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VIII Encontro da ANDHEP
“Políticas Públicas para a Segurança
Pública e Direitos Humanos”
GT05
Estatísticas, Segurança
Pública e Direitos Humanos
28 a 30 de abril de 2014
São Paulo – SP
Faculdade de Direito da USP
ISSN: 2317-0255
Anais do VIII Encontro da ANDHEP ISSN: 2317-0255
1287
AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO PROGRAMA DE INCLUSÃO SOCIAL DE
EGRESSOS DO SISTEMA PROSIONAL EM MINAS GERAIS
Talita Egevardt de Castro1
Letícia Alves Tadeu Santiago2
Felippe Clemente3
1. INTRODUÇÃO
Uma análise das estatísticas da criminalidade no Brasil revela o quão
preocupante tornou-se esta temática. Waiselfisz (2013) aponta que de 1980 a 2010
cerca de 800 mil pessoas morreram por arma de fogo, um crescimento de 346,5%. O
maior impulsionador do crescimento desta estatística foi o homicídio, que aumentou
502,8%. Em relação às regiões brasileiras, apenas a região Sudeste apresentou uma
diminuição na mortalidade por armas de fogo, entre 2000 e 2012. Entretanto, Minas
Gerais foi o único estado desta região que apresentou significativo aumento de óbitos
dessa natureza, um crescimento de 64,2%, contudo, a partir de 2007 houve uma
inflexão nesta tendência.
A figura 1 evidencia a evolução histórica da taxa de encarceramento no estado
de Minas Gerais. Ela mostra que, entre 1993 e 2006, a taxa saltou de 68 presos por
100 mil habitantes para 163 por 100 mil, representando um crescimento superior a
140%. O ritmo de ascensão da taxa acelerou-se entre 1998 e 2002, mantendo-se no
mesmo patamar no quadriênio seguinte.
1 Estudante de mestrado em Economia Aplicada do Departamento de Economia Rural da Universidade
Federal de Viçosa (DER/UFV). E-mail: [email protected].
2 Estudante de Mestrado em Economia Aplicada do Departamento de Economia Rural da Universidade
Federal de Viçosa (DER/UFV). E-mail: [email protected].
3 Estudante de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia Rural da Universidade
Federal de Viçosa (DER/UFV). E-mail: [email protected].
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Figura 1 – Evolução da taxa de encarceramento – Minas Gerais, 1993-2006
Fonte: Sapori (2012).
O problema da criminalidade tornou-se de tal proporção que tem sido objeto de
estudos de diversas ciências, tais como, Economia, Direito e Sociologia, que têm em
comum a elaboração de políticas públicas que, de fato mitiguem o problema. São
necessárias ações coordenadas do estado e da sociedade que visem propor políticas
públicas sejam capazes de estimular o desenvolvimento econômico e social,
promovendo o aumento do Bem-estar social.
Prover segurança pública é o grande desafio do Estado e da sociedade. Parte
deste desafio relaciona-se com o sistema prisional brasileiro, que não fornece
condições de reinserção4 e reeducação do egresso à sociedade. Sabe-se que a
reincidência no Brasil é alta e levantamentos apontam para uma taxa entre 60 e 70%
(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇAO, 2009).
Nesse sentido, faz-se necessário, políticas públicas direcionadas para a
segurança, que mitiguem o problema da criminalidade, bem como, da reincidência
criminal.
As políticas públicas que visam a prevenção da criminalidade atuam em três
níveis: a prevenção primária que consiste em fazer intervenções em localidades com
maior incidência de crimes, com medidas socioeducativas e de prevenção; a
prevenção secundária possibilita às pessoas que cometeram crimes, cumprirem penas
ou medidas alternativas em instituições sociais como uma medida de redução da
reincidência; enquanto a prevenção terciária direciona-se para a redução da
4 Por reinserção social entende-se como a ajuda dada a infratores durante o reingresso na sociedade
e/ou ainda, o período que vai desde a acusação até a libertação (NAÇÕES UNIDAS, 2010).
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1993 1998 2002 2003 2004 2005 2006
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reincidência, trabalhando diretamente com aqueles que se envolveram com a violência
(SEDS, 2014).
Assim, algumas intervenções que objetivam o controle e prevenção da
criminalidade são: Operação Cease Fire em Boston, Programa Tolerância Zero em
Nova York, Programa Segurança Cidadã na Colômbia, e no Brasil destacam-se os
programas Fica Vivo, Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional
(PRESP), Paz nas Escolas, Bolsa Família, Programa Associação de Proteção e
Assistência aos Condenados (APAC), Programa Patrulha de Prevenção Ativa (PPA),
dentre outros.
Observa-se que certas intervenções têm obtido êxito na redução da
criminalidade e/ou da reincidência. Braga et al. (2001) analisaram o efeito da operação
Cease Fire em Boston, cujo objetivo é reduzir a violência com armas de fogo e os
homicídios de jovens. Os autores constataram uma redução mensal de 63% no
número de homicídios de jovens e de 25% no número de assaltos com armas em toda
a cidade.
Tollenaar et. al. (2013) estimaram o impacto da medida ISD5 (Inrichting voor
Stelselmatige Daders) na Holanda, no período de 2004 a 2008. Os autores
observaram que a intervenção contribui para a redução da reincidência e do crime.
Julião (2010) avaliou o impacto da educação e do trabalho como programas de
reinserção social no Rio de Janeiro. O autor identificou que o trabalho e o estudo têm
importantes contribuições na reinserção social de apenados, contribuindo com a
redução da reincidência.
Andrade e Peixoto (2007) realizaram uma avaliação econômica de nove
programas dessa natureza. Os resultados obtidos apontaram que, no geral, os
programas de prevenção secundária apresentam os menores dispêndios por crimes
sérios evitados seguidos do programa PPA. O programa Bolsa Família apresentou um
dispêndio por crime sério evitado de cerca de R$ 11.000,00, esse alto valor pode ser
explicado pelo tempo de duração do programa e por ele assistir uma grande parcela
da população pobre brasileira. Dos programas de prevenção terciária, o APAC foi o
mais custoso. Entretanto, ao se comparar os custos do condenado nesse programa ao
custo do sistema prisional tradicional revela-se que o custo da APAC é cerca de um
quinto do custo do sistema prisional tradicional. Isso mostra que programas voltados
para o controle e a prevenção da criminalidade têm um custo benefício considerável
aos cofres públicos e a população, pois além de custarem menos do que a
5 Para maiores detalhes ver Tollenaar et. al. (2013).
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manutenção de presos nas penitenciarias, oferecem maior bem estar às pessoas, uma
vez que menos crimes são praticados.
Peixoto et al. (2008) analisou especificamente o impacto do Programa Fica
Vivo na prevenção e controle da criminalidade. O objetivo principal do programa é a
redução dos homicídios em áreas de alta concentração. Os resultados mostraram que
o programa tem impacto positivo na maior parte das áreas tratadas, sendo que, em
algumas áreas sua atuação determina uma redução da taxa de homicídios e em
outras desacelera o crescimento. O local onde o resultado do Fica Vivo apresentou-se
mais efetivo foi na área piloto de implantação, Morro das Pedras, que registrou de 12 a
18 homicídios evitados a cada cem mil habitantes, no primeiro semestre, em relação
ao grupo de comparação.
O estado de São Paulo apresentou na última década uma significativa redução
dos índices de criminalidade, especificamente na taxa de homicídios (GOERTZER e
KAHN, 2009, CERQUEIRA, 2010 e SANTOS, 2012). Dentre as causas para a redução
dos homicídios, Santos (2012) menciona a política de desarmamento, executada em
2001 e ampliada pelo Estatuto do Desarmamento, em 2003; melhoria do desempenho
da política e melhoria nas condições econômicas, como a redução do desemprego e
aumento do salário real. A melhoria das condições do mercado de trabalho reduz o
custo de oportunidade do crime e pode também reduzir a reincidência criminal.
Além das políticas de controle da criminalidade, são necessárias políticas
voltadas para os egressos do sistema prisional, fornecendo-lhes condições de
socialização. Desta forma, foi criado em 2003, no estado de Minas Gerais, o Programa
de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PRESP), que visa promover
condições para a inclusão social dos egressos do sistema prisional distanciando-os
das condições que contribuem com a reincidência. O programa tem por objetivo
diminuir as exclusões e estigmas decorrentes da experiência de reclusão, promovendo
condições para a retomada da vida em liberdade.
Com isso, esta pesquisa tem como objetivo avaliar o impacto do PRESP na
reincidência dos municípios em que o programa está ativo e verificar se o programa
contribui com a integração social dos egressos, de modo que o programa possa ser
replicado em outras localidades.
Ações como esta são muito importantes para criar a possibilidade de uma
diminuição das condições favoráveis a permanência ou inserção dos indivíduos na
vida criminosa, por isso acredita-se que o PRESP contribuiu com a diminuição dos
índices de criminalidade no estado de Minas Gerais, e através dessa motivação
objetiva-se analisar o real impacto desse programa nos índices de crimes contra o
patrinômio e contra as pessoas, em que o programa está ativo.
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Esta pesquisa, além desta introdução contém outras 5 seções. Na seção
seguinte é apresentada uma descrição do programa, enquanto na seção 3 faz-se um
breve comentário acerca da teoria pertinente à criminalidade. Na seção 4 é
apresentado o método utilizado para a estimação. Posteriormente, são descritos os
resultados, culminando com as considerações finais desta pesquisa.
2. O PROGRAMA DE INCLUSÃO SOCIAL DE EGRESSOS DO SISTEMA
PRISIONAL
De acordo com a Comissão de Formação Teórica e Prática do PRESP (2013),
o programa foi fundado em 2003, a partir do decreto 3.498, com suas atividades
iniciadas nos municípios de Ribeirão das Neves, Contagem e Juiz de Fora. A partir do
segundo semestre de 2005 o Termo de Parceria entre a Secretaria de Estado de
Defesa Social (SEDS) e o Instituto Elo, o programa foi expandido para mais oito
municípios mineiros: Belo Horizonte, Betim, Santa Luzia, Ipatinga, Governador
Valadares, Montes Claros, Uberlândia e Uberaba.
O Centro de Defesa da Cidadania (2014) menciona que o PRESP atua na
prevenção terciária, isto é, especificamente para pessoas que sofreram processos de
criminalização e cerceamento de liberdade, e visa diminuir as exclusões e estigmas
decorrentes dessa experiência, promovendo condições para sua retomada à vida
social, mediante inclusão do indivíduo e de sua família. Para isso o programa conta
com uma equipe composta por profissionais e estagiários das áreas de Direito,
Psicologia e Serviço Social. O Programa busca ir além da determinação legal, porém
parte desta como obrigação mínima sob sua responsabilidade. De acordo com a Lei
de Execução Penal - LEP2/:
Art 25. A assistência ao egresso consiste:
I – na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade;
II – na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento
adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses;
Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma
única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o emprenho na obtenção
de emprego.
Em 2010, houve 16.826 atendimentos e, em 2011, 17.966. Já em 2012, esse
número passou para 20.082. De acordo com a SEDS (2014), todos os anos, cerca de
3.200 novos egressos do sistema prisional mineiro se inscrevem no programa.
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A Lei 18.401, de 2009, possibilita ao governo de Minas Gerais subsidiar
empresas que empregarem pessoas egressas do sistema prisional do Estado com um
repasse de dois salários mínimos mensais para cada ex-detento durante período de
24 meses. A cada ano, desde sua criação, o projeto vem beneficiando cada vez mais
pessoas. Em 2010, 223 egressos foram encaminhados às empresas parceiras; em
2011, 350; em 2012, esse número subiu para 623 (SEDS, 2014).
O trabalho do programa é realizado em parceria com as demais políticas
setoriais como educação, saúde, assistência, trabalho, cultura, entre outros, pois se
compreende que em traços gerais o público atendido é também público das demais
políticas sociais e, por essa razão, a intersetorialidade para o trabalho é determinante
(CENTRO DE DEFESA DA CIDADANIA, 2014).
3. REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo Cerqueira e Lobão (2003), os estudos sobre as causas da
criminalidade se desenvolveram em duas principais direções: as motivações
individuais e os processos que levariam as pessoas a se tornarem criminosas e as
variações culturais e organizações sociais. Em relação às motivações individuais, os
autores observam que estas podem estar ligadas a possíveis patologias, na qual se
acredita que pessoas com determinados traços genéticos ou adquiridos seriam mais
propensas a cometerem crimes. Esta teoria foi muito abordada por Lombroso (1893),
mas no final da 2ª Guerra Mundial perdeu espaço devido ao seu caráter discriminante.
Já a segunda linha, que tenta justificar as causas da criminalidade, está ligada
a desordem social, que relaciona o ambiente que o indivíduo vive. De acordo com
essa linha existem sistemas de redes, formais ou informais, tais como as relações de
amizades, parentesco, dentre outros. Essas relações seriam condicionadas por
diversas variáveis, como: desagregação familiar, status econômico, heterogeneidade
étnica, urbanização e mobilidade residencial. Sendo assim, a criminalidade evolui
como consequência de efeitos indesejáveis na organização dessas redes de contato
em nível comunitário e das vizinhanças.
Outras abordagens sobre as causas da criminalidade também foram
difundidas, tais como, a teoria da anomia, teoria das atividades rotineiras, teoria
econômica da escolha racional6, entre outras. Contudo, devido ao seu caráter
multissetorial, não há uma teoria que julgue ser a mais correta para explicar tal
6 Para maiores detalhes ver Durkheim (1897), Merton (1938), Cohen e Felson (1979) e Becker (1968).
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comportamento, o que se sabe de fato é que esses estudos lançam luz sobre os
possíveis fatores que podem ser trabalhados pelos policy makers para prover aos
cidadãos maior qualidade de vida e consequentemente desenvolvimento social e
econômico.
No que tange o sistema carcerário, Helena e Marques (2014), arguiram que
com o entendimento garantista do crime, passou-se a considerá-lo como uma
descrição legal da conduta, sendo considerada criminosa a pessoa que viola o ajuste
social e a pena seria o limite retributivo de intervenção do Estado na liberdade do
sujeito. Já a questão da reincidência que no Código Penal não é mostrado o conceito,
mas somente a indicação das condições de sua verificabilidade (art. 63 Código Penal
(CP), e seus efeitos (art. 64 CP), as justificativas são dadas por inúmeras correntes,
que são: a teoria da dupla lesão; a teoria da periculosidade presumida; a teoria da
culpabilidade do ato; a teoria criminológica deriva do positivismo, sendo considerada a
que melhor explicita o modelo justificador.
De acordo com Homem (2013), um dos primeiros relatos sobre pena é muito
antigo, os indícios vieram da Lei de Talião e foram encontrados no Código de
Hamurabi por volta de 1.700 a.C. no reino da Babilônia. Estas penas estavam muito
ligadas a religião. Já a pena privativa de liberdade como pena principal apareceu pela
primeira vez na Idade Média, no final do século XVIII. O confinamento passou a
suceder a pena de morte, e a entidade carcerária passou a ter natureza de sanção
coerciva de caráter corregedor. Os registros do século XX apontam para a concepção
de projetos de ressocialização dos privados de liberdade, em que o sistema prisional
passa a ter uma visão mais crítica em relação a eles.
Segundo Baratta (2014), a reforma dos sistemas penitenciários vistos na
metade dos anos 70, deu-se sob a influência da ressocialização ou do “tratamento”
reeducativo e ressocializador como fim último da pena. Mas a realidade prisional está
muito distante daquilo que é necessário para fazer cumprir as funções de
ressocialização e os estudos dos efeitos da cadeia na vida criminal (atestam o alto
índice de reincidência) têm invalidado a hipótese da ressocialização do infrator através
da prisão.
O autor cita alguns pontos que podem servir como alternativa a prática
tradicional, de forma a corrigir a técnica do tratamento e ressocialização dos presos,
sendo um desses o cuidado à implementação dos benefícios proporcionados aos
condenados e ex-condenados, para tornar mais adequadas as condições de vida na
família, na sociedade e à estrutura das relações sociais para onde o apenado
regressa. É necessária a promoção de oportunidades de reinserção “assistida” em
outro meio diferente do original. Comprometer os organismos institucionais e
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comunitários com o trabalho de assegurar a qualificação profissional e a ocupação dos
ex-presos. E incentivar, na comunidade, a formação de posturas favoráveis à
reintegração dos ex-detentos.
4. METODOLOGIA
O principal desafio da avaliação de impacto de políticas públicas é definir o que
ocorreria se o grupo que recebeu o programa não o tivesse recebido (KHANDKER et
al., 2010). Nesta pesquisa, isso implica em determinar a taxa de reincidência nos
municípios que receberam o PRESP, na ausência desta política.
Para avaliar o impacto do PRESP será utilizado, o Propensity Score Matching
(PSM), que fará a escolha de um grupo de comparação, de acordo com as
características observadas que não são afetadas pelo programa. Segundo Peixoto
(2008), o uso do PSM permite minimizar o viés das características observáveis e de
ausência de suporte comum.
Dado que, o grupo de tratamento não é obtido de um experimento aleatório,
não é possível considerar os indivíduos que não receberam o programa como
contrafactual dos indivíduos que o receberam (PEIXOTO, 2008; BRYSON et al., 2002;
ROSENBAUM e RUBIN, 1983). Para tanto, deve-se selecionar um grupo que seja o
mais próximo possível de um grupo cujas escolhas foram aleatórias (KHANDKER et
al, 2010).
