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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Curitiba - PR – 26 a 28/05/2016 1 Guy Debord & Manuel Castells: Tensões e Distensões Conceituais da Sociedade do Espetáculo em Rede 1 Ricardo Philippi 2 RESUMO O presente artigo é um esboço das tensões, percepções e inter-relações conceituais entre a Sociedade do Espetáculo termo criado por Guy Debord em 1967 e as perspectivas teóricas da Sociedade em Rede, de Manuel Castells. A partir do método dialético, este estudo busca decompor o conceito Sociedade do Espetáculo cunhado na década de 60, a fim de o atualizar numa ressignificação contemporânea, com suas possíveis reinterpretações conceituais, traçando um paralelo com a Sociedade em Rede, na busca de outras ressignificações a esse conceito. Conclui que há duas resoluções à esta dialética: a) em resultado apocalíptico, a da autoalienação do indivíduo e, b) em um resultado integrado, a da autonomia do indivíduo nas sociedades frente ao espetáculo. PALAVRA-CHAVE: sociedade do espetáculo; sociedade em rede; Guy Debord; Manuel Castells. INTRODUÇÃO “A vida é como uma sala de espetáculos; entra-se, vê-se e sai-se. ” Pitágoras Se voltarmos o olhar para as campanhas eleitorais, prestarmos atenção ao noticiário de qualquer rede de TV ou nos relacionarmos nas redes sociais com nossos avatares virtuais, encontraremos ecos dos conceitos de espetáculo do pensador francês Guy Debord na sociedade atual em rede. Em seu notório livro “A Sociedade do Espetáculo”, publicado em 1967, ele apresenta 221 teses com críticas extremas à sociedade de abundância de décadas atrás. Seus pensamentos, frutos da corrente estruturalista da comunicação, privilegiam a crítica frente a ordem midiática, sendo um dos principais pensadores do 1 Trabalho apresentado no DT 8 Estudos Interdisciplinares de Comunicação do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul realizado de 26 a 28 de maio de 2016. 2 Mestrando em Comunicação pela UFPR. Bolsista do programa de demanda social da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES), e-mail: [email protected].

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Guy Debord & Manuel Castells: Tensões e Distensões Conceituais da Sociedade do

Espetáculo em Rede1

Ricardo Philippi2

RESUMO

O presente artigo é um esboço das tensões, percepções e inter-relações conceituais entre a

Sociedade do Espetáculo – termo criado por Guy Debord em 1967 – e as perspectivas

teóricas da Sociedade em Rede, de Manuel Castells. A partir do método dialético, este

estudo busca decompor o conceito Sociedade do Espetáculo cunhado na década de 60, a fim

de o atualizar numa ressignificação contemporânea, com suas possíveis reinterpretações

conceituais, traçando um paralelo com a Sociedade em Rede, na busca de outras

ressignificações a esse conceito. Conclui que há duas resoluções à esta dialética: a) em

resultado apocalíptico, a da autoalienação do indivíduo e, b) em um resultado integrado, a

da autonomia do indivíduo nas sociedades frente ao espetáculo.

PALAVRA-CHAVE: sociedade do espetáculo; sociedade em rede; Guy Debord; Manuel

Castells.

INTRODUÇÃO

“A vida é como uma sala de espetáculos; entra-se, vê-se e sai-se. ”

Pitágoras

Se voltarmos o olhar para as campanhas eleitorais, prestarmos atenção ao noticiário

de qualquer rede de TV ou nos relacionarmos nas redes sociais com nossos avatares

virtuais, encontraremos ecos dos conceitos de espetáculo do pensador francês Guy Debord

na sociedade atual em rede. Em seu notório livro “A Sociedade do Espetáculo”, publicado

em 1967, ele apresenta 221 teses com críticas extremas à sociedade de abundância de

décadas atrás. Seus pensamentos, frutos da corrente estruturalista da comunicação,

privilegiam a crítica frente a ordem midiática, sendo um dos principais pensadores do

1 Trabalho apresentado no DT 8 – Estudos Interdisciplinares de Comunicação do XVII Congresso de Ciências da

Comunicação na Região Sul realizado de 26 a 28 de maio de 2016.

