Guilherme Studart - Notas Para a Historia Do Ceara - 04

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    Captulo IV

    EXTINO DA ORDEM DE JESUS. UM INDITO DO PADRELOURENO KAULEN. BERNARDO C. DA GAMA CASCO. ODIRIO DO PILOTO MANUEL RODRIGUES. OS HOSPCIOS DEVIOSA E AQUIRAZ. ELEVAO DAS ALDEIAS DOS NDIOS A VILAS. JUZES E CAMARISTAS DAS VILAS NOVAMENTEERETAS. OS JESUTAS JOO GUEDES, MANUEL BATISTA EROGRIO CANSIO. MORTE DE HOMEM DE MAGALHES.

    BEM o previra o santo de Manresa.A Ordem de Jesus, que ele pensara e realizara com assombro

    da cristandade, no repousaria jamais das lutas e das provaes.

    Houve, porm, um momento, em que as combinaes dospolticos dirigentes da Europa tentaram manietar o colosso de mil braose dar-lhe a morte ao mesmo tempo em toda parte.

    As formas que a luta revestiu, as armas com que cingiram-seos adversrios, as peripcias do drama to cheio de lances e imprevistos,a que no faltaram o claro lvido da fogueira, a morte pela fome e a lajefria de lgubres masmorras, o papel representado pelos Sumos Pontficesnessa crise da Igreja, a extino da Companhia e seu triunfo final tmsido o assunto e continuaro a s-lo para livros em nmero to crescidoque s com eles se podero organizar bibliotecas.

    Sumrio

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    http://hist_ceara-00.pdf/http://hist_ceara-03.pdf/
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    Choiseul em Frana, o instrumento subserviente dos caprichos

    da Marquesa de Pompadour, das intrigas dos parlamentos revoltosos epretenses dos mais exaltados jansenistas, em Espanha e Itlia dArandae Tanucci, uns ministros que o favoritismo inventou, foram a expressogenuna dos inimigos mais ou menos declarados da Bula Unigenitus econstituram-se, portanto, as esperanas de tudo o que se havia arroladonas bandeiras do jansenismo e do livre pensamento.

    Ora, os jesutas simbolizavam a idia catlica e a filosofia ti-nha empenho em ver-se livre dos grandes granadeiros do fanatismo e da intole-

    rncia.1

    Foi preciso suprimi-los para dar satisfao aos parlamentes e aseus aliados. Cedeu o rei.A filosofia dos Enciclopedistas bateu palmas ao triunfo obti-

    do sobre a pusilanimidade de Lus XV, e o Pacto da Famlia, liga forma-da contra os ingleses, foi invocado pelo ministro de Frana como umaarma para perseguio dos religiosos de outros pases.

    E o conseguiu Choiseul no obstante os catlicos de Espanha,Npoles e Parma.

    Mais violenta, porm, do que a de Choiseul, maior do que adAranda e Tanucci foi a campanha levada a efeito por Sebastio Jos deCarvalho e Melo no pequeno Portugal.

    Que mveis levaram esse ministro, que condecorou-se Condede Oeiras e depois Marqus do Pombal, a empreender contra os jesutasa guerra de morte por que fez-se to conhecido?

    Satisfao das crenas, que comungava em religio e das idias,que tinha sobre a poltica? Desagravo s afrontas que o irmo Francisco

    X. de Mendona Furtado, governador do Par e Maranho, dizia haversofrido dos congregados dali? Sede do ouro que a voz pblica atribuaaos jesutas e sobretudo aos das colnias? Ambio de apoderar-se paraa coroa de grandiosos edifcios, cujo valor e importncia so ainda hojeatestados pela Escola Politcnica, Hospital de S. Jos, a Casa de S.Roque e imensos outros edifcios em Lisboa e mais cidades de Portugale do Brasil?

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    1 Palavras de dAlembert.

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    Que sei eu? Naquele crebro possante a quem era dado lobri-

    gar os pensamentos e as causas, que os geravam?Dizia Talleyrand que a palavra fora inventada para ocultar opensamento; Pombal era um Talleyrand doubl de um inquisidor. E queinquisidor! Que o diga Malagrida.

    Quem fazia o filho trajar a roupeta dos Padres da Companhiapara conquistar-lhes a confiana era um adversrio bastante fino paradeixar-se surpreender.

    Penso que todas as causas acima ditas condenaram o Instituto

    de Loiola, mas acredito que deram-lhe a queda principalmente as idiasque professava Pombal, corao empedrado pelo atletismo do seu, aindaassim, mal compreendido Voltaire,2 e que eram diametralmente opostass dos jesutas, e bem assim o desejo de aniquilar todas as resistncias aopoder real, e portanto ao seu prprio poder, pois que em suas mos foiD. Jos um simulacro de rei.

    Um motivo religioso e um motivo poltico. Ambos adversos liberdade do pensamento e liberdade de conscincia, ambos detestveisportando.

    Havia tambm outras consideraes a atuarem em seu esprito,mas a essas apelidarei de segunda ordem ou meros coadjuvantes.

    Nada conheo pior que um homem escravizado por teoriasreligiosas, idias filosficas, ou questes sociais desta ou daquela ordem.O partidarismo faz mrtires, mas para haver mrtires so precisos osverdugos. Ora, Pombal era um fantico em matria poltica e em reli-gio, e sendo o mais forte porque dominava e escravizava o prprio reino seria vtima, e as vtimas o mundo todo as conhece.

    Pouco importava-lhe que as pginas da histria do seu pas edas colnias estivessem cheias dos feitos desses missionrios, que sacri-ficava. No Brasil, por exemplo, quantos servios prestaram! Revoltam-seos ndios do Sul e pem em iminente perigo a vida e a propriedade doscolonos, mas iro Nbrega e Anchieta ao seio deles e lhes trocaro odio em amistosas relaes; infrutfera a expedio do Pero Coelho,mas viro logo aps os Padres Francisco Pinto e Lus Figueira, dos quais

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    2 Camilo Castelo Branco, no prefcio traduo da Histria de Gabriel Malagrida porPaul Mury.

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    um sucumbir s mos dos tocarijus regando o solo cearense com o

    sangue precioso de suas veias, e o outro ir perder a vida, to proveitosaa Deus e ptria, aos golpes dos arauas depois de imortalizar-se pelaabnegao e ardor generoso em roubar morte seus companheiros denaufrgio; Malagrida extenua-se levando a palavra da boa nova pelas flo-restas do Maranho, que o aclama seu Apstolo, e conduz o zelo, que oconsome, desde Camet at a Bahia, lanando em vrios lugares os ali-cerces de seminrios e de casas de caridade; pelos lbios harmoniososde Aspicuelta Navarro canta a voz da religio hinos ternos e agradveisao ouvido do silvcola vencido; Antnio Vieira domina os contemporneosna altura de suas faculdades e aptides privilegiadas at nas lucubraes,que o juzo errneo de alguns acoima de quedas de sua inteligncia,aventa problemas de alta poltica em rasgos de sagacidade de bom parti-drio, que ele era, da rainha D Lusa; os rios brasileiros so atravessadosem todas as direes pelas igarits do paj branco, que armado to-so-mente da palavra e do crucifixo penetra no mais espesso da floresta eno mais nvio serto cata do selvagem e s depe o basto de cami-nheiro quando o tem conquistado para a civilizao e para as luzes do

    Evangelho; Belchior de Azevedo v-se perdido ante o poder de duasnaus francesas prestes a apoderar-se da vila de Vitria, mas o jesuta BrsLoureno sai-lhes ao encontro frente de 400 ndios frecheiros, desba-rata os invasores, que fogem precipitadamente; por toda parte reali-zam os missionrios prodgios de amor do prximo, feitos patriticos, acada canto recua a barbaria ante eles.

    Mas que valia isso nos paos de D. Jos?Apenas o terremoto de Lisboa, catstrofe horrorosa em que

    perderam-se vidas aos milhares, fez retroceder um pouco a caudal daperseguio, que se ensaiava, e moveu o rei aos antigos sentimentos reli-giosos a ponto de pedir Roma que um Santo da Ordem de Jesus fosseproclamado patrono de Portugal contra os terremotos.

    Esquecida a catstrofe, voltou de novo a campanha da intrigae os atentados foram tendo incremento.

    Na balana pesavam menos sculos de interrompidos serviosa Portugal do que os caprichos de um ministro a quem desvairavam

    idias filosficas.

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    Demais ele no estava s. Ao contrrio. Tinha por si os homens

    que dominavam a imprensa ou eram senhores da tribuna; faziam-lheboa camaradagem os que impunham o timo do Estado nos pases maisimportantes da Europa catlica.

    Enfrentar a conspirao de dios, a que os Bourbons assenti-am, seria nos jesutas insnia rematada.

    Estavam condenados. Procuravam juzes e s deparavam comacusadores. Pois se eram a guarda avanada da Igreja Romana!

    E Roma os dissolveu como ordem religiosa! Por ela haviam

    sofrido todas as torturas, todas as humilhaes, por ela haviam-se empe-nhado em lutas de todo o gnero, desde aquelas que arrancaram meiaEuropa s idias da reforma, e um Papa dava-lhes a morte, e o que mais grave, infamandos-os.

    Numa pequena loja de Roma encontrou um dia o secretrioda Legao Portuguesa, o Conde de Parati, creio, interessante manuscritopelo qual pediram-lhe 40 liras. O volume, que perfeitamente encader-nado, enriquece hoje as estantes da Biblioteca Nacional de Lisboa.

    Intitula-se esse indito: Relao de algumas cousas, que suce-deram aos Religiosos da Companhia de Jesus no Reino de Portugal, nassuas Prises, Desterros e Crceres, em que estiveram por tempo de 18anos, isto , do ano 1759 at o ano 1777, no Reinado del-Rei D. Jos Isendo primeiro-ministro Sebastio Jos de Mendona Carvalho, Marqusde Pombal. Obra feita pelo padre Loureno Kaulen, Alemo da cidadede Colnia-a-borda-do-Reno e Companheiro dos de que escreveu,missionrio que foi no Brasil na Provncia de Par nos rios do Tocan-tins, Amazonas e Xingu.

    Ouamos o Padre Kaulen3 descrever as impresses, que saltearamos prisioneiros da Torre de S. Julio ao receberem a nova de sua extino.

    No captulo que tem por ttulo Modo com que se intimouaos padres o Breve da extino da sua Religio discorre ele assim:

    No ano de 1773 assim como veio de Roma o Breve extintivoda Companhia de Jesus mandou-se chamar o Comandante da Fortaleza,

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    3 O Pe. Kaulen autor de uma biografia do Pe. Wolff, seu companheiro nas mis-ses e nos crceres.

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    o qual foi encarregado de ir dar o fatal golpe aos padres com o aviso da

    abolio de sua Religio, o qual era para eles mais amargoso do que o damesma morte que esperavam.Esta ordem executou ele s horas de gentar antes que gen-

    tassem, e como esta improvisa novidade lhes tirou totalmente a vontadede comer e os assustou de tal sorte que alguns ficaram como fora de si,uns ficaram como mudos, outros choravam, enfim todos ficaram com ador, que no se pode explicar, como atordoados, pois esta cousa toesperada parecia mais ser um sonho de que cousa possvel. Depois degentar veio este comandante outra vez e para ele poder um sonho aoMarqus queria que os padres por ele mandassem dar os agradecimentosao Marqus dizendo que estavam muito contentes com o aviso e com adesfeita da sua Religio, mas isso no cabia no corao de filhos toamantes de sua me como eram os Padres de sua religio, que os tinhamcriado e pela qual eles dariam a sua vida. Pelo que alguns em nome detodos lhe replicaram que nisso no consentiam, mas no obstante istodisseram que ele foi levar o seu ideado recado ao Marqus, o que erainjurioso aos Padres.

