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Portugal: uma sociedade em transição para a sociedade em rede A sociedade portuguesa que aqui se procura retratar é, tal como a sociedade catalã (Castells e outros, 2003), também uma sociedade em transição em quase todas as suas dimensões. Da educação à esfera produtiva, da dimensão cultural à social e política. No entanto, as causas dessa transição são diferenciado dado o contexto em que cada sociedade evolui e de onde essa mesma evolução parte. Se a transição na sociedade catalã (Castells e outros, 2003) se fica em muito a dever à obtenção do estatuto de autonomia da Catalunha a partir de 1980, já em Portugal a data a partir da qual se pode traçar uma divisória e os motivos para a mesma são claramente diferentes. Em comum ambas as sociedades têm uma história recente de regimes ditatoriais, em Portugal o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano e em Espanha o Franquismo. O 25 de Abril de 1974 em Portugal marca uma revolução política, de um regime ditatorial para uma democracia, mas também uma revolução económica de um modelo corporativista de mercado fechado (assente na relação estreita entre Portugal e as suas colónias africanas) para uma economia de mercado regional (União Europeia) e global. A par dessa revolução política e económica encontram-se igualmente mudanças radicais na dimensão cultural e social e também na esfera da educação (Rosas, 1999; Viegas e Costa, 1998). Os anos de 1974 a 1976 são anos de transição para um modelo diferente do anterior a todos os níveis (Rosas, 1999). Embora a consulta pública sobre a reforma educativa tenha apenas lugar em 1980 e a aprovação da lei de bases da educação em 1986, os anos entre a Revolução de 1974 e 1980 foram anos de profundas mudanças ao nível da educação primária. À escola foi atribuído um papel de elemento fundamental para a formação dos cidadãos da nova sociedade que se desejava democrática e as preocupações dos responsáveis políticos para a área da educação foram desde logo sistematizados como é visível no programa do I Governo Provisório: "democratizar a escola, mas de modo que funcione com eficiência, garantindo a qualidade da educação, ensino, pesquisa, científica e criação cultural". E pela primeira vez desde a 1ª República foram elaborados

Gustavo Cardoso

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A sociedade em rede

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Page 1: Gustavo Cardoso

Portugal: uma sociedade em transição para a sociedade em rede

A sociedade portuguesa que aqui se procura retratar é, tal como a sociedade

catalã (Castells e outros, 2003), também uma sociedade em transição em quase todas as

suas dimensões. Da educação à esfera produtiva, da dimensão cultural à social e

política.

No entanto, as causas dessa transição são diferenciado dado o contexto em que

cada sociedade evolui e de onde essa mesma evolução parte. Se a transição na sociedade

catalã (Castells e outros, 2003) se fica em muito a dever à obtenção do estatuto de

autonomia da Catalunha a partir de 1980, já em Portugal a data a partir da qual se pode

traçar uma divisória e os motivos para a mesma são claramente diferentes.

Em comum ambas as sociedades têm uma história recente de regimes ditatoriais,

em Portugal o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano e em Espanha o Franquismo.

O 25 de Abril de 1974 em Portugal marca uma revolução política, de um regime

ditatorial para uma democracia, mas também uma revolução económica de um modelo

corporativista de mercado fechado (assente na relação estreita entre Portugal e as suas

colónias africanas) para uma economia de mercado regional (União Europeia) e global.

A par dessa revolução política e económica encontram-se igualmente mudanças radicais

na dimensão cultural e social e também na esfera da educação (Rosas, 1999; Viegas e

Costa, 1998). Os anos de 1974 a 1976 são anos de transição para um modelo diferente

do anterior a todos os níveis (Rosas, 1999).

Embora a consulta pública sobre a reforma educativa tenha apenas lugar em

1980 e a aprovação da lei de bases da educação em 1986, os anos entre a Revolução de

1974 e 1980 foram anos de profundas mudanças ao nível da educação primária.

À escola foi atribuído um papel de elemento fundamental para a formação dos

cidadãos da nova sociedade que se desejava democrática e as preocupações dos

responsáveis políticos para a área da educação foram desde logo sistematizados como é

visível no programa do I Governo Provisório: "democratizar a escola, mas de modo que

funcione com eficiência, garantindo a qualidade da educação, ensino, pesquisa,

científica e criação cultural". E pela primeira vez desde a 1ª República foram elaborados

Page 2: Gustavo Cardoso

novos programas para o ensino primário (Mónica, 1978; Capelo, s.d.). A própria escola

muda na sua concepção base transformando as suas lógicas pedagógicas (Capelo, s.d.),

combinando a função principal de transmissão de saberes organizados com a de ajudar o

aluno a tornar-se crítico, desenvolver a criatividade e trabalhar em grupo.

Também ao nível dos media o 25 de Abril marca uma mudança radical de

contexto e práticas na comunicação social (Oliveira, 1992). Durante o século XX

podemos individualizar um conjunto de acontecimentos marcantes para a comunicação

social e que vão da instauração da República em 1910 até à integração europeia em

1986. Dois desses acontecimentos ocorrem no período compreendido entre 1974 e 1976

e são a revolução de 25 de Abril e o período revolucionário em curso, vulgo PREC

(Oliveira, 1992).

No período compreendido entre 1974 e 1979 podemos identificar três momentos

definidores do sistema dos media que hoje conhecemos: a libertação que ocorre logo a

seguir ao 25 de Abril, com o fim da censura e o prevalecimento de uma total liberdade

de expressão, a estatização que decorre durante 1975 (e afecta em particular a imprensa

e televisão) e a regulação legislativa de 1979 que vem definir de muitas formas o quadro

jurídico-geral da comunicação social.

Os anos entre 74 e 79 foram os anos da pulverização das rádios livres (vulgo

piratas) e também de inovação na imprensa escrita com o surgir de jornais diários fruto

de projectos comerciais, como o Correio da Manhã, de semanários de carácter também

privado e do florescer da imprensa desportiva (Oliveira, 1992). Na Televisão, 1978

marca a renovação da RTP a todos os níveis, da formação às instalações, e em 1979 o

início das emissões a cores.

Os processos de socialização escolar e a socialização veiculada pelos media

acompanharam aqueles que, nascidos desde 1967, chegaram à escola primária (hoje 1º

ciclo de escolaridade) a partir do ano lectivo de 1974/1975 e viveram a sua infância e

adolescência através de um modelo democrático de difusão de informação, cultura e

entretenimento.

Tendo o 25 de Abril de 1974 marcado assim de forma indelével a sociedade

portuguesa, e sendo possível em quase todos os indicadores encontrar uma clara

diferenciação de valores, atitudes, práticas sociais e culturais entre aqueles que

nasceram até 1967 e os que nasceram após essa data, pareceu-nos que a explicitação

dessa análise geracional comparativa poderia trazer esclarecimentos adicionais sobre as

dinâmicas da transição para a sociedade em rede no caso português. É disso que se

Page 3: Gustavo Cardoso

ocupa esta análise. Mas antes, importa debruçarmo-nos sobre as marcas de identidade

que caracterizam Portugal enquanto sociedade em transição para uma sociedade em

rede e qual o modelo informacional que aí parece despontar.

Uma sociedade em transição na rede global

Portugal quando olhado a partir de uma perspectiva de evolução de modelos de

desenvolvimento é um país que se encontra num processo de transição de uma

sociedade industrial para uma sociedade informacional.

No entanto, trata-se de uma sociedade industrial que, tal como por exemplo a

sociedade italiana, é constituída economicamente em grande medida por pequenas e

médias empresas mas que nunca se afirmou fortemente enquanto produtor industrial em

larga escala (Castells, 2002). Tendo assumido na segunda metade do século XX aquilo

que se pode designar por proto-industrialismo e procurando agora atingir um proto-

informacionalismo (Castells, 2002), Portugal ensaia através das suas múltiplas redes de

pertença, que vão da sua inserção na União Europeia, à manutenção das boas relações

na óptica da defesa com os EUA, ao estabelecer de redes de parceria com o Brasil, com

as ex-colónias colónias africanas e asiáticas e as regiões dotadas de autonomia na

vizinha Espanha, adaptar-se às condições de mudança da economia global.

Até agora na nossa análise fez-se recurso essencialmente a dados comparativos

com as regiões onde predominam as línguas de origem latina, dando também, sempre

que os dados o possibilitam, uma especial ênfase à Catalunha onde, como referido, um

estudo análogo ao aqui analisado se realizou em 2002 (Castells e outros, 2003).

Assumindo o carácter de transição da sociedade portuguesa actual segundo um modelo

de desenvolvimento informacional, e com o intuito de posicionar melhor o modelo de

sociedade rede em emergência, pode-se, também, comparar os dados de composição

social por categorias profissionais em Portugal com os do início dos anos noventa num

conjunto de economias desenvolvidas.

Page 4: Gustavo Cardoso

O quadro 1.1, onde se apresenta a composição das categorias profissionais em

países seleccionados da América do Norte, Europa e Ásia, permite percepcionar melhor

as debilidades da sociedade portuguesa na sua actual fase de proto-informacionalismo1.

Quadro 1.1 Composição das categorias profissionais em países seleccionados (%)

Categoria profissionalEUA1991

Canadá1992

ReinoUnido1990

França1989

Alemanha1987

Japão1990

Portugal1991

Portugal2001

Administradores 12,8 13,0 11,0 7,5 4,1 3,8 4,3 7,0Profissionais qualificados 13,7 17,6 21,8 6,0 13,9 11,1 5,6 8,6Técnicos 3,2 ^ ^ 12,4 8,7 ^ 7,5 9,6

Sub total 29,7 30,6 32,8 25,9 26,7 14,9 17,4 25,2

Profissionais de vendas 11,9 9,9 6,6 3,8 7,8 15,1 13,6 14,3Funcionários

administrativos 15,7 16,0 17,3 24,2 13,7 18,6 10,7 11,1Sub total 27,6 25,9 23,9 28,0 21,5 33,7 24,3 25,4

Artífices e operadores 21,8 21,1 22,4 28,1 27,9 31,8 32,8 30,3Sub total 21,8 21,1 22,4 28,1 27,9 31,8 32,8 30,3

Mão-de-obra semi-qualificada do sector deserviços 13,7 13,7 12,8 7,2 12,3 8,6 -- --

Mão-de-obra semi-qualificada do sector dostransportes 4,2 3,5 5,6 4,2 5,5 3,7 -- --Sub total 17,9 17,2 18,4 11,4 17,3 12,3 16,8 15,1

Dirigentes e trabalhadoresrurais 3,0 5,1 1,6 6,6 3,1 7,2 8,7 4,1

Não classificada -- -- 1,0 -- 3,0 -- -- --Sub total 3,0 5,1 2,6 6,6 6,1 7,2 8,7 4,1

Nota: As classificações utilizadas sofreram alguns reajustes ao longo deste período, pelo que a comparabilidade dos dados apresentados, embora emtermos gerais possível, tem de ter em conta algumas ressalvas. A soma dos números acima pode não corresponder exactamente a 100% uma vez que aspercentagens foram arredondadas. E “^” indica que o valor se encontra incluído na categoria imediatamente anterior.

Fonte Portugal: INE, Recenseamentos Gerais da População. Restantes países adaptado de Castells, 2002, p.395.

Verifica-se, ao analisar os dados presentes no quadro 1.1, que embora com uma

evolução positiva, Portugal apresenta ainda, nas categorias profissionais mais

qualificadas, valores abaixo dos apresentados pelos países mais desenvolvidos no início

da década de noventa (à excepção da França).

Quadro 1.2 Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo e respectivos rácios, Portugal eG7 (%)

Tipo de sector produtivoEUA1991

Japão1990

Alemanha1987

França1989

Itália1990

ReinoUnido1990

Canadá1992

Portugal1990

Portugal2001

1 Cada modo de desenvolvimento estrutura-se em torno de um modelo de performance emtorno do qual se organizam as actividades económicas. O industrialismo é orientado para ocrescimento económico e a maximização do output. O informacionalismo é orientado para o desenvolvimento tecnológico (ie, paraa acumulação de conhecimento e maiores níveis de complexidade no processamento de informação) (Castells, 2002).

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Indústria 1 24,9 35,8 41,5 30,6 31,9 29,6 23,5 49,7 39,3

Serviços 1 75,1 64,2 58,5 69,4 68,1 70,4 79,5 50,3 60,7

Serviços / indústria 3,0 1,8 1,4 2,3 2,1 2,4 3,3 1,0 1,5

Gestão de produtos 2 51,7 65,9 60,8 54,9 62,2 54,2 54,3 65,6 60,3

Gestão de informação 2 48,3 33,4 39,2 45,1 37,8 45,8 45,7 34,4 39,7

Gestão de informação/gestãode bens 0,9 0,5 0,6 0,8 0,6 0,8 0,8 0,5 0,7

1 Para Portugal a indústria soma os sectores extractivos, da construção e da transformação; os serviços incluem os restantes sectores.2 Para Portugal agestão de produtos inclui o sector extractivo, da construção, da transformação, dos transportes (no ano de 2001 é também incluído o sector dascomunicações) e do comércio; a gestão de informação integra os serviços públicos, as comunicações (excepto para 2001), serviços relativos àprodução, serviços sociais e serviços pessoais.

Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, restantes países adaptado de acordo com o apresentado em Castells(2002; p.389-394).

Isto é, Portugal possui ainda um número reduzido de técnicos e profissionais

altamente qualificados e um excesso relativo de mão-de-obra semi-qualificada e

artífices e operadores.

Portugal, em termos da sua estrutura de emprego, na relação entre indústria e

serviços, bem como na relação entre gestão de informação/gestão de bens encontra-se

mais próximo dos modelos alemão e italiano. A leitura que se pode tirar do quadro

anterior é que o actual momento de transição, entre um proto-industrialismo e um

estádio de informacionalismo ainda relativamente incipiente, está por um lado próximo

do modelo de produção industrial2, pois mantêm em níveis relativamente elevados

(bastante mais de um quarto da força de trabalho) o seu emprego industrial, mas ao

mesmo tempo incorpora dimensões próximas de um modelo económico de serviços3,

em que se enfatiza uma nova estrutura de emprego na qual a diferenciação entre as

várias actividades de serviços se torna o elemento chave para a análise da estrutura

social.

Com base nos dados dos vários quadros apresentados podemos obter uma

fotografia mais nítida da situação que nos permita posicionar Portugal à luz dos diversos

conceitos de desenvolvimento informacional.