2 Mestrando em Comunicação pela UFPR. Bolsista do programa de demanda social da Comissão de Aperfeiçoamento de

Pessoal do Nível Superior (CAPES), e-mail: [email protected].

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movimento contestatório de maio de 1968 em Paris. Um dos temas fulcrais do pensamento

de Debord é o impacto da presença do espetáculo na vida das pessoas, gerando passividade

e aceitação do sistema dominante imposto pelas mídias e pela elite. (MATTELART, 1999,

p. 94)

Nesse sentido, o espetáculo submete o indivíduo – espectador – que, como refém do

sistema, no caso o sistema capitalista, se desvincula de si mesmo, aliena-se e age como um

autômato sob a influência do espetáculo, conforme Debord em sua 30ª tese: “(...) A

exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios

gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta”. (DEBORD, 2012, p. 24). Este

homem alienado não tem dúvidas de que a informação que recebe é verdadeira, portanto

não a questiona, nem a revida nesta sociedade de massa.

Entretanto, autores atuais, particularmente o espanhol Manuel Castells, trazem

estudos sobre as novas mídias no contexto do que chama de Sociedade em Rede, que

mostram uma realidade que pode ser diferente da preconizada por Debord, se não da

espetacularização em si mesma, ao menos na forma relacional das pessoas com os meios de

comunicação as novas tecnologias permitem a participação ativa que pode ajudar a

construir uma identidade que foge da alienação prevista pelo primeiro autor. Castells

conceitua a cultura como processos de comunicação que se baseiam em sinais sem

separação entre a realidade e a representação simbólica, aproximando assim as relações

Doravante, a fim de debater as tensões, percepções e inter-relações conceituais entre

a Sociedade do Espetáculo de Guy Debord e a Sociedade em Rede de Manuel Castells, este

trabalho irá utilizar do método clássico dialético. Ele se baseará em um diálogo

epistemológico entre estes dois autores, procurando delinear as tensões e distensões de seus

pensamentos à luz dos estudos mais recentes sobre as relações das pessoas com as mídias

interativas.

Neste sentido, para entender resumidamente o aporte metodológico da dialética, é

necessária uma revisão de seus principais princípios, cuja primórdio surge através da arte

do discurso, em seu próprio devir, interpretando o real em seu complexo de

negação/afirmação (ENCICLOPÉDIA EINAULDI, 1988).

Uma das características do método dialético é a contextualização do problema a ser

pesquisado, podendo efetivar-se mediante respostas às questões propostas. Além disso, este

método requer que haja o procedimento de relacionar o pensamento dos autores estudados e

esta relação é aparentemente uma dificuldade para o nosso propósito, visto que eles

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pertencem a épocas diferentes, o que poderia, de certa forma, inviabilizar o pretenso

diálogo. Entretanto, o escrito de Debord aqui analisado já se configura em um clássico, o

que o torna atemporal, portanto sujeito a análises sempre possíveis à luz dos paradigmas

vigentes na época do estudo. Além disso, a intenção é procurar investigar uma possível

transformação na realidade do espetáculo debordiano na atualidade, sob a luz de outro autor

também respeitado, Manuel Castells, o que está de acordo com a metodologia proposta,

conforme apresentada por Diniz (2008, p. 5) quando se refere à metodologia utilizada por

Karl Marx que:

Tornou-se o expoente do método dialético na ciência moderna. O método

dialético marxista consiste em analisar o todo feito de pedaços, cuja

autonomia e individualidade condicionam uma contradição e um conflito,

que, por sua vez, estão na base da dinâmica da vida material e da evolução

da ciência e da História. A ciência para Karl Marx não é uma coisa feita,

ela tem uma história que se perpetua, mas também é um devir. Nesse caso,

para se compreender a ciência necessita-se de buscar o estudo do passado

científico como suporte e base do novo, a ser descoberto.

