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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE HUMANIDADES ARTES E CIÊNCIAS PROF. MILTON SANTOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES SOBRE A UNIVERSIDADE GUSTAVO MARQUES PORTO CARDOSO VIDA UNIVERSITÁRIA, ATIVIDADE FÍSICA E PROMOÇÃO DA SAÚDE ENTRE ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Salvador 2015

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GTA - Gabarito para Trabalhos Acadmicos

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES ARTES E CINCIAS PROF. MILTON SANTOS

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES SOBRE A UNIVERSIDADE

GUSTAVO MARQUES PORTO CARDOSO

VIDA UNIVERSITRIA, ATIVIDADE FSICA E PROMOO DA SADE ENTRE ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Salvador2015

GUSTAVO MARQUES PORTO CARDOSO

VIDA UNIVERSITRIA, ATIVIDADE FSICA E PROMOO DA SADE ENTRE ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Estudos Interdisciplinares Sobre a Universidade, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obteno do grau de Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade

Orientadora Prof. Dra. Renata Meira Veras

Coorientadora Prof. Dra. Maria Thereza vila Dantas Coelho

Salvador2015

(C268v Cardoso, Gustavo Marques Porto Vida universitria, atividade fsica e promoo da sade entre estudantes da Universidade Federal da Bahia / Gustavo Marques Porto Cardoso. Salvador, 2015. 133 f.:il. Orientadora: Prof. Dra. Renata Meira Veras Coorientadora: Prof. Dra. Maria Thereza vila Dantas Coelho Dissertao (Mestrado em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade) - Programa de Ps-Graduao em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade, Universidade Federal da Bahia, 2015. 1. Promoo da sade 2. Universidade 3. Estudantes 4. Atividade fsica I. Veras, Renata Meira II. Universidade Federal da Bahia III. Ttulo. CDD 613.0434)

Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca do Centro de Cincias da Sade UFRB

Magali Alves Albuquerque CRB 5/1438

Aos

meus professores, que me fizeram e fazem

acreditar no poder da educao

AGRADECIMENTOS

s minhas orientadoras Prof. Renata Meira Veras pela amizade, dedicao, incentivo, carinho e presteza, e por se fazer presente em todos os momentos, apresentando caminhos mais claros nas horas de dificuldades; Prof. Maria Thereza vila Dantas Coelho pela amizade, conselhos, acolhimento e prontido, sempre com palavras carinhosas e to cheias de sabedoria.

Aos demais professores do EISU que deixaram sementes de sabedoria em minha caminhada.

Aos demais funcionrios da Universidade Federal da Bahia, pelo sorriso sempre farto.

Aos colegas de percurso pela espontaneidade e alegria na troca de informaes e saberes numa rara demonstrao de amizade e solidariedade.

Aos meus companheiros de curso Dayse, Carlos, Vernica, Valria, Mrcia e Wilton, por tamanha troca de amor e compreenso.

Aos alunos do Bacharelado Interdisciplinar em Sade, fonte inspiradora para esta dissertao.

minha famlia pela pacincia em tolerar a ausncia.

E, finalmente, a DEUS pelo dom da vida e pela oportunidade de viver tal experincia.

A educao o grande motor do desenvolvimento pessoal. atravs dela que a filha de um campons se torna mdica, que o filho de um mineiro pode chegar a chefe de mina, que o filho de trabalhadores rurais pode chegar a presidente de uma grande nao.

Nelson Mandela

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Arquitetura curricular da Universidade Nova.28

Figura 2- Arquitetura curricular do modelo brasileiro atual (progresso linear)29

Figura 3 - Estrutura curricular dos Bacharelados Interdisciplinares da Universidade Federal da Bahia31

Figura 4 - Linha do tempo do processo de criao, formulao e implantao do BI Sade: 2006 2010.34

Figura 5 - Mapa das Conferncias Internacionais de Promoo da Sade realizadas entre 1986 e 201352

Figura 6 - Modelo de Dahlgren & Whitehead: influncia em camadas53

Figura 7 Grfico Distribuio dos participantes por sexo79

Figura 8 Grfico de80

Figura 9 Grfico de distribuio dos participantes por turno.81

Figura 10 Grfico de distribuio dos participantes por semestre.82

Figura 11 - Distribuio dos alunos participantes por classes de prtica de atividade fsica.85

Figura 12 Grfico de dados sobre o tempo gasto sentado pelos universitrios do BI em Sade durante um dia de semana.87

Figura 13 Grfico de dados sobre o tempo gasto sentado pelos universitrios do BI em Sade durante um dia de final de semana.87

Figura 14 - Grfico de dados da quantidade de universitrios que responderam a pergunta aberta sobre concepes de Promoo da Sade89

Figura 15 - Nuvem de palavras elaborada com base nas respostas dos alunos do BIS sobre concepes de Promoo da Sade. Salvador, perodo letivo 2014.1.89

Figura 16 - Grfico nmeros e percentuais de unidades de contextos nas categorias definidas a posteriori91

Figura 17 Grfico de prevalncia das principais palavras ou expresses relacionadas categoria Promoo da Sade como sinnimo de ausncia de doena.92

Figura 18 - Grfico prevalncia das principais palavras ou expresses relacionadas categoria Promoo da Sade como sinnimo de Bem-estar/Qualidade de Vida.94

Figura 19 Grfico prevalncia das principais palavras ou expresses relacionadas categoria Promoo da Sade como sinnimo de estilo de vida saudvel.99

Figura 20 - Grfico de prevalncia das principais palavras ou expresses relacionadas categoria Promoo da Sade como sinnimo de polticas/aes sociais e de sade.103

LISTA DE QUADROS E TABELAS

Quadro 1 - Sntese da distribuio da carga horria do curso35

Quadro 2 - Perfil esperado dos egressos do BI em Sade.36

Quadro 3 - Categorias e subcategorias das concepes de Promoo de Sade entre alunos do Bacharelado Interdisciplinar em Sade da UFBA, Salvador-BA, 2014.90

Tabela 1 - Dados do perfil socioeconmicos dos participantes da pesquisa (N= 190)83

LISTA DE ABREVIATURAS

a.C. - Antes de Cristo

ANDIFES - Associao Nacional de Dirigentes de Instituies Federais de Educao Superior

BI - Bacharelado Interdisciplinar

BIA - Bacharelado Interdisciplinar em Artes

BIC&T - BI em Cincias & Tecnologias

BIH - BI em Humanidade

BIS - Bacharelado Interdisciplinar em Sade

CEG - Cmara de Ensino de Graduao

CGPNPS - Comit Gestor da Poltica Nacional de Promoo da Sade

CNDSS - Comisso Nacional sobre Determinantes Sociais da Sade

CNRS - Comisso Nacional de Reforma Sanitria

CONSUNI - Conselho Universitrio

CPL - Cursos de Progresso Linear

d.C. - Depois de Cristo

DCNT - Doenas Crnicas No-Transmissveis

DSS - Determinantes Sociais da Sade

ENEM - Exame Nacional do Ensino Mdio

FONAPRACE - Frum Nacional de Pr-reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis

GM - Gabinete do Ministro

IES - Instituto de Educao Superior

IFES - Institutos Federais de Educao Superior

Inep - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

ISC - Instituto de Sade Coletiva

LDB - Lei de Diretrizes e Bases

LILACS - Literatura Latino-americana e do Caribe em Cincias da Sade

MEC - Ministrio da Educao e Cultura

Nasf - Ncleo de Apoio Sade da Famlia

OMS - Organizao Mundial de Sade

ONG - Organizao No Governamental

ONU - Organizao das Naes Unidas

PNPS - Poltica Nacional de Promoo da Sade

Proplan - Pr-reitoria de Planejamento e Oramento

PSE - Programa Sade na Escola

PSF - Programa de Sade da Famlia

REUNI - Programa de Apoio Planos de Expanso e Reestruturao das Universidades Federais

SciELO - Scientific Electronic Library Online

Suds - Sistema Unificado e Descentralizado de Sade

SUS - Sistema nico de Sade

TBS - Teoria Bioestatstica da Sade

UBS - Unidades Bsicas de Sade

UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UFBA - Universidade Federal da Bahia

UFPB - Universidade Federal da Paraba

UFPI - Universidade Federal do Piau

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UnB Universidade de Braslia

RESUMO

CARDOSO, Gustavo Marques Porto. Vida universitria, atividade fsica e promoo da sade entre estudantes da Universidade Federal da Bahia. 2015. 133p. Dissertao (Mestrado em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade) - Instituto de Humanidades, Artes e Cincia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

Este estudo tem por objetivo geral identificar as concepes de Promoo da Sade dos estudantes do Bacharelado Interdisciplinar em Sade da Universidade Federal da Bahia (UFBA), alm de discutir a temtica da atividade fsica como promotora de sade nesta populao. Como objetivos especficos busca investigar acerca do nvel de atividade fsica dos estudantes participantes da pesquisa e verificar se a temtica prticas corporais/atividades fsicas aparece nas respostas dos estudantes como prtica promotora de sade. Como estratgia metodolgica se optou por uma abordagem qualitativa atravs da aplicao do Questionrio Internacional de Atividade Fsica (IPAQ verso 6 curta) acrescido de uma pergunta subjetiva sobre Promoo da Sade com os alunos do Bacharelado Interdisciplinar em Sade da UFBA. Os dados foram analisados atravs da Anlise de Contedo luz de Bardin. Conclui-se que a maioria dos estudantes define Promoo da Sade como sinnimo de bem-estar/qualidade de vida, indicando a atividade fsica como uma das aes essenciais para a Promoo da Sade. Por outro lado, ficou evidente que esses estudantes analisados so considerados indivduos pouco ativos fisicamente. Identifica-se como limitao do estudo a no realizao de uma pesquisa mais longa que acompanhasse a mudana das concepes de Promoo da Sade durante a formao acadmica interdisciplinar. Sugere-se a necessidade da criao de programas e polticas de promoo de sade para os estudantes, sendo estes os futuros propagadores de um estilo de vida saudvel e a realizao de um estudo mais longo que possa acompanhar a trajetria estudantil analisando a mudana nas prticas de atividades fsicas e das concepes de Promoo da Sade.

Palavras-chaves: Universidades; Promoo da Sade; Atividade Fsica.

abstract

CARDOSO, Gustavo Marques Porto. University life, physical activity and health promotion among students of the Federal University of Bahia. 2015. 133p. Thesis (MA in Interdisciplinary Studies University) - Institute of Humanities, Arts and Science, Federal University of Bahia, Salvador, 2015.

This study has the objective to identify the conceptions of Health Promotion of the students of the Bachelor of Interdisciplinary Health Federal University of Bahia (UFBA), and discuss the topic of physical activity and health promotion in this population. Specific objectives investigates about the physical activity level of participating students research and verify that the theme corporal practices / physical activity appears on the responses of students to practice promoter of health. As a methodological strategy opted for a qualitative approach by applying the International Physical Activity Questionnaire (IPAQ - short version 6) plus a subjective question on Health Promotion with the students of the Bachelor in Interdisciplinary Health UFBA. Were the data analyzed through the Content Analysis of a light Bardin .It is concluded that most students define health promotion as a synonym for welfare / quality of life, indicating physical activity as one of the key actions for Health Promotion. On the other hand, it became evident that these students analyzed are considered little physically active individuals. Is identified as a study limitation the failure to carry out a longer survey that accompanied the change of health promotion concepts for interdisciplinary academic background. It is suggested the need to create programs and health promotion policies for students, which are the propagators future of a healthy lifestyle and the realization of a longer study that may accompany the student trajectory analyzing the change in practices physical activity and health promotion concepts.

