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Entrevista TRAÇO # Setembro nº 07 7 6 Guta Moura Guedes “Nossa-senhora do Design” Televisão, ensino, piano, curadoria, exposições, Casa da Música, Centro Cultural de Belém, entre outras, são pala- vras que pontuam a sua biogra- fia. Contudo, existe apenas uma que se repete vezes sem cont a: Design. Co-fundadora e presidente, desde 2000, d a ExperimentaDesign, o Traço foi conhecer a “Senhora Design” T Tem uma actividade profissional extensa, onde entre muitas outras coisas, o Design se destaca. Como se sente com o rótulo de “Senhora Design”? Guta Moura Guedes: Esse rótulo é engraçado, houve uma altura que até me cha- maram “Nossa Senhora do Design”, porque eu tinha a mania de usar um lenço na cabeça. Ao fim destes anos todos para mim é muito claro que aquilo que eu faço é agir como uma designer. Actualmente é muito fácil dizer isto, há dez anos atrás era bem mais complicado, porque agora é muito claro que o design não é só o desenho e a criação de objectos ou artefactos palpáveis, mas sim uma disciplina que é apli- cada a toda uma frente de actividades, que inclui o desenho de mobiliário, software, serviços. O design tornou-se numa ferramenta muito mais abrangente e por isso eu hoje uso tranquilamente a denominação de designer e acho que essa ideia da “Senhora Design” em Portugal está muito ligada ao trabalho que fiz com a ExperimentaDesign de divulgação do design português. É nesse sentido que surge essa associação. Em tempos desenhou uma cadeira inspirada numa personagem do livro de Saramago, “Memorial do Convento”. O que a inspira? De um modo geral acho que todo o meu trabalho é um trabalho de relacionamento com outras realidades. Em parte, tenho um sentido autónomo quando começo a trabalhar, normalmente é um trabalho que funciona com um contexto específico. Eu diria que sou muito reac- tiva áquilo que vejo, que olho e que observo. Vejo muito, sou uma espectadora muito atenta e muito critica. Depois existem diversas coi- sas que me fazem reagir, e essa continua a ser uma constante no meu trabalho faça eu o que fizer. Seja eu curadora, faça um programa de televisão, esteja a comissariar uma exposição no estrangeiro, a fazer a bienal, ou como administradora do Centro Cultural de Belém, a minha forma de trabalhar é sempre uma forma em que eu me rela- ciono com o contexto e com o exterior. Como é que a ExperimentaDesign entrou na sua vida? A Experimenta foi criada em 1998 e surge por acidente. Eu estava na Texto de Ana Rita Sevilha # Fotos de João Reis

Guta Moura Guedes

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Entrevista a Guta Moura Guedes para a revista Traço

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Entrevista

TRAÇO # Setembro nº 0776

Guta Moura Guedes

“Nossa-senhorado Design”

Televisão, ensino, piano,

curadoria, exposições, Casa da

Música, Centro Cultural de

Belém, entre outras, são pala-

vras que pontuam a sua biogra-

fia. Contudo, existe apenas uma

que se repete vezes sem conta:

Design. Co-fundadora e

presidente, desde 2000, da

ExperimentaDesign, o Traço foi

conhecer a “Senhora Design”

TTem uma actividade profissional extensa, onde entre muitas outras coisas, o Designse destaca. Como se sente com o rótulo de “Senhora Design”?Guta Moura Guedes: Esse rótulo é engraçado, houve uma altura que até me cha-maram “Nossa Senhora do Design”, porque eu tinha a mania de usar um lenço nacabeça. Ao fim destes anos todos para mim é muito claro que aquilo que eu faço éagir como uma designer. Actualmente é muito fácil dizer isto, há dez anos atrás erabem mais complicado, porque agora é muito claro que o design não é só o desenhoe a criação de objectos ou artefactos palpáveis, mas sim uma disciplina que é apli-cada a toda uma frente de actividades, que inclui o desenho de mobiliário, software,serviços. O design tornou-se numa ferramenta muito mais abrangente e por isso euhoje uso tranquilamente a denominação de designer e acho que essa ideia da“Senhora Design” em Portugal está muito ligada ao trabalho que fiz com aExperimentaDesign de divulgação do design português. É nesse sentido que surgeessa associação.