    Da uns dias enquanto se lavrou a intimao do Breve daExtino, mandou o Marqus aos 9 de Setembro no Eclesisticoscomo devia ser mas um secular, que era o Ouvidor de Oeiras com o seuescrivo, que nem o sabia bem ler ou por ser mal escrito pelo Sr. Doutor,que estava atrs dele ajudando-o a constru-lo, ou por estar este aindapouco corrente no ler. Este naquela vila to famoso homem vinha comtal medo que no quis vir abaixo sem ser acompanhado de uma escoltade soldados armados ainda que o Comandante bem lhe disse que l no

    eram precisos soldados por serem os Padres muito humanos e tratveis,e que ele todos os dias ia ter com eles sem susto, mas no foi possvelacomod-lo para que desistisse da empresa por mais razes que lhe dessempelo que veio fronte deles acompanhado do Comandante e do sargentomajor da Praa e de alguns outros para o lugar aonde j estavam osPadres ajuntados, ficando os soldados eram quatro fileiras na entrada daporta do corredor em que se executou este famoso auto, intimando aOrdem Rgia e o Decreto dizendo que por Ordem de S. Majestade vinhaa fazer a presente intimao, entregando-a ao escrivo para a ler. Nela reca-pitulava o Breve e dizia que S. Majestade o aprovava e o mandava execu-

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    tar nos res, que ali estavam. Sendo tantos os feridos desta seta4 para

    admirar que nenhum desse sinal da dor. Sofreram a injria com religiosapacincia e grandeza de nimo. Pois reno se pode chamar quem nunca foiculpado, nem ouvido, nem condenado ou sentenciado, como os que aliestavam, dos quais s um ou dois eram de Portugal, os mais eram missi-onrios de diversas partes do mundo.

    Acabado este ato puxou pelo Breve impresso em Latim ePortugus, dizendo: que o podiam ler se queriam. Enquanto os Padresleram o Breve se foram para cima. Depois voltaram, e o Ouvidor mandouque os padres ali mesmo despissem as roupetas e as pusessem sobreuma banca que ali estava dizendo que sem elas no se ia dali.

    Alguns logo obedeceram e comearam a despir-se; a outrosmetia isso horror por ver-se descompostos, estando mal cobertos semroupeta por falta do vesturio interior, pelo que pediram ao comandanteque por menos os deixasse ir para os seus crceres para se cobrir comalguma cousa: concede-o isso, e todos com suma dor do seu coraoentregaram as suas santas e religiosas roupetas, que com suma veneraocostumavam de beijar e quando as vestiam e despiam como Hbito de

    Cristo, de quem eram scios, e a quem imitavam neste ato, lembrando-sede como antes de ser crucificado se deixou despir to bem por soldados,que jogaram os dados sobre os seus santos vesturios a sua vista quando jestava na Cruz; parte dos que levavam estas santas e algum dia torespeitadas roupetas j tinham jogado o entrudo com outras semelhantesa elas (que tinham pilhado dos defuntos), na pblica Praa da Torre, eem casa do Comandante fingindo-se confessores do sexo feminino,com que ali brincavam, e isso sendo catlicos, e em to santo tempo;

    ato to escandaloso que meter horror posteridade e pasmo ainda aosmulos da Religio. E agora estas arrancadas quase a fora e com vio-lncia dos corpos de Sacerdotes e Pessoas consagradas a Deus iro paralevar ainda maiores injrias e desonras se Deus o permitisse, e notivesse sido a cobia do comandante o qual para no dar outro vesturioas mandou outra vez para baixo com a condio de se lhes cortar ocabeo.

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    4 No manuscrito acima da palavra seta l-se a palavra golpeescrita com tinta diferentemas evidentemente do punho do Padre Kaulen.

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    A profunda dor deste golpe na realidade sentiram os padres

    primeiro de tudo depois que se recolheram para os seus crceres consi-derando, e vendo-se quase nus, alguns s em camisa, outros s em umcoletinho roto como os mais miserveis do mundo, sem Religio, semcasas, sem bens, sem modo de viver, infamados, sem consolao corpo-ral, atordoados do que se lhes tinha feito, e pasmados do que se dizia noBreve, que parecia ser mais sonho e cousa fingida do que cousa possvel,no havendo algum entre tantos que soubesse, ou que se pudesse persua-dir que houvesse na sua Religio o que se dizia. E como o estilo e o

    modo de proceder com eles era o mesmo que tinha usado com eles oMarqus, suspeitaram vrios que era engano; pois do Supremo Presi-dente da Igreja a quem eram dedicados por especial voto, defendendo aIgreja e a pessoa dele a risco da sua vida e dos seus bens, sendo j lana-dos antigamente fora de vrias provncias por obedecer e defender osPontfices, no esperava para eles; mas quando das suas Trevas vieram luz viram as cousas como estavam. Da a dois dias se lhes renovou estato amargosa dor do corao com a vista dos luminrios, que se fazi-am de noite em sinal da alegria da sua destruio; ficaram as portasabertas no tempo da ceia e por uma e outra clarabia viram este festim...

    Enfim sentiram os Padres mais aflio neste golpe do queem todos os trabalhos que tinham tido h tantos anos, e sobre tudo sen-tiram na alma os desacatos feitos a Deus nos seus templos aonde umpoder absoluto e desptico mandou cantar o Te Deum Laudamus no sem todo o Reino, mas tambm em todas as conquistas em ao de gra-as porque o papa lhe tinha dado o gosto de extinguir a Companhia,ao justamente censurada ainda dos maiores amigos do Marqus e ini-migos dos Padres. Foram obrigados os povos para que pusessem trsdias luminrias, o que se executou por todos no por vontade mas pelotemor da pena e violncia.

    Enfim aqui sentiu a alma aquele fatal golpe, que talvez amuitos acelerou a morte; isso o da extino da sua me, isso da reli-gio, que tanto amavam e por amor da qual tinham padecido e aturadotantos trabalhos, sofrendo antes quantas misrias e penas houvesse eainda a mesma morte de que larg-la por desejarem de ser no grande

    nmero dos homens ilustres, que ela produziu nos 233 anos que ela durou.

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    Tomasse-se de olhos vendados, ao acaso, qualquer dos muitos

    centos dos membros da Ordem de Loiola espalhados pelo mundo, efosse ele posto no lugar do Pe. Kaulen, suas expresses seriam as mes-mas, isto , um grito de desapontamento e um protesto contra a ingrati-do pontifcia.

    Roma cedia, diz-se, com medo de um cisma, como se paraevit-lo fosse preciso macular a honra dos mais valentes soldados queela possua, como se a honra no fosse o bem por excelncia, a riquezadas riquezas.

    Abolisse-os Clemente XIV, mas no sob os fundamentos queum Cardeal Saraiva ou um Bispo D. Miguel Bulhes apraziam-se emsubscrever para cortejar a realeza.

    Era que diante da vontade inflexvel do ministro portugus,enrgico mas terrvel ministro para quem o carrasco foi sempre o grande meio de

    governo5 curvavam-se todos, rei, fidalgos, plebeus.

    E que no dobrassem a cerviz...A estavam os cadafalsos de Belm, os massacres de Porto, os

    incndios como o da Trafaria, os cavalos a esquartejarem Joo Pele, opez ardente a consumir Malagrida.

    Negaram-lhe a mo de uma fidalga, estranharam-lhe as pre-tenses aos primeiros graus nobilirquicos, buscaram lavar manchas ati-radas honra de uma famlia respeitvel, pois que subam ao cadafalso eque as cinzas atiradas ao vento anunciem a vingana de um ministroonipotente.

    De que valiam os estrondosos servios prestados ptria nasterras longnquas da ndia? De que valiam a mocidade, a beleza, a fragi-lidade feminil?

    Porventura o tigre enraivecido escolhe o banquete, que devesaci-lo?

    Fugiam a fazer coro nas ovaes e nos panegricos ao ministro,que ofuscava ao rei, mantinham a doutrina da independncia de aes eda librrima manifestao de suas opinies, mesmo sendo contrriasquelas a que no punha placet o ministro ou que o prprio rei preferia,

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    5 Palavras de Pinheiro Chagas na sua Histria de Portugal.

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    pregavam a supremacia da Igreja, pois que sejam banidos, espoliados,

    tratados como malfeitores da pior espcie, e como necessrio iluminaro mundo com um exemplo, que se queime um ancio de quase 80 anospor heresiarca, idiota e impudico e que o inimigo da Igreja seja aponta-do como o guarda das leis e o defensor das doutrinas dela.

    Ao excesso do ridculo e do absurdo ajunta-se o excesso dohorror, exclamava Voltaire ao ler a monstruosa sentena.

    E nos braos daquele benemrito do Novo Mundo paraquem foram coroa do martrio as labaredas de infamante fogueira mor-

    rera um rei portugus!...Ah! Sebastio Jos de Carvalho foi um portugus eminente,de seu sculo o primeiro provam-no inmeros atos seus, provam-no aatitude, que assumiu ante as exigncias estrangeiras e a energia inque-brantvel, que desenvolveu por vezes diferentes em momentos angustio-sos, que a ptria atravessou, o terremoto por exemplo.

    admirvel sua hombridade perante o Gabinete de St. James,perante a Cria Romana seu esprito de uma sobranceria desusada.

    E tudo isso, que denunciava uma plena, inteira confiana emsua estrela de administrador e de poltico, porque ele soubera, entendidoem patriotismo, entesourar largos depsitos de numerrio e prontificartropas disciplinadas e aguerridas para os casos em que pela impotnciada diplomacia fosse mister recorrer sorte vria das armas.

    De outro lado, herico no terremoto de Lisboa, podendo-seafirmar que o horrendo cataclisma foi o pedestal em que firmou suagrandeza e valimento o protegido do Pe. Moreira, jesuta confessordel-Rei.

    Pombal, portanto, um grande portugus, o Richelieuportugus. Pode, porm, algum ser grande e ao mesmo tempo bom,severo e justo, enrgico e humano e Pombal foi a negao da humanidadee da justia, e comprazendo-se com os expedientes violentos noconheceu escrpulos de conscincia.

    Mas ns brasileiros em que conta podemos ter o ministro deD. Jos? Devemos endeus-lo? Denegrir-lhe a memria? Nem uma,nem outra cousa. Escrevendo uma tal concluso tenho por certo ir deencontro quase totalidade dos que a respeito tm-se manifestado den-

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    tro e fora do pas. Que importa, se a Histria, a mestra e a conselheira

    universal, garante os elementos para a minha convico? Demais, se nosou oposicionista por sistema, tambm no gosto de andar a aceitar opi-nies alheias, embora sedutoras, ou da moda, pelo simples fato de seremabraadas com simpatia por este ou aquele indivduo.

