anna (Figura 4).

Figura 4 - 2ª Roda de Conversa Sociológica

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2. “No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho...”

Os desafios para a elaboração e execução deste projeto foram muitos e acredito que

ainda teremos muitos a serem vencidos até o final do ano letivo e a sua “finalização”.

Agrupar todos os profissionais interessados para planejar coletivamente as ações a serem

desenvolvidas foi o maior de todos os desafios. Muitas vezes tivemos que recorrer às redes

sociais ou ao e-mail para nos comunicar, já que presencialmente nem sempre foi possível.

Só faltou mesmo uma web conferência (o que não teria sido uma má ideia).

Conseguir motivar os estudantes, que a princípio parecia ser a maior de todas as

“pedras”, foi muito fácil, principalmente porque as atividades planejadas os tinham como

foco da aprendizagem (principalmente os do 3º ano). Uma estratégia foi a problematização

dos conceitos como tema da redação, nos moldes do ENEM. Embora a superação do

racismo não seja tão fácil, já que apesar de todos os argumentos científicos, culturais,

históricos percebemos que alguns estudantes e até professores, verbalizam frases/palavras

ofensivas e que mostram desconhecimento acerca do outro. Superar o etnocentrismo não

é milagre. É persistência e muito trabalho.

Coordenar um projeto como este tendo apenas uma aula por semana também não

foi nada fácil. A Sociologia tem um grande potencial como disciplina, pois nos permite

trabalhar de forma interdisciplinar com todos os outros componentes curriculares,

sobretudo, quando apostamos na pesquisa sociológica como eixo do trabalho. Mas a carga

horária de trabalho dificulta a ampliação de muitas discussões, daí que tentamos contornar

essa “pedra”, no turno noturno (onde foi possível), disponibilizando meu tempo livre para

estar em parceria com o Professor de Geografia, Alexandre Holanda Nascimento, para o

desenvolvimento de algumas atividades, em sala de aula, conforme a Figura 5. As

apresentações de trabalho foram excelentes e superaram nossas expectativas. Acreditamos

que o fato do trabalho ter sido solicitado, cobrado, incentivado e avaliado por professores

de duas disciplinas contribuiu para o empenho dos estudantes.

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Figura 5 - Trabalho de Pesquisa e Elaboração de Banner - Conhecendo os Países da África

No segundo trimestre produziram pesquisas sobre aspectos culturais, sociais, econômicos

e políticos de países africanos, de forma interdisciplinar com Geografia. Essas pesquisas foram

materializadas em banner e apresentadas em sala de aula. No noturno fizemos a apresentação

juntando na mesma aula os professores de Sociologia e Geografia para a avaliação dos trabalhos.

Ainda no segundo trimestre tivemos a customização de bonecas negras. Do total de 50

(cinquenta) bonecas, 27 (vinte e sete) foram doadas por amigos e parceiros para que fossem

customizadas e posteriormente, doadas a um orfanato do município da Serra. Ressaltamos que

além da customização das bonecas, os estudantes deveriam escolher um nome para elas, o qual

deveria estar relacionado com mulheres negras que lutaram em prol da liberdade e da

igualdade racial, demandando disso um aprofundamento ainda maior em antropologia cultural

sobre o povo do continente em tela. Dois nomes escolhidos e que chamara atenção até o

momento: Dandara (esposa de Zumbi dos Palmares) e Luiza Mahin (mãe biológica de Luiz

Gama – poeta e abolicionista –, quitandeira que, segundo o filho, foi uma das articuladoras da

Revolta dos Malês). Além disso, na distribuição das bonecas em sala de aula, pudemos

observar uma postura diferente nos meninos, que ao invés de fazer brincadeiras machistas com

os que seguravam as bonecas, passaram a escolhê-las e a verbalizar que queriam aquelas que

se fossem filhas/filhos se pareceriam com eles. Destacamos aí a questão de gênero colocada

de forma positiva, pois pudemos refletir sobre a paternidade responsável.

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Figura 6 - Customização das bonecas negras

Conclusão

Sabemos que esse trabalho está só no começo, pois se faz necessário realizá-lo

diariamente. A Lei 10639/2003 completou 12 anos em maio e mesmo sendo reforçada (e

ampliada com a obrigatoriedade da inserção da cultura indígena na educação básica) a partir da

Lei 11645/2008, percebemos o quão longe estamos de ver essas temáticas incluídas no currículo

da Educação Básica. Infelizmente, conforme nos faz refletir Martin Luther King, “aprendemos

a voar como pássaros e a nadar como peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos”.

Acreditamos que a experiência vivenciada por nós na EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão

pode ser desenvolvida em outras unidades de ensino, com a mesma metodologia, adaptando-a

as especificidades da comunidade escolar. Acreditamos ainda que este trabalho deve ser de

continuidade e envolver todos os componentes curriculares e transversalizar o currículo escolar.

Há necessidade de problematizar o racismo no ambiente escolar e a forma como visibilizamos

o negro. Sem isso continuaremos a naturalizar posturas racistas, as quais rejeitamos.

Durante a avaliação do projeto com os estudantes, fomos surpreendidos com as

seguintes afirmações:

“Só parei para pensar que não existem bonecas negras depois desse trabalho”.

“Minha filha é negra e o primeiro presente que dei a ela foi uma boneca

branca. Se fosse hoje, daria uma boneca negra. Esse projeto me estimulou

a enxergar isso”.

“O projeto foi muito bom. Gostei do vídeo “Vista minha pele”, pois foi a

primeira vez que vi um branco passando pelo que passo diariamente”.

“O trabalho em parceria com Geografia foi muito bom. Ótima ideia”.

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O momento de recebimento das bonecas customizadas foi muito emocionante. Além

de perceber através das rodas de conversa o amadurecimento dos estudantes em relação à

discussão a respeito do racismo e da África, percebi que nos aproximamos a partir desse

trabalho. Era comum ser procurada para ouvir como as mães, as tias, as cunhadas e irmãs

estavam empolgadas com essa atividade.

O que mudaria numa próxima aplicação seria a realização de uma aula de campo numa

comunidade quilombola. Penso que seria a primeira coisa a ser feita. Infelizmente tivemos que

deixar para o terceiro trimestre, devido à falta de recursos. A experiência com a pesquisa

sociológica é muito importante para o desenvolvimento de projetos que trabalham temas como

identidade, preconceito e discriminação. O contato com o outro, com o diferente, com o

“estranho” e com a sua história é capaz de mobilizar ainda mais para o trabalho.

Como acreditamos que o racismo não é natural, ou seja, não nascemos, mas nos

tornamos racistas, apostamos que a escola, através da conscientização e do conhecimento, pode

contribuir para atitudes de respeito à diversidade. Para tanto precisamos estar dispostos a abordar

as temáticas que envolvem os direitos humanos em sala de aula e a exigir uma postura de respeito

por parte de todos. Acreditamos que assim estaremos fazendo nossa parte enquanto educadores.

Referências

BRASIL. Lei 11.645, que Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei

no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para

incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura

Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília: 10 de março de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.

gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em: 22 ago. 2015.

COSTA, Ricardo Cesar Rocha da. OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Sociologia para

Jovens do Século XXI. 3ª Ed. - Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2013.

ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994 (Coleção

Primeiros Passos)

RODRIGUES, José Carlos. Antropologia e comunicação: princípios radicais. Rio de

Janeiro: Ed. PUC-RIO; São Paulo: Loyola, 2003

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A IMPORTÂNCIA DO PIBID PARA A PROMOÇÃO DA LICENCIATURA NAS

CIÊNCIAS SOCIAIS

Leonardo Rangel Bolsista Pibid Ciências Sociais/UFES

Yamilia Siqueira Bolsista Pibid Ciências Sociais/UFES

Larissa Pinheiro Bolsista Pibid Ciências Sociais/UFES

Euzeneia Carlos Coordenadora Pibid Ciências Sociais/UFES

Resumo: Este artigo avalia os resultados de uma experiência de formação docente em duas escolas

públicas da Grande Vitória/ES, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

(Pibid) Ciências Sociais. Nele buscamos apresentar as contribuições do Pibid para a formação docente

e a consolidação da licenciatura nas Ciências Sociais, enfatizando o processo de formação de futuros

professores na interação entre o ambiente universitário e o escolar, e na relação entre a formação teórica

e a prática, tendo em vista os desafios da disciplina de Sociologia no Ensino Médio.

Palavras-chave: sociologia; formação docente; Pibid.

Abstract: This article analyzes the results of a teacher training experience in two public schools in

Grande Vitória/ES, through the Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID)

in Social Sciences. We seek to present the Pibid contributions to teacher training and the

consolidation of degree in Social Sciences, emphasizing the process of future teachers training in the

interaction between University and school environment, as well the relationship between theory and

practice, and in view of Sociology discipline challenges in high school.

Keywords: sociology; teacher training; PIBID.

Introdução

Apresentamos relatos vivenciados em duas escolas da rede pública estadual da Grande

Vitória, denominadas EEEM Professor Fernando Duarte Rabelo, localizada na Praia de Santa

Helena, Vitória/ES e EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão, localizada na Avenida Desembargador

Mário da Silva, Jardim Limoeiro, Serra/ES. Em 2014, as escolas foram escolhidas para receber

o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), experiência inédita realizada

pela Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E é a

partir da realização do programa nestas duas escolas que conseguimos elaborar a reflexão sobre

este primeiro ano de construção do Pibid nas Ciências Sociais, tentando pensar sobre o papel e

a relevância do Pibid para a consolidação da Licenciatura.

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Este artigo não se restringe ao levantamento bibliográfico sobre o Pibid ou sobre a

licenciatura de Ciências Sociais, mas sim se propõe a documentar parte das reflexões sobre

o programa ao longo de um ano de sua implantação. Assim, será enfatizado os seus impactos

na formação docente dos bolsistas e na licenciatura em Ciências Sociais, ou seja, será levado

em conta o que a implantação do Pibid contribuiu e contribui para os alunos da graduação.

Explicitaremos a relevância do programa, suas realizações e as demandas geradas.

Ao longo de mais de um ano do Pibid nas Ciências Sociais, foi possível etnografar

(GEERTZ, 2008) semanalmente uma série de percepções, relatos e situações significativas,

através de nossos diários de campo. Além do nosso caderno de campo utilizamos também o

método etnográfico de observação participante tendo como principal objetivo compreender

distintas relações que envolvem o ambiente acadêmico e o escolar. Segundo Tura (2013, p. 187):

A observação participante tornou-se uma referência importante na

distinção entre as diferentes abordagens, caracterizando-se, num sentido,

pela presença constante do observador no campo e a observação direta das

atividades de um grupo no local de sua ocorrência. Haguette (1987)

distinguiu basicamente concepções com relação a essa metodologia. Uma

em que define como uma forma específica de coleta de dados que se

sobrepõe à entrevista e ao questionário e outra que a entende mais

especificamente como instrumento de mudança social, considera o

observador mais ativo e capaz de planejar com o grupo intervenções no

contexto social (TURA, 2013, p. 187).

Nós alunos “pibidianos” nos enquadramos como observadores ativos, estando

semanalmente dentro de nosso campo de estudo, a escola, sempre em contato e em constante

reflexão sobre a educação escolar e a Sociologia no Ensino Médio, e procurando intervir

rotineiramente nos processos de ensino objetivando colaborar com a melhoria da educação

e do ensino de Sociologia. Utilizando como ferramenta de observação o diário de campo

para compreender e analisar as relações entre Pibid, Escola e Universidade.

Apesar da contribuição fundamental da observação participante e do caderno de

campo para o auxílio da construção textual, este documento não constitui uma etnografia em

si, o que se pretende é construir uma avaliação do programa e das metas de formação de

professores e da consolidação da licenciatura em Ciências Sociais. Bem como, buscarmos

uma reflexão sobre a relação da Sociologia com a sala de aula, relatando objetivos

alcançados, demandas criadas e também as experiências e percepções geradas nos alunos

bolsistas em contato com a Sociologia no Ensino Médio.

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1. PIBID e consolidação da licenciatura nas Ciências Sociais

Neste ano de 2015, o Pibid Ciências Sociais concluiu seu primeiro ano de experiência

na Universidade Federal do Espírito Santo. Neste período o Pibid foi a principal conquista

da licenciatura no curso, tendo difíceis responsabilidades e muitos resultados em pouco

tempo de implantação, um programa que vem adquirindo identidade e maturidade e se

propondo a superar desafios, sendo estes desafios tanto da própria execução do programa,

quanto dos objetivos a serem alcançados como a formação de futuros docentes em Ciências

Sociais e a consolidação da Licenciatura.

Este artigo vem a se consistir no relato das realizações do Pibid até o momento. A

contribuição do programa na formação dos bolsistas, e no processo de consolidação da

licenciatura nas Ciências Sociais, e uma reflexão acerca das práticas do Pibid, com intuito

de ampliar seu papel e contribuir na realização de seus objetivos. Considerando as vivências

e impressões dos próprios “pibidianos” na construção deste artigo.

O Pibid Ciências Sociais começou suas atividades em março de 2014, contando com

duas professoras supervisoras, abrangendo duas escolas da Grande Vitória, juntamente com

uma professora na coordenação de área, quatro professores colaboradores, e quatorze

bolsistas. Este grupo formado iniciou o programa nas escolas de Ensino Médio,

possibilitando a comunicação e trocas de saberes entre escola e universidade.

Tratando então do desafio para a consolidação da licenciatura no curso de Ciências

Sociais, o Pibid tem a responsabilidade de ser a principal conquista do curso para pensar e

praticar o ensino da Sociologia no Ensino Médio. Nossa primeira ação com o intuito de

contribuir com a formação de professores e trazer o debate sobre as práticas educacionais

para o curso foi a realização de “Rodas de Conversa” (Figura 1). Trata-se de um espaço

aberto pelo Pibid para pensar temas relacionados ao trabalho docente, com professores

convidados para tratar de assuntos como: “O currículo de Sociologia no Ensino Médio”,

“Desafios da diversidade no Ensino Médio”, entre outros assuntos, além de rodas de

conversa ministradas pelos próprios bolsistas usando como temas “Desafios teóricos e

pedagógicos para as Ciências Sociais no Ensino Médio”1.

1 Do período de maio de 2014 a junho de 2015 foram realizadas seis Rodas de Conversa, nas quais estiveram

presentes, no total, 101 participantes.

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Figura 1 - Roda de conversa realizada no dia 08 de maio de 2014.

Fonte: Acervo Pibid Ciências Sociais UFES, 2014.

Além das vivências escolares, as rodas de conversa são os principais momentos de

formação do Pibid, proporcionando o debate, questionamentos, e maior conhecimento acerca

dos assuntos relacionados à educação, contribuindo também para a integração dos grupos

das escolas. Outra vantagem também das rodas de conversas é que outros estudantes da

graduação podem participar desse momento, podendo discutir a licenciatura no curso,

trazendo relatos e experiências diversas. Este espaço de discussão deve ser cada vez mais

valorizado funcionando como integralizador com a participação de mais estudantes,

contribuindo que não participantes do Pibid também se beneficiem do programa.

Outras importantes realizações do Pibid foram as participações em eventos, sendo o

primeiro evento que participamos a VIII Semana de Ciências Sociais da UFES, realizada nos

dias 12, 13 e 14 de novembro de 2014, onde apresentamos os projetos realizados nas escolas de

Ensino Médio, demonstrando a importância do Pibid para a educação e para a Sociologia no

ensino escolar. Os trabalhos apresentados foram o “Aprendendo a Participar: Como Desenvolver

um Projeto de Participação Estudantil na Escola”, realizado pela escola EEEM Professor

Fernando Duarte Rabelo, e o projeto “Pesquisa Sociológica, Desvelando a Cultura Guarani na

Perspectiva do Ensino Médio”, realizado pela escola EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão.

Outro evento com participação e realização do Pibid Ciências Sociais, junto com

outros programas de iniciação à docência foi o Encontro da Rede de Formação em Ciências

Humanas (REFOCH) com a temática “Cotidiano, currículo e formação na Educação Básica”,

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realizado no dia 27 de novembro de 2014, e o II Seminário do Programa Institucional do

PIBID-UFES com a temática “Cotidiano escolar e integração de conhecimentos na formação

de professores” (Figura 2), realizado nos dias 28 e 29 de novembro de 2014. Eventos como

estes que contribuem para a integração dos projetos de diferentes áreas, as trocas de

conhecimento e de práticas que favorecem a valorização das licenciaturas e do Pibid como

um todo, sendo uma grande realização para o Pibid Ciências Sociais conseguir em menos de

um ano participar, e também organizar importantes eventos.

Figura 2 - II Seminário do PIBID-UFES, 29 de novembro de 2014.

Fonte: Acervo Pibid Ciências Sociais UFES, 2014.

Uma das mais recentes atividades realizadas pelo Pibid Ciências Sociais foi à

vivência na Comunidade Quilombola de Monte Alegre, no dia 11 de julho de 2015. Tal visita

de campo foi organizada em decorrência dos trabalhos realizados pelos grupos das duas

escolas em que o Pibid participa, onde estão sendo trabalhados os conteúdos sobre cultura

negra, etnicidade e africanidade com os terceiros anos do Ensino Médio, conforme preconiza

a Lei nº 10.639/2003. A vivência trouxe a oportunidade de conhecer um quilombo, seus

moradores e a aprender sobre a história e a cultura de comunidades tradicionais. Contamos

com um roteiro para a vivência, em que tivemos a oportunidade de conhecer a escola local,

assistir a uma “Roda de Caxambu Mirim” (Figura 3), visitar as obras do projeto do governo

federal “Minha Casa, Minha Vida Quilombola” e realizar a “Trilha das Árvores Centenárias

na Floresta Nacional de Pacotuba”.

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Figura 3 - Roda de Caxambu Mirim, 11 de julho de 2015.

Fonte: Acervo Pibid Ciências Sociais UFES, 2015.

Esta experiência contém grande valor na formação profissional dos futuros

professores de Sociologia, contribuindo para que os bolsistas levem estes saberes para a sala

de aula. A vivência no quilombo contou com a colaboração de dois professores antropólogos

do departamento de Ciências Sociais, participação de alunos da pós-graduação e de outros

cursos, além de toda a equipe do Pibid. Contando com mais um momento de interação entre

o Pibid e a comunidade acadêmica.

Os eventos aos quais participamos, realizamos, e as ações que produzimos, consistem

em mais um dos meios que podemos utilizar para dar protagonismo às licenciaturas no meio

acadêmico, valorizando a profissionalização dos futuros docentes. Para as Ciências Sociais

da UFES, estes momentos propiciados pelas rodas de conversa, eventos, seminários e outros

meios que integrem a comunidade acadêmica é o início de um trabalho para a concretização

da licenciatura dentro do curso de Ciências Sociais. É o momento em que o foco sobre o

ensino de Sociologia no Ensino Médio ganha espaço e visibilidade, condição para que a

licenciatura deixe de ser uma extensão do bacharelado.

A consolidação da licenciatura em Ciências Sociais é inerente à qualidade da

formação dos licenciados e futuros profissionais docentes. As licenciaturas, segundo as

Diretrizes para a Formação de Professores da UFES, devem formar um profissional “de

caráter amplo com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com

desenvolvimento da consciência crítica que lhe permitisse interferir e transformar as

condições da escola, da educação e da sociedade” (BRASIL, 2005, p. 6-7).

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Assim, a UFES trata a formação de professores com um caráter sócio-histórico de

sua formação. Exigindo-se que a universidade forme profissionais que sejam capazes de

darem a seus alunos formação integral que sejam valorizados os aspectos cultural, científico

e ético, e que forme indivíduos que sejam cidadãos autônomos, preparados para exercer a

cidadania e que também estejam aptos para o mercado de trabalho.

É compreensível que o Pibid não é o responsável pela formação de todos os

profissionais da educação nem pela formação integral dos alunos participantes, porém, o

Pibid é um grande auxiliar na formação docente, tanto para os bolsistas quanto para os

demais estudantes das Ciências Sociais que não participam do programa de bolsas de forma

direta, mas podem manter o vínculo participando, por exemplo, das rodas de conversa. Como

relatado anteriormente, sobre as contribuições já realizadas pelo programa, as contribuições

para a licenciatura das Ciências Sociais podem e devem ser ainda maiores, visto que o Pibid

tem como responsabilidade a consolidação da licenciatura do curso, como dito, não sendo o

único responsável, mas devendo ser um grande contribuidor. O Pibid é o principal núcleo da

Licenciatura de Ciências Sociais da UFES, com objetivo de formar professores de Sociologia

voltados para desenvolver novas práticas de ensino, e estimular a construção de alternativas

didático-metodológicas para melhorar o ensino das Ciências Sociais no Ensino Médio.

Também é necessária para a formação do professor a reflexão sobre as práticas

docentes. Nosso campo de estudos e de trabalho que é a escola de Ensino Médio, não deve

ser somente um ambiente de aplicação das práticas de ensino, mas também um campo de

reflexão das mesmas, para que se construa conhecimento científico e com criticidade sobre

elas, e que o processo de formação não se torne a simples reprodução de práticas vivenciadas.

Nas Diretrizes para a Formação de Professores da UFES é levantado alguns dos problemas

dos cursos de licenciatura da universidade, alguns deles são:

[...]

E) inadequação de tempos e espaços curriculares específicos na grade curricular

para efetivação de práticas de ensino e estágio supervisionado que visem à

formação de profissionais para o magistério que se voltem à reflexão-ação-

reflexão do ensino e da aprendizagem em toda a sua extensão; [...]

K) falta de tratamento e incentivo à pratica da pesquisa como elemento de

produção de conhecimento vinculado a temas diretamente ligados às etapas

da Educação Básica; [...]

I) presença de dicotomias entre pensar vs fazer, teoria vs prática, trabalho

vs estudo (BRASIL, 2005. p. 12).

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Estes três pontos são dificuldades que estão sendo e devem ser superadas pelo Pibid,

nossas realizações e práticas tomadas até hoje caminham a passos largos para isto. Devemos,

no entanto, utilizando nossas vivências nas escolas, construir saberes que possam ser

compartilhados para toda a comunidade acadêmica. É necessário pensar e repensar nossas

práticas. O Pibid como meio de consolidação da licenciatura em Ciências Sociais deve se

voltar também para a universidade, pensar e produzir conhecimento sobre o Ensino de

Sociologia, sobre a Escola e sobre a Educação, pensar o trabalho e o ambiente do trabalho

docente, deve-se tentar compreender o papel da Sociologia no ensino médio, o sentido e

objetivos de lecionar Sociologia e também a nossa formação, construindo assim um

arcabouço teórico de cunho científico para que se valorize a pesquisa no campo da educação,

e que a licenciatura ganhe espaço na academia. Para concluir julgamos necessária a

contribuição de Amaury Cesar Moraes:

[...] Aliás, Bourdieu, em entrevista a Menga Ludke, ampliava sua crítica aos

sociólogos que abandonaram o objeto ‘educação’ para os pedagogos, abrindo

até mão dessa especialidade – sociologia da educação – para os educadores

(Ludke, 1991). De fato, se a sociologia da educação constitui um referencial

fundamental na formação de professores no antigo curso normal, dando um

caráter de modernidade e eficiência, como ‘ciência da educação’, para a

pedagogia em nível médio ou superior (cf. Meucci, 2002), garantindo mercado

de trabalho para egressos das ciências sociais, com o tempo, tanto esse

mercado foi-se restringindo a egressos da pedagogia (cf. Resolução MEC nº

399/89) como foi desaparecendo como linha de pesquisa ou disciplina dos

cursos de ciências sociais (MORAES, 2003, p. 9, grifos no original).

No que ressaltamos a importância das Ciências Sociais, valorizamos e retomamos os

estudos das práticas educacionais, ou seja, passamos a realizar pesquisa sobre a educação

que contribui para o desenvolvimento das licenciaturas, algo que não deve ser abandonado

pelo licenciando nem pelo licenciado.

2. A Sociologia e as práticas educacionais do Pibid no Ensino Médio

A partir da promulgação da Lei nº 11.684 de 2008 (que altera o artigo nº 36 da Lei

nº 9.394, de 1996, que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases - LDB), e do ano de 2009, a

disciplina de Sociologia tornou-se obrigatória no currículo proposto para os alunos do

Ensino Médio no Brasil. Sabe-se que a educação em geral não é exclusivamente da escola,

não se restringindo a um período único da vida do estudante. Assim, compreendemos que

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toda a prática em torno do ambiente escolar constitui um lugar privilegiado para o processo

de ensino-aprendizagem na formação do aluno. De acordo com Mota (2005):

[...] investigar e discutir a sociologia no ensino médio é de especial

relevância para a percepção do seu processo de construção e instituição na

escola; e também da sua recepção social, [...] sua incipiente constituição

como disciplina escolar, permite-nos perceber o imaginário e as

expectativas que existem e que têm sido difundidas a respeito de sua

especificidade e de sua importância (ou não) na educação escolar dos

estudantes (MOTA, 2005, p. 88-89).

Desta forma, a inclusão da Sociologia como disciplina no currículo escolar do Ensino

Médio constituiu-se em objeto de análise na medida em que após a sua inclusão muito se

tem questionado acerca de: (i) seu papel na formação dos alunos, (ii) suas metodologias de

ensino e (iii) suas formas de avaliação da aprendizagem dos estudantes no que concerne à

cidadania, reflexão e crítica e sua operacionalidade.

A disciplina Sociologia está situada nas três séries do Ensino Médio, com uma aula por

semana de 55 minutos. A carga horária anual é de 120 horas, ou seja, 40 horas/trimestre. Para

preparação das aulas, as professoras supervisoras do Pibid contam com o Plano de Ensino Anual

(2015), com o Currículo Básico da Escola Estadual e os Referenciais de Sociologia da Sedu. Além

desses documentos também são utilizados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Médio (PCN+EM) e Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCN-EM) que fornecem os

parâmetros para o cumprimento das demandas da disciplina de Sociologia.

Considerando essas questões, a prática dos bolsistas no ambiente escolar é realizada de

acordo com a dinâmica da escola e de seu processo educacional. Os licenciandos pibidianos

participam de todas as atividades realizadas pelas professoras supervisoras, desde o

planejamento até a preparação de materiais didático-pedagógicos e de pequenas intervenções

durante as aulas, seguindo o modo operacional que a disciplina está inserida no Ensino Médio.

Fazer parte do Pibid, principalmente no início da inserção escolar é sentir-se como um

corpo “estranho” na escola. Essa sensação de deslocamento no ambiente escolar é compartilhada

por muitos de nós pibidianos, talvez porque sentimos que somos realmente exteriores ao

ambiente escolar, ou seja, não nos enquadramos nem no papel de docente e nem no de aluno.

Porém, essa sensação de deslocamento deve ser aproveitada, pois ao mesmo tempo em que

deixamos de ser meramente alunos ainda não somos professores. Portanto, o Pibid nos dá essa

oportunidade de inserção no ambiente escolar através de uma condição peculiar, cuja vivência

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deve servir de experiência e reflexão acerca dos problemas e possibilidades do exercício docente,

quiçá problematizada e aprofundada como objeto de estudo.

Outra vantagem que o Pibid acrescenta à formação docente é o de habituar-se ao

ambiente escolar. Vivenciar a sala de aula antes de ser realmente professor nos transmite um

saber importante, podemos ao longo dela ir experimentando o nosso próprio fazer docente,

a cada projeto pedagógico que dá certo ou errado, ou seja, cada intervenção bem ou

malsucedida contribui com a formação do futuro jovem professor2.

Além da realização de projetos pedagógicos em si, o contato com a aplicação do

OCNs e do PCNs do ensino médio contribuiu para a familiarização e o maior conhecimento

dos conteúdos a serem por nós trabalhados. É de grande importância para que um professor

esteja preparado para a sala de aula, compreender as possibilidades e as dificuldades do

currículo que circunscrevem o trabalho docente e a vida cotidiana escolar.

No caso da Sociologia em que temos apenas uma aula semanal, são várias as

dificuldades, uma delas a de ministrar conteúdos completos, seja por conta do curto tempo

da aula ou pelas tantas interrupções que a aula de Sociologia sofre, “sociologia é aula de dar

recado”, é o estigma que a matéria sofre pelo desconhecimento de seus conteúdos, sendo

comentada como “matéria que fala de tudo”. Concordamos com Lourenço (2008, p. 11):

Outro ponto bastante importante é evitar afirmar que a Sociologia é uma

‘ciência fácil’, que ela ‘está em tudo’, ou que ela estuda ‘de tudo um pouco’

(portanto, não estuda nada, ou não tem uma identidade), ou ainda, discorrer

que determinada abordagem vai ‘além das fronteiras das ciências sociais’.

De maneira que se evite a perpetuação de estigmas, e de vícios sobre a disciplina, é

necessário ganhar território e valorização da disciplina dentro do espaço escolar, evitar que

seja vista como uma aula vaga pelos alunos e como uma aula livre a ser utilizada para

qualquer fim pelo corpo escolar. Estigmas e precarizações que devem ser combatidas, por

isso deve ser dada importância para a consolidação de identidade e sentido para a disciplina,

que possibilite a afirmação do papel que a Sociologia tem no ensino médio, dever este de

nós “pibidianos”, estudantes de licenciatura e de todos os docentes de Ciências Sociais.