2 O modelo de produção industrial é claramente representado pelo Japão e, consideravelmente, pela Alemanha, os quais, emborareduzindo também o emprego industrial, continuam a mantê-lo em níveis relativamente elevados (cerca de um quarto da força detrabalho), enveredando por um movimento muito mais gradual que permite a reestruturação das actividades industriais no novoparadigma sociotécnico. Com efeito, este modelo reduz o emprego industrial ao mesmo tempo que reforça a actividade industrial.Em parte como reflexo desta orientação, os serviços relacionados com a produção são muito mais importantes que os serviçosfinanceiros, e acabam por estar em estreita ligação com as empresas industriais. Isto não significa que as actividades financeirassejam menos importantes no Japão e na Alemanha: afinal, oito dos dez maiores bancos do mundo são japoneses. No entanto,embora os serviços financeiros sejam importantes e tenham aumentado a sua cota de participação nos dois países, a maior parte docrescimento em termos de serviços ocorre nos serviços empresariais e sociais (Castells, 2002).3 O modelo da economia de serviços é representado pelos EUA, Reino Unido e Canadá. É caracterizado pelo rápido declínio doemprego industrial após 1970, no sentido do informacionalismo acelerado. Tendo eliminado quase todo o emprego agrícola, estemodelo enfatiza uma nova estrutura de emprego onde a diferenciação entre as várias actividades de serviços se torna o elementochave para a análise da estrutura social. Este modelo destaca os serviços relacionados com a gestão de capitais relativamente aosserviços ligados à produção, mantendo a expansão do sector dos serviços sociais em virtude do enorme aumento do emprego naárea da saúde e, em menor grau, na área da educação. É também caracterizado pela expansão da categoria de gestores, que incluium número considerável de gestores de nível médio (Castells, 2002).

Page 6: Gustavo Cardoso

Portugal posiciona-se em 2001, ao nível do emprego por sector produtivo e

respectivos subsectores, próximo dos modelos francês e italiano assentes numa indústria

de transformação que atrai cerca de um terço da população. Mas no caso português essa

estrutura de ocupação é marcada por um maior peso dos sectores têxtil e da construção.

No campo dos serviços a procura de uma comparação é mais complexa.

Quadro 1.3 Distribuição do emprego por sector produtivo e respectivos subsectores, Portugal e G7(%)

SectoresEUA1991

Japão1990

Alemanha1987

França1989

Itália1990

ReinoUnido1992

Canadá1992

Portugal1990

Portugal2001

I Extractivo 3,5 7,2 4,1 6,4 9,5 1,7 5,7 13,5 5,4

Agricultura 2,9 7,1 3,2 6,3 9,5 1,2 4,4 13,1 5,0

Mineração 0,6 0,1 0,9 0,1 - 0,5 1,3 0,4 0,4

II Transformação 24,7 33,7 40,3 29,5 29,7 26,3 22,3 36,9 34,7

Construção 6,1 9,6 7,1 7,2 7,0 4,0 6,3 10,0 12,3

Electricidade, gás e água 1,1 0,6 1,0 1,0 0,8 1,2 1,2 0,7 0,7

Indústria 17,5 23,6 32,2 21,3 21,8 21,6 14,9 26,2 21,7

Alimentar 1,5 2,3 2,9 2,8 1,6 2,9 - 2,9 2,1

Têxtil 0,6 1,2 1,1 1,7 5,0 0,8 - 10,4 5,7

Metalúrgica 1,7 3,2 4,3 3,5 4,7 2,7 - 0,6 2,4

Máquinas e equipamentos 3,7 5,9 4,9 4,5 3,3 5,8 - 5,0 3,2

Produtos Químicos 1,3 1,1 2,7 1,6 1,3 1,4 - 1,5 1,2

Diversos 1 8,6 10,0 16,2 7,3 5,9 8,0 - 5,8 7,1

III Serviços de distribuição 20,6 24,3 17,7 20,5 25,8 20,7 24,0 17,0 21,0Transportes 3,6 5,0 5,9 4,3 5,2 4,3 4,1 3,7 4,5

Comunicações 2 1,4 1,0 ^ 2,2 1,3 1,9 2,1 1,1 --

Comércio 15,7 18,3 11,8 14,0 17,3 14,5 17,7 12,2 16,5

IV

Serviços relativos à produção14,0 9,6 7,3 10,0 - 12,3 11,3 3,8 7,9

Actividades financeiras 2,8 1,9 2,4 2,0 1,8 2,8 3,7 1,6 2,1

Seguros 3 2,1 1,3 1,0 0,8 - 1,2 ^ 0,4 --

Actividades imobiliárias 1,8 1,1 0,4 0,3 - 0,7 2,2 1,8 5,8

Outros 7,3 5,3 3,5 6,9 - 7,6 5,4 - -

V Serviços sociais 4 25,5 14,3 24,3 19,5 - 28,7 22,6 18,5 20,6

IV

Serviços pessoais 511,7 10,2 6,3 14,1 - 9,7 13,5 10,3 10,5

1 Inclui indústrias da madeira e cortiça; do papel, tipográficas e afins; de produtos minerais não metálicos; e outras indústrias transformadoras.2 No ano de 2001 os valores relativos às comunicações estão incluídos na categoria dos transportes.3 No ano de 2001 os valores relativos às aos seguros estão incluídos na categoria das actividades financeiras.4 Inclui administração pública e defesa; serviços de saneamento e limpeza; serviços sociais e similares; serviços recreativos e culturais; e organismosinternacionais e outros.5 Inclui serviços pessoais e domésticos; e restaurantes e hotéis. A soma dos números acima pode não corresponder exactamente a 100% uma vez que aspercentagens foram arredondadas. E “^” indica que o valor se encontra incluído na categoria imediatamente anterior.Nota: nos valores apresentados no ponto IV (Serviços relativos à produção) encontram-se apenas individualizadas as subcategorias para as quais existedisponível informação desagregada.

Fonte: Banco de Portugal (2003) e INE, Recenseamentos Gerais da População, adaptado de acordo com o apresentado em Castells (2002).

Assim, no que respeita aos serviços de distribuição, Portugal aproxima-se mais

do modelo dos EUA e Reino Unido, embora continue a sua proximidade com a França.

Page 7: Gustavo Cardoso

Já no que diz respeito aos serviços relativos à produção, apesar da diferença de uma

década em relação aos dados dos países dos G7, Portugal não atinge ainda metade da

ocupação da população registada em qualquer dos restantes países (à excepção da

Alemanha, cujos valores se referem a 1987).

No que diz respeito aos serviços sociais, Portugal parece de novo posicionar-se

perto da estrutura de emprego francesa, mas já no que diz respeito aos serviços pessoais

o seu modelo mais próximo é o vigente nos EUA e Reino Unido.

Daí que, também ao nível dos modelos de desenvolvimento informacional, não

se possa falar de uma adesão pura a um modelo económico de serviços ou a um modelo

de produção industrial. Tal fica a dever-se possivelmente ao próprio processo de

transição em curso que se manifesta de modo desigual em diferentes áreas da produção

e dos serviços. Se, ainda assim, procurarmos encontrar quais as maiores semelhanças

que Portugal apresenta com cada um dos modelos, pode-se dizer que Portugal, dada a

sua estrutura de emprego, se encontra mais próximo de um modelo de produção

industrial sem, no entanto, substituir o emprego industrial por serviços relacionados

com a produção. Por outro lado, possui um modelo de emprego nos serviços pessoais e

sociais próximo daquele que caracteriza as economias sustentadas por um modelo de

económico de serviços como os EUA e o Reino Unido. A conclusão a tirar desta análise

é que, fruto do processo de transição em curso na sociedade portuguesa, não se

configuram claramente ainda as tendências e que, a ser necessário definir uma aposta,

esta se localizaria na proximidade entre as opções feitas pela França, no sentido de um

modelo económico de serviços, que mantêm uma base industrial relativamente forte

mas com enfoque nos serviços relacionados com a produção e serviços sociais, e o

percurso incerto da Itália na construção de um modelo informacional em que também

ela se encontra em transição entre um modelo proto-industrial e um proto-

informacionalismo (assente nas pequenas e médias empresas e nas redes por elas

possibilitadas).

As tendências presentes, nos dados atrás apresentados, são também verificadas

pelos dados obtidos no inquérito em que se baseia este estudo sobre a sociedade em rede

em Portugal.

Embora em 2003 a maioria do emprego esteja concentrado no sector de serviços

está-o em serviços de tipo tradicional, como o comércio e a hotelaria (27%). Enquanto

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isso, os serviços emblemáticos das sociedades informacionais4, como os relacionados

com os serviços sociais (23,6%) e serviços às empresas (9,6%), sejam eles de produção

ou comunicações ou ainda financeiros, constituem 33% da estrutura de emprego (a que

há ainda de juntar quase 7% de trabalho doméstico).

A sociedade portuguesa apresenta assim valores muito baixos essencialmente ao

nível dos serviços relativos à produção. Se procurarmos estender a análise à comparação

entre as gerações pós-25 de Abril e as nascidas antes do 25 de Abril podemos verificar

que apesar dos problemas identificados há uma evolução positiva. Há ao longo dos

últimos 30 anos um aumento sustentado das actividades desenvolvidas pelos

profissionais intelectuais, científicos e técnicos e pelos profissionais de nível

intermédio.

Enquanto para os indivíduos nascidos antes de 1967 as duas categorias

representam apenas 11,6% da totalidade do emprego já nos mais jovens (indivíduos

maiores de quinze anos que iniciaram a sua escolaridade no pós-25 de Abril) esse valor

aumenta para 16,6%. Mas a situação portuguesa é também dual dentro da mesma

estrutura etária. Assim, embora os mais jovens tenham obtido maiores qualificações que

as gerações anteriores o peso relativo de operários não qualificados só diminuiu na

agricultura e pescas.

A percentagem de trabalhadores não qualificados dos serviços, do comércio e

indústria, comunicações e transportes praticamente mantêm-se na estrutura de emprego

entre os dois segmentos geracionais referidos (respectivamente para os mais velhos de

24,5% e para os mais jovens de 22,5%). O que se pode concluir desta leitura?

Por um lado o sistema produtivo em termos das competências necessárias não

terá evoluído na mesma proporção que o sistema educativo (isto apesar do sistema

educativo ser ainda muito frágil dada a sua elevada taxa de abandono escolar). Por outro

lado, visto que existe um ligeiro decréscimo intergeracional entre os operários e artífices

(de 21,1% para os mais velhos e 19,2% para os mais jovens), há uma recomposição das

qualificações, ainda que lenta, pelo que se assiste ao aumento de trabalho administrativo

(onde o emprego jovem aumenta em 4% face ao emprego dos mais velhos - 12,1% e

4 Os serviços sociais englobam: serviços médicos, hospitais, educação, serviços religiosos e de bem estar social, organizações semfins lucrativos, serviços postais, órgãos de governo e serviços sociais diversos. Os serviços pessoais englobam: serviços domésticos,serviços de hotelaria, bares e restaurantes, serviços de reparação, lavandaria, cabeleireiros, entretenimento, serviços pessoaisdiversos. Os serviços de distribuição englobam: transportes, comunicações, comércio por grosso, comércio a retalho. Os serviçosrelativos à produção: actividades financeiras, seguros, actividades imobiliárias, engenharia, contabilidade, serviços empresariaisdiversos, serviços jurídicos (adaptado de Castells, 2002: 410).

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8,7%) mas também ao nível dos serviços e vendas que representam 18,7% do emprego

jovem e apenas 13,3% entre os nascidos antes de 1967.

No contexto da era da informação, das sociedades informacionais e de uma

organização social em rede, a situação portuguesa é particularmente complexa. Embora

sejam evidentes os sinais de transição para um modelo de organização social em rede (e

a consequente formação de uma sociedade em rede proporcionada pela utilização da

internet) e uma transição para um maior número de analistas simbólicos (Reich, 1991),

característicos das sociedades informacionais - mas ainda distantes, por exemplo, dos

18,5% da Catalunha (Castells e outros, 2003) - assiste-se, como se viu, a aspectos que

são ainda característicos dos modelos industriais.

Portugal e os diferentes modelos económicos de SociedadesInformacionais

Se os dados até aqui apresentados nos permitem clarificar o estado da transição

da sociedade portuguesa para um modelo informacional, e a constituição de uma

sociedade em rede, há ainda que contextualizar essa transição em função dos diferentes

modelos de sociedades líderes da dimensão informacional e das economias dinâmicas,

de que os EUA, Finlândia e Singapura (Castells e Himanen, 2002) são exemplos

paradigmáticos.

A análise dos diferentes modelos de sociedade informacional pode tomar como

ponto de partida a individualização de quatro dimensões (tecnologia, economia, bem-

estar social e valores) através das quais se pode compreender melhor qual a posição

relativa de Portugal no panorama global das sociedades informacionais (Castells e

Himanen, 2002).

Pode-se considerar que uma sociedade é informacional (Castells e Himanen,

2002) se possui uma sólida tecnologia de informação (infraestrutura, produção e

conhecimento). Os países aqui seleccionados, Finlândia, Estados Unidos e Singapura,

são sociedades informacionais avançadas. São igualmente economias dinâmicas porque

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são internacionalmente competitivas, tem empresas produtivas e são inovadoras. Mas

porque “a tecnologia e a economia não são mais do que uma parte da história” (Castells

e Himanen, 2002: 31), pode-se dizer que uma sociedade é aberta se o é politicamente,

isto é, ao nível da sua sociedade civil, e se está aberta aos processos globais. Igualmente

o seu bem-estar social pode ser avaliado em função da sua estrutura de rendimentos e da

cobertura oferecida aos seus cidadãos em matéria de saúde e educação.

Os dados presentes nos quadros seguintes comparam Portugal com três modelos

de sociedades informacionais. Que são respectivamente os modelos que se podem

designar por Silicon Valley, o modelo de uma sociedade orientada pelo mercado e

aberta, por Singapura, o modelo de um regime informacional autoritário e, por fim, o

modelo Finlandês de uma sociedade providência informacional.

A qualificação de uma sociedade como informacional baseia-se assim numa

sólida tecnologia de informação ao nível das infra-estruturas, produção e conhecimento.

Como se posiciona Portugal nessas dimensões?

Portugal no que se refere ao índice de desenvolvimento tecnológico encontra-se

(UNDP, 2001: 48) em 27º lugar na segunda divisão de países – os denominados líderes

potenciais. Sendo essa segunda divisão comandada pela Espanha (19º lugar) e pela

Itália (20º lugar).

Ao nível da infra-estrutura Portugal apresenta valores para o número de

máquinas ligadas à internet (hosts) por 10000 habitantes de 25% dos valores das

economias avançadas e de 14% da Finlândia. No entanto, a situação inverte-se

totalmente quando se compara o número de contratos de uso de telemóveis por 1000

habitantes. Portugal encontra-se em sexto lugar (774) num ranking mundial liderado

pela Itália (883) e seguido por três países escandinavos (Islândia, Noruega e Finlândia).

Portanto, embora possuindo uma baixa infra-estrutura ao nível da internet pode

dizer-se que Portugal possui uma infra-estrutura de tecnologias móveis claramente

acima da média global.

O panorama ao nível da produção já não é tão optimista pois Portugal possuí

uma muito baixa taxa de exportações de alta tecnologia, atingindo apenas um quarto da

média das economias mais avançadas (Portugal 6, para 21 por parte das economias

avançadas5). Representando apenas 10% dos valores atingidos por Singapura, a sua

maior proximidade é junto do modelo Finlandês, atingindo os valores portugueses 26%

5 Os valores referentes às “economias avançadas” foram adaptados sempre que possível dos cálculos já disponíveis(Castells e Himanen, 2002), quando se conclui pela necessidade de um novo cálculo optou-se por utilizar os dadosreferentes aos G7, por vezes, utilizando para o cálculo da média também dados dos países OCDE mais desenvolvidos.

