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O Centenário de John William Cooke. Trajetória de um peronista revolucionário Gustavo Santos da Silva Mestrando no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense UFF [email protected] ST - 17 Fluxo e refluxo na América Latina nos séculos XIX ao XXI: democracia, golpes, ditaduras e revoluções Introdução No presente ano de 2019 se comemora o centenário de John William Cooke (1919-1968). Cooke é um personagem praticamente desconhecido no Brasil, ou muitas vezes colocado como simples nota de rodapé em passagens da História contemporânea da América Latina. Para além de ter sido o delegado pessoal de Perón após o golpe da Revolución Libertadora em 1955 ele foi um proeminente organizador da resistência peronista durante o período da proscrição e clandestinidade do movimento. Ademais Cooke foi também um teórico marxista original e atuante na Revolução Cubana, participando da resistência da invasão mercenária na Baía dos Porcos (1961). O presente trabalho pretende apresentar o personagem histórico à luz de suas contribuições teóricas e políticas, sempre permeadas pelas lutas de classes que marcaram a Argentina entre o Golpe de 1943 e sua precoce morte em 1968, assim como refletir sobre perspectivas de um marxismo autóctone e não colonizado. Palavras-chave: John William Cooke; Peronismo; Marxismo Latino-Americano 1- Cooke do radicalismo ao peronismo Nascido em 14 de novembro de 1919 em La Plata (capital da província de Buenos Aires), John William Cooke apesar de uma trajetória política fulminante, desaparecendo fisicamente com apenas com 49 anos, deixaria em sua biografia um rastro dos capítulos mais importantes da história política e social argentina e latino-americana no que sucede entre a II Guerra Mundial e o conturbado ano de 1968 (ano de seu precoce falecimento).

Gustavo Santos da Silva Mestrando no programa de pós ......atuante na Revolução Cubana, participando da resistência da invasão mercenária na Baía dos Porcos (1961). ... embaixador

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O Centenário de John William Cooke. Trajetória de um peronista revolucionário

Gustavo Santos da Silva

Mestrando no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense – UFF

[email protected]

ST - 17 Fluxo e refluxo na América Latina nos séculos XIX ao XXI: democracia, golpes,

ditaduras e revoluções

Introdução

No presente ano de 2019 se comemora o centenário de John William Cooke (1919-1968).

Cooke é um personagem praticamente desconhecido no Brasil, ou muitas vezes colocado como

simples nota de rodapé em passagens da História contemporânea da América Latina. Para além

de ter sido o delegado pessoal de Perón após o golpe da Revolución Libertadora em 1955 ele

foi um proeminente organizador da resistência peronista durante o período da proscrição e

clandestinidade do movimento. Ademais Cooke foi também um teórico marxista original e

atuante na Revolução Cubana, participando da resistência da invasão mercenária na Baía dos

Porcos (1961).

O presente trabalho pretende apresentar o personagem histórico à luz de suas contribuições

teóricas e políticas, sempre permeadas pelas lutas de classes que marcaram a Argentina entre

o Golpe de 1943 e sua precoce morte em 1968, assim como refletir sobre perspectivas de um

marxismo autóctone e não colonizado.

Palavras-chave: John William Cooke; Peronismo; Marxismo Latino-Americano

1- Cooke do radicalismo ao peronismo

Nascido em 14 de novembro de 1919 em La Plata (capital da província de Buenos

Aires), John William Cooke apesar de uma trajetória política fulminante, desaparecendo

fisicamente com apenas com 49 anos, deixaria em sua biografia um rastro dos capítulos mais

importantes da história política e social argentina e latino-americana no que sucede entre a II

Guerra Mundial e o conturbado ano de 1968 (ano de seu precoce falecimento).

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Seu pai Juan Isaac Cooke, de descendência irlandesa foi um notório dirigente da Unión

Cívica Radical (UCR), onde chegou ocupar o posto de secretário-geral e deputado nacional

durante 1938-1943. A UCR foi um partido que aglomerou durante as presidências de Hipólito

Yrigoyen (1916-1922; 1928-1930) expressões nacionalistas como na luta pelo monopólio

estatal do petróleo, culminando na criação da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF) em

1922, da defesa do controle estatal de outros setores estratégicos como as ferrovias, além de

aglutinar um largo campo intelectual nacionalista, representando sobretudo pelo grupo

F.O.R.J.A (La Fuerza de Orientación Radical de la Joven Argentina). Juan Cooke ainda seria

embaixador da Argentina no Brasil entre 1947-1954, já durante os governos Perón, a qual apoia

desde os primeiros momentos, e posteriormente foi delegado perante a Organização das Nações

Unidas (ONU) até a queda de Perón em 1955.