O PSM, desenvolvido inicialmente por Rosenbaum e Rubin (1983), consiste em
estabelecer um grupo de comparação tendo por base características observadas que
não são afetadas pelo programa. Segundo Gertler et. al. (2011), a partir destas
características observadas pode-se construir o melhor grupo de comparação para um
determinado grupo de tratamento. Desta forma, o PSM estabelece um grupo de
comparação a partir de um modelo de probabilidade de participação no tratamento T
condicionado a características observadas X: P(X) = Pr (T = 1│X) (KHANDKER et al.,
2010).
De acordo com Pinto (2012) a hipótese central do PSM é de que no vetor de
características observadas X estão contidas todas as informações relacionadas a um
possível resultado na ausência da intervenção Y(0) quando o indivíduo decide
participar ou não do tratamento: Yi(0) Ti│Xi. Uma segunda hipótese deste
método é a da sobreposição, isto é, o vetor de características observadas X dos
indivíduos tratados também representa as características dos indivíduos que não
receberam a intervenção: Pr[Ti = 1│Xi] < 1 (PINTO, 2012).
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Será utilizando um modelo Probit para calcular a probabilidade de um
determinado município participar do programa, para que posteriormente seja feito o
pareamento. A variável dependente é uma dummy que indicará se o município
participa ou não do programa (T = 1 para os municípios que participam e T = 0 para os
municípios que não participam). Os resultados representam a estimação da
probabilidade de participação no programa ( (X/T = 1) = (X)).
Para o modelo Probit, a seguinte equação foi estimada:
= (1)
Onde: = variável binária com 1 para os municípios que possuem o PRESP e 0
caso contrário; = gastos per capita com segurança pública = renda per capita = taxa de emprego no setor formal = reincidência = crimes contra a pessoa = crimes contra o patrimônio = erro aleatório
Depois de estimado o modelo Probit, o PSM fará o pareamento dos municípios
que possuem probabilidades semelhantes de participar no programa. Os critérios mais
utilizados segundo Kandheker et. al. (2010) para o pareamento são: Nearest-neighbor
matching (NNM), Radius a matching (RM), Stratification Matching (SM) and Kernel
Matching (KM). O critério que será utilizado para o pareamento é o de Kernel, pois um
risco que pode ocorrer com os demais métodos é que apenas um pequeno
subconjunto de indivíduos não tratados satisfaça a hipótese de pertencer a região de
suporte comum. Por outro lado, o KM utiliza uma média ponderada dos municípios que
não participam do programa para estabelecer o contrafactual de cada participante
(KHANDKER et. al., 2010).
Assim, segundo Khandker et. al. (2010) o efeito médio do tratamento será dado
por:
ATE = (2)
Onde:
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Nt é o número de participantes i e ω(i, j) é o peso usado para agregar os
resultados dos não participantes pareados j.
Da equação (2) infere-se que o efeito do tratamento médio é dado pela
diferença nos resultados do grupo tratado e do grupo de controle com o pareamento.
O grupo de tratamento é composto por todos os municípios que já receberam o
programa: Belo Horizonte, Betim, Contagem, Ribeirão das Neves, Santa Luzia,
Governador Valadares, Juiz de Fora, Ipatinga, Montes Claros, Uberaba e Uberlândia.
Enquanto que, o grupo de controle é composto pelos municípios com população
superior a cem mil habitantes, no ano de 2011, são eles: Araguari, Barbacena,
Conselheiro Lafaiete, Coronel Fabriciano, Divinópolis, Ibirité, Itabira, Muriaé, Passos,
Patos de Minas, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Sabará, Sete Lagoas, Teófilo Otoni,
Ubá, Varginha e Vespasiano. A escolha dos indivíduos que farão parte do grupo de
comparação será feita utilizando o PSM.
4.1 Fonte e tratamento dos dados
Os dados utilizados na presente pesquisa foram obtidos do Índice Mineiro de
Responsabilidade Social da Fundação João Pinheiro, para o ano de 2011. Foram
selecionadas as seguintes variáveis: gastos per-capita com segurança pública
(GPSP), renda per-capita (RPC), taxa de emprego do setor formal (TXE), reincidência
(reinc), taxa de crimes contra a pessoa por cem mil habitantes (CCPE) e taxa de
crimes contra o patrimônio por cem mil habitantes (CCPA).
A reincidência foi calculada com base na informação do Conselho Nacional de
Justiça (2014), de que o índice de reincidência é aproximadamente 70% no Brasil.
Assim, calculamos 70% do total de pessoas presas nos municípios.
5. RESULTADOS
Inicialmente são apresentadas as estatísticas descritivas do modelo, que estão
resumidas na tabela 1. As estatísticas mostram valores muito dispersos com relação
aos municípios.
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Tabela 1: Resumo das variáveis independentes
Variáveis explicativas Média Desvio-padrão
Máximo Mínimo
Gastos per-capita com segurança pública 3,84 7,39 25,86 0,00 Renda per-capita 345,11 203,32 1.163,61 94,51 Taxa de emprego do setor formal 35,93 13,14 81,11 13,18 Taxa de reincidência 0,82 3,05 16,10 0,00 Crimes contra a pessoa 58,04 37,79 176,31 10,39 Crimes contra o patrimônio 261,35 211,04 907,71 57,81
Fonte: elaborado pelos autores.
Nota-se que os gastos per capita em segurança pública variam de 0 a
aproximadamente R$ 26,00. Isso evidencia o descaso de algumas cidades com
relação à segurança dos seus habitantes. A variável renda per-capita também mostrou
valores bem dispersos (de R$ 94,51 a R$ 1.163,61). Isso pode impactar nos índices
de criminalidade dos municípios, uma vez que regiões mais ricas tornam-se
economicamente mais atrativas a roubos e furtos. A taxa de emprego no setor formal,
com média de 35,93, foi bem ampla, tendo municípios com taxa de 13% e outros com
81%. O efeito desta variável é ambíguo, pois mais emprego implica em custo de
oportunidade para o crime maior, no entanto, também implica em uma maior renda, o
que torna as vítimas mais atrativas. Com relação aos crimes, evidencia-se que o crime
contra o patrimônio tem uma média bem mais alta (261,35) do que os crimes contra a
pessoa (58,04). Os valores máximos e mínimos também estiveram em um intervalo
bem extenso. Isso pode ser explicado pelo fato dos crimes contra o patrimônio serem
mais notificados que os crimes contra a pessoa, devido às exigências das seguradoras
para o reembolso. Além disso, diversas vítimas não realizam a denúncia por
desacreditarem na eficiência do Estado para a punição do infrator ou por medo de
sofrerem novas perseguições.
Posteriormente, realizou-se a avaliação de impacto do PRESP, através da
estimação da probabilidade de receber o programa para posteriormente fazer o
pareamento dos municípios que receberam e dos que não receberam o programa. Na
tabela 2 estão descritas as estimativas do modelo Probit, considerando como variável
dependente igual a 1, o município que possui o programa e 0, caso contrário.
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Tabela 2: Estimativa da probabilidade de participação no PRESP Variáveis explicativas Coeficiente Efeito Marginal
Gastos per-capita com segurança pública 0,0600NS 0,0235NS
(0,72) (0,46) Renda per-capita 0,1641* 0,0064NS
(1,29) (0,54) Taxa de emprego do setor formal -0,2215* -0,0870NS
(-1,40) (-0,54) Taxa de reincidência -0,8199NS -0,3220NS
(-0,07) (-0,06) Crimes contra a pessoa -0,0323** -0,0127NS
(-1,78) (-0,56) Crimes contra o patrimônio 0,0222*** 0,0087NS
(2,25) (0,57) Fonte: elaborado pelos autores. *** Significância de 5%; ** Significância de 10%; * Significância de 20%; NS: não significativo. Nota: o Efeito Marginal no ponto médio foi estimado através do comando mfx do Stata 12.
Nota-se que os sinais obtidos dos coeficientes da renda per-capita, taxa de
emprego, crimes contra a pessoa e crimes contra o patrimônio foram os esperados.
Na literatura o efeito da renda é ambíguo, tendo em vista que, com uma renda maior, o
custo de oportunidade do indivíduo em cometer um delito é maior, no entanto, uma
renda per-capita mais alta torna as vítimas economicamente mais atrativas. A taxa de
emprego do setor formal com um coeficiente de -0,2215 indica que quanto maior a
taxa de emprego, menor a probabilidade do município receber o programa e, portanto,
ter uma taxa de reincidência mais alta. O coeficiente da variável de crimes contra a
pessoa, de -0,323 aponta que quanto maior este indicador, menor a probabilidade de
receber o programa. Uma justificativa para isso é que a possibilidade de
aprisionamento para crimes contra a pessoa é maior, pois, há maior esforço em
solucionar esse tipo de crime. Por outro lado, a variável crimes contra o patrimônio
apresentou um coeficiente de 0,0222 indicando que há uma maior probabilidade de
receber o programa. Uma justificativa é que em locais com maior numero de crimes
contra o patrimônio, pode haver maior organização por parte da sociedade, em exigir
uma solução para este evento.
As variáveis gastos per-capita em segurança pública e a taxa de reincidência,
bem como os efeitos marginais apresentaram coeficientes não significativos. Uma das
justificativas para este resultado relaciona-se ao banco de dados disponível para esta
pesquisa, que impossibilitou uma análise desagregada destes indicadores. Acredita-se
que uma análise desagregada em nível de bairros, por exemplo, poderia apontar
coeficientes mais robustos.
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A etapa seguinte consistiu em avaliar o impacto do PRESP na reincidência dos
municípios que já o receberam, através do cálculo do Efeito do Tratamento Médio
sobre o Tratado (ETMT). Após o pareamento, a amostra resultante constituiu-se de
seis municípios que não receberam o tratamento, que são igualmente comparáveis
com os onze municípios tratados. Os resultados podem ser observados na tabela 2.
Tabela 3: Estimativa do tratamento médio sobre os tratados (ETMT) em Minas Gerais no ano de 2011
Variável de resposta Diferença Erro-padrão t-stat p-valor
Taxa de reincidência 1,8450 1,4429 1,279 0,318NS
Fonte: elaborado pelos autores. (1) ETMT estimado pelo método de Kernel; (2) P-Valor obtido pelo erro-padrão estimado por bootstrap de 50 repetições; (3)NS: não significativo; (4) Hipótese nula: há diferenças entre a função de densidade dos grupos de tratamento e de controle com relação à variável de interesse.
Observa-se que a diferença entre o grupo de tratamento e de controle é 1,845,
porém esta não é significativa, rejeitando a hipótese nula de que existem diferenças
entre a função de densidade dos grupos de tratamento e de controle com relação a
variável de interesse. O resultado ao esperado pode ser justificado pelo banco de
dados disponível no estado.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das limitações de trabalhos na área de criminalidade consiste na
precariedade dos bancos de dados, que por vezes, têm qualidade duvidosa. Além
disso, há uma alta sub-notificação dos crimes, principalmente de roubo, furto e
estupro. Um outro problema concerne às informações de reincidência, sabe-se que no
Brasil esta taxa é alta, mas raras são as fontes desta informação. O Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) está finalizando o trabalho de reincidência
criminal demandando pelo Conselho Nacional de Justiça. Tão logo esses dados sejam
liberados, será realizada a atualização dos dados desse artigo. O estado de Minas
Gerais possui tais informações, entretanto os dados estão desatualizados e não são
muito confiáveis.
Como alternativa para trabalhos posteriores, seria considerar outras variáveis
socioeconômicas, tais como educação, que possibilitaria avaliar o impacto desta na
reincidência. Além disso, considerar um número maior de municípios do Estado
poderia ser uma alternativa para encontrar uma diferença entre o grupo tratado e o
grupo de controle. Outra análise poderia ser feita comparando a reincidência de Minas
Gerais com os demais estados da federação. Por fim, acredita-se que uma análise
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mais desagregada, em nível de bairros, ou setores censitários, poderia implicar em
resultados mais robustos.
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Prof. Antônio Roberto Santos Júnior, M.Sc. (Universidade Federal do Pará)
Prof. Edson Marcos Leal Soares Ramos, Dr. (Universidade Federal do Pará)
Profa. Maria Betânia Moraes Lisboa, M.Sc. (Universidade Federal do Pará)
Profa. Adrilayne dos Reis Araújo, M.Sc. (Universidade Federal do Pará)
Profa. Silvia dos Santos de Almeida, Dra. (Universidade Federal do Pará)
Desafio da Metodologia Informacional e a Gestão do Policiamento Preventivo da
Região Metropolitana da Grande São Luís – Maranhão
Palavras-chave: Métodos Estatístico-Informacionais, Políticas Preventivas, Gestão do
Policiamento.
Introdução
A ação preventiva a partir do policiamento ostensivo e de preservação da
ordem pública vem representar objetivos marcantes da Polícia Militar do Maranhão
(PMMA). Para atingir esses objetivos são necessários estudos e pesquisas além da
elaboração de um planejamento eficiente e eficaz nos diversos níveis dentro da
organização, por meio de dados catalogados e trabalhados de uma forma sistemática,
possibilitando, dentre outros, o mapeamento criminal da Região Metropolitana da
Grande São Luís (RMGSL).
É fundamental para a PMMA o tratamento adequado das informações
criminais, devido sua importância para a atividade policial, sendo que as diretrizes
propostas pelo Comando de Policiamento Metropolitano (CPM), por sua vez, devem
estar de acordo com estas. Em outras palavras, representa um olhar para o passado e
presente, com intuito de melhorar a prestação do serviço de segurança pública e a
confiabilidade por parte da comunidade.
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O crescimento sistemático da criminalidade no Estado do Maranhão e, em
particular na RMGSL, constatado a partir dos indicadores de crimes da última década,
é um dos fenômenos sociais que mais tem chamado atenção na sociedade
maranhense. Não se imaginava que o aumento da criminalidade nas suas múltiplas
modalidades pudesse gerar tanta preocupação social no sentido de se encontrar uma
forma de enfrentar esse grave problema social que atinge a população das cidades
membros da RMGSL (SANTOS, 2003).
Daí a necessidade de se buscar análises mais profundas baseadas em
todo o conhecimento teórico existente, de forma a se produzir informações fidedignas
as quais reiteram o real valor da sociedade, dos elementos que a compõem e do
ambiente no qual se está inserido.
Neste contexto, a PMMA deve procurar aprimorar e aperfeiçoar a utilização
de seus recursos de modo geral, dentre eles se têm as análises estatísticas a partir de
seus diversos métodos que são utilizadas para embasar os planejamentos de
policiamento e os diagnósticos da forma como se encontra a criminalidade na
sociedade local.
Os dados estatísticos criminais são meios que permitem verificar
tendências dos crimes, identificar modus operandi de criminosos, determinar quais os
locais, dias e horas e crimes que mais acontecem. Portanto, eles dão uma radiografia
da criminalidade em determinado local, o que possibilita a produção de planejamento
do policiamento mais coerente, dando prioridades a áreas mais afetadas pela violência
em consequência da criminalidade.
Sabe-se que uma avaliação consistente só poderá ser feita se existir um
tipo de marco referencial, que é o parâmetro, com critérios de julgamento da realidade,
e para tal se tem na proposta deste trabalho, a utilização do Centro Integrado de
Operações Policiais de Segurança (CIOPS) do Estado do Maranhão, como órgão
básico de captação de informações para utilização dessa ferramenta na atuação do
profissional policial militar.
A necessidade social busca atuação efetiva do aparelho estatal. Esta faz
com que as metodologias estatístico-informacionais aos poucos passem a fazer parte
de políticas públicas, auxiliando nos processos de organização e distribuição das
forças de segurança.
No Brasil, é recente a informação de que se passou a ter acesso integrado
a bases de dados de setores públicos de diversos entes, apesar desta não ser uma
tecnologia tão atual, ainda se têm órgãos policiais que muitas vezes usam anotações
em arquivos de papel e fundamentos empíricos para suas operações diárias (VIEIRA,
2001).
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O eixo central deste trabalho é desenvolver estudo na área de utilização
dos dados (métodos estatístico-informacionais) e da gestão desse conhecimento na
instituição PMMA em prol da atuação dos policiais militares, ambientados com o
mundo tecnológico e da informação, bem como do planejamento operacional
compatível com as conclusões retiradas dos dados observados. Com isto, o policial
militar não seria mais condenado a desenvolver seu trabalho repetindo procedimentos
arcaicos, empíricos, e de atuação muitas vezes fracassada, desgastando o policial e a
logística que está a sua disposição.
Método
Entre as atribuições do CIOPS está a integração das ações das Polícias
Militar e Civil e do Corpo de Bombeiros Militar para atendimento de ocorrências de
emergências, solicitadas pela população, bem com a centralização das informações
decorrentes deste serviço de forma a subsidiar as Unidades Operacionais no
planejamento, na tomada de decisões e na efetiva ação desses órgãos, contribuindo
para uma maior agilidade no atendimento ao cidadão e para consequente melhoria
dos serviços prestados à sociedade.
Além disso, o CIOPS é uma rica fonte estatística, já que todos os dados
recebidos são dispostos organizadamente, sendo separados por tipo, local, hora, área,
etc., podendo ainda, realizar cruzamento de dados, sendo muito útil dentro do
planejamento operacional da Polícia Militar. Assim podem ser observados e
identificados os locais mais problemáticos e com maiores índices de criminalidade,
possibilitando o desenvolvimento de ações mais eficientes e direcionadas aqueles
locais e problemas mais conhecidos. Deste modo, pode ser dito que o CIOPS é um
tipo de termômetro do crime e da criminalidade.