Page 11: Gustavo Cardoso

da totalidade das exportações de alta tecnologia da Finlândia (um país que na década

anterior passou de valores similares a Portugal para os actuais 23%). Completando a

contextualização desta análise, se compararmos a relação entre exportações de produtos

primários e manufacturados das quatro economias a sua estrutura é similar

(respectivamente 14% e 86%) pelo que é ao nível das exportações de alta tecnologia que

as diferenças surgem para Portugal.

Se utilizarmos a medida “comércio electrónico” para caracterizar o

desenvolvimento da área de serviços e vendas de uma economia, o panorama português

é um misto de valores positivos e negativos. Se, por um lado, acompanhou entre 1998 e

2001 as taxas de crescimento de mais de 600% de servidores seguros da Finlândia (e fê-

lo acima da média das economias mais avançadas). Por outro lado, possui uma das mais

baixas taxas de servidores seguros por 100,000 habitantes (apenas 2,34, um valor que

representa apenas 14,3% da média das economias mais avançadas).

A leitura destes valores tem de ter presente também a sua relação com o número

de utilizadores, pois um valor elevado de utilização é indicador também de um maior

potencial de mercado. Sem número elevado de utilizadores não há incentivo ao aumento

do comércio electrónico (seja ao nível inter-empresas ou com particulares). Embora em

2003, segundo os dados do nosso inquérito, Portugal possuisse 29% da sua população

como utilizadores directos da internet, sendo em 2001 os valores de utilização cerca de

18% (INE, 2003), o que representa uma taxa de crescimento de 60% em dois anos,

Portugal encontra-se ainda bastante distante dos cerca de 50% de qualquer dos três

modelos aqui analisados. Tal indicia um mercado ainda relativamente restrito para o

desenvolvimento do comércio electrónico interno.

No entanto, há outro dado que pode dar uma visão mais positiva que é a relação

entre o número de hosts e o número de servidores seguros. Aí Portugal, embora

claramente distante das performances das economias avançadas (onde a relação é de 1

servidor seguro para apenas 692 máquinas com endereço IP) situa-se na mesma ordem

de grandeza que os EUA ou a Finlândia.

Mas ao falar de tecnologias de informação estamos igualmente a falar de

conhecimento e embora tenhamos já abordado algumas das dimensões, nomeadamente

ao nível das qualificações para o emprego, os dados coligidos na comparação

internacional no quadro 3.30 confirmam as tendências anteriormente apontadas.

Page 12: Gustavo Cardoso

Portugal possui mais do que um mero embrião ao nível das competências

tecnológicas mas relativamente aos níveis necessários a uma economia informacional

encontra-se aparentemente ainda muito distante de os atingir.

Se não vejamos: quanto aos estudantes do ensino superior da área das ciências

(exactas, naturais e tecnológicas), os rácios parecem colocar Portugal ao nível dos EUA

mas essa aparente semelhança mascara o facto de grande parte dos investigadores

contratados nas empresas de alta tecnologia nos EUA terem obtido a sua formação no

exterior (Castells e Himanen, 2002).

Portanto a comparação deverá ser feita com os dois outros modelos, Singapura e

Finlandês. Uma comparação que é claramente negativa para Portugal. Pois, embora

apenas a três pontos percentuais da média das economias avançadas, na realidade a

formação na área das ciências em Portugal representa cerca de 50% da realizada em

economias líder como as da Finlândia e Singapura.

Se olharmos para o número de cientistas e engenheiros em I&D em Portugal, e

os compararmos com os demais países observados, compreende-se que o actual esforço

não permite por si só recuperar o atraso, pois parte-se igualmente de uma posição muito

débil.

Ou seja, por milhão de pessoas, Portugal possui 1576 cientistas e engenheiros a

realizar investigação e desenvolvimento quando a média das economias avançadas é

superior em 76% (a relação para com a Finlândia é de 1 para 3 investigadores e

engenheiros e de 1 para 2,5 para os dois restantes países em análise).

Todos os factores analisados e referentes às competências adquiridas, estrutura

de emprego e predominância de áreas de baixa e média tecnologia na economia tem

visibilidade ao nível da produtividade comparada da economia portuguesa e do seu PIB

per capita.

Num índice 0-100 de competitividade, onde a média das economias avançadas é

de 69 pontos, Portugal ocupa a 32º posição com um índice de 58 pontos, estando as

economias líder aqui analisadas entre os 80 e os 100 pontos e ocupando as três

primeiras posições ao nível da competitividade global. O PIB per capita português

representa 67% da média das economias mais avançadas.

Quadro 1.4 Comparações internacionais no domínio da tecnologia

Finlândia USA Singapura PortugalEconomiasAvançadas

Page 13: Gustavo Cardoso

Máquinas ligadas à internet· (por 10.000 hab.) 1 1707,25(3) 3714,01(1) 478,18 239,28 819,15

Contratos de telemóvel (por 1.000 hab.) 2 804 451 724 774 740

Percentagem de exportações de alta tecnologiasobre o total de exportações 2 23 32 60 6 21

Comércio electrónico (servidores seguros por 100000 habitantes) 3 14,9 33,28 (1) 17,31 2,34 16,3

Taxa de crescimento servidores seguros, 1998-2001 (%) 656 397 527 600 555

Relação entre hosts e servidores seguros (2001) 1144 1139 357 1054 692Utilizadores de internet (%) (2001) 4 46 49 (4) s.d. 18 33

Rácio de participação da população estudantilensino superior em ciências (%) 27,4 13,9 24,2 12,0 15,0

Cientistas e Engenheiros em I&D(por milhão de pessoas) 2 5059 4099 4140 1576 2778

1 Valores para todos os países obtidos em World Indicators, International Telecommunication Union 2002 (ITU) emhttp://www.itu.int/itunews/issue/2002/04/table4.html.2 Valores para todos os países obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003.3 Valores obtidos por Netcraft em Dezembro de 2001 em http://www.atkearney.com/shared_res/pdf/Secure_servers_2002_S.pdf. Valor de hosts obtidoa partir World Indicators, International Telecommunication Union (ITU) em http://www.itu.int/itunews/issue/2002/04/table4.html.4 Adaptado de Castells e Himanen, 2002, excepto dados de Portugal obtidos junto do Instituto Nacional de Estatística em http://alea-estp.ine.pt/html/actual/pdf/actualidades_42.pdf.5 Adaptado de Castells e Himanen, 2002, excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Develop Report 2001. Definição da Unescopara o indicador em causa: “gross enrolment in tertiary education – total enrolment in tertiary education regardless of age, expressed as a percentage ofthe population in the five-year age group following the secondary-school leaving age”.

A medição do crescimento da capitalização bolsista portuguesa é outro sinal da

pouca competitividade da economia. Aos 24% de capitalização entre 1998 e 2000

opõem-se os 894% de capitalização bolsista finlandesa.

No entanto, a fraca performance da economia portuguesa não pode ser explicada

apenas pela falta de competências especializadas em tecnologias avançadas, nem apenas

na estrutura de emprego desequilibrada ou na predominância de áreas de baixa e média

tecnologia na economia. Porque as causas também se encontram ao nível do

investimento em inovação. As economias informacionais são baseadas na inovação

enquanto as industriais se centram na optimização do crescimento económico. Daí, que

o investimento em I&D em percentagem do PIB indique até que ponto uma sociedade

interiorizou na sua esfera económica um modelo de desenvolvimento informacional e o

despontar de uma organização económica em rede que acompanha esse movimento de

reestruturação (Castells, 2002, 2003a, 2003b, e 2004a).

Quadro 1.5 Comparações internacionais de indicadores de desenvolvimento informacional

Finlândia USA Singapura PortugalEconomiasAvançadas

Competividade (índice 0-100) 1

(*) posição relativa 83 (3) 100 (1) 88 (2) 58 (32) 69

PIB per capita ($ EUA) 2 24430 34320 (3) 22680 18150 27009

Produtividade(industrial: índice 100 = EUA) 99 100 s.d. s.d. s.d.

Crescimento da capitalização bolsista, 1996-2000 (%) 3 894 429 s.d. 24 s.d.

Investimento em I&D em % do PIB(1996-2000) 4 3,1 (3) 2,6 1,9 0,7 2,0

Page 14: Gustavo Cardoso

Receitas derivadas da propriedade intelectual elicenças($ EE.UU. por 1.000 hab.) 4 126 (5) 130 (4) 26 2,5 26

1 Adaptado de Castells e Himanen 2002 excepto valores para Portugal obtidos directamente da fonte citado na obra, isto é, o IMD.2 Valores para todos os países obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003.3 Adaptado de Castells e Himanen 2002, excepto dados de Portugal obtidos na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários emhttp://www.cmvm.pt/consulta_de_dados_e_registos/indicadores/indicadores.asp , os valores para Portugal referem-se a 1997-2000 (Acções - BVL 30).4 Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2001.

Para uma média em 2000 de 2% do PIB nas economias avançadas investido em

I&D, Portugal investiu apenas 0,7% quando qualquer dos modelos analisados se coloca

acima dos 2%, com a Finlândia a atingir os 3,1% do produto interno bruto.

Outro indicador, igualmente representativo, corrobora essa tendência da

economia portuguesa. As receitas derivadas de propriedade intelectual ou licenças

concedidas a terceiros representa apenas 2,5 dólares por 1000 habitantes o que identifica

a nossa dependência da inovação de terceiros mercados. A título de exemplo a Finlândia

obtém 126 dólares, os EUA 130, a Irlanda 110,3 e a Espanha e Itália 8,6 e 9,8.

A leitura que se pode tirar das comparações nas dimensões infra-estruturais de

produção e conhecimento tecnológico é a de uma confirmação da posição de Portugal

como uma sociedade proto-informacional, ou, se preferirmos em transição para uma

sociedade informacional. Uma sociedade onde a manifestação das estruturas

organizativas e de produção em rede despontam e convivem com os, ainda dominantes,

modelos económicos característicos das sociedades industriais.

Sociedades informacionais, valores e bem-estar social

Como já vimos as sociedades informacionais não são apenas caracterizadas pela

sua apropriação da tecnologia mas também pela sua abertura interna e bem-estar social.

Em Portugal não vigora um regime autoritário, os valores predominantes na

sociedade são hoje os de uma sociedade aberta. A abertura de uma sociedade pode ser

medida através de várias dimensões, como por exemplo em função da posição relativa

que a população reclusa tem face à totalidade da população. Como se pode verificar

pelo quadro 3.31, se o modelo Finlandês se caracteriza por um rácio dez vezes mais

baixo que o dos EUA, Portugal tem valores duas vezes superiores à Finlândia,

evidenciando, ainda assim uma maior proximidade a este último modelo.

Page 15: Gustavo Cardoso

Ao nível da igualdade entre homens e mulheres encontra-se ainda abaixo da

média das economias avançadas (629 para Portugal e 661 para as economias avançadas)

posicionando-se exactamente a meio do intervalo entre o modelo mais desigual

(Singapura 509) e o modelo mais igualitário (Finlandês 783).

Se nesta obra analisámos a estrutura de rendimentos da população portuguesa

em função de comparações intergeracionais (e genericamente face a modelos de

distribuição de rendimentos) podemos igualmente comparar o bem-estar da população

portuguesa face aos modelos de bem-estar associados aos três modelos de sociedade

informacional em análise (Finlandês, Singapura e Silicon Valley).

Assim no que diz respeito ao rácio dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais

pobres o modelo finlandês de providência informacional é aquele que apresenta uma

maior igualdade de rendimentos (3,6).

No campo oposto, o modelo informacional liderado pelo mercado (Silicon

Valley) ou o autoritário (Singapura) apresentam distribuições de rendimentos muito

mais desequilibradas, ocupando respectivamente o terceiro e o segundo lugar no ranking

das economias avançadas, com a pior relação entre os rendimentos dos mais ricos e dos

mais pobres (8,9 e 9,6).

Portugal encontra-se, mais uma vez numa situação intermédia entre os dois

modelos. No entanto, o seu coeficiente de Gini (35,6), no qual 100 representa

desigualdade absoluta, a situação em que uma pessoa obtêm tudo e os demais nada, e o

valor 0 representa igualdade absoluta em que todos recebem exactamente o mesmo,

coloca-o mais próximo do modelo Silicon Valley (40,8) do que do modelo finlandês

(25,6) e claramente acima da média das economias avançadas (28,6)6.

O bem-estar social está assim associado à distribuição de rendimentos mas

também à educação e à saúde. Se pensarmos em termos de cobertura de cuidados de

saúde, Portugal com o seu Serviço Nacional de Saúde (SNS) segue claramente o

modelo finlandês, com a sua cobertura da totalidade da população e afasta-se do modelo

informacional de Silicon Valley onde existe uma percentagem considerável da

população excluída do acesso ao sistema de seguros de saúde (18%).

6 Vale a pena no entanto relembrar que se a análise ocorrer entre diferentes gerações o coeficiente de Gini colocará as geraçõesnascidas depois de 1967 muito mais próximas das sociedades informacionais de providência do que dos modelos informacionaisdirigidos pelo mercado.

Page 16: Gustavo Cardoso

Quadro1.6 Comparações internacionais de indicadores de bem estar social

Finlândia USA Singapura PortugalEconomiasAvançadas

Taxa combinada de estudantes de primeiro,segundo e terceiro ciclo 1 103 (4) 93 75 (-1) 93 94

Literacia funcional (%) 2 89,6(2) 79,3 s.d. 52 83

Esperança de vida à nascença (anos) 1 77,4 76,8 77,4 75,5 78

Cobertura de cuidados de saúde (%) 3 100 82 s.d. 100 s.d.Racio dos 20% mais ricos em relação aos 20%

mais pobres.4 3,6 (3) 8,9 (-3) 9,6 (-2) 5,9 5,8

Percentagem de população inferior à linha depobreza 5 3,8 (4) 14,1 (-4) s.d. 21 10,6

Coeficiente Gini 6 25,6 40,8 s.d. 35,6 28,571 Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2001.2 Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2003. Calculado a partirdo indicador “Lacking funtional literacy Skills” em http://hdr.undp.org/reports/global/2003/pdf/hdr03_HDI.pdf.3 Adaptado de Castells e Himanen (2002) excepto dados para Portugal. Dado a existência de um Serviço Nacional de Saúde com universalidadepressupõe-se a cobertura da totalidade da população portuguesa.4 Adaptado de Castells e Himanen 2002 excepto dados para Portugal de World Development Report on poverty do Banco Mundial emhttp://www.worldbank.org/poverty/wdrpoverty/.5 Adaptado de Castells e Himanen 2002. Pra Portugal, valor obtido em Capucha (2004), Desafios da Pobreza, Lisboa, ISCTE, p.131 (Tese deDoutoramento). Medida de pobreza relativa, referida a um limiar de 60% da mediana do rendimento disponível nos agregados domésticos.6 Dados para todos os países baseados em World Development Report on poverty do Banco Mundial emhttp://www.worldbank.org/poverty/wdrpoverty/. No coeficiente Gini 100 representa desigualdade absoluta, a situação em que uma pessoa obtêm tudo eos demais nada. O valor 0 representa igualdade absoluta, em que todos recebem exactamente o mesmo.