John William Cooke seguindo o caminho paterno ingressou em 1938 no curso de

Direito na Universidad Nacional de La Plata (UNLP), onde a partir dali começou suas

atividades partidárias na UCR adotando a corrente antipersonalista do Partido, dirigida por

Marcelo de Alvear. Formado em 1943, logo passaria a trabalhar no setor de Defesa do

Ministério das Relações Exteriores como funcionário de seu pai. Durante sua trajetória

estudantil formou a Unión Universitaria Intransigente combatendo as tendências liberais e

conservadoras hegemônicas dentro do curso de direito.1

A experiência do radicalismo (UCR), encerrava seu ciclo com o golpe de 1930, onde

passava-se a sintonizar a fluência entre governo e Estado, centrando o poder todo nas mãos dos

senhores da elite latifundiária. Nascia a chamada Década Infame onde a fraude eleitoral era

vista como artífice patriótico, para que os conturbadores sociais (classe operária e setores

progressistas da política) não desalinhassem a fórmula que levaria a Argentina ao caminho do

desenvolvimento econômico: substituição das exportações através de uma industrialização

1 RECALDE, Aritz, “El pensamiento de John William Cooke em las cartas a Perón, 1956-1966",

disponível em: https://www.lahaine.org/mundo.php/ya_on_line_el_periodico_solidaridad_obre,

acessado: 08/05/2019.

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articulada ao capital externo; latifúndio exportador afetado pela crise de 1929 e a completa

submissão dos frigoríficos argentinos ao capital inglês através do Pacto Roca-Runciman2.

O breve processo de incorporação social e de legislação social promovido por Yrigoyen

ao ser interrompido pela restauração conservadora do golpe de 1930, acabou por restringir as

vias de acesso as reivindicações dos trabalhadores através da pressão sob o governo, por outro

lado a indústria argentina entrava num processo de amplo crescimento, devido à crise

internacional do capital eclodida em 1929 que somente seria superada com a fim do segundo

conflito mundial (1945). Os países latino-americanos foram forçados em alguma medida em

praticar políticas de substituições de importações. Latifúndio e industriais se coligam e se

beneficiam mutuamente do desenvolvimento dependente da industrialização, estabelecendo

uma aliança de classes, pactuando uma hegemonia de classe. A própria elite oligárquica que

travava o processo industrializante no período radicalista, assume as rédeas de um dos períodos

de maior acentuamento do processo industrializador argentino.

A conjuntura histórica da Década Infame não é só a conjuntura da crise internacional

do Capital, também é a conjuntura da consolidação da dependência econômica da Argentina

perante Grã-Bretanha e a abertura de espaço para o capital estadunidense como uma massa

2 Firmado em 1933, o pacto entre Reino Unido e Argentina foi uma resposta desesperada e “vassala”

da elite latifundiária argentina perante a drástica redução de suas exportações após a Conferência

de Ottawa (1932), onde a Inglaterra perante a profunda crise acerta com os países da comunidade

chamada Commonwealth (países ex-colônias ou colônias inglesas) a prioridade das importações de

mercadorias do primeiro setor econômico. Tendo em vista a perda de mercado externo da noite

para o dia, Julio Roca, vice-presidente argentino, representando o interesse das elites agrárias, se

reúne com Walter Runciman (encarregado dos negócios britânicos) e através da criação de um pacto

entre os dois países, estabelece uma relação de completa submissão de setores chaves da economia

argentina ao capital britânico. Roca-Runciman firma que a Inglaterra não imporia restrições à

importação da carne bovina argentina, no entanto emitia-se uma série de “poréns” e obrigações dos

argentinos com os ingleses como ceder 85% das licenças de importação de carne, consolidando um

trust inglês dos frigoríficos, além de manter livre de impostos mercadorias como o carvão e outras

mercadorias importadas, reduzir taxas alfandegárias e não impor nenhum tipo de aumento as taxas

já existentes. Os grupos agrários consolidavam seu privilégio de dominação de classe, permitindo

uma leve industrialização articulada aos grupos financeiros internacionais para entender a demanda

interna, e ao mesmo manter sua participação no mercado internacional. MURMIS, Miguel e

PORTANTIERO, Juan Carlos, “Estudos sobre as origens do peronismo”, São Paulo: Brasiliense, 1973,

pp. 19-21.

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cada vez mais a engordar no montante do capital argentino associado ao capital externo. As

antigas rivalidades políticas entre latifúndio e indústria, marcada sobretudo pela questão entre

“livre câmbio” ou “protecionismo” perante a crise internacional e a perda de potência de

exportações do primeiro setor, torna essas questões como debates de segunda instância. A

burguesia industrial passa a ser um setor incorporado ao bloco de poder da hegemonia de

Estado.