No CIOPS encontra-se a Central de Operações da Polícia Militar que
representa uma extensão do Comando de Policiamento Metropolitano, sendo
responsável pelo atendimento das solicitações de emergências geradas a partir do
telefone 190 relacionadas à PMMA.
Cada solicitação pelo telefone, fica registrada nos sistemas de
computadores do CIOPS, constituindo, assim, a partir das informações da sociedade
ao uso do 190 e por meio das comunicações com os policiais das viaturas da PMMA,
formando um conjunto de dados e informações sobre as ocorrências em determinado
período de tempo, constituindo a primeira base de dados oficiais e estatísticos da
Polícia Militar que posteriormente, por meio de exposições e análise dos resultados, e
expostos e por intermédio de relatórios, constituirão a Estatística Criminal do CPM.
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O CIOPS, de forma complementar, realiza o apoio estratégico nas ações
de policiamento, em que no âmbito administrativo agrega os serviços de
geoprocessamento das ocorrências com levantamento estatístico dos dados. Não se
pode, entretanto, usar esses registros apenas como depósitos de dados para consulta
eventual ou para apresentação de relatórios estatísticos aos escalões superiores.
A capacidade de descrever apropriadamente diversos atributos de um
conjunto, apresentando e caracterizando seus dados é a característica da análise
descritiva. As medidas de posição, dispersão e associação são as estatísticas mais
utilizadas para descrever os dados. Neste trabalho é utilizada estatística descritiva,
basicamente via tabelas e gráficos estatísticos (LEVINE et al., 1998).
Para Bussab e Morettin (2011), na estatística existem inúmeras
ferramentas descritivas, como gráficos, tabelas e medidas de síntese, como
porcentagens, índices e médias para organização e resumo dos dados, sendo que as
mais utilizadas são séries estatísticas, conhecidas também por tabelas, que tem por
finalidade, resumir em um quadro de laterais abertas um conjunto de observações,
conseguindo expor sinteticamente os resultados dos dados analisados relacionados a
fatores como tempo, local, fenômeno e especificação, e ainda, os gráficos que tem
como objetivo principal produzir no leitor uma impressão mais rápida e viva dos dados
de uma tabela, podendo ser na forma de barras, colunas, setores e linhas. Já as
medidas de tendência central ou de posição fornece uma descrição mais rápida e
compacta dos resultados para variáveis quantitativas.
No ano de 1935 surgiram as primeiras considerações acerca da Análise de
Correspondência (AC). Tais considerações influenciaram nos procedimentos
numéricos e algébricos que começaram a ser aplicados em diferentes contextos. Anos
depois, mais precisamente na década de 1960, o método foi redescoberto na França
onde até hoje é extensivamente utilizado como um método gráfico de análise de
dados. A partir de 1975, a técnica vem sendo utilizada em diversas áreas do
conhecimento, com publicações em diversos idiomas.
Análise de correspondência (AC) consiste em uma técnica de análise
exploratória de dados adequada para analisar tabelas de duas entradas ou tabelas de
múltiplas entradas, levando em conta algumas medidas de correspondência entre
linhas e colunas. O método, basicamente, converte uma matriz de dados não
negativos em um tipo particular de representação gráfica em que as linhas e colunas
da matriz são simultaneamente representadas em dimensão reduzida, isto é, por
pontos no gráfico (CUNHA JR, 1997).
Entre as diversas técnicas relacionadas com mapas perceptuais a AC
ocupa posição de destaque pela fácil aplicação e interpretação, além da versatilidade
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no tratamento de variáveis categóricas. Um mapa gráfico é gerado e permite o analista
visualizar as proximidades (similaridade ou dissimilaridades) entre os estímulos
propostos. As linhas e colunas de uma tabela são transformadas em unidades
correspondentes, o que acaba por dar nome à técnica “Análise de Correspondência",
modo que facilita sua representação conjunta (RAMOS et al., 2008).
A AC produz gráficos ricos em informação permitindo que o pesquisador
interprete facilmente as relações entre variáveis. O algoritmo da AC gera uma série de
matrizes que são aplicadas às linhas e às colunas de uma tabela de contingencia para
que sejam produzidas distancias interpontos, as quais possibilitam que o gráfico em
dimensões reduzidas seja gerado (HOFFMAN; FRANKE, 1986). Smith (1990)
demonstra que, as distancias entre as categorias-linha e as categorias-coluna
possibilitam a criação do gráfico de AC que representa as múltiplas relações
depreendidas em uma tabela.
Em estudos acerca de planejamento e governo desenvolvidos no Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Matus (1997) deixa bem claro que “ou
planejamos ou seremos eternos escravos das circunstâncias", uma vez que planejar é
sinônimo de conduzir conscientemente. Deixar o planejamento em segundo plano é
negar a possibilidade de escolher o futuro, é aceita-lo seja qual for.
Na visão de Jannuzzi (2004) os órgãos de segurança se tornam reféns da
improvisação uma vez que se rejeita o planejamento nas atividades governamentais.
Apela-se para o voluntarismo e a instituição cai em descrédito diante da opinião
pública. Contesta-se de imediato a eficiência das ações estatais no exercício de suas
funções, bem como seu compromisso com o bem estar da população. Dessa forma, a
produção de um diagnóstico socioeconômico revela a real situação de determinada
população e sua região, com análises descritivas e de correspondência, tabelas de
dados, georreferenciamento e, especialmente, indicadores específicos sobre vários
aspectos da realidade do local estudado.
Os primeiros estudos de Carley (1985) conceituam Indicador como uma
medida em geral quantitativa usada para substituir, quantificar ou operacionalizar um
conceito abstrato, seja para pesquisa acadêmica com interesse teórico seja para a
formulação de políticas, com caráter programático. Para este autor, os indicadores
permitem, a partir das escolhas teóricas e políticas anteriores, indicar, aproximar e
traduzir, em termos operacionais as dimensões sociais, econômicas ou de segurança.
Mediante o monitoramento das condições de vida, da conjuntura econômica e
qualidade de vida da população, os Indicadores possibilitam subsidiar o planejamento
público por meio da formulação de políticas.
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Bailey (1996) comenta que é necessário um conjunto independente de
indicadores para cada área de atividade das forças policiais, indicadores da atividade
operacional e indicadores da atividade investigativa. No caso específico do uso para
políticas preventivas resumem-se em indicadores de policiamento e de criminalidade.
Em seus estudos o autor mostra que em vários países as polícias realizam o trabalho
ostensivo preventivo passando boa parte do tempo em atividades que não se
relacionam diretamente ao controle do delito.
Os indicadores de atividade policial militar são modalidades que revelam a
atividade policial sob a ótica da prestação de serviço realizada de maneira planejada e
responsavelmente mensurada a partir de valores numéricos. Tais indicadores dizem
respeito à aplicação do policiamento na respectiva área geográfica.
Os indicadores de criminalidade são capazes de mensurar a atividade
criminosa em determinado espaço geográfico (Região Metropolitana, Zonas ou
Bairros). Para a construção desses indicadores os crimes são separados em
categorias e estas enumeradas para mensurar a incidência dos crimes por grupos de
100.000 (cem mil) habitantes. Os indicadores podem ser calculados em grupos
sociais, localidades específicas ou quaisquer outros critérios geográficos e sociais.
Jannuzzi (2004) mostra como são obtidos os Índices de Policial por
Habitante (IPH), o Índice de Homicídio (IH), o Índice de Roubo (IR) e o Índice de
Tráfico de Entorpecentes (ITE), indicando a relação existente entre o número total de
homicídios, roubos e tráfico de entorpecentes ocorridos em determinado território pelo
número total da população do referido espaço geográfico, tomando-se por grupos de
100.000 (cem mil) habitantes.
Para o presente estudo se utilizou como universo a RMGSL, também
conhecida como Grande São Luís, é composta por 8 (oito) municípios, a saber: São
Luís, São José de Ribamar, Raposa, Paço do Lumiar, Alcântara, Bacabeira, Rosário e
Santa Rita situados no estado do Maranhão. Juntos, perfazem uma população de
1.414.793 habitantes (IBGE, 2010).
Serão considerados apenas os 4 (quatro) municípios contínuos (São Luís,
São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar), visto que estão subordinados ao
Comando de Policiamento Metropolitano (CPM), ou seja, sob as mesmas forças
policiais da capital, ficando os demais municípios sob a competência do Comando de
Policiamento do Interior.
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Resultado e Discussão
Para exemplificar a aplicação das técnicas Análise Descritiva e Análise de
Correspondência estarão descritas estatisticamente as variáveis necessárias para
analisar o perfil dos delitos de homicídio, roubo e tráfico de entorpecentes na RMGSL,
no ano de 2011.
A Tabela 1 apresenta o percentual dos delitos de homicídio, roubo e tráfico
de entorpecentes ocorridos nas Zonas da RMGSL. Nela observa-se que a maior parte
dos homicídios (41,72%) e tráfico de entorpecentes (31,36%) ocorre na Zona Leste.
Entretanto, a maior parte do delito roubo ocorre na Zona Norte (30,72%).
O elevado grau de incidência de homicídios na Zona Leste se dá pelo fato
de que apenas 04 dos seus 142 bairros (Cidade Olímpica, Estiva, São Raimundo e
Cidade Operária) são responsáveis pelo registro de 54 (cinquenta e quatro) dos 429
homicídios em estudo no ano de 2011. Percentualmente somente esses bairros
representam 12,58% dos homicídios de toda a RMGSL.
Tabela 1 Percentual de Ocorrências Registradas pelo CIOPS do Maranhão, na RMGSL, em 2011, por Tipo de Delito versus Zona de Ocorrência.
Tipo de Delito Zona
Total Norte Sul Leste Oeste
Homicídio 17,95 19,58 41,72 20,75 100,00 Roubo 30,72 18,08 23,53 27,67 100,00
Tráfico de Entorpecentes 21,33 19,14 31,36 28,17 100,00
Do mesmo modo ocorre com o crime de tráfico de entorpecentes. Na Zona
Leste apenas 05 dos 142 bairros (Cidade Olímpica, Estiva, São Raimundo, Cidade
Operária e Jardim São Cristóvão) são responsáveis pelos 823 (oitocentos e vinte e
três) dos 7.601 registros de tráfico de entorpecentes. Percentualmente somente esses
bairros representam 10,82% dos registros de tráfico de entorpecentes de toda a
RMGSL.
A cada dia fica mais evidente o vínculo da ocorrência de homicídios e os
registros de tráfico de entorpecentes. Os elevados níveis de violência associados à
atuação de gangues de traficantes em favelas das grandes cidades brasileiras
agregou uma maior complexidade ao fenômeno dos homicídios. Essa vinculação
afastou a ideia de que as mortes se davam prioritariamente em decorrência de
conflitos de âmbito comunitário, trazendo ao foco o estudo de homicídios ligados aos
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processos de estruturação de atividades criminosas do tráfico de entorpecentes,
bastante difíceis de serem plenamente compreendidos e apurados (BEATO FILHO,
2010).
A Tabela 2 apresenta as estatísticas preliminares resultantes da técnica
Análise de Correspondência, considerando-se as variáveis Tipo de Delito, Zona, Dia
da Semana, Turno e Bairro. Nela são apresentados os resultados dos testes para
verificar a dependência das variáveis em estudo referentes às ocorrências registradas
no CIOPS do Maranhão, a partir do valor do qui-quadrado (x²), nível descritivo (p),
número de linhas (l) e colunas (c) e critério β. Inicialmente, realizaram-se o teste qui-
quadrado e o cálculo do critério β para verificar a dependência entre as variáveis,
condições necessárias para a aplicação da técnica.
Diante da realização dos testes preliminares, verificou-se que todas as
variáveis encontram-se aptas para a aplicação da técnica Análise de Correspondência,
pois os valores do nível descritivo (p), são menores que 0,05 (5% de significância) e o
critério β é maior que 3 (Tabela 2).
Tabela 2 Resultado do Teste para Verificar a Dependência das Variáveis Referentes às Ocorrências Registradas pelo CIOPS do Maranhão, na RMGSL, em 2011.
Variáveis x² p l c β Tipo de Delito e Área 485,25 0,000 6 4 121,42
Tipo de Delito e Dia da Semana 525,61 0,000 6 7 90,49 Tipo de Delito e Bairros 468,66 0,000 6 4 117,13 Tipo de Delito e Turnos 162,57 0,000 6 4 38,10
A Análise de Correspondência, por ser técnica que envolve mais de uma
variável, ou seja, conjuga informações de mais de uma entrada, reflete de forma mais
próxima a sensação da ocorrência de determinado crime nas áreas. Ao analisar os
índices de criminalidade nos diversos bairros, verifica-se que a proximidade entre as
variáveis Homicídio e Tráfico de Entorpecentes e Zona Leste, além de Roubo e Zona
Norte, refletem diretamente o fato de que nessas Zonas a maioria dos bairros
possuem índices moderados e altos em relação a cada crime mencionado.
Os resultados apresentados na Tabela 3 e Figura 1 corroboram com a
Análise Descritiva, mencionando que os homicídios ocorrem frequentemente na Zona
Leste, contudo, existe uma fraca tendência de ocorrência na Zona Sul. O delito roubo
ocorre geralmente na Zona Norte. Já o tráfico de entorpecentes sucede na Zona
Leste, no entanto, existe uma moderada incidência na Zona Sul. Além disso, os baixos
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valores dos resíduos e das probabilidades observados para a Zona Oeste indicam que
os delitos homicídio, roubo e tráfico de entorpecentes ocorrem de forma significativa
nesta Zona (Tabela 3).
Tabela 3 Resíduos e Níveis de Confiança Resultantes da Aplicação da Análise de Correspondência às Variáveis Tipo de Delito versus Zona, de Ocorrências Registradas pelo CIOPS do Maranhão, na RMGSL, em 2011.
Tipo de Delito Zona
Norte Sul Leste Oeste Homicídio -3,16 0,38 5,60 -2,84
(0,00) 29,83 (100,00) (0,00)
Roubo 9,68 -1,57 7,46 -0,59
(100,00) 0,00 (0,00) (0,00)
Tráfico de Entorpecentes -7,50 0,73 6,35 0,29 (0,00) 53,50 (100,00) (22,81)
Figura 1 Mapa Perceptual da Aplicação da Análise de Correspondência às Variáveis Tipo de Delito versus Zona, de Ocorrências Registradas pelo CIOPS do Maranhão, na RMGSL, em 2011.
Diante da aplicação das técnicas acima descritas, verifica-se que a mesma
metodologia pode ser aplicada a todas as variáveis inicialmente mencionadas na
Tabela 02.
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Inicialmente, pelo fato da área de estudo ser a RMGSL, é importante que
se sejam apresentados os dados populacionais oficiais fornecidos pelo IBGE, bem
como a distribuição dos crimes em estudo pelos municípios da ilha de Upaon Açú,
suas Zonas e bairros que apresentaram os maiores índices de criminalidade dentro
dos delitos em estudo, a partir dos dados criminais fornecidos pelo próprio
CIOPS/SSPMA. A Tabela 4 mostra as variáveis necessárias para a obtenção dos
indicadores de criminalidade em estudo.
Tabela 4 Quantidade de Habitantes, Número de Policiais e Distribuição de Delitos nos Municípios, Zonas e Bairros da RMGSL, em 2011.
A Tabela 5 mostra os indicadores de criminalidade obtidos por municípios
da RMGSL. Nela, verifica-se que o município de São José de Ribamar possui o maior
Índice de Homicídio da RMGSL com a incidência de 0,356 para cada 1.000 (um mil)
habitantes; seguido dos municípios de São Luís, Paço do Lumiar e Raposa como
0,291; 0,285 e 0,190, respectivamente.
Quando se trata do crime de Roubo, o município de São Luís possui o
maior Índice da RMGSL com 7,464 para cada 1.000 (um mil) habitantes; seguido dos
municípios de Paço do Lumiar, São José de Ribamar e Raposa como 3,720; 3,073 e
1,405, respectivamente. Porém, para o crime de Tráfico de Entorpecentes o município
de São Luís apresenta o maior índice da RMGSL com 5,560 ocorrências de Trafico de
Entorpecentes para cada 1.000 (um mil) habitantes, seguido dos municípios de São
José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa com 4,361; 3,805 e 2,735,
respectivamente.
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Tabela 5 Índices de Policial por Habitante, de Homicídio, de Roubo e de Tráfico de Entorpecentes nos Municípios, Zonas e Bairros da RMGSL, em 2011.
O indicador da relação habitante por policial é um fator importante para a
análise de segurança pública e bastante debatido no seio das instituições que
compõem o sistema. A média dos Estados brasileiros é de 432 habitantes para cada
policial, sendo a média da Região Nordeste de 530 (SENASP/MJ, 2013).
Apenas o Distrito Federal (168 habitantes/policial) e o Estado do Amapá
(190 habitantes/policial) estão situados dentro do parâmetro estabelecido pela ONU. O
Estado do Maranhão encontra-se muito distante das médias da própria Região
Nordeste em que se insere e da própria média nacional, sendo com relação a esta
última mais que o dobro.
Dentre os 08 (oito) locais referenciados e analisados o que possui situação
menos catastrófica é o bairro Madre Deus/Macaúba (862 habitantes/policial) detém
uma proporção de quase que o dobro da média nacional. As Zonas Sul e Oeste
possuem índices superiores a 5 mil habitantes por policial, além da própria RMGSL
com índice de 5796,15 habitantes/policial.
Na análise dos indicadores de homicídios, pertinentes são as observações
de Gomes e Loche (2011) mencionando que no ano de 2010 o Estado de Alagoas
apresentou índice de 0,713 Homicídios para cada 1.000 (um mil) habitantes, o maior
registro por Estado a nível nacional. No mesmo período o Estado de São Paulo
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apresentou IH de 0,145 para cada 1.000 (um mil) habitantes, o menor registro entre os
Estados brasileiros.