Em tempos desenhou uma cadeira inspirada numa personagem do livro de

Saramago, “Memorial do Convento”. O que a inspira?De um modo geral acho que todo o meu trabalho é um trabalho derelacionamento com outras realidades. Em parte, tenho um sentidoautónomo quando começo a trabalhar, normalmente é um trabalhoque funciona com um contexto específico. Eu diria que sou muito reac-tiva áquilo que vejo, que olho e que observo. Vejo muito, sou umaespectadora muito atenta e muito critica. Depois existem diversas coi-sas que me fazem reagir, e essa continua a ser uma constante no meutrabalho faça eu o que fizer. Seja eu curadora, faça um programa detelevisão, esteja a comissariar uma exposição no estrangeiro, a fazera bienal, ou como administradora do Centro Cultural de Belém, aminha forma de trabalhar é sempre uma forma em que eu me rela-ciono com o contexto e com o exterior.

Como é que a ExperimentaDesign entrou na sua vida?A Experimenta foi criada em 1998 e surge por acidente. Eu estava na

Texto de Ana Rita Sevilha # Fotos de João Reis

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altura no primeiro ano da faculdade de Arquitectura a fazer o meu segundocurso com o professor Daciano, que na altura lança um trabalho para os alu-nos sobre design português. Eu escolhi a ProtoDesign para fazer esse tra-balho e fiquei fascinada com aquilo que tinham feito, um trabalho fantásticoque eu na altura utilizei como case-study. Conheci o Marco Sousa Santos eo José Viana e depois fomos juntos a Milão, ao Salone Internazionale delMobile. No regresso discutíamos o que faltava em Milão o que ainda nãoacontecia no mundo do design, o que não acontecia e faltava em Portugal,e às tantas questionámo-nos, porque não fazíamos alguma coisa? E a partirdessa conversa começamos a desenhar a Bienal ExperimentaDesign, desdeo início pensada para um contexto nacional e internacional. Nós sabíamos oque faltava e o que devíamos fazer cá. Acho que também na altura tínha-mos consciência do que não havia ao nível internacional. É o exemplo daque-le tipo de ideias interessantes que aparecem no momento certo, se aExperimentaDesign tivesse sido pensada este ano, o contexto já era comple-tamente distinto. Naquela altura não havia nenhum evento no panoramainternacional que pegasse no design numa perspectiva cultural, dedicada àreflexão e à discussão, todas as coisas eram muito mais concentradas naperspectiva comercial e por isso foi no contexto certo. Em Portugal, eramsem dúvida o contexto certo para a bienal, porque o design era uma coisamuito recente na altura, e a falta de informação aliada à necessidade quetínhamos de conjugar promoção com investigação era muito grande, por-tanto era relativamente fácil naquela altura conseguir pensar num projectobem feito e lançá-lo. A Experimenta surge assim. Foi um exercício que demo-rou três ou quatro meses, fizemos um grande dossier sobre o projecto, foidesenhado de uma forma muito flexível porque podia crescer, podia ficar maispequena, dependia dos apoios que não sabíamos quais eram. Desde o iníciofoi montada com uma network internacional, o que nos permitiu emSetembro, na primeira edição, ter por um lado um intrusamento muito gran-de com a cidade e com muitas das suas instituições culturais, e por outrolado trazer a Lisboa imensos criadores e contactos internacionais que tínha-mos e que fomos criando.