O Golpe de 1943, com seu programa nacionalista, antioligarquico, anticomunista e

antiliberal, centrava sua crítica na fraude eleitoral que marcou a política argentina nos 13 anos

anteriores e no aprofundamento da dependência econômica do país ao capital externo,

principalmente o inglês, provocando cisões internas em grupos e partidos políticos que se

opunham a todo o processo posterior à derrubada de Yrigoyen, principalmente dentro do

radicalismo, partido no qual se encontrava Cooke com apenas 23 anos e que logo passaria a

apoiar o novo governo, no qual já destacava como proeminente figura o tenente-coronel Juan

Domingo Perón, diria Cooke:

Viva la revolución, terminó con el fraude y el Ejército Argentino volvió a sus cuarteles con

honor. Cualquiera hayan sido los errores que cometieron sus hombres, el hecho es que salió de los

cuarteles pare devolver las libertades cívicas, y volvió a ellos cuando cumplió con su misión.3

Perón fundava a Secretaria de Trabalho e Previsão vinculada diretamente a Presidência

da República, e nela passa a promover uma legislação social avançada e articulada com os

sindicatos, convocando os dirigentes a redigirem leis trabalhistas a serem executadas pela

Secretaria, combinando dirigentes da Confederación General del Trabajo (CGT) nº1, membros

da CGT nº2 e da Unión Sindical Argentina (USA), formulando e promulgando leis importantes

como a Lei da Proteção a Maternidade (1944), Lei de Administração Geral de Vivendas (1945),

Lei de Aprendizagem. O reconhecimento da classe trabalhadora como ator social, foi

acompanhada pela integração social dessa mesma classe tutelada e supervisionada pelo Estado,

subordinando o movimento sindical, na qual ascendiam novos líderes atrelados ao novo

3 COOKE, John William Cooke, “Accíón parlamentaria, Tomo I”, Buenos Aires: Colihue, 2007, p.175.

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processo político, formando um monolítico movimento que conjurava os interesses entre

governo e classe trabalhadora, sob a conduta do líder político4.

A adesão e fidelidade foi demonstrada no episódio de 17 de outubro de 1945, quando a

classe trabalhadora marcha pelas ruas em nome de Perón, exigindo sua soltura após ser preso

em 12 de outubro como uma tentativa do governo de frear a ampla oposição das oligarquias no

campo econômico, e no plano político da chamada Unión Democrática, ainda influenciada

pelo contexto da II Guerra Mundial, além dos setores mais à direita que apoiaram o golpe de

1943, mas que não viam com bons olhos a promoção social da população mais humilde

promovida por Perón.

Perón após a resolução da crise de outubro de 1945, é eleito em 1946 como presidente

da República derrotando a Unión Democrática que abrigava radicais, comunistas, liberais e

socialistas. Cabe indagar que elementos levaram grande parte da classe trabalhadora a aderir

ao peronismo e não ao projeto da Unión Democrática? O que levaria jovens como Cooke

formados na tradição política do radicalismo a encontrarem no peronismo uma proposta

plausível a superação das mazelas da Década Infame?

Para Juan Carlos Torre, através da criação do Partido Laborista Perón conseguiu

ultrapassar a dualidade da ação política da classe trabalhadora, quando no plano político

depositavam suas fidelidades nos partidos de sua classe e nas questões imediatas votavam

massivamente em setores alheios, porém que os incorporava a esfera dos direitos. Ainda que

mantivesse a característica policlassista, o peronismo ao se apresentar como doutrina e não

apenas como programa passava aglutinar os trabalhadores tanto na fidelidade política,

ideológica como econômica5.

4 Como explica Daniel James na época do golpe de 1943, o movimento operário argentino era débil e dividido em quatro centros gremiais: a Federación Obrera Regional Argentina (FORA) de hegemonia anarquista, a Unión Sindical Argentina (USA) e a Confederación General del Trabajo (CGT), cindida em duas facções, CGT nº 1 e CGT º2, na qual todas juntas organizavam cerca 20% da força de trabalho operária. JAMES, Daniel “Resistencia e Integración: El peronismo y la classe trabajadora argentina, 1946-1976”, Buenos Aires: Siglo XXI, 2006, p.20. 5 TORRE, Juan Carlos, “Ensayos sobre movimiento obrero y peronismo” In: GRIMSON, Alejandro e CAGGIANO, Sergio (orgs), “Antologia del pensamiento crítico argentino contemporâneo”, Buenos Aires: CLACSO, 2015, p. 164.

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A Unión Democrática Argentina, advogava no contexto de um projeto político

multipartidário e autonomia sindical, Perón por outro lado, defendia uma relação direta entre o

líder e as massas, ambos, porém lutavam em alguma medida contra a ordem oligárquica da

Década Infame. Não obstante a Unión Democrática cometeu o equívoco de contar com o apoio

de homens do mundo dos negócios e da embaixada do EUA, sob a figura do embaixador

Spruille Braden, nessa disputa pela adesão ideológica e logo de votos. Perón soube usar a seu

favor esse apoio externo a seus rivais, num país amplamente afetado pela dependência ao

capital externo, além disso Perón tirou proveito de sua coligação com elementos internos, como

os grêmios sindicais e a Igreja, além de contar com parte do aparato estatal do golpe de 19436.

Segundo Daniel James, outro aspecto da astúcia de Perón esteve centrado em ter formulado um

outro conceito de cidadania, ligado a questão social e não abstrata e acima das classes sociais

como a formulada pelo radicalismo7.

