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1 Guia das falácias usadas para “justificar” o consumo de animais Atualizado em 06/09/12 Antes de tudo, vale definir o que é falácia: é um argumento que aparenta ser válido à primeira vista mas, usando de métodos logicamente inconsistentes para ligar premissa e conclusão, leva a conclusões errôneas. Há diversos tipos de falácias, com inconsistências lógicas diferentes – quando, por exemplo, diz-se que uma afirmação está certa apenas porque foi uma pessoa célebre que a falou, ou que uma idéia está errada apenas por ser considerada radical. Pode-se dizer que as falácias são um dos pilares fundamentais que sustentam o carnismo, o sistema de crenças usadas para tentar justificar o consumo de alimentos de origem animal, senão a espinha dorsal dele. Poucos são os argumentos usados nesse sentido, sejam centrados na Filosofia ou nas Ciências, que se livram de estar incorrendo em algum tipo de falácia. Mesmo professores com doutorado incidem frequentemente em falácias quando passam a defender o livre consumo de animais, mesmo quando tentam contestar as evidências científicas da sustentabilidade do vegetarianismo ou questionar a viabilidade filosófica dos Direitos Animais. Abaixo listo, descrevo e exemplifico 37 falácias comuns na defesa das crenças carnistas. Índice 1. Falácia do espantalho 2. Falsa dicotomia ou falso dilema 3. Falsa analogia 4. Falácia naturalista 5. Generalização apressada 6. Reductio ad absurdum 7. Declive escorregadio ou falácia da bola de neve 8. Argumentum ad hominem ou apelo ao ataque pessoal 9. Falácia ad hominem do poço envenenado 10. Tu quoque ou apelo à hipocrisia 11. Apelo à antiguidade ou à tradição 12. Apelo à multidão 13. Evidência anedótica ou evidência-anedota 14. Inversão do acidente 15. Distorção de fato 16. Post hoc ergo propter hoc ou falsa causa 17. Non sequitur 18. Falácia red herring, “Olha o avião” ou fuga do tema 19. Apelo à autoridade 20. Apelo à autoridade anônima 21. Redução ao radical 22. Apelo à relevância econômica

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Guia das falácias usadas para “justificar” o consumo de animais

Atualizado em 06/09/12

Antes de tudo, vale definir o que é falácia: é um argumento que aparenta ser válido à primeira vista mas, usando de métodos logicamente inconsistentes para ligar premissa e conclusão, leva a conclusões errôneas. Há diversos tipos de falácias, com inconsistências lógicas diferentes – quando, por exemplo, diz-se que uma afirmação está certa apenas porque foi uma pessoa célebre que a falou, ou que uma idéia está errada apenas por ser considerada radical.

Pode-se dizer que as falácias são um dos pilares fundamentais que sustentam o carnismo, o sistema de crenças usadas para tentar justificar o consumo de alimentos de origem animal, senão a espinha dorsal dele. Poucos são os argumentos usados nesse sentido, sejam centrados na Filosofia ou nas Ciências, que se livram de estar incorrendo em algum tipo de falácia. Mesmo professores com doutorado incidem frequentemente em falácias quando passam a defender o livre consumo de animais, mesmo quando tentam contestar as evidências científicas da sustentabilidade do vegetarianismo ou questionar a viabilidade filosófica dos Direitos Animais.

Abaixo listo, descrevo e exemplifico 37 falácias comuns na defesa das crenças carnistas.

Índice

1. Falácia do espantalho 2. Falsa dicotomia ou falso dilema 3. Falsa analogia 4. Falácia naturalista 5. Generalização apressada 6. Reductio ad absurdum 7. Declive escorregadio ou falácia da bola de neve 8. Argumentum ad hominem ou apelo ao ataque pessoal 9. Falácia ad hominem do poço envenenado 10. Tu quoque ou apelo à hipocrisia 11. Apelo à antiguidade ou à tradição 12. Apelo à multidão 13. Evidência anedótica ou evidência-anedota 14. Inversão do acidente 15. Distorção de fato 16. Post hoc ergo propter hoc ou falsa causa 17. Non sequitur 18. Falácia red herring, “Olha o avião” ou fuga do tema 19. Apelo à autoridade 20. Apelo à autoridade anônima 21. Redução ao radical 22. Apelo à relevância econômica

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23. Apelo ao ridículo 24. Apelo ao motivo 25. Reductio ad Hitlerum 26. Falácia genética 27. Invenção de fato 28. Falácia de equívoco 29. Argumentum ad lapidem 30. Dicto simpliciter 31. Apelo às crianças ou argumentum ad infantium 32. Apelo à moderação, falso meio-termo ou argumentum ad temperantiam 33. Argumentum verbosium 34. Falácia da pressuposição ou falácia da questão complexa 35. Definição muito restrita 36. Apelo ao medo ou argumentum ad metum 37. Exigência de perfeição

1. Falácia do espantalho

Faz uma interpretação errada da idéia opositora, atribuindo-lhe equivocada ou maliciosamente argumentos facilmente criticáveis ou refutáveis que na verdade ela não defende. É como se o usuário da falácia montasse um espantalho do adversário e começasse a bater nesse espantalho, convicto que está batendo não num boneco inanimado, mas sim no próprio adversário. Devido à variedade e frequência de seu uso, é a falácia mais usada entre todas para se tentar negar ou deturpar o sentido do veg(etari)anismo e também semear ou manter preconceitos caros à maioria carnista da sociedade. É uma das três grandes falácias de preconceito do carnismo, juntamente com a generalização apressada e a inversão do acidente.

Exemplos carnistas:

- “Os vegetarianos são uns hipócritas, porque defendem os seres vivos mas esquecem que plantas também são seres vivos.” – Os vegetarianos e veganos não defendem direitos individuais para qualquer ser vivo, mas sim especificamente para os seres sencientes, que têm a capacidade de sentir dor e manifestar o interesse de continuar vivos e íntegros. O usuário da falácia critica um biocentrismo que na verdade não existe na ideologia dos Direitos Animais.

- “O relatório da ADA diz que o vegetarianismo só é saudável ‘quando bem planejado’. Ou seja, o vegetarianismo não é exatamente saudável.” – Esse exemplo dá a falsa impressão de que o vegetarianismo é defendido de forma limitada e cautelosa pela Associação Dietética Americana, quando na verdade é fato que apenas dietas bem balanceadas e planejadas, sejam elas onívoras, centradas em carne branca, vegetarianas não estritas ou vegetarianas estritas, têm efeitos realmente positivos na saúde da pessoa. Essa frase também caracteriza uma falácia de distorção de fato, que será vista mais adiante.

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- “A alimentação de vocês é muito limitada em comparação ao meu onivorismo. Quem é que vive bem comendo apenas folhas e legumes?” – Ataca uma limitação que não existe na alimentação vegetariana, uma vez que a diversidade vegetal disponível para consumo humano é muito vasta e abrange também grãos e cereais, frutas, verduras, oleaginosas, castanhas, ervas, temperos e algas, variedade essa que possui milhares, senão milhões, de combinações culinárias possíveis.

- “O veganismo prega o ativismo extremista, que inclui a destruição de propriedade pública e privada com o pretexto de lutar contra a exploração animal!” – “Ativismo extremista” não é uma prática intrínseca à definição de veganismo, nem mesmo aos princípios ideológicos veganos. Veganismo nada mais é do que um hábito de consumo que busca a não participação individual nas tradições de exploração animal.

- “Para os veganos, toda a intervenção humana sobre a Natureza deveria ser varrida do planeta.” – Isso não é um princípio do veganismo, não é algo que o veganismo defende plenamente. Esse exemplo de falácia do espantalho, aliás, faz uma falsa generalização a partir do fato de que alguns veganos defendem, além da libertação animal, também o fim do modelo de sociedade tecnológica moderna, caracterizando assim uma falácia de inversão do acidente, tipo de falácia que também será visto adiante.

- “Os veganos defendem que deixemos, absoluta e incondicionalmente, de matar qualquer animal.” – O veganismo não defende isso. É sabido entre os veganos que é impossível viver sem matar absolutamente nenhum animal, uma vez que se vai continuar inevitavelmente matando animais que intratavelmente representem ameaça à saúde e vida humanas, como vermes patogênicos, insetos vetores de doenças e pragas agrícolas, e até o caminhar na rua ou em casa acaba matando animais minúsculos como formigas, ácaros, embuás e pulgas. O que o veganismo defende, na verdade, é a abolição da exploração animal e a consequente minimização máxima das mortes animais causadas por seres humanos.

- “A sustentabilidade nutricional do vegetarianismo estrito e a nocividade dos alimentos de origem animal são baseadas cientificamente num único artigo, que se restringe a falar bem da densidade mineral óssea de quem come regularmente certos vegetais e não fala nada de alimentos de origem animal.” – Este exemplo, coletado de um artigo carnista na internet, ataca uma falta de embasamento que não existe. Ignora maliciosamente a diversidade cada vez maior de relatórios e artigos científicos, diversos deles citados neste livro, que defendem ou mesmo recomendam o vegetarianismo estrito como uma dieta saudável ou apontam malefícios no consumo de alimentos de origem animal.

- “Universalizar o abate humanitário é o bastante, já que o problema é basicamente o sofrimento dos animais.” – Aqui o foco dos Direitos Animais é desviado da exploração animal em si, do ato de tratar animais não humanos como propriedade, à mera preocupação com as formas obviamente cruéis de abatê-los. E isso indevidamente abranda o objetivo dos Direitos Animais, a ponto de fazê-los ser permissíveis ao consumo de produtos de origem animal.

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- “O vegetarianismo causa mais danos ambientais e mortes de animais do que a pecuária.” – Este é o argumento conhecido pelos fóruns de discussão veg(etari)anos como “saladismo”, por ter sido propagado na internet brasileira por um anônimo que usava o codinome de “Doutor Salada”. Esse argumento ignora todas as evidências largamente divulgadas por relatórios como o Livestock’s Long Shadow e o Terraclass e o fato de que a pecuária necessita de uma enorme parcela dos produtos vegetais agrícolas, o que faz a pecuária ter impactos ambientais diretos e indiretos que a agricultura de consumo humano não possui no mesmo nível e matar tanto os próprios animais abatidos como os animais rasteiros de plantações forrageiras e a fauna das terras desmatadas e poluídas.

- “Vegans amam os animais, mas odeiam outros seres humanos.” – Esta alegação imputa ao veganismo uma falsa misantropia, que não existe entre os seus princípios. Provém do puro preconceito de muitos carnistas contra os veganos.

- “Vegetarianismo é uma dieta elitista, que requer muito dinheiro com alimentos caros e suplementos multivitamínicos.” – A cada dia é o contrário que vai se mostrando mais e mais evidente, vide a inflação nos preços das carnes e a associação cultural do consumo de carne à ascensão social. A demanda vegetariana, por sua vez, vem conseguindo obter uma grande diversidade de alimentos vegetais a preços muito mais em conta do que seria obtido de carnes. O elitismo, assim, acaba sendo algo cada vez mais próprio do onivorismo.

- “O veganismo é absurdo, já-já vão estar pregando que os leões, tigres e onças também devem passar a comer grama!” – É imputado aqui um falso objetivo ao veganismo: tentar moralizar também os animais não humanos. Os veganos geralmente não trabalham com a idéia de torná-los agentes morais tais como os seres humanos – mas sim apenas de considerá-los pacientes morais nas relações entre animais humanos e não humanos – nem com a de interferir na Natureza não humana exportando aos biomas um sistema ético que nenhum animal poderá entender. Aqui também está caracterizada uma falácia reductio ad absurdum, por tentar derrubar as idéias veganas prevendo uma improvável situação futura absurda ou ridícula resultante da concretização delas.

- “É ridículo os veganos não comerem ovos por acharem que comer ovo é cometer um aborto.” – Essa pode até ser a crença de alguns vegetarianos estritos e veganos menos informados, mas, se a afirmação for feita em caráter generalizante, ela se torna uma falácia do espantalho. Isso porque a preocupação dos que eticamente não comem ovos não é em relação ao óvulo não fecundado e não chocado – logo, sem condições de se desenvolver como pintinho – que ocupa cada ovo comestível. Mas sim porque a ave poedeira é de fato uma escrava daquele que vende seus ovos, tendo sido trazida à existência apenas para ser explorada, de modo a prover ovos para que seu “proprietário” os venda, sendo proibida de desfrutar uma liberdade sem gaiolas ou sem cercas junto a seus filhotes. Também pesa, no caso dos ovos produzidos em larga escala, o fator do confinamento das galinhas e codornas em gaiolas, onde não podem sequer virar para o lado ou abrir as asas. Em resumo, lactovegetarianos, vegetarianos

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estritos e veganos não comem ovos não por causa do ovo em si, mas por causa da ave que o pôs.

- “Veg(etari)anos acreditam numa utopia em que grandes cidades ecológicas irão coexistir com espécies selvagens, essa realidade é absurda.” – Isso não é regra no vegetarianismo nem no veganismo, nem é um dos princípios do veganismo. Se alguns acreditam nessa utopia, isso não quer dizer que todos os veg(etari)anos o fazem. Essa afirmação também é uma generalização apressada e uma forma indireta de reductio ad absurdum.

- “O vegetarianismo é uma hipocrisia, porque muitos vegetarianos comem peixe e, assim, toleram que peixes sejam mortos para a alimentação humana.” – Aproveitando-se do equívoco dos piscitarianos que se dizem “vegetarianos”, ataca uma falsa fraqueza do vegetarianismo pelos animais. O vegetarianismo conceitualmente exclui carne de qualquer animal, incluindo peixes, da alimentação humana.