    No endeuso o ministro portugus por muitas causas:A Carta Rgia de 19 de junho de 1761 proibindo a cultura da

    cana no Maranho obra do Marqus de Pombal; a Ordem Rgia de 30de julho de 1766, obstando o desenvolvimento no Brasil das indstriasde ourives, fiadores de ouro, linhas de prata, sedas tecidas e algodes obra do Marqus de Pombal; a instruo de 30 de maio do 1751 enviadaa Xavier de Mendona sobre a introduo de negros escravos na capita-nia do Maranho obra do Marqus de Pombal, e se disserem-me queest assinada por Diogo Corte-Real, ainda assim no ficar salva a suaresponsabilidade por isso que no de Corte-Real mas de Sebastio deCarvalho a carta de 12 de maio de 1755 escrita sobre o mesmo assuntoe ao mesmo destinatrio; a extino dos jesutas para o Brasil significoua dissoluo dos ncleos dos indgenas, sua fuga para os bosques, sua

    explorao pelos brancos a comear dos clebres diretores, sem a com-pensao do ensino religioso, sem o decoro famlia que os missionri-os garantiam, sem a moralidade e o respeito social que ensinavam, e aextino dos missionrios foi obra exclusiva de Pombal.

    E os privilgios da pescaria das baleias? E as Companhias dePernambuco e Maranho contra as quais reclamou a Mesa do BemComum, o que valeu a seus membros o degredo para Mazago e outroslugares?

    Que benefcios realizou este homem que pleiteiem a seu favore atenuem o que fez de adverso ao desenvolvimento e ao bem-estar doBrasil?

    As Ordens Rgias de 6 e 7 de junho de 1755 e 8 de maio de1758?

    Mas o que elas encerram de bom, isto , a restituio aos ndiosda liberdade de suas pessoas, bens e comrcio, havia-o prometido D.Joo V a Malagrida, que para isso expe-se penosa travessia do Atln-tico tendo a felicidade de ouvir pelo monarca moribundo recomendadaa execuo daquelas ordens a D. Jos, seu sucessor.

    Notas para a Histria do Cear 183

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    Dos dois quem o benemrito, quem o protetor dos ndios, o

    pobre frade todo zelo, todo amor pelos infelizes sobre quem se exercitavatorpe especulao, ou o ministro que lavrava leis fitando no aqueles aquem iam aproveitar mas a inimigos seus, cuja queda elas iniciavam, cujaascendncia e valor moral aos olhos do ndio feriam e deturpavam?

    No compreendo certos desvios da opinio pblica, ou antesporque os compreendo tenho por certo que o tribunal da Histria noproferiu sentena definitiva sobre o valor real dos servios prestadospor Sebastio de Carvalho s colnias portuguesas e sobre a influnciapor ele exercida na vida econmico-financeira e social delas.

    O que ganhou a frica portuguesa com a expulso dos jesutas?Diga-o o povo portugus de hoje. Respondam as dificuldades com queluta o atual Portugal para garantir-se a posse dos seus territrios, queoutras naes pretendem avassalar. E o que no perdeu o Cristianismo,e o que no perdeu a civilizao desaparecendo daquelas terras inspitasos missionrios, que as conquistavam verdade vezes inmeras a trocodo prprio sangue?

    Nos meados do sculo XVIII perigava Portugal porque osjesutas missionavam a frica; nos dias de hoje suplica o rei dos belgasaos jesutas que saiam a civilizar o Congo e s obtm deles o favor rele-vante porque Leo XIII lhes impe que aceitem a importante comisso.

    O que lucrou o Brasil com a expulso dos jesutas? Cresceucom ela o nmero das aldeias? Cresceu o nmero dos ndios aldeados?

    No. Ao contrrio, as aldeias que havia foram sendo abando-nadas e em breve algumas estavam aniquiladas.

    Estudemos a questo com relao ao Cear, que o que maisnos deve interessar. Escolhamos uma poca bem prxima daquela emque Pombal expeliu os jesutas e ouamos uma testemunha ocular,Domingos do Loreto, escritor insuspeito.

    No captulo do Livro III dos Desagravos do Brasil e Glrias dePernambuco obra oferecida ao Marqus, captulo que tem por epgrafeRelao das Aldeias povoadas de ndios que esto situadas nas Capita-nias de Pernambuco, diz ele:

    As do Cear so as Aldeias dos Tramambs, Caucaia, Parangaba,Paupina, Paiacu no distrito da Vila dos Aquiraz, Palma na Ribeira do

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    Quixeramobim, Aldeia Velha na Ribeira do Quixelou, Aldeia do Miranda,

    Cariris Novos, e Aldeia da Serra da Ibiapava na Ribeira do Acaracu.Todas estas aldeias esto povoadas de inumerveis ndios devrias naes; muitas so povoaes bem ordenadas em suas ruas e pra-as. As igrejas suntuosas e bem ordenadas. Tem cada uma delas capi-to-mor com patente do Governador e capito-general, e divididos osmoradores em Companhias com seus capites e mais oficiais. So regi-das no Espiritual por clrigos e por religiosos, as que tocam as religiespor costume so isentas do Ordinrio. Algumas a que os Missionrios

    governam o Espiritual e Temporal, ficando os capites-mores s com onome, sem mais exerccio que fazer executar as ordens, que lhes do osPadres Regentes da Misso.

    A aldeia da Ibiapaba tem em si quatro diversas naes, asprincipais so dos Tobaiaras, e dos Tupis, e desta o Governador, Capi-to-Mor e Mestre de Campo cavalheiros do Hbito de So Tiago. habitada esta aldeia de mais de dez mil pessoas, e a sua milcia consta dedoze companhias, que se acham sempre prontas para tudo, que do

    servio de Deus, de el-Rei e do Estado, e a mesma prontido se acha emtodas as outras aldeias e naes.

    Consideremos agora o que aproveitaram os ndios do Cearlibertando-se do jugo em que gemiamno tempo dos jesutas, e j sob a pro-teo dos regulamentos pombalinos e direo dos chamados diretores edos procos.

    Comecemos a resenha pelos Paiacus, os menos rsticos detodos os ndios da Capitania e os que na escola faziam progressos mais

    considerveis, talvez por ser-lhes como que nativo o idioma portugus.A aldeia dos Paiacus, sita nas margens do rio Chor, teve o

    nome de Montemor-o-novo, mas no pde ser elevada por BernardoCasco categoria de vila ficando simplesmente como lugar porque pos-sua 122 casais e no os 150, que o 17 do Diretrio exigia.

    A ambio e a ganncia, porm, foram causa da remoo dessespobres Paiacus e da extino de Montemor-o-novo.

    Em fins de dezembro de 1762 chegava ali o diretor da vila de

    Porto Alegre, tenente-coronel Jos Gonalves da Silva, com uma pre-

    Notas para a Histria do Cear 185

  • 8/6/2019 Guilherme Studart - Notas Para a Historia Do Ceara - 04

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    catria assinada por Miguel Caldeira, e em virtude dela conduziu consigo

    ndios e tudo que lhes pertencia e a igreja do lugar.Como a mudana executou-se em tempo seco e imprprio,muitos morreram pelo caminho e perdeu-se e tresmalhou-se a maiorparte do gado.

    As terras dos Paiacus foram avaliadas em 150$, mas o coronelJoo Dantas Ribeiro arrematou-as por 250$ ostentando (e com ele oouvidor que presidiu ao ato) o grande servio que prestara dando porelas muito mais do que valiam. Dantas Ribeiro, porm, fizera negcio

    magnfico, o stio era o mais ameno e aprazvel da redondeza, de muitomaior valor e portanto obteria maior lance que os 250$, se no fora orespeito que tinham todos ao coronel, homem ardiloso, vingativo e degrande considerao por ser rico e amigo ntimo do ouvidor.

    Tratando dessa venda em uma sua carta de novembro de1766, diz Borges da Fonseca:

    H a comuam opinio de que o desejo das terras foi quemmoveu a intriga que ocasionou a mudana dos ndios Paiacus e a extino

    do lugar que se lhe havia criado, sendo na realidade o Coronel Joo deDantas Ribeiro s se aproveitou da ocasio e que quem moveu estamudana foi o abuso que fez o Tenente-Coronel Jos Gonalves daSilva, da sinceridade do Juiz de Fora Miguel Carlos Caldeira, valendo-sedo desembargo que lhe reconheceu de querer fazer vilas populosas paraatrair a sua de Porta Alegre, que fora a primeira das que criou esteministro, os gados e ornamentos da Igreja dos Paiacus que ao longefaziam grande vulto.

    As ruins paixes triunfaram, e os inFlixes ndios foram espo-liados.

    Mas a mortandade que experimentaram logo ao chegar a PortoAlegre, quer de enfermidades quer de fome, foi ainda maior, e lastimvel.Fugiram, portanto, para sua antiga residncia, como fizeram igualmentemuitas tribos do Rio Grande e Paraba. A estas conseguiu aconselhar eresolveu o governador Borges da Fonseca, mas no foi o tenente-coronelJos Gonalves da Silva to feliz com os Paiacus, de cuja reconduo

    fora incumbido.

    186 Guilherme Studart

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    E assim os pobres ndios sofriam o que nunca experimenta-

    ram durante o ominoso governo dos padres, falta de ptria, falta de ali-mentos porque as constantes mudanas impediam ou inutilizavam asculturas, falta de ensino, falta dos sacramentos porque o governo nega-va-lhes vigrio onde eles queriam estabelecer-se e eles recusavam ficaronde o vigrio assistia.

    Afinal a piedade de Borges da Fonseca deu-lhes guarida navila de Montemor-o-novo, ereta na serra do Baturit e distante 16 lguasde seu antigo stio.

    Esse quadro desolador seria peculiar aos Paiacus?Prouvera aos cus. Vai conhecer o leitor o estado de outras

    misses. Encarrega-se de descrev-lo o citado governador B. da Fonse-ca, o prprio que ordenou luminrias por 3 dias a todas as vilas da Capi-tania para festejar a extino dos jesutas:

    ...cuja resoluo seguirei tambm com os ndios Jucs, aosquais considero em maior desamparo espiritual e maior perigo de sedespergirem pelos matos por terem a sua antiga misso na freguessia de

    N. Sr do Carmo dos Inhamus, ltima desta Capitania pelo centro doserto que a divide do Piau; estes ndios se anexaram Vila do Crato;porm como todos os mais pouco tempo se detiveram nela porque fu-gindo se meteram aos matos pelos quais andaram perto de dois anos; oCoronel Manuel Ferreira Ferro por ordem minha os tem reconduzidocom muito grande trabalho sua antiga misso, esperanando-os com acriao de lugar que pretendem e no que os tenho mais seguros para se-guir o que V. Ex determinar; se o Coronel no usasse da sua indstria

    ainda hoje estavam no mato.Ainda achei outra Misso sem direo nem meios de se civi-

    lizarem. Esta a dos Tramambs situados a menos anos nas praias, vizi-nhas aos rios Aracati-au e mirim porque vivem a maior parte do anono mar como se fossem monstros marinhos sustentando-se somente depeixes e tartarugas em cuja pescaria so destrisimos.

    Tem sua bela igreja de pedra e cal das melhores e mais ricasdesta Capitania porque os antigos missionrios e vizinhos tiveram cuidado

    de fazer-lhe bom patrimnio.