Desse modo, a Década Infame foi forjada na cultura política peronista como um período

dicotômico ao construído pelo peronismo no poder, uma espécie de interrupção do processo

histórico da construção nacional depois da derrocada de Yrigoyen. A Década Infame seria uma

época de frustação e humilhação aos trabalhadores, enquanto o peronismo inaugurava um

processo de reconhecimento social do proletariado e representativo dentro da vida política da

Nação. O processo político peronista que visava se configurar como uma nova ordem buscou

desse modo elos com o passado (Juan Manuel de Rosas e Hipólito Yrigoyen) assim como com

outros processos políticos buscaram elos que os fundamentassem e que os polarizassem

dicotomicamente como aconteceu com: Chávez em relação a Bolívar e a dicotomia com o

neoliberalismo dos anos 1980-90; Fidel como a continuidade da revolução interrompida de

Martí e a dicotomia com as ditaduras alinhadas a Doutrina Monroe e a Emenda Platt; Mao

Zedong e a continuidade da Revolução Nacional de Sun Yat-Sen e a dicotomia do período

comunista em relação ao século de humilhações que precedeu 1949.

Cooke será um formulador essencial do sentido de nacionalismo a ser construído com

o peronismo, um nacionalismo fundado na concepção de “liberação nacional” num país de

capitalismo dependente, um nacionalismo distinto do chauvinismo europeu. A Terceira

6 TORRE, Op. Cit, pp. 170-171. 7 JAMES, Op. Cit, p.30.

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Posição elaborada por Perón (nem pró EUA, nem em favor do socialismo soviético na Guerra

Fria a eclodir), era propícia a diversas interpretações tanto por parte da oposição, quanto aos

diversos setores que apoiavam o peronismo. O ano de 1946 marca a adesão de fato de Cooke

ao movimento peronista, ao ingressar como deputado nacional através Unión Civíca Radical –

Junta Renovada (UCR-JR), facção do radicalismo que havia apoiado a eleição de Perón para

presidência. Isso até Perón centralizar todas as forças apoiadoras de seu governo e de sua

doutrina numa única organização, o Partido Justicialista em 21 de novembro de 1946.

Cooke foi além na formulação do nacionalismo peronista colocando ingredientes

revolucionários na fórmula política. Interpretou a Terceira Posição peronista sob uma

perspectiva que superava o anticomunismo presente nas raízes políticas do peronismo. Desse

modo a Terceira Posição em Cooke rechaçava a espoliação de mecanismos internacionais

como FMI e o Banco Mundial ao mesmo tempo que reforçava um não-alinhamento ao

socialismo soviético, sem cair no anticomunismo, de modo que o seu marxismo pudesse ser

teoria criativa, não subordinada a normas e modelos advindos de outros processos

revolucionários.

La tercera posición es, precisamente, todo lo contrario. Significa no tener compromisos con los

bloques mundiales, estar en libertad de tomar las decisiones más convenientes a los intereses nacionales

(...) Una cosa es que nosotros tengamos una visión de las cosas argentinas que difiere de la del Partido

Comunista y tratemos de mantener la adhesión de las masas trabajadoras; otra muy diversa unirnos al

fanatismo regimentado que ve a los comunistas como criminales y a los países socialistas como

enemigos del género humano. Esto es renunciar a la facultad de raciocinio y aceptar que el bando

imperialista piense por nosotros. No necesito ser comunista para considerar que el principal responsable

de la Guerra Fría es el imperialismo occidental, ni para comprender que el enemigo más grande que

hoy tiene el género humano es la brutal plutocracia norteamericana.8

Cooke se destaca como parlamentar combativo ao enfrentar os monopólios de

imprensa, defendendo energicamente a expropriação do jornal La Prensa, periódico de

oposição a Perón, acusando esse veículo de estar associada as oligarquias latifundiárias e ao

capital estrangeiro. La Prensa dedicava suas páginas a atacar medida por medida de Perón e

8 COOKE, John William, ”El peronismo y la revolución cubana”, Buenos Aires: enero 1988. Fin de Siglo (7)/Dossier, pp.11-12.

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sua figura. Os debates durariam na Assembleia Nacional de 1946 até 1951, quando finalmente

La Prensa foi expropriada.

Considero que la prensa comercial vinculada al imperialismo es uno de los mayores peligros

para los países que luchan por su liberación. La expropiación de La Prensa fue un acto realizado por los

procedimientos que autoriza la Constitución. No fue, como se dice, un atentado contra la libertad de de

opinión, por que La Prensa es una empresa comercial imperialista.9

O acalorado debate protagonizado por Cooke contra La Prensa, forneciam os primeiros

indícios do jovem deputado como teórico da realidade nacional e da revolução social. A

questão de liberdade de imprensa x liberdade de empresa, resvalava sobre um debate mais

amplo: censura como instrumento de uma revolução ou censura para transformar um governo

numa ditadura? O regulamento da imprensa e a expropriação de um dos principais jornais da

