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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Fontolan, Velho, Costa. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 4(gt12):1-12 Videogames sob uma perspectiva de Sociologia da Ciência e da Tecnologia GT 12– Estudos Interdisciplinares da Imagem Marina Fontolan Léa Maria Leme Strini Velho Janaína Pamplona da Costa

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Videogames sob uma perspectiva de Sociologia daCiência e da Tecnologia

GT 12– Estudos Interdisciplinares da Imagem

Marina FontolanLéa Maria Leme Strini VelhoJanaína Pamplona da Costa

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Os videogames fazem parte de uma indústria que está crescendo muito, ultrapassando, na

atualidade, o desempenho de outras mídias no mercado de entretenimento (ESPOSITO, 2008: 171). Além

disso, é possível dizer que os videogames são, hoje, um importante produto cultural da nossa sociedade (Cf.

ESPOSITO, 2005), que se distancia muito do imaginário comum que vê tal mídia como objeto limitado ao

entretenimento infantil ou de pessoas antissociais. Partindo disto, o objetivo deste estudo é demonstrar

como a narrativa de um videogame de temática histórica está intimamente associada a determinados

valores sociais atuais.

Para cumprir esse objetivo apresento, primeiro, alguns aspectos teóricos que envolvem a pesquisa.

Depois, faço um estudo de caso com o jogo Ryse, son of Rome (2013), focando na reconstrução de três

regiões dele: a cidade de Roma, York (província da Britannia) e as terras além Muralha de Adriano. Por fim

destaco o papel da cidade de Roma no jogo, pensando sua relação com a sociedade atual.

Discussão Teórica

Para apresentar os aspectos teóricos que norteiam este estudo, dividi esta seção em duas partes. A

primeira traz uma discussão sobre Sociologia da Ciência e da Tecnologia1 baseada na estudiosa Sheila

Jasanoff e seus pensamentos sobre a relação entre ciência, tecnologia e sociedade. A segunda contém uma

breve discussão sobre teoria da história, o campo de estudo que procura entender as diversas teorias

existentes no conhecimento histórico.

É importante dizer que parto de um pressuposto teórico que a tecnologia está imbricada nos papéis

sociais de instituições e práticas das sociedades que a desenvolveram. Por isso, as esferas da tecnologia e do

social não devem ser separadas. Ou seja, não se deve separar o material do social, algo que, segundo

Jasanoff, é ainda muito comum em estudos ligados ao desenvolvimento de tecnologias. (JASANOFF, 2015:

2).

Em seu artigo “STS and Public Policy: Getting Beyond Deconstruction”, Jasanoff realça a necessidade

de recolocar as questões políticas da ciência e da tecnologia no centro dos STS. Para ela, integrar o

conhecimento aprofundado acerca dos bastidores da ciência e da tecnologia às instituições, práticas e

culturas que formam a fronteira entre ciência e tecnologia é fundamental para o desenvolvimento deste

campo de estudos. Aliás, Jasanoff argumenta em favor do uso do termo construtivismo. Ao destacar o lado

mais positivo da relação entre STS e políticas públicas, ela deixa claro que conhecimento científico, artefatos

tecnológicos e ordem social são esferas que estão imbricadas. Isto faz com que determinadas formas de

1 STS – Sigla em inglês para Science and Technology Studies.

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criação de conhecimento e/ou tecnologias estejam ligadas a valores e práticas culturais (JASANOFF,

1999: 65-69).