É em busca de pontos de convergência e contradições entre os autores estudados que

pretendemos desenvolver neste artigo, objetivando, através das suas visões, mais luz sobre

como a questão do espetáculo afeta a sociedade atual.

Por isto, para o debate dialético, utilizamos apenas o primeiro capítulo do livro de

Debord “A Separação Consumada”, trecho chave onde ele explana suas ideias iniciais do

conceito homônimo ao título do livro. Por parte de Manuel Castells, são utilizadas

basicamente duas fontes: o capítulo 5 de seu livro chamado “Sociedade em Rede” (1999) e,

a fim de buscar uma discussão mais contemporânea, seu livro “Redes de Indignação e

Esperança” (2013).

Na sequência, serão trazidas perguntas a serem respondidas pelos dois autores,

tentando expor suas contradições argumentativas e brechas que possam revelar outros

litígios que por final tragam novas possibilidades de conceituações. Nas conclusões, este

trabalho se utilizará dos conceitos criados por Humberto Eco (1984) entre apocalípticos e

integrados3 para entender possíveis respostas dialéticas aos dois autores objetos desta

pesquisa.

3 A dicotomia proposta por Eco (1984, passim) entre apocalípticos e integrados são conceitos genéricos inaugurados na

década de 70 referentes as discussões da indústria cultural e da cultura da massa. Grosso modo, seria o confronto entre a

concepção de autores pessimistas e otimistas. Os apocalípticos convidam o leitor à passividade ao aceitar o consumo

acrítico dos produtos da cultura de massa. Os Integrados, por sua vez, apresentam-se como consoladores porque elevam os

leitores acima da banalidade média.

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UM EMBATE DE ENTENDIMENTOS

Para iniciarmos este debate, trazemos duas passagens de textos de cada autor, tendo

as transformações das relações da representação com o real como pano de fundo da

discussão. A primeira é de Guy Debord, no livro “Sociedade do Espetáculo”, que comenta

já na sua 1ª tese: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de

produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido

diretamente tornou-se uma representação” (grifo do autor, 2012, p. 13). A segunda é de

Castell em seu livro “Sociedade em Rede”, no capítulo com o título paradoxal “A Cultura

da Virtualidade Real”:

O padrão comportamental mundial predominante parece ser que, nas

sociedades urbanas, o consumo da mídia é a segunda maior categoria de

atividade depois do trabalho e, certamente, a atividade predominante nas

casas. Essa observação, no entanto, deve ser avaliada para o verdadeiro

entendimento do papel da mídia em nossa cultura: ser espectador/ouvinte da

mídia absolutamente não se constitui uma atividade exclusiva. Em geral é

combinada com o desempenho de tarefas domésticas, refeições familiares e

interação social. É a presença de fundo quase constante, o tecido de nossas

vidas. Vivemos com a mídia e pela mídia. (Grifo meu, CASTELLS, 1999, p.

419).

Apesar das duas falas terem como mote contextuais diferentes, ambas trazem um

questionamento interessante sobre a interpretação da realidade. Se, em um exercício

filosófico, aceitarmos a mídia como o espetáculo propriamente dito proposto por Debord ao

parafrasearmos Castells, podemos dizer que na atualidade “a presença do espetáculo é

fundo quase constante, como o tecido de nossas vidas. Vivemos com o espetáculo e pelo

espetáculo”.

Entretanto, Debord criou esta tese em 1967 e esta frase de Castells foi escrita em

1999, quando a internet mostrava seu potencial, mas ainda estava em seus primórdios. Por

isto, será que esta discussão ainda tem sentido tantos anos depois, com o surgimento da

cybercultura e de uma nova configuração global?

Neste sentido, o início da popularização da Internet através do protocolo WWW

(World Wide Web) baseou-se parcialmente no trabalho de Ted Nelson, o

sociólogo estadunidense que em um panfleto de 1974 convocava o povo a usar o poder dos

computadores em benefício próprio, naquilo que batizou de hipertexto, segundo Castells.