época pelo governo, seria logicamente um elemento para a oposição caracterizar o peronismo

como uma ditadura, Cooke respondia:

Nosotros sabemos que, para el imperialismo, el principio de la libertad de comercio, el principio

de la libertad de concurrencia, el principio de la libre actividad privada y el principio de la libre empresa

son todos fantasmas y mitos que a la larga sirven para acentuar cada vez más la desigualdad que ya

existe entre países coloniales y semicoloniales (…) A través de los años ha ido restringiéndose el

número de periódicos y formándose las grandes integraciones capitalistas que manejan todos los medios

de información, difusión y publicación de noticias escritas. Tanto Reuter como Associated Press y la

United Press poseen una red internacional y una organización privada, al margen de la cual hay poco

menos que una imposibilidad total para actuar a las demás agencias noticiosas, salvo que cuenten con

apoyos de gobiernos igualmente poderosos.10

Cooke não renova seu mandato parlamentar devido ao seu posicionamento crítico a

algumas medidas que Perón tomava no período como uma certa abertura ao capital

estadunidense, além de criticar a burocratização da condução renovadora iniciada em 1945.

Perón desde que assume a sua presidência em 1946, já havia retomado as relações diplomáticas

com a URSS. Fora do governo Cooke participa como delegado do Justicialismo na Conferência

da Paz dos Partidos Comunistas, realizado em Viena em 1953, aprofundando a cooperação

9 COOKE, Apud: MAZZEO, Miguel, “John William Cooke. Textos traspapelados, 1957-1961”, Buenos Aires: La Rosa Blindada,2000, p.69. 10 COOKE, John William Cooke, “Accíón parlamentaria, Tomo I”, Buenos Aires: Colihue, 2007, pp. 398-400.

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econômica com países do campo socialista, que seriam interrompidas com o golpe de 1955.

No período entre 1952 e 1955, Cooke passa a condição de professor titular na cátedra de

Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, além de

participar do Instituto de Investigaciones Históricas Juan Manuel de Rosas, formulando um

grupo de pesquisa em torno da revisão histórica sobre a Ocupação Britânica nas Ilhas Malvinas

durante o governo de Rosas. Assim como passa a publicar o periódico De Frente, momento

em que se dedica intensamente a produção intelectual crítica quanto as questões nacionais da

Argentina, sobre a formulação da condução revolucionária do peronismo e da via argentina ao

socialismo11.

2-Cooke entre a questão nacional e o socialismo

As lutas de classes ocorridas entre o massacre de 16 de junho de 1955, em que militares

centralizados na Aviação Naval bombardeiam Buenos Aires e leva mais de 400 pessoas à

morte, e as batalhas encarniçadas em setembro entre militares golpistas e forças civis e militares

fieis a Perón, levando o presidente a renunciar no dia 19 de setembro, conduziram ao processo

golpista autoproclamado como Revolución Libertadora. O peronismo, el hecho maldito del

país burgués, passa a ser proscrito com a lei 4161. Nenhuma imagem, citação ou o canto da

marcha peronista é permitida, para Cooke ali se sinalizaria o fim das ilusões com a burguesia

nacional, a terceira posição de Perón que dividia o capital em progressista (nacional) e

explorador (imperialista), passaria a uma reformulação teórica mais profunda desde os

subterrâneos da resistência e da clandestinidade em Cooke e noutros jovens peronistas ou que

passariam ao peronismo após a tragédia da contrarrevolução fuziladora.

Quando a rebeldia cubana das selvas de Sierra Maestra se instaura como poder

revolucionário ao assaltar o Estado em 1959, Cooke imediatamente vai se instalar na maior das

Antilhas do Caribe para se encontrar com o comandante Ernesto “Che” Guevara que

simbolicamente passa a ser o elo principal entre revolução cubana e argentina e logo latino-

americana. Sua estádia que vai do convite do Movimiento 26 de Julio para o Primeiro Encontro

Latinoamericano de Solidariedade com Cuba até o ano 1963, é um período célebre na trajetória

de Cooke, onde o mesmo ao lado de sua companheira Alicia Eguren chega a participar da

11 MAZZEO Miguel. “En Pensar a John William Cooke”, Buenos Aires: Manuel Suárez, 2005. p. 49.

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resistência à invasão organizada pelos EUA a Baía de Cochinos. Tal período é comumente

citado como o momento em que Cooke encontra a trajetória da luta peronista com a revolução

socialista. Entretanto nossa hipótese é que esse momento é uma afirmação de ideias

revolucionárias de Cooke que foram gestadas no seio da própria resistência peronista após a

Revolução Libertadora, ou seja que a militância em Cooke para transformar o peronismo num

movimento revolucionário não se dá como mero reflexo que a Revolução Cubana oferece para

a América Latina, mas das próprias lutas sociais internas na Argentina e ao caráter particular

do movimento peronista e da classe operária organizada inserida nesse movimento.