Souza e Reis (2006) permitem realizar estudo comparativo com Estados
que desenvolveram políticas preventivas por meio do Controle Científico da Polícia.
Percebe-se que no ano de 2006 o Estado de Minas Gerais possuía valor de referência
aceitável de 0,198 homicídios para cada 1.000 (um mil) habitantes. Valor este que já
direcionava as ações para a meta de redução para 0,140 no ano de 2011.
Dentre os 08 (oito) locais referenciados e analisados todos possuem IH
bastante superiores ás referencias de locais que realizam policiamento preventivo por
meio de planejamento científico e com utilização de metodologias estatístico-
informacionais. O bairro da Madre Deus/Macaúba detém o índice mais elevado, 1,74
homicídios para cada 1.000 (um mil) habitantes. É de fato um indicador muito elevado,
principalmente levando em consideração a comparação com o Estado de Alagoas que
apresentou índice de 0,713 homicídios para cada 1.000 (um mil) habitantes, o maior
índice estadual dos Estados Brasileiros.
Quando se trata do crime de Roubo o impacto social é também elevado,
uma vez que a subtração do patrimônio por meio do emprego de violência gera
sensação de insegurança e impotência social diante da volatilidade do fruto do
trabalho das pessoas. De acordo com pesquisas realizadas pelo Ministério da Justiça,
na Região Nordeste 80,80% da população possui muito medo de ser vítima de roubo
(SENASP/MJ, 2013).
Segundo Souza e Reis (2006) para as polícias que possuem indicadores
de resultados finalísticos, como a PMMG, os valores de referência aceitáveis eram de
2,939 roubos para cada 1.000 habitantes até o ano de 2006. A meta de redução para
o ano de 2011 era de 2,22 roubos para cada 1.000 habitantes. Valores esses
alcançados ao longo de 04 (quatro) anos de aplicação da política do Controle
Científico da Polícia.
Dentre os 08 (oito) locais referenciados e analisados todos possuem IR
bastante superiores ás referencias de locais que realizam policiamento preventivo por
meio de planejamento científico e com utilização de metodologias estatístico-
informacionais. O bairro do Centro detém o índice mais elevado com 67,35 roubos
para cada 1.000 (um mil) habitantes.
É de fato um indicador muito elevado, principalmente levando em
consideração a conclusão de que por média geral, diante do Índice obtido, no Centro
de São Luís, a cada 100 pessoas mais de 06 são roubadas diariamente. O bairro
Madre Deus/Macaúba também possui IR bastante elevado com 37,7 roubos para cada
1.000 (um mil) habitantes.
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A abordagem quanto ao crime de Tráfico de Entorpecentes é um pouco
diferente dos demais crimes anteriormente estudados. O crime em questão contém
alcance periférico muito maior em relação às demais modalidades delituosas. Isso
porque o tráfico de entorpecentes, particularmente a cocaína, crack e maconha, vem
seguindo a mesma trilha dos jogos de azar, ou seja, está se transformando em um
grande negócio à mercê da incapacidade, descaso e falta de vontade das autoridades
de afrontar esse problema que afeta a sociedade (ESPÍRITO SANTO, MEIRELES,
2003, p. 131).
O tráfico de drogas associa-se à realização de outros crimes. Segundo
Zaluar (2004, p.59) “muitas das vezes esses criminosos encontram nos assaltos e
demais crimes contra o patrimônio a saída para obtenção de dinheiro para pagar o
dinheiro devido ao traficante". Para Beato Filho (2001, p. 3), grande parte dos
homicídios ocorridos em Belo Horizonte está ligada ao tráfico de drogas ilícitas, mais
especialmente às brigas entre gangues rivais disputando o domínio por pontos de
venda de drogas ilegais.
As Figuras 2 a 4 mostram a aplicação geográfica da distribuição dos
Índices de Homicídio, Roubo e Tráfico de Entorpecentes nos bairros do município de
São Luís, utilizando-se a mesma metodologia aplicada anteriormente.
Figura 2 Distribuição Espacial dos Índices de Homicídio no Município de São Luís, em 2011.
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Figura 3 Distribuição Espacial dos Índices de Roubo no Município de São Luís, em 2011.
Figura 4 Distribuição Espacial dos Índices de Tráfico de Entorpecentes no Município de São Luís, em 2011.
A confecção de mapas de criminalidade permite a análise dos crimes a
partir de uma visualização prática, inclusive da dinâmica geográfica de distribuição
delituosa. Do ponto de vista teórico, isto significa uma análise dos processos de
tomada de decisão por parte dos gestores da segurança pública em relação à escolha
de locais e alvos viáveis para a realização de determinados tipos de crime.
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1316
Abordagens espaciais são particularmente apropriadas para a
demonstração dos componentes racionais da atividade criminosa, bem como
referendam modelos afins à teoria das oportunidades do crime (GLAESER et al.,
1996).
Finalmente, A gestão por meio da implementação de políticas públicas
preventivas de combate à criminalidade requer a identificação das comunidades e
locais que serão objeto da ação assistencialista e preventiva (SHERMAN et al; 1997).
Comumente, a literatura sobre políticas públicas de combate à criminalidade tem
enfatizado crescentemente a busca por soluções locais e descentralizadas, o que
conduz necessariamente à identificação de problemas nos contextos específicos de
sua ocorrência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma análise simples e prática permite as seguintes conclusões:
O policiamento da RMGSL é em sua grande totalidade desenvolvido por
viaturas do tipo carro que possuem sempre 02 (dois) policiais militares independente
do local a ser coberto. O policiamento desenvolvido por viaturas do tipo motocicletas é
existente em apenas algumas unidades e não é utilizado pelo turno da noite.
Os Postos Fixos não realizam atendimento de ocorrências, apenas
recebem chamadas da população, sendo obrigados a solicitar a ação da viatura da
área para o atendimento da demanda. As ações de presença dos Postos Fixos não
caracterizam diretamente ações preventivas, uma vez que a ação criminosa está cada
dia mais dinâmica.
A maior preocupação dos Comandos de Unidades Operacionais está em
possuir veículos com alcance em toda a área de sua circunscrição (uma viatura com
02 policiais), mesmo que isso não esteja em consonância com os dados estatísticos
de distribuição da incidência criminal.
As transformações sociais e espaciais pelas quais tem passado a RMGSL
devem ser acompanhadas pela PMMA, que necessita tratar adequadamente as
informações criminais por meio do Comando de Policiamento Metropolitano (CPM),
com intuito de melhorar a prestação do serviço de segurança pública e a confiabilidade
por parte da população.
A cientificidade faz com que a instituição evite ações imediatistas, cujos
resultados pouco interferem no contexto, visando às verdadeiras causas da
criminalidade e não somente seus efeitos. Por meio das análises estatísticas e seus
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diversos métodos embasam-se os planejamentos de policiamento e os diagnósticos
de forma precisa a criminalidade na sociedade local.
A avaliação de desempenho em segurança pública passa pela percepção
dos indicadores.
Desse modo, prover a segurança e a qualidade de vida da população é o
objetivo de qualquer instituição de segurança pública. Reduzir a incidência de crimes e
atos de desordem visa a manutenção da ordem. Mensurar a eficácia das instituições
de segurança pública é verificar se a intervenção de alguma política ou programa
alcançou as metas estabelecidas ou cumpriu os objetivos pré-determinados no
trabalho executado.
O mapeamento dos delitos foi utilizado para analisar a dinâmica dos
crimes de Homicídio, Roubo e Tráfico de Entorpecentes durante todo o ano de 2011
na RMGSL. A espacialização das ocorrências permitiu visualizar que a distribuição dos
delitos não é uniforme e a aplicação das técnicas de Análise Descritiva e Análise de
Correspondência permitem verificar a distribuição absoluta dos delitos assim como o
grau de dependência entre as variáveis estudadas.
O Índice de Policiamento estudado mostra que o Estado do Maranhão e
todas suas subdivisões geográficas estudadas possuem os piores Índices de Policial
de Serviço por Habitante do Brasil, sendo estes dezenas e até centena de vezes
superior em relação ao padrão recomendado pelos órgãos oficiais.
Conclui-se que a aplicação dos métodos estatísticos-informacionais frente
aos dados disponíveis no CIOPS possibilitará à PMMA o desenvolvimento de políticas
institucionais eficientes de planejamento operacional preventivo à criminalidade na
RMGSL. Os métodos estatísticos de Análise Descritiva, Análise de Correspondência,
Indicadores de Policiamento e Criminalidade e Georreferenciamento são eficazes
quando aplicados aos bancos de dados dos órgãos de segurança, possibilitando uma
atuação menos empírica da PMMA.
A gestão da informação permite a formulação de políticas institucionais
pela PMMA de planejamento operacional preventivo na RMGSL, principalmente
quando se confronta as informações do CIOPS, analisadas por meio da aplicação das
metodologias apresentadas, formulando indicadores de policiamento e de
criminalidade, georeferenciando e adequando a distribuição do policiamento nas ações
policiais e prevenção de crimes.
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Referências
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1. Introdução
A proposta deste artigo é apresentar os resultados quantitativos e qualitativos da pesquisa
realizada no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo
Horizonte (CIA-BH). O objetivo do estudo foi analisar a possível relação entre perfil do jovem
apreendido, atos infracionais atribuídos, decisões judiciais proferidas e a reincidência infracional.
Inicialmente caracterizo brevemente o fluxo de funcionamento da instituição para posteriormente
apresentar algumas análises estatísticas de dados referentes a 38.360 entradas de adolescentes
registradas no período compreendido entre os anos de 2009 a 2012.
O CIA-BH é um modelo inovador de funcionamento do sistema de justiça juvenil brasileiro
que estabelece novo modus operandi de atendimento ao adolescente em conflito com a lei. Antes
da criação do CIA-BH, as instituições públicas envolvidas no atendimento ao adolescente em
conflito com a lei em Belo Horizonte diagnosticaram que o modelo tradicional de justiça, fundado
nas práticas burocráticas institucionais, contribuía para o aumento do número de adolescentes
reincidentes e do clima de insegurança social e, consequentemente, para o aumento da
impressão social generalizada de ineficácia do sistema legal de responsabilização penal juvenil,
situação que acarretava, inclusive, a desnecessária privação da liberdade de um grande número
de jovens em conflito com a lei.
A desarticulação entre os órgãos responsáveis pelo atendimento inicial ao adolescente
infrator era um dos principais fatores desencadeantes do aumento da criminalidade envolvendo
este público. Antes da criação do CIA-BH, cerca de 60% dos adolescentes que eram
processados, apesar de devidamente citados, não compareciam para a audiência de
apresentação. Assim, decorria-se um lapso temporal muito grande entre a prática do ato
infracional e a intervenção da justiça, tornando-se, na maioria das vezes, ineficaz a aplicação de
qualquer medida socioeducativa e/ou protetiva.
O CIA-BH foi criado através de uma conjugação de esforços dos operadores do sistema de
justiça da infância e da juventude provenientes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da
Defensoria Pública, da Subsecretaria de Estado de Atendimento às Medidas Socioeducativas
(SUASE), da Prefeitura Municipal e das Polícias Civil e Militar, visando o funcionamento integrado
num mesmo espaço físico. A instituição tem como objetivo maior agilizar e conferir maior
efetividade à jurisdição penal juvenil, ampliando e facilitando o acesso dos jurisdicionados, tanto
na área de apuração da prática de atos infracionais, quanto na aplicação e execução das medidas
socioeducativas.
O modelo integrado configurou um novo fluxo de funcionamento da justiça juvenil no
município. O adolescente apreendido pela polícia militar (PM) ou guarda municipal em flagrante de
ato infracional é imediatamente encaminhado para o CIA-BH, onde é lavrado o Registro de Evento
de Defesa Social (REDS). Feito isso, a PM repassa o adolescente para delegacia de polícia civil
PRODUÇÃO DE DADOS NA JUSTIÇA JUVENIL: A EXPERIÊNCIA DO CIA-BH
Autor: Gustavo de Melo Silva - UniBH
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que lavra o auto de apreensão e entra em contato com os pais ou responsável legal do
adolescente para que compareçam na instituição.
Finalizada as providências necessárias pela autoridade policial, o adolescente é levado à
presença do juiz de direito, onde será realizada audiência preliminar junto aos representantes do
Ministério Público, da Defensoria Pública ou advogado constituído, além dos pais ou responsável.
Na audiência preliminar é realizada a oitiva informal do adolescente e, sendo possível, a
oitiva do representante legal pelo Ministério Público, a partir da qual são adotadas as seguintes
medidas, isolada ou cumulativamente: arquivamento; concessão de remissão extintiva (exclusão
do processo); aplicação de medida protetiva; oferecimento de representação (denúncia) oral pelo
MP cumulada com a aplicação de uma das medidas socioeducativas em meio aberto, quais
sejam: advertência, obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade ou
liberdade assistida.
Nas hipóteses em que não couber a aplicação das medidas acima elencadas em audiência
preliminar, seja em razão da complexidade e/ou gravidade do ato infracional ou da negativa de
autoria, outras duas situações são possíveis: o adolescente ser acautelado provisoriamente e
seguir para um dos centros de internação provisória onde aguarda a promulgação da sentença ou,
no caso de ser liberado, o jovem e seu representante legal serem cientificados da data de
realização da audiência de apresentação (interrogatório). O processo pode ser resolvido em
audiência de apresentação e uma medida socioeducativa ser aplicada. Entretanto, caso
necessário, designa-se ainda uma terceira audiência de continuação visando à instrução e
julgamento e, ao final, prolata-se uma sentença.
A integração operacional das instituições públicas que compõem o sistema de justiça
juvenil num mesmo espaço físico promoveu a diminuição do custo de acesso à justiça e a maior
agilidade e presteza no atendimento ao público em questão, por meio de um conjunto de ações
articuladas que permitem a materialização do princípio constitucional da prioridade absoluta.
Compete ao CIA-BH oferecer a infra-estrutura necessária para articular a atuação dos
órgãos governamentais, assegurando o pronto atendimento de cada adolescente apresentado;
garantir ao jovem envolvido em ato infracional atendimento e encaminhamento individualizado
mediante abordagem e assistência que preservem sua dignidade; coletar, sistematizar e analisar
dados que caracterizem os atendimentos prestados pela instituição a fim de subsidiar as diversas
instituições envolvidas nas políticas de proteção à criança e ao adolescente, além de outras
atribuições.
2. Metodologia
No período de 01/01/2009 a 31/12/2012 policiais civis, funcionários da SUASE e servidores
da Vara Infracional da Infância e da Juventude, através do Setor de Pesquisa Infracional (SEPI)
coletaram informações sobre os adolescentes que foram encaminhados para o CIA-BH. Essa
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coleta ocorreu primeiramente na Delegacia de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente
(DOPCAD) por meio de variáveis sobre a caracterização geral do adolescente como nome, sexo,
idade, filiação, bairro de residência e bairro do ato infracional, etc.; de questionários
socioeconômicos aplicados pela SUASE junto a vários adolescentes que aguardavam audiência e
responderam questões relacionadas à raça/cor, situação de trabalho, escolaridade, moradia, uso
de drogas, etc.; além de informações coletadas pelo SEPI, extraídas das atas de audiência
preliminar e do Sistema de Informatização dos Serviços das Comarcas (SISCOM), tais como: dia
da audiência, ato infracional atribuído, número do processo, número de reentradas, endereço do
fato, decisões judiciais proferidas, medidas socioeducativas e protetivas aplicadas e sentenças
prolatadas ao final do processo.
A metodologia utilizada neste estudo constitui-se da descrição das informações e de
análises conjuntas realizadas através do teste estatístico de hipóteses que possibilita verificar se
os dados amostrais trazem evidências ou não que apóiem as conjecturas iniciais.
Ressalta-se que os dados extraídos dos registros oficiais não refletem toda a realidade a
respeito da criminalidade e da violência que ocorre na sociedade, constituindo-se apenas em uma
estimativa, retrato do processo social de notificação. Assim, a análise dos dados apresentados
refere-se apenas aos atos infracionais atribuídos que são objetos da apreensão policial e para os
quais existe informação coletada, excluindo-se os que a polícia e o sistema de justiça não tomam
conhecimento. A despeito das limitações apresentadas, as estatísticas criminais são regularmente
utilizadas com fins de acompanhamento e avaliação das estratégias e ações de segurança
pública.
Nos próximos tópicos serão apresentados os principais resultados da pesquisa, com foco
no fluxo de funcionamento e tomada de decisões por parte dos atores jurídicos envolvidos no
processamento do ato infracional.
3. Resultados
A Tabela 1 aponta que, nos anos de 2009 a 2012, as entradas de adolescentes no CIA-BH
somaram 38.360 casos. O ano de 2010 foi o que registrou o maior número de entradas (9.864) e a
média de atendimentos no período foi de 26 adolescentes por dia e 799 por mês.
Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
Tabela 1 – Número de entradas de adolescentes por ano: 2009 a 2012
Frequência Percentagem
Percentagem
válida
Percentagem
acumulada
2009 9605 25,0 25,0 25,0
2010 9864 25,7 25,7 50,7
2011 9109 23,8 23,8 74,5
2012 9782 25,5 25,5 100,0
Total 38360 100,0 100,0
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A tabela 2 apresenta a distribuição percentual dos atendimentos realizados por dia da
semana para os anos de 2009 a 2012. Neste período, os atendimentos se concentraram nos dias
de quarta e quinta-feira1, com queda nos finais de semana. No cruzamento entre ato infracional e
dia da semana2 ficou demonstrado que não existe um dia em específico para o qual ocorra algum
tipo de infração com maior freqüência. Não há evidência, nesta amostra, de associação entre ato
infracional e dia da semana (valor-p: 0,138)3, nem mesmo quando analisados apenas os atos
infracionais considerados violentos4.