Keywords: University; Health Promotion; Physical Activity.

SUMRIO

1 INTRODUO13

2 caminhos do ensino superior brasileiro17

2.1 O Ensino Superior no Brasil: bases histricas e conceituais17

2.2 Por uma nova universidade: o Projeto UFBA Nova, a Universidade Nova e o Reuni23

2.3 A criao dos Bacharelados Interdisciplinares na UFBA27

2.4 A Formao Superior em Ciclo no Campo da Sade: o BI em Sade da UFBA32

3 PROMOO DE SADE NO CENRIO MUNDIAL38

3.1 O processo sade-doena: construes, dilemas e necessidades.38

3.2 O encontro com a Promoo de Sade49

3.3 Inserindo a Atividade Fsica NA discusso58

4 PRTICAS CORPORAIS/ATIVIDADE FSICA ENTRE UNIVERSITRIOS62

5 CARACTERIZAO E PERCURSO METODOLGICO DA PESQUISA71

6 RESULTADOS E DISCUSSO77

6.1 As concepes de promoo da sade, a anlise da frequncia/intensidade das prticas de atividade fsica e a relao promoo de sade-atividade fsica entre os estudantes78

6.1.1 Caracterizao dos estudantes do Bacharelado Interdisciplinar em Sade78

6.1.1.1 Perfil do estudante78

6.1.1.2 Perfil socioeconmico82

6.1.1.3 Perfil da prtica de atividades fsicas84

6.1.2 Resultado e anlise das concepes de Promoo da Sade88

6.1.2.1 Promoo da Sade como sinnimo de ausncia de doenas.91

6.1.2.2 Promoo da Sade como sinnimo de Bem-estar/Qualidade de Vida.93

6.1.2.3 Promoo da Sade como sinnimo de estilo de vida saudvel.98

6.1.2.4 Promoo da sade como sinnimo de polticas/aes sociais e de sade.103

7 concluso109

Apndice130

1 INTRODUO

Durante as ltimas dcadas do sculo XX e a partir da primeira dcada do sculo XXI pde-se perceber o esforo dos diversos atores sociais e da sade em reorganizar o sistema de sade no Brasil (CARVALHEIRO; MARQUES; MOTA, 2013), inspirados pelo paradigma da medicina social (WESTPHAL, 2013) e pautados nas propostas do movimento da Promoo de Sade, que pretendia renovar o pensamento do campo da Sade Pblica (OLIVEIRA, 2005).

Esta Nova Sade Pblica, diferentemente da Antiga Sade Pblica, realava as influncias socioambientais nos padres de sade das populaes, aplicando uma nova dimenso s causas individuais das doenas, apontando para a necessidade da valorizao da equidade social e de uma sociedade participativa e empoderada (OLIVEIRA, 2005). Para que este projeto de reformulao da sade pblica brasileira pudesse tomar corpo, surge a necessidade da construo de um novo marco terico-conceitual que tivesse capacidade de modificar o campo da sade pblica (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). Isso ocorre de forma mais concreta no Brasil com o aprofundamento do debate da criao do Sistema nico de Sade (SUS) que abre novos horizontes para as discusses sobre outras estratgias de atuao no campo da sade, sobre a produo social da sade e a possibilidade da construo de um conceito positivo (WESTPHAL, 2013).

Assim, segundo Santos e Westphal (1999, p. 75):

A nova sade pblica surge do reconhecimento de tudo o que existe ser produto da ao humana, salvo o que se poderia chamar de natureza intocada; em contraposio, a hegemonia da teraputica, como soluo para todos os males que poderiam atingir o corpo do homem. A sade de um indivduo, de um grupo de indivduos, ou de uma comunidade depende tambm de coisas que o homem criou e faz, das interaes dos grupos sociais, das polticas adotadas pelo governo, inclusive os prprios mecanismos de ateno doena, do ensino da medicina, da enfermagem, da educao, das intervenes sobre o meio ambiente.

, portanto, nas universidades e nas instituies de ensino de sade do pas que se d tambm o enfrentamento do desafio da renovao do campo da sade, com o aprofundamento das questes relacionadas nova sade pblica brasileira, tendo como principal objetivo a promoo de mudanas no ensino e na prtica da sade pblica no Brasil.

Da surge o meu interesse pelo estudo da Instituio Universitria e a vontade de aprofundar meus estudos sobre a temtica do Ensino Superior e a formao dos profissionais em sade.

Esta dissertao fruto da minha itinerncia formativa, no apenas pontuada neste curso stricto senso, mas em todo o caminhar acadmico. O que aqui ser exposto foi construdo durante toda a minha formao, desde seu incio em 1999 no curso de Licenciatura Plena em Educao Fsica na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) at a defesa deste estudo na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Por estar inserido em um programa de ps-graduao alocado no Instituto de Humanidades, Artes e Cincias Professor Milton Santos (IHAC) e devido ao meu interesse pela formao interdisciplinar, nada mais adequado que realizar este estudo tendo como universo esta realidade, contribuindo para o fortalecimento do mesmo. Logo, a pesquisa foi realizada com estudantes do Bacharelado Interdisciplinar em Sade (BIS). Os critrios utilizados para a escolha do curso foram: seu carter interdisciplinar; a proximidade dos pesquisadores com o campo do conhecimento e curso; e a linha de pesquisa que estes pesquisadores esto atrelados neste curso strictu senso Qualidade de Vida e Promoo da Sade na Universidade.

Assim, justifica-se este trabalho pela necessidade de estudos sobre este novo modelo de sade e de Educao Superior, que vem de encontro estrutura curricular vigente em nosso pas, que adota o modelo biomdico como mxima para o ensino em sade. O BIS adota um conceito ampliado de sade e Promoo da Sade, centrado na trade sade-doena-cuidado, que favorece aos seus estudantes um entendimento mais complexo sobre as temticas do campo da sade, aliando saberes e prticas, esperando que seus egressos possam fazer um curso tradicional com um pensamento mais amplo e visionrio.

A temtica das prticas corporais/atividade fsica estar inserida neste estudo por trs motivos: o primeiro referente minha formao por ser licenciado em Educao Fsica a temtica latente nas discusses; o segundo o acelerado desenvolvimento, nas ltimas dcadas, de publicaes e polticas voltadas para esta temtica em estudos referentes ao campo da sade e Promoo da Sade (RAMIRES et al., 2014); e o terceiro por estas aes estarem inseridas na Poltica Nacional de Promoo da Sade (PNPS) como um eixo prioritrio pela relevncia conferida a estas prticas (MALTA et al., 2009).

Portanto, a presente dissertao tem como objetivo analisar as concepes de promoo da sade na instituio universitria, verificando se a prtica de atividade fsica apontada enquanto conduta de Promoo da Sade entre estes estudantes, levantando ainda a frequncia e a intensidade da atividade fsica nos universitrios participantes da pesquisa.

Durante todo o trabalho, parto do princpio de que a Promoo da Sade vai alm dos cuidados com a sade, muito alm das normas e tcnicas de sade, mas diz respeito potencializao das capacidades coletivas e individuais das comunidades em relao aos inmeros condicionantes envolvidos no processo sade-doena-cuidado dos indivduos (BACKES et al., 2009).

Para atingir os objetivos desta dissertao fez-se necessrio a construo de trs captulos como fundamentao terica. O segundo captulo, se prope a trazer bases histricas e conceituais sobre a criao do Ensino Superior no Brasil, atravs das informaes contidas na literatura cientfica e em documentos oficiais, a fim de possibilitar aos leitores a familiarizao com o universo pesquisado. Relata-se sobre a origem, a funo e o papel social destas instituies, levantando fatos importantes para a sua criao, sua construo e reconstruo. Dispe sobre o Projeto UFBA Nova e Universidade Nova e retrata a origem e criao dos BI na UFBA, dando uma maior nfase ao Bacharelado Interdisciplinar em Sade (BIS).

O terceiro captulo apresenta uma discusso sobre o conceito de promoo da sade luz dos conceitos de sade, suas variantes e suas complexidades diante do mundo contemporneo. Prope-se a pensar o processo sade-doena-cuidado como algo que se apresenta, perante a cincia, de forma mltipla e complexa, como um elemento que se faz presente no cotidiano humano se mostrando mutvel e mutante, sendo esta uma temtica recorrente nos mais diversos saberes. Discute, tambm, como este conceito vem sendo construdo dentro do sistema de sade brasileiro. Alm disso, traz consideraes sobre a Promoo da Sade, desde o Informe Lalonde (1974), as principais Conferncias Mundiais de Promoo da Sade, at os dias atuais, suscitando discusses do rumo da Nova Sade Pblica (CARVALHO, 2004). Este captulo traz, igualmente, ponderaes sobre um dos eixos de aes da Promoo da Sade, a promoo de prticas corporais/atividades fsicas, demonstrando a relevncia da temtica para a aquisio de um modo de vida ativo necessrio para a manuteno da sade.

O quarto captulo diz respeito a um estudo sobre as prticas corporais/atividade fsica entre os universitrios, onde foi realizado um estudo do Estado da Arte, que serviu como qualificao para esta dissertao.

O quinto captulo dispe sobre o percurso metodolgico utilizado para atingir os objetivos, descrevendo o sujeito e o universo da pesquisa, o processo seguido para a construo do tema/problema, os instrumentos empregados para obteno de dados e os utilizados para a anlise de dados, ou seja, relata sobre o percurso realizado para atingir as respostas esperadas.

No sexto captulo, expe-se os resultados e discusses relativos a esta pesquisa, pautada em uma Anlise de Contedo, conforme Bardin (1979), refletindo sobre as concepes de Promoo da Sade dos alunos do BIS que se encontravam matriculados no semestre letivo de 2014.1. Assim, procura-se ainda estimar o nvel de atividade fsica dos alunos participantes da pesquisa, atravs do Questionrio Internacional de Atividade Fsica (IPAQ verso 6 curta) e perceber se as prticas corporais/atividades fsicas esto presentes nas respostas destes alunos como prtica promotora de sade.

Culminando ento no stimo captulo so tecidas as concluses desta pesquisa com propostas para novos estudos relativos a estas temticas.

13

2 caminhos do ensino superior brasileiro2.1 O Ensino Superior no Brasil: bases histricas e conceituais

Em sua gnese, na Antiguidade, o que conhecemos hoje como Universidade era apenas uma corporao, um local onde pessoas distintas se reuniam para falar sobre assuntos pertinentes poca. Quando estas discusses conflitavam com as autoridades, tanto civis, quanto eclesiais, as aulas eram suspensas e migrava-se para outro local (DURKHEIM apud DANTES, 2005).

Pode-se citar como exemplo destes locais a Biblioteca de Alexandria no sculo III a.C., que conservava em suas dependncias o verdadeiro esprito universitrio. As dependncias desta biblioteca tinham uma funo, muito maior do que apenas guardar livros reservados leitura dos frequentadores, mas eram locais destinados a expor e compartilhar ideias; mesmo esta no possuindo o ttulo de Universidade (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2012).