    Notas para a Histria do Cear 187

  • 8/6/2019 Guilherme Studart - Notas Para a Historia Do Ceara - 04

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    Estes ndios se anexaram Vila de Soure, mas pouco tempo

    estiveram nela e fugindo uns para a sua costa, outros procuraram a daTutia da Capitania do Maranho ficando desta sorte deteriorado o seunmero com prejuzo daquela Marinha na qual, certamente, so necess-rios e teis. Teve o diretor ordem do Exm antesessor de V. Ex para osir reconduzir mas eles no quiseram obedecer, e se o Diretor teimafogem todos para Tutia e dando disto parte teve em carta de 10 deagosto de 1761 a resposta seguinte: no que respeita renitncia quemostraram os poucos Trambabs que V. M., achou no stio da sua antigaresidncia em se unirem a essa Vila como verificam as certides que memandou andou V. M. muito bem em os no violentar maiormente quandoo Dr. Juiz de Fora na ocasio em que chegar ao distrito em que os mes-mos esto atendendo ao seu limitado nmero no deixar de os fazerconduzir quela povoao ou Vila que entender mais convenienteagreg-los por conta do interesse dos mesmos e em execuo das reaisordens como tenho praticado a respeito de outros.

    E como o Dr. Juiz de Fora nunca veio nunca mais se falounestes ndios aos quais achei no maior desamparo; compadecido deles,vendo a bela vivenda daquele stio, a impossibilidade de viver aquelagente em outro e a convenincia que nestes ndios tem aquela costa lhesmandei um cabo-de-esquadra deste presdio em quem tenho reconhecidocapacidade e prudncia para que os dirigisse, e um soldado de boasletras e de bons costumes para que admitisse os meninos a ler e a escre-ver. Vila da Fortaleza de Nossa Sr da Assuno a 9 de novembro de1766.

    No edificante esta descrio das felicidades do ndio cea-rense? Pois no se v como crescia o nmero deles e como progrediamas localidades?

    O leitor vai apreciar ainda mais. Percorra a correspondnciado Ouvidor Avelar de Barbedo na administrao do sucessor de Borgesda Fonseca. Ento o despotismo e a avareza exerceram-se contra ondio desbragadamente e... impunemente. Pois no foi por estes temposque o diretor da Real Vila de Arronches retirou da escola e vendeu 41meninos ndios e ndias segundo um atestado firmado a 1 de outubro

    de 1786 pelo tabelio e professsor Nicolau Correia Marreiros?

    188 Guilherme Studart

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    No isso horroroso? E de algum jesuta disseram alguma

    vez que se entregasse a tal trfico? No, mas disse-me, como dir-se- emtodo o tempo, que os Jesutas lutaram sempre pelo filho da floresta con-tra o colono ladro de sua liberdade.

    E os ruins tratos, as violncias, os despotismos exercidos con-tra o ndio cearense no ficavam nele to-somente.

    O Cear no era a zona maldita no vasto pas da proteo edo amor ao ndio. No, por todo o Brasil o colono foi o mesmo, isto ,o homem do ganho e das exploraes de todo gnero em desproveitodos primitivos habitantes.

    No preciso para provar a minha tese arredar-me muito doCear. Ser o Maranho, a Capitania por tantos anos governada peloprprio irmo de Pombal, Francisco Xavier de Mendona Furtado, quenos vai dizer que o ndio lucrou libertando-se do governo dos seus mis-sionrios.

    Com que documentos provar isso? So eles tantos que ficoperplexo na seleo. Vou escolher um e basta. Ser a representao deJos Demtrio Gonalves Pereira, o Principal dos ndios da vila de Via-

    na. documento um pouco extenso, mas encerra uma como sinopsedos agravos, que padeciam aqueles infelizes e por isso no recuo dianteda sua transcrio:

    Senhora. Nesta Capitania h um cofre ou uma tesouraria aque do o nome do Comum dos ndios, a qual sendo erigida para obenifcio destes, se tem voltado hoje em runa deles e utilidade dos seusopressores, e sendo eu (como Principal que sou dos ndios da Vila deViana desta Capitania) tambm participante da desgraa deles vou pr

    na presena de Vossa Majestade o seguinte:No tempo em que o Brigadeiro Joaquim de Melo e Pvoasgovernou esta Capitania, ordenou nela que os rendimentos das roas emais fbricas do Comum dos ndios de cada vila ou lugar destes se reco-lhessem a um cofre para isso destinado, e que dele se tirassem os respec-tivos jornais dos ndios, que trabalhassem nas mesmas roas e fbricas doComum, regulado pelo lquido da respectiva colheita: deixando-se semprede cada lquido uma poro no mesmo cofre, que era para delas se com-prarem ferramentas e outras necessrias cousas para as manufaturas dosmesmos ndios. Este justssimo e santo regulamento daquele bom

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    Governador cujo nome sempre ser eterno na nossa lembrana se prati-

    cou por todo o tempo daquele Governo sendo esta prtica deduzida dadisposio do Diretrio dos mesmos ndios.Seguindo-se o tempo, se aumentou na dita Tesouraria uma

    crescida soma de mil cruzados por que morrendo muitos dos respecti-vos ndios que tinham trabalhado para formar aquele monte, e desertan-do destes muitos mais para fora da Capitania e para os matos deixaramos seus bem merecidos jornais por cobrar parando todo aquele dinheirono respectivo cofre, formando-se com ele a grande soma de muitos milcruzados, nem se utilizam deles os herdeiros e parentes dos ndios mor-tos e fugidos, que com os seus trabalhos os adquiriram, nem os ndiosdas respectivas povoaes, e antes exaurindo-se o dito cofre e divertin-do-se aquele dinheiro para outras partes a ttulo de emprstimo, feitoaos inimigos e opressores dos mesmos ndios, vemos que estes s traba-lharam e trabalham para alimentar aos mesmos, que os perseguem.

    Os restos destes infelizes ndios, que deviam existir nos seusrespectivos domiclios, vivem sem instruco, algum no passando o seuvesturio de uma camisa e um calo de pano grosso de algodo que o

    seu comum traje ( exceo de uns poucos dos seus oficiais) vivem ge-mendo debaixo do mais rigoroso jugo que ainda entre a barbria no otiveram igual. A um Jos Maralino Nunes e a Lus Lecont, criados doGovernador e Capito-General existente, so dados aos centos para tra-balharem nas suas grandes roas e manufaturas pelo diminuto salrio dequatrocentos ris por ms, fazendo-se para esse fim descer dos sertesda Parnaba e Tutia muitos dos sobreditos ndios, alm dos que lhesdo dos das povoaes vizinhas a esta cidade, resultando disto as deser-

    es destes, originadas da inquietao, trabalhos, castigos e desgostosem que todos vivem.Os seus inocentes filhos so repartidos pelas pessoas que esto

    no agrado de quem os reparte, e sem terem outra instruo mais queno seja a que lhe d o rstico exerccio de pescar no do esperanasde terem em tempo algum nem a cincia dos Dogmas da F e da Reli-gio para poderem conhecer a Deus e conseqentemente salvarem assuas almas, nem que algum dia sero hbeis para o servio da Repblica:Servindo estas tiranias to-somente para os fazer sepultar cada vez maisno abismo da barbaridade, porque desertando os mesmos infelizes e

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    entrando-se nos matos, amedrontando-se igualmente os pagos que

    vivem nestes, escolhem por melhor a desgraa de residirem infelizmentenas entranhas dos mais speros desertos, de sorte que a minha vila seacha quase despovoada e vai crescendo esta desgraa de dia em dia por-que tanto os ndios meus sbitos como os alheios j no podem sofrertiranias e injustias.

    As suas donzelas e menores filhas so tiradas da tutela para irservir nas mais vis ocupaes dos seus protegidos, e entregues incau-tamente com desprezo sua vil laborao sem mais instruo nemeducao alguma, por dilatados tempos fora de seus pais e da sua povo-ao; e aparecendo depois defloradas, desonestadas, sem doutrina e ig-norantes ainda das Oraes mais comuns entre os Cristos, choram osseus desgraados pais as suas desgraas.

    As ndias casadas so separadas de seus maridos para foradas povoaes, e passando ao servio dos mesmos protegidos, quandoos seus maridos vo para outros, recolhem-se depois de largos temposdesonestas, e por isso repudiadas dos mesmos maridos; e eu com m-goa contemplo estes sucessos sem lhes poder dar remdio.

    As terras, que pertencem minha povoao e que VossaMajestade, por virtude da Lei de 7 de junho de 1755 mandou que se ad-judicassem a cada povoao dos ndios, so tomadas e possudas pelosoutros moradores no ndios, os quais escolhendo as melhores e man-dando indevidamente aos ndios para as terras inteis e incapazes deculturas, os pem na preciso de lamentarem a sua maior desgraa, poisse recorrem ao general existente deste Estado, este lhes no difere antesfavorece aos que perseguem os ndios, que s tiveram proteo no tem-

    po em que foram governados por Joaquim de Melo e Pvoas.Enfim, Senhora valha-nos V. Maj. pois no tempo presentetudo neste Pas tirania e opresso sobre opresso; de tal sorte que aindaque um ndio ache pessoa, a quem trabalhe por jornal, que corresponda sua exceo, no lhe permite, porque a fora h de ser obrigado a irpara o servio de Jos Maralino Nunes e de Lus Lecont, criados doGeneral, e para o de Manuel Alberto Colao, seu Ajudante-de-Ordens,pelo diminuto salrio de quatrocentos ris por ms, bem como sucedeao presente com uns, os quais tendo-se contratado com Lus AntnioFerreira de Arajo a lhe trabalharem pelo preo de cento e vinte ris por

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    dia, alm do sustento, foram por isso presos em calcetas, e depois dene-

    gados ao mesmo Lus Antnio, e depois disso foram para o servio dosditos patrocinados vencer o diminuto salrio de quatrocentos ris porms, que a treze ris por dia.

    Estes tristes acontecimentos tm sido a ocasio de vermosdeturpadas as povoaes, maiormente a de que eu sou Principal, que ada vila de Viana, porque como exasperados se ausentam, o que emprejuzo do pblico; e porque eu como Principal dos mesmos ndios souparticipante de todas estas tiranias, ao que minhas foras no podem re-mediar, ponho na presena de V. Maj. com a mais profunda humildade,

    venerao e respeito os sobreditos acontecimentos. Maranho a 18 dejulho de 1782, Jos Demtrio Gonalves. Principal.

    Mas esse Principal, digo eu, podia bem ser um despeitado.No mentiria ele? Sua vida e dos seus subordinados no seria muito ou-tra que no a que ele pintava nessa representao? Nem por sonhos, e seno o Desembargador Procurador da Fazenda no lavraria um despa-cho em que reconhece a existncia de todos os agravos mencionadosnela.

    Conheo que com os ndios se praticam injustias que cadavez os afastam mais, e em lugar de os acarear os afastam e afugentam;alm de bastar a experincia para assim se conhecer, nesta conta se refe-rem algumas que assim o persuadem. Uma delas a obrigao que sepem aos ndios de servirem a quem eles no querem e sem mais ajusteque o de um pequeno salrio: esta obrigao mais efeito de cativeiro deescravo que de homem livre, e a isto necessrio ocorrer, e me parecepode ser pelo meio de se ordenar ao Governador que no deve praticar

    dar por este modo os ndios, que se ocuparem na sua prpria lavoura ouque esto prontos a servir por aquele que seja conveniente, como meparece o de 120 rs. por dia.

    Da mesma forma se lhe deve ordenar no obrigue a servir asmulheres contra vontade de seus maridos, nem aos filhos e filhas, queesto naquela idade em que se lhes deve ensinar a Religio, e a aprende-rem a doutrina, s se seus pais para este mesmo fim os quiserem emalgumas casas em que os ensinem.