Além dessa discussão, é importante trazer à tona outra interessante ideia de Jasanoff, que é a

noção de Imaginários Sociotécnicos. Estes podem ser definidos pelo seguinte:

“Os imaginários sociotécnicos ocupam o espaço teoricamentesubdesenvolvido entre as imaginações coletivas idealistas,identificadas pelos teóricos sociais e políticos e as redes híbridas, maspoliticamente neutras, com as quais os estudiosos da STSfrequentemente descrevem a realidade. (...) Ao contrário de merasideias e modas, os imaginários sociotécnicos são coletivos, duráveis,capazes de serem realizados; Mas eles também são temporalmentesituados e culturalmente particulares”.2 (JASANOFF, 2015: 19 –Tradução Minha)

Essa noção é essencial para a discussão do estudo de caso escolhido. Afinal, desenvolvemos

uma tecnologia baseada na ideia do que a sociedade atual pensa que significa entretenimento e, por

meio dela, passamos a reafirmar seus valores por meio de narrativas. Podemos exemplificar, aqui,

com o próprio jogo Ryse, son of Rome. Afinal, ele foi criado com base naquilo que a sociedade

considera entretenimento: um jogo com hordas de inimigos para lutar e matar, que se passa na

antiguidade romana.

A História é uma disciplina que cria discursos sobre o passado, de modo a responder questões

do presente. Assim, temos uma forma de estudo capaz de selecionar aquilo que se quer lembrar de

um determinado período para legitimar o próprio presente. Os historiadores não são os únicos a criar

discursos acerca do passado histórico, embora carreguem grande responsabilidade em relação a este

assunto. Governos, grupos sociais e até produtores de videogames podem criar sua própria versão

daquilo que é o passado histórico, uma vez que estão dentro das lógicas discursivas criadas pela

sociedade atual. Em outras palavras, o contexto no qual estão inseridos tanto os historiadores

profissionais quanto não-historiadores é fundamental para refletir acerca de quais questionamentos

em relação ao passado estão sendo feitos (Cf. VASCONCELOS, 2000). Isso faz com que, o passado ou,

2 Original: “Sociotechnical imaginaries occupy the theoretically undeveloped space between the idealistic collective imaginations identified by social and political theorists and the hybrid but politically neutered networks or assemblages withwhich STS scholars often describe reality. (...) Unlike mere ideas and fashions, sociotechnical imaginaries are collective, durable, capable of being performed; yet they are also temporally situated and culturally particular”.

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melhor dizendo, os passados também possam ser utilizados para legitimar poderes e determinados

discursos acerca de outras culturas.

Nas duas esferas teóricas apresentadas, fica notória a relação: o passado e a tecnologia são

construtos sociais e isto faz com que as escolhas sobre como desenvolver uma narrativa num

videogame, por exemplo, acabe trazendo características desta sociedade. Neste sentido, o estudioso

Simon Gottshalk (1995: 3) faz o uso do termo Videologia (Videology em inglês), que leva em conta

que os jogos são objetos culturais, agentes de sociabilidade e, portanto, portadores da ideologia

dominante.

O estudo de caso

Como há mais de 300 títulos de videogames com cenários históricos, faz-se necessário realizar

escolhas. Para este estudo, decidi realizar uma análise do jogo Ryse, son of Rome, desenvolvido pela

alemã Crytek e publicado pela Microsoft Studios. Este jogo foi desenvolvido para ser exclusivo para

Xbox One e lançado em 2013, mas só ganhou uma versão para ser jogado em computadores em

2014. Sua escolha deu-se por este ser um dos primeiros jogos desenvolvidos para consoles da nova

geração e por ter sido aclamado pela crítica por sua qualidade gráfica e muito criticado por sua

narrativa.

Neste jogo, vivemos a história de Marius Titus, um jovem soldado romano que seria enviado a

um posto em Alexandria. Seu retorno à casa de sua família traz grande felicidade a seu pai Leontius.

Mas, em um ataque de bárbaros à casa, sua mãe e irmã morrem, fazendo com que Marius e Leontius

saiam pelas ruas de Roma, buscando vingança pela morte de ambas. Quando chegam ao Fórum,

Leontius também é assassinado, criando um forte desejo de vingança em Marius, que é convidado a

se unir à XIV Legião e buscar aquilo que deseja.

Assim, Marius é levado à fonte do ataque bárbaro, a Britannia, onde terá que enfrentar um

grande exército de bárbaros para fazer o Rei Oswald e sua filha guerreira, Boudica, se renderem.

