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Guiné Maio de 1973 - O INFERNO

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Desde o início do ano de 1973, que a situação militar portuguesa na Guiné

vinha a sofrer acelerada degradação. Esta possibilidade estava, aliás, prevista

pelo Estado-Maior do Comando-Chefe daquele teatro, que, na análise de

situação feita em Dezembro de 1972, enunciava a elevada probabilidade do

seu agravamento para o ano seguinte, face ao clima cada vez mais favorável à

internacionalização da luta conduzida pelo PAIGC. Esta análise da situação

levava mesmo os militares portugueses no território a admitir intervenção de

forças das organizações internacionais ou de outros países, em reforço ou

apoio daquele movimento.

Em termos políticos, previa-se para 1973 a exploração da existência de vastas

áreas libertadas, nas quais o PAIGC exercia, de facto, a administração e onde

as forças portuguesas só actuavam com unidades de intervenção, por curtos

espaços de tempo. Havia a ideia de que o PAIGC pretendia realizar, nesse

ano, um golpe decisivo de âmbito internacional, o que já se tinha iniciado com a

visita da delegação da ONU e que viria a ter continuidade com a declaração

unilateral de independência. No campo militar, previa-se a intensificação das

acções violentas a partir do Senegal e da Guiné-Conacri, de modo a conseguir

ligar o Norte com o Sul através do eixo Guidaje, Bissorã, Bula, e, de Sul para

Norte, através do eixo Guileje, Buba, Fulacunda. Esta ameaça concretizou-se

com uma fortíssima pressão a Norte e a Sul, em Guidaje e em Guileje,

fortemente apoiada pela artilharia de longo alcance, da qual os seus artilheiros

tiravam cada vez maior rendimento, aproveitando as grandes limitações das

forças portuguesas no apoio aéreo que a introdução dos mísseis Strella

causara.

A apreciação feita pelo comando militar português no final de 1972 era de

grande pessimismo em todos os campos. Quanto a material, considerava-se

que era verdadeiramente alarmante a situação das unidades do Exército quer

no aspecto qualitativo, quer no quantitativo. Para obviar a esta fraqueza, as

forças portuguesas recorriam ao material capturado, com a consequente

Guerra Colonial

Aniceto Afonso – Matos Gomes

Guiné: Maio de 1973 O INFERNO

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incerteza de reabastecimento. Relativamente às forças navais, era referida a

carência de meios para o cumprimento de algumas missões, o reduzido

número de unidades equipadas com radar, a sua baixa velocidade e a falta de

uniformização de equipamentos de comunicações, propondo-se a substituição

das LFP por outras mais modernas.

Pelo seu lado, a Força Aérea dispunha apenas de metade dos pilotos

necessários, e algumas aeronaves operavam nos limites das suas

possibilidades, sendo algumas delas desajustadas às missões, nomeadamente

as DO-27 e os T-6.

Se a situação do material não era boa, a do pessoal não era melhor. Quanto à

instrução, as unidades apresentavam-se com graves lacunas e insuficiências

na preparação básica e de especialidade ministrada na metrópole, não

estavam completas nos seus efectivos e muitos quadros mostravam-se

deficientemente habilitados para exercer qualquer função de comando.

No início de 1973, o ano decisivo da guerra na Guiné, o Comando-Chefe

contava assim com forças de modo geral mal preparadas, mal equipadas e mal

comandadas, que se procuravam defender nos seus aquartelamentos e, como

unidades de manobra e de reserva, dispunha apenas das tropas especiais: um

batalhão de pára-quedistas com três companhias, um batalhão de comandos

com cinco companhias, sendo três delas africanas, e cinco destacamentos de

fuzileiros especiais, dois deles também africanos.