    Aos outros escravos, que no estiverem ocupados, e que fo-rem to inbeis que no tenham gnio para se ajustarem, e for necess-

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    rio que os obriguem, se poder fazer porm por tempo limitado e de

    sorte que no fique o trfico da sua terra arruinado e sem a necessriacultura.Nestas circunstncias, e fazendo-se estas cautelas que no

    so contrrias antes se conformam com o Diretrio poder melhorar acondio dos ndios e podero eles conhecer que so homens livres, eevitar-se a sua fugida e desero; e assim se deve recomendar eficazmenteao Governador que pratique estas regras, mandando-se a este Principala cpia desta ordem para que ele informe se ela se observa, e se ela bastaa conter e conservar os ndios.

    Ser tambm conveniente lembrar ao Governador que nofavorea de tal sorte aos seus criados e oficiais que no ofenda a eqida-de e a justia, o que d causa a estas queixas.

    Curiosa a brandura de linguagem desse desembargador diantedos sofrimentos dos pobres escravos. Escravos chamou-os ele. E eram.Mas o domnio jesutico j havia passado. Em todo o caso o Procuradorda Fazenda reconheceu verdadeiras as injustias dos protetores. Veja-mos outro despacho. Agora vai manifestar-se o relator do Conselho de

    Ultramar acerca da representao de Gonalves Pereira: certo que a tirania, a falta de caridade e as opresses com

    que so tratados os ndios so os motivos das deseres e de se atenua-rem as povoaes habitadas por eles. necessrio pronta e prudenteprovidncia em todas as partes desta representao para que se evite adesordem, a impiedade e a corrupo, para que se argumente com adoutrina e com as instrues nos ndios a Religio catlica, haja virtu-des, sendo bem morigerados e para que se apliquem as artes, as culturas

    e a civilidade. Quanto relata na conta este Maioral da aldeia ou vila deverossmil. necessrio ordenar-se que no se d jornal a ndio algummenos de cento e vinte rs. por dia conforme o regular costume do pase da mesma sorte que recebem os escravos e pretos jornaleiros, quandono versa a fora e o despotismo. Que no sejam obrigados por coaoa servir a pessoa alguma seno por espontnea conveno. Que asmulheres e filhas no sejam extradas dos maridos e dos pais. Se elasquiserem livremente assoldar-se, o faam de livre vontade e sejam emtudo e por tudo como so os mais vassalos livres de S. Majestade. Quehajam mestres para a mocidade de ambos os sexos. O dinheiro produto

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    em trocar senhores, que ao menos lhes garantiam alguma cousa, por

    senhores, que tudo lhes roubavam?To boa foi a reforma de Pombal, tanto ela favorecia os habi-tantes das aldeias e consultava-lhes os interesses que ao findar o sculoXVIII at aquelas aldeias que estavam prximas a Fortaleza (Parangaba,Caucaia e Paupina) eram um monto de runas, como declara Bernardode Vasconcelos em um dos seus relatrios.

    que o amor ao ndio mascarava o dio ao jesuta. que a civilizao, em cujo nome a luta se feriu e que era o

    fim aparente, pouco poderia aproveitar, porque j havia produzido seusfrutos o fim real, isto , a libertao da colnia da influncia sacerdotal,mas sacerdotal pelo modo por que a Ordem de Loiola sabia preparar epr em prtica, a vitria do regalismo, o predomnio da indiferena emmatria religiosa, e portanto alcanado o fim real, nem mais se cogitoudo ndio.

    O golpe dado Ordem de Loiola em Portugal foi transmitidoe teve uma execuo nas colnias como seu autor nunca sonhara.

    Abundavam nelas os instrumentos, uns por terror, outros pordobrez de nimo, estes para conquistar as boas graas e obter portantoos postos ou as propinas que almejavam, aqueles por vindita ou cupi-dez. A maior parte por fraqueza de carter. O clero ento, esse foi deuma complacncia pelo vencedor e de dio aos proscritos verdadeira-mente dignos de nota. Uma exceo o Arcebispo da Bahia, que por issomesmo para no morrer fome mendigava o po. Castigo do marqusao sacerdote virtuoso, que no soube encontrar vcios nos homens, queo governo assentara perder.

    Obtidas do Pontfice quantas concesses quis Pombal, lavra-dos quantos decretos e ordens rgias lhe aprouve, s restava serem exe-cutadas.

    Vejamos numa smula como as cousas se passaram no Brasil.No Maranho e Par encarregou-se da tarefa, e com que ardor

    fcil compreender, o prprio irmo do marqus, Francisco Xavier deMendona Furtado, que, naturalmente para ir habituando-se, j haviadesterrado em 1755 os Padres Hunderpfundt, alemo, Teodoro da Cruze Antnio Jos, portugueses, e no ano seguinte outros dois, o missionrio

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    Manuel Ribeiro e o Padre Aleixo Antnio, o notvel pregador nas ex-

    quias de D. Joo V.Para o Esprito Santo seguiram o desembargador Joo Pedrode Sousa de Sequeira Ferraz, o escrivo Jos Pereira de Brito e tantossoldados quantos o Conde de Bobadela julgou suficientes contra os 6professos, 10 leigos e 2 novios, que l havia e que a 4 de janeiro de1760 saam porto afora em demanda de Lisboa.

    Na Bahia as cousas foram feitas de modo a alarmar a populao.A 7 de janeiro de 1760 entrava na barra um navio trazendo

    sinal do Vice-Rei, apesar do ento existente D. Marcos Conde dosArcos estar governando a contento geral e no haver dado ao ministromotivos para acreditar que ele fosse infenso sua poltica. Era que oConde dos Arcos tinha o carter muito alevantado para servir de dctilinstrumento nas mos do governo, como provou ao depois, valendo-lhesua sobranceria desgostos cruis. Vinha, com efeito, um sucessor, oMarqus de Lavradio e com ele um novo coronel, porque da interpreta-o falsa de um tpico de uma carta do que l estava sups o governoou fingiu supor que a tropa estava disposta a garantir os padres e a im-pedir que fossem retirados.

    Gomes de Andrade logo que teve notcia das ocorrncias noReino prendeu os padres de sua Capitania consignando-lhes a diria detrs tostes.

    O governador e capito-geral de Pernambuco cercou os col-gios de Olinda e Recife e encarcerou seus habitantes, mandando darpara sustento a cada um a quantia de 100 ris por dia.

    Para o Cear e Rio Grande do Norte, de acordo com esse go-vernador e por escolha do ministro, foi encarregado de levar a efeito asmedidas de salvao pblica o Desembargador Bernardo Coelho daGama Casco.

    O leitor vai entrar no conhecimento das instrues de que eleveio munido para a execuo do seu papel fazendo a leitura destes muitointeressantes documentos:

    Pela cpia da Carta Instrutiva que nesta ocasio escrevo aogovernador e capito-general dessa Capitania e papis que ela acusa ficarvossa merc entendendo o que Sua Majestade tem determinado quanto

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    a comisso de que o encarregou pela Carta Rgia tambm junta, a que

    tudo vossa merc far dar execuo com aquela circunscrio e ativida-de que o mesmo Senhor de vossa merc espera. Deus guarde a vossamerc. Belm a quinze de setembro de mil setecentos e cinqenta e oito.Senhor Bernardo Coelho da Gama Casco. Tom Joaquim da Costa Cor-te-Real.

    Carta Rgia. Eu el-Rei fao saber a vs Bernardo Coelho daGama Casco Ouvidor de Pernambuco que sendo to antiga como estesmeus Reinos a proibio de adquirirem bens de raiz as comunidadesEclesisticas que foi vigorosamente citada na Ordenao do livro segun-do ttulo dezoito, e depois dela no s no alvar de trinta de julho de mile setecentos e onze pelo qual se ordenou que os corregedores das co-marcas e os provedores nos lugares onde eles no entram fizessem nestamatria um rigoroso exame obrigando os mesmos eclesisticos a mos-trarem as Licenas Rgias com que possuam os bens de raiz de que es-tivessem de posse e que aqueles que achassem possudos sem elas os to-massem para a Coroa com a pena de que no o fazendo os referidos mi-nistros as ditas diligncias se lhe desse em culpa, mas tambm na provi-

    so de treze de agosto de mil e seiscentos e doze e noutro alvar de vin-te e trs de novembro do mesmo ano: E apertando as razes da necessi-dade pblica que fundaram as referidas leis muito mais indispensavel-mente no continente do Brasil para remover os que a ele passam comomissionrios de se entregarem cobia de adquirirem e acumularembens temporais com prejuzo e escndalo pblico abandonando paraisso o apostlico fervor com que deviam empregar todo o seu desvelona converso e salvao das almas. Em resoluo de cinco de dezembro

    de mil seiscentos e oitenta e quatro tomada sobre consulta da Mesa doDesembargo do Pao e do Conselho Ultramarino foi determinado peloSenhor Rei Dom Pedro II, meu Sr. e av que em todos os domnios ul-tramarinos se executassem irrefragavelmente as sobreditas Leis eOrdens com as mais que at ento se tinham promulgado e expedidosobre esta matria: E porque no s no tiveram ainda execuo as so-breditas leis e ordens mas todas as mais que depois daquele tempo se re-quereram foram sempre frustradas com a perniciosa conseqncia de sehaverem os Religiosos da Companhia de Jesus internado pelos sertesdo mesmo continente arraigando-se nele o clandestino domnio no s

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    das terras aonde entravam mas at, o que mais , dos mesmos ndios ha-

    bitantes delas, como se os homens livres pudessem estar no comrciopara serem possudos como escravos contra as disposies de direitonatural e divino, como se os sobreditos ndios pudessem ser espoliadosdo domnio que nas mesmas terras lhes tocavam como naturais e pri-meiros habitantes e ocupantes delas, e como se ainda as outras terrasque se achassem legitimamente possudas por vassalos meus civilizadospudessem passar aos mesmos religiosos sem licena especial minha coma expressa declarao e taxao das certas somas ou importncias dosbens nas sobreditas licenas facultadas: acrescendo a tudo outros aindamaiores e mais escandalosos absurdos com que os sobreditos religiososse tm prostitudo e secularizado pela animosidade que neles influramaquelas clandestinas e reprovadas usurpaes para nelas se levantaremcontra os meus governadores e ministros com tantas, to repetidas e toinveteradas perturbaes do sossego pblico dos meus vassalos que jno pode dispensar a minha Rgia autoridade da eficaz proteo comque devo mant-los em justia, em paz e em sossego. Em consideraode tudo o referido sou servido que logo que chegardes a Pernambuco

    faais intimar a todos os prelados de cada um dos Colgios, casas, resi-dncias e quaisquer outros lugares aonde tiverem habitao os ditos Re-ligiosos da Companhia que no termo dos primeiros vinte dias depois daintimao que lhes fizerdes por carta feita pelo escrivo do vosso cargoe por vs assinada hajam de exibir perante vs as relaes dos bens deraiz que cada um dos ditos Colgios, casas, residncias e lugares tiveremsua posse ainda que seja debaixo do pretexto de administrao de cape-las sem para isso haverem precedido Licenas Rgias concernentes a

    cada um dos referidos bens com a taxao da sua importncia: E istocom a cominao de que no exibindo as ditas Licenas no referido termoprocedereis como logo deveis efetivamente proceder a irremissvelseqestro naqueles bens de raiz em que o no achares feito por virtudedas minhas antecedentes ordens, o que se entende a respeito dos ditosbens possudos sem faculdades rgias expedidas na forma da ordenaodo reino com a expresso dos valores por ela facultados. Porm ainda arespeito destes bens possudos com faculdades rgias deveis examinarcom toda exatido se se acham nos Limites que foram permitidos paraos conservardes no domnio dos referidos religiosos ou se foram ampliados