Neste contexto, conhecemos mais um personagem da trama: Basilius, um dos filhos do imperador

Nero, que lhe impõe a missão de encontrar seu irmão e governador da Britannia, Commodus. Este

fora sequestrado pelos bárbaros e levado para além da Muralha de Adriano. Por sorte, Marius

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consegue libertar Commodus dos bárbaros e este ordena que o Rei Oswald seja morto, causando

uma nova comoção em Marius, que recebe a missão de salvar o Império Romano por meio da morte

do Imperador e de seus filhos.

Ao retornar a Roma, Marius começa sua perseguição, primeiro conseguindo de Basilius a

permissão de lutar contra seu irmão, Commodus, no coliseu e, claro, já o assassinando. No coliseu,

Marius revive a reinvasão dos romanos à Britannia, contada sob a narração do próprio Commodus,

que é assassinado na arena. Por fim, Boudica lidera uma nova invasão bárbara à Roma e é

assassinada por Marius. Por fim ele consegue, numa emboscada que custa sua própria vida, matar o

imperador Nero.3

Para a análise deste jogo, mostrarei algumas imagens do cenário dele, indicando onde cada

uma delas se encontra e fazendo uma descrição de cada uma delas:

Imagem 1 – Uma das muitas praças em Roma - Printscreen do Jogo Ryse, son of Rome

3 Para assistir o desenrolar do jogo por meio das cutscenes: https://www.youtube.com/watch?v=rLh0wMcCT68,acessado dia 05 de Dezembro de 2016. As partes cortadas do jogo correspondem às jogáveis, que são, literalmente, hordas de inimigos em sua direção para uma luta.

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Imagem 2 – Cena Final, imagem aérea de Roma - Printscreen do Jogo Ryse, son of Rome

Como se pode notar nas imagens 1 e 2, Roma é construída como uma cidade monumental. Ela

possui grandes construções, todas muito organizadas e com prédios relativamente altos e bem

estruturados, fazendo com que a cidade fique agradável ao olhar. Além disso, é um local é muito

limpo, branco e organizado, mostrando os ideais de higiene para qualquer cidade no mundo, sendo

na antiguidade ou na atualidade.

Imagem 3 – Cidade de York - Printscreen do Jogo Ryse, son of Rome

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Imagem 4 – Palácio do governador da Britannia, na cidade de York - Printscreen do Jogo Ryse, son of Rome

As imagens 3 e 4 mostram uma região conquistada pelos romanos, a Britannia. Mais

especificamente, a cidade de York, que fica próxima ao Muro de Adriano, um marco que divide o final

das conquistas romanas na região daquelas que ainda não foram conquistadas. As imagens mostram

uma cidade que procura, de toda a forma, copiar os trejeitos de seus conquistadores, com prédios

altos e razoavelmente organizados. No entanto, eles não chegam perto do que é Roma: uma cidade

suja, escura, seus prédios não são altos de uma forma suntuosa, temos a impressão de que eles

foram empilhados. Aliás, isto fica ainda mais claro ao olharmos a imagem 4, que mostra o palácio do

governador. Este é o único local que conseguiu se tornar uma cópia perfeita do que Roma é:

suntuosa, branca, organizada e limpa.

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Imagem 5 – Terras além do Muro de Ariano - Printscreen do Jogo Ryse, son of Rome

Ao nos depararmos com a região do jogo ainda não dominada pelos romanos, temos a

imagem 5. Aqui, notamos que não há nenhum indício de grupos organizados, nem algo que se pareça

com uma cidade. A única construção apresentada nesta região é um minotauro feito em madeira, de

forma bem rústica, que será utilizado mais tarde na narrativa do jogo num ritual para matar o

governador da província.

Podemos ressaltar que há uma grande diferença entre as três regiões apresentadas. Roma é

uma cidade monumental, branca, limpa e organizada. York busca imitar a capital do império,

tentando trazer a monumentalidade e a organização como pontos chave, mas a única parte da cidade

que realmente lembra Roma parece ser o palácio do governador. As terras para além da Muralha de

Adriano, ainda não conquistadas pelos romanos, sequer possuem construções fixas.