Que análise faz da evolução da Experimenta?É suspeito fazer uma análise dos nossos projectos, mas neste caso existemdados concretos, tais como número de visitantes, feedback da imprensanacional ou internacional, temos análises que pedimos para medir o impac-to da Bienal em algumas das frentes e tem sido um crescendo. Inclusive em2005 a Experimenta foi considerada o melhor evento de design europeu epor isso não posso estar mais contente com o percurso. Houve este inter-regno em 2007, mas também não conheço quase nenhum projecto que nãotenha os seus momentos mais difíceis e tenho tendência para encarar essesmomentos como oportunidades de reflexão de redesenho e de reafirmação,e foi isso que nós fizemos.

O campo de acção da Experimenta foi alargando ao longo dos anos?Foi, naturalmente. Começou por ser uma plataforma de experimentação edivulgação e automaticamente percebemos que com os conteúdos que tínha-mos nas mãos podíamos fazer muito mais coisas. Um exemplo que é muitointeressante e paradigmático desse trabalho é o caso da Voyager03, que foipensada como um projecto de comunicação da Bienal no estrangeiro, e umdos conteúdos da Bienal de 2003. Teve uma reacção óptima em Paris,Barcelona, Madrid e depois chegou cá. Posteriormente, pegámos naqueleconteúdo que tínhamos disponível, e que por si só já tinha gerado imensosprojectos e agido como catalizador em muitas frentes, de criadores portu-gueses e da indústria portuguesa, porque era um show-case da criatividadenacional. Pegámos nisso e propusémos ao ministério da Cultura, a todas asprincipais autarquias do país e a um patrocinador privado, que na altura foia Galp, montar uma operação para descentralizarmos aquele objecto.Fizemos aquilo que eu acho que foi o principal projecto internacional culturalfeito em Portugal em 2004, levando a Voyager por dez cidades, ilhas inclu-sivé, com o mesmo vigor e o mesmo cuidado que tivemos lá fora. Em cadacidade que trabalhávamos envolvíamos os interlocutores culturais locais, asescolas, fizemos conferências de apresentação, fizemos exactamente comofizemos para Madrid e por aí fora, com o mesmo nível, rigor e cuidado,levando conteúdos que tinham sido pensados no panorama internacional.

Isto foi um exemplo muito interessante de uma coisa que começou por ser umevento e acabou por ter impactos noutras frentes. A ExperimentaDesign foi con-siderada um case-study de sucesso no âmbito do Programa Operação daCultura ao qual nós recorremos duas vezes enquanto entidade privada, sozinhose sem ajudas do Estado. O facto de ser um lado mais ligado ao design passatambém para a indústria e é isso que me agrada, a capacidade de agir numaárea mais ligada a questões culturais, estéticas, éticas e de sustentabilidade,mas que depois faz a ponte com a indústria e pode ser trabalhada em diversosplanos. A Experimenta tem isso, e à medida que fomos sentindo isso mesmo,criámos por exemplo a DESIGNWISE que é a marca da Experimenta, que é dedi-cada ao design pensado e feito em Portugal, temos vindo a trabalhar cada vezmais como consultores e curadores em projectos nacionais e internacionais, etemos conseguido também essa tal network internacional em que aExperimenta, ou eu por declinação, tem vindo a ser solicitada para intervir nosgrandes eventos de design pelo mundo fora e para participar em projectos euro-peus. Actualmente estamos por exemplo a preparar um projecto com o LondonDesign Festival, que será um grande projecto a nível europeu, e que é um exem-plo de como somos nós com a nossa marca a fazer esse desafio, essa pro-posta e esse lançamento, o que tem sido muito interessante.