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    com aquisies no facultadas para tomardes para a minha coroa aque-

    les em que se verificar o excesso reprovado pelas sobreditas leis e or-dens, sendo os ditos bens situados nos sertes e aldeias de ndios quenovamente se devem erigir em vilas e lugares com vigairarias providasna forma das minhas ordens em clrigos seculares; depois de estabele-cerdes a casa da residncia do Vigrio com os seus competentes passaisde acordo com o Bispo daquela Diocese repartireis as terras que resta-rem pelos ndios e habitantes das referidas vilas e lugares tambm deacordo com o governador e capito-general daquelas Capitanias e como mesmo bispo, vencendo-se pela pluralidade dos votos qualquer dvidaque haja sobre as pores desta repartio para que se no suspenda oefeito dela at se me dar conta para eu resolver o que julgar mais conve-niente segundo a exigncia dos casos. Os prdios urbanos e mais benssituados nos subrbios e lugares adjacentes capital e mais terras notveis,depois dos seqestros que neles houveres feito, sero administrados atsegunda ordem minha pelos seqestrrios que em junta com o mesmobispo e governador se julgarem mais idneos, dando-me conta das pro-priedades e da importncia dos rendimentos anuais do que produzir

    cada uma delas para eu ordenar o que me parecer oportuno o que tudoexecutareis nesta conformidade no s na Capitania de Pernambucomas em todas as mais pertencentes quele Governo com o zelo e ativi-dade que de vs confio e requer de sua natureza uma diligncia em quetanto se interessa o servio de Deus e meu, como o bem comum e sos-sego pblico dos meus vassalos que habitam nas referidas Capitanias,sem admitirdes recurso algum que no seja devolutivo e imediatamentereservado para a minha Real pessoa com inibio de todos e quaisquer

    ministros e de todos quaisquer tribunais, e para escrivo desta comissonomeareis a pessoa que vos parecer mais capaz e lhe dareis o juramentono sendo oficial de justia, o qual hei por bem que tenha f e em juzoe fora dele, em tudo o que e de ordem vossa escrever. Escrita em Belma quatorze de setembro de mil e setecentos e cinqenta e oito. Para Ber-nardo Coelho da Gama Casco, Ouvidor de Pernambuco. Subscrito daordem Real Por el-Rei. A Bernardo Coelho da Gama Casco, Ouvidor dePernambuco.

    Carta Instrutiva. Sua Majestade me manda remeter a V.Exa as Cartas Rgias que constam da relao inclusa, as quais V. S deve

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    guardar no mais inviolvel segredo at a hora em que as for dando a sua

    devida execuo pela ordem que abaixo direi.Antes de tudo preciso que V. S confira com o ReverendoBispo dessa Diocese e com o Ouvidor dessa Capitania o Bacharel Ber-nardo Coelho da Gama Casco que embarca na presente frota sobre oauxlio que tem ordem do dito senhor para dar ao mesmo prelado emtodas as matrias pertencentes a subdelegao que o mui Rmo. CardealSaldanha, eleito Patriarca de Lisboa, fez na pessoa do mesmo bispo parareformar na sua Diocese os abusos em que nela se tem deslizado os Re-ligiosos da Companhia de Jesus principalmente pelo que pertence aocomrcio defendido pelo direito Divino e cannico e pelas constituiesApostlicas que vo referidas no mandamento de Sua Excelncia ajus-tando-se o tempo cmodo de se executar o referido com todo o acertoe com o mesmo recato que aqui se praticou.

    Logo que o mesmo Reverendo Bispo houver intimado a suasubdelegao aos ditos Religiosos para o reconhecerem por seu refor-mador, que lhe houver tambm intimado com interpolao de algum diao dito Mandamento e que depois daquela intimao se tiverem espalha-

    do nessa capital os exemplares do mesmo mandamento que couber depossvel se passar a fazer-se aos ditos Religiosos pelo mesmo Reveren-do Bispo a notificao para sarem das Misses e se introduzirem nelasos procos do hbito de S. Pedro na conformidade da Carta Rgia queS. Maj. como Governador e Perptuo Administrador das ordens milita-res dirigiu ao mesmo, a qual ser til que da mesma sorte se publique apor cpias manuscritas ajuntando-se a elas em figura de adio, que pa-rea feita nessa capital, a Alegao das Bulas Pontifcias e Doutores

    que provam os fundamentos da sobredita Carta ou que os Religiosos daCompanhia de Jesus no podem conservar-se nas misses administran-do como Procos os sacramentos aos ndios logo que fossem nomeadosos clrigos seculares. E como a este tempo recorreram verossimilmenteos sobreditos Religiosos, como seu costume, a idia de se fazerem for-tes com os ndios no caso em que assim suceda por uma parte dar V. Sao bispo todo o ilimitado auxlio que necessrio for para efetivamente seestabelecerem nas Misses como os Procos, os clrigos seculares e pelaoutra parte far V. S publicar nessa capital e em todas as vilas e aldeiasdos sertes dessas capitanias o Alvar de oito de maio do presente ano e

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    as leis de seis e sete de junho do ano de mil setecentos e cinqenta e

    cinco, que estabelecem a liberdade das pessoas, bens e comrcio dosreferidos ndios e o seu governo civil reduzindo-se as aldeias que eleshabitam a vilas e lugares da jurisdio real e cessando o governo temporalque at agora exercitaram os ditos Religiosos to indevida e ilicitamentecomo se manifesta do que a este respeito constar do mesmo papel queacompanha esta.

    Todos os incidentes que ocorrerem na execuo destes im-portantes negcios se decidiro pronta e oportunamente por V. S epelo Bispo dessa Diocese na conformidade das cartas Rgias que se lhesdirigem sem algum outro recurso mais que o que for imediatamenteinterposto para a Real pessoa de S. Maj. sem suspenso dos procedi-mentos que V. S o mesmo Reverendo Bispo tiverem para que no paremto considerveis estabelecimentos. Esperando o mesmo Senhor quenestas circunstncias no haja a menor dilao do que houve nas Capi-tanias do Gro-Par e Maranho com restituir a administrao dossacramentos aos clrigos seculares a quem toca na forma do DireitoCannico e Bulas Apostlicas estabelecer a liberdade das pessoas, bens e

    comrcio e Governo temporal dos miserveis ndios.Enquanto estes considerveis estabelecimentos se no acharem

    inteiramente feitos, manda S. Maj. prevenir a V. S que se no deve passar aalgum outro procedimento antes se devem guardar em um inviolvel segre-do os mais que vo determinados pelo dito senhor para serem executadospelo Ouvidor Bernardo Coelho da Gama Casco na forma da Carta Rgiade que a esta ajuntareis a cpia sem deles transpirar cousa alguma.

    Depois de se acharem os ditos estabelecimentos consolidados,

    os clrigos seculares na posse das igrejas e os ndios nas das suas referidasliberdades com os seus respectivos Magistrados para os governarem, serento oportuna a diligncia de que vai encarregado o dito ouvidor.

    Para aquele caso manda S. Maj. prevenir a V. S que os Reli-giosos da Companhia de Jesus contra as leis primordiais deste Reino enele sempre renovadas desde a sua fundao at agora se devem reduziraos bens de raiz que so somente aqueles que fizeram objeto das referidasleis. Os bens mveis dos ditos Religiosos no podem nunca estar sujeitos jurisdio Real, so porm subordinados jurisdio espiritual doReverendo Bispo por dois princpios certos, os quais so os seguintes:

    Notas para a Histria do Cear 201

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    As alfaias do ornato e servio das igrejas so das mesmas igrejas aonde

    se acham; delas no podem ser extradas sem roubo manifesto e sacrlegopelos slidos fundamentos que vo referidos na carta Rgia dirigidasobre esta matria ao Reverendo Bispo o qual por isso pode e deve coibiraqueles sacrilgios pela sua jurisdio ordinria que V. S deve auxiliarcom toda a eficcia.

    Os outros bens semoventes e mveis que se acharem nas re-sidncias, engenhos e fazendas como pretos, escravos, bestas, taixos, cal-deiras, e outros semelhantes, so todos produtos do comrcio ilcito quetm feito os tais Religiosos e sendo lucros do seu comrcio se achammandados seqestrar nas Bulas Pontifcias, que vo expressas no man-damento de S. Ex a favor dos pobres das enfermarias dos hospitais edas mais aplicaes declaradas nas referidas Bulas, em cujos termos temo Reverendo Bispo dois ttulos legtimos para seqestrar e repartir estesbens, um como delegado da S Apostlica para a execuo das penas ir-rogadas pela referidas Bulas, outro como ordinrio a quem as mesmasBulas cometem a tal execuo.

    Sobretudo manda S. Maj. participar a V. S que a notcia do

    mesmo Senhor tem chegado que os ditos Religiosos acumularam aosexcessos que tm cometido nesse estado o absurdo de fundarem neleuma nova provncia chamada do Rio de Janeiro que desmembraram daBahia sem pedirem faculdade Rgia, e o que mais sem que ainda depoisdeste fato fizessem dele sabedor ao mesmo senhor antes o tm recatadosempre de S. Maj. como esto praticando ainda nesta hora. E sendo im-praticvel a tolerncia de uma to grande liberdade o mesmo senhorservido que V. S imitao do que se tem praticado nesta corte mande

    inibir ao Provincial e mais Religiosos da Companhia de Jesus dessasCapitanias de irem sua presena declarando ao mesmo tempo ao ditoProvincial que no reconhece nem reconhecer nunca o outro Provincialclandestino e chamado do Rio de Janeiro enquanto S. Maj. recorre SApostlica sobre esta matria e ao Governo do mesmo Rio do Janeiro seavisa para fazer sair daquela Capitania o tal chamado Provincial e quenem ele nem outro que o substitua sejam reconhecidos enquanto noconstar que o foram por S. Majestade.

    Porque a experincia do sucedido no Maranho mostrou queentre os ditos Religiosos costuma haver alguns revoltosos e perturbadores

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    do sossego pblico para o caso em que assim suceda nessas Capitanias

    ordena S. Maj que V. S faa sair delas na primeira frota para este Reinotodos e cada um dos ditos Religiosos que tomarem a referida liberdadecomo se praticou no Gro-Par e Maranho com o vice-provincialFrancisco de Toledo e com diferentes dos seus sditos, o que se entendeno caso em que primeiro no haja assim executado o Reverendo BispoReformador. O mesmo senhor servido outrossim que V. S faa sairdessas Capitanias todos os Religiosos da Companhia estrangeiros quenelas se acharem ou seja nas cidades e vilas ou sertes sem exceo dealgum obrigando-os a embarcar-se na primeira frota fazendo-o primeiro

    saber ao Reverendo Bispo como tal reformador que a introduo dosReligiosos estrangeiros no Brasil alm de ser apartadamente proibidapor ordens repetidas dos senhores Reis deste Reino tem mostrado a ex-perincia que de to perniciosas conseqncias como provaram asperturbaes, que os mesmos religiosos estrangeiros tm feito no Mara-nho e Paraguai. Deus guarde a V. S. Belm, 14 de setembro de 1758. Tom Joaquim da Costa Corte-RealSr. Lus Diogo Lobo da Silva.