Tabela 2 - Distribuição percentual de entradas de adolescentes
por dia da semana: 2009 a 2012
Frequência Porcentagem
Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulada
Quarta-feira 5731 14,9 16,3 16,3
Quinta-feira 5722 14,9 16,3 32,7
Sexta-feira 5360 14,0 15,3 47,9
Terça-feira 5299 13,8 15,1 63,1
Sábado 4683 12,2 13,4 76,4
Segunda-feira 4314 11,2 12,3 88,7
Domingo 3960 10,3 11,3 100,0
Total 35069 91,4 100,0
Sem informação 3291 8,6
Total 38360 100,0 Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
A Tabela 3 aponta que, para os casos que contém informação, grande parte dos
adolescentes em conflito com a lei (73,4%) encontra-se entre as idades de 15 a 17 anos5. Os
adolescentes entre 12 e 13 anos somam 11,2% dos casos e os jovens com 18 anos ou mais
somam 1,5% dos casos6. No cruzamento entre ato infracional atribuído e idade do adolescente, os
dados corroboram que quanto maior a idade, maior o número de infrações. Com 99% de
confiança, existem evidências, nesta amostra, de associação entre a idade e o ato infracional
atribuído (valor-p: 0,000)7.
1 Para o cálculo do dia de atendimento na semana foi utilizada a data de entrada do adolescente no CIA-BH. 2 Tabela não apresentada por falta de espaço na formatação A4. 3 Correlação de Pearson: 0,009. 4 Os atos infracionais considerados graves são: tentativa de homicídio, homicídio, furto, roubo, tráfico de drogas e porte de arma de fogo. 5 Para todos os cálculos relativos ao perfil do adolescente em conflito com a lei foram suprimidas as entradas repetidas pelo mesmo jovem no intuito de se evitar a sobreposição de informações. 6 Jovens com idade acima de 18 anos são trazidos ao CIA-BH através de mandados de busca e apreensão ou provenientes dos centros de internação, nos quais podem ficar acautelados até os 21 anos de idade. 7 Correlação de Pearson: 0,120.
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Tabela 3 - Distribuição percentual da idade dos adolescentes: 2009 a 2012
Frequência Porcentagem
Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulada
17 5042 25,1 27,8 27,8
16 4651 23,1 25,6 53,4
15 3637 18,1 20,0 73,4
14 2505 12,5 13,8 87,2
13 1388 6,9 7,6 94,9
12 652 3,2 3,6 98,5
18 197 1,0 1,1 99,6
19 63 ,3 ,3 99,9
20 16 ,1 ,1 100,0
21 1 ,0 ,0 100,0
Total 18152 90,3 100,0
Sem informação 1948 9,7
Total 20100 100,0 Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
A distribuição percentual de entradas por sexo do adolescente aponta que 83% deles
(16.692 casos) pertencem ao sexo masculino e 17% (3.408) pertencem ao sexo feminino. No
cruzamento entre ato infracional atribuído e sexo do adolescente, os dados indicam que 19,9%
das adolescentes femininas foram processadas por lesão corporal; 16,6% por tráfico de drogas;
12,8% por furto; 11,1% por vias de fato; 9,8% por uso de drogas e 8,5% por ameaça. No caso dos
adolescentes masculinos, a distribuição dos atos infracionais atribuídos é de 25,5% para o tráfico
de drogas; 19,8% por uso de drogas; 11,3% por furto; 10,6% por roubo; 4,8 por lesão corporal e
4,1% por porte de arma de fogo. Assim, a análise descritiva indica maior envolvimento dos
meninos com atos infracionais ligados às drogas, furto e roubo, em comparação com as meninas.
A Tabela 4 apresenta a distribuição da escolaridade dos adolescentes. Os dados
demonstram que a maioria dos jovens atendidos pelo CIA-BH no período analisado encontra-se
entre a 5ª e a 8ª série do ensino fundamental. Demonstram ainda a baixa percentagem de
adolescentes estudantes do ensino médio. No total de 15.522 casos analisados, a 8ª série teve o
maior percentual com 20,3%, seguida da 6ª e 7ª séries, com 18,6% e 16,8% respectivamente.
Na Tabela 5 observa-se que, no cruzamento entre as variáveis freqüência à escola e ato
infracional violento, para uma amostra de 7.792 adolescentes entrevistados, os percentuais não
apontam grande diferenciação entre estar ou não estudando, o que aponta para a hipótese de que
os jovens em conflito com a lei conferem pouca importância para a escola, devido a diversos
motivos como pouco incentivo familiar, uso de drogas, metodologias de ensino inadequadas,
arcaicas e pouco interessantes, falta de acompanhamento, etc. Entretanto, essas são apenas
conjecturas que carecem de análises qualitativas mais profundas para serem testadas.
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Tabela 4 - Distribuição percentual da escolaridade dos adolescentes: 2009 a 2012
Frequência Porcentagem
Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulada
8ª série do ensino fundamental 3151 15,7 20,3 20,3
6ª série do ensino fundamental 2887 14,4 18,6 38,9
7ª série do ensino fundamental 2612 13,0 16,8 55,7
5ª série do ensino fundamental 2169 10,8 14,0 69,7
1º ano do ensino médio 1387 6,9 8,9 78,6
4ª série do ensino fundamental 957 4,8 6,2 84,8
2º ano do ensino médio 783 3,9 5,0 89,8
Não estuda 662 3,3 4,3 94,1
3º ano do ensino médio 376 1,9 2,4 96,5
Não sabe/não respondeu 291 1,4 1,9 98,4
3ª série do ensino fundamental 98 ,5 ,6 99,0
1ª série do ensino fundamental 86 ,4 ,6 99,6
2ª série do ensino fundamental 41 ,2 ,3 99,9
Analfabeto 22 ,1 ,1 100,0
Total 15522 77,2 100,0
Sem informação 4578 22,8
Total 20100 100,0 Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
Tabela 5 - Distribuição percentual por ato infracional violento e frequência à escola: 2009 a 2012
ESTUDA ATUALMENTE
Total Sim Não
Porte de arma 366 234 600
61,0% 39,0% 100,0%
Tráfico de drogas 2068 1752 3820
54,1% 45,9% 100,0%
Roubo 953 797 1750
54,5% 45,5% 100,0%
Furto 620 608 1228
50,5% 49,5% 100,0%
Homicídio 27 30 57
47,4% 52,6% 100,0%
Tentativa de homicídio 29 22 51
56,9% 43,1% 100,0%
Lesão corporal 181 105 286
63,3% 36,7% 100,0%
Total 4244 3548 7792
54,5% 45,5% 100,0%
Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
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No quadriênio 2009-2012, a SUASE realizou entrevistas para obtenção de dados
socioeconômicos com pouco mais de 12.000 adolescentes apreendidos, sendo que alguns foram
entrevistados mais de uma vez. Quando perguntados sobre a frequência à escola, mais do que a
metade (53,1%) informou que estuda atualmente, sendo que 46,5% informaram que não estudam.
Dentre os que estudam, 99% estão matriculados em escola pública e apenas 1% em escola
privada.
A análise descritiva dos dados socioeconômicos demonstrou ainda a maioria se declarou
da raça/cor8 pardo (40,1%) seguidos pelos que se declararam pretos (29%), brancos (17,9%),
indígenas (3,9%) e amarelos (3,3%). 5,8% não souberam ou não responderam. Numa amostra9
de 5.090 casos com informação, não existem evidências de associação entre ato infracional
atribuído e raça/cor (valor-p: 0,833)10. Também não existem evidências, nesta mesma amostra, de
associação entre decisão judicial em audiência preliminar e raça/cor (valor-p: 0,802)11, bem como
não existem evidências de associação entre sentença ao final do processo e raça/cor (valor-p:
0,994)12, sugerindo que os atores jurídicos envolvidos no processo de julgamento do ato
infracional em Belo Horizonte não se utilizam do critério raça/cor para aplicação das medidas
socioeducativas.
Entretanto, em pesquisa de mestrado realizada no CIA-BH demonstrei que diversas
respostas são acionadas pelos atores jurídicos durante o julgamento de um adolescente. Apesar
de predominar a dimensão jurídica, questões subjetivas estão também presentes neste momento.
Cada adolescente que chega traz consigo uma história e desperta neles um sentimento diferente,
provocando uma resposta que se reflete na sentença (MELO SILVA, 2010).
Os atores jurídicos trabalham com a capacidade de cumprimento da medida por parte do
adolescente, o que demanda um maior conhecimento sobre a vida dele. Os juízes procuram
conversar com o jovem e seus pais no intuito de apreenderem qual a medida mais adequada para
cada caso. Conforme demonstrado em outros estudos, a atenção às particularidades das
situações necessita de uma sensibilidade especial por parte dos juízes, um feeling, que é tomado
como critério importante de condução dos procedimentos judiciais. O feeling é um atributo
subjetivo que o agente judicial possui. Assim, além dos critérios mais formalmente legais,
vinculados aos enunciados jurídicos formais, atua uma sensibilidade pessoal, que possibilita uma
classificação do caso a ser julgado e conduzido pelo juiz (SCHUCH, 2005; ARAÚJO, 2006).
Em diversas observações participantes, pude perceber que quando o adolescente está
passando pelo sistema de Justiça Juvenil pela primeira vez, tem bom rendimento escolar e família
8 As categorias utilizadas são as mesmas do IBGE: branco, pardo, preto, amarelo e indígena. Para o perfil do adolescente em conflito com a lei foi considerada somente uma das entrevistas realizadas, excluídas todas as entradas repetidas pelo mesmo jovem. 9 Para o cálculo desta amostra foram retiradas todas as entradas repetidas pelo mesmo adolescente no período de 2009 a 2012. 10 Correlação de Pearson: 0,003. 11 Correlação de Pearson: 0,002. 12 Correlação de Pearson: 0,000.
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1327
que o acompanha e exerce autoridade sobre ele, geralmente o ato infracional atribuído é
arquivado ou o jovem recebe uma medida mais branda, caracterizando, na prática cotidiana de
uma agência de controle social, o caráter pedagógico do Estatuto da Criança e do Adolescente,
embora não para todos. A presença dos pais do adolescente na audiência conta como ponto
positivo, além do vínculo com a escola e a relação série/idade serem também considerados.
Entretanto, o contrário também parece ser verdadeiro, ou seja, para jovens provenientes
de famílias consideradas “desorganizadas” (sem acompanhamento efetivo por parte dos pais);
que estão passando pelo sistema pela segunda ou terceira vez e apresentam rendimento escolar
deficiente, as medidas aplicadas são geralmente mais graves, o que demonstra que as funções
retributiva e sancionatória também estão presentes na operacionalização prática do ECA. Assim,
primeiramente aplica-se uma medida mais branda na tentativa de educar este jovem, haja vista
que é sua primeira passagem pelo sistema. Noutros casos, porém, constatada a pouca eficácia da
medida aplicada anteriormente, os atores jurídicos costumam responder com maior rigor na
aplicação das mesmas, com intuito de fazer com que o adolescente seja responsabilizado de
alguma forma pelo dano causado à sociedade, apesar dos aspectos pedagógicos também
estarem presentes.
A presença da família é um fator fundamental que explicita a necessidade ou não do
Estado intervir de modo mais enérgico ou mais brando na vida do adolescente. A gravidade do ato
é um indicativo da perda de controle por parte da família. Porém, são também considerados
fatores como a personalidade do adolescente, o contexto social e econômico, as conseqüências
do fato, inserção e freqüência escolar, a reincidência, dentre outros.
Na visão de alguns dos atores jurídicos entrevistados, o adolescente socioeducando tem
oportunidades que ele não teria no “mundo lá fora”, como acesso à escola, à profissionalização,
ao lazer, à saúde, etc. Para um dos entrevistados entrevistado, a aplicação das medidas
socioeducativas é de certa forma justificada no intuito de suprimir deficiências por parte do Estado
e seriam como que “um grande benefício”. Por outro lado, uma promotora de justiça afirma que a
tentativa de compensação da falta de políticas públicas com a aplicação de medida
socioeducativa não é “um grande benefício” e sim um “grande problema”, um desafio para os
atores jurídicos que aplicam a lei (MELO SILVA, 2010).
Voltando aos dados socioeconômicos, quando perguntados sobre o estado civil, 95,5% se
declaram solteiros e 4,4% mantêm união estável, sendo que 7% deles alegaram ter filhos. Em
relação ao tipo de moradia, 80,6% dos adolescentes informaram residir em casa; 9,5% em
barracão; 6,7% em apartamento; 1,9% residem nas ruas e 1,4% em abrigo. Os que moram em
residência própria somam 76,3%; em residência alugada 19,8%; em moradia cedida 3,5%; em
moradia ocupada 0,4%. O número de moradores por residência variou de 1 a 27, sendo a média
de 5 moradores por residência e a moda (número que mais apareceu) de 4 moradores por
residência.
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Os adolescentes foram também sondados sobre a participação em atividades grupais,
sendo que 29,5% alegaram participar de escolas de esportes; 25,5% participam de grupos de
jovens na igreja; 16,8% do Programa Fica Vivo13; 10,1% de dança de rua; 6,2% participam de
grupos de teatro e 5,4% de banda de música. Participações menos expressivas também surgiram
como associação estudantil (0,8%); Pró-Jovem (0,4%) e; Poupança Jovem (0,2%).
Em relação ao uso de drogas, dos 5.403 adolescentes entrevistados uma única vez no
período 2009-2012, 70,7% alegaram fazer uso de álcool; 55,8% uso de tabaco; 55,6% uso de
maconha; 26,6% uso de cocaína; 3,9% uso de crack e 1,4% uso de psicofármacos.
A Tabela 6 aponta que ao longo do período de 2005 a 2008 as infrações foram migrando
do furto e do roubo para o uso e tráfico de drogas. No mesmo período, observa-se uma queda nos
homicídios e nas lesões corporais.
Tabela 6 – Distribuição por tipo de ato infracional atribuído: 2005 a 2008
2005 2006 2007 2008
Mas. Fem. Total Mas. Fem. Total Mas. Fem. Total Mas. Fem. Total
Ameaça 122 16 138 196 43 239 119 124 143 75 20 95
Contravenção 98 23 121 147 43 190 7 2 9 13 10 23
Danos Morais 108 9 117 264 36 300 90 12 102 104 11 115
Desacato 24 1 25 34 13 47 12 6 18 17 2 19
Estupro 16 0 16 12 1 13 5 0 5 5 0 5
Furto 771 84 855 685 72 757 347 53 400 234 20 254
Homicídio 141 4 145 183 9 192 123 7 130 87 3 90 Infração de trânsito 46 1 47 72 0 72 32 0 32 8 0 8
Lesão corporal 143 46 189 265 46 311 117 30 147 60 28 88 Posse ou porte de arma 483 15 498 629 23 652 623 18 641 403 20 423 Formação de Quadrilha 29 6 35 27 6 33 41 4 45 15 0 15
Roubo 945 39 984 1129 66 1195 816 56 872 616 41 657
Sequestro 0 0 0 0 0 0 3 0 3 0 0 0 Tráfico de drogas 449 36 485 897 83 980 1022 90 1112 1501 204 1705
Uso de drogas 318 29 347 718 50 768 387 22 409 219 11 230
Outros 363 46 409 468 54 522 270 36 306 167 19 186
Total 4.056 355 4.411 5.726 545 6.271 4.014 360 4.374 3.524 389 3.913
Fonte: SEPI, 2009.
A Tabela 7 traz a distribuição dos atos infracionais atribuídos no quadriênio 2009-2012
aponta que o tráfico de drogas é o que conta com o maior número de apreensões (24,4%),
seguido do uso de drogas (18,6%), furto (11,5%), roubo (9,8%), lesão corporal (6,6%), ameaça
4,3%, vias de fato 3,4% e dano 3,3%.
13 Programa do governo estadual que visa reduzir o número de homicídios nas áreas mais vulneráveis da cidade.
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Tabela 7 - Distribuição por tipo de ato infracional atribuído: 2009 a 2012
ANO DE ENTRADA
Total 2009 2010 2011 2012
Atípico 20 0 0 0 20
Ameaça 373 333 305 389 1400
Rixa 45 23 6 16 90
Vias de fato 300 332 227 224 1083
Lesão corporal 736 540 394 462 2132
Tentativa de homicídio 22 24 30 34 110
Homicídio 43 32 36 21 132
Dano 438 205 204 220 1067
Pichação 114 230 92 96 532
Furto 1129 855 782 931 3697
Roubo 846 637 775 908 3166
Receptação 52 73 80 176 381
Uso de drogas 1908 1483 1277 1325 5993
Tráfico de drogas 1868 2182 1972 1863 7885
Porte de arma 313 303 285 344 1245
Desacato 158 104 126 105 493
Mandado de busca e apreensão 293 0 0 5 298
Outros 480 219 198 170 1067
Direção sem habilitação 202 159 180 224 765
Porte de munição 28 44 0 0 72
Desobediência 0 47 0 41 88
Tentativa de roubo 0 56 24 51 131
Extorsão 0 88 12 1 101
Estupro/ato libidinoso 0 34 11 15 60
Porte de arma branca 0 0 49 27 76
Estelionato 0 6 8 2 16
Entrega de veículo à pessoa não
habilitada
0 0 1 0 1
Violação de direito autoral 0 0 17 8 25
Informante no tráfico de drogas 0 0 9 10 19
Perigo para vida ou saúde de outrem 0 0 9 7 16
Associação para o tráfico 0 0 26 31 57
Ato obsceno 0 0 8 5 13
Falsificação de documento público 0 0 4 2 6
Estupro de vulnerável 0 0 3 31 34
Sequestro e cárcere privado 0 0 0 6 6
Falsificação de documento particular 0 0 2 1 3
Latrocínio 0 0 0 1 1
Total 9368 8009 7152 7752 32281
Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
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As respectivas regionais e bairros de cometimento do ato infracional também foram
analisados. As Regionais de Belo Horizonte são espécies de subprefeituras, encarregadas dos
bairros de cada uma das nove regiões em que o município está subdividido administrativamente.