É neste pano de fundo que os mísseis Strella começam a abater aviões a

hélice e a reacção, provocando sérias limitações ao emprego dos meios aéreos

e ao seu apoio às forças de superfície. Este apoio dizia respeito a três áreas

fundamentais: a evacuação sanitária de feridos retirados por helicóptero dos

campos de batalha; o apoio aéreo próximo, que permitia às tropas portuguesas

realizarem rupturas de contacto em situação vantajosa, e que era efectuado

por aviões Fiat G-91 e T-6; e o transporte logístico de artigos críticos, como

medicamentos, soro, pilhas para equipamentos de comunicação. Os

helicópteros, em Maio, deixaram de realizar evacuações, pois seriam

facilmente abatidos (voltariam a voar, mas com outros perfis de voo, a muito

baixa altitude), os Fiat G-91 tiveram de adaptar os seus procedimentos de voo

à nova ameaça, o que demorou algum tempo, e os T-6, a hélice, foram

retirados das missões, reduzindo a disponibilidade de meios aéreos para apoio

às tropas. Por fim, os transportes aéreos só voltaram a realizar-se, e com

grandes limitações, após um período de estudo, voando os aviões acima dos

6000 pés e operando em número muito reduzido de pistas.

São casos de ansiedade e desespero por ausência de evacuação de feridos

que precipitam as situações das tropas quer em Guidaje, quer em Guileje. Maio

de 1973 constituiu a prova mais dura a que as forças portuguesas foram

sujeitas nos três teatros de operações. Com efeito, o PAIGC, revelando notável

capacidade de manobra e tirando partido do extraordinário acréscimo de

potencial de combate, alterou profundamente o seu conceito de manobra,

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passando da actuação dispersa, em superfície, para a concentração maciça

sobre objectivos definidos.

Neste contexto, desencadeou poderosas e prolongadas acções de fogo

ajustado sobre as guarnições fronteiriças de Guidaje, Guileje e Gadamael, as

quais conjugou com acções terrestres de isolamento, que efectivamente

conseguiu, durante alguns dias, em Guidaje. Nestas acções, intensificou o

emprego de mísseis Strella e fez uso sem restrições de armas pesadas de

longo, alcance e elevado poder de fogo, com a colaboração de observadores

avançados na regulação do tiro, que atingiram notável grau de eficácia. Esta

actividade do PAIGC alcançou valores que são os mais altos de sempre desde

o início da guerra - 220 acções durante o mês -, o mesmo sucedendo em

relação às baixas causadas às tropas portuguesas - 63 mortos e 269 feridos.

Na Zona Oeste/Norte, o PAIGC exerceu o seu esforço na área de

Bigene/Guidaje, concentrando três corpos de exército, dois grupos de

foguetões, um grupo de morteiros 120 mm e um grupo especial de sapadores,

num total de cerca de 650 elementos, na região de Cumbamori, no Senegal,

flagelando Guidaje 43 vezes e Bigene .

Na Zona Sul, desencadeou uma acção de moldes clássicos sobre Guileje,

conjugando acções terrestres de isolamento com maciços de fogos de

artilharia, com pleno êxito, obrigando à retirada da guarnição portuguesa, e

transferindo depois o esforço para Gadamael.

Estas operações, a que PAIGC deu o nome de «Amílcar Cabral", integraram-

se no processo de reconhecimento internacional das capacidades do partido

para inverter a seu favor a situação militar no terreno, culminando com a

declaração da independência, em Setembro desse ano. Como manobra, a

tenaz com as pontas em Guidaje e Guileje revela a elevada capacidade do

Estado-Maior do PAIGC, para controlar grandes efectivos e coordenar os seus

movimentos, o que implicou transferir unidades que se encontravam no interior

do território para o exterior, balancear meios entre o Norte e o Sul, acção

efectuada através do território de dois países, e realizar acções conjuntas com

grandes volumes de efectivos de infantaria, de artilharia e de unidades de

armas antiaéreas. Embora pudesse não ser essa a intenção dos estrategistas

do PAIGC, o seu ataque à posição portuguesa de Guidaje, executado ao longo

de vários dias com grande violência, obrigou o comando português a

concentrar ali a quase totalidade das unidades de intervenção e de reserva, e

veio a funcionar como acção de diversão, que permitiu atacar Guileje, a sul,

sem que houvesse possibilidade, da parte portuguesa, de dar a mesma

resposta que em Guidaje.