Para este autor, a web permitiu mudanças profundas na relação entre os indivíduos e

os meios de comunicação, culminando com uma sociedade que se comunica em redes cada

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vez mais complexas e acessíveis, permitindo que o cidadão comum seja agente de

transformação, conforme afirma:

Nos últimos anos, a mudança fundamental no domínio da comunicação foi a

emergência do que chamei de autocomunicação – o uso da Internet e das

redes sem fio como plataformas da comunicação digital. É comunicação de

massa porque processa mensagens de muitos para muitos, com potencial de

alcançar uma multiplicidade de receptores e de se conectar a um número

infindável de redes que transmitem informações digitalizadas pela

vizinhança e pelo mundo. É autocomunicação porque a produção da

mensagem é decidida de modo autônomo pelo remetente, a designação do

receptor é autodirecionada e a recuperação de mensagens das redes de

comunicação é autosselecionada. (CASTELLS, 2013, pos. 209) 4

A citação aponta que as mídias não são mais unilaterais com receptores passivos,

mas permitem a participação ativa e consciente, interferindo e ressignificando as

mensagens. No contraponto da discussão, mas seguindo o mesmo raciocínio, Debord afirma

na sua 4ª tese que “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social

entre pessoas, mediada por imagens” (2012, p. 14).

Neste sentido, se agora as pessoas comuns têm voz, podendo produzir, armazenar,

recuperar e divulgar informações, como fica a questão da espetacularização da vida?

Subjazem as questões postas por Debord? Ele criticou asperamente a espetacularização da

sociedade e a alienação decorrente da passividade diante das realidades criadas pelas

mídias. Debord deixa bem claro no final da introdução do seu livro, que ele foi escrito na

intenção de se opor à sociedade espetacular e também afirma em sua 8ª tese que:

Não é possível fazer uma oposição abstrata entre o espetáculo e a atividade

social efetiva: esse desdobramento também é desdobrado. O espetáculo que

inverte o real é efetivamente um produto. Ao mesmo tempo, a realidade

vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma

em si a ordem espetacular à qual adere de forma positiva. A realidade

objetiva está presente dos dois lados. Assim estabelecida, cada noção só se

fundamenta em sua passagem para o oposto: a realidade surge no

espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a

base da sociedade existente. (2012, p. 15)

Castells, por sua vez, afirma que 2.700 anos após os gregos que criam “o espírito

alfabético” ocorre uma nova transformação história na qual o hipertexto e a metalinguagem

integram as modalidades escrita, oral e audiovisual da comunicação humana, mudando de

forma fundamental o caráter da comunicação. Além disso, como a cultura é mediada e

4 Esta referência foi acessada através de livro eletrônico, ou seja, a partir da interface Kindle, que não possuí

referência direta à página impressa. Ainda não há normas regulatórias da ABNT para este tipo de citação, por

isso optamos por colocar a posição (pos.) dada por esta ferramenta de leitura texto para localizar a citação.

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determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos sistemas de crenças e

códigos historicamente produzidos são transformados de maneira fundamental pelo novo

sistema tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo. (CASTELLS, 1999, p.

414)

Seria esta ação transformadora das redes defendida por Castells, forte o bastante

para romper com os grilhões alienantes da vida espetacularizada criticada por Debord?

Lembramos que nas redes são utilizadas grande parte das mídias atuais e que os

participantes também produzem muitas das peças que divulgam. Estas várias mídias

suportam todo tipo de conteúdo que atualmente pode ser produzido rapidamente, a partir

dos dispositivos móveis como smartphones, tablets e outros e com a participação das

próprias audiências. Exemplos destes são os spoilers, fan fiction, fanzines, fansubbing, além

de traduções colaborativas de livros. Esses são trabalhos de resistência (ataques à indústria

de entretenimento com seus altos preços) ou então de cooptação (quando são os fãs que

trabalham na ampliação das produções das grandes indústrias midiáticas)? (PRIMO, 2010,

p. 8).