Criadas em 1983, a jurisdição das unidades administrativas regionais levam em conta a posição
geográfica e a história de ocupação. São elas: Barreiro, Centro-Sul, Leste, Nordeste, Noroeste,
Norte, Oeste, Pampulha e Venda Nova.
A Tabela 8 apresenta a distribuição percentual das regionais de cometimento do ato
infracional no período de 2009 a 2012. Embora com muitos casos sem informação, os dados
apontam que a regional com o maior número de adolescentes apreendidos foi a Centro-Sul
(13,5%), seguida pela regional Noroeste (9,1%) e Venda Nova (8%). As regionais que
apresentaram menor percentual foram: Pampulha (4,3%), Norte (5,9%) e Leste (6,4%).
Tabela 8 - Distribuição por regional ato infracional atribuído – 2009 a 2012
Frequência Porcentagem
Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulada
Sem informação 11913 31,1 31,1 31,1
Centro-Sul 5186 13,5 13,5 44,6
Noroeste 3486 9,1 9,1 53,7
Venda Nova 3086 8,0 8,0 61,7
Barreiro 2882 7,5 7,5 69,2
Oeste 2831 7,4 7,4 76,6
Nordeste 2631 6,9 6,9 83,5
Leste 2458 6,4 6,4 89,9
Norte 2252 5,9 5,9 95,7
Pampulha 1635 4,3 4,3 100,0
Total 38360 100,0 100,0 Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
Ao se analisar os bairros de moradia dos adolescentes, a análise descritiva dos dados
apontou que a Serra obteve a maior freqüência14 no período de 2009 a 2012, com 1.039
apreensões. Entretanto, os dados apontam a cidade de Contagem em segundo lugar, que
pertence à Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e apresentou um total de 973
adolescentes residentes, seguida da cidade de Ribeirão das Neves (RMBH), com 717
adolescentes residentes. Em quarto lugar vêm os bairros Jardim América (521), Alto Vera Cruz
(514), cidade de Santa Luzia (488) (RMBH), Taquaril (477), Tupi (425), Cabana do Pai Tomaz
(407), Jardim Felicidade (385), Goiânia (382), Aparecida (365), Céu Azul (360), Jardim Vitória
(359), cidade de Vespasiano (353), cidade de Ibirité (350), Santa Cruz (345), Jardim Leblon (344),
14 O corte foi de bairros com mais de 300 adolescentes residentes.
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Jaqueline (340), Jardim dos Comerciários (339), Santo André (329), Santa Mônica (325), São
João Batista (318), Vera Cruz (316), Lagoa (311), Santa Sofia (310) e Horto (305).
A distribuição de todos os atos infracionais atribuídos por bairro de Belo Horizonte no
período de 2009 a 2012 apontou as seguintes freqüências15: Centro (2501), Serra (483), Caiçara
(385), Santa Efigênia (372), Horto16 (361), Savassi (342), Aparecida (336), Barreiro (332), Venda
Nova (329), Vera Cruz (303), Jardim América (299), Santa Lúcia (297), Cabana do Pai Tomás
(278), Jardim dos Comerciários (276), Goiânia (271), Jaqueline (270), Santa Cruz (260), São João
Batista (254), Céu Azul (247), Santa Tereza (226), Padre Eustáquio (225), Betânia (221), União
(220), São Francisco (216), São Gabriel (214), Tupi (214), Santa Mônica (213), Itaipu (207),
Jardim Leblon (205), Pedreira Prado Lopes (199), Santa Terezinha (197), Taquaril (192), Boa
Vista (190) e Jardim Vitória (190).
Na análise do ato infracional atribuído considerado violento17, os que apresentaram
maior freqüência18 no quadriênio foram: Centro (1459), Serra (335), Santa Efigênia (252), Savassi
(242), Venda Nova (207), Caiçara (199), Aparecida (192), Santa Lúcia (191), Jardim América
(183), Santa Cruz (174), Barreiro (171), Horto (171), Goiânia (168), Vera Cruz (166), Cabana do
Pai Tomás (159), Itaipu (157), Pedreira Prado Lopes (154), São João Batista (143), São Francisco
(137), União (135), Jardim dos Comerciários (131), Jardim Leblon (125), São Gabriel (125), Jardim
Vitória (123), Jaqueline (120), Céu Azul (119), Tupi (119), Padre Eustáquio (116), Taquaril (116),
Lagoa (115), Vista Alegre (113), Primeiro de Maio (112), Betânia (111), São Cristóvão (109),
Milionários (108), Santa Tereza (108), Santa Terezinha (104), Funcionários (102), Jardim
Felicidade (101), Santo André (100), Independência (97), Piratininga (96), Cachoeirinha (92),
Mantiqueira (92), Alto Vera Cruz (91), Europa (91), Pindorama (91), Santa Mônica (91) e Glória
(90).
O tráfico de drogas contabilizou 7.885 ocorrências no quadriênio 2009-2012 e apresenta
distribuição por diversos bairros do município de Belo Horizonte. Entretanto, os bairros que mais
se destacaram19 foram: Centro (536), Aparecida (145), Itaipu (135), Pedreira Prado Lopes (121),
Santa Cruz (116), Serra (113), Vera Cruz (111), Cabana do Pai Tomás (103), São Francisco (99),
São João Batista (99), Jardim América (97), Goiânia (93), Santa Lúcia (88), Jardim dos
Comerciários (88), Jardim Leblon (85), Jardim Vitória (77), São Cristovão (76), Lagoa (72) e Santo
André (72), São Gabriel (69), Jardim Felicidade (67), Independência (66), Vista Alegre (62),
Caiçara (61) e Primeiro de Maio (61).
15 O corte considerado foi de bairros com freqüência maior ou igual a 190 ocorrências ao longo dos quatro anos analisados. 16 Bairro onde funciona o Centro de Internação Provisória Dom Bosco. 17 Atos infracionais considerados violentos: homicídio, tentativa de homicídio, lesão corporal, furto, roubo e roubo à mão armada (somados juntos), porte de arma de fogo e tráfico de drogas. Outros atos como estupro, seqüestro, latrocínio, podem ser considerados violentos, mas não foram aqui analisados devido à baixa freqüência que apresentaram. 18 O corte considerado foi de bairros com freqüência maior ou igual a 90 ocorrências ao longo dos quatro anos analisados. 19 O corte considerado foi acima de 60 ocorrências ao longo dos quatro anos analisados.
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Especificamente para os atos infracionais de roubo e roubo à mão armada (os dois foram
somados juntos) os bairros com maior freqüência no período 2009-2012 foram20: Centro (297),
Savassi (62), Santa Efigênia (62), Barreiro (50), Serra (43), Venda Nova (42), Caiçara (38), União
(38), Tirol (36), Santo Agostinho (28), Buritis (28), Santa Cruz (27), Sagrada Família (26), Padre
Eustáquio (26), Floramar (25), Planalto (25) e Floresta (25).
Nos período de 2009 a 2013 foram contabilizadas 145 registros de homicídios, 150
registros de tentativas de homicídios, 4.339 registros de roubos, 4.688 registros de furtos e 9.530
registros de tráfico de drogas. Quando considerados somente esses atos, o tráfico de drogas
corresponde a 50,5% dos registros de apreensões.
Tabela 9 - Distribuição por tipo de ato infracional violento - 2009 a 2013
Ato infracional Frequência Porcentagem
Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulada
Homicídio 145 ,8 ,8 ,8
Tentativa de homicídio 150 ,8 ,8 1,6
Roubo 4339 23,0 23,0 24,6
Furto 4688 24,9 24,9 49,5
Tráfico de drogas 9530 50,5 50,5 100,0
Total 18852 100,0 100,0 Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
Na análise das decisões em audiência preliminar, a tabela 10 demonstra que a remissão
extintiva cumulada com advertência soma 26,9%; internação provisória soma 20,5%; responder o
processo em liberdade conta com 16,8%, remissão extintiva 10,2%, remissão suspensiva
cumulada com prestação de serviços à comunidade 9,7%, remissão suspensiva cumulada com
liberdade assistida 7,7% e arquivamento 5%. Vale ressaltar que 20,7% (7.947) dos casos não tem
informação sobre a decisão em audiência preliminar. Com 95% de confiança, existem evidências,
nesta amostra, de associação entre decisão em audiência preliminar e ato infracional cometido
(valor-p: 0,047)21, o que sugere que para cada ato em específico existem algumas medidas
socioeducativas que são mais comumente aplicadas.
Os adolescentes que não tiveram uma decisão judicial proferida audiência preliminar
participam de mais uma ou duas audiências (apresentação e continuação), situações nas quais
são realizadas oitivas dos autores, vítimas e testemunhas e, ao final da instrução, são aplicadas
sentenças. A Tabela 11 apresenta a distribuição das sentenças ao final do processo de
julgamento do adolescente no período de 2009 a 2012.
20 O corte considerado foi acima de 25 ocorrências ao longo dos quatro anos analisados. 21
Correlação de Pearson: -0,010
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Tabela 10 – Distribuição de freqüência por decisão em audiência preliminar: 2009 a 2012
Frequência Porcentagem
Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulada
Remissão extintiva/advertência 8168 26,9 26,9 26,9
Internação provisória 6236 20,5 20,5 47,4
Responder processo em liberdade 5100 16,8 16,8 64,1
Remissão extintiva 3101 10,2 10,2 74,3
Remissão suspensiva/PSC 2955 9,7 9,7 84,0
Remissão suspensiva/LA 2328 7,7 7,7 91,7
Arquivamento 1534 5,0 5,0 96,7
Retorno dos autos à delegacia 389 1,3 1,3 98,0
Não compareceu à audiência 343 1,1 1,1 99,1
Remissão suspensiva/reparação de dano 208 ,7 ,7 99,8
Retorno à semiliberdade 26 ,1 ,1 99,9
Retorno ao cumprimento de PSC 13 ,0 ,0 100,0
Retorno ao CEIP 11 ,0 ,0 100,0
Retorno ao cumprimento de LA 1 ,0 ,0 100,0
Total 30413 100,0 100,0
Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
Tabela 11 - Distribuição de sentença ao final do processo - 2009 a 2012
Frequência Porcentagem
Porcentagem
válida
Porcentagem
acumulada
Remissão extintiva 4344 27,1 27,1 27,1
Liberdade Assistida 2672 16,7 16,7 43,8
Prestação de Serviços à Comunidade 2651 16,5 16,5 60,3
Advertência 2031 12,7 12,7 73,0
Absolvição 1110 6,9 6,9 79,9
Semiliberdade 1015 6,3 6,3 86,3
Extinção do processo 766 4,8 4,8 91,0
Internação 682 4,3 4,3 95,3
Arquivamento 584 3,6 3,6 98,9
Extinção por morte 148 ,9 ,9 99,9
Reparação de dano 12 ,1 ,1 99,9
Extinção por prescrição 10 ,1 ,1 100,0
Total 16025 100,0 100,0 Fonte: SEPI / SUASE / DOPCAD
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1336
Observou-se que, no período de 2009 a 2012, do total de 38.360 entradas de
adolescentes, 33,6% deles retornaram uma vez uma CIA-BH; 18,8% retornaram duas vezes;
11,9% retornaram três vezes; 8% retornaram quatro vezes; 5,5% retornaram cinco vezes; 3,8%
retornaram seis vezes e 2,76% retornaram ao CIA-BH sete vezes. Assim, a taxa de reiteração22
aponta que 33,6% do total de 20.100 adolescentes que passaram pelo CIA-BH retornaram uma ou
mais vezes à instituição.
O cálculo da taxa de reincidência jurídica23 foi feito com base no número de adolescentes
que deram mais de uma entrada no CIA-BH, em cujos processos foram proferidas sentenças,
tanto em sede de audiência preliminar, quanto ao final da instrução. Ressalte-se que foram
consideradas todas as sentenças, com exceção das seguintes: extinção do processo por
maioridade, extinção de punibilidade por prescrição, extinção do processo por morte do agente,
extinção do processo, arquivamento homologado, absolvição e remissão extintiva.
Em 2009 o número total de entradas de adolescentes no CIA-BH foi de 9.605 e o número
total de adolescentes 6.887. Os adolescentes juridicamente reincidentes somaram 859, o que
aponta para uma taxa de reincidência jurídica em 2009 de 12,5%.
No ano de 2010 o número total de entradas de adolescentes no CIA-BH foi de 9.864 e o
número total de adolescentes 6.887. Os adolescentes juridicamente reincidentes somaram 1.020,
o que aponta para uma taxa de reincidência jurídica em 2010 de 15%.
Em 2011 o número total de entradas de adolescentes no CIA-BH foi de 9.109 e o número
total de adolescentes 6.250. Os adolescentes juridicamente reincidentes somaram 852, o que
aponta para uma taxa de reincidência jurídica em 2011 de 13,6%.
4. Conclusões
Este artigo buscou apresentar os resultados quantitativos e qualitativos da pesquisa
realizada no CIA-BH, no escopo de analisar a possível relação entre perfil do jovem apreendido,
atos infracionais atribuídos, decisões judiciais proferidas e a reincidência infracional. A análise
descritiva dos dados referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 apontou que o jovem em
conflito com a lei no município de Belo Horizonte apresenta um perfil com características muito
semelhantes ao longo dos anos: sexo masculino, idade entre 15 e 17 anos, baixa escolaridade,
usuário de drogas, pardos ou pretos, moradores de aglomerados e regiões pobres da cidade,
envolvidos principalmente nos atos infracionais de tráfico de drogas, uso de drogas, furto e roubo.
Constatou-se que 43,4% dos atos infracionais atribuídos estão relacionados às drogas
(tráfico, uso, informante no tráfico e associação para tráfico), corroborando a hipótese de que
muitos adolescentes têm se envolvido reiteradamente nestes atos, mesmo depois de passarem
22 Reiteração foi considerada como mais de uma entrada pelo mesmo adolescente no CIA-BH. 23 Reincidência jurídica Reiteração foi considerada como o cometimento de novo crime após sentença condenatória transitada em julgado (Art. 63 do Código Penal Brasileiro).
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1337
algumas vezes pelo sistema de justiça juvenil. Neste sentido, há que se perguntar sobre os reais
efeitos das políticas de segurança pública brasileiras, ainda muito focadas na repressão e com
incipientes iniciativas de prevenção ao uso e abuso de drogas.
Os dados apontam que, em relação ao uso de drogas, dos 5.403 adolescentes
entrevistados no período 2009-2012, 70,7% alegaram fazer uso de álcool; 55,8% uso de tabaco;
55,6% uso de maconha; 26,6% uso de cocaína; 3,9% uso de crack e 1,4% uso de psicofármacos.
Embora existam estudos sobre o panorama do uso de drogas no Brasil, os dados disponíveis nem
sempre são suficientes para avaliações específicas. O uso de drogas é algo dinâmico,
constantemente variando de um lugar a outro e até mesmo num determinado lugar. Deste modo,
permanentes de pesquisas são necessárias para que novas tendências possam ser detectadas e
programas de prevenção e intervenção sejam adequadamente desenvolvidos.
No que diz respeito à regional de moradia, Nordeste foi a apresentou o maior número de
adolescentes residentes (12,6%) e Pampulha a que apresentou o menor percentual (5,1%). A
Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) representa 9% do total de adolescentes
residentes que deram entrada na instituição ao longo dos quatro anos analisados. Entretanto,
observa-se que muitos adolescentes são provenientes das cidades de Contagem, Ribeirão das
Neves, Santa Luzia, Vespasiano e Ibirité.
Os bairros do suposto cometimento do ato infracional estão, em sua maioria, localizados
em regiões de favelas e aglomerados e contam com altos índices de violência e vulnerabilidades
diversas, fatores que aumentam a exclusão das oportunidades e a probabilidade de envolvimento
em atos criminosos.
Apurou-se nas decisões proferidas em audiência preliminar que a remissão extintiva
cumulada com advertência soma 26,9%, a internação provisória 20,5%, responder o processo em
liberdade conta com 21,2%, remissão extintiva 10,2%, remissão suspensiva cumulada com
prestação de serviços à comunidade 9,7%, remissão suspensiva cumulada com liberdade
assistida 7,7% e arquivamento 5,0%. Assim, ficou evidenciado que 60,3% dos casos que chegam
ao CIA-BH são resolvidos em audiência preliminar, numa tentativa da justiça de agilizar o
processamento do ato infracional e responsabilizar de imediato o adolescente em conflito com a
lei.
No período de 2009 a 2012, do total de 20.100 adolescentes que passaram pelo CIA-BH,
33,6% retornaram ao CIA-BH uma vez; 18,8% retornaram duas vezes; 11,9% retornaram três
vezes; 8% retornaram quatro vezes; 5,5% retornaram cinco vezes; 3,8% retornaram seis vezes e
2,76% retornaram ao CIA-BH sete vezes.