    Munido das instrues precisas partiu o Ouvidor a seu desti-

    no trazendo em sua companhia escrivo e meirinho.Como possuo um muito interessante documento, a descrio

    da viagem que eles fizeram do porto de Recife at o Cear, no queroprivar o leitor de conhec-lo. o roteiro do Piloto Manuel Rodriguesdos Santos, piloto da sumaca Nossa Senhora da Graa, Santo Antnio e

    Almas, que transportou Bernardo Casco ao Cear.Para no tirar-lhe qualquer valor, pblico por extenso esse

    indito. Antes porm devo ajuntar que como complemento a aquelas

    instrues, cujo maquiavelismo salta aos olhos do leitor mais inocente, oGovernador Lus Diogo Lobo da Silva por seu lado expediu despachosa chefes ndios influentes e s diversas autoridades do Cear a fim deprodigalizarem ao Ouvidor Gama e Casco todos os auxlios de que por-ventura carecesse no desempenho de sua misso. So estes os principaisdespachos:

    Como o Des. e Ouvidor-Geral desta comarca BernardoCoelho da Gama e Casco vai aos novos estabelecimentos das aldeiasque administram os Religiosos da Companhia que S. Maj. Fidelssima foiservido encarregar-lhe, e lhe pode ser preciso fazer alguma despesa para

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    completar sem que se no possa participar a sobredita necessidade pela

    distncia o no permitir e ser conveniente se no demore esta diligncia:Ordeno a V. Merc concorra com o que o dito ministro lhe pedir com oconducente e indispensvel ao fim que se procura para deste modo seconcluir com a brevidade precisa o recolher-se o mesmo ministro e acudiras urgentes e laboriosas ocupaes do seu lugar, mandando-lhe o referidorelao por onde conste em que se despendeu para por ela eu passar asPortarias repectivas e levar-se em conta esta despesa ao almoxarife destarepartio. Deus guarde a V. Maj. Recife, 18 de maio de 1759. LusDiogo Lobo da Silva, Provedor da Fazenda Real da Capitania do Cear.

    O Des. Ouvidor Geral desta comarca Bernardo Coelho daGama e Casco vai a essa aldeia, por especial Ordem de S. Maj. Fidelssima,no s para a graduar com o ttulo mais decoroso que a vastido dosseus habitadores merecer a fim de que por ele se fique daqui por dianteabominado e abolido o rstico e desprezvel com que se distinguia, masrestituir a todos V. Mercs a justa e decente liberdade que at o presentecom mpios e escandalosos pretextos lhes tiravam os Padres que osgovernavam com usurpao do que adquiriam sem respeito s ordens

    do dito Sr. nem ateno s pssimas providncias que sempre com rgiapiedade distribuiu em benefcio de V. Mercs. E como nas que presentevai estabelecer o referido Ministro consiste passarem V. Mercs da aperta-da escravido, desprezo e misria em que viviam sem que nela lhes dei-xassem a posse do que adquiriam pela sua agncia no pouco tempo quecom escassez lhes dispensavam para o seu trabalho, e a justa e estimvelliberdade que as leis da Justia e eqidade tm regulado para a polcia,aumento e civilidade dos povos de que resulta aos seus habitadores que

    vivem unidos s leis do brio e inseparveis do louvvel e decente traba-lho da Agricultura, comrcio, ofcios e outros ramos indispensveis daboa polcia das terras e opulncia dos que as habitam, se faz preciso queV. Mercs cooperem quanto estiver da sua parte para a observncia dasnovas leis do mesmo Sr. dirigidas ao precioso fim das suas mais slidasutilidades, no faltando em se unirem as direes do dito ministro quena sua ausncia fica praticando o diretor a que V. Mercs prestaram todaa justa obedincia no conhecimento de ser destinado para instruir e regu-lar a V. Mercs a dirigirem-se com o acerto que lhes determinaram asleis e diretrio de que se acompanha at que pela experincia tenham

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    adquirido as luzes necessrias para bem o fazerem sem assistncia de

    quem os instrua chegando a piedade de Sua Majestade a tanto excessoque no se esqueceu de lhes mandar Mestre para educao de seus fi-lhos. Espero que V. Mercs. em reconhecimento da incomparvel obri-gao com que ficam ao dito Sr. por to relevantes e no esperados be-nefcios em que sem se poupar a considervel despesa que faz da Sua Realfazenda nesta nova forma que em sua utilidade foi servido dar-lhes conti-nuem em procurar pelos seus distintos e justos procedimentos mere-cerem da generosa mo do mesmo Sr. as mais honras que lhes pdedispensar aos que neles se habilitarem renunciando a ociosidade, pregui-a, e todos os mais vcios de que at o presente se deixavam preocuparno desprezo em que viviam. Fico na certeza de que V. Merc no deixa-ro de tratar com a maior ateno ao dito ministro que com tantozelo se emprega na execuo das ordens que se dirigem fazer a VossaMercs felices. Deus guarde a V. Merc. Recife, 18 de maio de 1759.Lus Diogo Lobo da Silva. Sr. e Capito-Mor, Oficiais e habitantes daAldeia do Paiacu.

    O Desembargador e Ouvidor-Geral desta comarca Bernardo

    Coelho da Gama e Casco vai por ordem especial de Sua Majestade Fide-lssima estabelecer as antigas aldeias que administravam os Padres daCompanhia em novas vilas e lugares com os vigrios, coadjutores, dire-tores e mestres que o acompanham e como para os referidos estabeleci-mentos lhe pode ser preciso por algum incidente auxlio de brao militar:Vossa Merc lhe mandar sem demora e com toda a prontido todo oque o mesmo pedir pondo os capites-mores, regentes e milcias da suajurisdio de acordo para que concorram com ele logo que pelo mencio-

    nado ministro lhe for pedido, pois a distncia do serto no admite aslongas demoras que pelos remontados se fazem indispensveis. O mesmopraticar a respeito de terem prevenido os respectivos comandantes dostrnsitos por onde passar todos os viveres, forragens e cavalarias precisasa facilitar a continuao e xito desta diligncia advertindo-os que toda aomisso que nesta parte tiverem lhes ser no s estranhada porm cas-tigada com o rigor que merecem para o que o referido ministro far osavisos necessrios. Da parte de Vossa Merc espero e lhe recomendocoopere no s para se publicarem logo sem demora em todas as vilas elugares dessa Capitania as leis que mando e Sua Majestade Fidelssima foi

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    servido expedir sobre esta matria, as quais far registrar nessa Secreta-

    ria, Provedoria da Fazenda e Cmara remetendo-me certido de assimse ter executado, porm, cuidando com o maior desvelo em que no se-jam interrompidas, pela inobservncia e transgresso que alguns morado-res intentam fazer, porque havendo-os sero castigados como nelas seexpende. Aos diretores toca o cuidado dos ndios habitadores das suasrespectivas vilas e lugares a que se destinam, e a Vossa Merc o concor-rer para que se no embarace nem encontre em cousa alguma as acerta-das direes que aos mesmos se prescrevem para se dirigirem em bene-fcio dos mesmos ndios e argumento do que a Real inteno de SuaMajestade procura fazer populosos e florentes estes estabelecimentos.Deus guarde a Vossa Merc. Recife, 18 de maio de 1759. Lus DiogoLobo da Silva. Sr. Capito-Mor do Cear.

    Como Sua Majestade Fidelssima foi servido mandar erigirem vilas e lugares as antigas aldeias da administrao dos Religiosos daCompanhia facultando-me e ao Exmo e Revm Sr. Bispo e Ouvi-dor-Geral desta comarca assinar as cngruas que ho de vencer os vig-rios e coadjutores destinados a cada uma das ditas vilas e da mesma sorte

    os justos ordenados que correspondem aos diretores e mestres segundo agraduao em que estavam para mais solidamente se poderem conduzirao justo fim que a sua inata piedade premedita, se faz preciso que VossaMerc entre por essa Provedoria a satisfazer a cada um dos preditosnomeados, que constam da relao inclusa, as cngruas, fbricas, guisa-mentos e soldos que na mesma se declara sem que a pontualidade desua satisfao haja pretextos ou motivos com que se lhes demore adver-tindo que deste primeiro ano vo pagos do guisamento os preditos vig-

    rios pela comodidade de levarem de melhor condio e em diminutospreos os gneros porque se lhes destinam e que a seu tempo remetereia Vossa Merc a despesa que se fez com os preparos indispensveis paraestas novas erees para se remeter a sua importncia a esta Provedoriaque por emprstimo assistiu a fim de no experimentarem as demorasque haveriam na execuo do que Sua Majestade manda se praticassempor ela. No acrscimo que anualmente h e presentemente se aumentoucom a cessao da despesa dos Cariris donde veio a guarnio com oitomeses de dvida se facilita toda a prontido que deixo dito e que VossaMerc com a mesma executar. Espero que Vossa Merc satisfaa de

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    trs em trs meses do rendimento dessa Provedoria o vencimento que a

    cada um dos vigrios, coadjutores, fbricas, diretores e mestres lhescompete na forma da resoluo dita. Deus Guarde a Vossa Merc.Recife, 18 de maio de 1759. Lus Diogo Lobo da Silva. Sr. Provedor daFazenda Real da Capitania do Cear.

    Como se carece de toda a pronta expedio na diligncia aque vai por ordem especial de Sua Majestade Fidelssima o Desembar-gador Ouvidor-Geral Bernardo Coelho da Gama e Casco e esta se nopde pr em prtica sem que os capites-mores e comandantes dos dis-tritos e todos os oficiais das Milcias lhe assistam nas partes por ondepassar e ainda naquelas a que o mandar pedir, com o auxlio, que lhe forpreciso: Ordeno a todos e a cada um em especial que logo que pelo ditoministro lhes for pedido tanto o referido auxlio militar que se lhe fizernecessrio como o de outra qualquer qualidade que consista em guias,mantimentos, forragens e cavalaria para o seu comboio e das pessoas,que o acompanharam, lhe faam pronto como se na realidade eu especial-mente lhe pedisse sem que para lhe darem seja necessrio mais quemandar-lhes a cpia desta minha ordem escrita pelo seu escrivo e

    coberta com a sua rubrica para por ela darem parte em todo o tempoque lhes for preciso depois da execuo da referida assistncia de braomilitar ao seu oficial maior advertindo que a todo o que nela se houvercom alguma frouxido e menos expedio do que confio no zelo comque servem a Sua Majestade no s lhe estranharei porm procedereicom o castigo que for justo. Recife de Pernambuco em 18 de maio de1759. Lus Diogo Lobo da Silva.