O ataque e o cerco a Guidaje constituíram alteração profunda na manobra do

PAIGC, o qual tivera sempre algumas limitações aos seus movimentos no

Senegal. Um ataque desta envergadura quer em duração, quer em violência

significava que o movimento dispunha agora de apoio total e de facilidades

idênticas às que recebia da Guiné-Conacri. Naquele país, a base de

Cumbamori, a curta distância de Guidaje, desenvolveu-se apoiada pelas bases

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de Zinguichor e de Kolda, sendo a partir dela que se desenhou toda a

operação, embora grupos de antiaéreas e bigrupos de infantaria se tenham

posicionado entre Guidaje e Binta, na região de Cufeu, de modo a cortar esse

itinerário que constituía o cordão umbilical de Guidaje.

• O cerco de Guidaje.

No início de Maio de 1973, a guarnição militar de Guidaje era constituída por

uma companhia de caçadores do recrutamento local, a Companhia de

Caçadores 19, e pelo Pelotão de Artilharia 24, equipado com obuses de 10,5

cm. Guidaje estava sob o comando operacional do COP3, que tinha sede em

Bigene. Com o agravamento da situação, o comandante, tenente-coronel

Correia de Campos, deslocou-se para Guidaje em 10 de Maio, com o seu posto

de comando avançado, onde se manteve até 12 de Junho. O PAIGC dispunha,

concentradas, as seguintes forças na região de Cumbamori:

- Corpo de Exército (CE) 199/B/70, com quatro bigrupos de infantaria e uma

bateria de artilharia;

- Corpo de Exército (CE) 199/C/70, com cinco bigrupos de infantaria e uma

bateria de artilharia;

- Grupo de Foguetes da Frente Norte, com quatro rampas;

- Três bigrupos de infantaria, um grupo de reconhecimento e uma bateria de

artilharia do CE 199/A/70, deslocadas de Sare Lali (Zona Leste).

Foram ainda referenciados em Cumbamori um pelotão de morteiros de 120

mm, um grupo especial de sapadores e diversos elementos recém-chegados

do estrangeiro.

Em termos de efectivos, a guarnição portuguesa teria cerca de 200 homens, na

maioria do recrutamento da província, com as suas famílias, existindo em redor

do quartel uma pequena aldeia com cada vez menos habitantes.

Do lado do PAIGC estimavam-se em cerca de 650 a 700 os efectivos que

empenhou nesta operação, comandados por Francisco Mendes (Chico Te) e

pelo comissário político Manuel dos Santos, que era o responsável pelos

mísseis em todo o território.

O primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, cuja localização era

excelente, situada em cima da fronteira, o que diminuía a frente de um possível

contra-ataque ou de um reforço. Dada a inibição das forças portuguesas em

manobrar pelo território do Senegal, elas só poderiam vir de sul, ou seja de

Binta e de Cufeu. Nesta zona, sensivelmente a meio caminho entre as duas

localidades, o PAIGC havia instalado forças significativas e lançado vasto

campo de minas. O ataque a Guidaje por norte garantia contínuo fluxo de

reabastecimento de munições e efectivos, dado que podiam efectuar-se por

viatura a partir de Zinguichor, Cumbamori, Yeran ou Kolda, o que permitia

manter o cerco durante largo período de tempo.

Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e

instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strella. O isolamento aéreo de

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Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre

acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada

por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anti-carro e foi

emboscada, sofrendo 12 feridos. Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo

emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas. A coluna

portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e

quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir

para Guidaje.

Em 10 de Maio, no deslocamento de Binta para Guidaje, o conjunto de

unidades envolvidas, sob o comando do comandante do batalhão de Farim,

sofreu mais um morto e dois feridos e encontrou a picada cortada por abatises.