O cálculo da taxa de reincidência jurídica24 foi feito com base no número de adolescentes
que deram mais de uma entrada em cada ano (2009, 2010 e 2011), em cujos processos foram
24 Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença
que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
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1338
proferidas sentenças, tanto em sede de audiência preliminar, quanto ao final da instrução do
processo. Ressalte-se que foram consideradas todas as sentenças para as quais havia
informação, com exceção das seguintes: extinção do processo por maioridade, extinção de
punibilidade por prescrição, extinção do processo por morte do agente, extinção do processo,
arquivamento, absolvição e remissão extintiva.
Destarte, para o ano de 2009, considerando o número total de adolescentes de 6.887 e o
número de adolescentes juridicamente reincidentes de 859, a taxa de reincidência jurídica em
2009 foi de 12,5%.
A reincidência jurídica para o ano de 2010: múmero total de adolescentes: 6.787. Número
de adolescentes juridicamente reincidentes: 1.020. Taxa de reincidência jurídica em 2010: 15,0%
Reincidência jurídica para o ano de 2011: número total de adolescentes: 6.250. Número de
adolescentes juridicamente reincidentes: 852. Taxa de reincidência jurídica em 2011: 13,6%
Por fim, diante dos resultados apresentados, algumas características do adolescente em
conflito com a lei e do funcionamento do sistema de justiça juvenil belohorizontino puderam ser
conhecidos. Os dados indicam alguns padrões e, para que se avance no conhecimento deste
universo, fazem-se necessárias pesquisas de cunho mais qualitativo que possam elucidar
indagações como: que tipo de política pública preventiva tem maior impacto na contenção dos
atos infracionais, principalmente daqueles ligados às drogas? Qual é a eficácia das medidas
socioeducativas no desestímulo ao cometimento de novos atos infracionais? Os programas e
instituições de execução das medidas socioeducativas existentes no município têm sido
suficientes para atender a demanda? O novo paradigma da Justiça Restaurativa pode reduzir o
número de reincidentes?
A coleta, sistematização e análise dos dados será útil se servir como parâmetro para
formulação, implementação e avaliação de políticas públicas que levem em consideração o perfil
dos adolescentes em conflito com a lei, os principais atos por eles cometidos, o modo como são
tratados pelo sistema de justiça, bem como as demandas por acesso aos serviços públicos de
qualidade que de fato promovam sua (re)inserção social e pleno exercício da cidadania.
5. Referências:
ARAUJO, Sandra M. B. Pai, aproxima de mim esse cálice: significações de juízes e promotores sobre a função paterna no contexto da justiça. Tese (Doutorado em Psicologia). Universidade de Brasília, Brasília – DF, 2006.
MELO SILVA, Gustavo de. Ato Infracional: fluxo do Sistema de Justiça Juvenil em Belo Horizonte. 2010. 161f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
SCHUCH, Patrice. Práticas de Justiça: uma etnografia do campo de atenção ao adolescente infrator no Rio Grande do Sul depois do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2005. 345 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
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A CRIMINALIDADE E SUAS MOTIVAÇÕES
Thais Ferreira Sousa Aguiar¹
Jarsen Luis Castro Guimarães²
Shelly Yasmine do Carmo Sillva³
RESUMO
A busca de soluções para o problema criminalidade tem despertado o interesse de estudiosos de diversas áreas do conhecimento. A Região Norte do Brasil apresenta, em termos relativos, o maior crescimento da marginalidade. Diante disso, este trabalho faz uso de modelos econométricos probit para estudar a relação entre categorias de crimes e variáveis socioeconômicas, na Região Oeste do Pará, com foco no município de Santarém, para verificar a motivação de crimes por categorias, com base em pesquisa desenvolvida na Penitenciária Silvio Hall de Moura. Utiliza também a metodologia desenvolvida por Heckman relativo à correção do viés de seleção. Como resultado, traça-se um perfil dos presos por categorias de crimes, observa-se que a motivação básica para o preso cometer crimes é diferente entre as quatro categorias pesquisadas: Nos crimes contra a vida observou-se a interação social como a principal motivação; nos crimes contra os costumes a interação social e a herança familiar; nos crimes contra o patrimônio a condição econômica do indivíduo e; a motivação do preso por tráfico de entorpecentes encontrou apoio nas questões econômicas, na interação social e na herança familiar do indivíduo.
Palavras-Chave: Motivações, Criminalidade; Procedimento de Heckman.
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1340
ECONOMIA E CRIMINALIDADE: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS
I. INTRODUÇÃO
A criminalidade e suas causas são estudadas há bastante tempo. Para
Cerqueira e Lobão (2003 a), o estudo sobre as causas da criminalidade tem se
desenvolvido em duas direções. A primeira aborda o aspecto das motivações individuais
e os procedimentos que levariam as pessoas a se tornarem criminosas. A segunda
estuda as relações entre as taxa de crime em função das variações nas culturas e nas
organizações sociais.
Beato Filho (1998), concordando com os anteriores, entende que as
causas da criminalidade são provenientes de fatores de natureza econômica (privação de
oportunidades, desigualdade social, etc.) ou são simplesmente atos criminosos
consistentes em uma agressão ao consenso moral e normativo da sociedade, sem
qualquer finalidade econômica. Para Cressey (1968) o comportamento criminoso deveria
levar em conta a compreensão das motivações e do comportamento individual e a
epidemiologia associada a tais comportamentos.
Diante disso, este trabalho faz uso de modelos econométricos probit para
estudar a relação entre categorias de crimes e variáveis socioeconômicas, na Região,
com foco no município de Santarém. Utiliza também a metodologia desenvolvida por
Heckman (1968) relativo à correção do viés de seleção.
II. METODOLOGIA
Neste trabalho procura-se entender o comportamento do indivíduo
envolvido na atividade criminosa, por categoria de crimes, analisando-se resultados
obtidos com a aplicação de modelos econométricos, comparados aos previstos nas
teorias revisadas. A base de dados foi obtida com aplicação de 353 questionários, pelo
autor, entre os reclusos do sexo masculino da Penitenciaria de Santarém-Pa, nos meses
de novembro de 2004 a abril de 2005.
A parte econométrica segue a metodologia utilizada por Mendonça et alii
(2003 a), Shikida et alii (2005) e Shikida et alii (2006), chegando-se a um modelo de
variável qualitativa tipo Probit (Johnston e Dinaro, 2001), com aplicação do procedimento
de Heckman (1979) relativo à correção de viés de seleção. Como a variável dependente
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1341
é qualitativa, trabalha-se com o modelo probit1. De acordo com Johnston e Dinaro (2001),
os modelos Probit são utilizados quando as variáveis dependentes são qualitativas,
representadas por variáveis binárias 1 e 0. Será 1 se o evento ocorrer, caso contrário, 0.
A probabilidade de ocorrência do evento pode ser relacionada com as variáveis
independentes segundo a forma funcional:
prob Yi = 1 =Φ Xi� = ∫ √2Π exp −�2 dz ( 1 )
A transformação normal tradicional Φ (·) faz com que a probabilidade
permaneça entre 0 e 1, ou seja, � � = 0 ( 2 )
O modelo procura estimar quais variáveis teriam influência sobre a
probabilidade de se cometer determinada categoria de crimes. Entre essas variáveis
destacam-se: a) Variáveis socioeconômicas: idade, estado civil, bairro de residência,
escolaridade do preso, emprego formal, residência própria, preso anteriormente; b)
variáveis de herança familiar: estado civil dos pais, categoria de chefe da família,
escolaridade do chefe da família, existência de indivíduo (s) preso (s) na família, registro
de violência na infância/adolescência e; c) variáveis de interação social: bairro e local do
crime, número de indivíduos no imóvel. Exceto as variáveis “idade” e “número de
indivíduos no imóvel”, todas as variáveis são dummy`s.
Como os dados da amostra foram coletados somente por meio de
informações dos indivíduos presos, segue-se a metodologia proposta por Heckman
(1979), com o objetivo de corrigir o viés de seleção. A equação primária objetiva mostrar
a relação entre a categoria de crimes e os seus determinantes, definida por:
Yi = xi’ + i , ( 3 ),
onde Y é observado (representa a categoria de crimes a ser analisada) e
Xi a matriz de variáveis explicativas de Y e ε o termo de erro estocástico ou perturbação
estocástica. Após estimação, de um modelo geral, são retidas apenas as variáveis que
apresentam coeficientes estatisticamente significativos.
O segundo estágio consiste em definir a equação de comportamento que
mostra a predisposição do agente à prática de um delito da categoria de crimes analisada.
1 No modelo probit é assumida uma distribuição normal, já no modelo logit assume-se uma distribuição
logística. A distribuição logística é similar à normal, exceto pelas caudas. Para valores intermediários as duas
distribuições tendem a gerar probabilidades similares (ver Greene, p. 637-638 – 2ª Ed., 1993). Por
similaridade e por ter sido adotada em análises similares foi escolhida a distribuição normal.
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Assim, seleciona-se uma variável latente z* que pode representar a relação com a índole,
ou com a formação, ou ainda, com a situação econômica do indivíduo, variando em
relação à hipótese.
De forma parametrizada pode-se afirmar que se z* > 0, a categoria de
crimes estudada possui a característica determinada como hipótese, e z* < 0, não possui.
Além do mais, existe um vetor de variáveis observadas w que determina z*. Dessa forma
tem-se a seguinte equação comportamental para o indivíduo i.
zi* = y’ wi + ui ( 4 )
A idéia é que u e ε sejam correlacionados, com a hipótese de que u e ε
tenham distribuição normal bivariada com média 0 (zero) e correlação ρ. Assim, conforme
Greene (1993),
onde, ( 5 )
( 6 )
Nesse caso e Ф representam a função de densidade e distribuição de
uma normal, respectivamente. Assim, tem-se que:
( 7 ),
sendo vi um distúrbio com média 0 (zero) e variância constante.
Por meio do teste de razão de máxima verossimilhança, verifica-se a
correlação entre os distúrbios das duas equações (ε e u, distúrbios das equações
primária e comportamental, respectivamente), representado por ρ, se é nula. A hipótese
trabalhada é aceita caso se consiga mostrar que existe correlação estatística de sinal
negativo entre os resíduos dessas duas equações.
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III. TEORIAS DE CAUSALIDADE DA CRIMINALIDADE
Para enquadrar os diversos estudos sobre a temática da criminalidade,
dividimos as teorias de causalidade do crime em quatro grandes grupos:
1) Grupo das teorias de caráter biológico - Nesse grupo são destacadas as
teorias focadas nas patologias individuais. As causas do crime estariam relacionadas a
questões biológicas. Os autores têm como base os estudos de Lombroso [1893; 1910
(editado em 1968)], nos quais patologias individuais como formação óssea do crânio,
formato das orelhas, entre outras características físicas, são considerados identificadores
da patologia criminosa. Tal visão inspirou trabalhos, como Healy (1915), Glueck (1918),
Hakeem (1958), Crassey (1968) e Daly e Margo (1983, 1988 e 1999). Essas teorias
caíram em desuso pela falta de consistência e não são consideradas no trabalho.
2) Grupo de teorias de caráter de herança familiar - Nesse grupo
destacam-se as teorias do autocontrole e interacional.
a) Teoria do autocontrole. Desenvolvida por Gottfredson e Hirschi (1990),
enfatiza que a diferença existente entre indivíduos que possuem comportamentos
desviantes ou desenvolvem vícios e os outros indivíduos, decorre de deformações no
processo de socialização da criança, causadas pela ineficácia da conduta educacional
ministrada pelos pais na fase entre dois e três anos até a fase pré-adolescente.
Destacam-se os trabalhos de Arnekley et alii ( 1993), Polakowski (1994) e Gibbs et alii
(1998).
Donohue e Levitt (2001) estudaram as causas da criminalidade nos
Estados Unidos, fazendo comparações entre cidades onde o aborto foi legalizado, no
início da década de 70, e cidades em que a legalização se deu posteriormente. Os
autores observaram que nos anos 90 houve uma significante redução da taxa de
criminalidade concernente aos crimes de propriedade e crimes violentos nas cidades
onde o aborto foi permitido antes de 1973. Esse impacto da legalização do aborto sobre o
crime estaria relacionado principalmente à ocorrência da gravidez não intencional de
adolescentes, mulheres solteiras e mulheres pobres.
b) Teoria interacional. Inspirada nas Teorias de Associação Diferencial e do
Controle Social. A delinqüência é entendida como causa e conseqüência de uma
variedade de relações recíprocas desenvolvidas ao longo do tempo. Segundo Entorf e
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Spengler (2002), dois elementos consubstanciam essa teoria: a) a perspectiva
evolucionária, segundo a qual a atividade criminosa não seria uma constante na vida do
indivíduo, todavia seria um processo que se inicia por volta dos 12 ou 13 anos, aumenta
o seu envolvimento em tais atividades aos 16 ou 17 anos, terminando esse processo até
os 30 anos; b) os efeitos recíprocos, que esclareceriam as virtuais relações de
endogeneidade das variáveis explicativa e dependente.
3) Grupo de teorias de interação social - Fazem parte desse grupo as
teorias do controle social, aprendizado social e desorganização social.
a) Teoria do controle social. Procura estudar o porquê de as pessoas
absterem-se de cometer crime. A idéia principal reside no sentido de ligação do indivíduo
com a sociedade. Assim, quanto maior for o envolvimento do cidadão com a sociedade e
quanto mais ele concordar com os valores e normas vigentes, menor será a chance de
tornar-se um criminoso. Destacam-se os trabalhos de Agnew (1991), Agnew e White
(1992), Junger-Tas (1992), Agnew (1993), Paternoster e Mazerolle (1994) e Horney et alii
(1995).
b) Teoria do aprendizado social ou teoria de associação diferencial.
Desenvolvida por Sutherland (1942), busca explicar o processo pelo qual jovens moldam
seus comportamentos a partir de interações e experiências pessoais com relação às
situações de conflito, tendo como base o processo de comunicação. Nessa área
destacam-se os trabalhos de Matsueda (1982), Bruinsma (1992) e McCarthy (1996) e
Currie e Tekin.
c) Teoria da desorganização social. Abordagem sistêmica, cujo enfoque
gira em torno das relações sociais que contribuem para o processo de socialização e
aculturação do indivíduo, como relações de amizade e parentesco, condicionadas por
fatores estruturais, a exemplo do status econômico. Nesse sentido, Sampson e Groves
(1989), observaram heterogeneidade social, estabilidade social, desagregação familiar,
urbanização, redes de amizade local, grupos de adolescentes sem supervisão e
participação organizacional, como variáveis explicativas da criminalidade. Conforme
Sampson (1997), a organização e a desorganização sociais constituem laços
inextricáveis de redes sistêmicas para facilitar ou inibir o controle das relações sociais.
Nesse sentido a criminalidade emergiria como conseqüência de falhas na organização
dessas relações sociais em nível comunitário e das vizinhanças, a exemplo de redes de
amizades esparsas ou baixa participação social (Entorf e Spengler, 2002). Miethe et alii
(1991), utilizando registros policiais de 584 cidades americanas relativos aos anos de
1960, 1970 e 1980, trabalharam com dados de painel a fim de testar variáveis
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1345
explicativas para homicídios, roubos e arrombamentos. Como variáveis significantes
destacaram a taxa de desemprego, a heterogeneidade étnica e a mobilidade residencial,
o controle institucional e a existência de mais de um morador por cômodo.
4) Teorias de caráter econômico - Esse grupo enfoca três teorias: anomia,
estilo de vida e teoria econômica da escolha racional.
a) Anomia. Desenvolvida por Merton (1938), propõe que a motivação para
a delinqüência decorre da impossibilidade de o indivíduo atingir metas desejadas por ele.
Na operacionalização dessa teoria surgiram três perspectivas distintas: a) expectativa de
realização: o processo de anomia decorreria da diferença entre as aspirações individuais
e as reais expectativas dos indivíduos; b) oportunidades bloqueadas: desenvolvida por
Agnew (1987) e Burton e Cullen (1992): o foco de divergências das normas instituídas
passa a existir a partir do momento em que o indivíduo percebe que o insucesso decorre
de condições externas a sua vontade; e c) privação coletiva [Burton et alii (1994)]:
enfatiza a distância entre o ideal de sucesso da sociedade e a situação específica em
que o indivíduo se encontra. Como trabalhos nesse campo cita-se os de Reiss e Rhodes
(1963), Elliot e Voss (1974), Greenberg (1977), Blau e Blau (1982), Agnew (1984), Burton
et alii (1994) e Agnew (1992) .
b) Teoria do estilo de vida. Nessa teoria trabalha-se com a existência de
três elementos: vítima em potencial, agressor em potencial e tecnologia de proteção, esta
ditada pelo estilo de vida da vítima em potencial. Leva-se em consideração o nível de
proteção da possível vítima e os custos do delinqüente para o crime ser cometido. A
possível vítima, ao recorrer a mais alta tecnologia de segurança, inibe o agressor devido
ao alto custo necessário para perpetrar o crime. Trabalhos como de Messner e Blau
(1987), Miethe et alii (1987), Miethe et alii (1991), Roncek e Maier (1991) e Tremblay e
Tremblay (1998), mostraram a relação empírica entre estilo de vida da vítima e
criminalidade.
c) Teoria econômica da escolha racional. Tem como referência o trabalho
desenvolvido por Becker (1968), aplicado à questão da criminalidade. Estabelece um
modelo formal no qual o ato criminoso resulta de uma avaliação racional em torno dos
benefícios e dos custos esperados pelos envolvidos. A decisão de cometer crime ou não
decorreria de um processo de maximização de utilidade esperada.