Em resposta dialética, Castells faz referência à criatividade político-artística

presente nos movimentos sociais, em particular na Síria apoiados por design gráfico

inovador, com a criação de imagens de avatares, minidocumentários, web-séries do

youtube, vlogs, montagens fotográficas e coisas semelhantes. (CASTELLS, 2013, pos.

1396). Além disso, cita uma pesquisa que considera das mais completas, em 1999, sobre a

demanda de multimídia, realizada por Charles Piller: uma amostra nacional de 600 adultos

nos Estados Unidos revelou interesse muito mais profundo pelo uso da multimídia para

acesso à informação, questões comunitárias, envolvimento político e educação do que para

mais opções de programação televisiva e filmes. Na sua concepção, nos sistemas

multimídia as mensagens “não são apenas segmentadas pelos mercados mediante as

estratégias do emissor, mas são cada vez mais diversificadas pelos usuários da mídia de

acordo com seus interesses [...]. ” (CASTELLS, 1999, p. 389).

No contraponto desta questão, Debord afirma na sua 29ª tese que é justamente essa

perda de unidade representativa da realidade – que aqui estamos entendendo como o

processo de criação de imagens com seus aparatos multimídias – que faz com que surja seu

conceito de sociedade do espetáculo, quando o modo de ser da produção e do trabalho faz o

indivíduo perder a noção de unidade de mundo, “cujo modo de ser concreto é justamente a

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abstração”. Além disso: “O espetáculo reúne o separado, mas o reúne como separado. ”

(Grifo do autor, DEBORD, 2012, 23)

Seria possível, então, que os atores sociais da atualidade, por terem uma participação

mais ativa nas mídias, deixem de ser “reféns” do espetáculo? Para Debord, esta questão

teria uma resposta negativa, quando afirma na sua 6ª tese que “sob todas as suas formas

particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos

–, o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante. É a afirmação onipresente da

escolha já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha” (Grifo do autor, 2012,

p. 14).

Já para Castells (2013, pos. 251).:

[...] a autocomunicação de massa fornece a plataforma tecnológica para a

construção da autonomia do ator social, seja ele individual ou coletivo, em

relação às instituições da sociedade. É por isso que os governos têm medo

da internet, e é por isso que as grandes empresas têm com ela uma relação

de amor e ódio, e tentam obter lucros com ela, ao mesmo tempo que

limitam seu potencial de liberdade”.

Ainda segundo Castells os seres humanos criam significado interagindo com seu

ambiente natural e social, conectando suas redes neurais com as redes da natureza e com as

redes sociais. A constituição de redes é operada pelo ato de comunicação. (2013, pos. 200)

Porém Debord afirma que:

O espetáculo não é necessariamente um produto do desenvolvimento

técnico do ponto de vista do desenvolvimento natural. A sociedade do

espetáculo é, pelo contrário, uma formulação que escolhe o seu próprio

conteúdo técnico. O espetáculo, considerado sob o aspecto restrito dos

“meios de comunicação de massa” – sua manifestação superficial mais

esmagadora – que aparentemente invade a sociedade como simples

instrumentação, está longe da neutralidade, é a instrumentação mais

conveniente ao seu automovimento total. (2012, p. 21)

Se Debord se referia ao espetáculo imposto e administrado unilateralmente pelo

sistema vigente, Castells sinaliza que as modernas técnicas de comunicação podem mudar

este paradigma, já que as comunidades criadas a partir delas se autogerenciam e

independem dos governos ou corporações:

Como os meios de comunicação de massa são amplamente controlados por

governos e empresas de mídia, na sociedade em rede a autonomia é

basicamente construída nas redes da internet e nas plataformas de

comunicação sem fio. As redes sociais digitais oferecem a possibilidade de

deliberar sobre e coordenar as ações de forma amplamente desimpedida.