Entretanto, as forças da CCaç 19 saídas de Guidaje para proteger o itinerário

na sua zona de acção, tiveram cinco contactos, sofrendo oito mortos e nove

feridos. No relatório desta acção, o seu comandante descreve assim a violência

do contacto de fogo: "...em relação às NT, o IN estava de frente, dos dois lados

da picada, e foi impossível fazer uma reacção conveniente pelo fogo. A

primeira sessão pelo fogo causou-nos imediatamente três mortos ( ... ) o IN

voltou à carga com maior ímpeto, mas as NT já estavam preparadas para o

receber e aqui teve as primeiras baixas. Estando um cabo gravemente ferido

com um estilhaço no pescoço, o soldado auxiliar de enfermeiro correu para

junto dele a fim de o socorrer. Estando ajoelhado a seu lado foi atingido por

uma rajada que lhe provocou a morte. Começavam a escassear as munições e

foi dada ordem para fazer fogo de precisão, tanto quanto possível. Quando o

fogo parou por escassos segundos um dos furriéis tentou chegar junto dos

mortos para recuperar os corpos. Quando se levantava para realizar esta

acção, pela terceira vez o IN atacou as nossas posições. Notando a

impossibilidade de recuperar os corpos dos mortos e porque a falta de

munições era quase total, o comandante viu-se coagido a ordenar a retirada...".

Em 12 de Maio, chegou a Guidaje uma coluna de reabastecimentos constituída

pelos destacamentos de fuzileiros especiais 3 e 4. Em 15, no regresso a Farim,

accionaram duas minas e sofreram dois feridos graves e, numa emboscada

entre Guidaje e Binta, cinco feridos.

Uma coluna que entretanto saiu de Binta alcançou Guidaje no mesmo dia.

Contudo, em 19, no regresso, accionou várias minas e sofreu emboscada

violenta. Teve um morto e sete feridos, esgotou as munições e regressou a

Guidaje.

Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma

companhia de pára-quedistas. A coluna regressou ao ponto de partida, porque

a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas,

apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70

elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje.

Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer

Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia

em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na

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parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois

mortos e vários feridos.

Em 30 de Maio, em virtude da informação de agravamento da situação no Sul

(Guileje), estas forças regressam às suas bases para serem de novo

empregues.

Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje.

Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel

Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.

Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973:

Mortos ................................. 22

Feridos ................................ 70

Viaturas destruídas ..............6

Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi

flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e

o último seria conquistar a povoação. Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29

de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8

esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9 sofreu

quatro ataques, em 10 três, e até ao final todos os dias foi atacada.

No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, 30 feridos

militares e 15 entre a população civil. Foram causados estragos em todos os

edifícios do quartel.

Munições consumidas pela Companhia de Caçadores 19:

7,62 mm (espingarda) ..... 32000

Granadas de mão ofensivas e defensivas 40

Granadas de morteiro ........760

Granadas-foguete 6 cm .....120

Granadas-foguete 8,9cem ....50

Munições de artilharia disparadas no dia 17 (10,5 em) ...............43

• Operação Ametista Real - a resposta.

O nítido agravamento da situação em Guidaje, que era particularmente nítido a

partir de 8 de Maio, as notícias de grandes movimentações de tropas do

PAIGC junto à fronteira com o Senegal, a dificuldade de reforçar e apoiar por

terra aquela guarnição, dada a resistência encontrada pelas colunas que ali se

dirigiam, e a existência de vários feridos que não podiam ser evacuados para

os hospitais pelas limitações de emprego de meios aéreos, levaram o

comandante-chefe a lançar uma operação de grande envergadura para

envolver as forças do PAIGC que atacavam Guidaje e aliviar a pressão sobre

aquela guarnição militar que permitisse reabastecê-Ia, retirar os feridos e

substituir pessoal.

Esta tarefa foi atribuída ao Batalhão de Comandos da Guiné, que recebeu a

missão de «aniquilar ou, no mínimo, desarticular a organização lN na região de

Guidaje-Bigene».

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As forças executantes, num total de cerca de 450 homens, foram assim

organizadas:

Comandante da operação - major Almeida Bruno.

Agrupamento Romeu

- 1.ª Companhia de Comandos

- capitão António Ramos.

Agrupamento Bombox

- 2.ª Companhia de Comandos

- capitão Matos Gomes.

Agrupamento Centauro

- 3.ª Companhia de Comandos

- capitão Raul Folques.

As forças do batalhão de comandos saíram em 18 de Maio de Bissau numa

LDG, apoiadas por duas LFG, e desembarcaram em Ganturé nessa tarde.

Depois de um briefing em Bigene, saíram pelas 23 e 50 para norte, pela

seguinte ordem: agrupamentos Bombox, Centauro e Romeu.