Cooke perante o golpe é um dos primeiros dirigentes peronistas a organizar grupos de

resistência e por isso é perseguido e logo encarcerado, primeiro no conurbano bonaerense de

Caseros, logo após seria enviado para Ushuaia, nos confins da América do Sul e finalmente

para o presídio de Rio Gallegos, na província de Santa Cruz, onde teria como companheiros de

masmorra alguns nomes conhecidos da política argentina dos 10 anos anteriores. Figuras como

Guillermo Patricio Kelli, Pedro Gomis, José Espejo e o futuro presidente do país Hector

Campora. No cárcere viveu entre a tensão permanente do fuzilamento, principalmente após o

decreto da lei marcial por parte do General Aramburu em junho de 1956 e as humilhações

psicológicas submetidas pelos vitoriosos da Revolución Libertadora. Tal penúria que duraria

até 18 de março de 1957, quando esse grupo de presos políticos fogem ao Chile, e lá formam

a División de Operaciones del Comando Superior, agrupamento de organização da resistência

peronista desde o exilio, sob a chefia de Cooke. Foi justamente durante seu cárcere que em 2

de novembro de 1956 Perón desde o exílio no Panamá nomeia Cooke como seu representante

pessoal na Argentina:

Por la Presente autorizo al compañero Dr. D. John William Cooke, actualmente preso, por

cumplir con su deber de peronista, para que asuma mi representación en todo acto o acción política. En

ese concepto su decisión será mi decisión y su palabra la mía. En él reconozco al único jefe que tiene

mi mandato para presidir a la totalidad de las fuerzas peronistas organizadas en el país y en el extranjero

y, sus decisiones, tienen el mismo valor que las mías. En el caso de mi fallecimiento, delego al Dr. D.

John William Cooke, el mando del movimiento12.

12 PERÓN, Apud: RECALDE, Op.Cit, p.95.

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Cooke como uma das principais lideranças da resistência, se inquietava perante o

projeto político estratégico fundamental do peronismo. Julgava que a estratégia deveria ser a

preparação para a insurreição que levaria o peronismo não a uma nova condução reformista,

mas a uma revolução social, para ele já não bastava ser contra uma política, mas contra um

sistema:

Un movimiento como el Peronismo se nutre de absolutos. Es la gloria y es el inconveniente de

las fuerzas nacional-libertadoras. Deben llegar incorruptos, deben estar encima de las politiqueras, al

margen del juego común que desarrollan los partidos tradicionales13.

Cooke ainda se queixava com Perón de não existir as condições objetivas para

desencadear imediatamente a insurreição através de greve geral revolucionária. A repressão

generalizada da Revolução Libertadora e a clandestinidade de grande parte dos militantes

acabavam por reforçar as “camadas brandas” do peronismo. O embate durante o período

consistia sobretudo entre os sindicatos e os comandos de resistência (na qual se encontrava

Cooke). Enquanto os sindicatos eram instituições enraizadas na sociedade industrial, sua

atuação no contexto lhe conferia possibilidades limitadas e ainda um certo grau de imunidade

perante as mudanças de situação política devido ao seu papel intrínseco na sociedade. Os

comandos de resistência por outro lado eram organizações estritamente políticas, cuja atuação

e existência dependiam diretamente da correlação das circunstâncias históricas objetivas para

sua atuação, distinto aos sindicatos esses comandos não respondiam a demandas imediatas da

sociedade, mas sim tentavam criar novas situações políticas através de suas atuações táticas e

estratégicas14.

Nesse contexto em que o regime militar instaurado concedia certa liberdade relativa de

atuação dos sindicatos, pois considerava que a burocracia sindical formada no peronismo era

contentora do avanço do comunismo, ficava latente o conflito entre essas esferas legais de

atuação e os setores semilegais ou clandestinos de resistência. O embate chegou ao ápice

perante a articulação de Perón com Arturo Frondizi (UCR) para as eleições a serem abertas em

1958, na qual a “camada branda” ou “neoperonista” eleitoreira poderia sair fortalecidas. A

afirmação do pacto entre Perón e Frondizi, na qual foram representados respectivamente por

13 COOKE, Apud: JAMES, Daniel, Op. Cit, p.121. 14 Idem, p. 123.

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Rogelio Frigerio e Cooke na assinatura do pacto secreto, foi para Daniel James o

reconhecimento da derrota tática de Cooke com a ideia de insurreição revolucionária. A

tentativa de capitalizar as greves dirigidas pelas 62 Organizaciones que vinham sofrendo

também com a repressão política fracassava, a greve geral revolucionária se tornava uma ideia

muito vaga e distante. Durante as eleições de fevereiro de 1958, Frondizi viria a triunfar com

44,79% com apoio oficial do peronismo. Entretanto cerca de 800.000 trabalhadores peronistas

desobedeceram às ordens do condutor votando branco ou boicotando o quórum, enquanto

grupos clandestinos frente a impossibilidade de traçar a luta armada viram o boicote eleitoral

como um rechaço ao antiperonismo e ao antinacionalismo, de modo que o voto seria uma

capitulação, sinalizando marcas entre formas de peronismo “à esquerda” e que se

aprofundariam na história do país ao longo das décadas seguintes15.