(2013, pos. 256)

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Ainda assim, mesmo que garanta a possibilidade de deliberar e coordenar as

próprias ações dentro das redes de comunicação, permanece a questão do espetáculo

moderno, pois deliberar e coordenar não significa necessariamente autonomia, visto que

estas ações, na visão de Debord, podem estar sendo realizadas sob a influência daquilo que

a sociedade “pode fazer, mas nesta expressão o permitido opõe-se absolutamente ao

possível. O espetáculo é a conservação da inconsciência na modificação prática da

existência” (Grifo do autor, 2012, p. 23). Neste sentido, esta afirmação do autor francês faz

um paralelo direto com o sistema de “feedback entre espelhos deformados” de Castells,

quando comenta:

Como representa o tecido simbólico de nossa vida, a mídia tende a afetar o

consciente e o comportamento como a experiência real afeta os sonhos,

fornecendo a matéria-prima para o funcionamento de nosso cérebro. É

como se o mundo dos sonhos visuais [...] devolvesse ao nosso consciente o

poder de selecionar, recombinar e interpretar as imagens e os sons gerados

mediante nossas práticas coletivas ou preferências individuais.

(CASTELLS, 1999, p. 422)

Com relação a isto, o próprio Castells, referindo-se aos movimentos populares

mediados pelas redes na internet afirma que “ocorre frequentemente que os movimentos se

tornem matérias-primas para a experimentação ideológica ou a instrumentação política, ao

definir objetivos e representações que pouco têm a ver com sua realidade” (2013, pos. 352).

Se é possível confirmar que as ideologias e grupos políticos se apoderem desses

movimentos, será que a visão espetacular migra para os sistemas da WEB e os cidadãos

continuam impotentes devido à inconsciência na modificação prática da existência?

Contrapondo-se à afirmativa anterior, Castells afirma que na sociedade em rede são

criados espaços públicos que avançam além das fronteiras permitidas pelas elites e que

extrapolam o próprio espaço virtual, invadindo e transformando a realidade social. Além

disso, afirma que os movimentos transformadores que ocorrem através desses espaços são

feitos por indivíduos que conseguem mobilizar outras pessoas. Referindo-se aos

movimentos sociais que se espalharam rapidamente pelas redes e trouxeram importantes

mudanças nos governos de alguns países, como o Egito e a Tunísia, ele diz: “Desse modo, a

questão-chave para esse entendimento é quando, como e por que uma pessoa ou uma

centena de pessoas decidem, individualmente, fazer uma coisa que foram repetidamente

aconselhadas a não fazer porque seriam punidas” (2013, pos. 298). Em outro momento ele

afirma que estes movimentos “ignoraram partidos políticos, desconfiaram da mídia, não

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reconheceram nenhuma liderança e rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na

internet e em assembleias locais” (2013, pos. 299).

Estariam estas pessoas ainda sob a influência do espetáculo debordiano? Neste

sentido, é realçado o comentário de Debord que a essência do poder é o próprio espetáculo,

cuja sua melhor conceituação é encontrada na sua 23ª tese, quando diz:

A mais velha especialização social, a especialização do poder, encontra-se

na raiz do espetáculo. Assim o espetáculo é uma atividade especializada que

responde por todas as outras. É a representação diplomática da sociedade

hierárquica diante dela mesma, na qual toda outra fala é banida. (2012, p.

20)

Sendo assim, quando se nega as lideranças e as organizações formais, utilizando-se

as redes sociais para se fazer política, consequentemente se está fazendo também

espetáculo, esvaziando-se a política de seu conteúdo institucionalizado. Castells deixa claro

que nos movimentos sociais expressos nas redes ficam sobretudo evidentes a necessidade e

os desejos de seus integrantes:

Há momentos de liberação, em que todos esvaziam sua sacola de

frustrações e abrem a caixa de seus sonhos. [...] [No entanto] se os cidadãos

não tiverem os meios e formas de se autogovernar, as políticas mais bem

planejadas, os programas mais bem-intencionados, as estratégias mais

sofisticadas podem ser ineficazes ou corromper-se ao serem implementados.