Videogame, História, Tecnologia e Sociedade: uma leitura

Feita a apresentação do estudo de caso, com a descrição de algumas cenas, podemos

aprofundar as leituras a respeito da narrativa. Da mesma forma que a discussão teórica, esta análise

será dividida em duas partes. A primeira, mais voltada à história busca entender o contexto sócio-

cultural da antiguidade e as escolhas realizadas pelos produtores do jogo. A segunda parte do ponto

de vista dos imaginários sociotécnicos e busca entender a relação entre os elementos da narrativa do

jogo e alguns valores da sociedade atual.

Ao olharmos as imagens do jogo, ficamos com o questionamento: quais as razões para que

essas escolhas tenham sido feitas? Ao pensar sobre a cidade de Roma em si, dois estudiosos de

cinema, Oscar González Camaño (2015) e Oscar Lapeña Marchena (2008), apresentam ideias

interessantes. O primeiro nota que Hollywood criou algo, que ele chama de “Hollyrome”, definida por

ser uma Roma branca, imaculada e cheia de luxuosos e reconhecíveis monumentos (CAMAÑO, 2015:

3). Marchena chama a atenção para outro aspecto do uso da cidade antiga no cinema:

“Dentro da percepção e recepção da imagem – no sentido literal efigurado -, da Antiguidade no âmbito da cultura de massas atravésda indústria cinematográfica e televisiva, a cidade desempenhaum papel fundamental, não se limitando a criar unicamente um

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contexto espacial onde situar a trama; mas (...) serve para reforçaruma determinada ideia sobre as sociedades do Mundo Antigo(...)”.4 (MARCHENA, 2008: 232 – Tradução Minha)

Mesmo que ambos os autores supracitados falem de uma perspectiva do cinema, suas leituras

podem muito bem ser utilizadas para o objeto de estudo aqui analisado. Como pudemos notar, pelas

imagens, Roma é esta grandiosa cidade, que não pode ser comparada a nenhuma outra, sobretudo

se considerarmos as regiões do mundo que os romanos não conquistaram.

Se levarmos a ideia de Marchena em consideração, então, será preciso fazer duas perguntas:

qual a ideia que se tem da cidade de Roma no jogo Ryse, son of Rome? Quais ideias sobre o mundo

antigo estão sendo reforçadas por ele? No primeiro caso, a resposta é fácil: temos uma cidade, no

mínimo, colossal. Afinal, ela é cravada de grandes monumentos, todos no mais puro branco; suas

casas são mais coloridas em seu interior, todas na maior limpeza e organização. Em outras palavras,

Roma aparece como uma cidade exemplo. Esta percepção começa a responder nossa segunda

pergunta - sobre o reforço de nossas ideias sobre o mundo antigo – e se relacionada com o conceito

de Humanitas.

Segundo o estudioso Renato Pinto, o termo Humanitas já aparece desde alguns escritos de

filósofos gregos. No entanto, ele teria sido muito mais utilizado no século I a.C. sob os seguintes

significados:

“(...) um conjunto de ideais que deveriam ser aspiradas por todos,demarcando o que era ser um romano, especialmente, mas nãosomente, da aristocracia. Tal concepção dava uma validade‘natural’ e universal ao romano, qualificando-o para governar,legitimando seu poder. (...) Humanitas carregava uma claraprescrição, e lograva diferenciar aqueles que à ela aderiamdaqueles que não a possuíam. Humanitas era um fator identitárioque procurava manter ativas as classificações de discriminaçãocultural. (...) Embora alguns autores latinos admitissem que seuconceito fora concebido na Grécia, cabia aos romanos levá-la aoresto do mundo, difundí-la”. (PINTO, 2007: 237)

4 “Dentro de la percepción y recepción de la imagen – en sentido literal y figurado -, de la antigüedad en el ámbito de la cultura de masas a través de la industria cinematográfica y televisiva, la ciudad desempeña un papel fundamental, no limitándose a crear únicamente un contexto espacial donde situar la trama; sino que (...)sirve para reforzar un determinado juicio acerca de las sociedades del Mundo Antiguo (...)”.