Quais os principais objectivos da Experimenta?O principal objectivo é definitivamente ser uma plataforma de comunicação, dedivulgação, e de informação, depois de estímulo e de catalizador. É muito impor-tante para nós sabermos que com o nosso trabalho estamos a criar situaçõesonde, ou por onde, os criadores portugueses e internacionais podem trabalhar,estamos a dar trabalho, estamos a criar situações de trabalho e estamos defi-nitivamente directamente a estimular arquitectos, designers, criadores emgeral e a criar condições para poderem trabalhar, isto é muito importante nonosso trabalho e é transversal. Depois existe a ideia de plataforma de discus-são, de reflexão e de experimentação. A ideia de criar essa plataforma emLisboa, agora com uma ponte em Amesterdão, a ideia de uma plataforma aber-ta à experimentação, à troca, ao debate à partilha. A ideia de colaboração e

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partilha faz parte da identidade da ExperimentaDesign. Esses três vectoressão os mais importantes. Iremos sempre experimentar vários moldes equanto mais estáveis estivermos enquanto estrutura melhor o podemosfazer, portanto a questão da estabilidade financeira aqui é muito importante,há sem dúvida uma ideia de serviço público subjacente ao nosso trabalho oque é complicado de gerir, porque não produzindo receitas directamentetemos de ter uma articulação e uma linguagem financeira que nos dê essatal estabilidade para fazer este trabalho.

É uma forma de aproximar a produção cultural da sociedade civil? Quetipo de contributo tem dado?Não tenho dúvidas nenhumas quanto a isso. Dou muitas conferências nasuniversidades portuguesas, em termos de realidade nacional estou muitopróxima, oiço muito, sou muito questionada sobre a Experimenta, porquetambém digo sempre que sim, e o que tenho notado sempre é que por umlado é raríssimo quando falo com as escolas, que os alunos não tenham idoà Experimenta, quase todos viram e perguntam coisas. Trabalhamos em mui-tas frentes e isso tem um efeito muito visível, é difícil explicar e justificá-lo por-que nós não o quantificamos, existem poucas ferramentas ao nosso disporpara essa prática, o que podemos explicar é baseado numa análise muitoempírica que todos nós vamos tendo à medida que trabalhamos, e isso éuma coisa que me preocupa e sobre a qual todos falamos muito, o comomedir esse impacto, e como poder garantir e explicar às pessoas que simque há um impacto. Mas sim, sem dúvida que há, que as pessoas estãomais atentas, que o público aumentou. Como é que justificamos isso? É claroque os números das visitas aumentaram mas é muito mais do que isso, o

efeito de multiplicação é muito maior, porque cada um de nós é um desmulti-plicador de informação. É dificil explicar como, mas não há dúvidas que sim.

Que benefícios trouxe até hoje a Experimenta para o Design Português?Não tenho dúvidas que ajudou muito. Ao nível internacional é muito fácil concluirisso porque é o que me é dito constantemente. A ExperimentaDesign posicio-nou Portugal no panorama do design internacional, que na altura em 1998 jáestava a começar a ter uma repercussão lá fora. A Experimenta apareceu nomomento exacto em que há uma geração de novos designers que têm esseentendimento de plataforma de comunicação e de promoção. A partir dai con-seguimos colocar designers portugueses nas capas das revistas internacio-nais, e colocar Lisboa nesse circuito. Nacionalmente penso que, há medi-da que o tempo foi passando começámos a trabalhar mais próximo deempresas portuguesas, como a Atlantis, a Tema e a Vista Alegre, porexemplo, e não só empresas de design, mas como a Galp e a EDP, que aca-bámos por puxar e desafiar a entrar neste universo. A Experimenta come-çou como uma alavanca. Este ano, pela primeira vez estamos a juntar cria-dores, empresas e oficiais culturais das embaixadas sediadas em Lisboa,para estarem presentes numa sessão aberta do nosso Think Tank, paraprecisamente saberem qual o tema da Bienal e serem desafiados a mostrar oque estão a fazer. É um question mark do nosso lado, porque achamos que tam-bém não podemos ser só nós a convidar pessoas para os conteúdos da Bienal,de maneira que é uma forma de desafiá-los para que este movimento deempreendedorismo, que é essencial cá. Temos mesmo de ser empreendedo-res, temos mesmo de ter energia, e a Experimenta é uma plataforma onde issopode acontecer, mas não é necessário que sejamos sempre nós os promoto-res do desafio.