- “O vegetarianismo e o veganismo são baseados principalmente em achismos e dados científicos falsos.” – Essa é uma manifestação relativamente frequente entre carnistas, mas é equivocada porque ignora os mais diversos relatórios, pareceres e artigos científicos que apóiam a dieta vegetariana e o hábito de consumo vegano – muitos deles mencionados neste livro. Tal afirmação geralmente é proferida por pessoas que não se dão o trabalho de pesquisar sobre o apoio dado pela Ciência ao veg(etari)anismo.

- “Vegetarianos obtêm online sua informação de um único site, que é bem tendencioso e mentiroso.” – Obtida de um artigo carnista, e referindo-se a um site filial da PETA sobre vegetarianismo, tal afirmação dá a impressão de que os vegetarianos consultam apenas esse site para obter informações e argumentos. Ignora maliciosamente todo o universo existente de documentários, livros, sites, blogs e artigos científicos que defendem ou apóiam, de forma bem embasada, o veg(etari)anismo. O tal site da PETA, no fim das contas, é apenas um entre milhares de veículos de divulgação pró-veg(etari)ana existentes no mundo atual.

- “Os vegetarianos comparam a alimentação vegetariana balanceada com uma dieta onívora desbalanceada. Assim fica fácil demais dizer que o vegetarianismo é melhor que o onivorismo.” – Também uma generalização apressada, alega uma tendenciosidade que não é generalizada entre os veg(etari)anos. Muitas pesquisas científicas comparam dietas vegetarianas balanceadas com dietas onívoras também balanceadas, que incluem quantidades não excessivas de carnes vermelhas e/ou brancas.

- “Vegetarianos e veganos só defendem animais porque são apegados a bichinhos fofinhos, como bezerros, golfinhos, cãezinhos, gatinhos e leitões.” – Essa afirmação tentar ofuscar o fato de que os Direitos Animais não envolvem propriamente apego a alguns animais, mas sim o fim do tratamento de todos os animais, seja quais forem, como propriedade. E tenta, por um apelo ao motivo (falácia que será vista adiante), “justificar” sua defesa pelos veg(etari)anos com o carinho de muitos destes – mas não todos eles – a animais ditos fofos.

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- “Veganos nunca matam insetos, ratos e outras pragas, mesmo que causem doenças e comprometam a higiene de suas casas.” – Essa afirmação erra porque, primeiro, matar insetos, ratos, aranhas e outros animais dedetizáveis na impossibilidade de definitivamente repeli-los não é tratá-los como escravos, mas sim defender a saúde humana – em outras palavras, é matar por legítima defesa –; segundo, porque não são todos os veganos os que evitam até mesmo matar animais dedetizáveis – apenas uma parcela indefinida deles têm essa postura.

- “Os veganos são contra tutelar animais domésticos. Eles preferem que os cães e gatos vivam na rua ou soltos em matas.” – Informação intelectualmente desonesta vista em um artigo carnista. Na verdade os veganos nunca foram contra a tutela de cães e gatos, tampouco a favor do seu abandono nas ruas ou em ambientes que lhes exigissem autonomia. Pelo contrário, muitos veganos militam pela adoção de cães e gatos e denunciam casos flagrantes de abandono à polícia – uma vez que o abandono de animais domésticos é crime conforme a Lei de Crimes Ambientais. O que os veganos realmente são contra é a objetificação, criação comercial, venda e compra de animais domésticos – em outras palavras, são contra tratar cães e gatos como objetos produzíveis, comercializáveis e descartáveis.

- “Veganos só defendem alguns animais, especificamente os domésticos e os pecuários. Eles escolhem quais espécies merecem ou não sua pena.” – Uma afirmação comum entre os carnistas mais conservadores é que a defesa dos animais por parte dos veganos só incluiria alguns animais, seria uma defesa especistamente seletiva. O que todo bom entendedor de Direitos Animais e veganismo sabe que não é verdade, visto que ambos defendem o fim do tratamento de qualquer animal, do mais “fofinho” ao mais feio e perigoso, como escravos sob propriedade humana. A afirmação também distorce a consideração moral dedicada aos animais não humanos pelos veganos, reduzindo toda uma convicção racional, empática e compassiva ao mero sentimento efêmero de “pena”.

- “Como são contra as pesquisas em animais, os veganos defendem a estagnação da ciência. Querem impedi-la de progredir!” – Tal linha de raciocínio, encontrada num artigo carnista, se imbui das crenças de que as ciências biológicas experimentais têm que explorar animais para avançarem e que ser contra a vivissecção seria ser contra a própria Ciência. Sendo também uma falácia de distorção de fato, distorce o ponto de vista vegano, extrapolando-o de uma posição antivivissecção a uma fantasiosa postura anticiência. Ignora que ser contra a vivissecção implica necessariamente também a reivindicação de um ou mais modelos de pesquisa bioexperimental superiores a ela. Isso porque, além de necessariamente torturar e matar animais, a experimentação in vivo tem uma significativa chance de falhar em reproduzir os resultados do “modelo animal” no “modelo humano”, e a busca por um método com chances cada vez menores de erro deveria ser uma constante em qualquer ciência.

- “Os vegetarianos e veganos querem moralizar a Natureza, transplantando ao restante do Reino Animal os valores morais que regem a sociedade humana. Se triunfarem, veremos leões sendo presos e levados a penitenciárias por matarem suas presas.” – Moralizar os animais não humanos nunca esteve nos planos dos defensores dos

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Direitos Animais. A moralização pretendida é direcionada apenas à própria espécie humana, no intuito de fazê-la reconhecer integralmente os animais não humanos como pacientes morais, sujeitos às consequências das boas ou más ações do ser humano. E, como estipula uma consequência absurda para tal fantasiosa hipótese, a afirmação também incorre na falácia reductio ad absurdum.

- “Para que os veganos vêm defender os animais dizendo que eles têm alma, se nem os humanos sabem se têm alma ou não?” – A existência de alma nunca foi o parâmetro de consideração moral do veganismo, ainda que algumas pessoas defendam os animais não humanos alegando que um dos grandes motivos de respeitá-los seria eles serem dotados de alma ou espírito.

2. Falsa dicotomia ou falso dilema

Descreve uma situação como se fosse falsamente um dilema, afirmando que há apenas duas opções mutuamente excludentes das quais apenas uma pode ser escolhida, quando na verdade há outras opções não consideradas pelo argumentador. Em alguns casos, as opções falsamente dicotômicas podem na verdade ser consideradas ao mesmo tempo.

Exemplos carnistas:

- “Se você quer poupar o meio ambiente, se mate de uma vez, assim você zera o impacto ambiental.” – Opções dadas: ter uma pegada ecológica gigantesca e aceitá-la conformadamente; zerar sua pegada por meio do suicídio. Não é considerada a possibilidade de reduzir a pegada ecológica na medida do possível, estando no meio termo entre ter uma pegada ecológica enorme e zero pegada.

- “Se você é contra os testes em animais, ofereça-se de cobaia então!” – Opções dadas: aceitar calado, sem questionar, que os animais sofram nos laboratórios; sacrificar a própria integridade física oferecendo-se de cobaia. Não são consideradas as possibilidades de ser vegano, diminuindo ao máximo a dependência de produtos vindos de testes em animais, e mobilizar-se contra a vivissecção por outras maneiras, exteriores ao hábito de consumo, para compensar a impossibilidade de se alforriar completamente da experimentação animal.

- “Se você não quer fazer mal aos animais, vá viver na mata!” – Opções dadas: ter um hábito de consumo inconsequente, sem a mínima preocupação com a exploração animal ocorrente na indústria, alimentícia ou não; viver em um ambiente onde não haja dependência da exploração industrial de animais (mas haveria necessidade de caçar). Nega-se a possibilidade de a pessoa diminuir ao máximo o mal causado a outros animais ao longo de sua vida, anulando a contribuição de sua alimentação à exploração animal e a contribuição voluntária de seu hábito de consumo não alimentar à mesma e diminuindo na medida do possível a contribuição compulsória (compra de remédios e outros produtos sem substitutos veganos).

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- “Por que vocês se preocupam com animais quando há tanta criança morrendo de fome?” – Opções dadas: ajudar apenas crianças necessitadas; militar apenas pela causa animais não humana. É desconsiderada a possibilidade de lutar pelas duas causas ao mesmo tempo, ou mesmo interligá-las.

3. Falsa analogia

Compara duas situações ou seres que, na prática, não podem ser comparados no aspecto dado na afirmação.

Exemplos carnistas:

- “Comer carne faz mal. Mas até respirar e fazer exercícios físicos fazem mal também.” – Os danos à saúde causados pelo consumo de carne, referentes ao aumento da probabilidade de contrair certas doenças, são muito mais severos do que os supostos danos causados pela respiração e pela prática de exercícios físicos. E comer carne, ao contrário de respirar e fazer exercícios, não é uma necessidade biológica inexorável para os seres humanos, podendo ser evitado.

- “Como carne porque o leão come carne.” – Ao contrário dos seres humanos, os leões e outros animais carnívoros não têm discernimento moral, nem o poder de flexibilizar sua alimentação, nem a habilidade tecnológica da agricultura. Este caso também se caracteriza como uma falácia non sequitur, que será vista adiante.

- “Se o leão não tem dó de sua presa, por que eu tenho que ter pena (sic) dos animais que eu como?” – Idem à frase anterior.

- “Dizer para os onívoros matarem com suas próprias mãos os animais que comem é como dizer para montarem seu próprio carro e construir sua própria casa se quiserem ter um carro e uma casa.” – Comprar carro e casa prontos não tem o ônus ético de comprar a carne de animais que outras pessoas mataram. Tampouco construir uma casa ou montar um carro requerem a insensibilidade, sangue frio e falta de empatia que são necessários para assassinar um animal com as próprias mãos.

- “Esses argumentos não valem, foram retirados de um site vegetariano. É o mesmo que defender o criacionismo com base em sites cristãos.” – Aqui o carnista esnoba primeiro os argumentos pró-vegetarianismo apresentados apenas porque foram extraídos de um site pró-vegetariano, o que caracteriza, como veremos mais adiante, a falácia ad hominem do poço envenenado, para em seguida incorrer na falácia de falsa analogia. A analogia do vegetarianismo ao criacionismo, por sua vez, é falsa porque, ao contrário dessa crença cosmogônica, o vegetarianismo não é baseado em um mito religioso nem é insistentemente sustentado por teorias já refutadas e rebaixadas a pseudocientíficas.

- “Vegetarianismo/veganismo é uma verdadeira religião.” – A analogia, que geralmente define religião sob os parâmetros abraâmico-ocidentais, é falsa porque o

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vegetarianismo e o veganismo – exceto quando previsto por doutrinas como a cristã adventista, a jainista e a hindu – não se baseiam em crenças em mitos religiosos nem em fundamentos morais ditados por divindades, nem determinam recompensas divinas para boas ações e punições idem para atos imorais, nem usam de dogmas, nem negligenciam a Ciência como base factual, nem usam do apelo à força para contestar o carnismo perante os consumidores de carne – ainda que alguns indivíduos incorretamente tentem impor coerção para induzir outras pessoas a se tornarem vegetarianas.

- “Animais são tratados como reis na pecuária. Vivem como reis e morrem como reis.” – Reis não são roubados de suas mães quando crianças pequenas, nem têm partes periféricas do corpo obrigatoriamente mutiladas, nem vivem confinados em propriedades cercadas, gaiolas ou baias, nem são transportados a um matadouro de forma degradante, nem são abatidos a certo instante de sua juventude. Mesmo as criações bem-estaristas não provêm aos “seus” animais um tratamento de rei, mas sim apenas de escravos “bem tratados”, visto que, ao contrário dos monarcas, eles continuam tendo o valor de sua vida atrelado a fins utilitários benéficos apenas a terceiros, vivem integralmente confinados numa área limitada que acaba nas cercas da fazenda ou granja e não deixam de ser abatidos em dado momento-limite de sua vida.

- “Você defende que a pecuária deixe de reproduzir seus animais pra parar a poluição, mas centenas de crianças estão nascendo no momento em que estamos discutindo.” – Ao contrário dos animais de criação, crianças não nascem e crescem com fins utilitários de cunho comercial, e seu nascimento não é algo eticamente questionável e evitável como a reprodução dos animais da pecuária.

- “Um cavalo é vegetariano e só tem 20 anos de expectativa de vida. Já o ser humano come carne e pode passar dos 110 na melhor das hipóteses. Por isso, é melhor comer carne.” – Esta falsa analogia, também considerada uma falácia non sequitur, compara dois organismos muito diferentes, com condições muito distintas de sobrevivência, além de ignorar os tantos artifícios medicinais e nutricionais à disposição do ser humano para estender sua expectativa de vida individual. E mesmo se tal analogia tivesse validade lógica, ela seria sobrepujada por uma outra comparação: entre seres humanos e algumas espécies de jabutis, as quais gozam de uma longevidade individual bem maior do que a naturalmente permitida ao ser humano.

4. Falácia naturalista

Considera uma ação moralmente boa e aceitável apenas porque ocorre na Natureza não humana, ou ruim e inaceitável por ser artificial e impossível de ocorrer na Natureza selvagem.

Exemplos carnistas:

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- “Como carne porque é normal os animais se matarem uns aos outros e comerem carne na natureza.” – Na Natureza silvestre também são normais e recorrentes os assassinatos dentro da própria espécie, as brigas violentas entre indivíduos por territórios, os estupros de fêmeas, a rejeição e abandono de filhotes pelas mães, o infanticídio, entre outros comportamentos. E nem por isso são comportamentos moralmente aceitáveis pelos seres humanos, tanto que são considerados crimes pela maioria dos códigos legais existentes.