Nesse sentido, as supervisoras das duas escolas integradas ao programa ministram

com êxito a disciplina, refutando a ideia de que a Sociologia não reprova. Elas

2 No ano de 2014, os principais projetos pedagógicos executados nas escolas pelo Pibid Ciências Sociais foram:

Participação Estudantil; Diversidade em Ação; Cotidiano em Cena e Cultura Guarani.

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desenvolveram um compromisso com os alunos, de formar seu espaço de legitimidade junto

à comunidade escolar, uma vez que “[...] o papel da Sociologia no Ensino Médio é a

desnaturalização, o estranhamento e a tomada de consciência dos fenômenos sociais [...]”

(LOURENÇO, 2008, p. 3). Dessa forma, reconhecemos a importância e o compromisso que

os alunos mantêm com a disciplina. Eles participam dos debates, tarefas, retornam de forma

significativa às propostas elaboradas em sala de aula.

Percebemos que os alunos levam as discussões para além das salas de aula, e até

mesmo para outras disciplinas, identificando como a Sociologia pode interagir e contribuir

com o pensamento crítico dos alunos, mesmo quando se é trabalhado temas, autores e

conceitos de tamanha densidade, confirmando com o que diz Sarandy (s/d, p. 2):

[...] a sociologia tem a contribuir para o desenvolvimento do pensamento

crítico, ao lado de outras disciplinas, pois promove o contato do aluno com

realidades distantes e culturalmente diferentes. É justamente nesse

movimento de distanciamento do olhar sobre nossa própria realidade e de

aproximação sobre realidades outras que desenvolvemos uma

compreensão de outro nível e crítica.

Aqui compreendemos a habilidade e clareza das professoras quando ministram o

conteúdo, pois a linguagem acadêmica é diferenciada da linguagem e exposição do conteúdo

para o Ensino Médio. Reconhecendo a dificuldade da transposição dos conteúdos e práticas

do Ensino Superior para o Ensino Médio, concordamos com Lourenço (2008) quando relata

em seu artigo que nessa transposição é necessário fazer mediações, ou seja, adaptar os

conteúdos propostos em termos de métodos e recortes. Nesse intuito, buscamos sempre

realizar essas transposições ao lidar com conteúdo complexo voltado ao aluno do Ensino

Médio. Nesse propósito, destacamos a importância do contato com os alunos, manter um

diálogo com eles e trocar experiências como fundamentais para a avaliação das melhores

formas de lidar com o ensino da Sociologia na prática, criando o nosso próprio método de

ensino em meio às inúmeras dificuldades do ambiente escolar.

A escola como um todo apresenta várias dificuldades para o trabalho docente, as salas

de aulas são lotadas, causando desgastes para as professoras e para nós na realização de

determinadas atividades, além disso, a escola não fornece recursos audiovisuais de modo

adequado para todos os professores. Sobre esse último aspecto, a falta de suporte no uso de

aparelhos de informática limita a dinâmica das aulas, pois subir e descer escadas, andar em

corredores com datashow e notebook, carregar livros, pauta, bolsas e demais materiais

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necessários para ministrar uma aula e ainda atender alunos pelo caminho, não é tarefa fácil.

O professor nesse momento se multiplica diante das demandas da sala de aula.

Durante o nosso período de formação sentimos falta de trabalhar com a

interdisciplinaridade, pois a Sociologia não corresponde apenas a conteúdos específicos

descritos nos documentos e currículos oficiais, a Sociologia também trabalha com temas

transversais, principalmente que perpassam as disciplinas de História e Geografia.

Percebemos inúmeras vezes o interesse das professoras em trabalhar com as demais áreas

do conhecimento, mas as tentativas são em vão. Não há tempo hábil de planejamento para

sentar e discutir sobre essa questão. Infelizmente a educação ainda não é prioridade em nosso

país como já diagnostica Lourenço (2008, p. 5):

Educação nunca foi prioridade no Brasil, contudo, atualmente temos

presenciado um momento de grande degradação do valor da educação. Ela

não é mais tida como um valor e sim como um instrumento. Aprender é

para a vida e não necessariamente para ganhar alguma coisa.

Percebemos nitidamente que muitos alunos estudam apenas em função de adquirir o

diploma do Ensino Médio e que não levam o aprendizado para a vida. Infelizmente,

costumam realizar a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) apenas para

alcançarem a aprovação no Ensino Médio, pois a mesma é obrigatória. Na nossa percepção,

não há muito interesse em realizar a prova para obter nota para o ingresso na universidade

pública. Entretanto, as professoras reconhecem a importância da disciplina e seu

comprometimento com a formação profissional dos alunos, além da formação cidadã, alguns

alunos ingressaram no curso de Ciências Sociais na UFES no ano de 2015, o que vem

motivando o trabalho das professoras e o nosso, afinal, os esforços para o aprendizado são

recíprocos. Supervisores e pibidianos se dedicam em prol da formação dos alunos.

Reconhecemos o desinteresse pelo ingresso a uma universidade pública até mesmo

pela falta de motivação das famílias e da própria escola. Não ocorre uma preparação

escolar para atender a linguagem do público juvenil, notamos a insegurança de muitos ao

falar de mercado de trabalho, carreira e planos futuros, pois “[...] no Brasil, o princípio da

incerteza domina o cotidiano dos jovens, que se depara com verdadeiras encruzilhadas de

vidas [...]” (DAYRELL, 2007, p. 1113).

Ao relatar esses desafios percebemos a importância da Sociologia para manter um

diálogo expressivo com os alunos, estar em sala de aula é um desafio contínuo. O contato

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direto com a Sociologia no Ensino Médio por meio dessa experiência, nos fez perceber na

prática como as Ciências Sociais é aplicada para os alunos de Ensino Médio, em outras

palavras, qual é a sua verdadeira finalidade. Nesse sentido, “embora parece óbvio o estudo,

enfatiza-se que a Sociologia permite compreender a relação indivíduo e sociedade, pois é ela

que estabelece uma explicação mais direta do que acontece com cada um de nós e a

organização da sociedade mais ampla [...]” (PEREIRA, 2007, p. 147). Transmitir o conteúdo

teórico acadêmico para o público jovem de forma didática com o objetivo de alcançar a

Imaginação Sociológica, não é tarefa fácil. Ser professor de Sociologia é um grande desafio

ao qual pretendemos assumir em prol de uma educação de qualidade, que almejamos alcançar.

Conclusão

A recente implantação do Pibid Ciências Sociais na UFES trouxe um novo olhar acerca

da prática docente para futuros professores e profissionais da educação. Assim como possibilitou

a reflexão acerca da institucionalização das Ciências Sociais enquanto disciplina de Sociologia no

currículo escolar do Ensino Médio, meio a inúmeros questionamentos sobre sua implementação e

real objetivo em relação à formação do indivíduo. Ao analisarmos os relatos escritos em nossos

cadernos de campo podemos perceber o quanto a licenciatura das Ciências Sociais ganhou

visibilidade no curso e na universidade como um todo. Durante o primeiro ano de implementação

do Pibid, desenvolvemos inúmeras atividades nas escolas, as quais apresentaram em seminários

dentro da própria universidade. Contamos com o apoio de uma equipe de professores que

contribuíram para a nossa formação por meio de rodas de conversa que nos fez repensar as práticas

educacionais em torno da disciplina de Sociologia para o Ensino Médio.

Resultados bons foram alcançados durante esse período, assim como a identificação

de recursos variados e métodos para se pensar a prática docente e atuar perante as demandas

da rotina escolar. Ser professor não é tarefa fácil, seria importante se todos os alunos do

curso de licenciatura fossem contemplados com o Pibid em sua formação. Estar em contato

com o ambiente escolar ainda nos anos iniciais de formação é de suma importância, entender

como é feito o processo de transmissão do conteúdo acadêmico para o universo juvenil de

forma didática é pensado e praticado constantemente.

No entanto, percebemos que o impacto na escola depende de uma menor ou maior

aceitação do próprio Pibid no seu espaço escolar, por isso, acreditamos que seja importante

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uma maior interação entre o Pibid e as escolas participantes. Ou seja, quanto maior o apoio

dado ao projeto, maiores serão as chances de impactos positivos na escola, e,

consequentemente melhores serão os resultados dos trabalhos realizados, o que poderá ser

compartilhado como experiência para outras escolas ligadas ou não ao Pibid e na própria

universidade. Com isso, fortalecemos a educação básica que, ao fim e ao cabo, é o nosso

objetivo principal: melhorar a qualidade da educação básica brasileira.

O projeto ainda está longe de atender todas as demandas como a falta da

interdisciplinaridade entre as áreas do conhecimento afins, assim pouco é feito para que as

disciplinas dialoguem entre si e promovam maior interação na vivência escolar do aluno.

Muito esforço é necessário para se alcançar as demandas da sala de aula. Seminários e

eventos do Pibid são fundamentais para visualizarmos os resultados e benefícios desse

projeto. Participar do Pibid nos possibilita estar em contato direto com a realidade que a

Sociologia perpassa no Ensino Médio em nossos anos iniciais de formação. Além disso, é

possível desenvolver pesquisas lidando em sala de aula com a função de professor e

pesquisador, tendo a chance de enxergar a realidade de outra forma, inclusive, intervindo na

mesma e aperfeiçoando sua prática educacional.

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ESTÉTICA DE RESISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE

Luana da Costa Fonseca PUC-Rio

Resumo: esse artigo surgiu da sistematização dos estudos para a aplicação da Lei Federal nº 10.639/03,

uma das metas do projeto visa discutir o enfrentamento do racismo a partir da abordagem da estética

de resistência do corpo e cabelo negro. A partir disso, buscar a afirmação identitária, embasado que um

“sujeito social se constitui nas relações sociais” Cunha Jr (2005) a emancipação e a afirmação da

identidade requerem relações verdadeiramente humanas. Não existe ‘empoderamento’ para indivíduos

isolados. A escola tem um papel fundamental na construção identitária da/do aluna/o negra/o, pois a/o

professora/o lida com a/o aluna/o concreto e essa/o aluna/o é a síntese de inúmeras relações sociais. A

identidade é definida por essa síntese que fazem sentindo para um determinado grupo social. A estética

aqui pode ser compreendida como percepção, o que vestimos, o modo que usamos o cabelo transmitem

a noção de estética que queremos construir. Deste modo, a estética faz parte da estrutura da identidade.

O projeto tem como objetivo observar que a autoafirmação e a autoestima dessas/os alunas/os está

relacionada com o melhor desempenho nos estudos e nas relações sociais.

Palavras-chave: racismo; identidade; educação

Abstract: This article came from the studies systematization for the implementation of Federal Law

10.639/03, one of the project goals is discussing the racism confrontation from the approach of the body’s

resistance aesthetics and black hair. From this we aim the identity affirmation, based on the affirmation

that “social subject is constituted in social relations” Cunha Jr. (2005) emancipation and identity

affirmation require truly human relations. There is not ‘empowerment’ to isolate individuals. The school

has a key role in identity construction of the black students, because the teacherdeals withthe concrete

student and this student is the synthesis of numerous social relations. Identity is defined by this synthesis

that make sense to a particular social group. The aesthetic here can be understood as perception, what we

wear, the way we use hair can convey the notion of aesthetics that we want to build. Thus, the aesthetics

is a part of the identity structure. The project aims observing that self-assertion and self-esteem of those

students are related to the better performance in studies also in social relations.

Keywords: racism; identity; education.

Introdução

Esse artigo surgiu da sistematização dos estudos para a aplicação da Lei Federal nº

10.639/03, em uma escola estadual da cidade do Rio de Janeiro. Estudos estes que se

manifestaram a partir que o PIBID Ciências Sociais PUC-Rio se inseriu na escola. O PIBID

– Programa Institucional de Iniciação a Docência – proporciona um diálogo entre

professores universitários, alunas/os de graduação e professores da educação básica e

consequentemente estimula a pesquisa e valorização da prática docente, renovando as

relações aluno; professor e escola, ampliando os olhares para trabalhar com as diversidades

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e incentivando a/o graduanda/o a responder e compreender a realidade social, política e

cultural dentro desse contexto escolar.

O PIBID Ciências Sociais PUC-Rio, tem como uma das suas principais identidades

trabalhar a construção de pertencimento e apropriação do espaço escolar e com isso

aprofundar o respeito das diversidades. O projeto de aplicação da Lei 10.639/03 surgiu dessa

mediação de equilibrar e compreender a relação aluna/o e escola e todas as particularidades.

Uma das metas do projeto visa discutir o enfrentamento do racismo a partir da

abordagem da estética de resistência com o foco no cabelo negro. A identidade é definida

por síntese de diversos fatores sociais, fatores esses que fazem sentindo para um determinado

grupo social, o professor que lida com a/o aluna/o concreto em seu cotidiano essa/o aluna/o

é a síntese dessas inúmeras relações sociais.

No contexto escolar, discutir essas relações sociais priorizando o campo étnico racial

é buscar relevância e a necessidade da discussão sobre identidade e a autoafirmação. A

autoafirmação da identidade negra é construída na troca, na experiência e representatividade,

não existe ‘empoderamento’ para indivíduos isolados, sobretudo quando se transfere

“idealisticamente o problema do plano das contradições objetivas para o da psicologia social

individual” (MEZAROS, 2002, s/p). O racismo é e “está institucionalizado na discriminação

sistemática de pessoas negras sofrem no trabalho, moradia, no sistema educacional e no

assédio pela polícia e autoridades de controle e migração” (CALLINICOS, 2000, p. 4).

Um dos objetivos do trabalho é buscar a experiência de aceitação e identificação de

suas características. Aceitar a negritude, não querer disfarçar as características mais visíveis,

como por exemplo, o cabelo. A escola que se localiza na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro,

porém é constituída em sua maioria por alunas/os das favelas do Vidigal e Rocinha e na

contextualização histórica, em sua maioria negra. O ambiente escolar por muitas vezes

reforça o padrão estético ocidentalizado, o que dificulta a construção e o reconhecimento da

identidade negra. A escola precisa saber lidar com situações discriminatórias, com

argumentos sólidos, buscando sempre apoio em literaturas que antes não eram consultadas.

A Lei Federal 10.639/3, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e

Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, afirma que “garantir o direito de

aprender implica em fazer da escola um lugar em que todos e todas sintam-se valorizados e

reconhecidos como sujeitos de direito em sua singularidade e identidade” (LDB, 2009, p. 2). Em

resumo, a escola precisa ser um ambiente acolhedor e que reconheça as diferenças e que estimulem

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a autoestima das/dos alunas/os negras/os que historicamente são marginalizados, principalmente

dentro do contexto escolar. A valorização das identidades é um passo fundamental para

reestabelecer o prazer de estar na escola e pertencer ao espaço junto com os demais.

1. Racismo e identidade

Racismo e identidade são temas importantes que precisam estar presentes na escola,

mas, as questões sociais a tomam de sobressalto, as intenções isoladas pouco podem fazer.

E a compreensão e percepção que o cabelo negro tem um significado social dentro e fora do

ambiente escolar, o cabelo pode ser considerado expressões e suportes simbólicos da

identidade negra no Brasil e trabalhar a revalorização do cabelo no ambiente escolar é de

extrema importância, pois trabalha um resgate da ancestralidade e a consciência da sua

beleza e consequentemente o pertencimento. Como diz Neusa Santos Souza: “ser negro no

Brasil é tornar-se negro” (SOUZA, 1990, p. 77). A compreensão do “tornar-se negro” dentro

do contexto de discriminação orienta o nosso olhar para a necessidade de considerar como

que a identidade se constrói no plano simbólico.

O cabelo negro na sociedade brasileira expressa o conflito racial vivido por negros e

brancos em nosso país. Considerando a construção histórica do racismo brasileiro, a negação

da estética negra e a institucionalização do cabelo ‘ruim’ versus o cabelo ‘bom’, o cabelo

‘ruim’ é a expressão do racismo e da desigualdade racial.

Compreende-se então, que para o negro, a intervenção no cabelo é mais que uma

questão de vaidade ou estética e sim, uma questão identitária. E a escola tem um papel de

mediação desses conflitos e de afirmação da identidade e diversidade. A expressão estética

negra é inseparável do plano político, econômico e do espaço de pertencimento. Aqui

fazendo o recorte para o gênero, mulheres negras são socialmente desvalorizadas em todos

os níveis, as valorizações do padrão de beleza ocidental são reforçadas nos bancos escolares

e trabalham com o aprofundamento do racismo e a descaracterização da mulher negra e o

isolamento da sua cultura e o aprofundamento da sua baixa estima.

Os espaços urbanos e sociais que vivemos a complexificação das sociedades dificultam

a construção social da identidade, os mapas de orientação são tortuosos e contraditórios. A

fluidez das fronteiras de uma cidade mexe com os códigos de emoção e estilo de vida que são

ancorados em leis simbólicas de grupos. A dinâmica do espaço escolar solidifica ainda mais os

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códigos e os estilos de vida, os engessamentos das práticas escolares não se equilibram com a

fluidez das fronteiras dos espaços urbanos. O cabelo e o corpo negro são códigos e linguagens

da sociedade brasileira, elas representam e vão além da moldura escolar. Os engessamentos das

práticas escolares principalmente nas escolas públicas e particulares brasileiras trabalham com

o ideal de igualdade que deságua na democracia racial e com isso oculta os conflitos raciais.

O estilo do cabelo e o sentido de subjetividade que atribuímos se relaciona com o

espaço e a expressão a ser passada, que pode ser usado para camuflar o pertencimento

ético/racial ou o reconhecimento de suas raízes. A aplicação da lei 10.639/03 na escola

estadual busca enfatizar esse reconhecimento de raízes e a partir de alguns depoimentos de

alunas/os é possível identificar essa transformação não só de reconhecimento como também

pertencimento ao seu lugar de fala e dentro do ambiente escolar.

Como por exemplo, a fala de Dara1, aluna do 2ª ano do Ensino Médio: “Eu sou muito

forte, a minha vida sempre foi luta. Sou negra e mulher, esse é o meu cabelo, esse é o meu

jeito de ver a vida e as pessoas tem que aceitar isso”. Podemos destacar que ela coloca a

negritude à frente da definição de mulher. Compreende-se então, um ‘empoderamento’ do

coletivo para o individual, uma resposta a todos os processos de exclusão, esteriotipação e

distorções raciais. É um ato pequeno, mas o depoimento da Dara revela o poder da fala e o

pertencimento ao espaço escolar e suas raízes. Aqui podemos destacar a importância da

inserção das/os alunas/os de graduação via PIBID em escolas públicas, pois é um passo

fundamental para a renovação e diálogos mais sólidos entre a universidade e a escola e a

construção de um espaço escolar mais atento à realidade das/os alunas/os.

A discussão sobre a estética de resistência na escola é cotidiana, tendo em vista que

algumas construções são legitimadas e institucionalizadas, como a ideia do cabelo ‘ruim’

versus o ‘bom’ produzindo desigualdades e sendo determinantes no processo de exclusão.

Porém, nessa discussão cotidiana, além da marcação da estética negra, a classe, o gênero, a

opção política e a opção sexual são interligadas e estão na fluidez das fronteiras, como dito

acima. Na discussão, é possível observar as distintas formas de se colocar e agir no meio

social, pensar a identidade circunscrita da ideia de raça que perpassa não somente a

categorização de si, e que se estabelece a partir da identificação com o outro e a escolha que

o ator social faz da sua identidade, a partir da sua trajetória de vida, suas características e o

seu processo de individualização.

1 Neste trabalho, atribuímos nomes fictícios aos entrevistados.

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2. Racismo e espaços

A partir dessas abordagens da estética do corpo e cabelo negro como ferramenta de

enfrentamento do racismo, o projeto remodelou algumas mesas e rodas de conversa,

trazendo também os interelações das discussões sobre identidade que é construída

historicamente em meio a mediações que diferem de cultura para cultura.

O projeto também se propôs a discutir com mais aprofundamento sobre a construção

de se ‘tornar negro’ e o alinhamento com as pesquisas políticas sobre o racismo estrutural e

institucionalizado.

O sociólogo Pierre Bourdieu ao escrever sobre as transformações no sistema escolar

evidencia que o sistema escolar contém fronteiras fortemente traçadas e marcadas e levam a

interiorização das divisões escolares que consequentemente as divisões sociais, um sistema

de classificações imprecisas e a hierarquização simbólica.

O processo de identidade social sem espaço para a compreensão da diversidade

possibilita a instabilidade estrutural, e a crise social passa ser a individual, e esse sistema

escolar perdura até os dias de hoje reforçando as classificações meritocráticas.

Vê-se como é ingênua a pretensão de resolver o problema da “mudança

social” atribuindo à “renovação” ou à “inovação” um lugar no espaço

social – para uns, o mais elevado e para outros, o mais baixo – sempre

alhures, em todos os grupos “novos”, “marginais” e “excluídos”, para

todos aqueles cuja primeira preocupação consiste em introduzir, a qualquer

preço, a “renovação” no discurso: caracterizar uma classe como

“conservadora” ou “inovadora” – sem precisar sob qual aspecto – é,

recorrendo tacitamente a um padrão ético, situado necessariamente no

ponto de vista social, produzir um discurso que, praticamente se limita a

dizer o lugar de onde se articula porque faz desaparecer o essencial, ou

seja, o campo de lutas como sistema de relações objetivas no qual as

posições e tomadas de posição definem-se relacionalmente e que domina

ainda as lutas visam transformá-lo: é somente com referência ao espaço de

disputa que as define que elas visam manter ou redefinir, enquanto tal,

quase completamente, que se pode compreender as estratégias individuais

ou coletivas, espontâneas ou organizadas, que visam conservar e

transformar ou transformar para conservar (BOURDIEU, 2013, p. 151).

Com discussões e compreensões mais embasadas, a interdisciplinaridade é a pauta

principal de todo o projeto, pois é a ação educativa mais viável. As conversas e debates saíram

na moldura estabelecida e se transformaram em discussões cotidianas e chegaram a outras

aulas, possibilitando o exercício interdisciplinar. “A viabilidade política de um projeto social,

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propriamente dita, dependerá de sua eficácia em mapear o sentido às emoções e sentimentos

individuais” (VELHO, 2004, p. 33). Esse alcance singular do projeto de mapeamento das

emoções e sentimentos é a linha mais tênue e o ponto mais difícil de explorar, por exemplo,

quando ouvimos a seguinte frase após a uma conversa sobre os processos de exclusão

histórica, “me sinto triste quando alguém fala mal do meu cabelo, mas eu só choro em casa”.

Essa frase dita por uma menina de 16 anos que está em processo de transição capilar

e com baixa estima e consequentemente relações estremecidas no espaço escolar e notas

baixas. A frase dessa menina revela todos os privilégios negados e a sustentação do padrão

de beleza eurocêntrico imposto. E para além dessa moldura, existe ainda a questão de classe,

que enfatiza mais ainda a distinção por não ter o poder de compra. Trazendo novamente

Bourdieu para a discussão sobre a realidade da representação e representação da realidade.

Os sujeitos classificantes que classificam as propriedades e as práticas dos

outros, ou as deles próprios, são também objetos classificáveis que se

classificam (perante aos outros) apropriando-se das práticas e propriedades já

classificadas (tais como vulgares ou distintas, elevadas ou baixas, pesadas ou

leves, etc., ou seja, em última análise, populares ou burguesas) segundo sua

repartição provável entre grupos, eles próprios classificados; as mais

classificantes e as mais classificadas dessas propriedades são, evidentemente,

aquelas que são expressamente designadas para funcionar como sinais de

distinção ou marcas da infância [...] (BOURDIEU, 2013, p. 446).

Retomando a estética do corpo e cabelo negro e trabalhando a distinção dos

penteados característicos, como as tranças ou box braids, existe a hierarquização entre as/os

negras/os e isso realça o processo de competição/reprodução e destaca a classe dentro da

questão de hierarquização. Porém é importante destacar aqui, que não existe hierarquia de

opressão, como muito bem salientado pela intelectual Audre Lorde. O projeto como é

contínuo não tem um prazo para terminar e sim para desenvolver cada vez mais discussões

sobre formas de enfrentamento do racismo e busca do pertencimento com a sua identidade

e o seu lugar de fala em diferentes ambientes.

As classes e suas classificações se constituem na busca pela diferenciação/distinção

dentro de estruturas sociais incorporadas. A busca simbólica por se distinguir até dentro

do seu próprio grupo de pertencimento, sublinha mais uma vez o complicado processo de

individualismo e isolamento.

Em uma das rodas de conversa realizada na hora do almoço, uma menina chorava

desesperadamente, pois alguém tinha escrito na porta da sala “Beta, não tira nem a peruca

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para lavar” e ela dizia alto: “eu tenho certeza que foi uma menina com o cabelo igual ao

meu que escreveu isso”. Essa questão desencadeou em discutir a política do julgamento e o

processo de distinção e individualismo ao invés da busca do coletivo.

A autoafirmação da estética que equilibra estrutura da identidade com o

pertencimento tem que ser construída de forma coletiva, não deixando a valorização

individual, mas equilibrando e proporcionando desenvolvimentos de fala política dentro do

contexto de reproduções de racismo no espaço escolar e fora dele. É necessário que as/os

professoras/es estejam preparadas/os para quebrar essas estruturas do racismo estrutural

e transformar em ação de enfrentamento do racismo.

A busca por representações de falas, líderes negras/os, convites a professores

negras/os, luta pela mudança na grade escolar para a aplicação da lei 10.639/03 e inserção

desses intelectuais no cotidiano da escola é essencial para a autoestima e valorização das

raízes de matriz africana, e o PIBID Ciências Sociais PUC-Rio, tem como princípio levar

esses representantes nas escolas para a participação nas rodas de conversa, palestras,

debates. Buscando novamente ampliar as discussões, Bourdieu foi necessário para

trabalhar questões dos capitais culturais e o habitus, “a proposição fundamental que define

o habitus como necessidade que se torna virtude nunca é experimentada com tanta vontade

evidência que quanto no caso das classes populares” (BOURDIEU, 2013, p. 350).

O gosto da necessidade devolvida pela competição e imposiçoes de uma estrutura com

modelo padrão e que impõe formar e de obrigada a ter o gosto por cerros produtos para se

encaixar e identificar com certos grupos e pertencer ao padrão dito o ‘certo’. Faz com que a

competição cresça entre pessoas do mesmo grupo, trabalhando aqui com a questão racial. A

disputa entre obter os melhores produtos para cuidar a estética potencializa uma distinção e

uma reprodução desnecessária e enfatiza os capitais culturais, econômico. Após alguns meses

de conversa é possível perceber que o pertencimento e a busca de uma fala política e consciente

vêm se estruturando na escola e nos espaços para além dos muros da escola.

E essa consciência de ir contra a imposição do padrão de beleza eurocêntrico e a

ideologia de branqueamento sustentando pela sociedade competitiva, principalmente nos

espaços urbanos acaba balançando algumas relações com pessoas brancas e a apropriação

com o uso de acessórios afros. Outro ponto fundamental de discussão dentro do projeto é a

apropriação cultural que podemos compreender quando Bourdieu escreve “a aquisição da

cultura legítima pela familiarização insensível no âmago da família tende a favorecer, de

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fato, uma experiência encantada da cultura que implica o esquecimento da aquisição e a

ignorância dos instrumentos de apropriação” (BOURDIEU, 2013, p. 10).

O cabelo é simbólico, a pessoa negra sair na rua já é um ato de resistência dentro dos

parâmetros conservadores de uma cidade baseada e construída na ideia da democracia racial.

O empoderamento tem que se consolidar para além das características e acessórios afros,

como os turbantes, blacks, tranças, roupas, não é apenas isso que vai livrar a pessoa negra

de sofrer racismo, a estética de resistência em si é o primeiro passo para enfrentamento

cotidiano e consciência da sua importância para outras pessoas negras.

[...] favorecer processos de ‘empoderamento’: principalmente orientados aos

atores sociais que historicamente tiveram menos poder na sociedade, ou seja,

menores possibilidades de influir nas decisões e nos processos coletivos. O

‘empoderamento’ começa por liberar a possibilidade, o poder, a potência que

cada pessoa tem, para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social. O

‘empoderamento’ tem também uma dimensão coletiva, trabalha com grupos

sociais minoritários, discriminados, marginalizados etc., favorecendo sua

organização e participação ativa na sociedade civil (CANDAU, 2005, p. 35).

Gayatri Chakravorty Spivak, uma intelectual feminista compreende-se também que

o discurso de resistência tem que ser compreendido em todos os espaços.

Dessa forma, Spivak desvela o lugar de incômodo e a cumplicidade do

intelectual que julga poder falar pelo outro e, por meio dele, construir um

discurso de resistência. Agir dessa forma, Spivak argumenta, é reproduzir as

estruturas de poder e opressão, mantendo o subalterno silenciado, sem lhe

oferecer uma posição, um espaço de onde possa falar e, principalmente, no

qual possa ser ouvido. Spivak alerta, portanto, para o perigo de se constituir

o outro e o subalterno apenas como objetos de conhecimento por parte de

intelectuais que almejam meramente falar pelo outro (SPIVAK, 2010, p. 14).