Segundo os mesmos autores, foram em grandes centros medievais que surgiram as primeiras instituies, a exemplo de Bolonha (em 1088), Paris (em 1090 ou 1170) e Oxford (em 1096), que possuam em seus estudos bsicos uma semelhana curricular: o trivium e o quadrivium. O primeiro era composto por estudos relacionados a linguagens (gramtica, lgica e retrica) e o segundo pelos estudos relacionados com outras reas do conhecimento (aritmtica, geometria, astronomia e msica), que possuam traos da Academia de Plato da Antiguidade.

Porm, a origem da instituio universitria oficialmente, nos moldes da sua definio clssica europeia, s ocorreu no sculo XII, onde foram criadas instituies intituladas de Universidades que concebiam como principal objetivo criar, transmitir e disseminar a cincia. Estas novas instituies assumiram um papel de extrema importncia na sociedade contempornea, adquirindo um papel estratgico para o corpo social, no aumento do capital cultural e, por conseguinte, aumentando o poder das naes (BERNHEIM; CHAU, 2008).

O que se precisa chamar a ateno que no se pode ignorar o fato de, apesar das Universidades terem sua origem tardia, na Europa Ocidental, muito antes deste acontecimento instituies de conhecimento j haviam sido idealizadas (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2012).

Como foi afirmado acima, foi por volta de 1300 da era crist, no Ocidente, que surgiram as primeiras Universidades. Dados histricos afirmam que estas foram fundadas na Europa Medieval. As instituies precursoras do que conhecemos hoje como Ensino Superior estariam sobre o poder das instituies religiosas, e objetivavam realizar os papeis deste corpo social que as tinham originado; assim, eram explicitamente escolsticas[footnoteRef:1] (ALMEIDA FILHO, 2003). [1: Segundo Almeida Filho (2003, p. 2) a universidade escolstica era geradora e guardi da doxa, ou doutrina, aquela modalidade de conhecimento que se define pelo completo respeito s fontes sagradas da autoridade. Seu modelo acadmico baseava-se na transmisso do saber [...] mediante relaes diretas mestre-aprendiz.]

Na Amrica Latina as primeiras instituies s emergiram no incio do sculo XVI, quando foi trazido o sistema universitrio espanhol, devido sua colonizao, sendo criadas as universidades no Mxico, Peru, Chile, Argentina, entre outras (BOHRER et al. 2008).

Os autores supracitados chamam a ateno de que, apesar das primeiras instituies trazidas para a Amrica Latina serem de origem espanhola, o modelo europeu de formao, que serviu como referncia para estas, foi o francs, pelo fato de esta nacionalidade exercer uma forte influncia em Portugal e na Espanha.

O modelo de universidade que conhecemos na atualidade s surgiu com o advento da Revoluo Industrial, no final de Sculo XIX, a Universidade Cientfico-tecnolgica[footnoteRef:2], originada na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, com o intuito de suprir as necessidades do sistema econmico dominante (ALMEIDA FILHO, 2003). [2: A verso original da universidade cientfico-tecnolgica (denominada de research university pelos norte-americanos) baseava-se na produo volumosa de recursos humanos e de resultados de pesquisa que eram submetidos a sistemas extremamente competitivos de controle de qualidade. Este modelo de universidade trata o conhecimento cientfico como um subproduto do processo de produo da informao (ALMEIDA FILHO, 2003, p. 2)]

O que se pode perceber com a origem das Universidades que, para analisar a criao das primeiras Universidades no Brasil ou em qualquer outro pas, no se pode separ-las da sociedade e das relaes econmicas, sociais e polticas da poca da sua criao. necessrio observ-las em uma realidade concreta, onde h ligao entre os fatos e os sujeitos desta construo, que modificam e transformam as suas relaes com o ambiente, atravs do processo de educao, estando este presente no ensino superior ou no. Neste sentido, a Universidade uma instituio social (CHAU, 2001).

Para Bernheim e Chau (2008, p. 18) a relao interna ou expressiva entre a universidade e a sociedade a que, ademais, explica o fato de que a universidade pblica sempre foi, desde o incio, uma instituio social.

Justificando o pargrafo, Colossi, Cosentino e Queiroz (2001, p. 50) acreditam que:

A educao um processo social que muitas vezes envolve grupos pequenos, como a famlia, ou grande, como a comunidade. Os processos educacionais dependem muito do estado em que se encontra, de maneira geral, o corpo social. O fato que toda mudana na estrutura poltica, econmica, social deste grupo mais amplo influencia na educao.

Assim, influenciada pela mudana da Corte Portuguesa para o Brasil (1808-1820), se originaram as primeiras Intuies de Ensino Superior (IES) na nao, durante o perodo colonial. O Brasil, portanto, teve que aguardar o final do sculo XIX para ver o surgimento das primeiras instituies cientficas e culturais. Segundo pesquisas realizadas, as primeiras instituies criadas foram: o Colgio Mdico da Bahia e a Escola Mdica do Rio de Janeiro, em 1808, atualmente Faculdade de Medicina da Bahia e Faculdade de Medicina da UFRJ[footnoteRef:3] (MARTINS, 2002; DANTES, 2005; TEIXEIRA, 2005; FVERO, 2006). [3: Porm, alguns pesquisadores discordam deste momento histrico. Para Colossi, Consentino e Queiroz (2001), a primeira Universidade foi criada em terras brasileiras s no ano de 1909, que foi a Universidade de Manaus. J para Mendona (2000), a primeira universidade surge no Brasil apenas no ano de 1920: a Universidade do Rio de Janeiro.]

Percebe-se que a maioria dos autores citados comungam com os dados histricos que afirmam ser o surgimento das primeiras instituies em 1808. Mendona (2000) relata que houve uma solicitao da burguesia da poca ao prncipe regente para que fosse criada uma universidade literria em terras baianas, porm esta solicitao no foi atendida, preferindo criar o curso de Cirurgia, anatomia e obstetrcia, a pedido do Cirurgio-Mor do Reino.

At a Proclamao da Repblica, em 1889, no houve muitos avanos no Ensino Superior brasileiro, que pretendia apenas formar profissionais para assumir cargos privilegiados em um mercado de trabalho restrito e garantir um prestgio social a estes profissionais (MATTOS, 1983). Mesmo porque o projeto educacional destas instituies estava a servio da elite, que mantinha no Brasil a poltica de dependncia em relao a Portugal, gerando uma alienao cultural, pois tinha como misso principal, transmitir a cultura europeia atravs de seu projeto (COELHO; VASCONCELOS, 2009).

Segundo Orso (2007) e Coelho e Vasconcelos (2009), a criao das Universidades brasileiras aconteceu de forma tardia se confrontado com outros pases da Amrica. Quando surgiu a primeira Universidade brasileira j haviam mais de 100 destas instituies espalhadas por toda a Amrica.

Um marco histrico para a criao das Universidades foi a criao do Ministrio de Educao e Sade no governo do Presidente Getlio Vargas (1930-45), onde Francisco Campos, ministro da educao e sade, aprovou o Estatuto das Universidades Brasileiras, que vigorou at 1961, permitindo que estas instituies se tornassem oficialmente de ordem pblica ou livre (ordem particular), onde as faculdades existentes poderiam ser agrupadas por uma reitoria, tendo, portanto, um vnculo administrativo (OLIVEN, 2002)

A partir desta permisso governamental, a primeira Universidade brasileira em moldes parecidos com a que conhecemos atualmente, foi a Universidade de So Paulo, criada em 1934, seguida da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1946) e a Universidade Federal da Bahia (1948), que abrigaram intelectuais europeus fugidos da devastao da II Guerra Mundial (ALMEIDA FILHO, 2003).

Com a criao das primeiras Universidades, deu-se ento uma corrida pela expanso do Ensino Superior no pas, que ps em debate a produo do conhecimento das Instituies de ensino Superior (IES) e a qualidade destas instituies. Para Ansio Teixeira (2005) apenas com a criao da Universidade de Braslia, na dcada de 1960, surge uma Universidade dentro de um modelo adequado, que se ergue no momento histrico em que se elaboravam as Leis de Diretrizes e Bases (LDB). Por volta de 1966 e 1967, atravs dos Decretos-leis n 53 e 252, as bases que estruturavam a Universidade de Braslia (UnB) foram estendidas s outras universidades federais brasileiras (TEIXEIRA, 2005).

Devido efervescncia da sociedade naquela poca e exigncia social de uma Reforma Universitria, principalmente pelo movimento estudantil, deu-se incio Reforma de 1968, atravs da aprovao da Lei da Reforma Universitria (Lei n 5540/68), que tinha como objetivo propor solues para a resoluo da crise universitria brasileira, pretendendo implantar o modelo norte-americano de educao como estratgia a esta crise, sendo o tecnicismo a concepo que norteou a reforma (FVERO, 2006).

Oliven (2002) relata que, aps 1968, ocorre a expanso do setor privado, devido exigncia do aumento do nmero de vagas nestas instituies, sendo que no incio da dcada de 1980, mais da metade dos alunos estavam matriculados em instituies particulares.

Dados ento revelam que:

No ano de 1981, o Brasil contava com 65 universidades, sete delas com mais de 20.000 alunos. Nesse mesmo ano, o nmero de estabelecimentos isolados de ensino superior excedia a oitocentos, duzentos e cinquenta dos quais com menos de 300 alunos. As novas faculdades isoladas no eram lcus de atividades de pesquisa, dedicando-se, exclusivamente, ao ensino (OLIVEN, 2002, p. 34).

Segundo Santos e Almeida Filho (2008), em 1985 ocorre uma nova tentativa de reforma, quando o governo Sarney (1985-90) institui a Comisso Nacional para Reformulao da Educao Superior, onde participaram entidades que foram excludas na Reforma de 1968. Esta comisso elaborou um relatrio final que continham propostas de modificaes na educao superior. Destaca-se o conceito superficial de autonomia universitria proposta pelo relatrio, que inspirou o texto da Constituio de 1988, sendo para os autores supracitados dbio e superficial.

Porm, nenhum projeto de lei ou proposta foi encaminhada, devido ao relatrio apresentado pela comisso. Segundo Santos e Almeida Filho (2008), a nica modificao que foi pautada por este relatrio, foi j no Governo Itamar Franco (1992-1995), que ocorreu mudanas substanciais na composio do Conselho Federal de Educao.

Foi ento que, sob a presidncia de Fernando Henrique Cardoso (FHC), em meados dos anos 1990, tendo em vista os ltimos acontecimentos ocorridos no cenrio mundial, houve um aumento significativo do nmero de vagas no Ensino Superior, principalmente pelas instituies de iniciativa privada devido a um processo radical de desregulamentao que abriu o sistema para investimentos privados locais; porm, este aumento no se associou diretamente melhor qualidade de ensino (UFBA, 2006, p. 13).