[...] Só uma comunidade política democrática pode assegurar uma economia

que funcione como se as pessoas importassem, assim como uma sociedade a

serviço dos valores humanos e da busca de felicidade pessoal. (2013, pos.

2900 a 2906)

Quando isto acontece, isto é, quando os atores sociais fazem o que acham que deve

ser feito, mesmo correndo riscos, podemos afirmar que elas escapam da “garra” do

espetáculo e têm autonomia em suas ações?

A questão fundamental é que esse novo espaço público, o espaço em rede, situado

entre os espaços digital e urbano, é um espaço de comunicação autônoma. A autonomia da

comunicação é a essência dos movimentos sociais, ao permitir que o movimento se forme e

ao possibilitar que ele se relacione com a sociedade em geral, para além do controle dos

detentores do poder sobre o poder da comunicação. (CASTELLS, 2013, pos. 207)

Esse espaço de comunicação autônoma, significa necessariamente que os agentes de

comunicação são também autônomos? Castells diz que: embora cada mente humana

construa seu próprio significado, interpretando em seus próprios termos as informações

comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente de comunicação.

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Sendo assim, embora as redes aparentemente quebrem a hegemonia dos sistemas de

comunicação, ainda é possível averiguar indícios das afirmações de Debord nesta nova

configuração global, quando comenta em sua 30ª tese:

(...) Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece

no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os

representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em

lugar algum, pois o espetáculo está em toda parte. (DEBORD, 2012, p. 24)

Neste sentido, podemos retornar à ideia de Castells, quando ele responde a sua

própria indagação sobre o que é um sistema de comunicação que, ao contrário da

experiência histórica anterior, gera virtualidade real.

É um sistema em que a própria realidade (ou seja, a experiência

simbólica/material das pessoas) é inteiramente captada, totalmente imersa

em uma composição de imagens virtuais no mundo do faz-de-conta, no qual

as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da

experiência, mas se transformam na experiência. (CASTELLS, 1999, p.

419)

Há na citação acima um forte indicativo de que na visão de Castells permanece a

questão do espetáculo sob uma nova roupagem. Então, será que poderíamos tecer um

possível acordo entre ela e a visão de Debord conforme citação da sua já mencionada 8ª

tese:

Não é possível fazer uma oposição abstrata entre o espetáculo e a atividade

social efetiva: esse desdobramento também é desdobrado. O espetáculo que

inverte o real é efetivamente um produto. Ao mesmo tempo, a realidade

vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma

em si a ordem espetacular à qual adere de forma positiva. A realidade

objetiva está presente dos dois lados. Assim estabelecida, cada noção só se

fundamenta em sua passagem para o oposto: a realidade surge no

espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a

base da sociedade existente. (2012, p. 15)

A virtualidade real de Castells captura a realidade, isto é, a virtualidade nasce do

real, se apropria dele e o transforma numa composição virtualizada, enquanto para Debord a

realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é o real. Embora fazendo caminhos inversos

estariam ambos os autores afirmando a mesma coisa?

Provavelmente não. A abordagem de Debord é no sentido crítico que permeia todo o

seu trabalho. Ou seja, espetáculo que se apodera do real não tem somente o sentido

semântico, mas bloqueia a possibilidade de reação, conforme escreve na sua 13ª tese:

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O caráter fundamentalmente tautológico do espetáculo decorre do simples

fato dos seus meios serem, ao mesmo tempo, a sua finalidade. É o sol que

nunca se põe no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície

do mundo e banha-se indefinidamente em sua própria glória. (2012, p. 17)

Já Castells lembra que todas as formas de comunicação, conforme ensinado pelos

renomados filósofos e sociólogos franceses como Roland Barthes e Jean Baudrillard, em

meados do século XX, são baseadas na produção e consumo de sinais e que, portanto, não

há separação entre “realidade” e representação simbólica.