Ao nível da educação valerá igualmente a pena referir que a abertura de uma

sociedade informacional não depende apenas da taxa combinada de estudantes dos três

ciclos a qual, apesar do elevado abandono7, que a taxa não leva em consideração, coloca

Portugal ao nível dos EUA e da Finlândia.

No entanto, no que respeita à alfabetização funcional, ou seja, a capacidade de

aplicar os conhecimentos adquiridos ao nível escolar na sociedade onde se insere,

Portugal apresenta resultados muito negativos com uma taxa de apenas 52% para uma

média das economias avançadas de 83% e de mais 80% para os EUA e a Finlândia.

Quadro 1.7 Comparações internacionais de indicadores de cidadania

Finlândia USA Singapura Portugal EconomiasAvançadas

Liberdade dos meios de comunicação (índice0-100; 0 = livre) 1

10(livre)

17(livre)

66 (-1)(não livre)

15(livre)

17(livre)

Igualdade de género(0-1.000, 0 = desigual) 2 783 (3) 738 509 (-4) 629 661

Pertença a associações 3 1,8 1,1 s.d. 1,4 s.d.

População reclusa (por cada 100.000 hab.) 4 (*)posição relativa 71 (-157) 701 (-1) 388 (-18) 134 (-93) 126

Estrangeiros ou nascidos no estrangeiro (% depopulação) 5 2,5 10,4 s.d. 4,1 s.d.

Meio ambiente: emissão de CO2 (toneladasmétricas per capita) 2 10,9 20,1 (-2) 23,4 (-1) 5 10,4

1 Adaptado de Castells e Himanen (2002), todos os dados de Press Freedom Survey 2003 em http://www.freedomhouse.org/ .

7 Os dados indicam que as taxas de abandono na UE são relativamente altas com uma média de 22,5 %. No entanto, existemdiferenças acentuadas entre estados membros. Assim os estados do norte da Europa possuem melhores resultados do que osrestantes. Portugal (40,7 %), Itália (30,2 %), Espanha (30,0 %) e Reino Unido (31,4 %) possuem taxas muito elevadas, enquanto aAlemanha (13,2 %), Áustria (11,5 %) e os países escandinavos (Suécia 9,6 % e Finlândia 8,5 %) apresentam valores abaixo damédia (em http://europa.eu.int/comm/education/policies/educ/indic/rapinen.pdf).

Page 17: Gustavo Cardoso

2 Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos no relatório UNDP Human Development Report 2001.3 Adaptado de Castells e Himanen (2002), excepto dados de Portugal obtidos directamente no presente estudo. Os valores referem-se apenas às pessoascom formação primária.4 Dados para todos os países baseados em International Center for Prison Studies do Kings Colledge.http://www.kcl.ac.uk/depsta/rel/icps/worldbrief/highest_to_lowest_rates.php.5 Adaptado de Castells e Himanen 2002, excepto dados de Portugal obtidos no relatório sobre a população do Instituto Nacional de Estatística.

Portugal é uma sociedade aberta também quanto à sua relação com os interesses

globais ao nível do ambiente, com emissões de CO2 (toneladas métricas per capita),

claramente abaixo das médias das economias avançadas (embora tenhamos de ter

presente que parte desse baixo valor tem mais a ver com a incipiente industrialização da

economia portuguesa ao longo do século XX do que com a aplicação de políticas

ambientais).

A inserção numa sociedade global é igualmente possível de aferir em função da

percentagem do número de estrangeiros ou nascidos no estrangeiro que uma sociedade

alberga no seu seio.

Os dados utilizados nesta comparação para Portugal merecem um

enquadramento prévio. Ao estabelecer uma diferença entre População estrangeira

residente8 e população com autorização de permanência9 os valores utilizados na

comparação referem-se à soma dos dois grupos. A sociedade portuguesa em termos de

abertura a populações estrangeiras está mais próxima da sociedade norte-americana do

que do modelo Finlandês, face à qual possui quase o dobro de percentagem de

população estrangeira (respectivamente 2,5 e 4,1)10.

Historicamente Portugal também apresenta valores baixos de participação

associativa (Cabral, 1997). No presente estudo cerca de 78,8% dos inquiridos não

pertencem a nenhuma Associação. Apenas um quinto da população (21%) declarou

pertencer a alguma associação, clube, organização não governamental (ONG),

sindicato, partido político ou qualquer entidade associativa.

Um valor que se mantêm constante quer entre os jovens quer nas gerações mais

velhas e que se pode considerar relativamente baixo quando comparamos, por exemplo,

com a média europeia de pertença (56%)11.

O associativismo português é muito fragmentado por temáticas e é com alguma

frequência cumulativo. Se regressarmos à comparação entre a situação portuguesa e os 8 População estrangeira com estatuto legal de residente – Conjunto de pessoas de nacionalidade não portuguesa com autorização oucartão de residência, em conformidade com a legislação de estrangeiros em vigor. Não inclui os estrangeiros com a situação regularao abrigo da concessão de autorizações de permanência, de vistos de curta duração, de estudos, de trabalho ou estada temporária,bem como os estrangeiros com a situação irregular (INE http://alea-estp.ine.pt/html/actual/html/act39.html ).9A partir de Janeiro de 2001 foi criado um novo dispositivo legal: População estrangeira com autorização de permanência –Conjunto de pessoas de nacionalidade não portuguesa, titulares de uma autorização de permanência em Portugal, em conformidadecom a legislação de estrangeiros em vigor (INE http://alea-estp.ine.pt/html/actual/html/act39.html ).10 Para mais informações ver também Pires (2003).11 Adaptado de Eurobarometer 50.1 (1998).

Page 18: Gustavo Cardoso

modelos de sociedade informacional atrás enunciados, também ao nível da pertença a

associações os valores para Portugal (1,4) do número de associações em que se

encontram envolvidos os cidadãos está exactamente no meio do intervalo entre os

valores caracterizadores do modelo Silicon Valley (1,1) e os do modelo Finlandês (1,8).

As pertenças mais frequentes remetem para associação/clube desportivo (46,2%

dos que declaram pertencer a alguma associação); associação cultural e recreativa

(18,5%); sindicato (11,3%); associação profissional (10,4%); e associação religiosa e

paroquial (7,8%). Ainda assim, quando se participa em alguma associação o grau de

envolvimento é elevado para a maioria dos participantes, em média quase sempre acima

dos 70%. Sendo os casos de maior participação os presentes nos membros de

associações ecologistas e de protecção de animais (100%). Por sua vez as taxas de

participação mais baixas registam-se nas associações de consumidores e de defesa dos

direitos humanos (50%). Os sindicatos (58,6%) e partidos políticos e ONG’s solidárias

(64,3%) encontram-se por sua vez bastante próximas dos valores da maioria dos tipos

de associações listadas na nossa análise.

Um dos indicadores de uma sociedade informacional é também a relação entre

essa sociedade e os seus media, isto é, tanto a liberdade dos meios de comunicação em

expressarem livremente as notícias e as opiniões como também a relação entre os

fruidores e produtores de informação.

Os valores de liberdade dos meios de comunicação para Portugal (17)

encontram-se dentro do intervalo definido para o segundo grupo (11-20 numa escala de

0 a 100, sendo 0 a liberdade total) e do valor médio que caracteriza a liberdade de

imprensa nos países com economias avançadas (17) e onde existe maior liberdade de

imprensa (embora com valores inferiores aos da Finlândia e EUA, respectivamente com

rácios de 10 e 17, ambos pertencendo ao grupo com maior liberdade de comunicação).

Para a caracterização da liberdade dos meios de comunicação são tomados em conta o

enquadramento legal da actividade jornalística, as influências políticas e as pressões

económicas sobre a liberdade de comunicação. Portugal entre 2001 e 2003 melhorou o

seu rácio geral em 2 pontos (passando de 17 para 15) seguindo uma tendência similar à

da Finlândia, enquanto os Estados Unidos tiveram um comportamento oposto (de 17

para 19) e Singapura continua a ser considerado um país sem liberdade para os meios de

Page 19: Gustavo Cardoso

comunicação 12. A evolução positiva de Portugal mascara no entanto que o valor final se

fica a dever a uma avaliação positiva da evolução das leis e da regulação que

eventualmente influenciem o conteúdo dos media, a qual é contrabalançada por uma

deterioração das pressões económicas sobre o conteúdo dos media. Citando o relatório

Press Freedom Survey de 2003, “Embora a maioria dos meios de comunicação sejam

independentes do Estado, no entanto, a posse de jornais, rádio e televisão encontra-se

nas mãos de quatro companhias de media”13.

Uma sociedade desinformada no contexto informacional

A sociedade portuguesa era antes de 1974 uma sociedade maioritariamente

desinformada, no sentido em que a maior parte da sua população não possuía

escolaridade acima do quarto ano.

Embora as novas gerações, ao longo dos últimos 30 anos, tenham introduzido

mudanças fundamentais nesse quadro, a sociedade portuguesa encontra-se ainda longe

de poder ser caracterizada como possuindo os requisitos necessários a uma manipulação

generalizada da informação por parte da maioria dos seus membros (para já não falar

dos cerca de 7% dos nascidos até 1967 que são analfabetos).

Se em termos das competências adquiridas a situação mudou para as gerações

pós-25 de Abril de 1974, já para as mais velhas pouco ou nada se alterou, fruto de um

fraco investimento nas qualificações escolares dos mais velhos.

Assim, se para os nascidos depois de 1967 mais de 70% possuem nove ou mais

anos de escolaridade concluídos, o oposto ocorre entre os mais velhos (perto de 70%

têm seis ou menos anos de escolaridade).

Os cidadãos com estudos superiores concluídos em Portugal representam hoje

cerca de 10,3%, aos quais haverá a somar em breve os jovens a frequentar hoje o ensino

12 Iguais posições surgem quando se olha para a análise da presença online na internet, Finlândia, Portugal e EUA encontram-seentre os menos restritivos às liberdades de comunicação e Singapura encontra-se entre os moderadamente livres (Press FreedomSurvey 2001).13 Em http://www.freedomhouse.org/pfs2003/pfs2003.pdf

Page 20: Gustavo Cardoso

superior (e que representam 3% da população). Numa lógica de incremento da formação

da população, entre aqueles que iniciaram a escolaridade em 1974 os que concluíram o

ensino superior representam 12,5%, enquanto nos nascidos até 1967 esse valor é de

8,7%.

No entanto, esses valores não são ainda suficientes para alterar a sua

caracterização em termos de uma população desinformada, pois se tomarmos em conta

algumas comparações internacionais, com dados de 1999, veremos que embora em

termos da percentagem de população que não continuou ou seus estudos para além do 9º

ano (74,6%) nos aproximemos dos valores da Espanha (64,1%), estamos muito longe

dos 21,5% dos Estados Unidos da América ou dos 24,1% da França (Castells e outros,

2003).

Quadro 1.9 Comparação internacional da taxa de utilização da internet por escalões etários (%)

ReinoUnido

Portugal Alemanha Hungria Itália Japão Coreia Espanha EUA

16 a 24 anos 80,1 58,8 59,6 45,1 66,4 80,6 95,1 70,2 90,8

35 a 44 anos 72,8 30,4 55,6 13,7 37,4 63,0 49,5 31,7 74,5

55 a 64 anos 38,7 5,4 31,6 4,3 9,0 22,2 11,5 11,7 67,3

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 para Portugal, todos os restantes países WIP (World Internet Project).

No que respeita aos estudos completados no ensino superior a posição de

Portugal é ligeiramente menos desfavorável com a probabilidade de atingir os cerca de

12% da população com o ensino superior dentro de 3 a 5 anos. Está assim, com os seus

actuais 10% a 11%, mais próximo da Catalunha (12%), ou da Espanha (13,1%) no seu

conjunto, mas ainda longe dos 18% da França ou dos 28% dos Estados Unidos da

América (Castells e outros, 2003).

Quadro 1.10 Comparação internacional da taxa de utilização da internet na população com o ensinosecundário e superior (%)

Secundário Universitário

Reino Unido 64,4 88,1

Portugal 64,8 75,1

Alemanha 66,0 62,6

Hungria 14,6 45,5

Itália 53,5 77,3

Japão 45,7 70,1

Coreia 44,9 77,7

Macau 49,5 76,7

Page 21: Gustavo Cardoso

Singapura 66,3 92,2

Espanha 47,6 80,5

Suécia 76,4 83,8

Taiwan 18,2 54,9

EUA 61,0 87,1

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003 para Portugal, todos os restantes países WIP (World Internet Project).

Os quadros 1.9 e 1.10 mostram também a relação que se estabelece com a

utilização da internet segundo a idade e o grau de educação. Embora nos capítulos

anteriores já se tenha abordado esta temática e estabelecido a relação existente entre

grau de escolaridade mais elevado e maior propensão para a utilização da internet, vale

a pena introduzir aqui também a dimensão geracional.

Portugal nos intervalos de idade até aos 30 anos possui sempre mais de 50% da

população desse escalão etário como utilizadores de internet existindo a partir daí uma

quebra continuada e abrupta próximo dos 50 anos. Essa não é uma situação comum a

todos os países analisados, mas é similar à situação da Itália, da Espanha e da Catalunha

países e nações com os quais Portugal partilha situações similares no campo da

educação, nomeadamente ao nível do abandono escolar precoce e de uma estrutura de

competências educacionais de base relativamente baixas (UNDP, 2003; Castells e

outros, 2003).

A hipótese de um maior domínio das competências formais ligada ao maior

número de utilizadores da internet parece ser demonstrável14. Independentemente das

sociedades onde a análise se realiza, quanto maior o número de pessoas com mais

escolaridade maior o número de utilizadores de internet. De facto, todas as análises

internacionais (Castells e outros, 2003) estabelecem uma correlação muito forte entre o

nível de educação formal e a utilização da internet. Uma correlação também detectável

na analise realizada na população portuguesa.

No caso português essa relação entre escolaridade e utilização de internet ganha

contornos de um fosso geracional. Não porque a internet seja uma tecnologia dos mais

jovens15 (eles poderão ser adoptantes iniciais mas não existem à partida contornos de

exclusividade geracional dos usos), mas sim porque as competências educacionais mais

elevadas estão concentradas na população mais jovem.

14 Obviamente que não se deve também esquecer a dimensão financeira que pode, por exemplo, explicar os baixos valoresassociados à utilização na Hungria que é um país com elevado grau de literacia e com índice de cobertura educacional semelhanteao da Itália (UNDP 2003). A dimensão rendimento parece assim poder surgir como condição necessária mas não suficiente parajustificar a utilização da internet.15 Embora as taxas de utilização sejam sempre mais elevadas entre estes, a tendência é, nos diversos países analisados no WIP, deaproximação à estrutura populacional dos países em causa, como demonstram os casos dos EUA, Reino Unido e Alemanha.