Para Silva Jnior e Squissardi (2005, p. 5) esta expanso, com srios problemas de qualidade, ocorre devido a tentativas frustradas de aes poltico-administrativas, durante o octnio do Governo FHC,

tanto pela via legislativa, quanto por medidas ostensivas de restrio do crescimento do setor pblico federal e de incentivo expanso do setor privado; tanto pela negao da autonomia, pelo congelamento salarial, pela reduo de vagas docentes e de funcionrios e pelo drstico corte do financiamento das instituies federais de ensino superior, quanto pela adoo de um sistema de avaliao da educao superior contbil e definidor de ranking interinstitucional, ao gosto da mdia e do mercado.

Durante o perodo de 1995-2000 o Ministrio da Educao difundiu uma sequncia de documentos que traziam propostas de desregulamentao do setor privado e reestruturao da universidade pblica, que tinham como principal eixo de discusso a governana e a autonomia universitria dos Institutos Federais de Educao Superior (IFES) (UFBA, 2006).

Enquanto se tentava reconstruir o ensino superior pblico brasileiro, na Europa surge uma nova viso para a educao superior mundial, que foi bastante significativa para o ensino superior brasileiro, o chamado Processo de Bolonha, que se iniciou informalmente em Maio de 1998, com a declarao de Sorbonne, e deslanchou oficialmente com a Declarao de Bolonha[footnoteRef:4], em Junho de 1999, a qual define um conjunto de etapas e de passos a serem dados pelos sistemas de ensino superior europeu, no sentido de construir um espao europeu de ensino superior globalmente harmonizado, assumindo assim um papel de relevncia na educao mundial (LIMA; AZEVEDO; CATANI, 2008). [4: Em 1999, os ministros de educao dos pases membros da educao da Unio Europeia assinaram um grande tratado internacional, conhecido como a Declarao de Bolonha, em que se comprometeram a implantar, at 2010, compatibilidade plena entre os seus sistemas universitrios. Esse acordo marcou o lanamento do chamado Processo de Bolonha, que tem desencadeado uma gigantesca e complexa reforma universitria em todos os pases signatrios e aderentes (j totalizando 46 naes), no sentido de adotar princpios e critrios comuns e compartilhados de creditao, avaliao, estruturas curriculares e mobilidade estudantil na esfera da educao superior (SANTOS; ALMEIDA FILHO, p. 127, 2008).]

Essa declarao props que a estrutura acadmica das Universidades da Unio Europeia fosse dividida em trs ciclos: o primeiro, de formao geral, posteriormente uma formao profissional e para aqueles que quisessem se dedicar pesquisa, um doutorado (BASTOS, 2007).

A reforma do ensino superior europeu significou certa influncia no ensino superior brasileiro. Em relao a estas influncias, Siebiger (2010, p. 123) traz algumas iniciativas como:

a proposta de convergncia dos sistemas de educao superior da Europa, Amrica Latina e Caribe estabelecida na Declarao de Florianpolis, o Tratado de Amizade Brasil-Portugal, as medidas prospectadas pelo Mercosul, o projeto de criao da Universidade Federal da Integrao Luso-Afro-Brasileira (UniLAB) e a recente implementao de duas instituies superiores Universidade Federal da Integrao Latino-Americana (Unila) e Universidade Federal da Integrao Amaznica (Uniam) seriam passos concretos em direo construo de estruturas de educao superior na Amrica Latina equivalentes e compatveis com as previstas no Processo de Bolonha. Assim, considerando a conjuntura de criao e as principais estratgias polticas do Processo de Bolonha, abordam-se as referidas iniciativas de criao de sistemas transnacionais de educao superior em que o Brasil pas integrante no intuito de se identificar tais semelhanas.

Foi ento que a partir do Governo Lula (2003-2010), quando a reforma universitria voltou a ter amplo debate, novamente se tornando uma meta para o Ministrio da Educao (MEC), algumas iniciativas foram pensadas para a Universidade do sculo XXI. Uma destas iniciativas foi a Universidade Nova, que ser discutida no prximo subtpico.

2.2 Por uma nova universidade: o Projeto UFBA Nova, a Universidade Nova e o Reuni

Com este processo de reforma nas universidades da Europa, onde ocorreu um ousado movimento de reestruturao a partir do Processo de Bolonha, criando o Espao Europeu de Educao Superior, foi despertado, mais uma vez no Brasil, o interesse em uma nova Reforma Universitria nacional, que teria por objetivo adaptar as universidades brasileiras a estes novos caminhos das universidades contemporneas em tempos de globalizao. Segundo Lima, Azevedo e Catani (2008), qualquer movimento de reforma nas universidades pelo mundo, no incio do sculo XXI, tinham por referncia e inspirao o Processo de Bolonha.

Corroborando com esses dados, Barreto e Mendes (2012, p. 2) afirmam que:

Com o avano da globalizao, aliado s mudanas ocorridas nos Estados Unidos e na Europa, vrios pases da Amrica Latina, entre eles o Brasil, foram pressionados a repensar e reestruturar a arquitetura do seu modelo de educao superior por meio de mudanas fomentadas por instituies multilaterais como o Banco Mundial, Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura, Organizao Mundial do Comrcio e Organizao das Naes Unidas.

A partir deste contexto de globalizao mundial e da realizao da Conferncia Mundial sobre o Ensino Superior (1998), foi exigida uma nova organizao do trabalho que influenciariam reformas polticas no Brasil em todas as reas, inclusive a educacional. Surge ento uma nova proposta de misso e funo para a universidade frente ao sculo XXI, onde esta teria que educar, formar e realizar pesquisa, tendo como funo: tica, autonomia, responsabilidade e prospectiva (LIMA, 2013).

Segundo o Memorial da Universidade Nova UFBA 2002-2010 (2010a, p. 157):

O esgotamento do modelo profissional de graduao vigente no Brasil era uma constatao j quase consensual. Estreitos campos de saber contemplados nos projetos pedaggicos, precocidade na escolha das carreiras, altos ndices de evaso de estudantes por desencanto com os estudos, descompasso entre a rigidez da formao profissional e as amplas e diversificadas competncias requeridas pelo mundo do trabalho e, sobretudo, os desafios educativos da Sociedade do Conhecimento, demandavam um modelo de formao superior mais abrangente, mais flexvel, mais integrador e de melhor qualidade.

A partir destas influncias, como j foi dito anteriormente, surgiram algumas iniciativas, sendo uma destas o projeto intitulado UFBA Nova, que deu origem a um projeto maior intitulado Universidade Nova nas searas educacionais brasileiras.

Nesta Universidade, contexto onde realizado este estudo, a partir da reeleio do reitor Naomar de Almeida Filho, em 2006, foi dado incio construo de um novo programa de trabalho, que tinha como principal temtica a reestruturao curricular na universidade, com o objetivo principal de suscitar na instituio uma verdadeira reforma universitria aos moldes do projeto Escola Nova de Ansio Teixeira (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008).

Esse projeto que foi intitulado de UFBA Nova possua os seguintes objetivos:

abertura de programas de cursos experimentais e interdisciplinares de graduao, que poderiam ser no-profissionalizantes ou no-temticos, com projetos pedaggicos inovadores, em grandes reas do conhecimento: Humanidades, Cincias Moleculares, Tecnologias, Sade, Meio Ambiente, Artes;

renovao do ensino de graduao, por meio de projetos acadmico-pedaggicos criativos e consistentes, reduzindo as barreiras entre os nveis de ensino como, por exemplo, oferta de currculos integrados de graduao e ps-graduao;

incentivo a reformas curriculares naqueles cursos que ainda no apresentaram propostas de atualizao do ensino de graduao (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008, p. 197).

Tendo em vista ampliar as discusses, a equipe dirigente do projeto apresentou a primeira verso do documento na reunio da Associao Nacional de Dirigentes de Instituies Federais de Educao Superior (ANDIFES), realizada em Recife (2006); posteriormente, no mesmo ano, ao Ministrio da Educao (MEC), onde essa apresentao suscitou reformulaes ao projeto inicial, sendo esta verso ampliada e revisada j com o ttulo de Universidade Nova (ROCHA, 2014).

Neste momento, para que o projeto pudesse se concretizar, os dirigentes necessitavam unir foras com outros setores do Ensino Superior; assim, diversos reitores de Universidades Federais, seduzidos pela proposta, se uniram para acompanhar e contribuir para o aperfeioamento da ideia, realizando grupos de trabalhos e seminrios. Foi a partir desse engajamento que o projeto ganhou evidncia na mdia, ganhando ainda mais adeptos, mas tambm crticos ferrenhos, tanto nas Universidades que aderiram ideia, quanto naquelas que eram contrrias a ela (UFBA, 2010a).

Mas foi a partir de debates promovidos pela Secretaria de Ensino Superior (SESU) que foi possvel ampliar, ainda mais, as discusses sobre a proposta. Pode-se perceber esta ampliao atravs das afirmaes de Rocha (2014, p. 99) que:

A fim de subsidiar o debate em torno das propostas de reestruturao curricular, a ANDIFES promoveu e o Ministrio da Educao apoiou, por intermdio da Secretaria de Ensino Superior SESU, a realizao, em duas edies, do Seminrio Nacional da Universidade Nova. A primeira delas, em dezembro de 2006, na Universidade Federal da Bahia, e a segunda, na Universidade de Braslia, em maro de 2007.

Simultaneamente a toda esta discusso, tramitava no Governo Federal uma proposta que daria subsdios para que o Projeto Universidade Nova pudesse sair do papel e acontecer concretamente no cenrio do Ensino Superior brasileiro o Programa de Apoio a Planos de Expanso e Reestruturao das Universidades Federais (REUNI).

O REUNI foi instaurado pelo Decreto n 6.096, de 24 de abril de 2007. Segundo suas Diretrizes Gerais (BRASIL, 2007a, p. 4) definia como um dos seus objetivos:

dotar as universidades federais das condies necessrias para ampliao do acesso e permanncia na educao superior, apresenta-se como uma das aes que consubstanciam o Plano de Desenvolvimento da Educao PDE, lanado pelo Presidente da Repblica, em 24 de abril de 2007. Este programa pretende congregar esforos para a consolidao de uma poltica nacional de expanso da educao superior pblica, pela qual o Ministrio da Educao cumpre o papel atribudo pelo Plano Nacional de Educao (Lei n 10.172/2001) quando estabelece o provimento da oferta de educao superior para, pelo menos, 30% dos jovens na faixa etria de 18 a 24 anos, at o final da dcada.

Foi a partir destas condies oferecidas pelo REUNI que as Universidades Federais, entre elas a UFBA, colocaram em prtica o projeto de reestruturao das instituies, tanto em infraestrutura, como em sua arquitetura curricular.

Este programa tinha por diretrizes, como se pode observar no Decreto n 6.096, em seu artigo 2, nos seguintes incisos:

I - reduo das taxas de evaso, ocupao de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especialmente no perodo noturno;

II - ampliao da mobilidade estudantil, com a implantao de regimes curriculares e sistemas de ttulos que possibilitem a construo de itinerrios formativos, mediante o aproveitamento de crditos e a circulao de estudantes entre instituies, cursos e programas de educao superior;

III - reviso da estrutura acadmica, com reorganizao dos cursos de graduao e atualizao de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevao da qualidade;

IV - diversificao das modalidades de graduao, preferencialmente no voltadas profissionalizao precoce e especializada;

V - ampliao de polticas de incluso e assistncia estudantil; e

VI - articulao da graduao com a ps-graduao e da educao superior com a educao bsica (BRASIL, 2007b).