Conclusão

O projeto de aplicação da lei 10.639/03 vem aos poucos desconstruindo o que muitos

livros didáticos oferecem. Um desconhecimento da história afeta essa produção de livros e

o próprio currículo escolar. As/os aulas/os saem da escola sem sequer ouvir falar de uma

liderança negra. A escola tem que contribuir no processo de afirmação da identidade negra.

A instituição escolar que desconhece todo o contexto de negritude e africanidade acabam

desaguando no “perigo da história única”. Ideia trabalhada pela escritora nigeriana

Chimamanda Adichie Ngozi, “a história única cria estereótipos e o problema com os

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estereótipos não é eles serem mentira, é serem incompletos. Fazem com que uma história se

torne na única história” (NGOZI, 2008).

A escola por sua vez, em sua estrutura mais simples deveria trabalhar como um

instrumento transformador sobre as consciências, acaba por reproduzir as relações sociais e

emoldurando em cada período histórico. E que aprofunda ainda mais a democracia racial de

um país, e folclariza um estudo sobre a diversidade brasileira e a suas histórias ligadas a

África, traçando a ideia de que a África é um único país. O racismo precisa ser compreendido

em sua base, como muito bem apontado pela filosofa Djamila Ribeiro, “racismo é um

sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de poder. Negros não

possuem poder institucional para ser racistas. A população negra sofre um histórico de

opressão e violência que a exclui” (RIBEIRO, 2014).

O racismo está profundamente conectado ao sistema capitalista. Não somente

afirma a escravidão como constituição social natural, mas tende a favorecer a

opressão argumentando favoravelmente pela diversidade de raças, entendendo

ser a “raça” negra inferior à branca. Com o avanço da ciência experimental,

bem como da eugenia e da biologia, a inferioridade da “raça” africana foi

elevada ao patamar de ciência (SILVA; BERTOLDO 2010, p. 110).

Como conclusão, podemos compreender que a escola tem que ser uma estrutura que

trabalhe com a diversidade com embasamento, e não uma estrutura que potencializa a exclusão

racial e social da/o aluna/o. É necessário entender que essas discussões vão além dos muros da

escola, mas a escola é uma ferramenta importante da inserção da/o aluna/o na sociedade que

fortifica o processo de distinção por raça, classe, espaço. Conclui-se que a escola encontra limites

para abordar racismo e identidade nas ações. As práticas pedagógicas necessitam de continuidade.

A Lei 10.639/03 existe e cabe aos professores e aos projetos, como o PIBID aplicarem e ampliarem

o olhar e a fala de cada aluna/o. Não deveria ser uma lei, ela devia estar a muito tempo em cada

pessoa que se propõe a comunicar e trocar experiências com os outros proporcionando o

conhecimento, o pertencimento, a afirmação da identidade e a felicidade de ser e estar.

Referências

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BRASIL. Ministério de Educação. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes

Curriculares Nacionais para educação das relações etnicorraciais e para o ensino de

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RIBEIRO, Djamila. Falar em racismo reverso é como acreditar em unicórnios. Revista

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VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade

contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

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IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR ENTRE OS GUARANIS DE

ANGRA DOS REIS E PARATY

Maria Betânia Guerra Duarte MPF

Resumo: O Ministério Público Federal (MPF) acompanha as políticas públicas para educação nas

comunidades indígenas do Estado do Rio de Janeiro desde 1997. Este tempo correspondeu a um período

de discussão e construção dessas políticas em nível nacional – um processo dinâmico, que contou no Rio

de Janeiro com avanços e recuos por parte dos guaranis e dos gestores de educação. A fiscalização que

cabe ao MPF inseriu-se no bojo dessas mudanças, tornando-o também um ator neste processo. Por muito

tempo a atuação da instituição consistiu no envio de ofícios e acompanhamento dos fatos por meio de

relatórios antropológicos. Tendo em vista uma maior cobrança das comunidades diante da morosidade

do Estado, esses instrumentos mostraram-se ineficazes. Assim, a assessoria antropológica foi a campo;

articulou e ouviu os índios; elaborou relatórios diagnósticos; organizou reuniões com a comunidade, os

Procuradores e os gestores visando firmar compromissos e prazos; debateu e sugeriu linhas de ação para

os Procuradores. O resultado dessas medidas foi a expedição de recomendação e ajuizamento de ação

judicial que, entre outras conquistas, redundou na criação do Conselho de Educação Escolar Indígena e

na implementação do segundo segmento do ensino fundamental.

Palavras-chave: educação escolar indígena; comunidades guarani; direitos indígenas.

Abstract: The Federal Public Ministry (FPM) follows the public education policies related to the indigenous

communities in the state of Rio de Janeiro since 1997. This time span corresponds to a period of discussion

and construction of these policies at a national level – a dynamic process that has been dealing with advances

and drawbacks by the Guarani and the education managers. The inspection process attributed to the FPM

has become part of these changes, turning the Federal Public Ministry into an actor in this process. For a

long time the institution’s actions consisted in elaborating tasks and following facts through anthropological

reports. Taking in consideration the increasing demands from the indigenous communities versus the

government’s laxness, these instruments have proven to be ineffective. Therefore, the anthropological

consultants went on the field; joined and heard the indigenous populations; elaborated diagnostic reports;

organized meetings with the communities, attorney generals, and managers, seeking commitments and

deadlines; debated and suggested lines of action to the attorney generals. The result of these actions was the

delivery of recommendations and legal actions, which, amongst other conquests, resulted in the creation of

the Indigenous Education Council and the implementation of the second segment of basic education.

Keywords: indigenous education; guarani communities; indigenous rights.

Introdução

O Ministério Público Federal (MPF) acompanha as políticas públicas para educação

nas comunidades indígenas do Estado do Rio de Janeiro desde 1997. Este tempo

correspondeu a um período de discussão e construção dessas políticas em nível nacional –

um processo dinâmico, que contou no Rio de Janeiro com avanços e recuos por parte dos

guaranis e dos gestores de educação. A fiscalização que cabe ao MPF inseriu – se no bojo

dessas mudanças, tornando-se o Parquet Federal também um ator neste processo.

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Por anos, contudo, a atuação da instituição consistiu no envio de ofícios e acompanhamento

dos fatos apenas por meio de relatórios antropológicos. Tendo em vista uma maior cobrança das

comunidades diante da morosidade do Estado, esses instrumentos mostraram-se ineficazes.

Isto posto, a Procuradoria da República no Município de Angra dos Reis provocada

pela assessoria antropológica, acionou-a para ir a campo; articular e ouvir os índios; elaborar

relatórios, diagnósticos; organizar reuniões com a comunidade, os Procuradores e os

gestores, visando firmar compromissos e prazos; debater e sugerir linhas de ação para os

Procuradores da República, em conjunto com os índios. O objetivo deste trabalho foi

subsidiar os operadores do Direito em sua atuação, através do esboço do estado da arte dessas

políticas educacionais, que será apresentado ao longo do texto.

1. Metodologia

A metodologia partiu de observações etnográficas realizadas nas aldeias guarani dos

Município de Angra dos Reis e Paraty, Estado do Rio de Janeiro, no período de 1997 a 2015.

As situações de pesquisa aconteceram sempre em reuniões em que estiveram presentes as

comunidades, os gestores das políticas para educação no Estado e demais atores sociais,

colaboradores da implementação desse processo, tais como organizações não-

governamentais, universidades, etc.

A participação da pesquisadora ocorreu na qualidade de antropóloga do Ministério

Público Federal/Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, na condição de

assessora de Procuradores da República com atuação no acompanhamento e fiscalização de

políticas públicas para educação indígena.

A partir desse lugar, elaborou-se um inventário de problemas e de possíveis soluções

apresentadas pelos indígenas. As demandas reiteradamente trazidas formaram uma pauta

que se repetia em reuniões periódicas, fazendo com que, aos poucos, fossem sendo

aperfeiçoadas as técnicas de enfrentamento de questões não resolvidas ou mal resolvidas.

2. Caracterização do contexto

A título de caracterização da educação escolar indígena no Rio de Janeiro,

inicialmente verifica-se que no Estado do Rio de Janeiro existem seis aldeias guarani: Aldeia

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Sapukai, em Angra dos Reis; Aldeias Ka’aguy Hovy Porã (Mata Verde Bonita) e Itaipuaçu,

em Maricá; e Aldeias Itaxin, Arandu Mirim, Araponga e Rio Pequeno, em Paraty. Dessas

comunidades, da etnia guarani, apenas a de Rio Pequeno é caracterizada como pertencente

ao subgrupo kaiowá, sendo as demais designadas como do subgrupo mbyá. A população de

todas as aldeias é calculada em cerca de 800 indígenas.

A Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ) é o órgão oficial

responsável pela educação indígena. Os Municípios também podem atuar desde que

preencham alguns requisitos previstos na Resolução CNE nº 05/2012. O Conselho Estadual

de Educação do Estado do Rio de Janeiro, através do Decreto 33.033/2003, incorporou ao

sistema de ensino do Estado a categoria “educação indígena” no âmbito da educação básica.

Os níveis de ensino oferecidos abrangem as primeiras séries do ensino fundamental – do

primeiro ao quinto ano. Neste ano de 2015 foi iniciado o 6º ano, com professores não indígenas

nas aldeias de Paraty e Angra dos Reis. Há também o ensino para jovens e adultos (EJA).

A estrutura existente compõe-se de uma escola na Aldeia de Bracuí e três salas de extensão

vinculadas, situadas nas Aldeias de Rio Pequeno, Itaxin e Araponga. Esse desenho foi concebido

levando em conta os entraves burocráticos para implementação de escolas nas aldeias,

considerando o pequeno número de crianças em cada comunidade. Além desta, que foi a primeira

escola, existe também uma unidade escolar em Maricá, que funciona em um container fornecido

pela Prefeitura. Em Itaipuaçu está pendente o atendimento à demanda de um prédio escolar.

De acordo com o documento “Comunidades Educativas Indígenas do Estado do Rio

de Janeiro”, elaborado pelos guaranis do Rio de Janeiro na Conferência Regional de

Educação Indígena (CONEEI), realizada no Paraná em 2009, existem ao todo cerca de 180

alunos matriculados na estrutura escolar acima.

Os índios hoje reivindicam a mudança desse modelo “escola – salas de aula

vinculadas”, uma vez que ao longo do tempo houve um significativo aumento populacional

nas aldeias e, consequentemente, uma demanda maior por escolarização. Além disso, apesar

de situadas no mesmo Estado, a realidade de cada comunidade é diferente da outra,

apresentando necessidades e propostas diversas, afetas aos seus respectivos contextos.

Segundo indica o documento acima, nas escolas do Rio de Janeiro o que existe hoje

em termos de conquistas são: prédios escolares; contratação de professores indígenas;

merendeiras e zeladores indígenas; merenda escolar; proposta curricular e projeto politico-

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pedagogico sendo construídos coletivamente; ensino bilíngue, tendo o guarani como língua

de instrução (primeira língua).

O documento aponta que todos os professores e o pessoal de apoio (merendeiras,

vigias, serventes) são guarani e, no quadro das escolas, a única juruá (não-indígena) e a

diretora. A médio prazo os índios desejam que todos os profissionais de escola sejam

indígenas. No 6º ano, implantado no ano corrente, os professores são juruá.

Um dos problemas principais na implantação da educação indígena que prima pelo

protagonismo dos índios, no Rio de Janeiro e em outros Estados, é a necessidade de

capacitação para formação de professores indígenas.

Para viabilizar a contratação, o Ministério da Educação promoveu a participação dos

professores indígenas das aldeias do Rio de Janeiro no Curso de Formação para Professores

Indígenas Guarani das regiões Sul e Sudeste, intitulado Protocolo Guarani, ministrado em

Santa Catarina de 2003 até 2010.

A participação no Protocolo Guarani, além de capacitar, permitiu uma reflexão sobre

educação e ensejou trocas entre índios guarani originários de aldeias diversas, dos Estados

de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro.

Entretanto, durante o curso, frequentemente os professores se ausentavam de suas

comunidades para as aulas presenciais no Estado de Santa Catarina e as escolas ficavam sem

professor, gerando um custo alto para a comunidade. Procurava-se suprir a falta dos

professores na semana do curso com monitores, o que nem sempre era possível pois não era

fácil conseguir voluntários para esse papel.

3. Um processo em andamento: demandas apontadas pelos guaranis

Em 2010, após concluído o Protocolo Guarani e o curso de EJA para formação de

agentes de saúde e saneamento indígenas promovido por um pool de universidades, em

conjunto com a FUNASA, houve um momento de paralisação das ações de educação escolar

que gerou grande insatisfação.

O MPF passou a ser acionado para que ocorressem mudanças nesse cenário. A partir

desse chamado, a Procuradoria da República no Município de Angra dos Reis, com a

assessoria antropológica do órgão, passou a organizar reuniões periódicas para resolver

questões relativas à educação. Participaram dessas reuniões representantes da Procuradoria

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da República no Estado do Rio de Janeiro, da SEEDUC/RJ, Secretarias Municipais de

Educação de Paraty e Angra dos Reis, universidades, FUNAI, ONGs, professores indígenas

e demais interessados na construção da agenda de educação para os povos indígenas do

Estado do Rio de Janeiro. As reuniões aconteceram nas Aldeias de Bracuí, em Angra dos

Reis, e Parati-mirim, em Paraty, entre 2010 e 2015.

A partir de notas e observações tomadas durante a participação nessas reuniões,

destacou-se um inventário de problemas e de possíveis soluções apresentadas pelos índios e

demais atores sociais, construídas coletivamente.

Em apresentação do seminário “O Rio de Janeiro continua índio”, ocorrido no Museu

da Justiça/RJ, em agosto de 2015, representantes da SEEDUC/RJ sistematizaram as atuais

demandas dos guaranis àquela Secretaria nas seguintes:

Ofertar ensino fundamental, médio e EJA.

Ofertar ensino médio na modalidade de magistério indígena.

Contratar professor indígena para escolas indígenas.

Construir coletivamente com a comunidade indígenas as matrizes curriculares da

educação básica.

Criar cargo de professor indígena.

Manter e ampliar a oferta de ensino nas aldeias indígenas.

Manter a interlocução permanente entre as comunidades indígenas e os responsáveis pela

promoção da educação escolar indígena nas Secretarias de Educação.

Efetivar parcerias com os Municípios que, por critérios e anuência da comunidade, executam

educação escolar indígena, objetivando o atendimento e a qualidade na educação indígena.

Reunir com a equipe gestora para alinhamento e direcionamento das demandas.

As demandas apontadas pela SEEDUC/RJ não esgotam todas as reclamações dos

índios em relação à educação nas aldeias do Estado do Rio de Janeiro, surgidas nas reuniões,

tais como: as crianças frequentam as escolas mas obtêm muito pouco êxito no aprendizado

da leitura e da escrita; as aulas são ministradas de forma descontínua e sem currículo

definido; alguns ritos da formalização da educação escolar ainda não são cumpridos, como

a concessão de diploma, por exemplo, ao final de cada ciclo, até porque há uma certa

indefinição quanto à seriação: as famílias cobram, sem sucesso, avaliações de resultados dos

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alunos, não necessariamente através de notas mas sim de aferições periódicas que tragam

segurança para os pais sobre o desenvolvimento escolar dos seus filhos; falta supervisão e

acompanhamento satisfatórios do processo pedagógico dos professores indígenas em suas

atividades. É necessário, portanto, melhorar a organização do cotidiano escolar.

O contexto atual desmotiva os professores, resultando em evasão e deixando

sobrecarregados os que permanecem. Às vezes as salas de aula vinculadas ficam muito

tempo sem professores. Eventualmente a SEEDUC/RJ consegue um professor juruá (não

indígena) substituto, que também fica desestimulado e desiste em pouco tempo de exercício;

No documento elaborado por ocasião da Conferência Regional de Educação

Indígena, preparatória para a I CONEEI, os índios do Estado do Rio de Janeiro apontaram,

em linhas gerais, os seguintes caminhos para melhoria, que coincidem com os apontados

pela SEEDUC/RJ e observados nas reuniões nas aldeias:

Transformar cada sala de extensão em uma Unidade Administrativa com CNPJ próprio,

para garantir autonomia financeira e de gestão;

Implantar o Ensino Fundamental (segundo segmento) na modalidade EJA, com

organização curricular, nas aldeias de Angra e Paraty, para jovens e adultos;

Implantar um curso de magistério indígena, presencial, nas aldeias, com módulos intercalados

nas cidades de Angra e Paraty, para suprir demanda reprimida de ampliação da escola;

Promover concurso público específico para os professores indígenas;

Garantir representatividade indígena nos espaços de formulação e acompanhamento de

políticas públicas em Educação Indígena no Estado, como: Comissão Estadual de

Educação Indígena; Conselho Estadual de Educação e Conselho Municipal de Educação;

Implantar na estrutura da SEEDUC/RJ, órgão ou departamento específico de gestão da

Educação Escolar Indígena, com equipe e infraestrutura de trabalho coerente com a

demanda das escolas indígenas, conforme orientação da legislação federal;

Ampliar a discussão nas comunidades sobre o modelo de escola mais adequado ao projeto

de futuro dos Guarani no Rio de Janeiro;

Estimular a articulação política dos professores em uma OPI - Organização dos

professores indígenas, garantindo espaços de estudo e organização coletiva.

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Nas reuniões realizadas entre 2010 e 2012 foram apresentadas pelos indígenas

algumas ideias que complementam, reiteram e especificam a implementação das propostas

acima. Tentamos sistematizá-las abaixo, procurando manter fidelidade ao sentido original

das falas dos índios:

Formalização da educação escolar (concessão de diploma, por exemplo);

Aprovação pela SEEDUC/RJ da criação de três unidades escolares, cada uma com a sua

respectiva diretoria;

Nova formação, capacitação e treinamento dos professores indígenas mais próximo às aldeias;

Flexibilização da legislação estadual relativa à contratação de professores indígenas;

Contratação de professor(a) para Rio Pequeno;

Criação do Núcleo de Educação Indígena ou Conselho de Educação Indígena, de acordo

com o previsto na legislação;

Ensino fundamental com terminalidade e definição de séries;

Possibilidade da eventual contratação de professores juruá para agir em parceria com os

indígenas, apoiando-os e orientando-os;

Aproveitamento das iniciativas educacionais já existentes, inclusive material didático e

metodologias produzidos no âmbito do curso de EJA Guarani e do Protocolo Guarani;

Criação de uma secretaria nas escolas que comporte a organização documental: fichas

dos alunos, arquivos, notas fiscais, etc.;

Mais professores e assessoria pedagógica prestada pela Secretaria de Educação, Ciência

e Tecnologia de Angra dos Reis;

Contratação dos formados pelo EJA como professores do 1º segmento;

Apoio financeiro da SEEDUC/RJ para a criação do EJA Guarani;

Funcionamento do EJA Guarani nas próprias comunidades, em paralelo com o ensino regular;

Aperfeiçoamento do EJA através de encontros mais frequentes (periodicidade maior do

que a mensal) e continuidade das assessorias das universidades;

Curso de formação de professores, estruturado como magistério, em nível de ensino

médio, com duração de quatro anos (600hs), desenvolvido pela UFF - Campus Angra dos

Reis, em parceria com escola estadual de Angra dos Reis e com aproveitamento de

proposta curricular semelhante à elaborada no âmbito do antigo Núcleo de Educação

Indígena do Estado do Rio de Janeiro (NEI/RJ), extinto em 2002;

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Parceria oficial com os Municípios e instituições envolvidas através da assinatura de

termos de convênio e/ou cooperação técnica entre a SEEDUC/RJ, a SME/AR e as

universidades envolvidas.

Na aldeia de Parati-mirim os índios sugeriram capacitação antropológica para os

professores não indígenas que trabalhem na supervisão, como forma de ambientá-los nas

comunidades e na cultura guarani.

4. Empecilhos e avanços

Algumas reivindicações dos índios foram conquistadas ao longo desses anos com o

processo de discussão através das reuniões com os atores sociais, tais como a criação da sala

de extensão de Rio Pequeno e a contratação temporária de professor indígena para esta

aldeia. Igualmente, duas turmas de EJA vieram a se formar; foi contratada monitoria para

auxiliar a supervisão pedagógica; iniciou-se o 6º ano em duas aldeias.

Contudo, desde 2010 encontra-se em andamento a formalização de um convênio

entre a Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense - Campus Angra dos

Reis e a SEEDUC/RJ, sem que se obtenha autorização da SEEDUC/RJ para o seu início. O

objetivo do convênio é oferecer o curso de magistério diferenciado no nível de ensino médio,

com o envolvimento e apoio do Colégio Estadual Engenheiro Artur Vargas, situado em

Angra dos Reis, em parceria com a Secretaria de Educação daquele Município. Os entraves

burocráticos são imensos para o início deste curso.

Levar essa iniciativa adiante, entretanto, dependeria também da existência de alunos

concluintes do ensino fundamental. Assim, a partir de 2011 a Secretaria de Educação do Município

de Angra dos Reis, em parceria com a SEEDUC/RJ e com universidades, continuaria a oferecer o

curso de EJA Guarani em paralelo com o curso de nível médio. Os alunos que o desejassem

poderiam, inclusive, participar concomitantemente dos dois cursos – EJA e magistério –, tendo em

vista a urgência de solução de problemas relativos à formação de professores indígenas e a

demanda de que os profissionais de ensino sejam indígenas. Além disso, o ensino regular do

primeiro segmento do ensino fundamental continuaria sendo oferecido às crianças indígenas.

Até então, ao longo da primeira década do século XXI, as principais ações da

SEEDUC/RJ diziam respeito à formação dos professores indígenas, com apoio ao

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engajamento dos docentes no curso Protocolo Guarani, ministrado em Santa Catarina, e à

contratação provisória, em paralelo, desses professores participantes do curso.

Em paralelo a essas atividades desenvolvidas pela Secretaria de Estado, foi levada a

cabo uma iniciativa exitosa, por um pool de universidades do Rio de Janeiro, entre os anos

de 2004 e 2010, sobre a qual abriremos aqui um parêntesis para contar como foi. Trata-se do

curso de Ensino para Jovens e Adultos Indígenas, o EJA Guarani, concebido para a formação

de agentes de saúde e saneamento indígenas.

A partir da constatação da escolaridade incompleta dos agentes indígenas de saúde (AIS)

e agentes indígenas de saneamento (AISANs), com a aquisição precária da leitura e da escrita

em português e em guarani, a UFRJ, o Pró-Índio/UERJ e o Laboratório da Imagem e do Olhar

(Leio) / Faculdade de Educação/ UFF – atuantes desde a década de noventa na formação de

professores e na assessoria de produção de materiais paradidáticos junto às aldeias guarani na

Baía da Ilha Grande – articularam-se para, em conjunto com a Funasa e em parceria com as

Secretarias de Educação dos Municípios de Paraty e Angra dos Reis, constituir o EJA Guarani.

Duas turmas de agentes foram organizadas: uma em 2004, que se formou em 2007;

outra constituída em 2007, que se formou em 2010. A escolarização teve um caráter

semipresencial com encontros presenciais mensais. O curso foi constituído em dois módulos,

cada uma com a duração de dez meses. O primeiro com Português, Etnociências,

Etnomatemática e Artes. O segundo com Guarani, Etnogeografia e Etnohistória. Em cada

mês houve uma concentração de três dias, em tempo integral. Entre cada encontro presencial

mensal, os professores da Secretaria Municipal de Angra dos Reis (SME/AR), vinculados

ao EJA, realizavam estudos dirigidos com os exercícios acordados com a assessoria e

dispostos no material didático concebido em conjunto com os índios.

Considerando a importância da oralidade na cultura guarani, a organização dos temas

foi realizada de acordo com seus interesses e universo cotidiano procurando privilegiar os

assuntos mais presentes no trabalho dos AIS e dos AISAN nas aldeias.

O Projeto EJA Guarani atendeu aos seus objetivos, capacitando os agentes e

conferindo-lhes o diploma do ensino fundamental e, em dezembro de 2010, recebeu a

Medalha Paulo Freire do Ministério da Educação.

Este projeto, portanto, ocupou um lugar que estava vago, nesta primeira década do

século XXI, preenchendo um vácuo existente nas políticas públicas de educação para os

povos indígenas do Estado. Feita essa digressão, voltamos aos impasses da educação

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oferecida aos indígenas pela SEEDUC/RJ. Como dissemos anteriormente, finalizado o

Curso de EJA Guarani e o Curso do Protocolo Guarani de Formação de Professores, os

indígenas passaram a pressionar a SEEDUC/RJ e a Procuradoria da República para a oferta

da educação escolar indígena de forma regular e satisfatória.

Em 2011, algumas reuniões e visitas foram realizadas pela SEEDUC/RJ, para

conhecimento da realidade dos índios. A Secretaria iniciou um levantamento, aldeia por

aldeia, dos problemas de cada escola. A partir dessas incursões em áreas indígenas, a

SEEDUC/RJ apresentou uma proposta de construção de prédio escolar e de implantação de

um projeto educacional já conhecido na SEEDUC/RJ - o Projeto Autonomia. Nenhuma das

duas propostas, contudo, constava na agenda elaborada anteriormente pelos indígenas. O

Projeto Autonomia foi implantando, mas não atendeu às reivindicações dos índios.

A maioria dos óbices alegados pela SEEDUC/RJ para a implantação do modelo

educacional almejado são de ordem burocrática. A necessidade de contratação de

professores indígenas sem a formação integralizada demorou a ser reconhecida como direito,

mesmo prevista em legislação a educação diferenciada, com especificidades próprias.

Persiste a demanda pela contratação definitiva, por concurso público, de professores já

formados, sendo necessárias providências para encaminhamento de Projeto de Lei à

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para aprovação.

Do mesmo modo, considerando que os prédios escolares já existem pelo menos em

três aldeias, a aprovação do projeto de criação de três unidades escolares autônomas depende

de autorização da SEEDUC/RJ e, principalmente, de vontade política para adaptar as normas

dos não índios às necessidades dos índios.

A assessoria pedagógica é muitas vezes descontínua, fragmentada, prejudicando o

cotidiano escolar. Assim, possíveis parcerias são deixadas de lado, não só entre as

universidades, como também no âmbito administrativo, entre as Secretarias de Educação

Municipal e Estadual, e também entre os demais participantes do processo de construção de

educação indígena no Estado.

Outro grande impasse nos andamentos necessários para a implementação da

educação diferenciado no Estado é, como foi colocado anteriormente, a discussão entre os

indígenas sobre que escola querem e para que a querem, ou seja, para que projeto de futuro

esperam que a escola vá contribuir em suas aldeias. Este é um tema que vai e volta na

realidade educacional do Rio de Janeiro.

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As soluções para a superação de tais obstáculos passam, sem dúvida, pelo incremento

do controle social com a entrada em funcionamento do Conselho de Educação Escolar

Indígena do Estado do Rio de Janeiro. Nesse locus, que existe em vários Estados do Brasil, os

problemas e soluções são trazidos à baila e debatidos, por índios e/ou não índios, facilitando a

cobrança de ações, a exemplo do que acontece nos Conselhos de Saúde Indígenas.

Nas reuniões mencionadas neste trabalho buscou-se formalizar o controle social.

Nessas reuniões começaram a ganhar corpo algumas propostas dos índios. Considerando que

os compromissos assumidos nas reuniões não surtiam mais efeito, o MPF expediu

Recomendação para que se atendesse ao acordado e ajuizou ação civil pública, gerando

resultados positivos e alguns avanços. Mas ainda há muito por fazer.

Considerações Finais

No acompanhamento que realizamos das políticas de educação escolar e nas reuniões

das quais participamos com as comunidades do Rio de Janeiro, os índios relataram que o

processo educacional diferenciado indígena no Estado é um dos mais incipientes do Brasil.

Durante muito tempo o poder público esteve ausente alimentado, tanto pela máquina

burocrática e falta de vontade política, quanto pelo questionamento dos próprios índios sobre

os benéficos e prejuízos que a educação escolar formal, mesmo diferenciada, poderia trazer

para as suas comunidades.

Em paralelo, o projeto do curso de Ensino para Jovens e Adultos Guarani,

direcionado à escolarização de agentes de saúde e saneamento conferiu aos índios um sentido

especial para o aprendizado, na medida em que o conteúdo do currículo se ancorava no

atendimento às demandas da sua realidade. Sentido este que caminhou na direção do diálogo

intercultural e que contribuiu para afirmar esta possibilidade.

Para fazer jus ao que se conquistou até agora, é preciso valorizar os avanços obtidos

na implementação da educação escolar indígena entre as aldeias de Angra dos Reis e Paraty,

conquistado através do controle social ocorrido nas reuniões promovidas pelo MPF e

reforçado pelas medidas subsequentes tomadas pela instituição.

O início do 6º ano, a criação do Conselho de Educação Escolar Indígena, a formação

para os professores que lecionam no 6º ano e a realização do EJA foram alguns avanços.

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Entretanto, questões como a contratação temporária dos professores indígenas

continuam gerando situações inaceitáveis, como o fato de algumas turmas do 1º segmento

terrem ficado um semestre sem professor e sem aulas em 2015. Além disso, até então não

foi aprovado pela SEEDUC/RJ o curso de magistério para formação de professores

indígenas, proposto pela UFF desde 2010. Sem contar que o Conselho de Educação Escolar

Indígena, criado em 2014, ainda não entrou em funcionamento.