Page 22: Gustavo Cardoso

São também aqueles que iniciaram a sua vida escolar após o 25 de Abril que

dominam melhor as tecnologias digitais, sejam elas o DVD (22,3% vs. 68,3%) ou os

jogos de consola ou para Pc (6,7% vs. 40,6%).

A sociedade portuguesa no despontar da sociedade em rede parece assim ser

uma sociedade onde, em termos educacionais, se tivéssemos apenas em atenção todos

os que nasceram após 1967 (quadro 8.3), encontraríamos uma sociedade mais bem

preparada para os desafios da Era da Informação e melhor posicionada na comparação

com os dois pólos de desenvolvimento em que Portugal, fruto da sua lógica de redes de

aliança e pertença político-económico-militar, se ancora: a Europa e os Estados Unidos.

Quadro 1.11 Nível de escolaridade segundo geração (%)

Nível de escolaridade (concluído) Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total

Até 2º ciclo do ensino básico 73,8 32,2 55,7

3º ciclo do ensino básico 9,8 30,7 18,9Ensino secundário 7,7 24,6 15,1

Ensino superior 8,7 12,5 10,3

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

A diferença geracional é também evidente quando se comparam práticas

comunicativas embora, apesar das diferenças gerais, encontremos uma hierarquização

idêntica na valorização de quais as duas actividades mais realizadas, quer por parte de

quem nasceu até 1967, quer por parte de quem nasceu depois de 1967 (ver TV 99,0%

vs. 99,6%; e encontrar-se com familiares e amigos 90,9% vs. 97,6%).

A divisória surge essencialmente ao nível das apropriações dos diferentes media

e das práticas culturais, desportivas e de culto religioso.

Quadro 1.12 Enumeração das actividades desenvolvidas na esfera da comunicação e da mediaçãotecnológica segundo geração (%)

Que actividades realiza habitualmente ou ocasionalmente? Nascido até 1967Nascido após

1967Total

Ver TV 99,0 99,6 99,3Ver DVD 22,3 68,3 42,3

Passear 81,8 93,9 87,1

Ouvir rádio 80,4 93,7 86,2Ouvir musica 64,1 95,8 77,9

Ler jornais ou revistas 68,7 88,8 77,5

Page 23: Gustavo Cardoso

Ler livros 33,2 59,0 44,4

Não fazer nada 36,1 42,5 38,9

Ir bares, discotecas, restaurantes e discotecas 44,7 80,0 60,1Ir ao cinema 16,7 66,2 38,4

Ir ao teatro, opera e concertos 8,7 22,9 14,9

Ir a museus, exposições ou conferências 11,8 23,2 16,8Encontrar-se com familiares ou amigos 90,9 97,6 93,8

Jogar com o computador ou consola 6,7 40,6 21,5

Falar com as pessoas da casa, brincar com as crianças, etc. 78,7 90,9 84,0Assistir a espectáculos ou competições desportivas 24,7 50,6 36,0

Praticar algum desporto ou actividade física 9,7 39,2 22,5

Assistir a manifestações ou reuniões de sindicatos, partidos políticosou associações 4,6 5,6 5,0

Ir à igreja ou lugar de culto religioso 57,7 36,6 48,5Assistir a acontecimentos populares, festas ou feiras 49,9 60,2 54,4

Praticar algum hobby 10,9 17,3 13,7

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Assim, todas as práticas que fazem uso dos mass media (à excepção da Tv) são

mais frequentes entre os nascidos após 1967. Ouve-se mais rádio (80,3% vs 93,7%) e

mais música (64,1% vs. 95,8%), lêem-se mais jornais e revistas (68,7% vs 88,8%), vai-

se muito mais ao cinema (16,7% vs 66,7%) e lêem-se muitos mais livros (33,2 vs.

59,0%).

Também nas práticas culturais e identitárias colectivas há a registar duas

tendências diferenciadas. Por um lado, uma diminuição dos que se deslocam à igreja ou

outro lugar de culto religioso (57,7% vs. 36,6%) e por outro lado um crescimento

exponencial na participação em acontecimentos populares, festas ou feiras (49,2% vs

69,2%), assistir a espectáculos ou competições desportivas (24,7% vs. 50,6%), ir bares,

discotecas, restaurantes e discotecas (44,7% vs. 80,0%) e ao teatro, opera e concertos

(8,7 vs. 22,9%) ou ir a museus, exposições ou conferências (11,8% vs. 23,2%).

Trata-se, assim, de uma população em que os mais novos procuram muito mais

as actividades culturais e os espaços de encontro colectivo do que os mais velhos. Essa

tendência é muito vincada, com diferenças que oscilam em mais de 20%, pelo que se

poderá aventar, para além dos habituais contrastes inter-geracionais na ocupação diária

dos tempos, sobre a possibilidade de existir uma diferente concepção do que é a relação

entre o colectivo e o individual naqueles que nasceram depois de 1967.

Parece haver por parte das gerações mais novas, uma maior procura de partilha

colectiva de momentos e formas de estar que as actividades públicas de encontro

propiciam, ao mesmo tempo em que assistimos também a um domínio maior das

tecnologias de mediação.

Page 24: Gustavo Cardoso

Já nas práticas de cidadania social há aparentemente uma manutenção da

participação em manifestações e reuniões de sindicatos, partidos e associações a um

nível relativamente baixo (4,6% vs. 5,6%).

Os que viveram o período de socialização escolar e dos media no pós-25 de

Abril parecem assim não só possuir, como já foi referido, outras atitudes de

relacionamento entre o individual e o colectivo como também se caracterizam nas suas

práticas por, a par da partilha com os mais velhos de um visionamento televisivo

elevado, realizarem um maior equilíbrio entre a comunicação mediada pelas tecnologias

de comunicação e informação e aquela que acompanha o encontro face a face.

Para além do referido, as suas práticas denotam um muito maior domínio das

diferentes linguagens comunicativas e dos protocolos culturais existentes na sociedade,

como demonstram os seus níveis de audição de música, leitura, visionamento de filmes

e outras artes do espectáculo. Daí que não seja de admirar que esse domínio dos códigos

e símbolos comunicacionais se observe também em relação à formação profissional, no

interesse pela educação em geral e pelo desenvolvimento cultural.

Se considerarmos o mesmo tipo de denominação presente na pesquisa realizada

pelos investigadores do IN3 catalão (Castells e outros, 2003) em que se identificam os

dois grupos etários diferenciados entre jovens16 e adultos (no estudo português pessoas

de mais de 15 anos nascidos após 1967, por um lado, e pessoas nascidas até 1967), por

outro, podemos observar que os mais jovens apresentam quase sempre percentagens de

valor duplo (e algumas vezes mais) quando comparadas com as dos mais velhos.

A leitura de livros, revistas especializadas ou documentação relacionados com a

profissão é quase três vezes superior entre os mais novos, enquanto a participação em

colóquios ou realização de curso ou acções de formação é o dobro.

Um mundo laboral geracionalmente diferenciado

Numa escala de rendimentos mensais entre os valores abaixo dos 500 euros e os

valores superiores a 2500 euros, mais de 41% dos mais velhos encontram-se no

intervalo mais baixo enquanto apenas 13% dos mais jovens se encontra no mesmo

16 A denominação “jovem” é aqui apresentada num sentido mais lato do que a que caracterizauma determinada corte etária e com o objectivo de facilitar a leitura e análise dos dados.

Page 25: Gustavo Cardoso

intervalo. Também no outro extremo da escala os mais jovens com rendimentos de mais

de 1751€ representam 13% quando encontramos apenas 8% dos mais velhos nesse

intervalo.

Quadro 1.13 Rendimentos dos lares segundo geração (%)

Até 500€ De 501€ a 1750€ Mais de 1750€

Nascido até 1967 41 51 8

Nascido após 1967 13 74 13

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

O perfil de estratificação dos lares portugueses quanto aos seus rendimentos é o

de uma sociedade que continua a concentrar a maioria de rendimentos (tanto das

pessoas jovens como dos mais velhos) nas faixas intermédias de rendimentos, com 74%

dos lares dos jovens e 51% nos mais velhos.

Figura 1.1 Rendimentos dos lares segundo geração

0 5 10 15 20 25 30

percentagem

Até 350 euros

De 351 a 500 euros

De 501 a 850 euros

De 851 a 1250 euros

De 1251 a 1750 euros

De 1751 a 2500 euros

Mais de 2500 euros

Nascidos até 1967

0 5 10 15 20 25 30

percentagem

Até 350 euros

De 351 a 500 euros

De 501 a 850 euros

De 851 a 1250 euros

De 1251 a 1750 euros

De 1751 a 2500 euros

Mais de 2500 euros

Nascidos depois de 1967

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

A figura 1.1 representa a distribuição de rendimentos dos agregados familiares

dos entrevistados em função da sua idade. Os lares que habitam diferenciam-se de

forma bastante desigual, ao contrário de outras sociedades, como por exemplo a catalã,

em que há um maior equilíbrio entre gerações (Castells e outros, 2003).

Dentro do grupo dos mais velhos, cerca de 21% dos lares situa-se num limiar de

baixos rendimentos enquanto apenas 3% dos lares dos mais jovens se encontra na

mesma situação. Ao mesmo tempo, se compararmos o perfil de estratificação de

rendimentos em função da situação de activos ou inactivos, 53,9% dos inactivos mais

velhos (reformados ou incapacitados) estão no intervalo entre 0€ e 500€ enquanto só

Page 26: Gustavo Cardoso

5,5% dos inactivos nascidos depois de 1967 se encontram em lares dentro da mesma

categoria.

Em termos de rendimentos a sociedade portuguesa pode ser caracterizada como

tendo evoluído nos últimos trinta anos de um modelo de distribuição de rendimentos

característico das sociedades menos desenvolvidas para um modelo de distribuição mais

equilibrado.

No entanto, não evoluiu para o modelo de distribuição de rendimentos das

sociedades informacionais liberais, com uma configuração de ampulheta, em que o

centro se esvazia a favor das duas extremidades da escala de rendimentos, mas sim para

o modelo característico das sociedades europeias que partilham o modelo de estado-

rede, exemplificado na União Europeia (Castells, 2003b). Esse é o modelo em que

predomina uma configuração da distribuição de rendimentos em forma de diamante,

com uma classe média forte.

Portugal evoluiu assim para um modelo mais equilibrado, característico das

sociedades industriais e de sociedades informacionais como as escandinavas (Castells e

Himanen, 2002), embora numa versão mais polarizada do que estas.

O perfil de estratificação do rendimento dos lares portugueses assume para os

mais velhos uma configuração mais próxima de uma estrutura piramidal de maior

desigualdade (característica das sociedades do terceiro mundo), diferenciando-se do

perfil de estratificação correspondente aos mais novos que se assemelha mais da

configuração em diamante (característica das sociedades industriais europeias).

Se a estrutura de rendimento dos lares portugueses é diferenciada entre aqueles

que acederam ao sistema educativo após 1974 e os que o fizeram antes, também será de

esperar que encontremos também diferenças no campo laboral.

Quadro 1.14 Condição perante o trabalho segundo geração (%)

Condição perante o trabalho Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total

Trabalha a tempo completo 46,8 61,1 53,0

Trabalha a tempo parcial 2,5 5,3 3,8

Está desempregado(a) com subsídio 2,1 2,2 2,2Está desempregado(a) sem subsídio 2,2 5,7 3,7

Reformado(a) 33,8 0,1 19,1

Doméstica 10,6 2,5 7,1Estudante 0,0 21,5 9,4

Incapacitado permanentemente para o trabalho 1,1 0,2 0,7

Outra situação 0,9 1,2 1,1

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Page 27: Gustavo Cardoso

Embora a população portuguesa com 15 e mais anos apresente uma percentagem

elevada de activos quer para os jovens (74,3%) como para os mais velhos (53,6%),

constituindo assim a população activa mais de 60% do total de indivíduos, assistimos a

importantes diferenças na composição dessas duas populações.

No que respeita ao seu tipo de actividade, existe um aumento das pessoas a

trabalharem a tempo parcial – embora o seu valor seja inferior quer às taxas da

Catalunha (Castells e outros, 2003) quer a de muitos países do norte da Europa.

Também ao nível do número de pessoas desempregadas existem diferenças, em

particular no que respeita aos que se encontram nessa situação sem receber subsídio. Os

jovens possuem uma taxa de 5,7% enquanto os mais velhos possuem valores

substancialmente mais baixos (2,2%) demonstrando assim uma menor protecção social

entre os mais novos.

Outra das diferenças entre as duas populações é o elevado número de pessoas

mais velhas cuja actividade se desenvolve exclusivamente no lar (10,6%), na sua quase

totalidade mulheres que nunca trabalharam.

Mas ocorrem também semelhanças entre as duas populações, como por exemplo

na dimensão das empresas onde se trabalha. Mais de 50% da população jovem e mais

velha trabalha em empresas com menos de 10 trabalhadores e apenas 22% em empresas

com mais de 50 trabalhadores, demonstrando assim a estrutura de pequenas e médias

empresas (a que teremos de juntar as estruturas descentralizadas do estado central e

autarquias) que caracteriza o tecido empregador português.

Quadro 1.15 Vínculo laboral segundo geração (%)

Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total

Contrato de trabalho sem termo/efectivo 56,1 50,4 53,3Contrato de trabalho a termo certo/a prazo 5,2 26,6 15,6

Trabalho sem contrato 6,8 8,8 7,7

Trabalha por conta própria 31,9 14,2 23,4

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Voltamos a encontrar uma grande diferenciação entre as duas populações em

análise, no tipo de contrato que caracteriza a sua actividade. Assim se ao nível dos

contratos sem termo existe uma relativa proximidade entre os jovens e os mais velhos

(respectivamente 56,1% e 50,4%), já ao nível dos contratos sem termo ou a prazo

encontramos fortes disparidades. Entre os jovens esses contratos representam 26,6%

Page 28: Gustavo Cardoso

enquanto nos mais velhos apenas 5,2%. Também ao nível dos que não possuem contrato

existe uma relativa proximidade, embora os jovens estejam mais vezes nessa situação

(8,8%) que os nascidos até 1967 (6,8%).

Em termos do número de horas semanais dedicadas ao trabalho 55,3% dos

jovens trabalham entre 36 horas e 45 horas semanais enquanto que 57,1% dos mais

velhos trabalha entre 35 e 40 horas semanais.

Numa tendência já analisada por Pekka Himanen (2001) na sua análise da

evolução das práticas laborais e da relação com o tempo, o que os números permitem

concluir é que, embora 28% da população portuguesa trabalhe semanalmente mais de

46 horas (e aí há igual tendência entre as duas populações), os mais velhos cumprem

horários mais próximos das “9 às 5” do que os jovens, os quais passam mais horas nos

seus empregos diariamente.