Essas diretrizes forneciam subsdios para algumas inovaes como, por exemplo, a criao de novas modalidades de curso de graduao, permitindo ainda, a sustentao dos cursos j existentes e a implantao da estrutura necessria para a ampliao das universidades.

O que se precisa observar mais atentamente para as discusses deste estudo a terceira diretriz, que permitia a reformulao da arquitetura acadmica das universidades federais, favorecendo a criao de cursos com novas metodologias de ensino-aprendizagem, entre eles cursos de carter interdisciplinar que objetivassem uma formao mais geral em um determinado campo do conhecimento.

Assim, a proposta conhecida como Universidade Nova sugeriu uma reforma na arquitetura acadmica vigente at o momento, com o pensamento de superar os problemas que as reformas universitrias anteriores no haviam conseguido. Segundo o documento da UFBA, Universidade nova: reestruturao da arquitetura curricular da educao superior no Brasil visava construir um modelo que tivesse traos tanto do Modelo Norte-americano (flexineriano[footnoteRef:5]) quanto do Modelo Unificado Europeu (Bolonha); chama-se a ateno, neste momento, que estes modelos pedaggicos de educao superior j haviam sido utilizados em reformas anteriormente (UFBA, 2006). [5: Em 1910, a Fundao Carnegie convidou o educador Abraham Flexner, diretor de uma escola secundria de Kentucky, para realizar um estudo sobre a situao das escolas mdicas americanas e canadenses. O documento elaborado, aps esse estudo, conhecido como Relatrio Flexner, refora a luta pelo iderio cientfico da medicina. Um novo paradigma mdico surge desse episdio: a Medicina Cientfica, ou Flexneriana, passa a nortear a formao dos futuros mdicos e se insinua na reconstituio do prprio processo de trabalho mdico.]

A partir desta proposta de reformulao da arquitetura acadmica, a UFBA, ao aderir ao projeto, colocou em prtica, com ajuda dos subsdios fornecidos pelo REUNI, a implantao de um regime de ciclos de educao universitria: os Bacharelados Interdisciplinares.

2.3 A criao dos Bacharelados Interdisciplinares na UFBA

Certamente o REUNI, aderido pela UFBA em 2007, trouxe consigo condies favorveis para que o projeto Universidade Nova, discutido desde 2006, pudesse ganhar respaldo para a realizao de mudanas na estrutura curricular acadmica vigente.

Para Almeida Filho (2007, p. 5) essas mudanas se fazem necessrias, porque:

Alm de promover qualidade, flexibilidade, mobilidade e compromisso social na universidade brasileira e torn-la mais integrada ao panorama contemporneo de educao superior, uma das principais motivaes do movimento Universidade Nova consiste no resgate da instituio universitria como casa da cultura. Tal objetivo resulta da constatao de que, na conjuntura brasileira atual, a universidade s vezes consegue cumprir sua funo de formar profissionais tecnicamente competentes, mas permite, por omisso, que os alunos saiam dela incultos.

A partir dessa ideia de mudana no panorama da educao superior brasileira que se mostrava tecnicista, a UFBA props a criao de cursos interdisciplinares que abrangessem grandes reas do conhecimento e que trabalhassem com as trs culturas como eixos estruturantes do saber: a Cultura Humanstica, a Cultura Artstica e a Cultura Cientfica (ALMEIDA FILHO, 2007).

Para que estas modificaes pudessem ser realizadas, foi necessrio que fossem sintonizadas com os princpios e orientaes gerais do programa REUNI, onde a UFBA assumiu metas juntamente com o Governo Federal para a reestruturao da Universidade, so elas:

Implantao de 28 novos cursos de graduao;

Abertura de 21 novas turmas de cursos existentes;

Ajuste de 22 cursos existentes ao REUNI;

Abertura de 16 turmas de Licenciaturas Especiais;

Implantao de sete Cursos de Educao Superior Tecnolgica;

Implantao de 4 Bacharelados Interdisciplinares (UFBA, 2010a, p. 173).

Como consequncia para o cumprimento dessas metas, a UFBA implantou novos cursos, denominados Bacharelados Interdisciplinares (BI). Estes possuam uma arquitetura curricular diferente do modelo vigente, transformando o modelo atual em regime de ciclos, a saber:

Primeiro Ciclo: Bacharelados Interdisciplinares (BI), propiciando formao universitria geral, como pr-requisito para progresso aos ciclos seguintes;

Segundo Ciclo: Formao profissional em licenciaturas ou carreiras especficas;

Terceiro Ciclo: Formao acadmica cientfica ou artstica da ps-graduao (UFBA, 2006, p. 20).

Certamente a implantao dos cursos denominados Bacharelados Interdisciplinares (BI), foi a principal alterao na estrutura curricular da universidade, a partir do projeto Universidade Nova.

Para melhor visualizao dos regimes de ciclos proposto pela Universidade Nova, pode-se observar a figura abaixo:

Figura 1- Arquitetura curricular da Universidade Nova.

Fonte: UFBA, 2007, p. 9

Com o intuito de comparao entre as duas propostas de modelos curriculares brasileiros vigentes na atualidade observe-se a figura a seguir:

Figura 2- Arquitetura curricular do modelo brasileiro atual (progresso linear)

Fonte: Adaptado de SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008, p. 158.

Segundo os Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares (BRASIL, 2010), os BI so cursos de graduao de carter geral, que concebem a obteno de diploma, e se organizam em torno das grandes reas do conhecimento, constituindo grandes reas, por exemplo: Cincias da Vida, Cincias Naturais e Matemticas, Humanidades, Artes e outros (BRASIL, 2010).

Santos e Almeida Filho (2008) acrescentam que esta modalidade de graduao incorpora ao estudante uma formao humanstica, artstica e cientfica em um dado campo do saber, se caracterizando como um ciclo inicial dos estudos superiores, que tem como alvo gerar autonomia na sua aprendizagem ao longo da vida, o inserindo plenamente na vida social levando em considerao todas as suas perspectivas.

Para que estes cursos pudessem ter carter verdadeiramente interdisciplinar, onde houvesse um dilogo entra as reas de conhecimento e entre os componentes do currculo, fazendo com que a formao de seus estudantes fosse autnoma e flexvel, foram criados alguns princpios, sendo estes:

1. Formao acadmica geral alicerada em teorias, metodologias e prticas que fundamentam os processos de produo cientfica, tecnolgica, artstica, social e cultural;

2. Formao baseada na interdisciplinaridade e no dilogo entre as reas de conhecimento e os componentes curriculares;

3. Trajetrias formativas na perspectiva de uma alta flexibilizao curricular;

4. Foco nas dinmicas de inovao cientfica, tecnolgica, artstica, social e cultural, associadas ao carter interdisciplinar dos desafios e avanos do conhecimento;

5. Permanente reviso das prticas educativas tendo em vista o carter dinmico e interdisciplinar da produo de conhecimentos;

6. Prtica integrada da pesquisa e extenso articuladas ao currculo;

7. Vivncia nas reas artstica, humanstica, cientfica e tecnolgica;

8. Mobilidade acadmica e intercmbio interinstitucional;

9. Reconhecimento, validao e certificao de conhecimentos, competncias e habilidades adquiridas em outras formaes ou contextos;

10. Estmulo iniciativa individual, capacidade de pensamento crtico, autonomia intelectual, ao esprito inventivo, inovador e empreendedor;

11. Valorizao do trabalho em equipe (BRASIL, 2010, p. 4-5).

Onde seus egressos deveriam ter as seguintes competncias, habilidades, atitude e valores:

1. capacidade de identificar e resolver problemas, enfrentar desafios e responder a novas demandas da sociedade contempornea;

2. capacidade de comunicao e argumentao em suas mltiplas formas;

3. capacidade de atuar em reas de fronteira e interfaces de diferentes disciplinas e campos de saber;

4. atitude investigativa, de prospeco, de busca e produo do conhecimento;

5. capacidade de trabalho em equipe e em redes;

6. capacidade de reconhecer especificidades regionais ou locais, contextualizando e relacionando com a situao global;

7. atitude tica nas esferas profissional, acadmica e das relaes interpessoais;

8. comprometimento com a sustentabilidade nas relaes entre cincia, tecnologia, economia, sociedade e ambiente;

9. postura flexvel e aberta em relao ao mundo do trabalho;

10. capacidade de tomar decises em cenrios de imprecises e incertezas;

11. sensibilidade s desigualdades sociais e reconhecimento da diversidade dos saberes e das diferenas tnico-culturais;

12. capacidade de utilizar novas tecnologias que formam a base das atividades profissionais;

13. capacidade de empreendedorismo nos setores pblico, privado e terceiro setor (BRASIL, 2010, p. 5).

A partir destes princpios norteadores, da proposta de criao dos BI e das competncias esperadas de seus egressos se criou, dentro de quatro grandes reas do conhecimento, os Bacharelados Interdisciplinares na UFBA, que so eles: BI em Artes (BIA), BI em Humanidade (BIH), BI em Cincias & Tecnologias (BIC&T) e BI em Sade (BIS).

Para Santos e Almeida Filho (2008), a criao destes novos cursos seria uma alternativa a um Ensino Superior que estava pautado em uma tendncia profissionalizante, possuindo uma construo curricular simplista, que se apresenta fragmentada e distanciada dos saberes e prticas que levam s mudanas sociais.

Os BI se constituem de duas etapas de formao, sendo uma de Formao Geral (3 primeiros semestres) e uma de Formao Especfica (3 ltimos semestres) como nos apresenta a figura abaixo:

.

Figura 3 - Estrutura curricular dos Bacharelados Interdisciplinares da Universidade Federal da Bahia

Fonte: UFBA, 2008, p. 27.

Como podemos observar, a primeira etapa Formao Geral composta pelos eixos de linguagem, interdisciplinar e integrador; e a segunda etapa Formao Especfica pelos eixos de orientao profissional, rea de concentrao e integrador[footnoteRef:6]. [6: Recomenda-se a leitura dos Referenciais orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares para maiores informaes sobre a especificidade de cada eixo, no cabendo, por opo dos autores, a este estudo, o delineamento de cada um separadamente. Disponvel em: < http://reuni.mec.gov.br/images/stories/pdf/novo%20%20bacharelados%20interdisciplinares%20-%20referenciais%20orientadores%20%20novembro_2010%20brasilia.pdf> ]

O acesso a estes cursos de graduao, segundo os referenciais orientadores, poderia ser realizado atravs de processos seletivos com a semestralidade normalmente adotada pela instituio proponente, recomendando a aplicao do rendimento do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM) como via de ingresso, com amparo dos critrios alicerados em aes afirmativas (BRASIL, 2010).

Faz-se necessrio chamar a ateno que o processo seletivo para ingresso dos estudantes no regime de ciclos na UFBA realizado pelo ENEM, porm o ingresso em carreiras especficas dos Cursos de Progresso Linear (CPL)[footnoteRef:7] no foi abolido, sendo que 20% das vagas destes cursos seria destinada aos egressos dos BI. Ou seja, para a entrada em um CPL o candidato no necessita, necessariamente, cursar o primeiro ciclo da educao superior. [7: Cursos tradicionalmente oferecidos no Ensino Superior, podendo ser Licenciaturas, Bacharelado ou de formao profissional.]