Pelas 5 e 30, de 19 de Maio, a testa da coluna alcançou o itinerário que

apoiava a base de Cumbamori, objectivo principal da operação. O

agrupamento Bombox passou para norte da estrada, o agrupamento Centauro

ocupou posições a sul e o agrupamento Romeu instalou-se à retaguarda, numa

pequena povoação.

Ás 8 e 20 iniciou-se o ataque aéreo com aviões Fiat G-91, que destruíram os

paióis da base, tendo as munições explodido durante algum tempo. Às 9 e 05 o

agrupamento Bombox executou o assalto inicial, provocando o primeiro

contacto com as forças do PAIGC. Estes combates desenrolaram-se até às 14

e 10, quando o comandante da operação deu ordem para o agrupamento

Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as suas forças e as do PAIGC.

Foi uma operação de grande dificuldade, porque os combatentes de um e outro

lado se encontravam muito próximos. O comandante do agrupamento Centauro

foi ferido, mas conseguiu realizar essa separação.

Às 14 e 30 o batalhão de comandos iniciou-se o movimento para a base de

recolha e às 18 e 20 os seus primeiros elementos chegaram a Guidaje. Em 20

de Maio, o mesmo batalhão saiu de Guidaje para Binta, a pé, deixando ali os

seus feridos e os militares que não se encontravam em condições de

prosseguir a marcha. Em Binta, embarcou numa LDG de regresso a Bissau.

Nesta operação, o batalhão de comandos sofreu dez mortos, 22 feridos graves

e três desaparecidos, estimando ter causado 67 mortos, entre os quais,

segundo informação mais tarde obtida no Senegal, uma médica e um cirurgião

cubanos e quatro elementos mauritanos.

Durante a acção, as forças do batalhão de comandos consumiram as seguintes

munições:

7,62 mm (G-3) ......................... 26700

7,62 mm (Kalash) .................... 4600

Granadas de lança-granadas-foguete de 6 e 8,9 em 292

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Granadas de RPG-2 e RPG-7 71

Granadas de morteiro............... 195

Granadas de mão ofensivas e defensivas 268

A situação melhorou durante algum tempo, até porque o esforço do PAIGC se

passou a concentrar na frente sul, sobre Guileje e Gadamael.

Nestes 20 dias do mês de Maio e nesta região em torno de Guidaje, as forças

portuguesas

sofreram 39 mortos e 122 feridos.

• Guileje - a outra ponta da tenaz.

O ataque a Guileje, no Sul da Guiné, de que iria resultar a retirada das forças

portuguesas, iniciou-se em 18 de Maio de 1973, coordenado com o de Guidaje,

Comandado pelo próprio Nino Vieira, comandante militar do sul, foi-lhe dado o

nome de código de Operação Amílcar Cabral e executada com intenção de o

PAIGC apresentar os seus resultados à OUA, cujo 10.º aniversário se

comemorava em 25 de Maio.

Para o início da operação, o PAIGC concentrou em redor de Guileje, a bateria

de artilharia de Kandiafara, com morteiros de 82 e 120 mm, canhões sem

recuo, canhões de 85 mm e de 130 mm, um grupo de reconhecimento e

observação e cinco bigrupos de infantaria do sector de fronteira. Deslocou

ainda o 3.º Corpo de Exército do Unal para a mata do Mejo e transferiu três

bigrupos da região do Boé e dois bigrupos do 2.º Corpo de Exército, no

Tombali, para reforço do sector de fronteira.

No total, o PAIGC concentrou na zona de Guileje, um corpo de exército

(3.ºCE), no Mejo, dez bigrupos em reforço ao sector de fronteira e uma bateria

de artilharia, com um grupo de reconhecimento. Ao todo, considerando a base

numérica de cada unidade do PAIGC utilizada pelos serviços militares

portugueses, seriam cerca de 650 homens, efectivo idêntico ao que foi

concentrado em Cumbamori para o ataque a Guidaje.