- “Como carne porque vivo a lei da natureza, a lei do mais forte.” – Se uma “lei do mais forte” fosse seguida à risca pelos seres humanos e constasse nas leis, implicaria a marginalização, dominação opressora e até eliminação genocida de coletividades ou indivíduos humanos vulneráveis, como sociedades tribais, etnias minoritárias não dominantes, minorias (numéricas ou políticas) historicamente discriminadas e oprimidas (no caso do Brasil, mulheres, negros, nordestinos, LGBTs, ateus e agnósticos, religiosos não cristãos, indígenas, imigrantes de alguns países etc.), pessoas portadoras de deficiências motoras, pessoas de saúde permanentemente fragilizada etc. A Ética humana impede que a “lei do mais forte” valha para a humanidade, e hoje em dia não há qualquer motivo, seja ético, seja prático, para se insistir em seguir à risca tal “lei”, dada a sua completa desnecessidade nas sociedades contemporâneas.

- “Existe um gênero de formigas [espécie Polyergus umbratus] que explora formigas de outras espécies. Assim sendo, por que não podemos explorar outros animais para nosso benefício?” – Diferentemente dos seres humanos, as formigas da espécie Polyergus umbratus, conhecidas como formigas-amazonas, não têm discernimento moral nem condições de se libertar da relação ecológica de parasitismo que mantêm com as formigas da espécie Formica subsericea.

- “A Natureza é baseada na dicotomia predador X presa, por isso é um equívoco pararmos de predar animais para comer.” – Há milênios o ser humano se desvencilhou do status necessário de predador natural, visto que desenvolveu a agricultura e a pecuária. E hoje em dia é mais que possível o ser humano das sociedades modernas viver bem sem matar nenhum animal para fins alimentares. A falácia naturalista aqui ocorre tanto ao tentar resgatar atavicamente a qualidade humana há muito desaparecida (nas sociedades modernas) de predador natural como ao tentar transplantar às sociedades modernas uma relação unilateral amoral dos animais humanos com os não humanos.

- “O vegetarianismo estrito não é uma dieta natural, há muita artificialidade nele. Logo, não é uma boa dieta.” – Misto de falácia naturalista com non sequitur, tal afirmação afirma que “se não é natural, é ruim”. Ignora, primeiro, que a presença de artificialidades (não confundir com aditivos químicos) num hábito alimentar em nada compromete a sua qualidade nutricional, e, segundo, que não existem mais dietas realmente naturais entre a humanidade, visto que todas as dietas usam artifícios tecnológicos para serem tornadas possíveis – mesmo tribos indígenas de tecnologia primitiva precisam recorrer a armas de caça, que são artefatos tecnológicos. O próprio caso da “antinaturalidade” da pecuária, aliás, é emblemático, uma vez que ela

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depende de todo um aparato zootécnico e tecnológico para explorar e abater animais, estando assim as dietas onívoras modernas extremamente longe de poderem ser consideradas naturais.

- “Não há nada de objetivamente errado em matar animais para consumo. Os predadores naturais fazem isso e ainda são muito mais violentos ao caçarem suas presas do que nós ao criarmos e abatermos os animais de criação.” – Essa é outra falácia que tenta transplantar aos humanos a ausência de senso moral típica dos animais não humanos. Essa alegação se baseia na premissa de que, se a amoralidade entre animais é normal na Natureza silvestre, ela seria necessariamente boa para os seres humanos.

- “As espécies animais em geral visam principalmente a preservação de suas próprias vida e espécie. Assim sendo, por que não podemos visar em especial a nossa própria preservação em vez de pensar tanto em Direitos Animais?” – Aqui tenta-se justificar o especismo humano usando-se como base a preferência instintiva dos demais animais pelos seus irmãos de espécie. E tem o agravante de ignorar que, ao contrário dos seres humanos antropocêntricos, não existe entre os animais não humanos um pensamento especista racionalizado, que consista na inferiorização moral e objetificação das demais espécies, mesmo que priorizem cuidar de sua própria.

- “Matar um animal para comer é tolerável. Afinal, na Natureza os valores morais humanos não funcionam.” – Usa-se essa falácia justamente para tentar legitimar violências inerentes a espaços essencialmente artificiais, como granjas, fazendas pecuárias, fazendas-fábrica, matadouros e açougues. Em primeiro lugar, esses lugares não são parte da Natureza silvestre. Em segundo, a afirmação tem os efeitos inesperados de taxar de amorais os seres humanos que frequentam ou habitam paisagens naturais, como indígenas e ecoturistas, e legitimar desmatamentos e outros ecocídios, já que ocorrem em áreas silvestres.

5. Generalização apressada

Uma das três falácias de preconceito do carnismo (juntamente com a falácia do espantalho e a inversão do acidente), julga cruamente uma categoria de pessoas inteira a partir de características de uma minoria. É expressa quando carnistas tentam julgar todos os vegetarianos por causa dos comportamentos e ideias de apenas alguns, sendo uma falácia altamente comum entre eles. Muitas vezes coincide com a inversão do acidente.

Exemplos carnistas:

- “Vegans são chatos, arrogantes, intolerantes, acham-se superiores, parecem que estão pregando uma religião fundamentalista.” – Essa afirmação difamatória, além de ser um ad hominem, julga todos os veganos em função do comportamento de uma parcela deles. Nem todos os veganos possuem comportamentos que lembram arrogância, chatice, intolerância e proselitismo.

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- “Veganos se acham superiores e agem como se assim fossem.” – Também se baseia no comportamento de poucos que de fato acreditam ser “superiores” ou “mais evoluídos” do que os onívoros. Não é porque alguns pensam assim que todos o façam. Além disso, o veganismo implica conceitualmente não a arrogância de superioridade, mas sim a igualdade moral entre todos os seres sencientes – e isso inclui obviamente a igualdade entre todos os seres humanos, sem distinção hierárquica de consideração moral ou merecimento de respeito.

- “Essa galera recorre a sites manipuladores para justificar sua ideologia tal como religiosos recorrem a sites criacionistas para legitimar suas crenças.” – Muitos carnistas acham que todos os vegetarianos vêem os sites de temática vegetariana – vistos por eles como “manipuladores” e “tendenciosos” (a própria alegação de tendenciosidade de sites pró-vegetarianismo é o instrumento da falácia ad hominem do poço envenenado, que é tratada mais adiante) – como suas “únicas” grandes fontes de informação. Mas na verdade muitos recorrem a pesquisas científicas e relatórios de organizações e instituições não necessariamente comprometidas com o veg(etari)anismo.

- “Esses vegans são tão fanáticos quanto os religiosos fundamentalistas.” – Alguns veganos de fato agem como se estivessem promovendo uma crença religiosa, dada a forma como o fazem e a eventual fraqueza dos seus argumentos. Mas isso não quer dizer que todos os veganos sejam assim.

“Eu não quero ser vegetariano porque vegetarianos substituem carne por soja e eu adoro carne e odeio soja.” – Quem alega essa desculpa acredita erroneamente que, porque alguns vegetarianos substituem a carne por derivados de soja, todos os vegetarianos o fazem. Na verdade muitos vegetarianos não usam apenas a soja para substituir nutricional e gastronomicamente a carne, e há muitos outros ainda que não gostam de derivados de soja.

- “Não suporto vegetarianos, eles sempre discutem a alimentação onívora na hora em que estamos comendo juntos.” – Nem todo vegetariano discute ética e alimentação em horas inapropriadas para esse tipo de discussão, como durante refeições. Muitos carnistas usam essa alegação baseados no pensamento preconceituoso de generalizar a todo o universo de vegetarianos os hábitos inadequados visto apenas em um ou alguns vegetarianos conhecidos pelo indivíduo.

- “Vegetarianos adoram usar apelos sentimentais para convencer os onívoros de que devem parar de comer carne.” – Isso também não se aplica a todos os vegetarianos. Muitos são os que usam exclusivamente exposições racionais, cientificamente embasadas e/ou apoiadas na Filosofia para questionar a alimentação carnista.

6. Reductio ad absurdum (“Redução ao absurdo”, em latim)

Considera uma idéia inválida “prevendo” uma consequência absurda falsa ou improvável resultante de sua aplicação ou concretização.

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Exemplos carnistas:

- “Se o vegetarianismo se propagar mais, vai faltar macho no mundo.” – Aqui se coloca a homossexualização dos homens como consequência absurda. Esta é uma afirmação homofóbica que, sem qualquer evidência, baseando-se em puro preconceito contra homossexuais e contra vegetarianos, associa homossexualidade masculina (por sua vez negativamente estigmatizada) a vegetarianismo. Também é uma falácia de apelo ao ridículo.

- “Não, obrigado. Não quero parar de comer carne porque não tô afim de morrer desnutrido.” – A morte por desnutrição é a consequência absurda nesta falácia, que desonestamente ignora qualquer evidência científica sobre a verdadeira situação de saúde dos vegetarianos e transforma o vegetarianismo numa dieta mortalmente deficiente.

- “Quando o veganismo triunfar, chegaremos a uma época em que teremos que viver na selva de novo.” – Aqui se imputa ao veganismo a consequência absurda de um retrocesso tecnológico que levaria as civilizações humanas de volta ao estado silvícola, sem apresentar qualquer evidência disso. Caracteriza também uma falácia do espantalho, por imaginar uma relação inexistente do veganismo com a aversão à tecnologia.

- “Se o vegetarianismo triunfar, veremos os animais das fazendas vagando pelas cidades.” – O que acontecerá na verdade, se o vegetarianismo continuar crescendo aceleradamente a ponto de ameaçar a viabilidade econômica da pecuária, será a diminuição progressiva das inseminações nas criações pecuárias, uma vez que, para os pecuaristas, é antilucrativo cuidar de animais desprovidos de importância econômica. Portanto, é fantasioso acreditar que os pecuaristas abandonarão seus animais nas cidades e estradas ou mesmo largarão ao deus-dará suas próprias fazendas.

- “Se veganos argumentam que podem matar insetos e aranhas porque ameaçam a saúde humana, então vamos matar também os cães, gatos, pombos e também pessoas doentes por aí, já que também transmitem doenças.” – Cães, gatos e seres humanos podem ter suas doenças tratadas e curadas. Pombos, por sua vez, podem ser tratados com uma política de controle populacional não baseada em extermínio. O que não se aplica, porém, a insetos, ratos de esgoto e outros animais pequenos, que virtualmente não podem ser totalmente purificados de sua qualidade de transmissores de doenças.

- “Por que você é contra a produção de leite de vaca? Vai querer proibir que as mulheres doem leite pros bancos de leite dos hospitais?” – Essa afirmação mistura as falácias reductio ad absurdum e falsa analogia. A primeira ocorre porque a consequência alegada de proibição de doação de leite materno a bancos de leite de maternidades é absurda e não condiz com o propósito da oposição veg(etari)ana à escravidão de animais em prol da produção e consumo de leites não humanos. A segunda acontece por fazer uma comparação inválida entre a produção escravista, forçada e violenta de leites não humanos com a doação totalmente voluntária e altruísta de leite humano por parte da mulher que o produziu. Ao contrário da pecuária leiteira, não existe

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violência, escravidão e compulsoridade no ato de uma mãe extrair parte de seu próprio leite materno para um banco hospitalar de leite.

7. Declive escorregadio ou falácia da bola de neve

Afirma que uma proposição terá consequências em cadeia inaceitáveis, mas ignora ou desconhece que uma ou mais dessas consequências são falsas ou improváveis, imaginadas por preconceito ou falha dedutiva do argumentador. É uma variante da falácia reductio ad absurdum, uma vez que tenta prever uma situação futura inaceitável, tendo as peculiaridades de trabalhar com duas ou mais consequências em cadeia e especular situações mais verossímeis e sérias, embora ainda improváveis ou falsas.

Exemplos carnistas:

- “Se o veganismo triunfar, os cientistas serão proibidos de pesquisar em animais, o que vai fazer as ciências biológicas experimentais estagnarem e impedir que vidas (humanas) sejam salvas.” – A primeira consequência alegada do triunfo do veganismo é verdadeira, mas a consequência seguinte, que é a estagnação das pesquisas biológicas experimentais, não é inexorável, uma vez que, quando a abolição da exploração animal for decretada, já terá começado a existir, desde anos antes, métodos de pesquisa superiores o bastante para suplantar por completo a vivissecção.

- “Se os Direitos Animais triunfarem, as pesquisas com animais serão proibidas e afundaremos numa Idade Média da Medicina.” – Idem ao exemplo acima.

- “Se todos virarem veg(etari)anos, os animais de criação vão se multiplicar sem parar e isso vai desequilibrar ecologicamente a biosfera.” – Os animais explorados na pecuária só se reproduzem e aumentam de população porque os seus “proprietários” assim querem, induzindo-os a inseminações à monta ou artificiais. Mais vegetarianos e menos onívoros representam menos demanda para a pecuária, logo, menos induções à reprodução dos animais. O abandono destes à reprodução descontrolada só seria possível (mas ainda não certa) se bilhões de pessoas se tornassem vegetarianas na mesma hora e de forma abrupta, situação evidentemente impossível de acontecer.

- “Se todos virarem veg(etari)anos, não vai haver terra pra plantar tantos vegetais, logo a fome no mundo vai piorar.” – Quando a pecuária entrar em decadência, vai diminuir cada vez mais a demanda por forragem animal, que hoje compromete uma enorme parcela da agricultura no planeta, e por tabela sobrará mais alimentos vegetais para serem dedicados ao consumo humano. Também há a possibilidade de se transformar parte dos antigos pastos não naturais em terras agriculturáveis. Logo, as consequências imaginadas no argumento em questão são falsas.