Em vias estruturais e organizacionais, para acolher os Bacharelados Interdisciplinares, o Plano REUNI-UFBA previa a criao de um novo instituto, j que estes cursos de graduao necessitavam de uma grande estrutura organizacional para serem gerenciados. Este fato se concretizou em 22 de outubro de 2008, quando, por unanimidade, o Conselho Universitrio (CONSUNI) criou o Instituto de Humanidades, Artes e Cincias (IHAC) Professor Milton Santos, que tem como objetivo:

fomentar uma configurao MIT (multi, inter, trans) disciplinar do conhecimento, mediante a oferta de programas interdisciplinares de graduao e ps-graduao, alm da pesquisa, criao e inovao produzidas em centros de pesquisa e extenso (UFBA, 2010a, p. 184).

Portanto, este novo instituto ficou responsvel de implantar as condies mnimas para que se iniciassem os trabalhos nos BI, realizando todas as tramitaes legais para que as aulas pudessem ter incio.

Por fim, segundo relatrio disponibilizado pela Pr-Reitoria de Planejamento e Oramento (Proplan), na data base de 2013 foram oferecidas 400 vagas no turno diurno e 900 no turno noturno, tendo 20.485 candidatos inscritos no processo seletivo, sendo que para os cursos diurnos a relao candidato-vaga era de 10,8 para 1 vaga e no noturno 17,9 (UFBA, 2014).

2.4 A Formao Superior em Ciclo no Campo da Sade: o BI em Sade da UFBA

A organizao dos currculos no campo da sade por muito tempo vem sofrendo influncias do modelo biomdico. Neste modelo se observa o corpo humano a partir de uma viso mecanicista, onde os seres humanos se apresentam formados por partes inter-relacionadas, sendo a doena vista como uma desordem em uma destas partes. Consequentemente, os contedos curriculares se apresentam fragmentados em disciplinas estanques que no se comunicam, priorizando os problemas de sade individuais aos coletivos, desconsiderando a complexidade do fato do adoecer. Este tipo de formao espera do estudante a memorizao de contedos e no aperfeioa a sua capacidade de anlise crtica, nem a sua autonomia na aprendizagem (ARAJO; MIRANDA; BRASIL, 2007).

Assim, a proposta da criao do Bacharelado Interdisciplinar em Sade (BIS) vem de encontro a esta estrutura curricular, adotando o conceito ampliado de sade, centrado na trade sade-doena-cuidado, favorecendo o aumento da percepo de seus alunos na complexidade do campo da sade na contemporaneidade, atravs da multiplicidade de saberes e prticas, tornando-os indivduos mais conscientes e crticos em relao aos temas inerentes ao campo (ROCHA, 2014).

No primeiro momento, levando-se em considerao a sugesto de Almeida Filho (2007) sobre as trs culturas, foram cogitados apenas trs BI; porm, quase que imediatamente surgiu a ideia de criao de um curso interdisciplinar na rea de sade, baseada na teoria dos campos de Bourdieu[footnoteRef:8], sendo ento a sade considerada um campo vasto de conhecimento que poderia sustentar a criao de um curso interdisciplinar especfico (TEIXEIRA; COELHO, 2014). [8: Recomenda-se a leitura de BOURDIEU, P. O campo cientfico. In: ORTIZ, R. (Org.) Pierre Bourdieu: sociologia. So Paulo: tica, 1983b. p.122-155.]

A implementao do curso se deu em 2008, a partir da indicao, pela reitoria da universidade, da coordenadora, a Prof Dr. Carmem Fontes Teixeira, que se responsabilizou inicialmente a revisar o projeto inicial e a matriz curricular do BIS e a realizar o primeiro concurso pblico para docente do curso. A primeira verso do projeto do BIS foi elaborada entre fevereiro e abril do ano seguinte, j com o auxlio da professora contratada Dr Maria Thereza vila Dantas Coelho, onde esta construo buscava obedecer a trs princpios: 1) conservao das diretrizes do projeto geral dos BI; 2) incluso das sugestes dadas nas reunies de Congregao do IHAC; 3) autonomia do Colegiado para propor um projeto que contivesse uma arquitetura geral comum e comportasse os contedos prprios a cada campo. O projeto tramitou internamente na UFBA, sendo que sua verso final, s foi aprovada em maio de 2010, pela Cmara de Ensino de Graduao (CGE), j com o curso em funcionamento (TEIXEIRA, COELHO; ROCHA, 2013; TEIXEIRA; COELHO, 2014).

A figura 4, abaixo, exemplifica e visualiza a tramitao do Projeto entre 2006 e 2010:

Figura 4 - Linha do tempo do processo de criao, formulao e implantao do BI Sade: 2006 2010.

Fonte: TEIXEIRA, COELHO e ROCHA, 2013, p. 1638

A verso final do projeto (UFBA, 2010b, p.7) entende que o BIS :

um curso de graduao de durao plena que visa agregar uma formao geral humanstica, cientfica e artstica ao aprofundamento no campo da sade, promovendo o desenvolvimento de competncias e habilidades que conferem autonomia para a aprendizagem e uma insero mais abrangente e multidimensional na vida social [...]

Em relao ao desenho curricular do curso, Rocha (2014, p. 122) afirma que:

a especificao e distribuio dos diversos componentes curriculares resultaram do esforo de traduo dos diversos eixos estruturantes contidos no projeto original s possibilidades abertas com a criao do IHAC e, ao mesmo tempo, s condies operacionais oferecidas pela manuteno da arquitetura acadmica e estrutura curricular dos diversos cursos oferecidos pelas unidades da UFBA.

Complementando o que foi dito acima, Teixeira e Coelho (2014) relatam a dificuldade que foi enfrentada em alocar os componentes curriculares nas trs culturas (cientfica, humanstica e artstica), visto que, por uma discusso epistemolgica, o Campo da Sade extrapola os limites disciplinares se apresentando como uma rea MIT-disciplinar.

Observando o quadro abaixo, pode-se notar como est disposto o desenho curricular do curso.

Quadro 1 - Sntese da distribuio da carga horria do curso

Eixo/Mdulos

Componentes Curriculares (CC)

CH

Mdulo Interdisciplinar

HAC A01 Estudos sobre a Contemporaneidade I

68 h

HAC A34 Estudos sobre a Contemporaneidade II

68 h

Mdulo Culturas

2 CC Cultura humanstica (a escolher)

136 h

2 CC Cultura artstica (a escolher)

136 h

Eixo Linguagens

LET E43 Lngua Portuguesa, Poder e Diversidade

68 h

LTE E45 Leituras e Produo de Textos em Lngua Portuguesa

68 h

HAC Oficina de Textos Acadmicos e Tcnicos em Sade

68 h

Formao especfica

(2 etapa)

CC Obrigatrios

HAC A10 Introduo ao Campo da Sade

68 h

HAC A40 Campo da Sade: Saberes e Prticas

68 h

HAC Sade, Educao e Trabalho

68 h

Formao especfica

(2 etapa)

CC Optativos

11 CC oferecidos pelas unidades de sade e/ou pelo IHAC

748 h

SUBTOTAL

1020 h

ATIVIDADES COMPLEMENTARES

360 h

COMPONENTES LIVRES (7 CC de 68 h)

476 h

TOTAL GERAL

2400 h

Fonte: UFBA, 2010b, p. 16.

Espera-se que o egresso tenha um olhar amplificado sobre o processo sade-doena e a complexidade de relao deste com a sociedade contempornea, tendo a habilidade e competncia de, atravs das disciplinas do campo cientfico, relacionar as trs culturas com os temas relativos ao campo da sade. Essas habilidades e competncias so de origem gerais, especficas e valorativas/compromissos ticos (UFBA, 2010b).

Quadro 2 - Perfil esperado dos egressos do BI em Sade.

Competncias e habilidades gerais

Capacidade de abstrao, anlise e sntese de conhecimentos;

Habilidades para buscar, processar e analisar informao procedente de fontes diversas;

Capacidade de comunicao oral e escrita em lngua portuguesa;

Habilidades no uso das tecnologias da informao e da comunicao;

Competncias e habilidades especficas

Compreender a complexidade do campo da sade nas sociedades contemporneas;

Identificar e analisar problemas de sade no mbito individual e coletivo;

Analisar polticas pblicas, programas e projetos da rea de sade;

Identificar e analisar as tendncias do mercado de trabalho e das prticas profissionais em sade.

Competncias e habilidades valorativas e compromissos ticos

Responsabilidade social e compromisso cidado;

Valorizao e respeito pela diversidade cultural;

Consolidao dos valores democrticos na sociedade contempornea;

Preservao do meio ambiente;

Compromisso tico-poltico no campo da sade.

Fonte: Adaptado de UFBA, 2010b, p. 8.

Sobre a implementao do curso, como podemos visualizar na Figura 4, o primeiro vestibular para os BI deu-se em 2009, sendo oferecidas 900 vagas para o primeiro ciclo da estrutura acadmica da Universidade Nova, sendo que, destas, 100 eram para o BIS. Neste perodo, o curso contava com apenas duas professoras especficas da rea de sade, que assumiram os cargos de coordenao e vice-coordenao, sendo que uma destas assumiu um componente curricular do eixo especfico e a outra do eixo interdisciplinar. Quando, em 2010, se triplicou o nmero de vagas para o BIS, foram contratados trs professores substitutos, que atuaram apenas em 2010, sendo que no segundo semestre deste mesmo ano foi realizado um novo concurso onde foram contratados 5 professores aprovados, 2 atravs de redistribuio de outras universidades federais e, em 2011, mais 1 se agregou vindo do Instituto de Sade Coletiva (ISC), em tempo parcial. Assim, em 2011, o BIS contava com 10 professores (TEIXEIRA, COELHO; ROCHA, 2013; TEIXEIRA; COELHO, 2014).

Em 2009 foram ofertadas no turno noturno 100 vagas aos estudantes pretendentes ao BIS, candidatos ainda aprovados atravs do sistema de vestibular da universidade, sendo que, a partir de 2010, o instituto responsvel pelo BI adotou o ENEM como porta de entrada aos cursos, ampliando o nmero de vagas do BIS em 100 no turno vespertino e 200 no turno noturno, que foram mantidas no ano seguinte (TEIXEIRA; COELHO, 2014).

Segundo dados fornecidos pelo Colegiado do BIS, em 2014.1, existiam 890 alunos matriculados no referido curso, sendo 253 estudantes do turno diurno e 637 do turno noturno.

Durante todo este processo aqui relatado se pode pensar em um fluxograma onde os alunos tivessem autonomia sobre a sua formao e, como j foi dito anteriormente, aprendessem a aprender, sendo oferecidas diversas possibilidades de formao neste primeiro ciclo. Este fluxograma composto por disciplinas obrigatrias e optativas, que obedecia a ideia das trs culturas defendida no projeto do curso.

Segundo Teixeira e Coelho (2014) existem diversos problemas na implantao e principalmente na consolidao do BIS, tanto na UFBA, quanto no mercado de trabalho. Para as autoras os maiores/principais problemas seriam: na implantao, a tenso gerada entre uma proposta de inovao do BIS e o modelo de formao fragmentada dos CPL na universidade; e para consolidao a aceitao/entendimento social e do mercado de trabalho sobre a nova graduao.