O período denominado Resistência Peronista (1955-1973) consolidou uma imagem na

cultura política argentina traçando um imaginário revolucionário que refletiu sob os jovens que

iam se engajar na luta armada tanto contra as ditaduras de Onganía (1966-1970), quanto de

Lanusse (1971-1973) e posteriormente a ditadura mais sangrenta da história do país, a

autodenominada Processo de Reorganização Nacional (1976-83). Cooke certamente teve uma

importância primordial na concepção de luta peronista e revolução peronista que

posteriormente iriam colocar em prática os principais grupos de luta armada como a Acción

Revolucionária Peronista (na qual Alicia Eguren, companheira de Cooke fazia parte e

desaparecia em combate em 1977), o Ejército Revolucionário del Pueblo – Partido

Revolucionário de los Trabajadores, os Montoneros, entre outros. Suas correspondências com

Perón seriam compiladas e publicadas em 1972, assim como seus livros e artigos seriam

reproduzidos em periódicos dos agrupamentos revolucionários argentinos após sua morte em

1968, consistindo em material de formação política daquela juventude que buscava em Cooke

um outro sentido do peronismo.

A Resistência Peronista passaria a ressignificar o próprio termo “resistência” na política

argentina, como sinônimo de política de esquerda e revolucionária. Sinônimo reforçado pelos

números das greves naquela conjuntura, segundo Daniel James, sem comparação a nenhum

outro momento da política argentina, 5 milhões de dias de trabalho perdidas em 1956 e

15 Idem, pp.124-125.

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3.300.000 em 195716, além de movimentos espontâneos míticos como a tomada pelos próprios

operários do Frigorífico Nacional Lisandro de La Torre no bairro de Mataderos (Buenos Aires).

Fundamental no abastecimento do mercado interno de carne no país, a empresa estava para ser

privatizada por Frondizi em janeiro de 1959, enquanto esse visitava os EUA, desencadeando

uma ocupação por parte tanto dos trabalhadores locais, moradores do bairro, quanto de

sindicatos organizados nas 62 Organizaciones, levando a uma resistência encarniçada perante

a repressão do exército e da polícia, que conduziria 95 operários ao cárcere. Nesse episódio

não apenas se questionava a desnacionalização do Frigorífico, mas também se reivindicava o

retorno de Perón e um modelo de autogestão dos operários na empresa sob o lema ¡Patria sí,

colonia no!. Cooke com ativa participação no caso ficou responsável pela redação do

documento da proclamação greve em Mataderos:

Esta huelga es política, en el sentido de que obedece a móviles más amplios y trascendentes

que un aumento de salarios o una fijación de la jornada laboral. Aquí se lucha por el futuro de la clase

trabajadora y por el futuro de la Nación. Los obreros argentinos no desean ver a su patria sumida en la

indignidad colonial, juguete de los designios de los imperialismos en lucha.17

A Resistência Peronista ademais permite traçar a hipótese de que um movimento

político-ideológico enraíza e aprofunda sua influência numa determinada realidade não apenas

nos seus momentos de ascensão, mas sobretudo quando consegue demonstrar seu poderio

organizativo na retaguarda e nos momentos desfavoráveis a sua existência e manutenção,

outros exemplos comparativos estão na resistência soviética perante a agressão nazista que

alimentou o crescimento dos Partidos Comunistas por todo o mundo após aos seus feitos

heroicos como Stalingrado e a marcha sob Berlim, e a resistência da revolução cubana perante

os embargos econômicos por parte dos EUA e a vitória sob tentativas de invasões a Ilha como

na Baía dos Porcos em 1961 que feito sua capacidade de resistência aumentou sua influência

sob movimentos revolucionários e anti-imperialistas por toda a América Latina.

Considerações finais

16 Idem, p.128. 17 COOKE, John William, ”Proclama del Frigórifico Lisandro de La Torre” In: BASCHETTI, Roberto, ”Documentos de la Resistencia Peronista, 1955-1970, Vol I” La Plata: De La Campana, 2012, pp. 160-161.

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Em uma conjuntura de ascensos de governos neoliberais, contrainsurgentes e

filofascistas na América Latina em que se abre um novo período de resistências tal qual marcou

o subcontinente do pós-guerra ao fim das ditaduras militares, suscita-se um exercício de pensar

desde a crise e desde a derrota. Podemos aprender em Cooke um teórico para além da esquerda

nacional argentina, que da experiência da derrota se abre dialeticamente a possibilidade da

superação crítica das deficiências teóricas que implica inevitavelmente na reformulação tática

e estratégica.