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8. Argumentum ad hominem (“Apelo à pessoa”, em latim) ou apelo ao ataque pessoal

Essa famosa falácia é aquela em que o opositor tenta invalidar um argumento atacando o argumentador, não o argumento em si. Geralmente “condena” um argumento em função de seu defensor possuir determinadas características pessoais (ex.: é ateu, é homossexual, é vegetariano, consome bebidas alcoólicas), ideológicas (ex.: é abolicionista, é esquerdista, é filiado ao PT) ou profissionais (é cientista, trabalha com medicina alternativa, é pecuarista). Também vem em forma de ofensas explícitas, em que se ataca irracionalmente os vegetarianos e veganos (podendo ou não ser o argumentador) ao invés de refutar racionalmente os argumentos deles.

Exemplos carnistas:

- “Vegans são idiotas, fanáticos, tolos iletrados, não vivem sem pregar sua ‘religião’ para quem não quer ouvi-los.” – Obviamente aqui não se rebate as idéias presentes no vegetarianismo e no veganismo, mas sim se restringe a atacar e ofender os veganos, numa evidente demonstração de incapacidade de rebater a ideologia dos Direitos Animais com racionalidade e respeito.

- “Caro vegetariano, se você não come carne, deve não comer nem uma vagina.” – O Ad Hominem também vem em forma de baixaria, por parte de carnistas fanáticos que, não dispostos a defender o consumo de alimentos animais com a razão, preferem negar para si o questionamento ético de sua alimentação (re)agindo com grosseria, baixo calão e preconceito contra os vegetarianos e veganos em geral.

- “Vegetarianos são ‘viados’, não comem carne como os homens de verdade fazem!” – Típico caso de ad hominem homofóbico e machista, em que o consumo de carne e a violência praticada diretamente ou cumpliciada são vistos como demonstrações de masculinidade, e atos imaginariamente ligados à feminilidade e à homossexualidade masculina, como o vegetarianismo costuma ser tratado entre os machistas, são considerados “ruins”, “negativos”, “abomináveis”. O que, além de não tornar o vegetarianismo racionalmente frágil, demonstra algo desfavorável ao próprio carnismo – a associação sociocultural do consumo de carne e outros alimentos de origem animal a toda uma cultura de violência, preconceito e desvalorização da empatia.

9. Falácia ad hominem do poço envenenado

Essa variante do argumentum ad hominem questiona a validade do argumento pondo em foco o argumentador não ser neutro e imparcial em relação à ideologia que o argumento sustenta e sugerindo que ele, com a defesa do seu ponto de vista, teria algo a ganhar em seus interesses privados. Não aponta onde a ideia defendida teria sido de fato manipulada e incluída na fonte parcial em prol dos interesses do seu defensor, mas sim se restringe a dizer: “Esse argumento não cola porque você/a fonte

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dele não é isento(a).” – coincidindo-se assim com o argumentum ad lapidem, que será visto mais adiante.

O poço envenenado é muito usado pelos carnistas, quando questionam a validade de certas informações disponibilizadas em sites pró-veg(etari)anismo só porque foram extraídas desses sites ao invés de sites teórica ou praticamente neutros em relação ao veg(etari)anismo, ou porque vêm de um profissional que faz parte do movimento veg(etari)ano.

Porém, é muito importante avisar, também é bastante usado por muitos dos próprios vegetarianos e veganos, quando desdenham de alguns argumentos carnistas porque estes foram providos por especialistas ligados à pecuária e/ou à indústria lacto-frigorífica e, por isso, supostos defensores de interesses escusos. Tal estratégia não tem validade lógica e pode comprometer a própria honestidade intelectual dos veg(etari)anos que a usam. O correto a se fazer, portanto, é questionar os dados incluídos em tais argumentos visando a metodologia e os resultados, não em função de terem vindo de gente ligada à produção de itens de origem animal.

Exemplos carnistas:

- “Esse autor que você me recomenda ler é parcial, ele é militante pró-veganismo. Por isso nem chego perto.” – Isso não quer dizer que as idéias desse autor estejam erradas. O questionador deveria refutar o que o autor defende, não esnobar o mérito de suas idéias em função de ele ser militante.

- “Esses argumentos não valem, foram retirados de um site vegetariano. É o mesmo que defender o criacionismo com base em sites cristãos.” – Aqui o carnista não refuta os argumentos apresentados, apenas os descarta em função de terem sido extraídos de um site que defende o vegetarianismo. A comparação com o criacionismo, por sua vez, caracteriza uma falácia de falsa analogia, que foi vista anteriormente.

- “Você come carne? Se não come, não tem propriedade para falar desse assunto.” – Tática usada por muitos carnistas, tenta desqualificar a qualidade de argumentador do veg(etari)ano por este ser supostamente tendencioso. Mas não refuta nenhum argumento, além de ignorar que, nessa lógica, não existiria ninguém imparcial, já que ou se come carne ou não se come, não existindo terceira opção.

10. Tu quoque (“Você também”, em latim) ou apelo à hipocrisia

Tenta responder a um argumento acusando o argumentador de praticar ou ter praticado algo semelhante àquilo que ele critica, justificando o erro do questionador com o erro, verdadeiro ou não, atual ou passado, do argumentador. É trivial seu uso entre os carnistas, quando tentam manter-se no direito de continuar comendo alimentos de origem animal apenas por alegar que o vegetariano que os questiona tem ou tinha comportamentos que parecem ou pareciam lembrar violência contra outros seres.

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Exemplos carnistas:

- “Você me diz isso, mas é um hipócrita, porque também se alimenta de seres vivos.” – Além de não refutar a argumentação do vegetariano, ainda desdenha seus argumentos sob uma alegada acusação de hipocrisia. Esse caso, que imputa um falso biocentrismo ao veg(etari)anismo, é também uma falácia do espantalho, como foi descrito mais anteriormente.

- “Você diz que o vegetariano é bom pro meio ambiente, mas fica usando muito o computador, andando de carro, usando saco plástico etc.” – Na ocasião, em que o vegetariano defendeu sob critérios ambientais seu hábito alimentar, o opositor não rebate a defesa dele e ainda justifica indiretamente o consumo de animais pelo fato de o outro usar produtos industrializados de significativo impacto ambiental. Tenta falaciosamente dizer que o vegetarianismo não seria uma atitude pró-sustentável “porque o vegetariano continua usando carro, plástico, energia vinda de hidrelétrica etc.”. Assim, essa afirmação incorre nas falácias non sequitur, que será vista mais adiante, e de falsa analogia, por afirmar só existir sustentabilidade absoluta (impacto ambiental zero) e insustentabilidade total (impacto ambiental muito alto e falta de preocupação com o mesmo) e negar os meios termos.

- “Você critica a pecuária por ela matar animais mas continua matando animais ao comprar vegetais oriundos de plantações em que o trator passa por cima de roedores e insetos rasteiros.” – O falacioso aqui falha em defender a pecuária por não apresentar qualquer contra-argumento, e justifica as mortes intencionais que ela causa com as mortes contingentes ocorridas na agricultura. Além do tu quoque, há mais duas falácias aqui: a falácia do espantalho, que atribui ao veganismo uma preocupação (inexistente enquanto princípio vegano) com mortes não resultantes da exploração animal (mortes contingentes e inevitáveis, como no esmagamento por tratores; mortes de animais-praga e combate a animais patogênicos ou vetores intratáveis de doenças), e a falsa analogia, que compara as mortes dolosas e dotadas de fins lucrativos da pecuária com as mortes não intencionais que ocorrem na agricultura mecanizada.

- “Você diz defender o fim do uso de animais na ciência mas não deixa de tomar remédios, é um hipócrita!” – Além de isso não servir para justificar eticamente a vivissecção, parte da falsa premissa de que é possível recusar o uso de remédios sem correr risco de morte e/ou de sofrimento intenso. Essa afirmação também caracteriza uma falácia dicto simpliciter, como é visto mais adiante.

- “Você diz que é vegetariano também porque pensa nos famintos dos países mais pobres, mas ao invés de estar lá ajudando-os, está aí na frente do computador e enchendo a barriga.” – A saber, o argumento vegetariano que relaciona a produção de carne e a fome se baseia no fato de os grãos desperdiçados pela pecuária – pela transformação de múltiplos quilos de proteína de grãos em um quilo de proteína animal – poderiam estar alimentando pessoas pobres mas atualmente estão alimentando rebanhos pecuários. O tu quoque em questão não refuta a contribuição do vegetarianismo para a diminuição da fome e para a otimização da distribuição alimentar no mundo, e ainda incide na falácias de falsa dicotomia – em que

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supostamente não há alternativas diversas de amparar presencialmente os famintos ou não fazer nada para contribuir no combate à fome – e red herring (que será vista mais adiante) – ao fugir da abordagem do problema do desvio de alimentos pela pecuária para atacar o vegetariano por sua não presença como filantropo dentro dos países mais afetados pela fome crônica.

11. Apelo à antiguidade ou à tradição

Julga algo correto, bom e/ou superior apenas por esse algo ser antigo e tradicional. Além de ser usado para tentar justificar ou dar moral ao consumo de carne, costuma ser muito utilizado na defesa de atividades pseudoesportivas como a vaquejada, o rodeio e a tourada.

Exemplos carnistas:

- “Comer carne é algo que acompanhou a humanidade ao longo de sua história, por centenas de milhares de anos. É um absurdo, pois, querer que o consumo humano de carne acabe.” – Esse argumento valoriza o consumo de carne em função de sua antiguidade, de sua qualidade de tradição humana. E ignora que hoje, ao contrário de quase todo esse passado, as sociedades modernas possuem uma agricultura altamente diversa ao seu dispor, que torna o consumo de carne desnecessário.

- “A pecuária é parte de nossa civilização desde o Neolítico. Não vai ser um grupinho de vegans que vai conseguir acabar com ela.” – Aqui a pecuária ganha valor apenas por ser antiga e tradicional. A frase ignora que, ao contrário da grande maioria dos anos que se passaram desde a criação da pecuária no Neolítico, hoje é possível ser vegetariano, graças à agricultura extremamente diversificada em plantas cultivadas e ao progresso da ciência da Nutrição, a qual vem respaldando cada vez mais a segurança biológica do vegetarianismo, incluindo o estrito. Ignora também que, de tradição em tradição, a escravidão de seres humanos também foi uma tradição da Idade do Bronze até o século 19 em quase todo o mundo – permanecendo legal em alguns países ainda no século 20 – mas não é considerada ética por isso.

12. Apelo à multidão

Afirma que algo é bom, certo ou verdadeiro apenas porque muita gente acredita nesse algo ou o pratica. Também pode afirmar que algo é ruim ou errado porque poucas pessoas, em comparação à totalidade da população, o praticam ou acreditam nesse algo.

Exemplos carnistas:

- “Se bilhões de pessoas comem carne, por que eu também não posso?” – A afirmação transmite a crença de que comer carne – mais, por tabela, a escravidão e matança de

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animais que o mesmo implica – seria moralmente justificável apenas porque bilhões de pessoas o fazem. Mas, ao longo dos últimos cinco milênios, pessoas de centenas de civilizações acreditaram que a escravidão humana era algo moralmente certo, muitas delas crendo inclusive que era vontade divina alguns humanos serem propriedade de outros. Mas nem por isso a humanidade de hoje acredita que a escravidão humana deveria ser legalmente preservada.

- “Nossa sociedade é carnívora [sic], por isso eu como carne também.” – Idem à frase acima.

- “Não adianta vocês serem vegetarianos, bilhões de pessoas vão continuar comendo carne à vontade a despeito de vocês.” – Essa argumentação comete o apelo à multidão ao tornar o carnismo socioculturalmente “invencível” só por causa da quantidade de pessoas que o seguem. Demonstra também uma ignorância histórica por parte de quem a profere, uma vez que todos os movimentos que acabaram promovendo mudanças sociais progressistas (direitos das mulheres, criminalização da escravidão humana, supressão do racismo legal, sufrágio universal, Direitos Humanos, direitos civis etc.) começaram a partir de minorias pensantes e atuantes em contraste com uma esmagadora maioria populacional que, de início, aceitava tacitamente, sem questionamentos substanciais, as condições opressoras que antecederam a essas mudanças.

- “Não é uma turminha de vegans que vai proibir o mundo de comer carne!” – Idem à frase acima, embora seja a versão invertida do apelo à multidão.

13. Evidência anedótica ou evidência-anedota

Tenta provar um argumento levando em conta relatos pessoais de testemunho ou sobre outrem, ou alegações do tipo “ouvi dizer”, que o comprovariam. Sendo uma evidência meramente informal e carente de rigor empírico, o mero relato não serve como prova científica ou mesmo confiável de algo, por não ter o rigor de uma investigação científica. Como sendo objeto de atenção da Ciência, o vegetarianismo não pode ser comprovado como nutricionalmente inseguro por evidências anedóticas. E no caso do vegetarianismo, a evidência anedótica também é uma falácia de inversão do acidente, por tentar generalizar uma situação a partir de um caso particular.

Exemplos carnistas:

- “Conheço um amigo que tentou ser vegetariano estrito, mas acabou contraindo anemia ferropriva. Assim sendo, concluí que o vegetarianismo estrito é ameaçador à saúde.” – Este relato não leva em conta que outras variáveis, como uma alimentação desbalanceada mesmo aos padrões do vegetarianismo ou fatores externos à alimentação, podem ter desencadeado a anemia do indivíduo. E não traz nenhuma prova ou evidência confiável de que foi o vegetarianismo em si a causa da doença dele.