As forças portuguesas da guarnição de Guileje (COP 5), comandadas pelo

major Coutinho de Lima, eram constituídas por:

Companhia de Cavalaria 8350

Pelotão de Artilharia

Secção de auto-metralhadoras Fox

Pelotão de milícias.

Em 18 de Maio de 1973, o PAIGC realizou uma emboscada, às sete da manhã,

a cerca de dois quilómetros de Guileje, às forças que iam abastecer-se de água

ao poço situado no exterior, da qual resultaram um morto e sete feridos do

pelotão de milícias e ainda o ferimento grave de um soldado metropolitano, que

veio a morrer quatro horas depois, por falta de evacuação aérea, facto que

afectou o moral das tropas e contribuiu para o agravamento da situação no

interior de Guileje.

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Nessa noite, de 18 para 19, o quartel foi atacado e o comandante do COP5

pediu para se deslocar a Bissau, a fim de expor a situação, o que não lhe foi

autorizado.

Em 20, a partir de Cacine, o mesmo oficial pediu de novo autorização para ir a

Bissau, onde se deslocou e expôs a situação ao comandante-chefe,

regressando a Cacine.

Em 21, o PAIGC realizou outra emboscada, com utilização de RPG-7 junto à

bolanha onde militares recolhiam água. Ainda neste dia, Guileje sofreu três

flagelações com um total de 45 granadas, uma às sete, outra às nove e outra

às 13 horas. Às 14 e 15 o posto de rádio emitiu a sua última mensagem

«Estamos cercados... », que foi captada em Gadamael.

O comandante do COP5 regressou a Guileje ao fim da tarde, vindo a pé de

Gadamel com dois grupos de combate, um da CCaç 4743, da guarnição de

Gadamael, e outro da CCaç 3520, da guarnição de Cacine. Às 18 e 30, o

comandante do COP5 decidiu evacuar as tropas e os civis de Guileje.

Em 22, pelas 5 e 30 da manhã, iniciou-se a saída do quartel, com a destruição

do material abandonado. Por falta de comunicações, esta acção apenas foi

conhecida quando a coluna chegou a Gadamael, pelas 10 e 30 do mesmo dia.

Entre 18 e 22 de Maio, Guileje sofreu 36 flagelações, que causaram grandes

danos, embora não tenham provocado baixas dado o sistema de abrigos que

ao longo dos anos ali havia sido construído.

• Gadamael - o verdadeiro inferno!

Em Maio de 1973, a guarnição de Gadamael, constituída pela Companhia de

Caçadores 4743, que dependia operacionalmente do COP 5, com sede em

Guileje, constituía a retaguarda deste posto e era o seu único ponto de apoio

para o reabastecimento depois de a acção do PAIGC ter tornado intransitáveis

as ligações por terra para Bedanda e Aldeia Formosa. O interesse militar de

Gadamael resumia-se a servir de ponto de reabastecimento a Guileje, pois

situava-se no último braço de mar do rio Cacine que permitia a navegação a

embarcações de transporte. O interesse militar de Guileje tornara-se, por sua

vez, muito discutível, pois a guarnição fora ali instalada ainda no tempo do

dispositivo territorial montado pelo general Schulz, para anular as infiltrações

de guerrilheiros vindos da grande base de Kandiafara, na Guiné-Conacri, pelo

célebre «corredor de Guileje». Mas os guerrilheiros tinham conseguido

ultrapassar esse obstáculo, fixando-se em toda a zona da península do

Cantanhez, o que reduziu Guileje a um ponto forte onde as forças portuguesas

resistiam e marcavam presença territorial. Em 1973, não servia já como base

de apoio a operações lançadas na margem sul do rio Cacine, limitando-se a

assegurar a presença das tropas Portuguesas entre este rio e a fronteira com a

Guiné-Conacri, em conjunto com as guarnições de Cacine e Gadamael.

Mantinha-se naquele local aguardando situação mais favorável que permitisse

a sua transferência, sem ser como resultado directo da pressão do adversário,

dispondo, como ponto forte, de instalações defensivas, que lhe permitiram

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resistir sem baixas significativas a fortes ataques de artilharia. Tinha contudo, a

grave limitação do abastecimento de água, que era transportada em depósitos

a partir de uma fonte situada no exterior do quartel, e este movimento diário

constituía a grande vulnerabilidade das tropas ali entrincheiradas.