A partir da exposição de diversas teorias que procuram explicar a
criminalidade, fica evidente tratar-se de um fenômeno complexo e multifacetado. As
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1346
pesquisas empíricas nessa área evidenciam a dificuldade e talvez impossibilidade de se
conseguirem resultados generalizados.
IV. MODELO DE VARIÁVEL QUALITATIVA PARA A CRIMINALIDADE
Exceto as variáveis “idade” e “número de indivíduos no imóvel”, todas as
variáveis empregadas são dummy’s. As informações referem-se ao período que antecede
o delito. Para cada categoria apresenta-se o modelo geral, de que se retiram somente as
variáveis estatisticamente significantes em um nível de 5%.
4.1. MODELO DE VARIÁVEL QUALITATIVA PARA A CATEGORIA DE CRIMES
CONTRA A VIDA
a) Equação primária
Categoria de crime contra a vida = f [escolaridade (até 4 anos de estudo, mais de 4 até 8 anos de estudo), prisão anterior, uso de droga (s), crime cometido em outra cidade, bairro de residência (periférico), local do crime (bar, local via pública)].
A equação de comportamento associará uma variável que retrata boa
formação do indivíduo preso com seus determinantes. O objetivo é demonstrar que a
pessoa de boa formação tende a agir de modo menos violento. Para escolher variáveis
proxies de boa formação tem-se como referência o trabalho de Shikida et alii (2005) e
Mendonça et alii (2003 a) que obtém resultados mais confiáveis estatisticamente quando
as proxies de “travas morais”, são “ser católico” e/ou “acreditar em Deus”. Dessa forma,
trabalha-se com a variável “religião” que assumirá o valor 1 se o indivíduo tiver religião,
caso contrário será 0 (zero).
Baseado em Mendonça et alii (2003 a) três variáveis podem atuar como
regressores da equação comportamental: “relacionamento dos pais é união estável”;
“reside com pai e mãe” e se “existe(m) preso(s) na família”. A equação comportamental
fica assim estabelecida.
b) Equação comportamental
Religião = f [com quem residia (reside com pai e mãe), estado civil dos pais (união estável), preso(s) na família].
Os resultados estimados podem ser vistos na Tabela 1.
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TABELA 1
Estimativa de parâmetros das variáveis e resultado final do modelo econométrico para a categoria de crimes contra vida com seleção de amostra –
Modelo probit.
Número de observações: 344
Observações censuradas: 95
Observações não censuradas: 249
Wald chi2 (8) = 350,20
Log likelihood = -372,7273
Prob. > chi2 = 0,0000
Coeficiente Z Prob. > Z
Equação primária (crimes contra a vida)
Até 4 anos de estudo
Mais de 4 até 8 anos de estudo
Prisão anterior
Uso de droga (s)
Bairro crime outra cidade
Bairro resid. periférico
Local bar
Local via pública
Equação de comportamento
Preso(s) na família
Reside com pai e mãe
Relacionamento dos pais união estável
ρ
Teste de razão de Máxima verossimilhança
Ho: ρ = 0
Chi2 (1) = 8,03
Prob. > chi2 = 0,0009
-0,473
-0,317
-0,246
0,197
0,366
0,318
0,433
0,324
0,301
-0,813
0,407
-0,575
4,34
2,89
-4,18
3,37
4,60
4,09
3,32
5,68
1,96
-4,17
1,28
0,006
0,020
0,000
0,001
0,000
0,000
0,000
0,000
0,050
0,000
0,002
Os sinais dos parâmetros das variáveis que representam a “escolaridade
do indivíduo” sinalizam para o fato de que ter uma boa criação e educação, isto é, uma
boa interação familiar, reduz a probabilidade de o preso cometer tais crimes. Esses
resultados estão de acordo com apresentados por Fajnzylber e Araújo Jr. (2001) e
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Andrade et alii (2003). Cada infrator que possui “prisão anterior” reduz a expectativa de
cometer crimes dessa natureza. Esse resultado contradiz os encontrados por Cerqueira e
Lobão (2003 b) e Andrade et alii (2003) ao observarem as experiências em penitenciárias
como um estímulo aos crimes de homicídio e roubo. As variáveis “uso de droga (s)”,
“bairro de residência periférico”, “crime cometido em outra cidade”, “local bar” e “via
pública”, aumentam a probabilidade de o preso cometer crimes contra a vida. Observa-se
ainda que os crimes contra a vida parecem não encontrar respaldo em motivos de ordem
econômica e as variáveis que retratam boa interação familiar reduzem a possibilidade de
o preso cometer esses tipos de crimes.
Com relação à hipótese estabelecida percebe-se que a correlação entre os
distúrbios das duas equações quando nula é rejeitada, isto é, ρ ≠ 0 (Prob > Chi2 = 0,0009)
e o coeficiente de correlação entre os resíduos das equações primária e comportamental
apresenta sinal negativo. Todas as variáveis são estatisticamente significantes em um
nível de 5% (Prob. > Z) e o modelo e consistente no seu teste (Prob. > Chi2 = 0,0000).
Assim, o modelo mostra que indivíduos com religião têm tendência menor de se
envolverem em crimes dessa natureza e que esse tipo de delito está relacionado a
fatores de interação social.
4.2. MODELO DE VARIÁVEL QUALITATIVA PARA A CATEGORIA DE CRIMES
CONTRA O PATRIMÔNIO
a) Equação primária
Categoria de crime contra o patrimônio = f[local do crime (via pública, local casa alheia,
local outros), prisão anterior, uso de drogas, estado civil dos pais (casados)].
Para escolher variáveis proxies da situação econômica do indivíduo, as
referências são os trabalhos de Becker (1968) e Fernandez e Maldonado (1999),
segundo os quais uma das formas de se combater o crime é dar uma melhor distribuição
de recursos. Conforme Pezzin (1986), Miethe et alii (1991) e Mendonça et alii (2003) a
pobreza contribui para a ocorrência de crimes contra o patrimônio. O mesmo se aplica a
Beato Filho (1998). Assim, escolheu-se como proxy a variável “possui residência própria”.
Para regressores da equação de comportamento buscou-se proxys condizentes com a
situação econômica do indivíduo. Dessa forma, as variáveis “tem emprego”, “estado civil
casado”, “nível de escolaridade mais de 4 até 8 anos de estudo”, amparadas pelo estudo
de Fajnzylber e Araújo Jr. (2001). Trabalha-se ainda com a variável “bairro de residência
periférico”.
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b) Equação comportamental
Residência própria = f [possui emprego, estado civil (casado), bairro de residência
(periférico), escolaridade (mais de 4 até 8 anos de estudo)].
TABELA 2
Estimativa de parâmetros das variáveis e resultado final do modelo econométrico para a categoria de crimes contra o patrimônio com seleção de
amostra -
Modelo probit.
Número de observações: 344
Observações censuradas: 90
Observações não censuradas: 254
Wald chi2 (6) = 125,72
Log likelihood = -359,8775
Prob. > chi2 = 0,0000
Coeficiente Z Prob. > Z
Equação primária (crimes contra o patrimônio)
Local via pública
Local casa alheia
Local outro(s)
Prisão anterior
Uso de droga (s)
Pais casados
Equação de comportamento
Casado
Possui emprego
Bairro resid. periférico
Mais de 4 até 8 anos de estudo
ρ
Teste de razão de Máxima verossimilhança
Ho: ρ = 0
Chi2 (1) = 3,44
Prob. > chi2 = 0,0063
0,205
0,369
0,528
0,376
-0,131
0,102
0,517
0,334
0,502
0,498
-0,513
3,08
4,49
5,10
6,62
-2,21
1,83
2,56
1,28
4,43
3,53
0,002
0,000
0,000
0,000
0,027
0,047
0,010
0,006
0,000
0,000
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Ao analisar as variáveis estatisticamente significantes a 5% (Valor – P),
fatores relacionados a questões não econômicas do indivíduo apresentam resultados de
maior influência na criminalidade, destacando-se “pais casados”, “local do crime casa
alheia” e “local do crime” ( via pública, casa alheia e outros locais).
O sinal do parâmetro da variável “uso de droga (s)” reduz a probabilidade
de o preso cometer crimes contra o patrimônio. Já o das variáveis “prisão anterior”, “local
via pública”, “local casa alheia”, “local outros” e “pais casados” aumentam a probabilidade
de o infrator cometer crimes dessa natureza. Esse resultado está de acordo com os
encontrados por Cerqueira e Lobão (2003b), Andrade et alii (2003), e Kume (2005).
Observa-se que todas as variáveis do modelo são significantes em um
nível de 5% (Prob. > Z), bem como o modelo, Prob > Chi2 = 0,0000. Assim, num nível de
significância de 5%, a hipótese estabelecida de que a correlação entre os distúrbios das
duas equações seja nula é rejeitada, ou seja, ρ ≠ 0, ou seja, Prob. > Chi2 = 0,0063. Nota-
se também que o sinal do coeficiente de correlação entre os resíduos das duas equações
(primária e comportamental) é negativo. Dessa forma pode-se constatar que a motivação
da criminalidade para o indivíduo preso por crime contra o patrimônio é diferente dos
demais inclusos em outras categorias e que aquele tipo de delito está relacionado à
condição econômica do indivíduo.
4.3 MODELO DE VARIÁVEL QUALITATIVA PARA A CATEGORIA DE CRIMES
CONTRA OS COSTUMES
a) Equação primária
Categoria de crime contra os costumes = f[idade, prisão anterior, registro de violência na
infância/adolescência, escolaridade (até 4 anos de estudo, mais de 4 até 8 anos de
estudo), preso(s) na família].
Após definição da equação primária, procura-se definir a de
comportamento. A variável dependente da equação de comportamento escolhida como
proxy de boa formação do preso tem como referência o trabalho de Sutherland (1942),
Gottfredson e Hirschi (1990), Agnew (1991) e Sampson (1997), os quais acreditam que a
propensão do indivíduo ao crime é resultado de um ambiente familiar instável, pertinente
a má concepção do caráter dessa pessoa. Dessa forma, trabalha-se como proxy de boa
formação a variável “estado civil dos pais união estável”. O critério de escolha dos
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regressores é análogo ao verificado na categoria de crimes contra a vida. A diferença
consiste em acrescentar ao modelo variáveis que representem questões relacionadas à
herança familiar do indivíduo.
b) Equação comportamental
Estado civil dos pais é união estável = f[tipo de religião (católica), com
quem residia ( pai e mãe), chefe da família( mãe)].
Os resultados estimados podem ser vistos na Tabela 3.
TABELA 3
Estimativa de parâmetros das variáveis e resultado final do modelo econométrico para a categoria de crimes contra os costumes com seleção de
amostra
Modelo probit.
Número de observações: 344
Observações censuradas: 323
Observações não censuradas: 21
Wald chi2 (6) = 36,82
Log likelihood = -145,7809
Prob. > chi2 = 0,0000
Coeficiente Z Prob. > Z
Equação primária (crimes contra os costumes)
Idade
Prisão anterior
Registro de violência na infância/adolescência
Até 4 anos de estudo
Mais de 4 ate 8 anos de estudo
Preso(s) na família
Equação de comportamento
Reside com pai e mãe
Religião católica
Chefe de família mãe
0,018
-0,019
0,495
-1,363
-1,300
-0,547
-0,897
-1,330
-1,471
-0,738
-3,85
-3,85
3,81
1,78
1,71
-0,87
-4,18
-8,64
-4,82
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
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ρ
Teste de razão de Máxima verossimilhança
Ho: ρ = 0
Chi2 (1) = 4,76
Prob. > chi2 = 0,0002
Conforme os resultados da Tabela 3, na prática desses crimes os fatores
relacionados a questões de interação social e herança familiar apresentam resultados de
maior influência na delinqüência, como “idade”, “registro de violência na
infância/adolescência”, “prisão anterior” e “preso(s) na família”. Os sinais dos parâmetros
das variáveis “prisão anterior” e “preso(s) na família” indicam uma redução da
probabilidade do preso cometer crimes dessa natureza, já os das variáveis “idade” e
“registro de violência na infância/adolescência” aumentam a probabilidade de o delituoso
cometer crimes dessa categoria.
O nível de escolaridade do detento (“até 4 anos de estudo” e “mais de 4
até 8 anos de estudo”) diminuem a expectativa de o preso cometer esses delitos. Esses
resultados são referendados por Fajnzylber e Araújo Jr. (2001) segundo os quais maiores
níveis educacionais reduzem a taxa de crimes contra a pessoa.
Para o delituoso preso anteriormente, a probabilidade de cometer esse tipo
de crime é reduzida. Já para cada indivíduo que apresenta “registro de violência na
infância/adolescência” a probabilidade de cometer delitos dessa natureza aumenta. No
que tange a violência na infância/adolescência, que Currie e Tekin (2006), em estudos da
economia do crime, chegam a conclusões parecidas.
A hipótese estabelecida de que a correlação entre os distúrbios das duas
equações seja nula é rejeitada. O coeficiente de correlação entre os resíduos das
equações primária e comportamental apresenta sinal negativo. De acordo com o teste de
razão de verossimilhança, observa-se que ρ ≠ 0, ou seja, os indivíduos da categoria de
crimes contra os costumes possuem uma motivação para a criminalidade distinta da dos
demais presos (Prob. > Chi2 = 0,0002). A idéia aqui é que tanto as questões de interação
social quanto as de herança familiar têm influência direta nessa categoria de crimes.
Assim, quanto maior for o elo e a integração dos infratores com as normas da sociedade
e quanto mais estável for a sua família, menor será a probabilidade de delinqüirem.
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4.4 MODELO DE VARIÁVEL QUALITATIVA PARA A CATEGORIA DE CRIMES DE
TRÁFICO DE ENTORPECENTES
Conforme Mendonça et alii (2003 a), a causa que leva o indivíduo a
praticar esse tipo de delito pode ser atribuída a diversos fatores, destacando-se os de
ordem econômica e o custeio do próprio vício. Soares et alii (2005) observam motivos
mais do que econômicos para a entrada dos agentes nessa categoria, como a
discriminação racial. Fernandez e Maldonado (1999) ressaltam as causas determinantes
da prática desse tipo de delito. Elas podem ser tanto de origem individual como de cunho
social.
a) Equação primária
Categoria de crime de tráfico de entorpecentes = f [local do crime (própria casa), uso de
droga, registro de violência na infância/adolescência, não tem emprego, não possui filho,
com quem reside (sozinho), residência própria].
TABELA 7
Equação primária: Estimativas de parâmetros das variáveis para a categoria de crimes de tráfico de entorpecentes com seleção de amostra – Modelo probit.
Número de observações: 338
LR chi2 (45) = 106,63
Log likelihood = -82,9793
Prob. > chi2 = 0,0000
Pseudo R2 = 0,3912
Coeficiente Desvio Padrão
Valor-P
Equação primária (crimes de tráfico de entorpecentes)
Local própria casa
Uso de droga (s)
Registro de violência na infância/adolescência
Não tem emprego
Não possui filho
Reside sozinho
1,315
-0,705
-0,906
1,475
-0,693
-2,379
-0,544
0,43
0,28
0,51
0,89
0,30
1,19
0,29
0,002
0,014
0,050
0,041
0,025
0,046
0,052
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Residência própria
Ao serem analisados os sinais dos parâmetros das variáveis
estatisticamente significantes em nível de 5%, verifica-se a influência tanto das que
retratam a situação econômica do indivíduo quanto às de interação social e herança
familiar, como motivadoras desses crimes. Porém para a categoria de crimes de tráfico
de drogas não foi possível determinar se a motivação para a prática desses delitos é
igual ou diferente da motivação das outras categorias, pois as variáveis comportamentais
que poderiam ser utilizadas não distinguiriam este grupo das já analisadas. Outro fator
agravante é que do ponto de vista estatístico o respaldo na literatura é muito insuficiente
nessa área.
5. CONCLUSÃO
Este trabalho buscou estudar a motivação que levou o indivíduo preso, a
cometer crime. É uma análise que parte das teorias existentes sobre a criminalidade
relacionando-a as características socioeconômicas do preso, herança familiar e de
interação social, que pretende contribuir para um maior entendimento da criminalidade na
região. Para tanto, utilizou-se a metodologia proposta por Heckman (1979). Buscou-se
identificar a motivação do crime e para isso os delitos foram divididos em quatro
categorias: contra a vida, contra o patrimônio, contra os costumes e tráfico de
entorpecentes.
De acordo com os resultados obtidos neste trabalho, constata-se que a
motivação básica é diferente para o preso cometer crimes contra a vida, contra os
costumes e contra o patrimônio, não sendo possível identificar a motivação para os
crimes de tráfico de drogas. Nos crimes contra a vida observou-se a interação social
como a principal motivação. Crimes contra os costumes encontraram motivação na
interação social e na herança familiar. Os Crimes contra o patrimônio foram explicados
com base na condição econômica do indivíduo. Para se chegar a tais conclusões foram
feitos testes de hipóteses, os quais, de acordo com o teste de razão de máxima
verossimilhança, apresentaram uma correlação de resíduos negativa, ou seja, correlação
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dos resíduos da equação primária com os da equação comportamental diferente de zero,
isto é, ρ ≠ 0. Como as categorias de crimes contra a vida, patrimônio e costumes
apresentaram ρ ≠ 0, significa dizer que cada categoria de crime possui uma motivação
básica diferenciada para a criminalidade.
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