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- “O vegetarianismo estrito é perigoso para as crianças. Um primo meu fez a filha pequena ser vegetariana estrita, mas ela quase morreu devido à má alimentação.” – O relato não considera outras variáveis possíveis, como a má orientação nutricional, mesmo para os padrões do vegetarianismo estrito, dada à filha desse primo. Não exibe nenhum exame médico ou investigação científica que tenha comprovado que teria sido estritamente a ausência de alimentos de origem animal a causa do adoecimento da criança. E generaliza a suposta insustentabilidade alimentar do vegetarianismo estrito para crianças por estender preconceituosamente a todas as crianças vegetarianas estritas o estado de deficiência nutricional, desconsiderando a existência de muitas crianças que seguem essa dieta e são totalmente saudáveis.

14. Inversão do acidente

Toma uma exceção como regra, imputando indevidamente a situação excepcional aos casos em que a regra se aplica. Também pode vir acompanhada da evidência anedótica. É uma das três falácias de preconceito do carnismo, ao lado da falácia do espantalho e da generalização apressada.

Exemplos carnistas:

- “O vegetarianismo é dito como uma dieta saudável, mas um colega meu que é vegetariano pegou anemia. Isso me faz concluir que o vegetarianismo não é saudável.” – Aqui a inversão do acidente transforma a exceção, que é o vegetariano com anemia, numa regra, que seria o vegetarianismo não ser saudável, negando assim a regra já comprovada de que o vegetarianismo bem balanceado é uma dieta saudável. Aqui também está caracterizada uma evidência anedótica, que não dá uma evidência formal, científica e confiável para comprovar a alegação do autor da falácia.

- “Como você me diz que vegetarianos não são sempre anêmicos? Tem muito vegetariano por aí com anemia.” – Variante do exemplo anterior, aqui todos os vegetarianos são julgados como anêmicos porque apenas parte deles sofrem da doença. Tal afirmação desconsidera tanto que muitos vegetarianos mantêm sem problemas suas taxas saudáveis de ferro e vitamina B12 como o fato de muitos vegetarianos terem anemia por fatores externos à alimentação e/ou mesmo desde a época em que comiam carnes.

- “Vocês dizem que o vegetarianismo estrito é adequado para crianças pequenas, mas um amigo meu impôs uma dieta vegetariana estrita pra filha e ela quase morreu. Ou seja, o vegetarianismo estrito é muito perigoso para crianças pequenas.” – Tenta usar a exceção, na qual a filha do amigo sofreu consequências ruins atribuídas ao não consumo de alimentos de origem animal, para negar e inverter a regra de que o vegetarianismo estrito bem orientado é saudável para crianças. A alegação do autor da falácia, sendo esta também uma evidência anedótica, falha em tentar comprovar sua acusação – e também em comprovar que o motivo da desnutrição da criança teria sido de fato o vegetarianismo estrito – por não fornecer uma prova apurada e cientificamente estudada.

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- “Eu repudio a militância vegetariana e vegana, porque a PETA faz muita besteira.” – A partir do exemplo questionável da PETA, o argumentador faz uma generalização indevida para toda a militância pró-vegetariana, desconsiderando inclusive a miscelânea de métodos de ativismo existente. Como toda pessoa minimamente esclarecida sobre militância de Direitos Animais já deve saber, não existe na militância como um todo qualquer uniformidade ou regra na forma de mobilização. Além disso, grande parte dos próprios ativistas repudiam diversas das práticas da PETA, como a exploração machista de corpos femininos na tentativa de divulgar o vegetarianismo. A afirmação em questão também incorre na falácia non sequitur.

- “Megan Fox e Angelina Jolie se deram mal quando tentaram mudar a alimentação pro vegetarianismo estrito. Por isso eu digo: vegetarianismo faz mal à saúde!” – Assim como no exemplo de inversão do acidente mencionado anteriormente em que se fala da filha bebê, aqui também se usa casos excepcionais de pessoas nutricionalmente mal orientadas para se tentar universalizar uma suposta inviabilidade nutricional do vegetarianismo, em especial do estrito. O que faz alguns vegetarianos contraírem problemas parecidos com o de Fox e Jolie é a falta de orientação nutricional ou a baixa qualidade do atendimento recebido, e não o vegetarianismo estrito por si só. A afirmação também caracteriza uma espécie de evidência anedótica.

15. Distorção de fato

Como o nome já diz, distorce os fatos de um enunciado. Em casos recentes nos últimos anos, a mídia mostrou notícias em que pais vegetarianos ou veganos proveram má nutrição a seus filhos e acabaram ocasionando suas mortes, e muitos carnistas interpretaram-nas como se o que matou tais crianças tivesse sido o vegetarianismo em si, não a má alimentação que os pais lhes haviam dado.

Exemplos:

- O caso Woyah Andressohn (2003) – A pequena Woyah, mesmo sendo um bebê de poucos meses de vida, era submetida a uma dieta crudívora à base unicamente de grama de trigo, água de coco e leite de amêndoas. Seus pais, Joseph e Lamoy Andressohn, não acreditavam nas ciências médicas propriamente ditas e, assim, não procuravam orientação nutricional. Uma vez que o corpo de um bebê de menos de seis meses é incapaz de digerir alimentos crus, Woyah morreu de desnutrição com seis meses.

A matéria fez muitos carnistas interpretarem e saírem dizendo para seus pares que a criança morreu porque o crudivorismo e o vegetarianismo estrito (erroneamente tratados como a mesma coisa na notícia da ABC) não seriam saudáveis para crianças de qualquer idade, numa clara distorção do fato a qual ignora que os pais negligenciavam a Medicina e a Nutrição convencionais e lhe provinham uma péssima dieta quando Woyah deveria estar apenas mamando.

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- O caso Crown Shakur (2004) – O bebê Crown Shakur morreu em 2004, com apenas seis semanas de vida, por desnutrição. Os pais, Jane Sanders e Lamont Thomas, acabaram condenados à prisão perpétua. Um aspecto curioso desse caso foi o fato de a defesa do casal ter dado como a causa da morte dela a obediência dos pais a supostas “regras do veganismo”. Porém, o promotor e o júri não aceitaram a alegação e chegaram à conclusão de que o veganismo dos pais não tinha nada a ver com a desnutrição do filho, sendo a verdadeira causa a ignorância nutricional e negligência deles, que presumidamente forneciam ao pequenino leite de soja comum (ao invés de fórmula de leite de soja especialmente fortificada para bebês) e suco de maçã, ainda assim a volumes baixos demais.

Nos anos anteriores ao julgamento, no entanto, o caso havia repercutido não pelo crime em si, mas por o casal ser vegano, numa evidente distorção do fato ocorrido, o que gerou uma onda de estigmatização antivegana, inclusive no Brasil, propagando-se o preconceito contra o fornecimento de uma alimentação livre de animais mesmo para crianças nas idades pós-lactantes. Pôde-se perceber o largo uso da falácia de inversão do acidente para dizer que, por causa desse caso isolado – que sequer teve a ver com o veganismo em si –, todas as crianças vegetarianas estritas, de qualquer idade, estariam correndo risco de vida.

- O caso Louise Le Moaligou (2008) – O casal Sergine e Joël Le Moaligou foi julgado por ter culposamente matado em 2008 a filha Louise, de 11 meses, com pneumonia e imunodeficiência ocasionadas por subnutrição. A criança, mesmo numa idade que demandava a introdução de alimentação sólida para complementar a amamentação, recebia apenas o leite materno, que era fraco em nutrientes por causa da subnutrição também da mãe Sergine.

A notícia no The Guardian deixa claro que o casal Le Moaligou, assim como os pais de Woyah Andressohn, negligenciava as ciências da saúde e, ao invés de tratar os problemas da filha em hospitais, recorria a tratamentos pseudocientíficos. A não confiança de Sergine na Medicina e, por tabela, na Nutrição rendeu a ela própria e, através do leite materno, à bebê uma alimentação deficiente em vitaminas A e B12.

Apesar de todos os indicativos de ignorância médico-nutricional do casal indiciado, muitos veículos de imprensa, como a BBC Brasil, enfocaram exagerada e indevidamente no fato de o casal ser vegano (ou apenas vegetariano estrito, segundo é possível deduzir), dando a entender aos leitores que o veganismo, não a ignorância médico-nutricional de Sergine e Joël, teria sido a causa fundamental da morte de Louise. Alguns nutricionistas se deixaram levar pela interpretação distorcida do acontecimento e promoveram, não sem falhas argumentativas sérias, um verdadeiro terrorismo psicológico contra o fornecimento da alimentação vegetariana estrita para crianças.

- “É um absurdo existirem vegetarianos que ferram sua saúde fumando e abusando de bebidas alcoólicas. Porque o vegetarianismo sempre se propagandeou como uma alimentação saudável!” – Não é sempre que o vegetarianismo é propagandeado como uma alimentação saudável, uma vez que cada vez mais ele é divulgado por ações que focam exclusivamente nos seus aspectos ético e ambiental. Apenas às vezes o aspecto

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de saúde é também abordado pelas ações educativas pró-vegetarianas. Além disso, não há na definição de vegetarianismo nada que lhe obrigue o atributo de alimentação saudável.

16. Post hoc ergo propter hoc (“Depois disso, logo causado por isso”, em latim) ou falsa causa

Imputa a dois eventos ocorridos em sequência cronológica uma falsa relação obrigatória de causa e efeito.

Exemplos carnistas:

- “Os pais queriam criar um filho vegano. Deram uma alimentação desbalanceada que matou o seu filho bebê. Logo, eles deram uma alimentação fatalmente inadequada porque queriam criar um filho vegano.” – Esta afirmação corresponde aos três casos citados anteriormente nos exemplos da falácia de distorção de fato. As evidências nos três episódios levaram à conclusão de que a causa da morte dos bebês não foi o veganismo ou vegetarianismo estrito per se dos pais, mas sim a negligência alimentar destes para com os filhos e a ignorância sobre a importância de ciências da saúde como a Nutrição e a Medicina. A vontade dos pais e a má alimentação dada aos filhos vieram em sequência, mas não houve evidências de que tiveram entre si uma relação obrigatória de causa e efeito.

- “Parei de comer carne e dois dias depois já me sentia mal. Ou seja, o vegetarianismo me fez sentir mal.” – Esse caso foi relatado por um jornalista de jornal de grande circulação alguns anos atrás. Mas diversos motivos, incluindo desde um adoecimento contingente até um efeito-placebo negativo causado por preocupação excessiva com a ausência da carne, podem ter causado esse mal ao invés da ausência de carne em si. Mesmo se o vegetarianismo em si, mesmo desbalanceado, causasse esse tipo de problema, dois dias apenas seriam pouco demais para alguém já começar a sentir efeitos fortes de um princípio de subnutrição. Logo, parar de comer carne e sentir-se mal não são obrigatoriamente ligados por uma relação de causa e efeito.

- “A população humana melhorou sua qualidade de vida média, ao mesmo tempo em que passou a consumir mais carne. Isso nos mostra que o consumo de carne melhora de fato a qualidade de vida das pessoas.” – Cria-se aqui uma falsa relação de causa e efeito entre dois fatos contemporâneos – a melhoria da qualidade de vida média da humanidade e o aumento do consumo de carnes. Não há qualquer evidência científica de que o consumo de carne, por si só, melhore a qualidade de vida das pessoas. Pelo contrário, a ingestão excessiva de carnes, principalmente vermelhas, aumenta a probabilidade de ocorrência de diversas doenças – o que acaba de fato degradando a qualidade de vida do indivíduo.

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17. Non sequitur (“Não segue”, em latim)

Afirma uma idéia logicamente incoerente cuja conclusão simplesmente não segue a premissa. Essa falácia pode vir em afirmações confusas por parte dos carnistas ou pode vir furtivamente num parágrafo inteiro, aparentando ter coerência. Às vezes vem através de argumentos desconexos cujas premissas e conclusões não têm nada a ver uma com a outra, formando assim disparates argumentativos.

Exemplos carnistas:

- “Os direitos animais têm como parâmetro moral a senciência. Não se sabe se insetos, moluscos bivalves, anelídeos, cnidários etc. são sencientes. Logo, a senciência não é um parâmetro moral plausível.” – A dúvida sobre a presença de senciência em animais de filos taxonômicos menos complexos não tem nada a ver com a consideração moral dos animais que, mesmo sendo comprovadamente sencientes, são numericamente os mais escravizados e intencionalmente mortos pelas atividades de exploração animal – mamíferos, aves, répteis, peixes, crustáceos e moluscos cefalópodes.

- “Não se sabe se insetos, vermes, aracnídeos, cnidários etc. sentem dor. Logo, eu posso comer todos os animais.” – Esse argumento dito assim é incomum, mas é a estrutura oculta por trás dos argumentos de muitos que põem em dúvida a senciência como parâmetro de consideração moral, como aqueles que proferem o exemplo anterior de non sequitur. Relaciona, sem qualquer relação válida entre premissa e conclusão, a dúvida sobre a senciência de alguns animais e a liberdade de escravizar e matar outros que comprovadamente podem sentir dor e sofrer.

- “Como carne porque tenho dentes.” (ou vice-versa) – Apesar de absurda, essa frase e sua versão invertida são usadas por diversos carnistas que tentam justificar sua alimentação com a anatomia humana. A simples presença de dentição não tem nada a ver com o consumo de carne, uma vez que animais herbívoros também possuem dentes e a dentição também serve para moer vegetais comestíveis.

- “Nós somos animais, logo comemos outros animais.” – Ser um animal em nada tem a ver com consumir outros animais. Há animais herbívoros e centenas de milhões de seres humanos que vivem saudavelmente sem comer nenhum tipo de alimento de origem animal.