O processo educacional diferenciado teve, e continua tendo, avanços e recuos. É

um caminho em construção. O momento atual, de preparação para a II CONEEI, a ocorrer

em 2016, nos acena maior participação, controle social e empoderamento dos guaranis de

Angra dos Reis e Paraty.

Referências

BARROS, Armando Martins; SANTOS Fernanda Muniz; BARBOSA Gabriela dos Santos

(orgs.). EJA Guarani: o registro de uma história e perspectivas atuais. Rio de Janeiro: E-

papers, 2012.

BARROS, Armando Martins (org.). EJA Diferenciado Indígena para Agentes Guarani

de Saúde e de Saneamento - Nhembo’e Tapé. Aldeias mbyá do Rio de Janeiro. Itaxi,

Araponga, Sapukai, Rio Pequeno, Mamanguá, Camboinhas. v. I. Português,

Etnomatemática, Etnociências. Rio de Janeiro: E-papers, 2009.

BARROS, Armando & CASTRO, Renata Pinheiro (org.). Ara reko: memória e tempo

Guarani. Trad. MONSERRAT, Ruth & SILVA, Algemiro (Karai Miri). 2.ed. Rio de

Janeiro: E-papers, 2005.

LUCIANO, Gersem José dos Santos. Educação para manejo do mundo: entre a escola

ideal e a escola real no Alto Rio Negro. Rio de Janeiro: Contra Capa; Laced, 2013.

PISSOLATO, Elizabeth. Tape Porã, impressões e movimento - Os Guarani Mbyá no Rio

de Janeiro. Rio de Janeiro: Museu do Índio-FUNAI, 2012.

TELLES, Lucila Silva (coord. Editorial). Maino’i rape - O caminho da sabedoria. Rio de

Janeiro: IPHAN, CNFPC: UERJ, 2009.

Documentos

Documento preparatório da I Conferência Nacional de Educação Indígena - Comunidades

educativas indígenas do Estado do Rio de Janeiro. 2009.

Atas de reuniões sobre educação indígena ocorridas nas aldeias do Estado do Rio de

Janeiro entre os anos de 2010 e 2015.

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INVESTIGANDO AS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EJA

NO MUNICÍPIO DE RIO GRANDE-RS

Pâmela Rodrigues Altamor FURG

Vanise dos Santos Gomes FURG

Resumo: O presente artigo apresenta reflexões motivadoras de pesquisa acerca da formação continuada

de professores de jovens e adultos (EJA), tendo por objetivo situar historicamente os interesses da

pesquisadora, bem como promover breves reflexões acerca do lugar ocupado pelas discussões sobre EJA

nos cursos de formação inicial e nas pesquisas em nível de mestrado e de doutorado. Nestes últimos,

busca-se evidenciar um panorama amplo do modo como a formação continuada de professores em EJA

tem sido tratada por pesquisadores, sendo levantadas, no banco de teses da Coordenação de

aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES, pesquisas realizadas entre os anos de 2009-2015.

A partir dos resultados encontrados nesta investigação ressalta-se a importância de produzir estudos

referentes à formação continuada dos professores da EJA. Em todas as produções investigadas, salienta-

se a importância da formação continuada específica para educadores que atuam com jovens e adultos,

considerando que a prática de formação oportuniza reflexões acerca da complexidade que envolve o

trabalho em sala de aula, contribuindo com a constituição dos educadores, com a melhoria da qualidade

da formação continuada do docente na EJA e, consequentemente, com a qualidade da escola pública.

Palavras-chave: formação continuada; educação de jovens e adultos; constituição docente.

Abstract: This article presents reflections about the Youths and Adults Education (EJA) continuing

teacher training, having as an aiming to situate historically the researcher’s interests as well as

promoting a brief reflections on discussions about youths and adults education in the initial teachers

program and in master's and doctoral researches. The intention is to highlight how the continuing

teachers education has been treated by researchers, the study has being conducted based on the

CAPES database enhancing the productions between 2009-2015. The result found in this research

emphasizes the importance of producing studies on the continuing teacher education teachers. In all

investigated productions, it emphasizes the importance of specific continuing education for ones who

works with youths and adults students. Concerning that the training practices give the opportunity to

reflect about the complexity that involves working in class, to constitute as teacher and to develop

the continuing teachers training quality as well as the public school quality.

Keywords: continuing teacher education; youths and adults education; teacher tonstitution.

Introdução

Diante da complexidade que envolve o cenário educacional brasileiro muitas são as

inquietações que me acompanham enquanto uma educadora/pesquisadora em formação.

Busco, ao longo desta escrita, contar um tanto de minha trajetória acadêmica para, então,

melhor evidenciar minha escolha em pesquisar a formação dos professores da Educação de

Jovens e Adultos (EJA).

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Os caminhos percorridos durante minha formação inicial me permitiram transitar pela

Educação Jovens e Adultos, proporcionando vivências que aqui busco brevemente citar a fim

de contextualizar minha relação com essa área do conhecimento. Ainda que as discussões

sobre EJA nas disciplinas cursadas ao longo do curso de pedagogia entre os anos de 2006-

2010 eram poucas, a motivação pelo debate nesta área do conhecimento foi-me seduzindo ao

inserir-me, no mundo acadêmico, em espaços em que o debate ganhava lugar de destaque.

Momentos como a participação no Núcleo de Estudos em Educação de Jovens e Adultos

e Alfabetização - NEEJAA/FURG, a prática do estágio supervisionado com jovens e adultos e

a atuação em um curso de especialização envolvendo a formação de professores da EJA,

oportunizaram-me aprimorar estudos envolvendo esta modalidade de ensino, despertando

inquietações que contribuíram significativamente para o nascimento desta pesquisa.

Entre antigos e novos desafios que envolvem a Educação de Jovens e Adultos, lutas

e conquistas históricas, conteúdos curriculares inadequados, infraestrutura precária para

atender aulas noturnas, falta de apoio pedagógico, índices altos de evasão, escolho dedicar

meus estudos à formação continuada dos professores da EJA, atentando para as

particularidades que envolvem este educador. Por que esta temática? Até onde consigo

perceber, encontro neste tema um respaldo para ampliar meus próprios conhecimentos sobre

educação de jovens e adultos, tema tão periférico nos cursos de pedagogia e, na sequência,

contribuir para que a formação continuada de professores da EJA seja pensada e valorizada

enquanto ambiente de constituição destes docentes.

A formação continuada dos professores da educação básica é assegurada no Art. 67

da Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e tem como objetivo

oferecer ao professor a possibilidade de discutir, refletir e criar condições necessárias para

enfrentar a complexidade do sistema educacional. No entanto, o que temos encontrado é uma

formação continuada pautada em uma perspectiva instrucionista, que parece não vir

contribuindo para avanços qualitativos da educação. De acordo com Imbernón (2009, p. 30),

os encontros oferecidos aos professores têm se convertido, muitas vezes, em

potencializadores da exclusão social, pois não parecem acrescentar informações

significativas para qualificar suas práticas, algumas vezes contribuindo apenas para que os

sujeitos fiquem desconfortáveis diante da profissão. Nesse sentido, que Soares (2008, p. 85)

chama a atenção para a importância das discussões envolvendo a formação dos profissionais

que atuam na EJA, uma vez que “a formação dos educadores tem se inserido na problemática

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mais ampla da instituição da EJA como um campo pedagógico específico que, desse modo,

requer a profissionalização de seus agentes”.

O educador da EJA tem o direito de participar de uma formação continuada

permanente, que considere, valorize e estude essas especificidades de sua ação docente que,

entre outros aspectos, encontra o desafio de lidar com uma diversidade cada vez maior de

educandos. Arroyo (2005, p. 29) ao escrever sobre a diversidade que envolve os estudantes

da EJA, afirma que, “desde que a EJA é EJA, os jovens e adultos são os mesmos: pobres,

desempregados, vivem da economia informal, negros, vivem nos limites da sobrevivência”.

O autor ainda chama atenção para o discurso escolar que os trata, a priori, como os

repetentes, evadidos, defasados, aceleráveis, deixando de fora dimensões da condição

humana desses sujeitos, básicas para o processo educacional.

É neste sentido que se destaca a importância da formação continuada específica para

educadores da EJA, de forma que proporcione aos educadores reflexões acerca da

complexidade que envolve o trabalho em sala de aula com jovens e adultos, atrelado à

diversidade e necessidades dos educandos, da escola e da comunidade que atende. Arroyo

(2006, p. 21), ao retratar sobre essa formação específica para EJA, considera que “se

caminharmos no sentido de que se reconheçam as especificidades da Educação de Jovens e

Adultos, aí sim teremos de ter um perfil específico do educador da EJA e, consequentemente,

uma política específica para a formação desses educadores”.

Ainda, é interessante ressaltar, que a importância da formação continuada específica aos

educadores da EJA se reforça diante do aspecto deficitário que a formação inicial apresenta.

Refiro-me, aqui, à formação ofertada nos cursos de Pedagogia, caracterizada como polivalente

uma vez que visa formar um profissional que possa transitar por diferentes áreas do conhecimento

pedagógico, sem possibilitar, no entanto, aprofundamento teórico-prático em nenhuma delas.

A Resolução CNE/CP nº 1/2006, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Curso de Graduação em Pedagogia, define que o curso formará profissionais para o

magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, para as matérias

pedagógicas no Curso Normal de nível médio e de cursos da Educação Profissional, e ainda

mantêm a formação de profissionais da educação prevista no artigo 641 da Lei nº. 9394/1996.

Segundo Gonçalves (2012, p. 74) essas políticas públicas educacionais têm provocado

1 Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e

orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível

de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.

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repercussões não só no cotidiano da escola como também no trabalho docente e na própria

identidade dos profissionais da educação.

Os estudos de Soares (2002) demonstram que a maioria das universidades brasileiras que

oferta o curso de Pedagogia não oferece componentes curriculares suficientes para a formação

o campo específico da educação de pessoas jovens e adultas. Tal afirmação também se confirma

diante da análise atual das grades curriculares que configuram os cursos de Pedagogia das seis

universidades federais do estado do Rio Grande do Sul: FURG2, UFSM3, UFRGS4, UFFS5,

UFPEL6 e UNIPAMPA7. Observa-se que, ao considerar a carga horária total dos cursos de

Pedagogia de tais universidades, apenas uma disciplina que trata das especificidades da educação

de jovens e adultos é ofertada, o que correspondem no máximo a apenas 2% da carga horária

total dos cursos. Outras disciplinas são oferecidas como optativas, deixando clara a carência na

formação inicial dos professores no que se refere às discussões sobre EJA.

O mencionado acima contribui para a histórica marginalização que acompanha a

educação de jovens e adultos, pois, mesmo os cursos se configurando como polivalentes,

devendo atender múltiplas formações, ao compararmos o número de disciplinas vinculadas

ás discussões sobre infância, por exemplo, encontramos uma carga horária que representa

mais que o dobro da oferecida para os debates pertinentes à EJA. Podemos melhor visualizar

tais informações a partir dos gráficos abaixo:

Gráfico 1: Carga horária dedicada a educação de jovens e adultos nos cursos de

Pedagogia nas Universidades Federais no estado do Rio Grande do Sul

2 Universidade Federal do Rio Grande - FURG. 3 Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 4 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 5 Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS. 6 Universidade Federal de Pelotas - UFPEL. 7 Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA.

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Se ampliarmos a análise para, então, melhor prestar atenção nas ementas das

disciplinas que constituem os componentes curriculares dos cursos de pedagogia das IES

acima mencionadas, é possível verificar que a EJA é citada em algumas disciplinas que

envolvem metodologias da Língua Portuguesa, Matemática, Alfabetização e Ciências

Sociais. No entanto fica o questionamento: Será que essas disciplinas dão conta de discutir

de forma específica a complexidade que a educação com jovens e adultos demanda?

É precisamente a partir dos argumentos mencionados acima que justifico a razão

social da pesquisa aqui proposta, pois entendo ser emergencial pensar e repensar a formação

continuada de professores no campo da EJA, de modo que se ofereça aos professores

respaldo teórico e pedagógico para atuar com as especificidades desta modalidade de ensino.

Como expressa Nóvoa (2001):

A formação de professores deve ser concebida como uma das componentes

da mudança, em conexão estreita com outros setores e áreas de

intervenção, e não como uma espécie de condição prévia de mudança. A

formação não se faz antes da mudança, faz-se durante, produz-se nesse

esforço de inovação e de procura dos melhores percursos para a

transformação da escola (NÓVOA, 2001, p. 28).

O autor ainda salienta sobre a importância das pesquisas educacionais terem por

objetivo o estudo acerca do professor, pois é necessário compreender a complexidade da

docência e para isto é preciso reconhecer que neste mesmo profissional há a pessoa do

professor, que tem sua identidade, medos, anseios, valores e expectativas.

É tomando por referência as ideias acima mencionadas que se configura a pesquisa

realizada em nível de mestrado, caracterizada como qualitativa, na qual propomos investigar as

contribuições da formação continuada na constituição dos professores da EJA no município de

Rio Grande/RS. Tal objetivo pode ser melhor especificado por meio das seguintes indagações:

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Como ocorre o processo de formação continuada para os professores da EJA no município de

Rio Grande/RS e qual a influência dessas formações na constituição desses profissionais?

É interessante salientar que a escolha de pesquisar a formação continuada dos

professores do município de Rio Grande/RS, localizada no sul do estado do Rio Grande do Sul,

está atrelada ao momento histórico que cidade vem atravessando no que se refere a conquistas

na área da educação. O novo plano de carreira do magistério público municipal sancionado em

fevereiro de 2015 é uma dessas recentes conquistas. Tal plano garante avanços na carreira dos

professores municipais como o pagamento do reajuste do Piso Salarial Nacional dos

profissionais da educação; criação de dois níveis de valorização dos professores que possuem

mestrado e doutorado, com índice de reajuste de 10% para cada um dos novos níveis; ajuste na

tabela de valorização para enquadramento dos professores com licenciatura curta na mesma base

percentual dos professores do nível II; e ajuste na tabela de progressão por tempo de serviço, de

modo que os professores atinjam 100% de acréscimo dos seus vencimentos em 30 anos de

trabalho, igualando-se, assim, aos demais servidores do município.

A instituição da EJA enquanto modalidade de ensino é recente no município. No ano

de 2012, a Secretaria de Município da Educação - SMED, no intuito de garantir o acesso à

escola aos alunos com 15 anos ou mais de idade, deliberou as políticas curriculares

específicas para a EJA garantindo, assim, o trabalho dos educadores desta modalidade.

É considerando tal momento histórico e a identificação da pesquisadora com a

temática da formação dos professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA) que surge a

proposta de investigação aqui apresentada. Com tal proposta buscamos colaborar com a

melhoria da qualidade da formação continuada do docente na EJA e, consequentemente,

com a qualidade da escola pública, de modo que o trabalho investigativo venha a contribuir

em futuras avaliações da Secretaria de Município da Educação - SMED da cidade do Rio

Grande- RS acerca da formação continuada ofertadas aos docentes.

1. A produção stricto sensu na formação de educadores de jovens e adultos no período

2009/2015

O conjunto significativo de pesquisas produzidas no campo da educação de jovens e

adultos é um ponto de partida importante a ser considerado ao propor-se o estudo aqui em

questão. Isso porque as pesquisas no campo da EJA não são recentes, tampouco solitária.

Pesquisadores da educação embrenham-se por processos investigativos que possibilitam

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ampliar as compreensões sobre a educação de jovens e adultos a partir da análise de campo

empírico e de discursos ali produzidos.

O que buscamos realizar, aqui, constitui-se como um encontro com pesquisas cujos

interesses convergem para compreensões acerca da formação continuada de professores de

jovens e adultos. O que tem sido investigado, nos cursos stricto sensu, a este respeito? Que

sujeitos tem sido olhados, escutados? Que pontos de partida poderíamos tomar, neste

trabalho, considerando as pesquisas já realizadas?

Importa localizar (ou relocalizar) a pesquisa que aqui propomos, expondo seus

principais objetivos para, então, deixarmos evidente o porquê de nossas escolhas. O que

desejamos é olhar com uma maior atenção aos processos formativos continuados de

educadores de jovens e adultos, investigando as contribuições da formação continuada na

constituição dos professores da EJA no município de Rio Grande/RS.

Consideramos que os estudos de tipo estado da arte auxiliam na compreensão dos

discursos que estão sendo produzidos sobre um dado tema em um determinado momento

histórico. Ainda, conforme expressa Sérgio Haddad (2000), coordenador de projeto que

propõe o estudo sobre o estado da arte das pesquisas que envolvem a Educação de Jovens e

Adultos no Brasil, realizadas entre 1986 e 1998:

Os estudos de tipo estado da arte permitem, num recorte temporal definido,

sistematizar um determinado campo de conhecimento, reconhecer os

principais resultados da investigação, identificar temáticas e abordagens

dominantes e emergentes, bem como lacunas e campos inexplorados

abertos à pesquisa futura (HADDAD, 2000, p. 4).

O presente artigo partiu da análise da produção acadêmica strictu sensu em educação,

expressa em teses de doutorado e dissertações de mestrado, defendidas durante o período de

2009 a 2015, que tiveram como específico foco de estudo a formação continuada de

professores em EJA. Importa salientar que a escolha do recorte temporal toma como base a

data de assinatura do Decreto Nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009 que institui a Política

Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, sancionado pelo

Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Tal decreto vem reforçar os Arts. 61 a 67

da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que garante o direito do professor à formação

continuada e abrange as diferentes modalidades da educação básica.

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Art. 3o São objetivos da Política Nacional de Formação de Profissionais do

Magistério da Educação Básica: IV - Identificar e suprir a necessidade das redes e sistemas públicos de

ensino por formação inicial e continuada de profissionais do magistério;

VII - ampliar as oportunidades de formação para o atendimento das

políticas de educação especial, alfabetização e educação de jovens e

adultos, educação indígena, educação do campo e de populações em

situação de risco e vulnerabilidade social;

X - Promover a integração da educação básica com a formação inicial

docente, assim como reforçar a formação continuada como prática escolar

regular que responda às características culturais e sociais regionais

(BRASIL. Decreto Nº 6.755, de 29/01/2009).

2.1. Levantamento dos dados

O levantamento dos dados aqui apresentados foi feito no banco de teses da

Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior-CAPES o qual é reconhecido

como o sistema online oficial do governo brasileiro, vinculado ao Ministério da Educação

(MEC), para compilação de arquivo de teses e dissertações brasileiras.

A primeira etapa de tal levantamento consistiu-se na identificação de dissertações de

mestrado e teses de doutorado que envolvessem as políticas públicas de formação de professores

na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil, considerando estudos relativos a educação

formal que tratam de processos da escolarização básica. A identificação dos trabalhos foi realizada

através da pesquisa de palavras-chave como formação de professores Educação de Jovens e

Adultos – Políticas Públicas formação de professores Educação de Jovens e Adultos – políticas

publica para Educação de Jovens e Adultos e do conteúdo dos resumos das obras.

A partir daí, foram encontradas 183 pesquisas referentes ao tema deste estudo, porém

com uma análise mais detalhada dos resumos considerou-se que alguns deles não eram

pertinentes ao recorte temático do estado da arte em questão. Este processo conduziu à

seleção de apenas 31 pesquisas que apresentavam discussões mais aprofundadas referentes

à formação de educadores de jovens e adultos, sendo 21 sobre formação de professores e 10

sobre políticas públicas que envolvem esta formação.

No que se refere às pesquisas sobre formação de professores em EJA, a maior parte

da produção é gerada em teses de doutorado (14), sendo sete as dissertações que abordam

esta temática divididas entre as seguintes regiões: 7 região sudeste, 5 região Sul, 8 região

Nordeste e 1 região Norte. Referente às temáticas políticas públicas em EJA, foram

selecionadas 10 pesquisas, 3 teses e 7 dissertações, 9 na região sudeste e 1 na região sul.

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2.2. Analisando as produções acadêmicas:

Diante dos dados apresentados no gráfico III podemos perceber que o número de

produção acadêmica que envolve a educação de jovens e adultos é significativamente

expressivo no centro-sul do país, particularmente na Região Sudeste, com destaque para o

Estado de São Paulo. Das 31 pesquisas selecionadas, o estado de São Paulo responde a 12

das 16 produções pertencentes à região sudeste. Para Haddad (2000. p. 11):

A localização dos centros de pós-graduação acaba por atrair pesquisadores

da própria região, influindo na escolha dos objetos de estudo. Assim,

preponderam as pesquisas sobre práticas de educação de jovens e adultos

desenvolvidas naqueles estados em que se localizam as universidades (SP,

RJ. RS, MG, PB). Esse perfil de estudos reflete as próprias condições em

que se realizam as pesquisas de pós-graduação: financiamento escasso,

limites de tempo, ausência de projetos integrados. Fica evidente que a

pesquisa nessa área temática carece de meios adequados para realizar

estudos de maior fôlego, como os de avaliação de políticas e programas ou

sobre analfabetismo/alfabetismo, por exemplo.

Das pesquisas selecionadas todas se caracterizam como qualitativas descritivas e

apontam, em sua maioria, para um resgate histórico sobre a Educação Popular e da Educação

de Jovens e Adultos no Brasil, destacando a crítica da EJA enquanto educação

compensatória e não emancipatória. É o que pode ser observado no estudo de Rocha (2010).

Historicamente sabemos que Educação de Jovens e Adultos enquanto

política compensatória não garante aos alunos a reinserção ao mundo do

trabalho como produtores autônomos, tampouco o exercício de uma

cidadania crítica e participativa, afirmam somente o compromisso com o

capital, deixando assim, a mercê da manutenção de sua lógica os

trabalhadores como dependentes da pobreza e da exclusão.

Ainda que motivadas por uma temática em comum as propostas investigativas das teses

e dissertações antes citadas apresentam particularidades diferentes uma vez que direcionam seus

olhares para questões específicas no que tange a EJA. Assim, dos estudos apresentados, apenas

21 discutem a formação de professores, sendo que, destes, são cinco os trabalhos que promovem

um olhar mais atento à formação continuada de educadores de jovens e adultos.

No que se refere às demais pesquisas, seus focos investigativos transitam por analises

que buscaram compreender trajetórias pessoais e profissionais de educadores da EJA, bem

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como por processo de formação desses profissionais, particularidades da EJA no curso de

Pedagogia e caminhos e desafios que percorrem a profissionalidade docente.

Os resultados das pesquisas, embora realizadas em lugares e temporalidades

distintas, apontando várias necessidades e problemas da educação de jovens e adultos

considerados clássicos nessa modalidade de ensino. Questões como a marginalização da EJA

na estrutura educacional surgem como situação crítica a ser superada entre todos os trabalhos

pesquisados. A evasão e a repetência apresentam-se como problemas educacionais

relacionados a múltiplos fatores de ordem política, ideológica, social, econômica,

psicológica e pedagógica. Assim como, antigos anseios também se reafirmam e indicam uma

série de reivindicações como: infra-estrutura adequada às aulas noturnas, recursos

pedagógicos, metas e objetivos claros, formação continuada, apoio pedagógico de qualidade,

supervisão pedagógica que garanta o cumprimento das ações dos docentes, conteúdos

curriculares significativos, coordenação pedagógica e professores com expectativas

positivas em relação a aprendizagem dos alunos.

2.3. Algumas obras e suas contribuições:

Das 31 pesquisas que envolvem este estudo, cinco (três dissertações e duas teses) se

destacaram, uma vez que abordam discussões específicas a respeito da formação continuada

do educador de jovens e adultos, consideradas pertinentes por vir ao encontro do estudo

proposto para a presente proposta de mestrado.

Salientamos que a leitura completa das produções ficará para um momento posterior,

considerando que a pesquisa encontra-se em período inicial. Neste momento busco apontar

as produções selecionadas, brevemente, apresentando alguns dados referentes às pesquisas.

Os cinco estudos selecionados para maior análise e entendidos como importantes para

este estudo, levando-se em consideração a similaridade de seus focos, centram atenção na

formação continuada, trazendo em suas investigações apontamentos referentes sua importância

no processo de constituição do professor, bem como salientando a necessidade de construir de

políticas públicas voltadas para a formação e valorização desses profissionais.

Na dissertação de Menezes (2011) sobre a práxis docente na EJA, estudo vinculado

a Universidade Federal do Amazonas-UFAM, o autor buscou analisar de que maneira se

realiza a práxis do educador da educação de jovens e adultos em uma escola estadual do

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município de Tabatinga-AM, refletindo sobre as políticas públicas empreendidas pelo estado

brasileiro para a formação docente. Os procedimentos metodológicos foram realizados

através de levantamento bibliográfico, aplicação de formulários a oito docentes e 94

discentes do 3º ano do ensino médio da educação de jovens e adultos, além de entrevistas

semiestruturadas com seis, dos oito docentes envolvidos no processo de investigação. Com

seu estudo Menezes (2011), concluiu que:

[...] todos os professores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem

da modalidade EJA não possuem formação específica para atuarem nesta

modalidade de ensino, bem como suas práticas ainda reproduzem o

enfoque da pedagogia tradicional. [...] embora não tenham formação

específica, os professores se esforçam para realizar seu trabalho da melhor

maneira possível. Identificamos ainda, que as condições para a realização

do trabalho docente são insuficientes no sentido de potencializar o

processo de ensino aprendizagem na EJA. Por fim, acreditamos ser

necessário priorizar no campo das políticas públicas ações voltadas para a

formação e valorização dos profissionais da educação.

Menezes, assim, buscou abranger não apenas a voz dos docentes, mas também a dos

educandos atuantes na EJA, concluindo que encontra, em seu estudo, uma realidade que não

é local, mas que representa o modo como a educação escolar no campo da EJA tem sido

tratada: professores sem formação específica para este nível de ensino.

Alves (2012), ao analisar a formação continuada do professor da EJA e sua contribuição

para o enfrentamento dos desafios vivenciados no contexto escolar, investigou 17 profissionais

que atuam com jovens e adultos no município de Pedreiras/MA. Sua dissertação de Mestrado

foi realizada pela Fundação Universidade Federal do Piauí-UFPI, e para coleta dos dados foram

utilizados questionários e entrevistas semiestruturadas. O autor salienta:

O estudo aponta a importância da formação contínua para os educadores

de jovens e adultos, pois consiste na oportunidade para refletir as

limitações da prática, retomando-as com uma postura mais crítica. Vale

salientar que o movimento de repensar a prática, indagando à sua maneira

de agir, faz com que o educador se conscientiza de que pode ser o

gerenciador de sua própria aprendizagem.

Na tese de Silva (2012), estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de

Janeiro - UERJ, a autora propôs pesquisar como se caracteriza os aspectos teóricos

necessários a formação inicial e continuada dos professores alfabetizadores da Educação de

Jovens e adultos no município de Campina Grande/PB. Para tanto, foram investigados

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aspectos sobre os marcos teóricos abordados na formação dos professores da EJA da

Secretaria de Educação do Município de Campina Grande/PB, como o perfil dos sujeitos

alfabetizadores da EJA. A tese de Silva (2012) revela que:

O estudo revelou fora que a maior parte dos professores e demais agentes

escolares que atuam na EJA não tem formação especifica nessa área e

realizam seu trabalho pedagógico utilizando o que sabem sobre a escola

das crianças. Isso aligeira e situa-se fora de um projeto político que reflita

e busque alternativa para a questão da inclusão desses alunos.

A proposta do estudo de Porcaro (2011), em sua Tese, pela Universidade Federal de

Minas Gerais - UFMG, foi investigar a formação de educadores de jovens e adultos,

identificando os desafios que se interpõem na construção de sua profissionalidade docente

no cenário educacional. Especificamente a autora investigou a inserção profissional do

educador da EJA, identificando os desafios e possibilidades que permeiam sua atuação e

analisando o olhar desses educadores sobre a sua profissão e o impacto da experiência no

processo de sua construção profissional. Os sujeitos da pesquisa foram 25 educadores, um

de cada estado brasileiro. Como resultado de seu estudo Porcaro (2011) aponta:

Na vivencia cotidiana, no enfrentamento das dificuldades que se interpõem

a sua pratica e na busca de alternativas para a superação dessas

dificuldades. A construção de sua profissionalidade docente ocorre à

medida que vivenciam a realidade específica da EJA e, a partir daí, criam

alternativas de ação, utilizando-se dos recursos de que dispõem.

Ao investigar sobre a experiência da formação continuada para professores da EJA

no município de Valinhos/SP, Barbeto (2010) considerou a importância da formação

continuada na visão de seis professoras da rede municipal. Para tanto, analisando as

metodologias utilizadas em sala de aula, os conteúdos desenvolvidos com os alunos e se

houve ou não valorização do professor pela Secretaria da Educação do município.

Os resultados obtidos revelam não apenas a importância, mas também a

necessidade de uma formação continuada para os professores que atuam

na EJA. É evidente que, além da implementação de políticas que

contemplem a formação continuada do professor, haja continuidade das

mesmas, pois um dos problemas mais frequentes na EJA é a

descontinuidade dessas ações.