Após a retirada de Guileje, a guarnição de Gadamael ficou constituída por duas

companhias (a CCav 8350, vinda de Guileje, e a CCaç 4743, que ali se

encontrava do antecedente), um pelotão de canhões S/R, com cinco armas, e

um pelotão de artilharia de 14 cm, com três bocas de fogo. Este conjunto de

forças passou a constituir o COP5, tendo sido nomeado para o seu comando o

capitão Ferreira da Silva, em substituição do major Coutinho de Lima.

Ao contrário de Guileje, Gadamael dispunha de más condições de defesa, por

se situar em zona pantanosa onde era difícil construir abrigos.

Se as condições já eram más para os militares da guarnição, a situação piorou

significativamente com a chegada da coluna vinda de Guileje, que não

dispunha de abrigos, nem de condições de alojamento para ali permanecer.

Pior ainda, a duplicação de efectivos aumentou a concentração de pessoal

dentro do espaço exíguo do quartel e tornou-o alvo altamente remunerador

para ataques de artilharia do PAIGC.

De facto, as forças do PAIGC, moralizadas pela vitória obtida em Guileje,

transferiram para Gadamael os seus esforços, e entre as 14 horas de 31 de

Maio e as 18 horas de 2 de Junho bombardearam o quartel com 700 granadas,

uma média de 13 por hora, provocando cinco mortos e 14 feridos, além de

avultados prejuízos materiais.

A violência destes bombardeamentos fez com que a guarnição de Cacine, a

cerca de dez quilómetros para jusante do rio, difundisse uma mensagem a

comunicar que Gadamael fora destruída, no entanto, a posição manteve-se,

embora com o aquartelamento parcialmente destruído e a defesa imediata com

brechas.

Em 1 de Junho foram lá colocados os capitães Monge e Caetano, para

enquadrar os militares ali reunidos.

Em 2 de Junho foram recolhidos pela lancha Orion cerca de 300 militares que

se haviam refugiado nas bolanhas em redor de Gadamael, para escapar aos

ataques. Ainda neste dia desembarcou uma companhia de pára-quedistas e

um pelotão de artilharia, passando o comando do COP5 para o comandante

dos pára-quedistas.

Entre 3 e 4 de Junho caíram em Gadamael 200 granadas, que provocaram

mais dois mortos e quatro feridos.

Em 4 de Junho, o PAIGC realizou uma emboscada a menos de um quilómetro

do aquartelamento, causando quatro mortos e quatro feridos e capturando três

espingardas G-3 e um emissor de rádio. O comandante do COP5 pediu

autorização para retirar de Gadamael, o que não lhe foi concedido, recebendo

ordem para defender a posição a todo o custo.

Em 5 de Junho, uma lancha da Marinha, botes dos fuzileiros e embarcações

sintex do Exército evacuaram de Gadamael os mortos e os feridos, além de

Page 11: Guiné Maio de 1973 - O INFERNO

militares que não se encontravam em condições de combater, passando o

COP5 a ser comandado pelo tenente-coronel Araújo e Sá. No mesmo dia

ocorreu novo ataque com 70 granadas, que provocaram cinco feridos graves e

cinco ligeiros.

A partir de 12 de Junho, foi colocada uma terceira companhia de pára-

quedistas na região, ficando todo o Batalhão de Pára-Quedistas 12 empenhado

no Sul, para «segurar» Gadamael.

As forças portuguesas sofreram nesta acção 24 mortos e 147 feridos.

O PAIGC conseguira ocupar uma posição militar portuguesa e apresentar esse

feito na

conferência da OUA, lograra esgotar as reservas de forças de intervenção

portuguesas (o batalhão de comandos mantinha-se inoperacional depois das

baixas sofridas no ataque a Cumbamori de 19 de Maio) e limitara seriamente a

acção aérea. Estavam, pois, reunidas as condições para se realizar uma

grande acção política no interior do território, o que aconteceu em Madina do

Boé, em Setembro, com a declaração unilateral da independência, na presença

de numerosos convidados estrangeiros.