- “O apêndice, órgão importante para os animais herbívoros, é atrofiado no ser humano, logo o vegetarianismo não é bom para o ser humano.” – Os seres humanos não precisam do apêndice para digerir o universo de vegetais que consomem. Não há qualquer relação entre a atrofia do apêndice humano e o vegetarianismo, que permite o consumo de muito mais do que apenas folhas.

- “Precisamos de carne, porque outros animais precisam.” – Não há nenhuma relação lógica entre a premissa de que outros animais precisam de carne e a conclusão sobre a suposta necessidade humana de comer carne. A necessidade alimentar de, por exemplo, animais carnívoros em nada tem a ver com a demanda alimentar humana.

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- “Veganos tomam medicamentos, que são testados em animais, logo é incoerente ser vegano.” – Mistura de non sequitur, falsa dicotomia e dicto simpliciter, tal afirmação tenta atribuir incoerência ao veganismo pelo fato de veganos precisarem tomar remédios em algum momento de suas vidas. O consumo de remédios é algo inexorável mesmo para veganos, mesmo sendo testados em animais, mas isso em nada anula o poder que o veganismo possui dentro de seus limites de boicote. A impossibilidade de existir um veganismo 100% nos dias atuais não implica nenhuma inviabilidade em ser, por exemplo, 70% vegano. É possível ao mesmo tempo ser vegano e consumir medicamentos. Por isso, é desconexo tentar associar a dependência da medicina alopática com uma suposta incoerência de todos os boicotes ao alcance do veganismo.

- “Ao longo da segunda metade do século 20, os japoneses aumentaram sua estatura, ao mesmo tempo em que aumentaram o consumo de proteína animal. Logo, comer carne melhora a qualidade de vida.” – Encontrado num artigo carnista, esse argumento acaba confundindo aumento de estatura física com melhoria da qualidade de vida e considerando enganosamente que o crescimento em altura das pessoas lhes possibilitaria viver melhor. Na verdade não há quaisquer relações válidas entre estatura e qualidade de vida.

- “Se uma casa estivesse pegando fogo e só fosse possível salvar uma criança ou um cãozinho, tudo indica que você salvaria a criança. Por isso o veganismo não faz sentido.” – Eticamente não há relações necessárias entre preferir salvar uma criança a um cão numa situação extrema e a suposta incoerência do veganismo. Preferir outros seres humanos a animais não humanos em situações extremas em nada se relaciona com, por exemplo, consumir livremente alimentos de origem animal no dia-a-dia, nem tampouco legitima eticamente a escravidão animal. Além disso, uma situação análoga pode ser imaginada envolvendo um incêndio em que um pai teria que optar dicotomicamente entre salvar seu próprio filho ou o filho do vizinho – nesse caso, não salvar o filho do vizinho não quer dizer que este possa ser tratado como propriedade ou que a família do vizinho seja moralmente inferior à família desse pai.

- “Os cães vivem em simbiose conosco, logo os animais da pecuária também são simbióticos com a humanidade.” – Considerando-se que a simbiose é uma relação ecológica harmônica na qual dois animais (ou duas plantas, ou dois seres vivos de reinos distintos) beneficiam um ao outro mutuamente, não há qualquer simbiose na pecuária, uma vez que os animais explorados nas fazendas e granjas sofrem apenas desvantagens ao serem escravizados por esse sistema. Além disso, a relação (hoje apenas parcialmente) simbiótica entre seres humanos e cães em nada se relaciona com a relação unilateral seres humanos-animais da pecuária.

- “O predador morre se não for procurar animais para caçar. Por isso nós temos que comer carne.” – O ser humano das sociedades modernas não é um predador natural, e deixar de matar animais para consumo não lhe implica qualquer malefício, pelo contrário. Além disso, não existe relação lógica entre as necessidades alimentares dos verdadeiros predadores naturais e as dos seres humanos.

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- “Tem plantas que sabem se defender, têm mecanismos de defesa para evitarem ser comidas, como veneno e espinhos. Isso torna o vegetarianismo uma agressão inaceitável.” – A existência de recursos defensivos anatômicos ou bioquímicos de muitas plantas em nada tem a ver com ser “antiético” comer vegetais. Esses mecanismos de defesa não implicam a presença de senciência e emoções, tampouco o desejo consciente de continuar vivo. Além disso, esse argumento é um tiro no pé do próprio carnismo, pois o torna triplamente inaceitável – por matar tanto animais quanto vegetais e por reconhecer que os animais possuem, tanto quanto os vegetais supostamente possuiriam, interesses que não devem ser violados –, logo menos aceitável do que o vegetarianismo.

18. Falácia red herring (“arenque vermelho” em inglês), “Olha o avião” ou fuga do tema

Responde ao argumento dado introduzindo um assunto sem qualquer relação com ele. Não refuta o que está sendo defendido e ainda pode inviabilizar a continuidade da discussão se o argumentador permitir a si mesmo discutir o novo tema introduzido e deixar de lado o tema original da dialética.

Exemplos carnistas:

- “Você diz que o vegetarianismo contribui para a preservação do ambiente. Mas não pensa nas pessoas que estão morrendo de fome lá na África, não sai do computador para amparar os necessitados…” – A alegação, que ainda por cima é evidentemente preconceituosa por tentar adivinhar a inação do outro, tenta responder à alegação sobre a contribuição do vegetarianismo para a preservação ambiental com um assunto que não tem nada a ver com o que está sendo debatido: a suposta falta de filantropia do vegetariano. Não rebate o argumento pró-vegetariano e coloca em pauta um assunto irrelevante para a discussão, o que pode lhe comprometer o andamento desta caso o vegetariano não recuse mudar o assunto.

- “A experimentação animal não vai deixar de existir, ela é essencial para as ciências biológicas experimentais. E aliás, o vegetarianismo não fornece nutrientes suficientes, sabia?” – Neste caso, o carnista primeiramente responde a uma afirmação anterior do veg(etari)ano sobre a necessidade de se abolir a longo prazo a experimentação animal. Mas tenta, logo na frase seguinte, quebrar o andamento da discussão ao introduzir um tema que já não tem a ver com as pesquisas com cobaias – a suposta insuficiência nutricional do vegetarianismo –, o qual obviamente não contribui com o debate e ainda lhe compromete a objetividade.

- “Você não vai me convencer de que o consumo de carne é um ato antiético. E, aliás, você adorava um rodeiozinho, né?” – Aqui o red herring é usado juntamente com a falácia tu quoque, ao mesmo tempo tentando imputar ao veg(etari)ano a pecha de hipócrita por ter frequentado rodeios no passado e respondendo ao debate com uma maliciosa fuga do tema.

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19. Apelo à autoridade

Atribui caráter de verdade ou validade a um argumento em função exclusivamente da qualidade de autoridade do seu originador – geralmente um terceiro. Um exemplo genérico do seu uso é a afirmação “Fulano disse isso, e ele é especialista nesse assunto, logo isso é necessariamente verdadeiro.”

O apelo à autoridade é comum, ainda que passe despercebido para muitos leitores, em reportagens que difamam o vegetarianismo entrevistando especialistas carnistas e não exibindo relatórios ou estudos corroborativos. Tais reportagens, ao depositar toda a confiabilidade de suas informações ao status de autoridade de saúde dos especialistas entrevistados e negligenciar o uso de dados de pareceres institucionais e pesquisas científicas, incorrem nesse tipo de falácia. Também há o uso de apelo à autoridade em argumentações avulsas, não ligadas a reportagens.

Exemplos carnistas:

- “Segundo a presidente da Associação de Nutrição do Estado de Utopia, Fulana de Tal, o vegetarianismo tem alta probabilidade de causar anemia por deficiência de ferro.” – Quando não vem acompanhada, na reportagem, de dados de pesquisas científicas e/ou position papers (que poderia ser da própria “Associação de Nutrição de Shangri-La”) que corroborem tal afirmação, a confiabilidade da declaração dessa especialista acaba totalmente escorada no status de profissional/autoridade de saúde que ela ostenta. Fica assim caracterizada a falácia de apelo à autoridade, mesmo que não tenha sido intencionada pelo redator da matéria.

- “A pesquisa em animais rendeu a Smithies, Evans e Capecchi o Nobel de Medicina de 2007. Isso nos mostra como a vivissecção é necessária à humanidade.” – Esse argumento, ocasionalmente usado por defensores da vivissecção, tenta justificar a exploração de animais em laboratórios simplisticamente em função do prêmio Nobel de Medicina ganho pelos vivisseccionistas Oliver Smithies, Martin J. Evans e Mario Capecchi. Porém, tal prêmio não é um argumento válido para justificar por que seria ético privar animais de liberdade, infligir-lhes sofrimento e assassiná-los seja lá por que causa.

- “Eu sei que vegetarianismo para crianças é perigoso. Eu sou biólogo, tenho credencial para dizer isso.” – Se o carnista não tiver provado antes por que o vegetarianismo seria perigoso para crianças, ele incide aí numa versão “carteirada”, de arrogar a si mesmo como portador de autoridade, dessa falácia. E é essa postura que alguns carnistas possuidores de títulos de mestre ou doutor usam para tentar intimidar aqueles que lhes questionam o preconceito contra o vegetarianismo.

20. Apelo à autoridade anônima

Lança um argumento usando uma informação alegadamente fornecida por fontes especializadas, mas não dá qualquer detalhe sobre essas fontes – por quem, quando e

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como tal informação havia sido originada e se havia sido confirmada. Nesse caso, a informação geralmente é descartada como falsa, já que não possui nenhuma comprovação verificável. Assim como o apelo à autoridade, o apelo à autoridade anônima também costuma ser usado em reportagens que difamam o vegetarianismo, muitas vezes pelas próprias “autoridades” entrevistadas.

Exemplos carnistas:

- “Muitos estudos/cientistas/nutricionistas/especialistas comprovaram que o vegetarianismo não é saudável.” – Essa é a forma genérica do uso carnista do apelo à autoridade anônima. Não diz quem são os especialistas (ou quais foram os estudos) que teriam feito tal comprovação, nem quando se teria comprovado isso, nem a fonte da informação.

- “’Estudos recentes comprovaram que crianças vegetarianas têm maior suscetibilidade a contrair deficiência de proteínas, ferro e cálcio’, diz a nutricionista Sicrana de Oliveira.” – Passagens com esse tipo de informação dada por autoridade de saúde são comuns em reportagens pró-carnistas. Aqui a nutricionista não diz que “estudos recentes” seriam esses nem quando foram realizados. Logo, sua afirmação é inverificável e desprovida de credibilidade. Porém, alguns podem se deixar acreditar nisso só porque foi uma nutricionista que o disse, caindo na cilada de outra falácia: o apelo à autoridade.

21. Redução ao radical

Descarta qualquer ideologia, mesmo que seja dotada de coerência e não ameace nem viole direitos, apenas por ela ser considerada radical em comparação às ideologias e padrões dominantes. Hoje em dia os Direitos Animais, o vegetarianismo estrito e o veganismo são preteridos por muitas pessoas apenas porque elas os consideram radicais “demais”.

Exemplos carnistas:

- “Equilíbrio é a chave da alimentação. Uma alimentação sem nada de origem animal é radical demais, não é saudável.” – Esse argumento geralmente discrimina o vegetarianismo estrito apenas por ser considerado radical em comparação às dietas onívoras ou evitadoras de carne vermelha. Em um ato de puro preconceito contra aquilo que é considerado radical, o usuário da falácia desconsidera todos os estudos existentes que atestam que o vegetarianismo estrito é sim saudável para todas as faixas etárias. Essa afirmação também caracteriza uma falácia de apelo à emoção, que será vista mais adiante.

- “Não gosto da idéia dos Direitos Animais porque soa muito radical.” – O indivíduo que diz isso pretere a priori os Direitos Animais apenas por ser uma idéia “muito radical”. Mas, negligenciando um estudo sério sobre o tema, ignora que os Direitos Animais são tão radicais quanto, por exemplo, os Direitos Humanos, no sentido de não aceitar

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negociações flexibilizatórias e meios termos entre uma situação de opressão extrema e uma de não opressão.

- “Você não acha que dar direitos plenos aos animais é algo radical demais?” – Também aqui os Direitos Animais são desdenhados simplesmente por terem elementos de radicalismo, ignorando-se toda a coerência de justiça, antiviolência e abraço de direitos que lhes é inerente.

22. Apelo à relevância econômica

Considera uma prática ou idéia necessariamente boa, certa e aceitável apenas em função de sua relevância econômica local, regional, nacional ou global, a despeito de todas as características eticamente questionáveis por ela ostentadas. É usado na argumentação carnista e também na defesa de atividades violentas contra animais não humanos, como os rodeios e as vaquejadas.

Exemplos carnistas:

- “Não faz sentido banir a pecuária do Brasil, ela é importantíssima para a economia nacional.” – Por trás da relevância econômica da pecuária, há todo um sistema de escravidão, aprisionamento, mutilação e assassinato sistemático de animais. Além disso, o agronegócio brasileiro, que a pecuária encabeça, vem sendo apontado como pivô de diversos crimes e abusos que se cometem para que essa atividade seja mantida em sua força política e econômica: pistolagem, intimidação de camponeses e ativistas, trabalho escravo ou semiescravo, desmatamentos em grande escala, degradação permanente de terras, corporativismo político, difamação midiática dos movimentos ambientalistas e de reforma agrária etc. A relevância econômica da pecuária – e do restante do agronegócio – não anula nem torna eticamente justificável tudo isso.