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Considerando os resultados das produções acadêmicas mencionadas, percebe-se uma

unanimidade na constatação da necessidade de uma formação específica para os professores

que atuam em EJA. A maior parte dos professores, sujeitos das pesquisas, não tem formação

na área e sua constituição enquanto docente da EJA se dá na vivencia cotidiana em sala de

aula, na relação com os educandos e no enfrentamento das dificuldades que a docência

apresenta. Neste sentido, os professores ressaltam a importância da formação continuada

específica para educadores de EJA, considerando que a formação oportuniza reflexões

acerca das limitações da prática, retomando-as com uma postura mais crítica.

As conclusões dos trabalhos selecionados, ainda, denunciam a escassez de políticas

públicas permanentes para a formação dos educadores da EJA e expressam a necessidade de

priorizar essas políticas de forma que garantam condições para a realização do trabalho

docente no sentido de oferecer aos professores respaldo teórico e pedagógico para atuar com

as especificidades desta modalidade de ensino.

Considerações Finais

No presente recorte desta pesquisa buscou-se analisar as produções stricto sensu

referentes às políticas públicas de formação de professores na Educação de Jovens e Adultos

(EJA), defendidas no período de 2009 a 2015. Com tal estudo percebem-se pontos em que

pesquisadores já avançaram apresentando respostas e novos questionamentos acerca desta

modalidade de ensino, como o entendimento da necessidade de uma formação específica

para o professor que atua com jovens, assim como a importância da construção políticas

públicas voltadas para a formação e valorização desses profissionais.

A partir dos resultados encontrados nesta investigação confirma-se a ausência de

estudos sobre a formação continuada dos professores da EJA no município de Rio Grande/RS,

e se reafirma a importância de produzir estudos envolvendo tal temática. Em todas as

produções investigadas, salienta-se a importância da formação continuada específica para

educadores que atuam com jovens e adultos, considerando que a prática de formação

oportuniza reflexões acerca da complexidade que envolve o trabalho em sala de aula,

contribuindo com a constituição dos educadores, com a melhoria da qualidade da formação

continuada do docente na EJA e, consequentemente, com a qualidade da escola pública.

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LEI 11.645/08 E IFBA: LACUNAS E INICIATIVAS

Taíse de Jesus Chates IFBA

Resumo: Concepções discriminatórias em relação às populações negras e indígenas são recorrentes

na sociedade brasileira em espaços diversos. Para se contrapor a tal situação, foram promulgadas as

leis 10.639/03 e 11.645/08, que tratam do ensino de história e cultura relacionadas às populações

afro-brasileiras e africanas e indígenas, respectivamente. Este trabalho tem como objetivo discutir

elementos relacionados à implementação da Lei 11.645/08 no Instituto Federal da Bahia - IFBA, que

é uma das instituições com Licenciatura Intercultural Indígena no estado da Bahia, atualmente. A

análise tem como foco lacunas e iniciativas até então observadas sobre a implementação da Lei e

conta com entrevistas e questionários com diversos/as participantes da comunidade escolar, além da

observação constante e participante da autora, que leciona na instituição aqui referida.

Palavras-chave: Lei 11.645/08; questão indígena na escola; etnicidade.

Abstract: Discriminatory beliefs regarding the black and indigenous populations are recurrent in

Brazilian society in several areas. In order to counter such a situation, it was enacted the laws

10.639/03 and 11.645/08, which dealing with the teaching of History and culture related to african-

Brazilian, African and indigenous populations, respectively. This work aims to discuss elements

related to the implementation of the Law 11,645/08 at the Federal Institute of Bahia - IFBA, which

is one of the institutions with Indigenous Intercultural Degree in Bahia today. The analysis focuses

on gaps and initiatives hitherto observed on the implementation of the Law and has interviews and

questionnaires with different / the participants of the school community and the constant observation

and participant of the author, who teaches at the institution referred to herein.

Keywords: Law 11,645/08; indigenous issues in school; ethnicity.

Introdução

A Lei 11.645/08, que modifica a Lei 10.639/03 e a Lei de Diretrizes e Bases da educação

brasileira, obriga o ensino de história e cultura indígenas e afro-brasileiras em território nacional,

assim ampliando a Lei 10.639/03, que obrigava o ensino de história e cultura afro-brasileiras.

Embora a Lei 11.645/08 conte com sete anos de sua promulgação, os esforços no país para

implementá-la são incipientes. No IFBA não é diferente, focamos o ensino de história e cultura

dos povos indígenas brasileiros, visto que a pesquisa em curso é realizada por uma docente que

realizou pesquisa de mestrado voltado para a questão indígena1 e é intitulada “Lei 11645/08 e o

IFBA: história e cultura indígenas no Instituto”. Os instrumentos utilizados na pesquisa vão

desde entrevistas, questionários, cadernos de campo e levantamento de dados institucionais. O

1 Ver Chates (2011).

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foco é o Campus Camaçari, o que se trata de um direcionamento, e não uma restrição na análise

e na apresentação de dados acessados ao longo da pesquisa.

Sem dúvidas, e possível afirmar que as escolas indígenas brasileiras contam com um

acúmulo importante no que diz respeito ao tratamento da interculturalidade no espaço escolar.

Enquanto os povos indígenas vêm se apropriando da escola como instrumento de defesa, com o

objetivo de não serem mais enganados, como foram historicamente pelos “brancos”, as escolas

afro-indígenas continuam cumprindo um papel de natureza colonizatória, tentando ignorar a

participação dos indígenas no processo de formação da sociedade brasileira.

A Lei 11.645/08 enfatiza as disciplinas de história, artes e português (BRASIL,

2008), mas prevê a abordagem das temáticas relacionadas às populações africanas, afro-

brasileiras e indígenas em todo o currículo.

Neste texto, primeiro faço um breve relato sobre o Instituto Federal de Educação, Ciência

e Tecnologia da Bahia - IFBA e, na sequência, apresento algumas reflexões e pontos observados

até agora no diagnóstico sobre a implementação da Lei na Instituição. Sigamos com a discussão.

1. Um pouco sobre o IFBA

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA, conta com

uma história de 115 anos, nos quais teve uma série de nomes diferentes. Entre esses, Liceu

Industrial de Salvador (1937); Escola Técnica de Salvador; Escola Técnica Federal da Bahia

- ETFBA (1965); Centro de Educação Tecnológica da Bahia - CENTEC (1976); Centro

Federal de Educação Tecnológica da Bahia - CEFET-BA (1993) e; Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA, a partir de 2008.

Os interesses iniciais ligados à Rede de Educação Profissional no Brasil foram variados ao

longo de sua história. Inicialmente, os objetivos em relação aos Liceus de Artes e Ofícios no Brasil.

Oliveira e Santos (2012), sobre a trajetória da Instituição, defendem que:

Neste percurso, percebemos que a instituição adquiriu experiência e

notoriedade no que se refere à Educação Profissional. Resta saber se está

apta para atender a reivindicações por direitos sociais, indo além da reserva

de vagas, através da adoção das cotas, para a seleção dos candidatos, na

busca por garantia de igualdade de direitos para todos os seus estudantes em

progredirem em seus estudos e/ou conseguirem formação que lhes

proporcione o progresso profissional (OLIVEIRA e SANTOS, 2012, p. 16).

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Tecendo relação com o que defendem as autoras, creio que a garantia dos direitos

sociais é indispensável e não se restringe à reserva de vagas. Todavia, levando em

consideração o tema deste artigo, aponto que o progresso profissional e acadêmico também

não dá conta de uma escola inclusiva. É necessário pautar que as escolas contem com

constantes reflexões sobre o caráter dos conhecimentos e formatos mediados por elas, para

que as práticas educativas possam ser alvo de transformação efetiva.

2. A Lei 11.645/08 e o IFBA: leituras sobre a temática indígena e sua discussão no Instituto

Como base para a desconstrução das diversas variantes do racismo na sociedade

brasileira, que pode estar ligado às questões raciais e de diversidade étnica nesse contexto,

visto que, historicamente, a construção do conceito de raça se pautou na estigmatização não

somente da população negra, mas também da indígena. Para a utilização da escola como um

instrumento de superação do racismo, Munanga defende que:

Aqui está o grande desafio da educação como estratégia na luta contra o

racismo, pois não basta a lógica da razão científica que diz que

biologicamente não existem raças superiores e inferiores, como não basta a

moral cristã que diz que perante Deus somos todos iguais, para que as

cabeças de nossos alunos possam automaticamente deixar de ser

preconceituosas. Como educadores, devemos saber que apesar da lógica da

razão ser importante nos processos formativos e informativos, ela não

modifica por si o imaginário e as representações coletivas negativas que se

tem do negro e do índio na nossa sociedade. Considerando que esse

imaginário e essas representações, em parte situados no inconsciente

coletivo, possuem uma dimensão afetiva e emocional, dimensão onde

brotam e são cultivadas as crenças, os estereótipos e os valores que

codificam as atitudes, é preciso descobrir e inventar técnicas e linguagens

capazes de superar os limites da pura razão e de tocar no imaginário e nas

representações. Enfim, capazes de deixar aflorar os preconceitos escondidos

na estrutura profunda do nosso psiquismo (MUNANGA, 2005, p. 18).

Com base nas entrevistas e questionários é possível afirmar que, se analisarmos de maneira

ampla, os estudantes contam com conhecimentos mais aprofundados sobre os conceitos de raça e

etnia, bem como sobre os direitos e problemas dos povos indígenas no Brasil. Destaca-se a

especificidade das áreas de humanas e linguagens no conhecimento de questões étnicas e raciais.

Os conceitos de raça e etnia, embora sejam recorrentemente vistos como sinônimos,

abarcam diferenças importantes. O conceito de raça surgiu na Zoologia e na Botânica, com

o intuito de classificar espécies animais e vegetais e, posteriormente, foi apropriado por

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outros campos para designar diferenças humanas. Com o progresso da genética, foi

comprovado que não existem raças na espécie humana (MUNANGA, 2003). Entretanto,

com a queda da crença que existiriam raças dentro da espécie humana na biologia, o racismo

não se desconstruiu junto, visto que uma série de hierarquizações sociais foram construídas

a partir de tal conceito e de interesses colonizatórios. Munanga define:

O racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a

divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas

que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estes últimos

suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e

se situam numa escala de valores desiguais. Visto deste ponto de vista, o

racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas

pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o

físico e o cultural (MUNANGA, 2003, p. 03).

Embora possa parecer um detalhe teórico, a distinção entre raça e racismo é

indispensável para compreender as nuances da discriminação racial nas escolas e na sociedade

como um todo. Nesse sentido, é importante fazer a distinção também em relação ao conceito

de etnia, Munanga (2003, p. 12) realiza a seguinte diferenciação: “o conteúdo da raça é morfo-

biológico e o da etnia é sociocultural, histórico e psicológico”. Assim, podemos explicar como

um indígena pode, a partir de uma concepção pautada na ideia de que o mesmo faria parte de

uma raça específica, sofrer racismo, mesmo tendo como forte elemento identitário sua etnia

indígena. Reflexões como esta tem passado longe do cotidiano do IFBA, no Campus Camaçari

e em outras unidades, se formos levar em consideração os diversos relatos. Expostos alguns

pontos, passo para o relato do que foi observado em relação ao que pensam estudantes,

professores/as e técnicos administrativos sobre a questão étnica/indígena.

Alguns equívocos recorrentes sobre a questão étnica são, como exemplo, definir etnia

como diferenças individuais ou abordá-la como algo inerente às diferenças entre grupos sociais

indiscriminadamente. Também é usual na relação direta feita entre raça e etnia, como se os dois

conceitos fossem sinônimos e não estivessem relacionados a elementos conceituais e empíricos

que, embora próximos em diversos contextos, contam com diferenças consideráveis.

Como já exposto, tais conceitos não abarcam diferenças somente teóricas, mas sim

políticas e, desse modo, devem ser observadas no ambiente escolar se a superação do racismo

é um objetivo adotado efetivamente. Além disso, é recorrente a referência a uma imagem

dos povos indígenas pautada na ideia de índio genérico, que ignora a grande diversidade

cultural presente entre os povos indígenas brasileiros.

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A grande maioria dos informantes destacou que quase não ouve falar sobre os povos

indígenas dentro da escola, apontando que, nas poucas vezes em que a questão indígena é tratada

na escola, isso acontece nas disciplinas de humanas ou na “Semana de Consciência Negra”2.

Visto que os estudantes de ensino médio contam com a modalidade integrada, que é o

ensino técnico integrado ao médio. Faz-se necessário refletir sobre tal especificidade no que diz

respeito à implementação da Lei 11.645/08. O coordenador do curso de eletrotécnica, Josan

Freitas, enfatiza a importância da formação docente no tema e relata não ter conhecimento de

atividades relacionadas à questão indígena em disciplinas da área técnica no curso que coordena.

O professor João Marcelo Fernandes, coordenador do curso de Tecnologias da Informação,

também indica a inexistência de conteúdos específicos relacionados à questão indígena nas

disciplinas técnicas do curso de TI, bem como a importância da formação docente nesse sentido.

É fato que existem áreas do conhecimento historicamente mais habituadas a trabalhar

com a questão indígena, porém, faz-se necessário que se avalie a seguinte questão: se há, ainda,

uma maior dificuldade de tratar tais questões em determinadas áreas, não devemos, contudo,

deixar de observar a necessidade formativa para todas as áreas, afinal, com o conhecimento sobre

a questão, cada profissional tem maiores possibilidades de inseri-la em suas atividades.

No que diz respeito aos conhecimentos sobre história e cultura dos povos indígenas,

as concepções, usualmente, são bastante genéricas, apontando que os índios já estavam em

terras brasileiras antes da chegada dos colonizadores e reconhecendo um olhar restrito,

pautado no que é veiculado pela mídia. Além disso, uma lógica de que os indígenas estariam

se aproximando da cultura do homem “branco” nos tempos atuais indica uma noção

essencialista de cultura, bem como uma leitura próxima ao conceito de aculturação. Sobre

tal conceito, destaca-se que Malinowski já apontava a seguinte crítica:

Consideremos, por exemplo, o termo aculturação que, depois de algum

tempo, começou a se propagar e ameaça tomar o terreno, sobretudo nos

escritos sociológicos dos autores norte-americanos. Além de sua fonética

ingrata, o termo aculturação contém todo um conjunto determinado de

implicações etimológicas inadaptadas. É um termo etnocêntrico com uma

significação moral. O imigrante deve se aculturar (to acculturate) assim

como os indígenas, pagãos e os infiéis, os bárbaros e os selvagens, que

gozam do “benefício” de ser submisso à nossa grande cultura ocidental

(MALINOWSKY, apud ATHIAS, 2007, p. 70).

2 A Semana de Consciência Negra é um evento que vem acontecendo anualmente no IFBA - Campus Camaçari.

A mesma costuma contar com palestras, oficinas e apresentações estudantis em sua programação e vem sendo

organizada por comissões voltadas especificamente para a organização da atividade.

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O conceito de aculturação abarca alguns problemas. Aqui elencamos os seguintes:

parte de uma noção de cultura essencialista, ignorando o caráter dinâmico das

transformações culturais; está preso a uma significação moral etnocêntrica e pautada nos

moldes colonizatórios, como já defendia Malinowski. Ou seja, é emergencial a necessidade

de desconstruir concepções pautadas no conceito de aculturação, tanto nas escolas quanto

no contexto social de maneira mais ampla.

Enquanto se observa um indicativo de que, entre os servidores, a apropriação seja

maior em relação ao que pauta a Lei 11.645/08, do que sobre elementos relacionados aos

povos indígenas. Entre os estudantes a dinâmica é inversa. A maioria dos estudantes mostra

maior conhecimento sobre os povos indígenas, mesmo com aprofundamento distante do

tema, do que sobre a Lei. Tal ponto levanta a seguinte questão: haveria, entre os servidores,

uma tendência a se ater a pontos legais, ou seja, uma obrigatoriedade ligada às suas

atribuições na escola? Com tal reflexão, defendo que seja importante aliar a sensibilização à

responsabilidade legal de cada profissional no ambiente escolar.

A estudante Larissa da Hora, ao responder sobre elementos que gostaria de pontuar

e não estava no questionário, lançou a seguinte questão: “Onde estão os indígenas? ”. Creio

que o questionamento seja bastante representativo em relação a como a escola vem tratado

a questão indígena: como algo distante. Assim, a abordagem acaba não se distanciando

daquela utilizada pela mídia, que enquanto aborda conflitos internacionais relacionando-os

à crise europeia, ignora o longo massacre do qual vem sendo alvo os Guarani-Kaiowá do

Mato Grosso do Sul, por exemplo. Maher (2006, p. 15) destaca que “fomos educados no

interior de um sistema de educação construído a partir de um posicionamento ideológico que

procura diluir as identidades indígenas com o intuito de torná-las menos visíveis aos olhos

da nação brasileira”. Logo, para superar a tentativa de invisibilizar, diluir as diferenças e

consolidar uma ideia de que os povos indígenas estariam distantes da realidade dos

estudantes, é preciso fortalecer a compreensão de que existe uma presença concreta dos

povos indígenas na sociedade brasileira, bem como da diversidade sociocultural e da

necessidade de garantia de seus direitos.

E inegável a centralidade que a escrita tem nos sistemas escolares baseados em

formatos eurocentrados, como na sociedade brasileira. A partir disso, é necessário analisar a

existência de livros didáticos e de outros materiais voltados para a temática indígena na

escola. Segundo um dos bibliotecários do campus Camaçari, Fábio Galeão, o acervo

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bibliográfico da escola sobre questão indígena poderia ser mais amplo, visto que existem

poucos livros na biblioteca, sendo restritos às áreas de humanas e linguagens.

Todavia, a análise sobre a abordagem da questão indígena na escola não deve se

pautar somente nos instrumentos historicamente utilizados pelas escolas. Tantos os povos

indígenas quanto os africanos têm a oralidade como elemento central para a educação em

suas sociedades. Desse modo, é preciso repensar a escola enquanto espaço formativo que

não pode ser encarado de maneira estanque. As instituições sociais têm como elemento a

historicidade, ou seja, a capacidade de transformação ao longo da história e de acordo com

as necessidades de cada sociedade e, assim, não podem ser vistas como um espaço intacto.

Não foi manifestada pelos informantes nenhuma negativa em relação à importância

da implementação da Lei 11.645/08 no Instituto ou no Campus Camaçari. Entretanto, mesmo

com o discurso voltado para a necessidade de implementar a Lei, os indicativos de ações

para tal se restringem à Semana de Consciência Negra e à proposta de uma Semana de

Consciência Indígena. Destaca-se a dificuldade de utilização de dois dias letivos e meio para

realização da Semana de Consciência Negra do IFBA - Campus Camaçari em 2012. Na

ocasião, a Direção de Ensino alegou dificuldade de sensibilizar os docentes do Campus e de

remanejamento das atividades daqueles dias letivos.

Aqui, cabem algumas considerações: mesmo sendo convencida pela comissão de

organização da Semana de Consciência Negra que, entre vários argumentos, lembrou que o

Instituto já fora notificado anteriormente em relação à implementação da Lei 11.645/08, até

hoje não houve uma movimentação da Direção de Ensino para cobrar das coordenações e

dos docentes do Campus uma posição em relação à implementação da Lei. Destaco que, com

isso, não quero individualizar a responsabilidade da implementação da Lei paras os/as

servidores, mas que, com uma postura de convocação dos profissionais da comunidade

escolar, no mínimo, seriam elencadas dificuldades para colocar a Lei em prática e um

diagnóstico básico de tais elementos estariam de posse da Direção. Para não dizer que só

falei de espinhos, aponto que, desde o ano de 2013, a Semana de Consciência Negra faz

parte das atividades previstas no calendário letivo do Campus.

Ainda assim, a estudante Daniele Freitas apontou sua leitura sobre a postura da gestão

do IFBA - Campus Camaçari sobre a implementação da Lei:

Não muito atenta ou preocupada em implementar a lei no campus. Pois a

lei entrou em vigor em 2008 e até agora não foi implementada, nem houve

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discussão com a comunidade, ou qualquer atitude que demonstrasse

preocupação em fazer a lei vigorar de forma eficaz.

Partindo do pressuposto de que a implantação de uma Licenciatura Intercultural Indígena

– LINTER – significaria um compromisso de gestão com a questão indígena, concluiríamos que

a situação do IFBA - Campus Porto Seguro, em relação à implementação da Lei 11.645/08,

estaria em boas condições. Entretanto, o professor do IFBA - Campus Porto Seguro, João

Veridiano, que atua na Licenciatura e no ensino médio integrado, relata que “não existe a

preocupação e a discussão sobre a implementação dessa Lei no Campus de Porto Seguro do

IFBA”, e em relação ao IFBA, de modo geral, “não é possível apontar ponto de implementação”.

O mesmo descaso está presente em relação à LINTER, segundo o professor, que defende que

“não há apoio institucional, os docentes viajam sem diárias e com carros precários, não há

discussão pedagógica do corpo docente sobre o curso”. Assim, sobre a relação direta entre a

LINTER e a implementação da Lei 11.645/08, Veridiano destaca que “não parece haver relação

entre a Lei e a implementação do curso no campus, tampouco no IFBA”.

Visto que, historicamente, as nossas licenciaturas não ofereceram para os graduandos

condições de formação em questões relacionadas às heranças culturais, sociais, econômicas etc.

dos povos indígenas e africanos na formação da sociedade brasileira, defendo a necessidade

urgente de operacionalizar sistemas de formação docente e de demais profissionais que atuam no

espaço escolar. É demasiado idealista acreditar que um problema estrutural de séculos, que é a

redução das matrizes culturais africanas, afro-brasileiras e indígenas, vai se resolver a partir de boa

vontade individual. Sobre a importância da formação docente voltada para a questão indígena, o

professor de história do Campus Camaçari, Alex Ivo, defende que:

Nossa formação acadêmica, marcada por um forte eurocentrismo, desprezou

tais conhecimentos. O pouco que tive acesso foi através de um curso de

extensão sobre história indígena, com 16 horas. O assunto mais flagrante

hoje é a luta dos indígenas pelo direito às suas terras e o duro enfrentamento

que eles fazem contra o agronegócio e sua representação política.

O professor também destaca como propostas “A inclusão de atividades regulares de

formação de quadro docente e técnico da instituição; incorporação dessa temática no

planejamento pedagógico dos cursos”. Logo, urge a necessidade de implantar programas de

formação não somente docente, mas também das comunidades escolares de maneira geral,

voltados para a questão indígena.

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A realização da pesquisa em curso, que embasa os dados expostos neste artigo, conta

com a concepção de que é necessário levantar propostas para a aplicação da Lei no Instituto.

Desse modo, aponto algumas iniciativas observadas nos últimos anos em relação à discussão

sobre questão indígena nessa instituição, apesar da ausência de uma política institucional

consolidada voltada para a implementação. Em artigo anterior, relatei que existem

Algumas iniciativas que vêm acontecendo no campus, apesar da postura omissa

da gestão do Instituto, seja em nível do campus, ou do Instituto como um todo.

Com a realização das semanas de consciência negra, alguns/as docentes vêm

realizando atividades com acompanhamento nas turmas voltados não somente

para a questão racial, mas também étnica indígena. Tal ponto não se restringe ao

campus Camaçari, é possível citar como exemplos com os quais tive contato:

palestras proferidas por diversos profissionais, Jornadas das Relações Étnicas e

Raciais no campus Salvador, bem como oficinas ministradas por mim nos campi

Vitória da Conquista e Ilhéus, nos anos de 2012 e 2013, respectivamente.

Cogita-se ampliar a pesquisa atualmente com foco no campus Camaçari para

outras unidades do Instituto (CHATES, 2015, p. 11).

Cita-se ainda a Pós-Graduação em Relações Étnicas e Raciais, realizada no IFBA -

Campus Salvador e o Grupo de Estudos em Temática Indígena, sediado no IFBA - Campus Porto

Seguro. Sobre a primeira, ainda conta com apenas uma disciplina, com carga horária de 30 horas,

voltada para a questão indígena, o que é insuficiente para uma formação básica voltada para essa

temática. Sobre o Grupo de Estudos, o professor João Veridiano, presidente, relata que:

O Grupo de Estudo em Temática Indígena nasceu do interesse de alguns

professores atuantes na LINTER. Entretanto, o Grupo despertou interesse

de pesquisadores de outras instituições que possuem interesse em

questões indígenas. O foco era que o grupo desenvolvesse atividades

coladas ao curso, mas, por vários motivos institucionais, o grupo foi

construindo um caminho próprio.

O grupo tinha o objetivo de realizar atividades na área, como o IX Encontro Sobre

Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas (ELESI), que aconteceu em 2013 no IFBA -

Campus Porto Seguro.

Conclusões

Hoje, infelizmente, se reportar à Lei 11.645/08 no IFBA é pautar a não aplicação da

mesma. Como docente que vem estudando a questão há dois anos, defendo a necessidade de

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realizar projetos de formação sobre a temática indígena junto a um processo de

sensibilização e responsabilização dos setores responsáveis e dos servidores, após promoção

básica de condições para que os mesmos possam ser empoderados em relação à

implementação da Lei no Instituto.

Me parece muito simbólico que um Instituto, que é sediado em um estado com um dos

maiores contingentes de pessoas negras fora da África e que contou com o primeiro espaço de

invasão portuguesa no que hoje são terras brasileiras, conte com um descaso tão grande na

aplicação da Lei. Tal fato aponta um caminho ainda muito longo a ser trilhado. Em

contrapartida, a esperança de uma mudança de quadro pode ser sustentada pela existência de

um grupo de servidores que vem atuando de maneira dispersa e capilarizada no Instituto,

pautando a questão racial mais fortemente e, em certa medida, a questão indígena.

Os dedos escrevem palavras pessimistas sobre a aplicação da Lei 11.645/08 no IFBA,

mas o desejo é que esse quadro seja revertido. Embora a escola seja historicamente um

espaço que tem legitimado a existência de diversas opressões, creio que desistir da

transformação da mesma é desistir da reconstrução de uma sociedade em moldes igualitários.

Se não é possível, nos dias atuais, viver sem escola, que possamos virá-la do avesso e atribuí-

la um caráter público de verdade, uma escola para todos, com todos e de todos.

Referências

ATHIAS, Renato. A noção de identidade étnica na Antropologia brasileira: de

Roquette Pinto a Roberto Cardoso de Oliveira/Renato Athias. Recife, Ed. Universitária da

UFPE, 2007.

BRASIL. Lei 11.645, de 10 de março de 2008. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em:

03 set. 2015.

CHATES, Taíse de Jesus. A domesticação da escola realizada por indígenas: uma etnografia

histórica sobre a educação e a escola Kiriri. Salvador, dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Bahia - UFBA: 2011.

CHATES, Taíse de Jesus. Lei 11.645/08 e educação escolar indígena: relações, reflexões e

possíveis aprendizados. Porto Alegre, Anais do XVII Congresso Brasileiro de Sociologia, 2015.

MAHER, Teresinha Machado. Formação de professores indígenas: uma discussão

introdutória. In.: GRUPIONI, Luís Donizete (org.). Formação de professores indígenas:

repensando trajetórias. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2006.

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MUNANGA, Kabenguele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,

identidade e etnia. Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e

Educação-PENESB-RJ em 05 de novembro de 2003. Disponível em

<http://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual-das-

nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e-etnia.pdf>. Acesso em: 03 de set. de 2015.

MUNANGA, Kabenguele. Superando o Racismo na escola. 2ª ed. revisada. Brasília,

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

OLIVEIRA, Alcione Silva de Oliveira e; SANTOS, Georgina Gonçalves dos. Cem anos

de IFBA: as mudanças nos perfis dos estudantes. Niterói, RJ, Anais do Congresso

Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades, 2012.

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UM CASO DE “VANDALISMO”: COMPROMISSO COM A GRANDEZA

ESCOLAR NA ARENA PÚBLICA DA INTERNET

Ubirajara Santiago de Carvalho Pinto UENF

Resumo: O presente trabalho aborda a questão da justiça escolar no contexto da escola

contemporânea, tomando como foco de análise empírica um caso de vandalismo que deu origem ao

que a abordagem da sociologia pragmática chamou de "momento crítico". Parte-se do pressuposto

de que os agentes sociais, ao avaliarem criticamente um caso de vandalismo ocorrido na escola,

fazem-no de modo reflexivo e dentro de limites de racionalidade. A partir disso, o trabalho analisa

os critérios de justiça mobilizados pelos estudantes do ensino médio do Instituto Federal

Fluminense/Macaé e procura avançar o debate da justiça escolar no quadro da universalização do

acesso à escola que, na atualidade, comporta um público de diferentes classes sociais, além da

diversidade cultural e das diferentes vozes que, nela, demandam reconhecimento.

Palavras-chave: socialização política; justiça escolar; pragmatismo.

Abstract: The present article focuses on justice question in the context of contemporary school. We

analyzed a case of ‘vandalism’ from the pragmatic sociology perspective, so to say, as a “critical

moment”. We assume that the social agents estimate critically what happened in the school and are

able to reflect and criticize these events. From this starting point, the paper analyses the multiple

criteria of justice mobilized by the students of one technical school and seeks to advance the

discussion about justice in the contemporary education.

Keywords: political socialization; educational justice; pragmatism.