Quando comparada, por exemplo, com a Catalunha (Castells e outros, 2003) a

proporção de trabalhadores por conta própria em Portugal é superior. Representa no

total 23% do total da população activa, sendo 31,5% dos mais velhos que se encontram

nessa situação e 14,6% dos mais jovens.

A pergunta que ocorre é a de saber se há então de facto um baixo nível de

empreendedores entre a população, ou não. Quando comparando com a Catalunha a

resposta parece ser não. Os valores para Portugal são claramente superiores. Portugal

parece aproximar-se da estrutura de emprego italiana em que cerca de um quarto da

população trabalha por conta própria (Castells, 2002).

Esta resposta, no entanto, precisa de ser qualificada, pois sabe-se que, em muitos

casos, ser trabalhador por conta própria decorre de uma lógica de precarização no

mercado de trabalho, suscitada pelas entidades patronais que procuram diminuir os

vínculos contratuais. Muitos outros casos, porém, correspondem a efectiva iniciativa

empresarial. Algumas pistas adicionais podem ser visíveis noutros dados da nossa

análise.

Ao responderem à pergunta sobre se teriam preferido trabalhar por conta

própria, sendo os seus próprios chefes, mesmo que tivessem menos segurança

profissional, os inquiridos revelam claramente um fosso geracional. Para os nascidos até

1967 apenas 29,7% referem preferir essa opção contra 40,5% dos jovens. Há assim,

aparentemente, um maior espírito de risco e inovação profissional por parte dos mais

jovens.

Page 29: Gustavo Cardoso

No entanto, a resposta anterior tem de ser temperada com os dados do quadro

seguinte.

Quadro 1.16 Opinião sobre factores de sucesso segundo geração (%)

Na sua opinião, o que considera mais importantepara triunfar na vida?

Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total

A inteligência 30,4 31,6 30,9

Os contactos e as "cunhas" 17,2 19,0 17,9O próprio esforço 31,0 33,6 32,1

A sorte 17,4 14,2 16,0

Não sabe / não responde 4,1 1,7 3,1

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

O “próprio esforço” enquanto elemento motivador do sucesso é mais valorizado

pelas novas gerações em detrimento da “sorte” e, sendo esse um elemento incontrolável

pelo indivíduo, há aparentemente uma evolução cultural positiva face à procura de

atingir as metas pessoais por si próprio, condições favoráveis à iniciativa empresarial.

Também ao nível da estabilidade laboral os dados indicam uma diferença

geracional. Quando questionados sobre o número empresas e/ou organizações diferentes

em que trabalharam nos últimos 5 anos, incluindo a empresa/organizações onde

trabalham actualmente, os mais jovens possuem um padrão de mobilidade muito

superior (cerca de 30% dos jovens durante os últimos 5 anos trabalhou entre 2 e 4

organizações ou empresas diferentes).

Quadro 1.17 Número de empresas ou organizações onde trabalhou, segundo geração (%)

Em quantas empresas ou organizaçõesdiferentes trabalhou nos últimos 5 anos?

Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total

Uma 88,8 64,4 77,0

Duas 7,6 23,2 15,1

Três ou mais 3,6 12,4 7,9

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Se essa mobilidade se fica a dever a despedimento ou não renovação de

contratos é uma pergunta a que só parcialmente se pode responder. Embora não o

possamos comprovar com base nos dados apresentados podemos no entanto, baseados

nas representações dos mais jovens, aventar a a hipótese de que haverá também uma

significativa percentagem dos jovens que realiza a mudança por escolha própria

associada à procura de melhores condições ou então à realização profissional mais

Page 30: Gustavo Cardoso

condizente com os seus objectivos de realização pessoal (Himanem, 2001),

demonstrando assim uma tendência maior para a flexibilização da permanência no

mercado de trabalho característica das sociedades informacionais (Castells e outros,

2003).

No que respeita ao número de vezes em que os inquiridos se encontraram

desempregados nos últimos dois anos, os jovens estiveram mais vezes desempregados

que os mais velhos (96,2% dos mais velhos não estiveram desempregados contra 82,7%

dos jovens).

Uma das discussões constantemente presentes na agenda política portuguesa (e

em muitas outras também) é a relação entre o papel do estado como empregador e o

sector privado. É frequente a ideia que existem funcionários públicos em excesso e que

o sector privado não fornece também suficientes alternativas, a par de considerações

sobre o envelhecimento da estrutura de servidores públicos não substituídos pelas

gerações mais novas que procuram melhores salários no sector privado. Os dados

recolhidos na análise da sociedade portuguesa apontam para um crescente papel do

sector privado como empregador.

Quadro1.18 Tipo de entidade empregadora segundo geração (%)

É funcionário público ou trabalha no sectorprivado?

Nascido até 1967 Nascido após1967 Total

Funcionário público 21,1 14,6 17,8

Trabalha no sector privado 78,9 85,4 82,2

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Se na geração nascida até 1967 a distribuição de emprego se realizava entre o

sector público com 21,1% e o sector privado com 78,9% a tendência tem sido para

aumentar a distância em favor do sector privado, como se pode observar pelo quadro

anterior.

Para podermos analisar o significado social dos dados que até aqui apresentámos

sobre a população portuguesa e as diferenças entre os jovens e os mais velhos na

dimensão profissional temos de novo de relembrar que o nível educacional e cultural da

população que frequentou a escolaridade no pós-25 de Abril e conviveu no seu processo

de crescimento com os media num contexto democrático possui um nível superior face

às gerações anteriores.

Page 31: Gustavo Cardoso

Daí que essa população tenha também dinâmicas profissionais de perfil mais

elevado que as da população mais velha. Assim, cerca de 16,5% dos jovens gozou de

uma promoção profissional nos dois últimos anos enquanto apenas 13,6% dos mais

velhos a obteve. Ainda que se saiba que nos primeiros anos de vida profissional há lugar

a um maior número de promoções, o facto de também um maior número de jovens ter

auferido aumentos salariais acima da tabela (respectivamente 18,5% contra 13,8%)

parece significar que haverá também uma maior iniciativa por parte desses e que tal é

reconhecido pelas empresas.

Os jovens demonstram igualmente uma maior capacidade de aprendizagem e

introdução desses conhecimentos ao serviço da sua actividade profissional. Assim

58,6% dos jovens afirmam que ao comparar o trabalho que fazia há 2 anos atrás com o

que realiza actualmente, acham que utilizam mais conhecimentos técnicos, quando

apenas 47,1% dos mais velhos afirmam estar na mesma situação.

O quadro seguinte confirma essa capacidade de aprendizagem e de relação entre

a dimensão educativa e a apropriação e uso da internet, enquanto tecnologia de

informação e comunicação, quer em geral quer no mundo profissional.

Quadro 1.19 Utilização da internet para a actividade profissional segundo geração (%)

Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total

Visitou páginas da Web (na Internet) relacionadas coma sua profissão ou estudos? 7,2 25,2 15,1

No local em que trabalha existe ligação à Internet? 35,6 40,8 38,3

Já utiliza a Internet e o email no trabalho 34,4 40,7 37,8

Utilizadores de internet (declaração espontânea) 12,6 50,3 29,0

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

São também os jovens que mais visitam páginas disponíveis na internet

relacionadas com a sua profissão, em parte porque também é nos seus locais de trabalho

que existe maior número de ligações disponíveis mas também porque entre os jovens

mais de 50% utiliza a internet (de entre os 29% de utilizadores de internet, 70% nasceu

após 1967). No entanto, como já vimos não é a idade que justifica por si só a utilização

da internet.

O perfil do mundo laboral português que se observa na nossa investigação

mostra um mundo em transição, constituído por uma população jovem trabalhadora e

profissional com um nível de educação mais elevada que entre a geração nascida até

1967, com um maior espírito de abertura à iniciativa individual (ainda que temperada

Page 32: Gustavo Cardoso

pela sua percepção da realidade), maiores competências tecnológicas e maior

valorização da componente de formação profissional no seu projecto de vida laboral.

No entanto, esse mesmo grupo está sujeito a uma maior instabilidade laboral por

via do tipo de contratação (ou inexistência dela) ao mesmo tempo que trabalha em

horários laborais mais alargados (muitas vezes para além das 40 horas semanais). Mas

ao mesmo tempo os seus membros também introduzem uma lógica de maior mobilidade

no mercado de trabalho porque buscam locais de trabalho onde exista um maior

equilíbrio entre o que se aufere e a realização pessoal. São também os mais jovens que

cada vez mais constituem a mão-de-obra do sector privado, mantendo-se o sector

público mais envelhecido e como tal menos propenso a adquirir e favorecer as

características valorizadas geracionalmente por esta faixa jovem (maior iniciativa,

formação profissional, competências tecnológicas e maiores competências educativas

formais).

Por outro lado, temos os sectores populacionais nascidos até 1967, os quais

cresceram num sistema educacional de menores oportunidades para quem pretendia

prosseguir os estudos, numa sociedade onde o acesso à cultura e à formação era só

possível a uma fracção reduzida da sociedade e em que a rádio, imprensa e televisão

eram alvo de censura.

Esses grupos etários são caracterizados por maior estabilidade profissional e

menor investimento e disponibilidade para a formação profissional, assim como uma

menor familiaridade com as novas tecnologias e uma consequente menor integração das

mesmas nos processos de trabalho.

Como Manuel Castells (Castells e outros, 2003) afirma, a relação dentro do

mundo de trabalho é essencial para o posicionamento dos indivíduos dentro da estrutura

social.

Como vimos anteriormente, encontra-se uma estrutura de rendimentos mais

desigual entre os nascidos até 1967 do que no grupo dos mais jovens. Essa estrutura de

rendimentos deriva fundamentalmente da posição que os indivíduos ocupam na

estrutura ocupacional pelo que é igualmente importante, para a presente análise,

caracterizar em termos geracionais comparativos essa dimensão da sociedade

portuguesa.

Page 33: Gustavo Cardoso

Quadro 1.20 Categoria socioprofissional segundo geração (%)

Categoria socioprofissional tem (tinha) na empresa ou organizaçãoNascido até

1967Nascido após

1967Total

Empresário 9,2 6,3 8,1Director/dirigente 1,4 0,5 1,1

Profissional liberal 0,6 1,0 0,8

Trabalhador independente não agrícola 12,3 5,2 9,6Agricultor independente 3,1 0,6 2,2

Quadro ou técnico superior 7,0 8,8 7,7

Quadro ou técnico intermédio 3,3 6,8 4,6Empregado administrativo, do comércio e serviços qualificado 11,7 16,9 13,6

Operário qualificado 21,1 22,0 21,4

Assalariado agrícola qualificado 0,7 0,5 0,6Trabalhador administrativo, do comércio e serviços não qualificado 8,8 10,7 9,5

Operário não qualificado 16,4 17,1 16,7

Assalariado agrícola não qualificado 3,9 0,8 2,7Pessoal das forças armadas 0,6 2,7 1,4

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Segundo os dados analisados a sociedade portuguesa mostra uma ampla classe

trabalhadora sendo cerca de metade da população (ou tendo sido, no caso de estarem

actualmente desempregados ou reformados) assalariados agrícolas, operários

(qualificados ou não) e trabalhadores dos serviços não qualificados. Se a esses valores

adicionarmos 13,6% de empregados administrativos, do comércio e serviços e 11,8% de

trabalhadores independentes agrícolas ou não agrícolas com qualificações normalmente

reduzidas, podemos considerar que, tal como em outras regiões do sul da Europa

(Castells e outros, 2003) também em Portugal a maioria da população pode ser

considerada população trabalhadora assalariada.

Os empresários e directores de empresa e da administração pública representam

cerca de 9% da população, enquanto o grupo constituído pelos grupos de profissionais e

quadros se encontrará próximo dos 13%. Constituindo esse grupo um indicador tipo do

estádio de desenvolvimento de uma sociedade informacional, a estrutura portuguesa,

embora não possa ser considerada como característica de uma sociedade informacional,

também já deixou de poder ser caracterizada como mais próxima de um modelo

industrial.

Em termos geracionais, o que há de mais relevante a registar é o maior peso das

gerações mais novas precisamente nas categorias profissionais de quadros e técnicos,

assim como de empregados qualificados administrativos, do comércio e dos serviços, o

que constitui um indicador de transição para a sociedade informacional.

Page 34: Gustavo Cardoso

Esta leitura é confirmada pela distribuição da amostra analisada em função da

actividade principal da empresa ou organização em que trabalha actualmente (ou na

última onde trabalhou).

Quadro 1.21 Actividade principal da empresa/organização em que trabalha, segundo geração (%)

Actividade principal da empresa ou organização em que trabalhaactualmente (ou na última onde trabalhou)

Nascido até1967

Nascido após1967

Total

Agricultura, pesca, produção animal, caça e silvicultura 8,9 1,8 6,3

Indústria extractiva 1,0 1,0 1,0

Indústria transformadora 14,8 13,2 14,2Produção e distribuição de electricidade, gás e água 0,8 0,8 0,8

Construção civil 10,4 10,2 10,3

Comércio por grosso e a retalho, reparações 18,4 20,1 19,0Alojamento e restauração (restaurantes, cafés,...) 6,4 10,6 8,0

Transportes e armazenagem 3,1 3,8 3,4

Correios, telecomunicações e serviços de entregas urgentes 0,6 1,5 1,0Actividades financeiras (banca e seguros) 1,6 1,5 1,6

Actividades imobiliárias e alugueres 0,9 1,9 1,3

Actividades informáticas e outras actividades teóricas 1,1 4,6 2,4Administração pública, defesa e segurança social (obrigatória) 7,3 6,4 6,9

Educação 5,6 4,4 5,1

Saúde e acção social 3,4 3,3 3,3Outras actividades de serviços colectivos, sociais e pessoais 6,6 11,1 8,3

Serviços domésticos 8,9 3,5 6,9

Organismos internacionais e outras instituições extra-territoriais 0,2 0,1 0,1

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

O peso do emprego na agricultura tem vindo a desaparecer e num futuro

próximo, como se pode observar pelo quadro, por efeitos geracionais tenderá a situar-se

a um nível residual. Por sua vez, a indústria tem vindo a diminuir relativamente o seu

peso entre os mais jovens. Estes aparecem em geral em maior proporção nos sectores

dos serviços, nomeadamente nos que pressupõem actividades mais características do

modo de produção informacional.

Uma sociedade aberta ao global e às sociabilidades em rede

Se nos referirmos aos dados obtidos no inquérito à sociedade em rede em

Portugal também se podem detectar diferentes posicionamentos em termos da abertura

individual ao global entre os que iniciaram a sua formação cívica e educacional no pós-

25 de Abril e aos que o fizeram antes.

Page 35: Gustavo Cardoso

Tomando como ponto de partida para esta análise as tendências culturais em

torno da formação da identidade, o quadro seguinte apresenta outras possíveis leituras

sobre a abertura à globalidade da sociedade portuguesa, mas também sobre a dimensão

de partilha da identidade colectiva (aqui representada pela referência religiosa ou de

acontecimentos históricos de larga abrangência social) e, por outro lado, sobre a

dimensão individual da criação de identidade.