    O Desembargador e Ouvidor-Geral desta comarca Bernardo

    Coelho da Gama e Casco vai por ordem de Sua Majestade Fidelssimaestabelecer a estimvel liberdade de que Vossas Mercs careciam e htantos anos lhes havia usurpado a iniqidade dos Padres que os gover-navam. E para que esta se consolide leva as ordens necessrias, leisrespectivas, o diretrio para com facilidade se instrurem por meio dassuas determinaes, e Diretor que na ausncia do dito ministro ficavivendo nessa vila, com a obrigao de dar a Vossas Mercs as luzesnecessrias e pelo decurso do tempo o poderem praticar quando seconhecer no terem preciso de pessoa prtica que lhes distribua e paraque estas se no dificulte vai mestre para educar seus filhos ensinando-os

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    a ler e escrever e os princpios da nossa sagrada Religio. Ao mesmo mi-

    nistro acompanha o Reverendo Vigrio e dois coadjutores destinados adirigir a Vossas Mercs espiritualmente: a uns e outros espero queVossas Mercs concorra e trabalhe quanto estiver da sua parte paraque estes povos no faltem a toda a justa e devida obedincia no seesquecendo da inteira civilidade com que os devem tratar e respeitarpois tendo estes o trabalho de largarem as suas casas por obedincias Reais ordens e notria utilidade a Vossas Mercs se faz indispens-vel e de justia esta pequena retribuio da sua gratido e no menosa do vivo reconhecimento em que espero subsistam dando as provas

    mais veementes do amor e fidelidade que devem ao nosso InvictoSoberano, pela augusta generosidade com que lhes dispensa to gene-rosos e importantes benefcios. Deus Guarde a Vossa Merc. Recife dePernambuco em 18 de maio de 1759. Lus Diogo Lobo da Silva. Sr. D.Filipe de Sousa, Mestre-de-Campo, e mais oficiais da antiga Aldeia deIbiapaba.

    Diogo Lobo da Silva fazia ato de poltico dirigindo-se nessestermos ao ilustre Mestre-de-Campo da Ibiapaba, cuja extrema fidelidade

    Coroa Portuguesa era conhecida e admirada em toda a Capitania, oque lhe alcanara o ttulo de Dom e a Ordem de Santiago, honras emque haviam sido tambm galardoados os bons servios de seu pai D.Jos de Sousa e Castro.

    O autor dos Desagravos do Brasil e Glrias de Pernambuco dedica aesses dois cearenses frases de elevado e merecido apreo. Vou repro-duzi-las, e como nunca tarde ou fora de lugar apresentar a admiraopblica os feitos de nossos concidados ilustres, transcrevo igualmente

    o que ele diz sobre D. Sebastio Saraiva e Joo Doy e sobre duas ndiascearenses cuja fama ser imperecvel.D. Jos de Sousa e Castro, Cavaleiro da Ordem de Santiago,

    Governador da Serra de Ibiapaba, nasceu entre os ndios Tupis com dis-tinta nobreza, herdando de seus maiores com o sangue o valor e leal-dade. Frondosas palmas e louros colheu o seu invencvel brao dos re-beldes Potiguares e outros Gentios. Para vingar as hostilidades causadaspelas formidveis armas de tantos brbaros correu triunfante desde oCear at o Maranho, e rendeu menos a violncia do ferro que ao res-peito de seu nome as naes contrrias obrigando-as a que rendidas e

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    obsequiosas o buscassem para Tutelar das suas aldeias. Constando ao

    Fidelssimo Rei D. Joo V o valor, zelo e lealdade, com que o servia esteinsigne ndio, lhe fez vrias mercs, que seriam maiores se a morte o noarrebatara intempestivamente no ano de 1730.

    D. Filipe de Sousa e Castro, Cavaleiro da Ordem de Santia-go, nasceu na famosa Serra de Ibiapaba, e teve por pai o dito D. Jos deSousa e Castro. Foi educado na Campanha, em cuja marcial palestraanelando unicamente ser mulo de seu pai, mostrou que o valor para serherico no depende da dilao do tempo. No foi inferior a glria queento conseguiu o seu brao em vrias expedies, nem a que alcanaagora em todas as ocasies, que se oferecem do servio del-Rei, em quesempre tem a maior parte o valor que a cobia. Mestre-de-Campo doTero, que existe na dita serra, e em seus robustos ombros sustenta todaaquela dilatada provncia incontrastvel a violentas invases.

    D. Sebastio Saraiva, Cavaleiro da Ordem de Santiago, pa-rente muito chegado dos ditos D. Jos e D. Filipe de Sousa. No sendoem os dotes do esprito inferior aos seus maiores no o tem sido noexerccio das virtudes militares e polticas, merecendo pela sua singular

    capacidade e insignes merecimentos que el-Rei D. Joo V o nomeassecapito-mor da dilatada e opulenta serra da Ibiapaba. Ao ardor militarexcede o pio e catlico, que lhe inflama o corao, sendo ao mesmotempo capito e catequista, igualmente vigilante em aumentar o Estadopara seu Prncipe, como em estender o Imprio para Cristo.

    Joo Doy, de nao Potiguar e entre os seus ndio principal,foi Mestre-de-Campo, Governador dos ndios do Cear e Rio Grandepor patente do Mestre-de-Campo General Francisco Barreto de Mene-

    ses. Seguiram algumas das Aldeias destas provncias, que permaneciamna gentilidade, aos holandeses, e depois de serem lanados fora destasPraas se conservaram sem sujeio a nosso imprio, cometendo horr-veis hostilidades contra os moradores. Em 24 de maio de 1654 se lhesdeu em nome del-Rei um perdo geral, de que no fazendo caso aque-les Gentios, continuavam em cometer delitos. Contra estes rebeldes seps em campo Joo Doy, e deu logo no vulgares mostras do seu valor.Venceu e castigou a todos os que se lhe mostraram contrrios, e tendopor esfera estreita a seus espritos os inimigos da sua mesma naoresolveu estimulado dos brios ir buscar maiores perigos, do que se lhe

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    representaram na oposio dos seus. Passou a conquistar outras naes,

    o que conseguiu apesar de imensas contradies famosas porque bas-ta-lhe para crdito a constncia, com que esforado soube vencer ma-tando, e a gentileza com que valente chegou a triunfar morrendo.(Pgs. 470 e 472.)

    No presente tempo vimos renovado o herico valor, comque as antigas pernambucanas perderam a vida em defesa da castidade. Joana Nhanupatiba, ndia casada e natural da serra da Ibiapaba, naProvncia do Cear, sendo acometida muitas vezes por um ndio damesma serra, que com promessas, afagos e ameaas procurava render afortaleza da sua honestidade, nenhum abalo faziam no seu constante efiel corao os fortes assaltos, que lhe dava, vendo o ndio que ela sem-pre ficava triunfante a esperou em um bosque em dia de Nossa Senhoradas Neves cinco de agosto de 1753, e pondo-lhe uma faca no peito aameaou com a morte se no satisfazia seu desordenado apetite. A valo-rosa e casta matrona mostrou to pouco temor do ameao, que comherico valor lhe ofereceu o peito dizendo que nele livremente podiaempregar seus golpes, porque de nenhuma sorte consentiria ao em

    que pudesse ofender a Deus e a seu marido. Cego o ndio com o fumoque exaltava o sensual fogo, em que ardia seu corao torpe, lhe tirou avida com muitas e penetrantes facadas, e com fim to glorioso passousua bendita alma desta vida mortal a coroar-se na eterna.

    Vivia na mesma serra uma ndia chamada Catarina donzelade anglicos costumes e vida inocente. Casaram-na seus Pais com umndio da mesma nao, que havia provado do bom natural: porm comono basta granjear bom nome, porque preciso conserv-lo, ofuscou

    depois de casado glria de suas passadas virtudes ofendendo muitasvezes o tlamo conjugal, e no podendo sofrer as admoestaes, quebrandamente lhe fazia sua mulher para o desviar da concubina, lhe deuuma facada tal e em tal parte, que no s a matou, seno que houveraocultado o seu delito a no haver quem o descobrisse. Carregou elemesmo com o corpo de sua mulher defunta, e trazendo-o para a aldeiadisse tinha falecido no mato de um executivo acidente, pedindo aoPadre Missionrio a enterrasse logo, porm como se fizesse pblico oseu delito, fugiu apressado, e o seu Governador o procura com boasdiligncias para que seja o seu crime castigado como merece. Foi esta

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    ndia de to boa vida desde sua infncia, que se fez clebre entre as de-

    mais ndias como exemplo da virtude. Foi morta por seu marido no anode 1754, quando contava dezessete anos de idade. (Pgs. 484 e 485.)A aqueles principais Filipe de Sousa, Sebastio Saraiva e mais

    a Jos de Vasconcelos diz Joo Brgido pg. 71 do Res. Cron., foramconcedidos em 1723 o tratamento de Dom e o hbito de Santiago porservios prestados catequese. Quanto data em que lhes foi feita amerc discordam Araripe, que diz foi em 1721, e J. Perdigo que cita asconcesses feitas por Manuel da Fonseca Jaime e Salvador lvares daSilva a ndios da Ibiapaba e prova, portanto, que em janeiro de 1718 j

    tinham eles ttulo de Dom.Procedamos agora leitura do Roteiro de Manuel Rodrigues:Derrota e jornada do mestre Piloto Manuel Ris dos Santos

    por onde Consta as qualidades de que se reveste a serra da Ibiapaba des-de que chegou ao Porto do Camocim.

    Jesus Maria Jos de 1759 e de maio 19.Derrota com o favor de Deus feita pelo Mestre e Piloto

    Manuel Ris do Recife de Pernambuco para o Porto do Camocim ema sumaca que Deus salve e guarde por invocao Nossa Senhora da GraaSanto Antnio e Almas de que Mestre e Prtico Francisco da Silva Ne-ves; as ordens do Ilustrssimo e Exm Sr. Lus Diogo Lobo da Silva,Governador e Capito-General da Capitania de Pernambuco. Fizemos avela do R. de Pernambuco pelas 9 horas da manh do dia 19 de maioacima mencionado em companhia do Senhor Doutor DesembargadorBernardo Coelho da Gama Casco e do Escrivo da diligncia o CapitoLus Freire de Mendona e do meirinho Manuel Pereira Lobo e de mim

    Manuel Ris dos Santos para efeito de erigir e criar as novas vilas, luga-res e seus termos, que por ordem de Sua Majestade Fidelssima o ditoministro criou. No dia acima mencionado sbado de nossa Senhorasados que fomos da barra ao mar e bordejando at montar os baixos dacidade de Olinda seriam 2 horas da tarde quando passamos pelo seu pa-ralelo, viemos correndo costa e no mesmo dia e noite ficamos com oparalelo da vila de Goiana. No domingo 20 do mesmo ms amanhecemoscom a ponta da Pipa seguindo o nosso rumo correndo costa e sendopelas 5 horas da tarde do mesmo dia distante do cabo de So Roque 3lguas quando se nos ofuscou a terra com muitos aguaceiros de chuva e

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    serrao a qual durou toda a noite, e nos foi preciso fugir da terra para o

    mar por causa dos baixos do mesmo nome. Na segunda feira 21 do ditoms pela manh fomos correndo do s-sudeste em procura da terra pornos acharmos muito longe dela pelo sucesso da noite passada e nos ter-mos muito distanciado dela velejando todo o dia at s nove horas danoite do mesmo ao tal rumo nos foi preciso pelas mesmas 9 mudar derumo seguindo o do noroeste por levarmos na proa os baixos de Joamda Cunha, que ficam ao mar da ensiada redonda e de sotavento da pontado Mel e seguindo o mesmo rumo at pela manh do dia seguinte. Natera-feira 22 do dito logo pela manh avistamos a enseada da Pirpueira,que fica ao Sudoeste de Jaguaribe 4 lguas, fomos correndo costa at aponta de Mucuripe que fica ao nordeste do Cear lgua e meia e conti-nuando a correr costa a vista de terra at o dia seguinte. Na quarta-feira23 do dito ms depoi