Introdução

A escola contemporânea se revela mais complexa tão logo se tenha em conta as

transformações que nela se passaram no último século e que, por assim dizer, tem se passado

no mundo político contemporâneo1. Nesta perspectiva, o objetivo deste trabalho é pensar a

escola a partir da pluralidade de regimes justificação e de ação que nela se apresentam.

1 Refiro-me à ampliação do acesso à escola, quer dizer, à universalização da escola em consonância com as ideias

apresentadas por Derouet que, após referir-se à distribuição em forma de sino (normal) das classes sociais na

escola, usa a expressão escola explodida para se referir sinteticamente ao quadro complexo de transformações por

que passou a escola desde seus princípios na França até a atualidade, período em que todas as classes estão

formalmente na escola, mas em que as exigências que se colocam para a escola fazem apelo a um critério

compósito de justiça, na medida em que na escola se apresentam uma pluralidade de critérios de justiça, muitas

vezes, em tensão. Paralelamente a isso, o mundo contemporâneo pode ser pensado, em sua ampliação da crítica

e das manifestações políticas, pelo que foi denominado “modernidade liberal estendida” por Peter Wagner em

“Modernidade, Capitalismo e Crítica” (In: Fórum Sociológico número 5/6 (2a Série), p. 41-70). Dito de modo

resumido, ele propõe uma análise das ‘modernidades’ que mostra as tensões e ambiguidades da autonomia e da

liberdade na teoria social e, pari passu, um quadro de extensão das demandas de justiça colocadas pela democracia

liberal e a modernização econômica que desemboca na exigência de revisão das abordagens no sentido de

compreender as socialidades contemporâneas mediante conceitos que tenham, numa palavra, substância empírica.

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Procederemos, pois, à análise de um momento crítico (BOLTANSKI e THÉVENAUT, 1999,

p. 359) a partir da démarche da sociologia pragmática da crítica. Assume-se, como ponto de

partida, a reflexividade e a competência crítica dos atores em suas próprias operações críticas,

no sentido de que eles conhecem as tensões e restrições envolvidas na ordenação das

grandezas, embora não criem sistemas filosóficos para sustentar, em toda sua generalidade,

‘um critério último de justiça’, tal como se pode ler em De la Justification (1997).

Nas sociedades complexas contemporâneas, marcadas pela mesma institucionalidade

cujos princípios de justiça confinam com os desvelados pelas filosofias políticas organizadas na

gramática política de Boltanski e Thévénaut em torno de seu modelo de cidade (1997, p. 96-97),

os atores sociais, em suas denúncias e reclames, colocam em pauta critérios plurais de justiça.

As situações de crise (BOLTANSKI, 1999, p. 359), constituem-se, neste sentido, especialmente

propícias à investigação acerca do modo como se produzem os acordos e se (re)ordenam as

grandezas, poder-se-ia dizer, sobre como se faz e se refaz a comunidade política da escola.

Em se tratando de formas de coordenação das ações que não degeneram em violência

nem aos limiares da afetividade, há restrições às operações críticas que podem ser analisadas

a partir de uma gramática plural. O estudo acurado desta gramática, mobilizada pelo

estudantado e por aqueles que se encontram noutros pontos da ordem de grandeza que

preside a escola, permite-nos conhecer melhor as construções políticas daqueles que tomam

parte na socialização política da educação (RESENDE e GOUVEIA, 2013).

A perspectiva da sociologia pragmática, neste sentido, nos leva a seguir os atores no

quadro de suas atividades e competências na arena pública. O trabalho de qualificação e a

ordenação das grandezas na escola deixa entrever disputas, controvérsias, reavaliações e

zonas problemáticas, as quais nos permitem perceber como se dá a produção de acordos e

desacordos, isto é, como se faz o comum nas escolas (RESENDE, 2013, p. 105). Além disso,

acessar “as lógicas e os dispositivos que sustentam os comportamentos no espaço da escola

permite aceder a uma outra escola que os alunos constroem para além das regras formais em

que os estabelecimentos de ensino assentam” (Rayou 1998 apud RESENDE p. 111).

A abordagem pragmatista, aberta a novas construções críticas, remete-nos a um

campo de investigações empíricas formidável, sobre as formas pelas quais se produzem

acordos, estados de compromisso e perspectivas críticas que se dão no quadro de limites

reflexivamente conhecidos pelos atores.

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1. O julgamento de pessoas e objetos: a grandeza da escola à prova da realidade.

Para pensar o que faz o ‘comum’ na escola, escolhemos o que julgamos ser um

momento crítico (BOLTANSKI E THÉVENAUT, 1999, p. 359). Ele deu lugar a uma

denúncia da diretora de ensino do que podemos chamar, a partir da démarche proposta por

Boltanski e Thévenaut (1997), de uma falha de grandeza. Ela denuncia, publicamente, na

página oficial da escola no facebook, um recente ato de depredação do patrimônio público da

escola. O litígio gira em torno de por em evidência uma falta de grandeza e, portanto, uma

injustiça ou uma falta de justeza num agenciamento” (BOLTANSKI e THÉVENAUT, p. 169,

1997). Desta falta resulta uma discordância que pode ser um conflito social no mundo cívico.

Como procuraremos mostrar, isso dá azo a uma prova pública da grandeza da escola e

dos que nela agem, colocando a escola, seus atores, objetos e investimentos de forma sob

avaliação crítica. Este momento crítico foi capaz de colocar à prova a grandeza não só de alunos,

mas da prática de alunos, professores e da direção. As provas a que se submetem adultos e jovens

permitem pensar suas diferentes lógicas de agir, suas continuidades e rupturas (RAYOU, 2005).

É neste sentido que, à contrapelo da ordenação das grandezas presidida pela cidade

cívica, que instaura um compromisso dos debatedores na arena pública virtual para com o

caráter reprovável da falta de ‘respeito’ para com a ordem cívica da escola, é possível

escutar outras vozes. Terão lugar de ser, uma vez denunciado o ocorrido, comparações

com eventos passados, referências a outras lógicas de justificação da grandeza e modos de

ação, enfim, a outras justificações da falha de grandeza, as quais se reputam o ‘sentido da

crise’ denunciada na arena pública virtual.

Assim, reportaremos os dados aos modos de justificação e às lógicas de ação política

discutidas por alguns autores que se debruçam sobre a escola, o estudantado, seu modo de

agir e o criticismo dos atores no mundo contemporâneo. Estamos cientes, seja dito, de que

este primeiro movimento de reflexão, que parte do que nos pareceu ser um acontecimento-

chave (RAYOU, 2005, p. 472), só pode ser feito pelo fato de que, enquanto professor da

escola, tenho acesso a referências situadas no 'comum' desta escola. A esta análise puramente

qualitativa e ancorada no texto, seria fecundo aliar o método utilizado por Rayou (2005),

que une o significativo e o representativo, combinando dialeticamente o survey e sua

abrangência aos incidentes sensíveis às experiências dos atores, no sentido de sua

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mobilização em torno de critérios de justiça e do que para eles, ainda que em controvérsias,

revela-se como fundamento do ‘comum’.

A partir disso, seria completar a análise com estudos de caráter etnográfico, a fim de

colorir aquelas zonas de sombra e aquelas regiões problemáticas que levam o estudo para os

pontos mais agonísticos da escola ou para modos de agir que podem ser melhor pensados não

pela polissemia da justiça política, mas pelo engajamento dos alunos enquanto pares e situados

em uma cultura estudantil que, de certo modo, os distancia da cultura escolar, que dispõe de

investimentos de forma específicos (de estirpe republicana) e que com ela se tenciona.

Avancemos, pois, mais um passo, na preparação da análise dos termos derivados da denúncia.

1.1 O compromisso cívico com a escola

Apesar da discussão acerca do desajustamento produzido pelo ato qualificado como

vandalismo e, reiteradamente, reforçado em sua significação imoral pelos que aderiram ao

debate e o qualificaram como aquém da dignidade comum, outras vozes fizeram apelo a

critérios que não dizem respeito ao ‘bem comum cívico da escola’. Podemos dizer, destarte,

que a ordem cívica esteve em compromisso com outros mundos (BOLTANSKI e

THÉVENAUT, 1997, p. 373-378). E sua falha de grandeza, no decurso da prova, verá o

aparecimento de outras naturezas e mundos, assim como o questionamento de algumas de

suas formas de investimento. Reminiscências de eventos anteriores que (des)qualificaram

outras formas de ação são referidas ao desajustamento ‘atual’ da ordem cívica da escola.

1.2 A justiça plural e o (des)valor da ordem cívica da escola

A partir da denúncia já mencionada, começa a altercação sobre as razões da falha. A

altercação recai sobre a qualidade, isto é, a grandeza dos alunos, visto que o ‘mal feito’ é

atribuído a alunos na denúncia. Depois de uma série de manifestações de apoio à punição

daqueles que atentaram contra a lógica cívica da escola, na qual a ‘menoridade’ (e o repasse

da punição para a família) e o respeito aparecem, temos uma justificação da falha de

grandeza da escola pautada no mérito: “E creio que só vai ficar pior com essa nova regra da

cota e esse sistema de não jubilar depois de repetir duas vezes o mesmo ano...” diz o aluno

L. M. E., após outras manifestações de repúdio que reforçam a pré-cidadania dos alunos que

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teriam cometido tais violações da ordem cívica, pode-se ler: “Um conjunto de erros. Desde

o fim das jubilações até a permissão da entrada de estudantes ainda despreparados para uma

instituição como o IFF, na qual saber lidar com a liberdade é fundamental. Também não

podemos esquecer da responsabilidade de alguns professores que ‘jogam’ seus alunos nos

laboratórios e somem pela escola para não dar aula. Os laboratórios devem ser sempre

acessados com algum responsável”, diz o aluno G. C.

O valor meritocrático, como se viu, associa-se à importância da eficiência do

funcionamento dos investimentos de forma da escola, da responsabilidade do professor, ladeado

por uma ideia de liberdade que reclama também a responsabilidade de uma ‘tutela cívica’ que,

lembra essa justificação, faz também parte de uma sala de aula bem ordenada. Há aí uma

composição de critérios de justiça: liberdade, responsabilidade, eficiência e mérito. Como se

nota, a situação de crise evidencia o desajustamento de pessoas e objetos, confrontando a

coatuação dos envolvidos com sua experiência e suas expectativas futuras. Assim, diz outra

aluna, R. L.: “Destruíram o que não funcionava 100% pra comprarem novos, não?”

A proposição do mérito, tal como exposta acima, encontrará, contudo, reações críticas,

quer providas pela ideia, ainda que incompleta, de que deve haver uma discriminação positiva

(DUBET, 2004, p. 545), como se pode ler em “Vocês nem sabem quem foi e já estão acusando os

cotistas, tá cheio de sangue azul nesse iff hein”, como diz o aluno F. A., quer por uma justificação

que também apela para o doméstico: “Gente, o fato ocorrido não pode ser associado ao não-

jubilamento e ao programa de ações afirmativas, por favor não se equivoquem. O incidente é

provido de falta de uma coça em casa, irracionalidade, falta de caráter e egocentrismo”, diz o aluno

E. M., ao apresentar uma justificação em termos plurais.

Na sequência do debate, dois eventos sociais que foram proibidos pela direção da

escola serão lembrados. Interditados que foram pela ordem cívica da escola, alguns alunos

os mobilizam no sentido de justificar a irrupção do desajuste: “Todo mundo sabe que isso é

culpa da ausência de trote”, diz J. B., em coro com outros alunos. Ao passo que E. M.

sustenta que o “Piranhabol tinha seu valor pedagógico, construção de caráter através de

saudáveis competições onde se trabalhava a tolerância através do contato com transgêneros”.

Comecemos pela alusão ao trote.

O trote lança mão, a nosso ver, de um compromisso entre o mundo doméstico – na

medida em que ele propiciaria, de certo modo, a compreensão do lugar do aluno na ordem

doméstica hierarquizada da escola – e o mundo cívico. Para a antropóloga Ana Lúcia Modesto,

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o trote reforça a hierarquia, opondo-se, neste sentido, à igualdade cívica2. Por outro lado, este

critério diverso daquele da ordem cívica da escola é também a reivindicação de um espaço de

sociabilidade que comporta um jogo complexo de proximidade e distância entre os alunos. Ele

pode ser pensado também a partir de outro modo de ação, a saber, a philia, com tudo que isso

comporta de outros mundos e tensões na escola (RAYOU, 2005, p. 467).

Detenhamo-nos, agora, no sentido do “Piranhabol”3. Sua reminiscência é frequente na fala

dos alunos do IFF/Macaé. Trata-se de uma competição ao estilo do futebol americano, na qual os

times de alunos se travestem invertendo os gêneros e o contato físico excede o uso ordinário do

corpo, o que contribui sobremaneira para a vinculação de seus participantes num evento deveras

diverso da “ordem corrente” da escola que, com efeito, funda-se na philia, na simetria e também

pode ser pensado como uma forma de sociação no sentido de Simmel, qual seja, a competição

entre os participantes4. O caráter horizontalizante do evento nos parece tal que vale mencionar o

uso de bebidas entre os pares. Ocorre que se trata de uma competição e, como tal, nem sempre os

limites respeitam as formas de se fazer a equivalência entre os competidores.

A última edição do evento, em 2012, deu lugar a um conflito físico entre alunos, que

ganhou as dimensões de um momento crítico (BOLTANSKI e THÉVENAUT, 1999, p. 359).

De sorte que o evento, após ser submetido à prova, mediante comissão disciplinar, foi retirado

do calendário estudantil, sendo qualificado como desajustado à ordem cívica da escola e suas

expectativas de conduta. Assim, a competição conhecida como “Piranhabol”, uma vez ausente,

teria, na evocação do aluno, que ver com a crise atual, na medida em que propiciava experiências

de proximidade que contribuíam para a formação dos alunos e, por extensão, do cidadão.

Entre as manifestações de apoio à ordem cívica da escola, assim entendida nos termos

articulados pela diretora de ensino na denúncia, se fazem e refazem as “economias de

grandeza da escola”. O mérito será, por sua vez, denunciado em sua parcialidade, pela

justificação doméstica na qual se localiza a falha. “Ainda tem gente que diz que não existe

preconceito nem racismo no brasil... Quem faz esse tipo de coisa é MAU EDUCADO e não

2 In: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/027790.shtml>, ‘O trote é uma prática arbitrária que foi

naturalizada’, boletim da UFMG/1814. A ideia de naturalização, com efeito, não é compatível com a démarche

que aqui se optou, na medida em que produz o reducionismo da sociologização e trata o evento ‘trote’ como

explicável a partir de um critério único e positivo, ao qual apenas o pesquisador tem acesso. 3 A ideia de inversão de gêneros está implicada no neologismo ‘piranhabol’ que une o ‘bol’ do futebol

americano com o termo ‘piranha’ que se refere tipicamente ao gênero feminino e é carregado de conotações

morais negativas relativamente a uma moral patriarcal. 4 Remetemos à abordagem de Simmel do conflito como forma de sociação (Vergesellschaftung). A competição

é uma modalidade de conflito na qual as regras fazem o nivelamento das partes envolvidas e que tem, pois, um

aspecto civilizador: ela nivela as partes e permite a objetivação de valores subjetivos.

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cotista/repetente”, diz a aluna D. R. Vê-se que a qualificação do ato imoral se desvincula, de

certo modo, do êxito nas provas tipicamente escolares. Desdobram-se, como já dito, uma

pluralidade de critérios de justiça: “Sabia que iriam me chamar de racista KKKKKKKK O

que eu quis dizer é que cada vez está mais fácil de entrar no IFF, as pessoas que entravam

antigamente ralaram para estar lá, por isso tinham amor pela escola, de certa forma. Agora

não é mais um desafio, não tem mais essa emoção, então o pessoal está cagando. Não estou

dizendo que todos que entrarem por causa dessa nova cota ou ficarem lá repetindo pra

sempre são assim...”, retorquiu o aluno L. M.

Não se trata, diz o aluno, de atacar pessoas, mas de fazer referência ao mérito e à

eficiência como critérios de justiça que, uma vez ausentes, produziriam o desarranjo da ordem

de grandeza de pessoas e objetos que deveriam estar sob a equivalência das grandezas da

escola. A discussão segue no sentido de avaliar o valor do mérito dos alunos que tem acesso à

escola. A esta altura, alguns alunos adscrevem sua classificação no concurso de entrada. Nega-

se, em seguida, o vínculo entre cota/mérito e a conduta denunciada na abertura do julgamento.

Dá-se, aqui, a primeira intervenção da diretora de ensino, após feita a denúncia: “A

discussão está interessante. Queria contribuir com uma informação, concorrência de 2015:

Automação 8,6 candidatos por vaga; Eletromecânica 9,4 candidatos por vaga; Eletrônica 4,7

candidatos por vaga; Meio Ambiente 5,2 candidatos por vaga. Infelizmente ainda é alta”. E,

um pouco adiante, ela retoma: “Acho alta, Cássio. Tem muito vestibular que tem

concorrência menor que essa. O ideal é que pudéssemos atender mais pessoas, pois temos

500 pessoas que querem entrar e 440 ficam de fora, é muito triste...” A tristeza aludida tem

como critério a ordem cívica, uma vez que a escola é referida como um ‘bem comum’ a todo

cidadão e, como tal, acessível independentemente de outras esferas de justiça.

O desajustamento de pessoas e dos objetos é pontuado à intervalos. O aluno M. D.

diz: “Quando eu era do IFF, o ‘vandalismo’ era tomar uma ducha no chuveiro na piscina

depois da pelada”, seguido pelo aluno P. F. que emenda: “Virar as cadeiras da sala já dava

uma confusão fudida HAUHAUHAUHuahuahuahuahano”.

Passemos, doravante, à fase final da análise. Deparamo-nos com a seguinte pergunta:

“E uma instituição desse nível não possui ao menos uma câmera de segurança?”, indaga o

aluno C. C. Que receberá como resposta uma justificação da diretora, não por acaso

referendada pelo critério cívico, já que, como diretora, ela está investida desta grandeza nessa

atuação: “Triste é uma instituição ‘desse nível’ precisar de câmeras de segurança. Já

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solicitamos as imagens das câmeras do Sicoob e o processo de compra de outras está na fase

final, câmeras que infelizmente precisamos”. Não por acaso as aspas da diretora em “desse

nível”, já que se trata da grandeza da própria escola que, nesta arena, é objeto das sucessivas

avaliações. Ademais, a infelicidade da necessidade do controle das condutas por câmeras deve-

se, na justificação da diretora, a uma falha na ordem cívica da escola: tal falha recai sobre os

'menores', os mais jovens na ordem de grandeza escolar, isto é, os alunos, que assim como os

mais velhos importam pouco para a cidade cívica (BOLTANSKI e THÉVENAUT, 1997).

Findo o julgamento, parece-nos que o acontecimento-chave nos forneceu um bom

exemplo de prova de realidade. Como diz Rayou “crianças e jovens devem, como os adultos,

submeter-se à prova de realidade, únicas suscetíveis, num mundo de múltiplos princípios de

legitimação, de liberar “valores” orientados para a justiça e sendo o objeto de um acordo”

(2005, p. 167). Ora, o que se desvela no julgamento é a grandeza da escola e de seus

partícipes. O que se questiona diz respeito, também, às providências tomadas frente ao ato

em juízo, no sentido do (re)ajustamento do acordo cívico.

Importa lembrar, neste sentido, que

sucede do fato de que qualidades de grandeza e pequenez não são

vinculadas às pessoas que uma política de justiça deve solucionar disputas

ao fazer a convenção de equivalência se submeter a uma prova. Apenas no

desfecho da prova, no decurso da qual as partes conflitantes são induzidas

a mencionar os objetos e os fins de um mundo compartilhado, que seu

estado de 'grandeza' é revelado. É pelo fato de que seus argumentos são

confrontados com a realidade que a ordem produzida pela prova (que uma

prova diversa poderia desafiar) pode ser qualificada como justa

(BOLTANSKI, In: The Politics of Pity, excerto, p. 4, data).

2. O ‘comum’ plural da escola e suas tensões

As tensões que se revelam na escola, sobretudo nas situações de prova a que nela se

submete o estudantado, mostram, de um lado, o fechamento da concepção política

republicana, até certo ponto refratária às lógicas de atuação e justificação política dos

estudantes que, por seu turno, estão aquém da cidadania política republicana da escola e, por

outro lado, revelam-se portadores de outras formas de ação e justificação de sua autonomia

cujas vozes são audíveis. Assim, se tomarmos à sério a investigação dos modos de ação

fundados na philia e na proximidade, suas tensões com outros mundos e regimes de

justificação, alarga-se o campo de investigação empírica da socialização política na escola

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contemporânea que viu, nas últimas três décadas, uma ampliação significativa de seus

quadros institucionais, assim como a diversificação sem par da oferta e da demanda escolar.

Para o caso francês, aliás, a complexidade da disputa e da oferta dos recursos distribuídos

pela escola encontra boa descrição em Derouet (2010).

Assim, tendo em vista o modelo de cidade de Boltanski e Thévenaut (1997), a

ordenação das grandezas de uma escola pode ser analisada sob o prisma da reflexividade e

das formas de ação de seu público, isto é, os alunos, tal como nos mostram Resende e

Gouveia (2013) ao abordarem a amizade como modo de ação e o insulto moral entre pares,

revelando toda uma economia de grandezas diversas daquelas do mundo adulto. E, a despeito

de ser pública, a escola pode ser remetida ao mercado como bem mercantil pelos atores que,

por assim dizer, também adquirem a competência requisitada para fazer a equivalência nas

operações típicas do mercado.

Na contrapartida crítica dos alunos, aliás, dispostos numa condição de, por assim

dizer, pré-cidadania, numa ótica puramente cívica/meritocrática e suas situações de prova,

vislumbra-se outras lógicas de ação política: quando não reduzidas por uma ‘cidade’ em

compromisso com ela, ou em disputa por uma redução em outro bem comum, mas assentes

em critérios de justiça política plurais.

Essas tensões que perpassam a escola e suas situações encontram eco na abordagem de

Boltanski e Thévenaut, ao formularem o modelo de cidade para dar conta das operações críticas

e disputas a que se entregam as pessoas: “ainda que o modelo de cidade não faça referência

senão a um princípio de justificação, ele é uma resposta à multiplicidade de princípios sem a

qual o mundo seria um éden” (1997, p. 100-101). E, como dizem à página seguinte

A redução da pluralidade de formas de generalidade operada pelo modelo

de cidade esclarece, igualmente, sua ‘fórmula de investimento’: o sacrifício

exigido para se aceder a um estado de grandeza aparece, pois, tenuemente

ligado à extensão das outras cidades. A chance particular dos pequenos,

sacrificada no estado de grande, é assim o traço de outros ‘bens comuns’

que não podem ser reconhecidos como tais na cidade (1997, p. 102).

No momento crítico aqui analisado, o compromisso com a ordem cívica da escola

fará as vezes de uma “ordenação mais geral, ancorada num princípio superior comum, que

é, a bem dizer, o critério das grandezas, [e que] permite conter os desacordos dentro do

admissível, evitando sua quebra ao colocar em causa o princípio do acordo” (1997, p. 101).

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3. Outras grandezas: a internet e a voz dos alunos

É digno de nota que a internet é uma marca das práticas de comunicação na

atualidade, de maneira a dar lugar, amiúde, a situações de controvérsias acerca de temas

variados. Sua presença massificada no cotidiano e na socialização dos jovens tem sido

notada nas ciências sociais (MORDUCHOWICZ 2012 e 2013). Tendo isso em vista,

escolhemos como objeto de uma primeira investida analítica sob a ótica da sociologia

política da educação, no quadro teórico da sociologia pragmática da crítica, as reações dos

alunos, alguns professores e da diretora de uma escola pública.

Considerado amplamente inaceitável, o ato denunciado carreia consigo avaliações morais

sucessivas daqueles que fazem a socialidade da escola. Ancoradas numa gramática plural,

podemos perceber que os jovens seguem linhas de socialização política que não convergem,

deixando-se de lado uma postura adultocêntrica (RAYOU 2005 apud RESENDE e GOUVEIA,

2013), simplesmente com a política no sentido das formas de investimento da cidadania

republicana, para as quais a escola representou, sobretudo no século XVIII e XIX (DEROUET,

2010, p. 1009), a liberação do acesso às instituições do estado moderno do familismo e das

nobiliarquias locais, uma vez que o processo de escolarização teve, com seu fundo meritocrático,

o avanço de hierarquizar não pela origem social, mas no transcurso nivelador das provas escolares.

No sentido aludido, os alunos se encontram muito bem cientes dos investimentos de

forma que devem ser por eles preenchidos, a fim de aceder ao mundo do “alto”, por

referência à hierarquia de grandezas que presidem às provas – que são provas de grandeza –

na escola, assim como o comportamento no sentido do público e da cidade cívica.

Por fim, podemos dizer que os alunos, ao mobilizarem uma diversidade de critérios

de justiça, apresentam-se capacitados a contribuir para a reflexão sobre o que é uma escola

justa (DUBET, 2004). À possibilidade de envergar diferentes critérios de justiça, assim como

à demanda pelo reconhecimento de outras modalidades de ação, somam-se à ampliação das

condições de exercício da crítica nas situações escolares e cotidianas.

4. Considerações sobre a escola justa e o bem comum

É impossível, posto que utópico, sustentar como justificação, numa sociedade

complexa, a perfeita igualdade dos seus membros como critério de justiça. Primeiro, por que

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ela não existe. Segundo, por que ela não comporta as necessidades e possibilidades das

pessoas que nela conduzem suas vidas e que podem, inclusive, hoje mais do que outrora,

demandar um tratamento equitativo a sua situação, consoante diferenças que não podem ser

apagadas pelas desigualdades reais nem por uma igualdade fantasiosa.

De modo análogo, a escola francesa, uma vez unificada em 1940, ao pretender nivelar

as pessoas sob um fundamento cívico, não logrou solucionar os dilemas da igualdade e da

liberdade – que se encontram tensionados nas democracias liberais contemporâneas e nas

formas de investimento da escola – de uma vez por todas (DEROUET, 2010, p. 1008).

Acresce que projetar como critério único da justiça escolar a igualdade de oportunidades

converte-se em meta quimérica, uma vez que a escola contemporânea é o espaço de uma

diversidade de trajetórias e de classes cujas demandas de justiça mobilizam critérios plurais.

Pode-se postular, neste sentido, um rol de critérios de justiça que, embora não forneçam uma

fórmula sintética mágica, já que o ‘comum’ da escola é feito e refeito constantemente,

permitem avançar a reflexão da justiça escolar (DUBET, 2004).

Admitindo-se que o princípio do mérito logrou a separação da esfera de justiça escolar de

outras esferas de justiça (WALZER, 1984, p. 319), as qualificações operadas nas formas de

investimentos da escola e sua forma de equivalência fundada no mérito colocam problemas para

a questão da igualdade que, por outro lado, é também objeto de reclame, mas deixa de ser pensada

como um objetivo a todo custo e desatento às desigualdades justas. A reflexão sobre a justiça

escolar deve considerar, portanto, a presença de pelo menos mais 4 critérios, a saber: 1) a

discriminação positiva no sentido da justiça distributiva ou equitativa de John Rawls; 2) a justiça

como prestação de contas; 3) a garantia de competências mínimas e 4) a eficácia e a utilidade social

da formação escolar (DUBET, 2003, p. 544-549). Combinados à meritocracia, estes critérios

permitem avançar o sentido do que é uma escola justa e como ela deveria tratar seu público.

5. Conclusão: as formas de engajamento político e a abordagem pragmática

A pesquisa que procuro desenvolver – no doutoramento do Programa de Pós-Graduação

em Sociologia Política da UENF – se debruça sobres as atitudes, as formas de cognição e as

formas de engajamento político dos estudantes do IFF/Macaé, escola em que, atualmente, sou

professor. Ela parte de uma proposta metodológica que pretende inventariar quantitativamente

– far-se-á um survey – o ser da política entre os alunos, no sentido de perceber descontinuidades

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de comportamento político nesta geração de estudantes correlacionadas a variáveis

socioeconômicas, socioculturais e suas referências na socialização familiar.

Pode-se dizer, neste sentido, que a abordagem pragmatista da socialização política

da educação permite aprofundar nuances e tensões que nos colocam problemas que o método

quantitativo não parece suficiente para explicar e compreender: ela revela outras formas de

se fazer a política na vida dos alunos, que demandam a pesquisa etnográfica e o levantamento

de situações críticas nas quais os que tomam parte na escola revelam suas posições e suas

formas de fazer o “comum”, para além dos arranjos formais tipificados pela ciência política.

Estas formas de engajamento do estudantado, não obstante o rumo futuro de suas

tendências, não podem ainda ser pensadas como substitutas das que presidem as instituições

da democracia atual, tal como adverte Rayou (2007, p. 29-30), ao pensar a lógica da

proximidade/distância e da responsabilidade na atuação dos jovens franceses escolarizados.

Parece razoável, contudo, pensar o descontentamento político e as novas formas de

engajamento político, batizadas como não-tradicionais, em seus vínculos com as tensões que,

atualmente, afetam a dinâmica política da socialização dos estudantes. Tanto os movimentos

sociais quanto as formas de denúncia e de vocalização das demandas na atualidade se opõe,

com frequência, às formas de ação cristalizadas em organizações típicas da cidadania

republicana, quais sejam, os partidos, os sindicatos e as instituições coladas no poder público.