Para Rossoni e Lampert (2004) a formao em sade precisa deslocar-se da viso hospitalocntrica e medicamentosa, para uma viso de cuidado interdisciplinar, respeitando os princpios do SUS e modificando os perfis profissionais para que possa alcanar a estratgia da ateno integral. O grande papel do ensino superior seria a formao de profissionais mais humanistas capazes de atuar na integralidade da ateno em sade, a partir de equipes multiprofissionais.

O BIS ento permite que os futuros profissionais se sensibilizem com os Determinantes Sociais da Sade[footnoteRef:9] (DSS), criando novas proposta de enfrentamento para os problemas do processo sade-doena, centrando suas propostas luz das polticas formuladas e implementadas pelo SUS, tornando-se assim autores de transformao deste mesmo sistema e de si. [9: Esse tem ser discutido com mais propriedade no prximo capitulo.]

3 PROMOO DE SADE NO CENRIO MUNDIAL3.1 O processo sade-doena: construes, dilemas e necessidades.

Para Almeida Filho (2011), o conceito de sade se constitui uma grande lacuna terica das cincias da sade, um desafio latente e epistemolgico que necessita de superao. Em outro texto, o autor relaciona esta discusso ao ponto cego das disciplinas que compe o que se conhece como campo[footnoteRef:10] da sade (ALMEIDA FILHO, 2000). [10: Para Bourdieu (1983, p. 89-90): Um campo, e tambm o campo cientfico, se, define entre outras coisas atravs da definio dos objetos de disputas e dos interesses especficos que so irredutveis aos objetos de disputas e aos interesses prprios de outros campos (no se poderia motivar um filsofo com questes prprias dos gegrafos) e que no so percebidos por quem no foi formado para entrar neste campo (cada categoria de interesses implica na indiferena em relao a outros interesses, a outros investimentos, destinados assim a serem percebidos como absurdos, insensatos, ou nobres, desinteressados). Para que um campo funcione, preciso que haja objetos de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de habitus que impliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas, etc.]

Coelho e Almeida Filho (2002) ao citar Canguilhem afirmam que, na perspectiva epistemolgica, conceituar sade se apresenta como uma dificuldade desde a Grcia Antiga e asseguram a existncia de uma carncia cientfica que aborde esta discusso na atualidade, os autores arriscam-se a levantar a hiptese de que essa pobreza conceitual pode ter sido fruto da influncia da indstria farmacutica e de uma cultura da doena construda pela modernidade, que reduzem o interesse por este debate.

Corroborando, alguns pesquisadores relatam uma dificuldade no esforo de definir cientificamente o conceito de sade; para estes autores isso se d devido ao seu carter subjetivo inseparvel (ALMEIDA FILHO, 2000; CAPONI, 2003; BAGRICHEVSKY, ESTEVO, PALMA, 2006; RIGO, PARDO, SILVEIRA, 2007).

Bastos (2011) relata em seus estudos que a grande dificuldade nesta conceituao se d, porque a sade nada mais do que vida, assim levando esta discusso a um patamar muito maior do que seria vida afinal.

Batisttela (2007b), revisitando a obra de Canguilhem, afirma que o terico sustenta a ideia de que cientificamente a sade no pode ser considerada um conceito, pois esta uma questo comum e filosfica.

Porm, o que se precisa observar que definies, conceitos, simbologias, entre outros, so [...] instrumentos empregados para auxiliar na tentativa de capturar o(s) significado(s) de determinado fenmeno, e que nem sempre exequvel e que [...] por mais elaborado que seja o conceito, trata-se apenas de uma representao simblica imperfeita e parcial da realidade (BAGRICHEVSKY; ESTEVO; PALMA, 2006, p. 31-32).

Essa necessidade de elaborao de conceitos pela humanidade, segundo Arajo (2006), se revela pela nsia humana de compreenso do mundo e pela necessidade de nitidez na troca de informaes, que impele o homem a conceber sistemas mais elaborados para a sistematizao do saber.

Para Rigo, Pardo e Silveira (2007) ao trabalhar com as contribuies de Gilles Deleuze e Flix Guatari para o campo, a produo do conceito em determinada rea do conhecimento se d pelo momento histrico a qual a discusso est inserida, onde a construo destes no se apresenta estanque no mundo, mas est sempre em movimento, no plano da imanncia, atravs de personagens conceituais.

Neste movimento contnuo dos campos, a produo conceitual

envolve escolhas, recortes, estabelecimento de perspectivas e regras. A produo de conceitos em reas como a sade se d em espaos polticos em que os saberes e os poderes a presentes iro atestar o carter representacional, cultural, simblico de todo o conceito quando diz respeito a prticas da experincia humana (RIGO; PARDO; SILVEIRA, 2007, p. 162).

Esta discusso se apresenta importante, pois, dependendo do recorte realizado pelo campo e dos conceitos criados pelo senso comum, haver uma interferncia nas prticas profissionais ou no profissionais de sade, pois o processo de conceitualizao da sade se apresenta como um exerccio de olhar para si e para as prticas exercidas na sociedade, o que gera em seus personagens uma inquietao referente ao que realmente significa sade. Corroborando com este pensamento, Batistella (2007a, p. 27) afirma que os conceitos so a referncia das prticas.

A partir das ideias colocadas at aqui, pode-se considerar ento o conceito de sade como impreciso, abrangente e dinmico que reflete as caractersticas de um tempo, que repercute todas as conjunturas vividas em uma determinada poca e lugar. Isto posto, quando se reconhece a sade como um processo histrico complexo, se remete a possibilidade de que seu conceito sofra modificaes a partir da construo dos conhecimentos em cada sociedade, sofrendo influncias dos aspectos culturais, sociais, econmico, polticos, entre outros, ou seja, sofrendo influncias de um determinado constructo social, influenciando as prticas (BATISTELLA, 2007b).

Corroborando com o que foi dito acima, Langdon e Wiik (2010, p. 178) expressam que:

as preocupaes para com a sade so universais na vida humana, presentes em todas as sociedades. Cada grupo organiza-se coletivamente atravs de meios materiais, pensamento e elementos culturais para compreender e desenvolver tcnicas em resposta s experincias, ou episdios de doena e infortnios, sejam eles individuais ou coletivos.

Ento, j que h uma relao to ntima entre a sade e a sociedade, se faz necessrio, neste momento, a discusso sobre a trajetria percorrida pela sade ao longo da histria, para que se possa perceber como esta relao vem sendo construda na atualidade e como seu conceito construdo ao longo da histria.

O que se prope a realizar a partir daqui relatar, com base em um referencial terico, como esta construo se deu ao longo dos tempos, trazendo para o debate a construo deste conceito no percurso da humanidade.

Segundo Loureno et al. (2012, p. 19):

A trajetria da humanidade acompanhada tambm pelo desenvolvimento e construo do conceito de sade ao longo dos tempos, influenciada por caractersticas prprias de cada perodo. Desde os primrdios da humanidade o ser humano se questiona sobre a origem da vida, as razes da existncia e o que ter sade.

Ao mesmo tempo Arantes et al. (2008, p. 190-191) afirmam que:

A historicidade dos conceitos deriva da necessidade contnua de produo de instrumentos que possam orientar o pensamento na busca de solues para os desafios da vida cotidiana. Por conseguinte, a sua produo se apia nas concepes filosficas, tericas e polticas hegemnicas em um determinado momento, no sendo possvel, portanto, abordar um conceito sem refletir sobre a sua histria.

Assim, a construo do conceito de sade e doena na humanidade est marcada pela interao entre corpos humanos, coisas e os seres que os rodeiam, onde elementos naturais e/ou sobrenaturais circundam estas relaes, impregnando de sentidos esta criao (SERVALHO, 1993).

As sociedades primitivas eram nmades, viviam em grupos, tendo a sua subsistncia extrada da caa, da pesca e da coleta de suprimentos, onde o principal objetivo era sobreviver. Essas sociedades simples tinham por crena que a natureza e seus acontecimentos eram espritos que regiam a vida humana e influenciavam os eventos, inclusive os relacionados com a sade. Estes construram crenas msticos-religiosas sobre o processo sade-doena, tentando explicar os mistrios do nascimento, da natureza, das doenas e da morte (LOURENO et al., 2012; BASTOS, 2011; SCLIAR, 2007; BATISTELLA, 2007a; BARROS, 2002).

Respaldando a afirmativa acima, Pinheiro, Chaves e Jorge (2004, p. 94) relatam que:

Nas sociedades primitivas, a doena era vista como resultado de alguma coisa misteriosa introduzida no corpo da vtima, ou como decorrncia de atos mgicos realizados por deuses ou feiticeiros. Os seres humanos entendiam a doena como perda da alma, invaso do corpo por demnio, castigos, bruxaria e fatalidades.

Ou seja, a doena era mandada por seres mgicos e o retorno sade s poderia ser realizada atravs de encantamentos. Exemplo desta afirmao so as curas realizadas nas tribos primitivas pelos Xams, Curandeiros, Sacerdotes e outros detentores dos poderes divinos. Nota-se que ainda hoje perdura esta ideia, nas curas realizadas por diversas seitas e religies em nossa sociedade contempornea (BARROS, 2002; PINHEIRO; CHAVES; JORGE, 2004).

Para Mendes, Lewgoy e Silveira (2008, p. 25) foi a cultura grega clssica que

contribuiu para descortinar novos horizontes no processo sade-doena, introduzindo a explicao racional. Consideravam que a observao emprica, como a importncia do ambiente, a sazonalidade, o trabalho e a posio social contribuam para o aparecimento de doena. Emerge de ento a concepo de que no havia doenas, mas doentes.

Scliar (2007) afirma que, apesar de os gregos ainda manterem esta ideia mitolgica, mesmo porque vrios de seus deuses estavam ligados noo de sade, eles utilizavam de outras ferramentas para a cura de seus doentes como as plantas e outros mtodos naturais, no s os rituais.

Como exemplo, Pinheiro, Chaves e Jorge (2004, p. 95) relatam o mito de Apolo,

deus da medicina, que enviava as doenas para a terra e dela s ele podia afast-las. A mitologia diz que Apolo teria ensinado Medicina a Quiron, filho de Saturno, encarregado da educao de Esculpio, filho de Apolo e da ninfa Coronis. Esculpio se tornou um excelente mdico, responsvel pela diminuio do nmero de almas enviadas ao inferno, o que lhe valeu o castigo de Zeus a morte. Esculpio passou a ser adorado nos templos situados nas vizinhanas de fontes de guas minerais, verdadeiros centros de sade, dirigidos por sacerdotes. Os pacientes que recebiam as graas da cura faziam oferendas aos deuses reproduo em mrmore ou em cera, das partes do corpo que se haviam curado. Entre os discpulos de Esculpio esto Higia e Panacia, patronas da higiene e da farmcia, e os sacerdotes dos templos de Cos e Cnidos [...].