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Ora, ao olharmos, novamente, para a Roma do jogo Ryse, son of Rome junto com este estudo

sobre o significado de Humanitas, temos uma possível resposta a nossa segunda pergunta colocada.

Se Roma é retratada de forma suntuosa, limpa, branca e organizada, ela é tida como uma espécie de

modelo a ser seguido pelos demais. Isto dá à ela o papel de difusora de todo esse esplendor a outras

terras, justificando, assim o imperialismo romano ante outras regiões do mundo antigo. Afinal,

podemos notar pela análise das imagens do jogo que York está buscando se tornar romana, embora

não esteja conseguindo em todo o seu esplendor. Essa leitura se torna ainda mais clara ao olharmos

para os territórios não anexados pelos romanos, que ainda vivem na mais completa falta de

desenvolvimento. O jogo reforça, portanto, a ideia do imperialismo romano como algo positivo às

demais sociedades da antiguidade.

A partir desta leitura, mais histórica, podemos voltar à Sociologia da Ciência e da Tecnologia,

sobre imaginários sociotécnicos. Com base nela, notamos que a tecnologia é uma construção da

sociedade e os conteúdos dos videogames e nossas interpretações sobre o passado não estão fora

desse escopo. Isto faz com que ambos reiterem valores e práticas culturais da atualidade.

A discussão consegue, então, ser mais aprofundada. Afinal, temos um jogo que mostra Roma

como a detentora de uma chama civilizadora, que precisa passar para os demais. Essa ideia nos leva

ao pensamento de um estudioso como Toles, que afirma que os videogames “(...) permitem uma

expressão sutil de perceber como uma realidade consensual é mantida pela cultura. Os jogos servem

como extensão ao homem social, dando novos significados às estruturas sociais (...)” 5 (In

GOTTSCHALK, 1995:4 – Tradução Minha).

A relação entre ambas as esferas torna-se, então, a seguinte: temos um jogo que exalta o

imperialismo, mostrando como ele pode trazer vantagens aos colonizados, ainda que esta não seja

total, como vimos no caso de York. O jogador consegue perceber esta clara construção, que é, ainda,

bem presente na atualidade, mas lhe dá novos significados, como, por exemplo: o custo de se tentar

apenas imitar uma região mais desenvolvida sob pressão colonialista. Assim sendo, o jogador pode

conseguir criar um imaginário sobre os diferentes significados do imperialismo, uma vez que ele pode

usufruir dos videogames não apenas como mídia de entretenimento, mas como uma tecnologia

capaz de fazê-lo repensar sobre alguns aspectos da sociedade atual.

5 Original: “(...) allows for a subtle expression of the ways of perceiving consensual reality held by a culture. Games serve as extensions of social man [sic], giving new meanings to social structures (...)”.

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Considerações Finais

Portanto, ao pensarmos o papel de Roma Antiga no Ryse, son of Rome nos permite notar que

ela atua como um elemento que vai além de uma mera decoração ou da criação de um local para que

os personagens possam ser contextualizados. A própria cidade se torna quase um personagem extra

na trama, tanto como símbolo de poder, como forma que deve ser copiada e de um símbolo de abuso

e perdições, que clama por ser salva por seus próprios cidadãos.

É importante pensar o jogo para além de sua própria narrativa, incluindo também a de

imaginários sociotécnicos. Afinal, foi através dela que tivemos a possibilidade de fazer outras leituras,

para além das interpretações históricas e da relação entre passado e presente. A noção de que a

tecnologia é uma construção social e que podemos nos utilizar dela para reafirmar valores sociais foi

fundamental para a minha percepção de um jogo como Ryse, son of Rome, como uma alternativa

para repensar as representações do imperialismo na sociedade atual.

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