Soma-se a isso a baixa confiança nas formas cívicas tradicionais em várias regiões

do mundo, sobretudo entre os mais jovens, que são, por alguns cientistas sociais – que em

certo sentido contribuem para o encapsulamento da cidadania republicana – qualificados

como avessos à política. Por outro lado, surgem propostas de renovação, ainda em gestação,

em torno da ideia de organizações deliberativas fundadas na horizontalidade.

Acresce que o programa de pesquisa da socialização política da educação, ao nos

confrontar com as lógicas de ação e de justificação política dos jovens, permite compor

melhor a riqueza do que aqui denominamos, sem pretensão substancialista, de o ‘ser da

política’ dos que fazem a unidade analítica que escolhemos, a saber, a escola. Se, por um

lado, o inventário quantitativo nos fornecer dados de baixa atuação cívica tradicional entre

os estudantes, ao passo que nos conceda alguma novidade acerca do engajamento político

nas ditas novas formas de participação, tais como protestos, boicotes, assinatura de petições

virtuais, numa lógica mais pautada na escolha do que na lealdade (NORRIS, 2004, p. 2), por

outro lado, o estudo de acontecimentos-chave da escola em combinação com o método

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quantitativo, poderá nos fornecer evidências para sustentar a criticidade política presente nas

escolas contemporâneas, assim como a presença marcante de uma reflexividade crítica no

estudantado, cada vez mais atento às questões e dilemas públicos, ainda que se afaste ele das

tonalidades de ação valorizadas pela tradição republicana.

Uma vez que a participação, as atitudes e a cognição política comportam várias dimensões

explicativas, as quais extrapolam o status econômico, o capital cultural e as referências domésticas,

a abordagem pragmatista do ‘ser da política’ entre os alunos poderá revelar dimensões da ação

política que, à luz destes fatores, poderiam vir a ser consideradas improváveis. Ela pode contribuir,

ademais, para responder quais temas do debate público mobilizam os estudantes – a despeito de

uma possível baixa participação cívica tradicional – sem cair nas armadilhas de depositá-los numa

condição de pré-cidadania ou apoliticismo. Por fim, a abordagem que deu o tom deste trabalho

pode fornecer um quadro qualitativo de contrafactualidades às tipologias estatísticas que serão,

destarte, apenas uma face da coleta de dados para análise, devendo ser reportadas à práxis dos

atores em seus próprios termos, para daí dar lugar a uma atividade de síntese explicativa dos modos

e das razões de ser do político entre os estudantes.

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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADES: CINEMA COMO

RECURSO DIDÁTICO NA ESCOLA

Wilson Camerino dos Santos Junior Mestre em Educação/Ifes. Bolsista de extensão no país (c) - CNPq

E-mail: [email protected]

Wendell Marcel Alves da Costa Graduando em Ciências Sociais/Ufrn. Bolsista Pibic - CNPq

E-mail: [email protected]

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir a dignidade humana por meio de práticas didáticas

na escola. Para isto propõe a utilização do cinema como mediador na abordagem da diversidade em

espaços de educação formal ou não. A educação em direitos humanos tem por objetivo discutir a

valorização da dignidade humana, ou seja, o reconhecimento do homem como um sujeito histórico

demarcado por diferenças culturais. Objetivamos problematizar o cinema como mediador da(s)

diversidade(s) no processo educacional. Os referenciais teóricos utilizados foram Magri (2009), Xarão

(2011), Pequeno (2008). No âmbito do cinema, refletiremos as contribuições de Costa (2003) e Xavier

(2005), para compreender o cinema como dispositivo e instituição social e, para saber as experiências e

usos da linguagem cinematográfica nas escolas, Rizzo Junior (2011) e Lima (2013). Especificamente

abordaremos a educação em direitos humanos e seus fundamentos e a questão didática nas abordagens

do cinema. A metodologia utilizada foram os estudos de revisão bibliográfica. Os resultados de nossa

pesquisa apontam para as abordagens da(s) diversidade(s) por meio do cinema como política educacional.

Palavras-chave: direitos; cinema; educação.

Abstract: This paper aims to discuss human dignity through teaching practices at school. For this

was proposed the use of film as a mediator in the approach of diversity in formal and informal

education spaces. The human rights education aims to discuss the enhancement of human dignity,

namely the recognition of man as a historical subject marked by cultural differences. We aimed to

discuss the film as mediator of variety in the educational process. The theoretical framework used

were Magri (2009), Xarão (2011), Pequeno (2008). About the cinema we are going to reflect the

contributions of Costa (2003) and Xavier (2005), to understand the cinema as a device and a social

institution, and to know the experiences and practices of film language in schools, Rizzo Junior

(2011) and Lima (2013). Specifically discuss the human rights education and its foundations and

didactic approaches on the issue of cinema. The methodology used was a bibliographic review. The

results of our research point to the approaches’ diversity through the cinema as an educational policy.

Keywords: rights; cinema; education.

Apresentação

No século XX algumas questões das violações aos direitos humanos vêm ganhando

especial atenção nos debates das políticas públicas. A fome, o trabalho, o direito a educação

e outras violações são questões que até hoje permeiam as reflexões dos denominados direitos

fundamentais do homem, direitos estes previstos em legislações internacionais e nacionais.

Algumas das violações aos direitos humanos perpetuam no cenário público e privado do

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tecido social, sobretudo as violações que concernem às questões da diversidade religiosa, de

gênero, da etnia e outras que corriqueiramente são conduzidas por práticas etnocêntricas pelo

fundamentalismo tradicional societário, ao invés de serem gestadas por políticas públicas.

Mediante os contextos de ausência do Estado, práticas etnocêntricas e intolerância para

com a diversidade são estabelecidas as práticas de ódio para com as diferenças sociais existentes,

práticas estas construídas sistematicamente pela cultura heteronormativa que é uma cultura

compostas de valores religiosos, de valores de gênero e estabelecimento de classes sociais, valores

estes de estabelecimentos societários com práticas culturais já definidas, sem a possibilidade do

reconhecimento do outro, ou seja, sem possibilidade de reconhecer a diversidade.

Contrapondo a este contexto que vivenciamos escolhemos debater/propor neste

trabalho que as políticas para as diversidades devem se dar por meio de processos educativos

da educação formal ou não, possibilitando discutir a dignidade humana por meio de

dispositivos didáticos, apontando a utilização do cinema como o dispositivo mediador da

relação diversidade e reconhecimento da dignidade humana.

A escolha da educação em direitos humanos é por a concebermos como importante

referencial teórico metodológico quando o objetivo é tratar direitos humanos. Podemos

considerar que a educação em direitos humanos se divide em dois grandes eixos para tratar

a questão da dignidade humana, sendo esta questão seu principal fundamento.

O primeiro eixo são os aspectos históricos, filosóficos, políticos e jurídicos e o

segundo eixo os fundamentos culturais e educacionais. No âmbito desta divisão

metodológica, o diferencial de falar de educação em direitos humanos e, não unicamente em

direitos humanos, refere-se que a educação em direitos humanos ultrapassa a legislação

prescrita, portanto, ela busca o reconhecimento da dignidade humana.

Em suma, neste ensaio refletiremos como a educação em direitos humanos corrobora

no debate do exercício da liberdade, da preservação da dignidade e da proteção à própria

existência, sendo os direitos humanos responsáveis por zelar pela humanidade que cada um

de nós possui, ou seja, a garantia da dignidade humana. E um dos instrumentos didáticos que

podem colaborar na difusão das práticas da educação em direitos humanos é o cinema, que

retira espectador de sua posição de ouvinte, e o coloca como sujeito de ação no processo de

subjetivação da imagem como representação da sociedade. Neste caso, objetivamos a

indignação do espectador, mediante a identificação da violação de direitos, não apenas no

filme, como também em seu cotidiano.

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1. Educação em direitos humanos no processo de escolarização

A educação em direitos humanos há mais de uma década vem sendo debatida

enquanto recurso teórico-metodológico na implementação de políticas públicas ou sociais

mediante a identificação de violação de direitos humanos. O termo direitos humanos é

corriqueiramente estudado como garantia daquilo que é fundamental ao ser humano, mas e

a educação em direitos humanos? Qual é a sua proposta diferencial mediante aos contextos

de violações que estamos circunscritos?

De acordo com Zenaide (2008), a educação em direitos humanos possui por base a

educação para a paz, contra todas as formas de autoritarismos, guerras, extermínios, ou seja,

contra todas as práticas violadoras do direito à vida das pessoas em situação de desvantagem

social, tais como os trabalhadores da via camponesa, os gays, as lésbicas, os transexuais, os

transgêneros, as travestis e outros identificados por sua expressão de gênero ou pela

orientação sexual em desvantagem. Também podemos apontar pertencentes a este contexto

de violação: os negros em desvantagens sociais, as mulheres não reconhecidas socialmente

pelo seu exercício de gênero, as crianças e adolescentes historicamente violadas, os

adolescentes em conflito com a lei, os jovens inseridos em situação de desoportunação social

contínua e os idosos sem seguridade social.

Neste sentido a educação em direitos humanos como um referencial teórico-

metodológico é uma proposição que possui por objetivo incentivar por meio de práticas

didáticas contínuas e correlatas ações interdisciplinares de resistência cultural contra todas

as formas de violação aos direitos humanos. Com base em Zenaide (2008, p. 130), definimos

o princípio metodológico da educação em direitos humanos:

[...] fundamentação da paz, da liberdade e da justiça, [...] reconhecimento da

dignidade inerente a todos os membros da família humana; a proteção dos

direitos humanos pelo império da lei; o desenvolvimento de relações amistosas

entre as nações; a igualdade de direitos entre homens e mulheres; o progresso

social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; o ensino e

a educação que promova o respeito aos direitos e às liberdades. [...] ser

reconhecido como sujeito de direitos, de dignidade, proteção dos DH,

segurança pessoal e social, fraternidade, igualdade, extinção da escravidão,

acesso à justiça e ao asilo, ao trabalho e ao padrão de vida, à nacionalidade e à

educação em direitos e à liberdade. [...] para os deveres universais de todo ser

humano para com a coletividade, a responsabilização com a comunidade, a

qual vive, trabalha, constitui identidades e modos de ser e de vida.

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Para a autora, a adoção da educação em direitos humanos significa inserirmos na

pauta das práticas educacionais questões específicas, como: os direitos dos povos a liberdade

e a paz, temáticas como a cidadania, o direito humanitário, a democracia, a justiça social,

entre as demais ações que busquem a materialidade da promoção aos direitos humanos e do

reconhecimento mútuo. Para Zenaide (2008), a educação em direitos humanos tem como

proposta central a construção de uma cultura universal dos direitos humanos.

No âmbito da construção de uma cultura universal dos direitos humanos é que

concebemos a educação em direitos humanos como oponente instrumento de um processo

norteador para abordarmos as questões das diferenças de educação formal ou não. O

diferencial da educação em direitos humanos se pauta pela consolidação da dignidade

humana para além da legislação. Falar em educar em direitos humanos significa implementar

práticas culturais de reconhecimento do outro em sua pluralidade. O educar em direitos

humanos ultrapassa qualquer acordo, tratado ou convenção, significa reconhecer o outro a

partir de sua diversidade como sujeito de direito.

De acordo com Pequeno (2008), o fundamento dos direitos humanos é correlata a própria

essência do ser humano, é o reconhecimento do homem como um sujeito inacabado e imerso numa

formação diacrônica a partir de sua experiência com o mundo, desta forma o homem vai

construindo a sua essência como pessoa, ou para aquilo que denominamos de busca pelo

reconhecimento e afirmação da dignidade humana. A dignidade humana é o conceito central para

consolidarmos as práticas didáticas formais e não formais da educação em direitos humanos. A

dignidade é a qualidade da pessoa humana, ou seja, aquilo que confere humanidade ao sujeito.

Para Pequeno (2008, p. 23) os direitos humanos são:

Os direitos humanos são aqueles princípios ou valores que permitem a uma

pessoa afirmar sua condição humana e participar plenamente da vida. Tais

direitos fazem com que o indivíduo possa vivenciar plenamente sua

condição biológica, psicológica, econômica, social cultural e política. Os

direitos humanos se aplicam a todos os homens e servem para proteger a

pessoa de tudo que possa negar sua condição humana. Com isso, eles

aparecem como um instrumento de proteção do sujeito contra todo tipo de

violência. Pretende-se, com isso, afirmar que eles têm, pelo menos

teoricamente, um valor universal, ou seja, devem ser reconhecidos e

respeitados por todos os homens, em todos os tempos e sociedades.

Poderíamos suscitar o seguinte questionamento neste momento: existe possibilidade

de alguém conferir humanidade a alguém por meio de práticas pedagógicas em espaços de

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educação formais ou não formais? Iremos afirmar que sim e, baseados a partir de Pequeno

(2008), em dois princípios epistemológicos: a dignidade é um valor incondicional e a

dignidade é um valor incomensurável.

A dignidade como valor incondicional está baseada na possibilidade desta se apresentar

e ser do outro como independente de qualquer contexto. Seja o autor da ação violadora, ou seja,

o violado, ambos possuem o direito inerente de terem a sua dignidade na condição de ser humano

protegida pelo Estado, mercado e pela sociedade civil. A dignidade como valor incondicional é

toda e qualquer ação que promova o fim da negação, da violação e da invisibilidade.

Já a dignidade humana como um valor incomensurável faz menção ao princípio da

indignação, tais como o contexto que reconhecemos que a dignidade do outro enquanto ser

humano foi atingida. O reconhecimento da incomensurabilidade da dignidade humana reside na

indignação quando verificamos a condição de exclusão e invisibilidade quais massas da

população são colocadas, sem condições de defesa e até mesmo de garantia da vida. Totalmente

em situação de desvantagem social em relação aos demais extratos do tecido social.

A tentativa de exemplificar por meio de dois princípios a dignidade humana nada

mais é do que uma tentativa de demonstrar que ao defendermos o ser humano enquanto um

sujeito social dotado de práticas culturais e históricas atreladas à vida, estamos a favor de do

reconhecimento da existência de um sujeito que teve sua condição de ser humano

invisibilizada. Para Pequeno (2008) quando defendemos a dignidade humana de outra

pessoa, estamos em busca da vida social menos injusta e mais digna.

Neste sentido, ao debatermos com nossos educandos o princípio da dignidade

humana nossa abordagem deve ser aberta ao reconhecimento que trabalhadores da via

camponesa, os gays, as lésbicas, os transexuais, os transgêneros, as travestis e outros

identificados por sua expressão de gênero ou pela orientação sexual em desvantagem. Ainda

temos os negros em desvantagens sociais, as mulheres não reconhecidas socialmente pelo

seu exercício de gênero, as crianças e adolescentes historicamente violadas, os adolescentes

em conflito com a lei, os jovens inseridos em situação de desoportunação social contínua, os

idosos sem seguridade social, os migrantes, os refugiados e os querentes de asilo político

que são exemplos de pessoas que devem inicialmente ser reconhecidas pela sua condição de

ser humano, para que o Estado, o mercado e a sociedade civil possam identificar a seguridade

social em que serão acolhidos a partir dos tratados legais internacionais ou locais.

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A educação em direitos humanos, ao tratar da existência do ser humano para além da

legislação, conforme fundamenta Xarão (2011), propõe que possamos compreender a

pluralidade intrínseca à condição humana. Ainda, Magri (2009) aponta a importância do

sujeito se posicionar de forma crítica ao mundo, vivendo a sua própria existência e não a

existência dos outros, sendo estas proposições apontadas pelos autores importantes práticas

didáticas a serem adotadas pelos educadores.

O escolarizar em educação em direitos humanos a partir de Xarão (2011), Magri (2009)

e Benevides (2007) remete ao educador tratar a humanização das relações sociais, tendo por

pressuposto relações baseadas no direito a diversidade. O artigo 1º da Declaração Internacional

de Direitos Humanos de 1948, reza: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em

dignidade e em direitos”, este artigo deve ser a referência principal para que os educadores

identifiquem em conjunto aos membros de uma comunidade educacional o direito a educação,

ao trabalho, a saúde e demais direitos fundamentais como uma garantia da dignidade humana.

Considerando o exposto até o presente momento, compreendemos que a utilização

do cinema como possibilidade formativa pode oportunizar a discussão em torno de temáticas

envolvendo o gênero, a diversidade sexual, a participação política, a cidadania, o meio-

ambiente, a tecnologia, a etnia, o racismo e outras temáticas quais sejam correlatas a

afirmação e reconhecimento da dignidade humana.

O cinema pode ser considerado como um dispositivo didático de práticas

educacionais na escola, que permitirá ao educador promover a sensibilização, as reflexões e

novas possibilidades de relacionamento entre os indivíduos envolvidos no processo de

ensino-aprendizagem, pois as temáticas específicas que aludem à dignidade humana

proporcionam uma descolonização do olhar etnocêntrico.

2. Cinema e seus aspectos formativos na educação em direitos humanos e diversidades

A didática tem como premissa adquirir no espaço escolar, na sala de aula, fundamentos

que orientem o professor na tarefa de ensinar o aluno, procurando maneiras e recursos para que

o processo de ensino-aprendizagem seja, de forma dialogada e multicultural, um canal por onde

novos conhecimentos se apresentarão na interação professor-aluno. Frente a isso, compreende-

se que a metodologia de ensino seja um conjunto de regras e normas prescritivas, mas não

delimitantes, visando à orientação do ensino do aluno (VEIGA, 1993).

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Particularmente, no ensino da Sociologia, a Secretaria de Educação Básica (2006)

orienta a admissão de estratégias didáticas para a aprendizagem do aluno. Essas motivações

entrecruzam-se com os saberes correntes na educação em direitos humanos e diversidades, por

que, justamente, novas paisagens humanas serão validadas no exercício de recorrer a novos

dispositivos didáticos. Sendo assim, além da aula expositiva e de seminários, o professor pode,

para desenvolver o senso crítico e novas leituras socioculturais em seus alunos, optar por

excursões, visitas à museus, parques ecológicos, leitura e análise de textos, vídeo, televisão,

fotografia, charges, cartuns, tiras e, como abordaremos neste trabalho, o cinema.

O cinema como ferramenta de ensino tem sido utilizado em diversas realidades

escolares (RIZZO JUNIOR, 2011; LIMA, 2013). Cada vez mais, os professores estão

aderindo ao uso da linguagem cinematográfica para provocar a discussão em torno de

temáticas envolvendo sexualidade, política, meio-ambiente e, neste caso, a educação em

direitos humanos. Nesse sentido, este trabalho compreende o cinema como instituição social

(COSTA, 2003), funcionando como uma representação das relações sociais e da significação

dos discursos proferidos na sociedade.

Como instituição, o cinema também incorpora noções estabelecidas na sociedade, códigos,

representações, signos, sentidos históricos e culturais estabelecidos nas convenções idealizadas nas

interações sociais. Em suma, antes de tudo, para utilizar o cinema como um dispositivo que angarie

discursos no campo da educação em direitos humanos e na desconstrução dos marcadores sociais

da diferença1, precisa-se igualmente entende-lo como arte que repercute ideologia e construção de

espacialidades representativas em seu discurso fílmico.

Visto isso, as possibilidades formativas do cinema são múltiplas. De acordo com

Almeida (2014), existem duas formas de abordar o cinema em sala de aula, sendo uma como

àquela que é a exposição do mundo, ou seja, analisando as diferentes repercussões

representacionais que a linguagem cinematográfica atinge na encenação no produto

1 “Problemas sociais e problemas de pesquisa sócio-antropológica especificam-se crescentemente em sujeitos de

direitos minoritários referidos a marcadores de raça, etnia, gênero e orientação sexual, que passam a ocupar de modo

inédito a agenda política e acadêmica do país. Ao se penetrar no labirinto da produção de categorias identitárias e

formas de discriminação associadas àqueles marcadores de diferença, é possível perceber como a produção do saber

vem atuando e sendo incorporada aos movimentos sociais em questão. Trata-se, portanto, não apenas de reelaborar

questões clássicas e recorrentes sobre miscigenação, erotismo e nação, mas também refletir sobre o impacto das

políticas de identidade e de ações afirmativas, percorrer o embate entre políticas de escopo universalista e políticas

de promoção de direitos especiais, bem como buscar a compreensão renovada de convenções, representações e

sociabilidades associadas a raça, etnia, religião, deficiência, sexualidade e gênero” (NUMAS, 2012, p. 349).

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audiovisual, e outra como problematização do mundo, desmistificando as variadas facetas

da realidade fílmica e da realidade real, representada como tal na imagem cinematográfica.

É deveras importante ressaltar a noção de realidade que o cinema proporciona para

os espectadores. Logo, o professor tem como função desconstruir, junto com os alunos, a

imagem, relativizando as noções fomentadas pelo que é posto na narrativa audiovisual.

Nesse sentido, é preciso evitar o ditame de que o cinema é uma representação da realidade.

Ele é mais do que isso, o cinema é uma representação da realidade que ressignifica e que

cria, em seu discurso, uma realidade, um espaço fílmico que oriunda histórias fantásticas;

releituras da realidade e do imaginário.

Dito isso, o cinema tem uma importância formadora, de espectadores preocupados

com a leitura do que está inscrito na imagem. Segundo Fresquet (2013, p 123):

O cinema [...] alarga nosso conhecimento do mundo, do tempo e de nós

mesmos. A possibilidade de identificar essa relação entre mim e o outro,

mediada pela câmera, constitui uma mola para ativar a tensão entre dois

estados cuja potência pedagógica o cinema movimenta com especial

competência: crer e duvidar. Transitar entre esses dois polos que

paralelamente nos aproximam de certa materialidade do real para o infinito

do imaginário exercita a inventividade de ensinantes e aprendentes em dois

gestos fundadores da educação: descobrir e inventar o mundo.

Como aspecto formativo de espectadores críticos por meio do cinema, entendemos

que a realidade escolar atravessa algumas dificuldades, tanto estruturais quanto conceituais.

Muitas vezes as instituições de ensino não possuem estrutura para a exibição de filmes e

vídeos para a ilustração do conteúdo do professor; e, além disso, o próprio professor não tem

formação suficiente para realizar a devida desconstrução do produto audiovisual exibido.

Assim, o longa-metragem ou, mais comumente, o curta-metragem termina por não reaver os

aspectos formativos que apresentamos anteriormente, por que justamente perpassa a falta de

estratégias de uma orientação pedagógica audiovisual.

Contudo, as possibilidades formativas do cinema são várias, não se restringindo ao

campo educacional, mas funcionando como um leque nos campos institucionais. O cinema tem

na experiência estética a relação entre espectador-filme no momento em que as nuances

artísticas do filme atingem o primeiro, gerando identificação ou repúdio; imersão do imaginário,

que por meio da similitude o espectador orienta-se na narrativa fílmica; modelos de existência,

na medida em que os arquétipos recorrentes abrangem medidas de identificação/projeção; e

formas de pensamento, na função de ensinar a pensar de modo plural (ALMEIDA, 2014, p. 16).

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Em suma, Almeida (2014, p 15) afirma:

É esse exercício de nos situarmos constantemente de outra vez no mundo,

porque um filme nos des-orientou, nos des-situou, que constitui o caráter

formativo do cinema. A equação entre a somatória desses momentos, a

subtração de outros tantos, tudo multiplicado pelos discursos que nos

atravessam, é que resultará nos nossos itinerários de (auto) formação.

Tomando a escola como um espaço por onde o indivíduo sofre influências culturais

e políticas no seu processo de formação, ela igualmente precisa se inteirar das novas

dinâmicas socioculturais envolvidas com a construção de identidades dos jovens alunos. O

cinema é um fator determinante na construção da juventude pós-moderna, que se vê

bombardeada de informações por todos os dispositivos de comunicação hoje existentes.

Neste sentido, é importante a fusão entre o cinema e a educação escolar, “[...] porque traz

para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e

fundamental: participante ativa da cultura e não repetidora e divulgadora de conhecimentos

massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados” (ALMEIDA, 2001, p. 48).

Além disso, muito correntemente são construídos estereótipos sobre o negro e a

mulata, o homossexual masculino e o comportamento afeminado, a mulher brasileira e o

desejo, o pobre e a desigualdade social, fatores que estão imbricados quando as questões

permeiam os debates envolvendo política e sociedade. O senso comum, a cultura popular e os

discursos dos alunos devem ser incitados, motivados; o espaço da sala de aula necessita cada

vez mais de liberdade de expressão mediada pela posição do professor. O cinema, nesta etapa,

vai além de uma mera ferramenta ilustrativa do tema em questão; ele abre novos campos de

discussão, problematiza conflitos sociais e interpela o espectador em sua posição de ouvinte.

Considerações

Os resultados do ensaio apontam para a Educação em Direitos Humanos como uma

política educacional que pode colaborar nas abordagens das políticas da(s) diversidade(s)

nos processos de escolarização. Ainda aponta a necessidade de implementação do plano

nacional de Educação em Direitos Humanos (2013) e das referências e diretrizes da

Educação em Direitos Humanos (2007), por oportunizarem diretrizes gerais que levam ao

conhecimento dos direitos humanos e do reconhecimento da dignidade humana.

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A abordagem didática utilizando o cinema propicia colocar em debate o

fundamentalismo societário de um modelo de família tradicional e único, os valores, as

atitudes, a defesa e promoção de uma única religião, a cristã. Trabalhar com filmes permitirá

reflexões sobre um fundamentalismo que têm colocado parcelas da sociedade em situação

de desvantagem social, como o negro, o homoafetivo, a mulher, os espíritas, o filho de santo

e outra(s) diversidade(s). Os resultados apontam ainda a didática a ser desenvolvida com

base na Educação em Direitos Humanos mediada pelo cinema, como um desvelar da(s)

diversidade(s) como anomalia e sim as coloca como uma construção social.

O recurso didático de filmes em sala de aula para gerar diálogo com os alunos sobre

questões de direitos humanos e diversidades, em síntese, precisa estar regimentada numa

abordagem inter e multidisciplinar entre os campos do conhecimento. Mais do que qualquer

outra arte, o cinema possui a junção de diversas realidades sociais, pois é, ao mesmo tempo,

uma arte antropológica, sociológica e política; logo, é uma linguagem ideológica e repleta

de convenções orientadas pelo imaginário social. O profissional da educação escolar que

estiver no encalço da busca de ferramentas de ensino, neste caso o cinema, terá que se

orientar na leitura e análise de filmes junto com os seus alunos, principais atores sociais e

multiplicadores da reflexão em direitos humanos.

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APONTAMENTOS SOBRE ETNICIDADE NA ESCOLA

Yamilia Siqueira Bolsista Pibid Ciências Sociais - UFES

Larissa Pinheiro Bolsista Pibid Ciências Sociais - UFES

Resumo: Neste artigo apresentaremos alguns apontamentos a respeito de como se processa o ensino de

história e cultura afro-brasileira nas escolas, tendo como referência EEEM Professor Fernando Duarte

Rabelo, localizada em Vitória/ES, ligada ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

(Pibid) do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Antes disso,

apresentaremos como o movimento negro se articulou em favor dessa política educacional; a

regulamentação e complementação da legislação e os desafios de sua aplicabilidade nas escolas brasileiras.

Palavras-chave: etnicidade; história e cultura afro-brasileira; Pibid.

Abstract: In this article we present some notes about how is handled the teaching of History and

African-Brazilian culture in schools, with reference the school EEEM Professor Fernando Duarte

Rabelo, located in Vitória/ES, which is linked to the Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a

Docência (Pibid) of Social Sciences course at the Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Before that, we are going to present how the black movement was articulated in favor of educational

policy; regulation and completion of the law and the challenges of its applicability in Brazilian schools.

Keywords: Ethnicity; History and African-Brazilian culture; Pibid.

Introdução

A Lei nº 10.639/2003 e as relações étnico-raciais na escola surgiram como tema

devido à vontade de nos aproximarmos dessa área, haja vista que se discute nas

universidades a sua baixa inclusão nos currículos das escolas o que forma por si só um objeto

de estudo. Também a escolha pela temática ocorreu devido à nossa inserção na escola através

do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no curso de Ciências

Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Dessa forma, o tema se apresenta

como de grande relevância para os nossos estudos1.

De um modo geral, acompanhando a rotina escolar na EEEM Professor Fernando

Duarte Rabelo foi constatado um déficit com o tema das relações étnico-raciais, de fato,

trata-se de um tema urgente a ser debatido na escola. Nosso objetivo neste artigo foi

1 Este artigo é resultado de reflexões realizadas durante as aulas de Política e Organização da Educação Básica,

Instrumentalização de Ensino de Antropologia, Estágio Supervisionado I e Antropologia da Etnicidade, na

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

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identificar como se apresenta a etnicidade em uma escola pública da Grande Vitória e como

a escola se desenvolve em relação à Lei nº 10.639/2003. Depois de quase dois anos

acompanhando a rotina escolar foi percebida a existência de muitos problemas ligados às

diferenças étnico-raciais que se manifestam em bullying, por vezes, aparente, por vezes

submerso. Ao mesmo tempo se percebeu uma reação por parte de alunos afrodescendentes

no sentido de afirmação de uma identidade e de um pertencimento a um determinado grupo

social. Esse será o recorte do nosso artigo.