Necessita-se citar ainda, na cultura grega, a figura de Hipcrates de Cs (460-377 a.C.), que criou a doutrina dos quatro fludos, por ele chamado de humores sangue, fleuma, blis amarela e blis negra onde cada uma destas estava relacionada com um elemento da natureza (fogo, gua, ar e terra), que constituam o corpo humano. Para o filsofo, quando ocorria um desequilbrio entre estes elementos que se dava o processo de adoecimento; portanto quando estes humores estavam em equilbrio o indivduo estava saudvel (ZANCHI; ZUNGO, 2012; ALMEIDA FILHO, 2011; BATISTELLA, 2007a; SCLIAR, 2007)

Corroborando, Barros (2002, p. 69) reafirma que:

O chamado Pai da Medicina ocidental identificou a sade como fruto do equilbrio dos humores, sendo, por oposio, a doena, resultante do desequilbrio dos mesmos. Alguns praticantes da medicina contemporneos ou sucessores de Hipcrates interpretaram a teoria humoral de maneira mais estrita (abrindo exceo apenas para os ferimentos), enquanto outros admitiam a intromisso de agentes externos, como os venenos, na determinao das doenas. A teoria dos humores sobrevive nos dias de hoje em algumas correntes do pensamento mdico oriental, como o caso, da medicina tradicional tibetana ou da medicina ayuvrdica e unani indianas.

A teoria hipocrtica era caracterizada pela observao emprica, pois no se limitava observao apenas da doena, mas levava em considerao a observao do doente e do ambiente ao qual este estava inserido. Em um dos seus textos mais famosos, Ares, guas e lugares, este filsofo discutia os fatores ambientais ligados ao processo da enfermidade, onde defendia um conceito ecolgico de sade-doena. Foi a partir da obra deste filsofo que se comeou a pensar de uma forma racional a medicina (SCLIAR, 2007; BATISTELLA, 2007a).

Assim, nota-se que Hipcrates entendia a sade como homeostase, ou seja, que ela era resultante do equilbrio entre o homem e o meio (BATISTELLA, 2007a). Almeida Filho (2011) confirma, ao relatar que os hipocrticos pensavam o homem como um sistema organizado e estabeleciam a doena como uma desorganizao desta condio.

Segundo Barros (2002, p. 70), o ensino hipocrtico aprofunda estratgias de recuperao da sade, mas, sobretudo, de preveno das doenas; essa afirmativa pode ser percebida pela a epgrafe do corpus hipocraticum[footnoteRef:11] onde se valoriza o ambiente de trabalho, a habitao ou a dieta, na obteno do bom estado de sade. [11: uma coleo de cerca de 60 textos de medicina da Antiguidade grega atribudos a Hipcrates e semelhantes aos seus ensinamentos.]

Ainda na Antiguidade, se cria a ideia de miasmas, que seriam emanaes das regies insalubres ou odores ftidos que eram capazes de causar doenas, tendo como base para este pensamento ainda a relao entre o meio e o homem, assimilados da cultura grega (SCLIAR, 2007). Segundo Batistella (2007a) h, a partir da, um avano no sentido da engenharia sanitria e da administrao das cidades, a exemplo da criao da cloaca mxima[footnoteRef:12] para a drenagem dos pntanos, dos banhos coletivos estendidos a todos os moradores e da construo de poos particulares para a captao de gua potvel. [12: Uma das mais antigas redes de esgotos do mundo. Foi construda na antiga Roma nos finais do sculo VI a.C.]

Ainda demonstrando avanos para a sade na Roma Antiga, Zanchi e Zugno (2012, p. 22) citam outros avanos na engenharia sanitria como o desenvolvimento de uma higiene pessoal, a inspeo dos alimentos e o controle da prostituio.

Outro filsofo, mas tambm mdico romano, de origem grega, Galeno de Prgamo (129-199 d.C.), partindo das ideias hipocrticas dos humores, estabeleceu a teoria das latitudes de sade, que se dividia em sade, estado neutro e m-sade, sendo que a sade continuava a ser o equilbrio entre as partes corporais, observando as causas das doenas como endgenas, relacionadas s suas constituies fsicas ou exgenas, associadas aos seus hbitos de vida (BARROS, 2002; SCLIAR, 2007, BACKES et al., 2009).

Nas sociedades orientais, nesta poca, a ideia de equilbrio era a que tambm prevalecia, como exemplo, a cultura chinesa e indiana que compreendiam (ou compreendem) a sade como um estado de equilbrio, que poderia ser quebrado por influncia do clima, de animais, dos astros, entre outros (SCLIAR, 2007; MENDES; LEWGOY; SILVEIRA, 2008).

Com a queda de Roma, j na Idade Mdia (500-1500 d.C.), ocorre um retrocesso dessas novas ideias, onde se volta a perceber a sade luz da concepo mgico-religiosa, partindo do princpio de que a doena resulta da ao de foras alheias ao organismo que neste se introduzem por causa do pecado ou de maldio (SCLIAR, 2007, p. 30). Assim, a doena volta a ser uma manifestao divina para aqueles que desobedeciam as ordens de Deus (BATISTELLA, 2007a).

O mesmo autor cita como exemplo deste retrocesso o tratamento da lepra, doena que tinha para poca origem no pecado. Esta assolou grande parte da populao. O doente era isolado em leprosrios, instituies administradas por religiosos, para que no tivessem nenhum contato com corpos humanos, ou eram retirados das cidades como exilados. Antes se rezava uma missa para os pecadores que eram dados como mortos. O que se deve atentar que estas instituies no eram lugares para o cuidado com o doente, mas sim espaos de caridade e expiao dos pecados (SCLIAR, 2007). Neste perodo foram criados os primeiros hospitais e instituiu-se a quarentena (BATISTELLA, 2007a).

Segundo Mendes, Lewgoy e Silveira (2008), o cristianismo entendia a doena como forma de obteno da graa divina e aqueles que eram merecedores da graa alcanavam a cura. Assim, o Cristianismo, em favor da salvao do esprito, levou ao progressivo abandono de outras prticas (OLIVEIRA; ENGRY, 2000; BATISTELLA, 2007a).

Foi ao final deste perodo, com a ocorrncia de grandes epidemias, que h um retorno a mxima do contgio entre os indivduos sendo as principais causas a conjugao dos astros, o envenenamento das guas pelos leprosos, judeus ou por bruxarias (BACKES et al., 2009, p. 113).

Para Batistella (2007a), o desenvolvimento de cuidados com a sade e da medicina s tiveram prosseguimento entre os rabes e judeus, onde essas ideias dos grandes filsofos foram acrescidas de estudos importantes sobre cirurgia e farmacologia.

Com o Renascimento, dando incio Era Moderna, comea-se a iniciar a mudana destas concepes religiosas (SCLIAR, 2007).

Essa mudana ocorreu devido aos novos pensamentos inseridos pelo Renascimento, mas principalmente pela nova construo do pensamento cientfico. O prprio termo utilizado para denominar esta Era, surge da pretenso de fazer com que se possa reestabelecer a cultura greco-romana perdida durante a Idade Mdia. Este perodo foi caracterizado por novas ideias de homem, como centro do universo, o Antropocentrismo, o Otimismo, o Racionalismo, o Humanismo, o Hedonismo, o Individualismo e o Universalismo (MENDES; LEWGOY; SILVEIRA, 2008).

Paradoxalmente foram dentro das instituies religiosas que abrigaram as primeiras Universidades que estas ideias foram tomando corpo (BATISTTELA, 2007a).

Mas, foi sobre a influncia do paradigma cartesiano, que as cincias da sade se desenvolveram rapidamente, onde foram aperfeioadas novas cincias bsicas que fizeram surgir a necessidade de estudar os elementos que causavam o contgio (BACKES et al., 2009). Assim, juntas, estas novas cincias: Anatomia, Fisiologia e a Patologia, permitem o deslocamento epistemolgico e clnico da medicina moderna, de uma arte de curar indivduos doentes para uma disciplina das doenas" (LUZ apud OLIVEIRA; ENGRY, 2000, p. 10).

Foi durante este perodo que o suo Paracelsus (1493-1541) afirmava que a origem das doenas estava em agentes externos ao organismo. Este cientista, conhecido como o pai da Bioqumica, garantia que os processos ocorridos no corpo humano eram qumicos e como tais deveriam ser tratados com remdios derivados desta cincia. Assim, esse cientista comeou a administrar alguns minerais e metais aos doentes, como a exemplo do mercrio, para o tratamento da sfilis, que havia se tornado uma doena endmica em toda a Europa (PINHEIRO; CHAVES; JORGE, 2004; SCLIAR, 2007).

Para Barros (2002), Paracelsus foi o grande representante da transio da escola galnica para o modelo biomdico, pois este apontava como determinao das doenas, influncias csmicas e telricas ou/e substncias txicas e venenosas, sendo tambm estas relacionadas predisposio do prprio organismo ou de motivaes psquicas. As ideias deste cientista ainda relacionavam as enfermidades s reaes indevidas dos elementos constitutivos do mundo.

Segundo Pinheiro, Chaves e Jorge (2004, p. 95),

Outro trabalho deste perodo que merece destaque pertence a Harvey que mostra o corao como uma espcie de bomba muscular, com a funo de impelir o sangue nos vasos e mant-lo em movimento. Nos sculos XVII e XVIII, merecem destaque os estudos de Morgagni e Hunter, de suas obras resultam a convico de que as doenas decorrem de alteraes nos rgos.

Destaca-se tambm no final do sculo XIII, quando ocorria a consolidao do sistema fabril, a ideia de que a sade ou a falta dela poderia estar relacionada com as condies de vida e trabalho dos indivduos. Porm, a mxima miasmtica foi hegemnica at a metade do sculo XIX (PINHEIRO; CHAVES; JORGE, 2004; BUSS; PELEGRINI FILHO, 2007).

O pensamento sobre a sade na modernidade se inicia com o final da era feudal (Sculo XV), onde ocorre uma grande expanso econmica e poltica das cidades e uma ampliao da indstria como principal atividade econmica da poca. Os administradores das fbricas observando as pssimas condies de trabalho dos operrios propem algumas regulamentaes para estas, como, por exemplo, a reduo da carga horria dos trabalhadores, dando origem ento a Medicina Social, que tinha como objetivo cuidar do corpo do trabalhador, fonte dos meios de produo capitalista (BATISTTELA, 2007a).

O mesmo autor, revisitando Focault, relata que houve trs etapas para a formao da Medicina Social: a Medicina de Estado surgida na Alemanha; a Medicina Urbana, surgida na Frana; e a Medicina da Fora de Trabalho[footnoteRef:13] (BATISTTELA, 2007a). [13: Para melhor compreenso sobre o assunto indica-se a leitura de FOCAULT, M. O nascimento da medicina social. In:____. Microfsica do poder. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982.]

Apesar de um grande avano dado com o advento da Medicina Social, pouco se dispunha de recursos para tratar as doenas nesta poca. Foi quando, durante o sculo XIX, com uma forte influncia do empirismo e o fortalecimento da biologia cientfica, surge a bacteriologia e outras disciplinas, onde as cincias da sade at ento empricas passam a ser uma cincia de base experimental (OLIVEIRA; ENGRY, 2000; BARROS, 2002; BATISTTELA, 2007a; BACKES et al., 2009).

Na mesma poca surge a figura do bilogo e qumico, Louis Pasteur (18