- “A carne é extremamente importante para a economia da região. Censurar seu consumo é atentar contra o desenvolvimento.” – Aqui a economia também é usada como pretexto para se perpetuar a cadeia de exploração animal em prol do consumo de carne. Precedentes históricos ajudam a invalidar esse argumento enquanto justificação ética: até o século 19, a produção de certos itens agropecuários movia a economia brasileira graças essencialmente à exploração de mão-de-obra escrava, e um argumento muito similar ao referido era então usado para defender o escravismo.

23. Apelo ao ridículo

Desdenha da idéia do argumentador ridicularizando-a ao invés de respondê-la seriamente com contra-argumentos. Pode vir coincidente ou não com a falácia do espantalho ou com o argumentum ad hominem.

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Exemplos carnistas:

- “Vegetarianismo é coisa de ‘viado’, de mulherzinha, de emo.” – Muito usada com versões diferentes, essa frase desdenha do vegetarianismo associando-o a categorias de pessoas discriminadas e também pejorando contra tais pessoas. Não diz respeito de forma racional aos fundamentos do vegetarianismo, restringindo-se a ridicularizar a idéia vegetariana e os que a pensam.

- “Não, obrigado. Não quero virar um animal ruminante.” – Aqui se ridiculariza a sugestão do oponente de pensar sério sobre o vegetarianismo, e se imagina uma caricatura de vegetarianos ruminantes, ignorando maliciosamente que nem todos os animais que consomem apenas vegetais são ruminantes. Essa afirmação é também uma espécie de reductio ad absurdum, por imaginar como consequência absurda a transformação do ser humano em um ser ruminante por causa da alimentação.

- “A carne é essencial para a evolução humana. Não quero retroceder a homem das cavernas!” – Ridiculariza o vegetarianismo como se fosse uma dieta que levaria a uma suposta involução biológica do ser humano. Sustenta-se na falsa crença lamarckista de que o ser humano “precisa comer carne” para continuar evoluindo. E também incorre na falácia reductio ad absurdum, por imaginar a consequência absurda de involuir por causa da alimentação.

- “Essa imagem, que compara a matança de animais na pecuária com o Holocausto, é retardada!” – Aqui rebaixa-se ao ridículo uma imagem que compara o abate de animais com o Holocausto nazista, evitando-se argumentar com seriedade por que a comparação entre os matadouros e os campos de concentração seria inválida.

24. Apelo ao motivo

Considera a priori que o argumento dado é errado, mas, ao invés de refutá-lo, tenta “explicar” por que a pessoa o usa, sendo uma variante do argumentum ad hominem.

Exemplos carnistas:

- “Você só acha que o vegetarianismo é saudável e ecologicamente amigável porque deseja profundamente isso, por ter pena [sic] dos animais e por ser uma ecochata.” – Chamar a pessoa de “ecochata” e julgar o argumento pela suposta pena que ela sentiria pelos animais não humanos não ataca de forma nenhuma o argumento de que o vegetarianismo é saudável e ecologicamente amigável. Pelo contrário, demonstra a carência de argumentos por parte do acusador.

- “Você só crê que o veganismo vai triunfar no futuro porque isso lhe convém.” – Aqui o falacioso não rebate o argumento com um contra-argumento, mas sim meramente julga que a crença no triunfo do veganismo viria de uma suposta conveniência do vegano.

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25. Reductio ad Hitlerum (“Redução a Hitler”, em latim macarrônico)

Considera que, se o nazista Adolf Hitler apoiou (de verdade ou não) uma determinada idéia, essa idéia seria automaticamente ruim, maligna e indesejável. É usada para difamar o vegetarianismo pelos animais pelo discutível fato de o ditador ter sido vegetariano.

Exemplos carnistas:

- “Hitler era vegetariano, logo você não pode falar que vegetarianismo é um avanço moral.” – Esta frase não tem um sentido falacioso quando é usada no sentido de afirmar que ser vegetariano não transforma automaticamente ninguém em exemplo de excelência moral, uma vez que não anula outros erros e desvios éticos do indivíduo. Mas torna-se uma falácia reductio ad Hitlerum quando tenta provar, através da pessoa de Hitler, que o vegetarianismo não seria uma atitude de evolução moral mesmo dos indivíduos que também respeitam todos os demais seres humanos.

- “Hitler era vegetariano, e eu não quero me parecer em nada com Hitler. Logo, não quero ser vegetariano.” – O vegetarianismo não tinha qualquer relação com os genocídios liderados pelo chefe nazista. E essa linha de raciocínio também serviria para dizer que, por exemplo, se Hitler era cordial com outros alemães, ser cordial com seus conterrâneos também deveria ser evitado, o que seria uma afirmação absurda.

- “Hitler era vegetariano, logo o vegetarianismo é algo maligno.” – Esse raciocínio, absurdo por imaginar uma relação inexistente entre um hábito inofensivo e os crimes cometidos pelo seu (possível) praticante, poderia levar a entender também que, uma vez que Hitler não fumava, o não fumar seria algo necessariamente maligno.

- “Esse movimento de Direitos Animais é nazista! Rebaixa seres humanos oprimidos (como os negros e as mulheres) a seres irracionais!” – Essa falácia é a variante ad Nazium da reductio ad Hitlerum, já que, ao invés da pessoa de Hitler, ela usa o nazismo como tentativa de comparar os Direitos Animais a algo degradante. Também caracteriza uma falácia do espantalho e uma falsa analogia. Maliciosamente compara os Direitos Animais, uma ideologia ética que visa a igualdade nivelada por cima entre todos os pacientes morais humanos e não humanos, com uma ideologia que estabelecia uma hierarquia moral extrema e visava a opressão e extermínio dos ditos “seres inferiores”. No mais, inverte uma ideologia que nivela direitos por cima (animais não humanos serem tratados com tanta dignidade quanto os seres humanos) ao atributo de uma que nivelaria por baixo (supostamente seres humanos em geral passariam a ser tratados com tanta indignidade e opressão quanto como os demais animais o são).

26. Falácia genética

Julga uma idéia ou prática tendo como base unicamente a sua origem ou passado. Omite os aspectos modernos da idéia ou prática defendida ou criticada que tenham modificado a natureza da mesma.

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Exemplos carnistas:

- “O vegetarianismo é uma religião, afinal, tem raízes em religiões como o hinduísmo e a Igreja Adventista.” – O fato de muitos vegetarianos do passado terem sido motivados por doutrinas religiosas não quer dizer que todas as correntes vegetarianas atuais sejam religiosas. A ética dos Direitos Animais tem fundamentos basicamente seculares, ainda que seja inspirada por elementos de doutrinas religiosas como a ahimsa.

- “O consumo de carne tem origem na caça, na valentia dos homens em enfrentar a dureza da selva. Assim sendo, comer carne hoje é uma demonstração de virilidade e coragem.” – Mesmo que o carnismo ainda hoje tenha uma significação cultural ligada à virilidade, não é mais uma demonstração prática de coragem, audácia e resistência à dureza das selvas como na época em que a caça era o único meio de se obter carne. Hoje a carne é obtida com comodidade e conforto em supermercados e açougues, paga-se para que outras pessoas matem os animais cujos músculos e gorduras serão consumidos pelo onívoro, e as próprias condições do abate – confinamento, subjugação total dos animais, incapacidade de fuga ou defesa por parte das vítimas, uso de instrumentos de incapacitação física instantânea etc. – em nada lembram as habilidades físicas exibidas na caça primitiva.

- “Como carne porque apenas os hominídeos onívoros sobreviveram no passado.” – Os hominídeos onívoros estavam em situação ecológica totalmente diversa da humanidade contemporânea: precisavam caçar para obter todos os nutrientes complementarmente à coleta de frutas e raízes e também necessitavam matar os predadores que os ameaçavam, e, segundo Sérgio Greif expõe no seu artigo intitulado O homem evoluiu como um animal carnívoro ou vegetariano?, estavam obrigados a isso porque na época as fontes alimentares vegetais estavam escassas. Hoje, ao contrário daquela época, há uma vasta e diversificada agricultura a serviço do ser humano, e ela já torna os alimentos de origem animal desnecessários, além do fato de, no caso das civilizações modernas, não haver mais predadores naturais para o ser humano.

- “Ser vegetariano na Idade da Pedra era algo impossível, visto que não existia cozimento e muitos vegetais só podem ser consumidos depois de cozidos. Logo, o vegetarianismo não é uma boa dieta.” – Tenta-se aqui invalidar para o presente a viabilidade do vegetarianismo, que é uma dieta essencialmente dependente da tecnologia de cozimento (exceto talvez o crudivorismo), pelo fato de que tal tecnologia não existia até determinada época do Paleolítico. Porém, as sociedades humanas modernas não estão mais na Idade da Pedra, e sim numa era muito mais tecnológica e artificializada, em que é totalmente viável depender de uma dieta baseada em alimentos cozidos e/ou industrializados. Além disso, a alegação referida incorre também na falácia non sequitur, visto que não há qualquer ligação lógica entre a inexistência de cozimento em épocas pré-históricas remotas e a suposta inviabilidade do vegetarianismo moderno.

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27. Invenção de fato

É basicamente uma mentira ou a descrição de um fato com informações imprecisas, usada no intento de manipular a audiência. Muitas vezes vem associada a uma falácia do espantalho, o que aumenta seu o poder manipulativo. É ocasionalmente usada pelos carnistas reacionários mais mal intencionados e/ou preconceituosos, que querem difamar o veg(etari)anismo a qualquer custo e/ou expor seus preconceitos como se fossem fatos. Grosso modo, quase todos os mitos carnistas listados mais adiante podem ser considerados invenções de fatos.

Exemplos carnistas:

- “Populações em que predomina a alimentação vegetariana são menos enérgicas e mais atrasadas em termos tecnológicos e científicos, além de serem povos menos civilizados.” – Essa afirmação foi encontrada em um texto de uma autointitulada nutricionista portuguesa, e obviamente não encontra qualquer comprovação científica, tendo sido presumivelmente inventada com más intenções ou por reflexo de preconceito pessoal. É fácil encontrar semelhanças essenciais entre esse discurso e a teoria racista de Arthur de Gobineau, um dos inspiradores ideológicos do nazismo.

- “Há 100 anos atrás, ser vegetariano era impossível.” – Esse fato inventado desconsidera a multimilenaridade do vegetarianismo, adotado desde a Idade do Ferro em sociedades como a indiana e a grega, além do fato de que a Vegetarian Society britânica surgiu em 1842, época em que o autor da invenção de fato imagina que seria “impossível” não comer carnes e ser saudável ao mesmo tempo.

- “Os vegans, fanáticos que são, invadem blogs e sites de cientistas que trabalham com pesquisa em animais chamando-os de assassinos, maníacos, torturadores e tudo o mais.” – Isso também é um fato inventado, desprovido de qualquer comprovação de que aconteça com regularidade e seja praticado por uma parcela considerável de veganos. É, aliás, uma soma dos três principais crimes contra a honra existentes – injúria, calúnia e difamação – contra o universo de veganos. Também incorpora as falácias do espantalho e de generalização apressada.

- “Os veganos chegam ao ponto de sugerir que, em vez de animais, se usem crianças humanas como cobaias. Que absurdo!” – Toda a descrição do exemplo anterior de invenção de fato se aplica também a este. Além disso, a inflição de sofrimento a crianças vai justamente contra os princípios do veganismo. Como crianças também são animais, aquele que sugere a opressão e tortura de crianças para substituir animais não humanos em pesquisas não é considerado vegano.

28. Falácia de equívoco

Transmite uma mensagem distorcida por manipular o seu contexto e significado. Difere da distorção de fato por geralmente envolver situações atemporais, não factuais.

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Exemplos carnistas:

- “A pessoa está falando de preservar as plantas e você defende que elas sejam comidas?” – O carnista que profere tal pergunta manipula o significado da palavra plantas, confundindo propositalmente as plantas dos ecossistemas naturais com os vegetais cultivados na agricultura.

- “Se os vegetarianos amam os animais, por que comem a comida deles?” – Confunde-se maliciosamente o vegetal comido por bovinos de criação extensiva, a grama de pasto, com os vegetais comidos pelos vegetarianos. Baseia-se no estereótipo do vegetariano que come capim.

- “Minha comida defeca na sua!” – Comete-se aqui o equívoco malicioso de afirmar que vegetarianos se alimentam de grama, e da mesma que bovinos comem nos pastos, manipulando-se o sentido de “comer vegetais”.

29. Argumentum ad lapidem (“Apelo à pedra”, em latim)

Consiste em desqualificar uma afirmação ou idéia como absurda sem, no entanto, dar uma explicação ou justificativa. Às vezes assemelha-se ao apelo ao ridículo.

Exemplos carnistas:

- “Vegetarianismo/veganismo é falácia!” – Quase geralmente essa frase é dita sem qualquer explicação sobre por que o vegetarianismo ou o veganismo seriam uma falácia nem qual/quais falácia(s) seriam.

- “Suas informações sobre vegetarianismo/veganismo são falaciosas.” – Também é uma afirmação frequente dita sem qualquer explicação, mesmo que o próprio argumentador veg(etari)ano pergunte ao contra-argumentador carnista por quê. Algumas vezes é que o carnista tenta justificar, mas geralmente com informações desconexas em relação ao conceito de falácia, como a repetição de um ou mais mitos e/ou crenças falaciosas.

- “Vegetarianismo/veganismo é hipocrisia!” – Há vezes em que o carnista justifica, ainda que usando de falácias como “Vocês dizem defender a vida, mas vegetais também são seres vivos!” ou “Vocês dizem ser contra testes em animais mas consomem remédios!” – nesse caso o ad lapidem não se configura. Mas há diversas outras em que o acusador não se presta a justificar sua afirmação, mesmo perguntado por veg(etari)anos, tornando-a uma acusação vazia – portanto, um argumentum ad lapidem.