A disciplina de Sociologia no Ensino Médio tem sido a porta para discutir temas da

diversidade, sendo que neste ano está se promovendo um projeto que visa discutir os efeitos

das desigualdades étnico-raciais no país e refletir acerca das posições sociais dos negros e

negras no contexto brasileiro. Esse trabalho na escola teve como pano de fundo alguns

acontecimentos na escola ocorridos no ano passado relacionados a preconceito e racismo

contra estudantes afrodescendentes que será discorrido mais à frente.

Como mencionado anteriormente, o projeto foi realizado na Escola Estadual de

Ensino Médio Professor Fernando Duarte Rabelo, localizada na Praia de Santa Helena,

Vitória/ES. A escola está situada geograficamente em um bairro considerado nobre da

capital, no entanto, a sua clientela é formada por alunos de nível socioeconômico baixo a

médio, oriundos de regiões próximas e distantes da escola. Há uma peculiaridade desta

escola o fato dela não ser uma escola de bairro. Por ser considerada uma escola modelo

referência de ensino, trata-se de uma escola muito procurada. Por isso, chegam alunos de

diferentes localidades da Região Metropolitana da Grande Vitória.

A análise deste processo ocorreu sob um olhar antropológico, tendo como metodologia

de pesquisa a etnografia com observação participante, objetivando compreender as

interferências tanto internas quanto externas que afetam a etnicidade de um determinado grupo

social. O artigo tem como referencial teórico autores da disciplina da área de educação que

discutem o tema das relações étnico-raciais, assim como análises de antropólogos como Barth

(2005), Hannerz (1997) e Sahlins (1997) que discutem o tema da etnicidade.

Para chegarmos ao universo da escola em si, pretendemos inicialmente fazer um

percurso da inserção da temática das relações étnico-raciais nas escolas que se inicia com a

promulgação da Lei nº 9.394/1996 que inclui no currículo a obrigatoriedade da temática

“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, que foi alterada a posteriori pela Lei nº

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10.639/2003 que por sua vez foi complementada pela Lei nº 11.645/20082. Em linhas gerais,

será abordado os seus antecedentes, incluindo a luta do movimento negro a favor dessa política;

as mudanças na legislação no governo Lula e os desafios de sua aplicabilidade nas escolas.

1. Os antecedentes e a luta do movimento negro

O movimento negro foi constituído há muito tempo, formando um dos mais

importantes movimentos na sociedade brasileira, a exemplo dos quilombos que se tornaram

verdadeiros símbolos de resistência. Com o fim da escravidão e o início do trabalho livre, os

negros foram inseridos na lógica do sistema capitalista com base no mito da democracia

racial3 que acabou por construir uma naturalização da desigualdade racial no Brasil.

Contudo, foram se constituindo, dentro do movimento negro, espaço de organização,

diversas associações, além de clubes recreativos e culturais que buscavam solidariedade e

cooperação mútua e com preocupação com as novas questões como acesso ao trabalho, à

educação e contra a desigualdade racial (DA ROCHA, 2006).

Desde o início, uma das bandeiras de luta do movimento negro foi o estabelecimento

de uma educação plural e inclusiva. Muitos foram os exemplos de ações em favor disso, com

destaque para Frente Negra Brasileira, na década de 1930, que lutava por uma educação que

contemplasse a História da África e dos povos negros, além disso, que combatesse práticas

discriminatórias na escola. Uma década depois, o Teatro Experimental do Negro (TEN)

começou a discutir as primeiras propostas de ação afirmativa no país. Em 1978, o

Movimento Negro Unificado (MNU) já defendia a inclusão da história da África e do negro

no Brasil no currículo escolar. Nesse período o movimento negro contou com o apoio de

Florestan Fernandes, que juntamente com outros estudiosos brasileiros se lançavam contra

o mito da democracia racial (BRASIL, 2013).

Na década de 1980, as reivindicações do movimento negro se juntaram com a luta

dos trabalhadores por direitos sociais. Nesse mesmo período, o movimento negro contribuiu

com o texto da Constituição de 1988 que estabeleceu ineditamente o crime de racismo, além

disso, definiu a demarcação territorial das comunidades quilombolas, estabeleceu a proteção

2 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a

obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. 3 “[...] Tentativa da elite brasileira esconder ou minimizar os efeitos da escravidão e da inserção do negro no

capitalismo brasileiro” (DA ROCHA, 2006, p. 25).

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às manifestações da cultura afro-brasileira e incluiu no currículo de história as contribuições

das diversas culturas e etnias à formação do povo brasileiro (DA ROCHA, 2006). Essa

mesma década foi rica em termos de discussão entre o Movimento Social Negro, intelectuais

e pesquisadores da área da educação sobre a necessidade de um currículo que refletisse a

diversidade étnico-racial da sociedade brasileira (BRASIL, 2013).

Mesmo após a Constituição de 1988 que foi estabelecido o crime de racismo, não

ocorreu de fato efetivas medidas desejadas para o combate às desigualdades raciais, “[...]

mas contabiliza o mérito de ter simbolicamente, através da inclusão da questão racial como

tópico no debate público, auxiliando na problematização de certo ‘desconforto’ quanto à

defesa da democracia racial” (VIEIRA, 2007, p. 89).

Destaca-se a marcha “Zumbi dos Palmares4”, em 1995, que contou com dezenas de

milhares de manifestantes. Segundo Brasil (2013) a marcha “[...] representou um momento

de maior aproximação e reivindicação com propostas de políticas públicas para a população

negra, inclusive com políticas educacionais, sugeridas pelo governo federal”. A partir dessa

década vários sindicatos incorporaram o tema racial em suas agendas, o que gerou uma

denúncia na Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a existência da

discriminação racial no mercado de trabalho (DA ROCHA, 2006).

A criação do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) em 1996 foi o primeiro

documento oficial a inserir em seus pressupostos a proposta de realização de ações afirmativas

tendo avançado na discussão de políticas de igualdade por adotar a doutrina da proteção

internacional dos direitos humanos, com base nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

Pré-vestibulares para negros e carentes foram adotados com o objetivo de preparar grupos

excluídos para o ingresso a universidade, tais iniciativas influenciaram a abertura de cotas para

estudantes afrodescendentes nas universidades públicas (VIEIRA, 2007).

Ainda nesse período destacamos a atuação parlamentar do senador Abdias de

Nascimento e da senadora Benedita da Silva, lideranças nacionais do movimento negro que

apresentaram proposições dentro da legislação oriundas do próprio movimento. Aumentou

bastante nesse período o número de estudos e pesquisas sobre a situação racial no país,

muitos financiados por organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (DA ROCHA, 2006).

4 Reuniu aproximadamente trinta mil pessoas no dia 20 de novembro, em Brasília. A finalidade do ato foi

denunciar a ausência de políticas públicas para a população negra.

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Estudos especialmente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os

do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), conquistaram destaque ao abordar

a relevância do componente étnico-racial no entendimento do quadro de pobreza e exclusão

social do país, o que contribuiu para as teses defendidas pelo movimento negro e a

reivindicação de políticas afirmativas que começaram a ser lançadas nesse período. Um dos

destaques no campo do ensino foi à inclusão da temática diversidade como um tema

transversal dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 2000 (DA ROCHA, 2006).

A III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e

Intolerância Correlata, ocorrida em Durban, na África do Sul, no ano de 2001 foi um marco

nas discussões sobre as relações raciais no Brasil. A partir disso, ocorreu um tratamento

diferenciado da questão racial, sendo incluída como prioridade na pauta das políticas

públicas no país (BRASIL, 2013). Foram formuladas políticas de ação afirmativa, com

destaque para as cotas para ingresso nas instituições públicas de ensino superior destinadas

a negros e indígenas (LIMA; CASTILHO, 2010).

Foi durante o governo Lula5 que foi assinada a Lei nº 10.639/03 que institui a

obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira (DA ROCHA,

2006)6. Com isso, o ensino de História e Cultura Africana no sistema de Educação Básica em

disciplinas específicas de História, Português e Artes se tornou obrigatória. A lei é fruto de um

processo que visa à retificação histórica de um currículo oficial que perpetuou a cultura e as

raízes ancestrais de parte considerável da população brasileira em silêncio (SANTOS, 2010).

Segundo Dias (2004 apud DA ROCHA, 2006), tratou-se de uma resposta às antigas

reivindicações do movimento negro, o que favoreceu o governo, pois esse intento dificulta

que este segmento da sociedade causasse algum constrangimento no início da gestão petista.

Ainda assim, o governo sofreu pressões internas e externas que impossibilitaram a criação

do órgão responsável por promoção de igualdade racional, tão almejado, o que veio a ser

criado um pouco mais tarde.

5 Nesse mesmo período o governo sofreu com a reforma universitária que foi bastante criticado, pois de fato se

desenvolveu dentro um programa controverso (PROUNI), na medida em que se instituíam políticas públicas

para jovens pobres e excluídos do ensino superior, mas através do setor privado de ensino, por meio de parcerias

público-privadas, o que levantou protestos do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino

Superior (Andes) e do próprio movimento negro que por sua vez ficou dividido. A grande expectativa do

movimento negro é aprovação do Estatuto da Igualdade Racial que traz em seu bojo o direcionamento mais

recente do movimento que é de ocupar os espaços na vida social brasileira (DA ROCHA, 2006). 6 Em março de 2008, o artigo 26-A obteve uma complementação em sua redação: acrescentou a obrigatoriedade do

ensino de história e cultura indígena, além da história e Cultura Afro-Brasileira dando origem a Lei nº 11.645/08.

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A promulgação da Lei nº 10.639/03 foi importante, mas o movimento negro não se

deu por satisfeito. Foram realizadas reuniões em vários lugares do país, enquanto as

entidades negras reclamavam a presença de uma estrutura no primeiro escalão do governo.

No mesmo ano, o presidente Lula criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de

Igualdade Racial (SEPPIR)7, com status de Ministério, assumindo uma representante do

movimento negro, Matilde Ribeiro. Nesse período o governo se externou em relação à

necessidade de se desenvolver políticas públicas afirmativas (DA ROCHA, 2006).

Todo esse debate visou contribuir para a compreensão de todo o processo histórico e

cultural relacionada não apenas as relações de trabalho, mas também com as políticas

afirmativas que abrem espaço para o ‘resgate da identidade e autoestima dos integrantes da

comunidade afrodescendente brasileira’ que condicionara a fomentação ‘um sentimento de

pertencimento a um povo’ (SANTOS, 2010, p. 42).

2. As dificuldades de aplicação da Lei nº 10.639/03 nas escolas

A literatura narra várias dificuldades de aplicação da lei nas escolas. Com o

sancionamento da Lei nº 10.639/03 e posteriormente a Lei n° 11.645/08 foram implantadas as

“políticas curriculares oficiais que não costumam ser um reflexo do pensamento de docentes e

demais pessoas ligadas ao cotidiano escolar” (SANTOS, 2010, p. 43), uma vez que raramente

essas pessoas são inseridas nas discussões de novas propostas governamentais.

As políticas curriculares, além de trazerem um conjunto de prescrições a serem

implantadas pelas escolas, chamam a atenção, segundo Goodson (2005, apud SANTOS, 2010)

pelo fato de o currículo escrito ser apenas um documento legal, evidenciando as intenções políticas

e uma estrutura institucionalizada da escolarização. Quando apresentado aos professores o

currículo documental passa de pré-ativo em ativo, pois os professores são convocados a se

enquadrarem na lógica de legitimação desse currículo. A fim de adaptar as mudanças propostas

sem que haja rejeição e se torne alvo de resistência, assim como foi o currículo oficial, o governo

dispõe de um meio considerado complementar ao processo oficial, sendo este o livro didático. Os

livros didáticos rapidamente foram adequados aos padrões dos conteúdos relativos à nova proposta

7 A SEPPIR é responsável pela formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção

da igualdade racial e proteção dos direitos dos grupos raciais e étnicos discriminados, com ênfase na população

negra. No planejamento governamental, à pauta da inclusão social, foi incorporada a dimensão étnico-racial e, ao

mesmo tempo, a meta da diminuição das desigualdades raciais como um dos desafios de gestão (BRASIL, 2013).

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por envolver questões mercadológicas passando os conteúdos relacionados por um filtro

governamental, sendo previamente selecionados (SANTOS, 2010).

É notório retratar o papel do livro didático, pois ele é a principal ferramenta didática

utilizada em sala de aula pelos professores, principalmente, para alunos de classes populares.

“Para as crianças empobrecidas, esse livro ainda é, talvez, o único recurso de leitura na sua

casa, onde não se compram jornais e revistas” (DA SILVA, p. 23, 2005). A criança negra no

livro didática era inferiorizada expandindo a teoria do branqueamento efetivada por uma

expressão de negatividade da raça negra em detrimento da superioridade de determinada raça.

A lei por si só não seria suficiente para mudar ou inserir uma nova prática escolar, segundo

Chervel (1990, apud SANTOS, 2010), seria necessário que a lei atendesse alguma realidade do

universo escolar libertando-a da demanda de satisfação dos poderes públicos. Em relação ao

conteúdo abordado desde o século XIX, principalmente, na disciplina de História, o negro é

apresentado como um elemento estrangeiro incorporado à cultura nacional, sendo retratado de

forma ‘folclorizada e pirotesca’, segundo Fernandes (2005, apud SANTOS, 2010, p. 49) que

argumenta a falta de valorização a diversidade étnico-cultural da formação do nosso país.

E para mudar ou intervir nessa visão não é suficiente à implementação da Lei nº 10.639/03

por si só. Para que ganhe vida, necessária uma revisão do trabalho docente, a partir da sala de aula.

Apesar das dificuldades, felizmente, alguns professores têm feito um esforço para inserir temas

ligados às questões étnico-raciais em suas práticas, como afirma Gomes (2002, p. 40):

Aos poucos, os educadores e educadoras vêm interessando-se cada vez

mais pelos estudos que articulam educação, cultura e relações raciais.

Temas como a representação do negro nos livros didáticos, o silêncio sobre

questão racial na escola, a educação de mulheres negras, relações raciais e

educação infantil, negros e currículo, entre outros, começam a ser

incorporados na produção teórica educacional.

Certamente, para que a Lei nº 10.639/03 surta efeito, necessário o investimento na formação

de professores que necessita de um modo geral de uma “[...] reorganização tanto em termos de

conhecimento, como em termos pedagógicos” (OLIVEIRA, SALES, GOUVÊA, 2014, p. 21). Essa

demanda se realiza devido a um passado pedagógico eurocêntrico, e, com isso, exige-se uma tomada

de posição política, epistemológica e identitária, de forma a possibilitar um diálogo entre diferentes

conhecimentos, culturas e sujeitos históricos (OLIVEIRA, SALES, GOUVÊA, 2014).

Todavia, na prática, as dificuldades de efetivação da lei justificadas pelos professores

apontam falhas em relação à falta de formação acadêmica inicial, falta de formação

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continuada, falta de materiais necessários que não dão suporte para o professor trabalhar o

conteúdo em aula. Outras dificuldades são levantadas devido a questões de conflito pessoal e

ideológico dos próprios professores levantadas por Rocha (2009, apud SANTOS, 2010). Essa

restrição em relação ao processo de adequação à lei mantém uma ‘impressão de concordância’

(SANTOS, 2010, p. 52) da aplicabilidade da lei, pois a ausência de indagação e o silêncio

impedem propostas pertinentes para soluções dos devidos casos de discordância à própria lei.

Independentemente de qualquer uma dessas dificuldades apresentadas para que a Lei

nº 10.639/03 obtenha resultados, necessário um esforço dos docentes e das instituições

formadoras, no sentido de se colocarem como protagonistas para a implementação desse

dispositivo legal, pedagógico e político. Para que haja inclusão da diversidade, necessária a

implantação de ações de natureza política, acadêmica e também pessoal para superar as

ausências, invisibilidades e concepções hegemônicas do currículo sobre relações étnico-

raciais que ainda se fazem presentes (OLIVEIRA, SALES, GOUVÊA, 2014).

Nas próximas linhas traremos algumas considerações sobre a etnicidade e a escola.

3. Analisando a etnicidade na escola

No trabalho de campo na escola de ensino médio foi constatado que de um modo

geral se percebe uma falta de debate na escola a respeito dos estudos referentes aos elementos

da cultura negra. Na maior parte das vezes ou quase sempre se assume a cultura do branco

como algo legítimo ou a única a ser considerada, restando ao negro estar numa posição de

inferioridade na busca do conhecimento de suas próprias origens. Com isso, a história negra

fica de lado e se conserva a postura eurocêntrica no exercício da educação.

Além disso, pela falta de conhecimento e o tema não ser devidamente

problematizado, não ultrapassamos a visão simplista do senso comum e a cultura negra acaba

assumindo na maior parte das vezes um caráter pejorativo. Esse problema é reproduzido

todos os dias em sala de aula e, de um modo geral, a escola não dá conta de problematizar o

assunto. Ao mesmo tempo, se percebe que alunos negros se esforçam na tentativa de se criar

estratégias de resistência e de autoafirmação de sua identidade, principalmente em termos

estéticos o que pode ser constatado na escola.

O Ensino Médio é a etapa de ensino da Educação Básica com menor cobertura e

maior desigualdade entre negros e brancos:

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Segundo dados do Censo do IBGE/2010, 54% da população negra não

havia completado o ensino médio. No ensino médio, a taxa de estudantes

é de 52,4% brancos e a de negros, 28,2%. Acreditamos que a Educação das

Relações Étnico-Raciais pode contribuir para a ampliação do acesso e

permanência de jovens negros e negras no ensino médio e possibilitar o

diálogo com os saberes e valores da diversidade (BRASIL, 2013, p. 51).

E o que vem a ser etnicidade? Segundo Barth (2005, p. 01) “o contraste entre ‘nós’ e os

‘outros’ está inscrito na organização da etnicidade: uma alteridade dos demais que está

explicitamente relacionada à asserção de diferenças culturais”. Como a etnicidade acontece na

escola? O discurso pedagógico ao privilegiar a questão racial, não gira somente em torno de

conceitos, disciplinas e saberes escolares, mas também aborda a questão do negro referindo-se ao

seu pertencimento étnico, à sua condição socioeconômica, à sua cultura, ao seu grupo geracional,

aos valores de gênero, etc. A partir desses discursos, consciente ou inconscientemente sobre o

corpo do negro que são reproduzidos estereótipos e preconceitos (GOMES, 2012).

E já sabemos uma das origens disso. Entender os grupos étnicos em termos de raça é ter

uma visão essencialista que não leva em consideração a centralidade das relações entre os grupos

e as diversas culturas espalhadas no mundo. As formulações sobre os grupos étnicos se centram

na identificação de determinadas características fenotípicas. Esse tipo de entendimento foi

superado, tanto por parte da Antropologia quanto da Biologia. Destacamos os trabalhos de Franz

Boas, Lévi-Strauss e Clifford Geertz. No entanto, a ideia de raça não só funcionou como tese

científica sobre as características biológicas distintas, mas também como ideologia e fundamento

para os vários tipos de preconceito e formas de racismo8 (LIMA; CASTILHO, 2010).

O que acontece é que o racismo continua com muita força agindo sobre o senso

comum e nas concepções dominantes dentro das sociedades ocidentais. Constatamos essa

repercussão na escola. Pudemos vivenciar por diversas vezes opiniões e atitudes racistas em

sala de aula. As aulas de Sociologia buscam todo tempo acabar com certos estereótipos e

estigmas sociais, o que dá muito trabalho porque as visões de mundo são muito arraigadas.

No ano passado, a escola teve uma situação de bullying contra uma aluna negra que ganhou

uma competição que escolhia representantes estudantis da escola.

O fato ganhou notoriedade nos corredores da escola e nas redes sociais. Não vimos por

parte da escola uma atitude mais enérgica de tratar a situação, o que caiu na impunidade. Havia

8 O racismo como ideologia justificou as arbitrariedades e os desmandos do colonialismo nas Américas e na

África, estabelecendo a raça negra como um dos seus alvos principais, juntamente com os povos indígenas

(LIMA; CASTILHO, 2010).

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vários quesitos na escolha desses alunos. Não se tratava apenas de um concurso de beleza. A aluna

é reconhecida pelo corpo docente por ser uma ótima aluna. No momento em que a aluna foi

escolhida foi vaiada e alvo de comentários maldosos de cunho preconceituoso e racista do tipo de

que a aluna estaria se valendo de cotas raciais – algo visto como demérito pela maioria dos alunos.

Mas, nos perguntamos quem é o aluno do Ensino Médio? É em sua maioria formada

por alunos proveniente da periferia da Grande Vitória e de origem afrodescendente. Então,

por que reproduzem preconceito e racismo se eles mesmos são alvos de preconceito e

racismo também? Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola, a referência familiar se

divide entre os pais responsáveis diretos pelo sustento e manutenção da estrutura familiar, e

a ocupação deste papel por avós maternos, em sua maioria. Havendo em raros casos a

presença de avós paternos como agentes mantenedores da instituição familiar. O nível de

escolaridade dos pais é variável, bem como a situação econômica, tendo em vista

transferências de local de trabalho e remanejamentos para empresas que investem na sua

formação educacional como prioridade para promoções nas mesmas. Havendo, contudo, um

índice considerável de pais analfabetos e desprovidos de uma renda que dê condições de

sustentos e manutenção de familiares, favorecendo com isso uma inserção dos alunos no

mercado de trabalho (como menores aprendizes ou estagiários) e outros em busca de

qualificação e habilitação para conquistar e/ou garantir a permanência no trabalho.

Como dito anteriormente, há uma peculiaridade desta escola que não é uma escola

de bairro. Essa falta de vínculo com a comunidade faz com que essa escola não seja

considerada de bairro, mas central, por atender a região metropolitana. Trata-se também de

uma escola modelo no sistema de ensino estadual também o porquê de ser tão procurada.

Seus alunos são em sua maioria de origem africana, ou seja, afrodescendentes ou afro-

brasileiros. Então, nos perguntamos como esses alunos são capazes de reproduzir

preconceito? Aparentemente existem mais igualdades do que diferenças entre esses alunos.

Contudo, segundo Brasil (2013) o uso do termo étnico na expressão étnico-racial

significa “[...] marcar as relações tensas advindas das diferenças na cor da pele e nos traços

fisionômicos. Demonstra, ainda, a raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que

difere em visão de mundo, valores e princípios das de origem indígena, europeia e asiática”.

A partir desse entendimento, necessário demarcar o uso dessa expressão nas políticas sociais

e tudo do que dela advém, como os próprios projetos escolares.

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Ainda assim, parece se formar na escola um grupo de alunos, mesmo que de diferentes

turmas e séries que compartilham das mesmas práticas, representações, símbolos e rituais por

meio dos quais o jovem busca demarcar sua identidade juvenil. Assim, acaba formando uma

espécie de tribo, algo comum e típico da condição juvenil. Eles agem apropriando-se de uma

cultura da qual acreditam fazer parte e juntos lutam contra formas impostas por outras culturas

e pela restauração de suas origens e tradições (SAHLINS, 1997). Não é um grupo somente, mas

vários grupos dentro da escola, dentre eles de jovens afrodescendentes.

Percebemos que os alunos se reúnem no pátio da escola durante o recreio em dias

específicos da semana por iniciativas próprias para realizarem duelos de hip-hop formando

grupos juvenis que se reconhecem dentro de determinada cultura, sendo a maioria formada

por alunos afrodescendentes. Reconhecemos que “a cultura possui fronteiras móveis e em

constante expansão. Tampouco é conjugada no singular, posto que é plural, marcada por

intensas trocas e muitas contradições nas relações entre grupos culturais diversos e mesmo

no interior de um mesmo grupo” (GUSMÃO, 200, p. 16).

Logo após o ocorrido, foram afixados vários cartazes em vários locais da escola com

as seguintes mensagens supostamente colocados por alunos9:

Meu cabelo crespo, minha identidade, minha raiz!

Portanto, respeite-o.

Que cabelo é este?

Cabelo que conhece suas raízes;

Cabelo que não se esconde mais;

É o nosso cabelo político;

Cabelo crespo.

Gomes (2002) coloca a importância da trajetória escolar na construção da identidade

negra, mas, infelizmente, essa construção tem relação com o reforço de estereótipos e

representações negativas em relação ao padrão estético, como falado anteriormente. A autora

questiona se este é o padrão de beleza presente nas escolas hoje. Segundo ela mesma aborda,

o padrão de beleza é baseada na ‘brancura’, mesmo sendo uma sociedade miscigenada como

a nossa. A partir dessa constatação coloca se isso afeta ou não nossa vida nas diferentes

9 Até uma chapa que concorria ao grêmio estudantil na escola fez sua campanha apoiando essa causa colocando

em um dos seus cartazes: “meu cabelo é bom, ruim é o racismo”. A aluna que foi alvo de racismo, no caso, usa

cabelo afro o que gera estranheza por parte dos outros alunos.

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instituições sociais em que vivemos como na escola? Certamente sim. E dois elementos

ficam em evidência: a cor da pele e o cabelo.

Observamos que o cabelo entre as meninas é alvo de maior preocupação, as alunas

dos terceiros anos, por exemplo, utilizam os cabelos de modo a manter certa identidade.

Notamos que são as alunas dos terceiros anos que mantém seus cabelos crespos naturais.

Acreditamos que por estarem mais amadurecidas, tentam fugir do processo de

branqueamento. Elas usam adereços que definem seus estilos. Percebemos que as alunas

negras dos primeiros e segundos anos em sua grande maioria, entretanto, mantêm seus

cabelos lisos ou presos, seguindo um padrão de beleza predominante.

Mas, por que esses alunos não se reconhecem como negros? A resposta se inicia com o

processo de branqueamento pelo que passou a população brasileira após a abolição da escravatura.

O governo promoveu a imigração maciça de europeus considerados agentes mais eficazes de

acelerar a passagem do Brasil agrícola e rural para o capitalismo industrial e urbano. O Brasil do

pós-abolicionismo colocou o negro de lado. Aliada a esse fato, dados do IPEA indicam o fosso

existente entre a população afrodescendente e a não negra, restando aos negros patamares mais

baixos da pirâmide social. Ainda por cima a atuação da televisão e da publicidade reproduzem os

padrões de beleza dos astros e estrelas de Hollywood (LOPES, 2008).

Por essas e outras razões não citadas existe uma resistência por parte de alguns alunos

de não se identificarem como negros e tomarem uma atitude negativa contra uma colega de

escola. Os alunos não se viram representados pela colega, e, talvez, se sentiram confrontados

com a ideia de quem são eles próprios. São muitas questões que são colocadas a respeito

deste assunto e o problema do preconceito é patente, mesmo quando se vê a ascensão social

de negros em nossa sociedade.

Por outro lado, o conceito de etnicidade também é contra a tendência à reificação e

objetivação do conceito de cultura como base de identificação dos grupos étnicos. Aqui está

a contribuição de Fredrik Barth que identifica como foco central da investigação dos grupos

étnicos a fronteira étnica que define o grupo, em detrimento do conteúdo cultural por ela

delimitado (LIMA; CASTILHO, 2010). O melhor termo a ser utilizado é etnicidade em lugar

de culturas para designar a construção dinâmica de fronteiras naturalizadas como diferenças

culturais (BARTH, 1995 apud PAYET, 2005).

Parece difícil conceber a ideia de fronteira cultural dentro da escola, mas, ela está presente,

tanto fora como dentro dela. Segundo Payet (2005) a fronteira vai sendo construída e depois

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cristalizada nos domínios simbólicos e visíveis como na mídia, na política e também na escola.

Todavia, não são estáticas e impermeáveis, por meio delas existem contatos e interações, com

fluxos e contrafluxos como coloca Hannerz (1997), inclusive com a presença de conflitos sociais.

Considerações Finais

A partir dos estudos realizados deste artigo percebemos o quanto foi custoso todo o

processo de inserção da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena no contexto

educacional brasileiro. Não somente em relação à legislação, mas, e principalmente, da

resistência encontrada na sala de aula por parte dos professores e das dificuldades devido à

falta de materiais didáticos. A Lei nº 10.639/03 não é somente uma questão curricular, ela é

também uma questão sociocultural, uma vez que não dispomos de meios que nos permitam

afirmar ter havido as discussões necessárias para esse entendimento. Não é o bastante criar

uma lei quando ela parece não vir de encontro às necessidades reais.

É necessária uma atuação ativa na desconstrução de estereótipos e preconceitos

relacionados ao ensino da História Africana e Indígena, devendo ser compreendido como

necessário para dar um passo adiante na tentativa de inserção da trajetória histórica dos

antepassados de parte considerável da população brasileira. Não existe um manual a ser seguido

para tratar do tema das relações étnico-raciais na escola, muito embora seja um tema obrigatório

e de essencial importância de ser debatido. Existe uma dificuldade de se discutir o tema na escola

e a disciplina que mais se coloca à disposição para tratar do assunto é a Sociologia. Trata-se de

algo que professores de outras disciplinas de um modo geral não assumem essa tarefa para si.

E também o que não pode acontecer é do preconceito e o racismo ficarem impunes,

sendo necessário comunicar situações como essas às autoridades competentes para resolver

o caso. E por fim, o que não se pode permitir é que a escola torne um lugar para a manutenção

da desigualdade racial.

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