Quando se reflete em toda uma herança de aplicação mecânica de modelos estrangeiros

e de modismos acadêmicos advindos do centro do capital, apresentar a contribuição de Cooke

emerge sob o plano da descolonização do próprio marxismo, em cindir o divórcio entre teoria

e práxis, academia e política e entre cientificidade e compromisso revolucionário como diz

Nestor Kohan18. A ”apresentação” de Cooke para fora do âmbito da esquerda nacional

argentina implica em questões do resgaste ao passado como tarefa de buscar um processo de

aprendizagem em que seja necessário um revisionismo histórico no combate ao monopólio da

interpretação desde as classes dominantes e os modismos estrangeiros no pensamento crítico,

assim pensando uma ideia de consciência nacional, como consciência viva, dialética e em

constante transformação, uma consciência histórica.

A originalidade do pensamento de Cooke não pode ser compreendida deslocada da

esfera das lutas de classes que se arrebentavam por todo o Terceiro Mundo, as vitórias

anticolonialistas de Argélia, Congo, Líbia, os processos das guerras de Libertação Nacional

que indicavam a construção de uma sociedade em superação as estruturas econômicas vigentes

como China, Coreia, Cuba e Vietnã, o pensamento descolonizador de Ho Chi Minh, Che

Guevara, Fidel Castro, Frantz Fanon dialogavam a proposta cookiana, a Terceira Posição não

apenas ganhava novo sentido na conjuntura internacional, mas se inseria num movimento mais

amplo onde o monolítico monopólio do socialismo soviético, passava a dividir espaços com

criações marxistas e socialistas autóctones, que pensavam um Marx desde seu (terceiro)

mundo. O Peronismo revolucionário nesse sentido em Cooke ao se diferenciar do marxismo

clássico e eurocêntrico propagado desde Juan B. Justo e dos modelos mecânicos do PC

18 KOHAN, Nestor, ”Marx en su (Tercer) Mundo: Hacia um socialismo no colonizado”, La Habana: Centro de Investigación y desarollo de cultura cubana Juan Marinello, 2003, p.260.

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argentino, poderia também ser enquadrado como um marxismo oriental, ou seja, o que

Domenico Losurdo caracteriza como o marxismo que quer se ver livre da dominação colonial,

da desumanização e da humilhação dos povos do Terceiro Mundo, fundando na luta pela

autodeterminação, no direito a exercer seu humanismo próprio19.

Em sua obra, ainda que de forma extremamente didática voltada para as bases da

militância há diversos apontamentos que o indicam como leitor de Lukács, Lênin e Gramsci.

Compartia com o filosofo húngaro a perspectiva crítica a um “utopismo messiânico” ou

“sectarismo messiânico” propagada parte dos socialistas de seu país, criticava a possibilidade

imediata de superação de toda a estrutura herdada do mundo burguês, compartindo com Lênin

a visão de que uma revolução social “pura” é impossível: No hay liberación sin el peronismo

pero el peronismo solo no puede hacer la liberación20 ; fundamentava sua visão de mundo em

acordo com as sínteses contidas em O Imperialismo de Lênin, em que a etapa monopolística

do capital passava a dividir substancialmente a luta revolucionária entre nações dominantes

opressoras e nações dominadas oprimidas: El nacionalismo sólo es posible como una política

antiimperialista consecuente21. Além do aspecto do pensar a hegemonia no que tange a um

movimento de origem policlassista no qual se aglutina diversos interesse particulares (ainda

que não antagônicos) em torno de uma unidade política.

Por outro lado, o traço fundamental da originalidade de concepção revolucionária em

Cooke foi possível devido a característica de ter partido do nacional ao internacional, a derrota

de 1955 suscitou em toda uma geração de esquerda uma completa revisão de suas concepções,

uma ressignificação do próprio peronismo e do caráter da revolução no país. A derrota nesse

sentido dialético pode ser entendida pela riqueza de não significar o sepultamento histórico,

mas a possibilidade de liberar de interior forças criadoras, não à toa nesse contexto pós

Revolución Libertadora, surgem clássicos da esquerda argentina como: Imperialismo y Cultura

(1957) de Juan Hernandez Arregui, História Crítica dos Partidos Políticos Argentinos (1956)

de Rodolfo Puiggrós e Revolución y Contrarrevolución em la Argentina (1957) de Abelardo

19 LOSURDO, Domenico, “O Marxismo Ocidental: Como nasceu, como morreu, como pode renascer”, São Paulo: Boitempo, 2018. 20 COOKE, John William, ”Apuntes para la militancia”, disponível em:http://www.labaldrich.com.ar/wpcontent/uploads/2013/05/John-William-Cooke-Apuntes-parala-militancia.pdf, acesso em: 14/07/2019, p.5 21 Idem, p.5.

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Ramos, entre outros clássicos da literatura marxista argentina, que tiveram como originalidade

fundamental promover o casamento entre as tradições do pensamento crítico nacional com o

marxismo, contribuições essas que merecem ser resgatadas e inseridas dentro do debate

marxista e do pensamento crítico brasileiro, como forma de integração ao pensamento social

latino-americano como uma totalidade histórica, onde o marxismo e o pensamento crítico não

seja decalque, nem cópia de experiências exteriores ou subordinado aos modismos acadêmicos

formulados desde as metrópoles do capital.

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