Quadro 1.22 Data histórica mais significativa segundo geração (%)

Qual é para si a data histórica maissignificativa?

Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total

Datas religiosas 13,9 12,0 13,1

Datas históricas portuguesas 54,7 44,7 50,525 de Abril 1974 45,5 35,8 41,27

Datas pessoais 10,3 16,3 12,8

Datas históricas mundiais 5,5 8,9 6,9Outras datas 1,2 1,6 1,3

Nenhuma 1,5 3,8 2,4

Não sabe / não responde 13,0 12,7 12,8

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Assim, as gerações mais novas são as que mais partilham entre si a referência a

acontecimentos globais (como o 11 de Setembro ou a Guerra no Iraque) e são também

quem maior importância dá as datas de carácter puramente individual.

Por outro lado, verifica-se o papel moderadamente importante que a religião

possui na formulação das identidades, mantendo uma constância nos valores entre

gerações, na ordem dos 12% a 14%. De qualquer modo a sociedade portuguesa é uma

sociedade que partilha na sua formação de identidade em grande escala os mesmos

acontecimentos, como se exemplifica pelas duas datas mais referidas nas duas faixas

geracionais: o 25 de Abril de 1974 e o Natal.

O quadro seguinte também demonstra que existem outras regularidades ao nível

da identidade. Pois, apesar das variações existentes entre gerações a sociedade

portuguesa é ainda uma sociedade maioritariamente enraizada localmente.

Quadro 1.23 Local com que identifica mais por geração (%)

Local com que identifica mais? Nascido até 1967 Nascido após 1967 Total

Com a localidade em que nasceu 42,9 39,1 41,3

Com a localidade em que vive actualmente 22,7 23,2 22,9

Com Portugal 25,4 24,4 25,0Com a Europa 1,9 3,2 2,5

Page 36: Gustavo Cardoso

Com o Mundo 3,4 5,2 4,1

Com nenhum destes lugares 2,3 3,9 3,0

Não sabe / não responde 1,4 1,0 1,2

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Esse enraizamento é manifesto claramente na proximidade geográfica face à

família e aos amigos. São 90,7% os portugueses que referem ter pelo menos um familiar

a residir no mesmo concelho. Em média têm 15,5 familiares a residir no mesmo

concelho, e destes relacionam-se com aproximadamente 13 pessoas.

Esses resultados coexistem também com uma grande amplitude das redes

familiares dos portugueses. Possuindo, em média 10 familiares que residem noutro

concelho do mesmo distrito, 11 noutro distrito e 9 no estrangeiro. Em média, o número

de amigos indicado é um pouco mais baixo do que o referido para os familiares, mas

não deixa de ser de registo a sua densidade e amplitude.

Cada português refere ter, em média, um total de quase duas dezenas de amigos

(18,2). São 10,4 no seu concelho de residência; 7,7 noutro concelho do mesmo distrito;

7,3 noutro distrito e 5,9 no estrangeiro. Valores, aliás, muito próximos aos indicados

para o número de familiares quer noutro distrito quer no estrangeiro.

Introduzindo de novo o questionamento sobre o nível de abertura da sociedade

portuguesa num contexto informacional, a nossa análise centrou-se sobre a componente

de organização das sociabilidades em rede possibilitada pela internet.

Procurou-se assim compreender até que ponto encontramos diferenças entre

utilizadores e não utilizadores de internet (que, como já vimos, correspondem a

populações tendencialmente mais jovens e mais velhas) quanto às suas redes de

sociabilidade familiar e de amizade, e a relação estabelecida entre o uso de telemóvel e

da internet.

Quanto aos contactos realizados com familiares e amigos pelo menos uma vez

por ano, eles ocorrem maioritariamente através do contacto pessoal, seguindo-se o

telefone e a internet.

Nos contactos telefónicos detecta-se o estabelecimento de uma relação

inversamente proporcional entre a distância e a frequência dos contactos. Quanto mais

distantes, menos frequentes são os contactos.

Se para a utilização do telefone para contacto com os amigos os valores de

utilização decrescem a partir do momento em que o contacto é realizado com o

Page 37: Gustavo Cardoso

estrangeiro, já com a família o decréscimo de utilização ocorre a partir do momento em

que a residência do familiar se situa fora do distrito onde habita.

Os valores mais elevados de contactos através da internet surgem nas redes de

relacionamento com os amigos. A frequência deste tipo de contacto vai-se

intensificando à medida que a distância aumenta, ao contrário do que acontece nas

relações pessoais ou por telefone.

Figura 1.2 Familiares com que contacta pelo menos uma vez por mês

0

20

40

60

80

100

Mesmo Concelho Outro Concelho doMesmo Distrito

Outro Distrito Estrangeiro

PessoalTelefoneInternet

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

No entanto, ocorrem também diferenças ao nível dos contactos com familiares

ou amigos. Assim a utilização da internet para contacto com a família é praticamente

constante.

Já no que se refere aos amigos a utilização da internet cresce a partir do

momento que o limite do distrito se ultrapassa (de 39,1% para 41,8%) tendo o seu valor

mais elevado nos contactos com amigos no estrangeiro (44,0%).

Page 38: Gustavo Cardoso

Figura 1.3 Amigos com que contacta pelo menos uma vez por mês

0

20

40

60

80

100

Mesmo Concelho Outro Concelho doMesmo Distrito

Outro Distrito Estrangeiro

PessoalTelefoneInternet

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Mas a análise da utilização das tecnologias de informação como elementos de

abertura social, através da sua apropriação nas redes de relacionamento social,

demonstra outra dimensão, o desenhar de estratégias de utilização combinada de

telefone e internet.

O padrão de uso parece indicar que enquanto os não utilizadores de internet

apenas podem optar por gastar mais dinheiro ou não em chamadas telefónicas para os

seus amigos e familiares, já os utilizadores de internet podem optar por qual o meio que

combina melhor a eficácia dos seus objectivos de comunicação e o custo associado aos

mesmos.

Assim, observa-se que para os utilizadores de internet, à medida que o custo das

chamadas, associado à distância, aumenta, também aumenta o uso da internet (a qual

possui um custo fixo independentemente da distância da comunicação).

Em síntese, a sociedade portuguesa é caracterizada por uma sociabilidade rica,

baseada em relações familiares e de amizade. A sua matriz baseia-se na proximidade de

habitação no mesmo concelho. Ao mesmo tempo, é perceptível uma maior intensidade

das redes de sociabilidade amicais e familiares entre aqueles que têm acesso à internet.

A sociedade informacional assente nas redes propiciadas pelas tecnologias de

informação parece ser assim mais favorável à abertura à globalidade, representada pelo

aumento de intensidade dos contactos com amigos e familiares no estrangeiro.

Se ao nível da formação da identidade ocorrem algumas diferenças de ordem

geracional, o mesmo não se pode dizer na dimensão das sociabilidades.

Embora existam mais jovens a utilizar a internet, as diferenças ao nível das

sociabilidades não são tão visíveis na frequência dos contactos mas sim na dimensão

Page 39: Gustavo Cardoso

das redes e na flexibilidade destas, que por sua vez são essencialmente produto da

literacia tecnológica que permite diferentes estratégias de gestão de redes de

sociabilidades.

A sociedade civil portuguesa na sociedade em rede

Quando analisamos a pertença associativa e a participação cívica em função da

geração, para além das diferenças óbvias relativas a associações com cariz geracional,

há também a registar algumas outras diferenças significativas.

A geração mais jovem participa quase mais 50% que a geração mais velha em

associações de consumidores, associações ecologistas e associações protectoras de

animais.

Por outro lado, tem participações inferiores em quase 50% nas associações

religiosas, nas associações de denúncia e reivindicação para a defesa dos direitos

humanos ou civis, anti-racistas ou similares (movimentos anti-globalização, Amnistia

Internacional, Greenpeace, SOS Racismo, etc.) ou associações e nas ONG solidárias

(ex. AMI, Médicos sem Fronteiras, Banco Alimentar).

Um segundo factor fundamental nesta análise da participação cívica na

sociedade em rede é a relação de credibilidade estabelecida no triângulo cidadãos-

media-eleitos e também as modalidades e lógicas de acesso praticadas pelos cidadãos

através das diversas tecnologias de informação colocadas à sua disposição.

Quadro 1.24 Pertença a associações segundo geração (%)

Pertence a pelo menos um(a)… Nascido até 1967Nascido após

1967Total

Associação/clube desportivo 35,4 60,7 46,2

Associação cultural e recreativa 19,0 17,8 18,5Associação religiosa e paroquial 10,6 4,1 7,8

Associação de pais e mães de alunos 2,0 1,4 1,8

Associação de jovens 0,7 4,1 2,1Associação da terceira idade 6,5 0,0 3,7

Associação de vizinhos 5,1 1,8 3,7

Associação profissional 12,6 7,7 10,5Sindicato 13,3 8,6 11,3

Associação de consumidores 0,7 2,2 1,4

Associação ecologista 0,7 1,4 1,0

Page 40: Gustavo Cardoso

Partido político 6,5 4,1 5,5

Associação protectora de animais 1,4 2,3 1,8

Associação de denúncia e reivindicação para a defesa dosdireitos humanos ou civis, anti-racistas ou similares 3,1 1,4 2,3

Associação ou ONG solidária 3,8 0,9 2,5

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Como refere Villaverde Cabral, tanto a procura de informação como a

disposição para intervir no espaço público e para discutir assuntos de carácter político

são afinal “manifestações potenciadoras do exercício da cidadania”, ou seja, “(...) o

espaço público, incluindo os mass media, continua a ser um lugar privilegiado de

mobilização política, mas (...), ainda é preciso que os cidadãos entrem nesse espaço

público para que a politização comece a ter lugar e é isso que, frequentemente, não

ocorre.” (Cabral, 1997: 96).

No entanto, importa lembrar que para quebrar um círculo vicioso de

desconfiança não basta que a comunicação entre ambos se estabeleça, é fundamental

que exista motivação mútua.

Esta é uma situação ainda mais preocupante se atendermos à visão de Cabral

(2000) segundo a qual, dada a “terceira vaga democrática” e a deslegitimação dos

regimes políticos não democráticos, a qualidade da democracia passará crescentemente,

não só pelos seus procedimentos democráticos, mas também pelos benefícios materiais

e imateriais dos seus cidadãos, o que coloca uma pressão ainda maior nas relações entre

cidadãos e eleitos.

As condições políticas, mas também de organização, da relação entre sistema

dos media e política, interligam-se então com uma crise de credibilidade do sistema

político na maior parte das sociedades ocidentais, isto é, com um sentimento persistente

de desilusão e desconfiança em relação aos políticos e à política em geral por parte dos

cidadãos, que se demonstra de forma visível na elevada taxa de abstenção eleitoral, nos

baixos índices de confiança e nas diminutas taxas de participação em associações

tradicionais da sociedade civil.

Os cidadãos não abandonaram o cenário político, podendo ser caracterizados

como mais “críticos” pelas suas elevadas expectativas na democracia enquanto ideal, e

pelas suas avaliações negativas da actividade actual das instituições representativas

(Norris, 2000, Castells, 2004b).

Page 41: Gustavo Cardoso

As respostas às perguntas formuladas no estudo, relativas à confiança dos

cidadãos nas instituições, apresentam resultados muito similares aos de outros países

(Castells e outros, 2003).

Assim 74% estão de acordo com a ideia de que “no mundo há umas quantas

pessoas que mandam e os cidadãos comuns não podem fazer grande coisa para controlá-

los”, e uns 77,8% concordam com que “para as pessoas é difícil controlar o que fazem

os membros do governo” (um valor que traduz uma enorme descrença nos políticos

quando comparado com os 59,5% da aplicação da mesma pergunta na Catalunha).

Ainda assim, a maioria dos portugueses acredita nas suas possibilidades de agir

para lutar contra os problemas do mundo a partir da sua própria mobilização. Assim,

58,2% pensam que “as pessoas podem influenciar os acontecimentos mundiais com

mobilizações políticas e sociais”, mas um número superior (67,3%) declara que

“quando pensa nas decisões políticas, dá-se conta que é impossível influenciá-las”.

Também ao nível da participação política a sociedade portuguesa é uma

sociedade em transição.

Os que realizaram a sua entrada na escola no pós-25 de Abril são mais

optimistas, acreditando na sua capacidade de influência no curso das coisas a nível local

e global.

São, também, mais individualistas, preocupando-se mais com os seus assuntos

do que com a resolução dos problemas do mundo. A aparente contradição pode ser lida

de outro modo, ou seja, os problemas do mundo (como a fome, a guerra, as doenças)

não se ganham através da elevada participação em movimentos institucionalizados, mas

sim pela prática diária e pelos pequenos contributos que cada um pode dar. Algo que é

possível de inferir a partir também do maior grau de descrença no poder político.

Como consequência, há uma minoria significativa, mais de 15% da população

portuguesa, que já apoiou ou participou em campanhas sobre temas como a defesa dos

direitos humanos, a conservação da natureza, a luta contra a pobreza, a igualdade da

mulher, a defesa das crianças ou outras idênticas, habitualmente ou ocasionalmente

(sendo os valores dos jovens neste último caso cerca de 6% mais elevados).

Os cidadãos podem ter perdido a confiança na participação política, rejeitando a

forma tradicional de “fazer política” através da pertença partidária, mas continuam a

acreditar em grande parte nos processos democráticos, dado que tendem actualmente a

envolver-se numa “política simbólica”, principalmente em questões de nível local,

Page 42: Gustavo Cardoso

ecologia, direitos humanos, família e liberdade sexual, para as quais consideram que os

políticos ortodoxos não apresentam interesse, respostas ou soluções.

É uma participação que pode ser comprovada com os níveis de participação

concreta no caso das acções de protesto ou solidariedade com o povo de Timor em

Setembro de 1999 (Cardoso, 2004b), em que 12,7% dos mais velhos e 16,6% dos

jovens estiveram envolvidos.

Também a este nível da participação cívica pode ser inferida a construção de

uma sociedade em rede. Isto é, entre os que participam em campanhas sobre temas

como a defesa dos direitos humanos, a conservação da natureza, a luta contra a pobreza,

a igualdade da mulher, a defesa das crianças ou outras idênticas, a utilização da internet

surge referenciada em 20% dos casos.

Interessante é igualmente o facto de, apesar de sabermos que entre os mais

jovens o uso da internet é muito mais difundido, ambas as gerações possuírem níveis

idênticos de utilização neste tipo de campanhas.

Essa constatação, combinada com o facto de os utilizadores de internet

participarem mais habitualmente nesse tipo de campanhas, pode denotar que a utilização

da internet na esfera da participação propícia uma maior intervenção pela facilidade de

comunicação que oferece a quem quer intervir e também a quem se quer informar sobre

essas temáticas.

Os media e a sociedade em rede

Os media na sociedade portuguesa encontram-se bastante consolidados quanto à

liberdade de imprensa (Oliveira, 1992). No entanto, no campo da relação entre os

fruidores e os produtores de informação existe uma clara transição em curso. Por um

lado, tal como referimos no início deste capítulo, há claras diferenças entre a relação

com os media por parte da geração que cresceu com aqueles em regime de liberdade e

os que o não puderam fazer. Por outro, porque como sugere Umberto Eco (1998), cada

novo media obriga a uma reorganização do funcionamento dos anteriores e também dos

tempos de fruição que lhes atribuímos.