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A Experimenta assinou um protocolo com a Ordem dos Arquitectos. Numaprimeira fase este protocolo traduz-se num apoio institucional à exposição econferência de Peter Zumthor. Que mais vai resultar deste protocolo?O protocolo é mais abrangente, é um protocolo muito genérico e que reflecte odesejo de a Experimenta e a Ordem dos Arquitectos estabelecerem um canalde comunicação e de ligação muito aberto, e que posteriormente, caso a caso,irá tomando forma. No fundo vão surgir várias adendas ao protocolo base. Nocaso do Zumthor foi criada uma adenda especificamente à questão da sua apre-sentação, comunicação, serviço educativo, visitas guiadas, da semana da arqui-tectura, toda uma articulação. Para a Bienal de 2009 iremos novamente falarcom Ordem e perceber qual o tipo de aproximação que iremos ter, sendo quea Ordem também já tinha participado connosco em 2005 nas conferências deLisboa. Digamos que é a estabilização de uma relação que também vamos fazercom outras entidades nacionais e internacionais que representa e formaliza anetwork que já existe em alguns casos, e em outros que ainda se vai formalizar.Isto porque a Experimenta tem esta ideia de rede, nós não funcionamos isola-dos, somos um grupo de pessoas muito pequeno e uma das nossa forças éprecisamente ter conseguido criar essa rede local e internacional, que é infor-mal, mas talvez esteja na altura de começar a formalizar.

Que outro tipo de protocolos seria importante estabelecer em Portugal?Em Portugal eu acho que deveria existir o momento em que faríamos um pro-tocolo com o Centro Português do Design. Trabalhamos desde sempre com oCentro Cultural de Belém, a Culturgest, já fizemos projectos em parceria coma Gulbenkian, mas eu diria que essas instituições, dadas as suas característi-cas, não justificam um protocolo. Um protocolo deverá ser feito com entidadesque tenham um trabalho de campo, de pesquisa, em áreas em que nós nosdebrucemos. Assumindo que com o protocolo com o Ministério da Cultura esta-mos automaticamente ligados a ele, agora eventualmente seria um protocolocom o Centro Português do Design que deveria fazer sentido. Com a indústriatambém, mas esse é um passo que vai demorar mais tempo.

A CML inviabilizou a Experimenta em 2007 sem aviso prévio. Contudo junta-mente com o Ministério da Cultura e da Economia vão apoiar a iniciativa até2013 com cerca de 3M€, e a Experimenta regressa este ano com umainternacionalização. Há males que vêm por bem?Eu acho que há males que vêm por bem, mas o final desta história poderia tersido outro, poderia ter sido o fim da ExperimentaDesign, e aí já não poderíamosdizer isto. Eu não procuro estes males, e acho que são de raíz coisas que nãodeveriam acontecer, e o facto de ter acabado desta forma é apenas porque nósnão baixámos os braços. Todo este trabalho de colocação daExperimentaDesign como um dos eventos mais interessantes no panoramainternacional demorou muito tempo, e a competitividade e a concorrência hojeem dia é muito grande e a velocidade é cada vez maior, a substituição de tudoé feita de uma forma muito rápida. Para nós nos mantermos na frente, numlocal visível e continuarmos a ser aquilo que a Experimenta tem de ser, que éinovadora e antecipatória, é preciso um trabalho muito grande e constante.Quando fazemos uma interrupção como esta, quer queiramos quer não, menosem Portugal porque é um pais pequeno, mas muito mais num contexto inter-nacional, há uma quebra e uma perda de massa crítica. Quando a Experimentafoi desactivada, eu fui convidada para fazer uma série de coisas no panoramainternacional, e como de certa forma represento a Experimenta e continuava aassinar enquanto presidente da Experimenta, acabei por com o meu trabalho amanter a Experimenta muito presente na tal network. Mas se isso não me tives-se acontecido, era cancelada e eu não faria mais nada no estrangeiro. Estes doisanos de intervalo são muito destruidores para esta perspectiva global. E emPortugal não podemos pensar de outra maneira. Pensar local em Portugal nestemomento já não é possível, portanto temos de pensar global. E quando nós desa-parecemos do mapa global por uma questão local é perfeitamente injusto, deses-perante e pode ser mau ao ponto de aniquilar o trabalho que fizemos. Portanto,existem lados maus desta interrupção. A parte boa é a de que se calhar o con-vite de Amesterdão não tinha acontecido se não tivéssemos parado a Bienal.