- “Esse texto sobre veganismo não tem argumentos! Parei de ler logo no começo!” – É comum esse tipo de afirmação, em que o carnista afirma que determinado texto “não tem argumentos” sem sequer se dar ao trabalho de lê-lo seriamente e por completo.

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Ler apenas o começo de um texto certamente não irá extrair dali nenhum argumento a ser discutido.

30. Dicto simpliciter (“máxima sem qualificação”, em latim)

Tenta forçar a aplicação de uma regra geral a exceções em que ela não pode ou não deveria ser de fato aplicada..

Exemplos carnistas:

- “Veganismo envolve boicotar todo e qualquer produto que contenha algum ingrediente de origem animal e/ou seja testado em animais. Mas os veganos consomem remédios, que são testados em animais, e andam em ônibus cujos pneus têm ingrediente de origem animal. Logo, o veganismo não faz sentido e os veganos são hipócritas.” – Como é visto neste livro, há casos com que o veganismo isoladamente não pode lidar, como o consumo de medicamentos em momentos de necessidade e a recorrência direta ou indireta a determinados produtos em lugares que não reconhecem o veganismo e a necessidade de se abolir o uso de produtos com ingredientes de origem animal. Não existe veganismo 100%, mas é possível ser vegano evitando-se o máximo possível de produtos com ingredientes de origem animal e/ou de empresas que realizam ou subsidiam testes em animais.

- “Você se diz vegano, mas mata insetos e ratos quando eles invadem sua casa. Isso faz de você um hipócrita.” – Essa é uma questão de legítima defesa, de proteção da vida humana contra a ameaça trazida por insetos e ratos que não podem ser livrados de sua condição de vetores de doenças. Assim sendo, os Direitos Animais não incluem a consideração moral a animais que ameaçam diretamente a vida humana e não podem ser alvo de uma política de eliminação populacional não letal. Logo, o veganismo não inclui a preservação da vida desse tipo de animais.

- “Você diz amar os animais, mas não hesitaria em matar um leão ou um cão feroz se ele viesse te matar. Isso faz com que seu veganismo pelos animais não faça sentido.” – Assim como o caso anterior, essa também é uma questão de legítima defesa, em que apenas um dos animais poderá sair vivo. Ser vegano não inclui o indivíduo deixar que outros animais o matem ou o deixem seriamente ferido.

31. Apelo às crianças ou argumentum ad infantium

É um apelo à misericórdia que recorre, de forma chantagista, à imagem de crianças sofrendo.

Exemplos carnistas:

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- “Você vai pensar logo em animais com tanta criança por aí morrendo de fome?” – Já tratada anteriormente como uma falácia de falsa dicotomia, apela à imagem das crianças necessitadas para tentar rebaixar a causa animal, muito embora nada sugira para remediar a situação de tais crianças.

- “Você preferiria deixar seu filho pequeno morrer de uma doença hoje incurável a aceitar que testem em animais a cura dessa doença?” – Recorre à chantagem emocional para dissuadir veganos de serem contra experimentos em animais não humanos e fazê-los aceitar a exploração desses animais em laboratórios. Mas falha em sua tentativa de ser coerente, ao vir com a irreal premissa de que a vivissecção poderá ser criminalizada a curto ou médio prazo, de uma hora para outra e sem ser prudentemente substituída por outros métodos de pesquisa de eficácia semelhante.

- “Pense nas crianças com câncer que torcem para que uma cura para sua doença seja descoberta logo. Elas dependem dos animais de laboratório.” – Idem para o exemplo anterior.

32. Apelo à moderação, falso meio-termo ou argumentum ad temperantiam (“apelo à temperança” em latim)

Sugere um meio-termo em situações em que ele não convém.

Exemplos carnistas:

- “A idéia de abolir a pecuária é absurda e utópica. A adoção de uma política de bem-estar animal é o bastante para melhorar a situação dos animais da pecuária.” – Tenta responder às demandas éticas alimentares com o bem-estarismo, em detrimento do abolicionismo animal. É o meio-termo entre a pecuária obviamente cruel e a abolição de qualquer forma de criação de animais para fins de consumo. É uma alternativa inválida quando se considera que mesmo a pecuária bem-estarista não respeita os direitos integrais dos animais explorados à vida, à liberdade (considerando-se que a mera soltura não é sinônimo de liberdade propriamente dita) e a não ser propriedade de seres humanos. O bem-estarismo como um todo se calca na falácia do apelo à moderação quando, opondo-se à abolição da exploração animal, defende que seria possível uma pecuária “humanitária”.

- “O vegetarianismo é muito radical. Eu defendo o equilíbrio: nem comer apenas carne, nem comer apenas vegetais.” – Tenta desqualificar o vegetarianismo como algo “radical” – ação que caracteriza ao mesmo tempo uma falácia argumentum ad lapidem e uma redução ao radical – e sugere o “equilíbrio” entre o carnivorismo e o vegetarianismo como a alimentação “ideal”. É um argumento eticamente inconveniente, uma vez que ignora as questões ética, ambiental e humanitária que motivam o abandono total, não apenas parcial, do consumo de alimentos de origem animal.

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- “Pra que abolir por completo a carne? Diminuir o consumo dela já basta!” – Geralmente é usado para rebater a defesa da adoção do vegetarianismo com fins de melhoria da saúde. Mas, assim como o exemplo anterior de falso meio-termo, ignora as questões ética, ambiental e humanitária que motivam o abandono total do consumo de alimentos de origem animal, além de ser frágil mesmo na questão da saúde – mesmo o consumo de quantias moderadas de carnes aumenta a probabilidade de se contrair algumas doenças.

33. Argumentum verbosium

Tenta “provar” que o vegetarianismo “não é saudável” e/ou que o veganismo “não faz sentido” com textos prolixos e dotados de referências inacessíveis (geralmente fontes que não existem reproduzidas na internet, não estão internacionalmente disponíveis ou só podem ser acessadas mediante pagamento prévio). Tais textos parecem plausíveis, coerentes e bem referenciados ante uma visão superficial, mas os argumentos são trabalhosos demais para serem conferidos ou, por terem referências inacessíveis, não podem ser falseados ou confirmados. Assim sendo, leitores pouco experientes podem se deixar aceitar o texto, sem questionamentos profundos, por ele ser virtualmente embasado.

Exemplo carnista:

- Alguns textos carnistas disponíveis na internet – Há na internet alguns textos carnistas dotados de referências e muito extensos. Para leitores pouco experientes, ora vegetarianos iniciantes, ora onívoros “em cima do muro”, eles parecem convincentes, dado o seu tamanho e a presença de referências. Mas veg(etari)anos argumentativamente mais experientes podem refutá-los sem grandes dificuldades.

34. Falácia da pressuposição ou falácia da questão complexa

Consiste em fazer pressuposições preconceituosas, desprovidas de premissas argumentativas, que não foram previamente provadas como verdadeiras.

Exemplos carnistas:

- “Encha-se dos inúmeros suplementos alimentares de que você precisa pra não se desnutrir se quiser ter condição de argumentar comigo.” – De vez em quando, carnistas reacionários arrogam que vegetarianos e veganos precisam de “inúmeros suplementos”, extrapolando maliciosamente a presente necessidade de suplementação de vitamina B12 para diversos outros nutrientes. Muitas vezes, falam isso sem terem argumentado previamente, tampouco provado, que o vegetarianismo exigiria o consumo de “inúmeros” suplementos.

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- “E aí, já tomou seus mil suplementos de proteínas e vitaminas hoje, caro vegetariano subnutrido?” – Idem ao exemplo anterior.

35. Definição muito restrita

Define pessoas, outros seres vivos ou coisas de modo muito restrito, afirmando erroneamente que todo indivíduo, segundo tal definição, possuiria inexoravelmente certas características. Muitas vezes vêm mistas com generalizações apressadas.

Exemplos carnistas:

- “Vegetarianos são adeptos de culturas exóticas ou contraculturas, como o naturalismo e os modos de vida hippie ou hipster.” – Traz critérios restritos e falsos para definir vegetarianos. Nem todo vegetariano é adepto de culturas exóticas ou contraculturas.

- “O vegetarianismo consiste em abandonar o consumo de carne e recorrer ao consumo de apenas vegetais orgânicos.” – Erroneamente inclui o consumo de vegetais orgânicos como característica do vegetarianismo. A definição de vegetarianismo em nada tem a ver com vegetais orgânicos.

36. Apelo ao medo ou argumentum ad metum

Tenta induzir pessoas a continuarem onívoras ou desistirem do vegetarianismo usando argumentos apelativos que instigam medo de supostas consequências nocivas da adoção do vegetarianismo. Às vezes, porém, pode vir de forma não intencional, como em declarações de nutricionistas desinformados.

Exemplos carnistas:

- “Se você deixar de comer carne, vai ficar desnutrido.” – Frase básica usada por pais carnistas que, por desconhecimento sobre nutrição vegetariana, temem que seus filhos se tornem vegetarianos. Hoje é cientificamente provado que a alimentação vegetariana, longe de causar qualquer mal às crianças, pode até mesmo melhorar a saúde delas.

- “Torne-se vegetariano e irá se tornar dependente de muitos suplementos pra se manter de pé.” – De vez em quando algum carnista usa esse tipo malicioso de apelo para assustar pessoas. Mas é sabido que vegetarianos não precisam de “muitos suplementos” – apenas a vitamina B12 precisa ser suplementada atualmente.

- “O vegetarianismo pode trazer riscos de anemia e carência de proteínas.” – Ainda hoje proferida por nutricionistas que não conhecem de verdade a alimentação vegetariana, essa afirmação ainda instiga medo em muitas pessoas, que se deixam, com tal

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declaração, hesitar em aderir ao vegetarianismo, embora já seja provada falsa pela Ciência.

- “Vai fazer seu filho ser vegetariano? Você quer matá-lo?!” – É relativamente comum carnistas assustarem pais de crianças pequenas dando afirmações como essa (ou similares), afirmando preconceituosamente que o vegetarianismo seria perigoso para crianças. Porém, a Ciência vem desmentindo esse preconceito.

37. Exigência de perfeição

Ocorre quando se reivindica uma solução perfeita para o problema em pauta. No carnismo, acontece, por exemplo, quando se tenta criticar os veganos por não (conseguirem) boicotarem 100% dos produtos testados em animais ou o veganismo por não ser uma panaceia ambiental. No caso da inexistência do veganismo absoluto, vem mista com o dicto simpliciter.

Exemplos carnistas:

- “Vocês vegans são hipócritas. Dizem não usar nada testado em animais e ser contra a experimentação animal, mas não vivem sem um remédio! Basta uma dor de cabeça que correm logo ao primeiro comprimido que aparece.” – Como é explanado neste livro, não existe veganismo perfeito. Produtos como medicamentos e itens de higiene presentes em estabelecimentos de acesso público não podem ser evitados pelos veganos. Os carnistas, ao usarem esse argumento, revelam crer que o único veganismo válido seria o veganismo perfeito (é de se revelar, aliás, que há também [ovo]lactovegetarianos que também creem erroneamente que só existe validade no veganismo absoluto), o que não condiz com o conceito de veganismo. E tal argumento, por ignorar a existência dessas exceções, também incorre na falácia dicto simpliciter.

- “Você diz ser vegetariano pelo meio ambiente e pelos animais mas não economiza energia. Continua usando o computador o dia todo, ignorando que seu consumo faz girar turbinas hidrelétricas que matam animais.” – O carnista, nesse caso, exige que o vegetarianismo (assim como, por tabela, o veganismo) seja não só uma solução perfeita para todos os problemas ambientais e todas as mortes de animais causadas por invenções humanas, mas que também transcenda conceitualmente a oposição à exploração animal e passe a evitar 100% das mortes contingenciais e de difícil evitação. Tanto o veg(etari)anismo não se propõe a ser uma panaceia ambiental, restringindo-se a combater os impactos ambientais da pecuária e da pesca, como não pretende evitar mortes circunstanciais não advindas da exploração animal. Tampouco os vegetarianos e veganos pretendem ser modelos de perfeição ambiental. Tal argumento também caracteriza uma falácia do espantalho, uma vez que tenta indevidamente injetar no conceito do vegetarianismo e do veganismo a evitação das mortes contingenciais de animais as quais não são ligadas a sistemas de exploração animal.

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- “Vocês dizem que o vegetarianismo melhora a saúde, mas tem muito vegetariano por aí morrendo de câncer.” – O vegetarianismo, em especial o estrito, diminui a probabilidade de ocorrência de diversas doenças, mas não é, nem nunca foi, uma panaceia para a saúde humana. Não dá imunidade a nenhuma doença como o carnismo “exige”.

- “O vegetarianismo diminui o risco de contração de apenas algumas doenças. Logo, ‘vegetarianismo pela saúde’ não faz sentido.” – Esse é outro argumento carnista que “exige” perfeição medicinal ao vegetarianismo. Mas é essa diminuição de riscos de algumas doenças, e não uma inexistente promessa de proteção integral contra toda e qualquer doença, que faz o vegetarianismo ser atrativo para quem busca uma saúde melhor. Esse argumento também incide em falácia do espantalho, por imputar ao vegetarianismo a falsa promessa de imunização contra um universo exageradamente grande de doenças, e em non sequitur, por dar uma conclusão que não se liga logicamente com o fato de o vegetarianismo diminuir os riscos de ocorrência de “apenas” algumas doenças – essa premissa não diminui nem tampouco invalida o caráter pró-saúde do vegetarianismo.

Extraído de: http://consciencia.blog.br/falacias-carnistas