Page 43: Gustavo Cardoso

Há assim claras mudanças em curso detectáveis na forma como quem utiliza a

internet se relaciona com os media em geral face a quem não tem acesso a essa

tecnologia.

Quadro 1.25 Equipamentos do lar e serviços subscritos, segundo geração (%)

Equipamentos do lar e serviços subscritos Nascidos até 1967 Nascidos após 1967 Total

Telefone Fixo 67,6 53,9 61,6Telemóvel para uso pessoal 56,7 91,7 71,9

Televisão 99,3 99,6 99,5

Televisão por cabo 30,7 44,0 36,5Televisão por satélite não paga 4,6 8,3 6,2

Televisão por satélite paga 2,5 3,2 2,8

Televisão interactiva 0,4 0,7 0,5Computador 26,8 46,3 35,3

Ligação à internet 15,5 28,5 21,2

PS2, Dreamcast, Xbox, Sega 7,3 14,6 10,5

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Os jovens portugueses utilizam cada vez menos o telefone fixo e substituem-no

pelo telemóvel. Ao mesmo tempo, embora a posse de televisão continue uma constante,

a televisão por cabo está muito mais presente no dia a dia dos jovens do que no dos

mais velhos.

Obviamente há que ter aqui em conta a relação de custo associada a um bem e os

rendimentos das duas populações, mas mesmo assim há uma percepção entre os jovens

do benefício de ter acesso a mais canais que os mais velhos não partilham com a mesma

intensidade.

Todas as tecnologias digitais estão mais presentes, quase sempre no dobro da

percentagem, nos lares dos jovens, revelando de novo a associação que anteriormente

havíamos estabelecido entre o maior grau de escolaridade da população mais nova e a

utilização da internet, um fenómeno aqui extensível ao computador e mesmo às

consolas.

A liberdade nos meios de comunicação tem nos graus de confiança dos seus

destinatários uma medida clara dessa constatação pela população. Mas o grau de

confiança também espelha até que ponto os fruidores de um dado media possuem as

competências para descodificar as mensagens e estabelecer a hierarquia entre cada tipo

de media.

O que de mais interessante sobressai da análise do grau de confiança na

informação é que a todos os níveis a geração nascida após 1967 possui sempre valores

Page 44: Gustavo Cardoso

de confiança superiores. E embora haja total concordância, entre as duas gerações, sobre

que a informação obtida através da televisão é a mais fidedigna e a dos jornais a menos,

há também diferenças na hierarquização entre gerações.

Quadro 1.26 Grau de confiança na informação de diversos meios de comunicação, segundo geração(%)

Até que ponto é que confia na informação querecebe através…

Nascidos até 1967 Nascidos após 1967 Total

Da televisão 74,0 (1) 78,0 (1) 75,8 (1)Dos jornais 59,1 (4) 72,2 (4) 64,8 (4)Da rádio 66,6 (3) 77,3 (2) 71,3 (3)Da internet 71,1 (2) 74,2 (3) 73,4 (2)

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003. O valor entre parêntesis indica a hierarquização da confiança em coluna.

Assim, para a geração mais nova a rádio ocupa um papel mais central enquanto

que para os mais velhos que utilizam a internet esta é a segunda fonte mais fiável na sua

hierarquia mental entre os diversos tipos de media, isto dentro da sua matriz de media

(Meyrovitz, 1995).

Se utilizarmos a relação que ouvintes e telespectadores estabelecem com a rádio e

a televisão através do uso de diferentes tecnologias (como carta, telefone, telemóvel e

correio electrónico) para medir o tipo de interactividade estabelecida, também aí

encontramos realidades diferenciadas entre as duas populações.

Se no que diz respeito à mais tradicional de todas as tecnologias, o envio de cartas,

não há qualquer diferença a registar entre as duas gerações, já o mesmo não se pode

afirmar da utilização das restantes tecnologias escolhidas por cada grupo geracional.

Quadro 1.27 Meios de contacto com programas de televisão ou de rádio, segundo geração (%)

Já contactou alguma vez com um programa detelevisão ou de rádio através…

Nascidos até 1967 Nascidos após 1967 Total

De carta 0,7 0,7 0,7Do telefone fixo 1,4 2,7 2,0De telemóvel 0,7 2,0 1,2Do envio de mensagens escritas de telemóvel 1,3 4,4 2,7De correio electrónico (email) 1,7 3,2 2,8

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

As diferenças são claras quando separamos a dimensão de voz (oferecida pelo

telefone e telemóvel) da dimensão textual (associada aos SMS’s e ao correio

electrónico).

Page 45: Gustavo Cardoso

As utilizações destas últimas são duas a três vezes superiores entre a geração

jovem quando comparadas com a geração mais velha. Pode-se pois sugerir que ao nível

da interactividade a geração mais nova se caracteriza por uma junção da voz e do texto,

sendo portanto muito mais fluente no multimédia que a geração anterior.

A análise permite, porventura, visualizar a existência de diferentes “perfis

mediáticos” (Colombo, 2003) entre gerações. Isto é, um diferente conjunto de

expectativas, gostos, preferências, familiaridade face a géneros e textos, modelos

interpretativos e funções atribuídas no decurso do consumo mediático por cada grupo

geracional.

Quadro1.28 Actividades consideradas mais interessantes (%)

Que actividade considera mais interessante (1ªopção)?

Nascidos até 1967 Nascidos após 1967 Total

Jogar jogos de vídeo (em consolas) 0,3 (7) 3,8 (7) 1,8

Falar ao telemóvel 1,5 (6) 5,5 (6) 3,3

Ouvir música em CD 2,9 (4) 12,8 (3) 7,2Ouvir rádio 7,9 (3) 9,4 (4) 8,6

Ver televisão 74,9 (1) 46,7 (1) 62,6

Ler jornais 9,2 (2) 6,3 (5) 7,9Utilizar a internet 2,7 (5) 15,2 (2) 8,1

Não sabe / não responde 0,5 0,2 0,4

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003. O valor entre parêntesis indica a hierarquização da confiança em coluna.

Uma diferenciação passível igualmente de se confirmar situa-se ao nível das

representações avaliativas face às diferentes tecnologias de comunicação e informação

como aquelas presentes no quadro 8.20.

Embora ver televisão seja considerada consensualmente a actividade mais

interessante em termos de hierarquia de media, entre os nascidos depois de 1967 a

internet surge num destacado segundo lugar (15,2%), seguida da audição de música em

CD. Já para os mais velhos as opções são diversas, surgindo o ler jornais em segundo

lugar (9,2%) e ouvir rádio em terceiro (7,9%).

A única constante entre os dois grupos é, assim, a televisão, que aparentemente

continua a deter o seu rótulo de elemento central do meta-sistema de informação e até

certo ponto, pelo menos em Portugal, do meta-sistema de entretenimento, dando origem

a uma organização do sistema dos media em rede. Organização, essa, que ocorre em

diversos níveis, desde o da relação tecnológica, à organização económica e à

apropriação social.

Page 46: Gustavo Cardoso

Como se estrutura essa articulação em rede? Uma hipótese a comprovar será de

que o sistema dos media se articula cada vez mais em torno de duas redes principais, as

quais por sua vez comunicam entre si através de diferentes tecnologias de comunicação

e informação.

Essas redes constituem-se, respectivamente, em torno da televisão e da internet,

estabelecendo nós com diferentes tecnologias de comunicação e informação como o

telefone, a rádio, a imprensa, etc.

A existência de duas redes principais está, porventura, relacionada com as

dimensões de interactividade possibilitadas por cada uma das tecnologias e a forma

como socialmente e temporalmente são valorizadas essas diferentes dimensões

interactivas – mais aprofundadas com a internet e menos aprofundadas com a televisão.

Como se pode verificar as maiores discrepâncias ao nível do interesse atribuído

às tecnologias de informação e comunicação surgem em torno da internet: ela é a última

preferência das gerações mais velhas (2,7%) e a segunda entre os mais novos (15,2%).

As diferentes posições de interesse conferidas à internet por cada uma das

populações têm obviamente a ver também com o grau de penetração do seu uso entre

cada uma e também como convívio próximo com terceiros que as utilizam (aquilo que

denominamos por proxy users, ou utilizadores “por procuração”).

Mas, independentemente das razões que procuremos para essa diferenciação de

interesses, o que surge como facto é que as populações com acesso à internet e que se

consideram como utilizadores de internet, isto é, com uma frequência regular de uso que

lhes permite hierarquizar a internet enquanto elemento da sua matriz de media, são

também, nos seus perfis mediáticos, diferentes das de não utilizadores.

Como se pode verificar em função do tempo dispendido com os diferentes media

e através da alteração das actividades diárias, há uma clara diferenciação entre

utilizadores e não utilizadores de internet.

Em média os utilizadores de internet vêem menos 40 minutos diários de

televisão e menos 8 minutos de rádio e falam mais quase 30 minutos ao telefone que os

não utilizadores. A única actividade que não apresenta alterações é a leitura de jornais,

na casa dos 30 minutos diários.

Page 47: Gustavo Cardoso

Quadro 1.29 Médias de ocupação diária do tempo em várias actividades, segundo utilização dainternet (em minutos)

Em média, quanto tempo dedica por diaa…

Utilizadores de internet Não utilizadores de internet

Ver televisão 135,3 175, 7

Ouvir rádio 147,5 155,4

Ler jornais 34,5 33,1Falar ao telemóvel 36,3 19,7

Falar ao telefone fixo 29,9 17,6

Fonte: CIES, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2003.

Quanto às razões associadas a cada um dos comportamentos, as explicações têm

de ser diferenciadas em função dos diferentes media.

A utilização de telefones é sempre mais elevada por parte dos jovens. Os

nascidos após 1967 que falam diariamente mais 30 minutos ao telemóvel são 20,2%

quando entre os mais velhos apenas 10,3% passam o mesmo tempo a falar ao telefone

diariamente.

A mesma tendência, embora menos vincada, surge também no telefone fixo, em

que 48,2% dos jovens falam diariamente mais de 30 minutos e apenas 40,1% dos mais

velhos o fazem. As justificações para esses tempos podem ir desde as economias de

escala associadas às redes de sociabilidades, ou seja, quantas mais pessoas houver a

usufruir de uma tecnologia em rede maior o ganho na adesão a essa rede, até ao facto de

a estrutura de emprego induzir a necessidade de maior utilização do telefone ou, por

último, o telefone móvel em combinação com a internet ser necessário para a

participação plena numa estrutura social que cada vez mais se organiza em rede.

No que diz respeito aos utilizadores da internet, o fenómeno da diminuição de

minutos de visionamento de televisão e audição de rádio parece estar intimamente

ligado a um fenómeno de substituição. Pois quando questionados sobre a alteração das

suas actividades quotidianas a partir do momento em que passaram a utilizar a internet,

os dados indicam uma variação negativa do tempo de visionamento de televisão de

16,7% dos inquiridos. Um fenómeno que é extensível a todas as actividades

complementares da televisão, como sejam ver DVD’s ou ver vídeos.

Existem também outros media, como por exemplo ler livros, que aparentemente

contribuem para o tempo afecto à utilização da internet através de um efeito de cedência

de tempo.

Há, no entanto, outras actividades em que a mediação tecnológica intervém e

que aparentemente não são afectadas, como é o caso dos jogos de computador ou

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consola, talvez porque em parte os jogos offline são substituídos pela sua interacção

online ou porque pura e simplesmente são actividades não canibalizáveis entre si.

É assim também possível detectar uma transição em curso no campo dos media

em Portugal ao nível da forma como as gerações que cresceram com os media

democráticos diferem das gerações anteriores na hierarquia que conferem aos media

mas também nos seus perfis mediáticos construídos através de dietas de media

diferenciadas.

É uma transição também na forma como quem utiliza a internet e quem não o

faz interage com os diferentes media e participa num sistema dos media cada vez mais

caracterizado pela sua estruturação em rede nas relações tecnológicas, na organização

económica e nas fórmulas de apropriação social.

Portugal em transição para uma sociedade em rede

A leitura deste extenso conjunto de dados organizados em diferentes dimensões

posiciona-nos perante uma dimensão de transição, em que convivem simultaneamente

debilidades estruturais e potencialidades adquiridas.

A caracterização da sociedade portuguesa que se procurou realizar reflecte a

transição de uma população com escassos níveis de educação para uma sociedade onde

as gerações mais novas atingiram já competências educacionais mais aprofundadas.

Esta análise reflecte também uma transição sócio-política, primeiro de uma

ditadura para uma politização institucional democrática e depois para uma rotinização

da democracia. O que é acompanhado por um processo que combina um crescente

cepticismo face aos partidos e às instituições de governo com uma acentuação da

participação cívica a partir de formas autónomas e por vezes individualizadas de

expressão da sociedade civil.

No início deste capítulo formulou-se uma pergunta sobre a existência ou não de

uma clivagem geracional na sociedade portuguesa. Os dados analisados confirmam essa

clivagem. Mas não se trata de uma clivagem por opção, antes uma clivagem que resulta

de uma sociedade onde os recursos cognitivos necessários estão distribuídos de modo

desigual entre gerações. Só assim se pode explicar que entre os que nasceram até 1967

encontremos uma parcela de actores sociais que se aproximam em algumas dimensões

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de práticas, e por vezes representações, dos mais jovens. Essa proximidade é visível no

facto de aqueles que possuem competências educacionais similares se aproximarem, por

exemplo, na utilização da internet ou na sua perspectiva de valorização profissional.

A sociedade em que vivemos não é uma sociedade de cisão social completa.

Mas na sociedade em rede e nos modelos de desenvolvimento informacional há

competências cognitivas mais valorizadas do que outras, nomeadamente a escolaridade

mais elevada, a literacia formal e as literacias tecnológicas. Todas elas são adquiridas e

como tal não há lugar a uma inevitabilidade de cisão social. Antes existe um processo

de transição em que os protagonistas são aqueles que dominam essas competências mais

facilmente.

Ao mesmo tempo que se depara com esses múltiplos processos de transição, a

sociedade portuguesa conserva uma forte coesão social sobre uma densa rede de

relações sociais e territoriais. É uma sociedade que “muda e se mantêm coesa ao mesmo

tempo. Evolui na sua dimensão global, mas mantém o controlo local e pessoal sobre

aquilo que dá sentido à vida” (Castells, 2004b).

Portugal no início do século XXI permanecendo basicamente uma economia

proto-industrial, mas não se afirmou ainda como economia informacional. No entanto,

há sinais claros de uma transição, embora ainda de carácter incipiente e de resultados

ainda largamente em aberto.

É nesse contexto que se produz uma transição fundamental: a transição

tecnológica expressa por meio da difusão da internet e a aparição da sociedade em rede

na estrutura e na prática social.

Gustavo Cardoso

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