Como é que surgiu esse convite?O convite foi directo da Câmara Municipal de Amesterdão, em Julho do ano pas-sado. Já estava o António Costa na corrida para a câmara de Lisboa e telefo-

nam-me de Amesterdão a dizer que tinham feito uma reunião de consultores,porque a câmara tinha criado um gabinete especial para definir a estratégia dedesenvolvimento da cidade na Europa e no mundo nos próximos dez anos, etinham focado a questão do design e discutido sobre qual seria o mais interes-sante evento de design para levarem até lá, e tinham chegado à conclusão queera a Experimenta. E nessa altura fizeram-me o convite, eu disse-lhes que esta-va numa situação complexa porque iria ter um novo presidente de câmara, tinhadúvidas sobre isto, e não poderia levar a Bienal de Portugal sem falar com osparceiros institucionais que eram o Ministério da Cultura e da Economia.Quando Amesterdão faz o convite à Experimenta é porque sabe que uma dascoisas que a Experimenta faz é a dita rede de contactos, esta network é muitoimportante, nomeadamente porque trabalhar com a cultura é muito difícil emuito complicado. Nessa altura eu lancei o desafio de fazer a coisa a meias comPortugal, e ver o que é realmente trabalhar em conjunto. E é assim que surge,sempre com a ideia subjacente da colaboração, porque isto não é um fran-cheising. A Experimenta é demasiado complicada e complexa para se fazercomo um franchising. O que a torna diferente é precisamente a capacidade denos envolvermos profundamente com um projecto, em articulação com umespaço físico que é Lisboa ou Amesterdão. Não é um pacote que se vende.

Sobre o que se vai reflectir em Amesterdão?O tema é focado nas questões urbanas, o espaço público, que faz todo o sen-tido numa cidade como Amesterdão, que lida com esse tema há muito tempoe muito bem, e que tem soluções para a cidade numa perspectiva social, estru-tural e de funcionamento muito interessantes e muito diferentes das que temoscá. São três grandes projectos, sendo que dois deles são completamente foca-dos nas questões do espaço público e um outro completamente focado nasquestões do espaço privado. A temática gira em torno da ideia de utilização doespaço com a autonomia das pessoas e dos cidadãos, por isso vamos ter mui-tos arquitectos nesta edição e alguns artistas também.

“It’s about Time” é o tema da Experimenta 2009 em Lisboa. Qual a impor-tância do tempo na arquitectura e no design?Essa é a questão que queremos lançar. Vai ser muito transversal essa Bienal,vamos lidar com a importância do tempo, mas num duplo sentido. A Bienal vaiter estas duas direcções, as questões sobre o tempo, a velocidade, a acelera-ção, as transformações das ferramentas, dos sítios e do espaço, a mobilidadee tudo isso por um lado. E por outro, a questão de que é tempo de fazer o quê,O que é uma direcção mais filosófica, mais profunda. Ainda não sei bem comovai ser mas já temos um programa bastante composto.

O que é o Design e qual o seu papel na sociedade?O design é a disciplina operativa do século XXI.�

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