Em todas as sociedades, a humanidade tem existido em um ambiente

simbólico e atuado por meio dele. Portanto, o que é historicamente

específico ao novo sistema de comunicação, do tipógrafo ao sensorial, não é

a indução à realidade virtual, mas a construção da realidade virtual.

(CASTELLS, 1999, p. 459)

Neste trecho especificamente, ele continua explanando que, segundo o dicionário,

“virtual é o que existe na prática”, embora não estrita ou nominalmente e “real é o que

existe de fato”. Desta forma, no seu entender, a realidade vivida sempre foi virtual porque é

percebida por intermédio de símbolos formadores da prática com algum sentido que escapa

à sua rigorosa definição semântica. E que, não apenas na comunicação de massa, mas em:

Todas as realidades são comunicadas por intermédio de símbolos. E na

comunicação interativa humana, independentemente do meio, todos os

símbolos são, de certa forma, deslocados em relação ao sentido semântico

que lhes são atribuídos. De certo modo, toda a realidade é percebida de

maneira virtual (CASTELLS, 1999, p. 459).

Além disso, a construção de significado na mente das pessoas é uma fonte de poder

decisiva e estável pois é justamente a forma como as pessoas pensam que determina o

destino de instituições, normas e valores sobre as quais a sociedade é organizada.

(CASTELLS, 2013, pos. 194). Neste sentido, o ator social, ao construir o espetáculo,

contribui para a construção da sua própria história, sendo agente ativo de transformações.

Na sociedade em rede defendida por Castells, os cidadãos tornam-se capazes de

inventar novos programas para suas vidas “com as matérias–primas de seu sofrimento, suas

lágrimas, seus sonhos e esperanças” (2013, pos. 251). Foi assim que surgiram os vários

movimentos que se espalharam pelo mundo nos últimos anos, inclusive os do Brasil em

2013. Ele observa que, o debate mais aprofundado destes movimentos é obscurecido na

mídia e nos círculos acadêmicos, ao negar que as tecnologias de comunicação estejam na

raiz desses movimentos sociais e que, apesar disto ser óbvio, já que nem a internet, nem

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outra tecnologia pode, por si mesma, ser fonte de causação social, há uma conexão

fundamental e mais profunda entre esses movimentos e a internet. Sendo assim, a

virtualização do real como entendida por ele, em nada obscurece a percepção da vida

vivida, ao contrário do que argumenta Debord.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dialeticamente, as respostas dadas por estes dois autores às questões levantadas

neste trabalho criam um certo desconforto epistemológico, pois ambos possuem tendência

para ver e julgar a sociedade de formas distintas, a partir de referências diferentes. Neste

sentido, num primeiro momento não é viável considerar Debord e Castells como autores

que possuem correlações teóricas profundas em suas concepções, uma vez que o primeiro

vivia em uma sociedade exclusivamente de massa e “refém” do período da Guerra Fria e o

segundo vive em uma sociedade conectada e de liberdade de expressão. A análise dos dois

se dá a partir de um mesmo objeto, ou seja, a sociedade, mas com observações a realidades

distintas em termos de mediações. Desta forma é possível concluir e classificar os dois

livros apresentados em correntes distintas de pensamento, enquadrando-os na dicotomia

criada por Umberto Eco (apocalíptico em Debord e integrado em Castells), mas com

conceitos correlacionados e que dialogam entre si.

Isto porque é possível identificar na visão de Debord uma reação apocalíptica aos

meios de comunicação de massa, quando a alienação se torna o “carro-chefe” das ações

produtivas em qualquer âmbito, incluso nas fibras ópticas da sociedade em rede. Esta

alienação está presente nas relações dos indivíduos com a sua própria realidade, perdendo o

contato das origens das coisas e das relações humanas. “O espetáculo é a reconstrução

material da ilusão religiosa. (...) O espetáculo é a realização técnica do exílio, para o além,

das potencialidades do homem; a cisão consumada no interior do homem” (2012, p. 19),

comenta ele na sua 20ª tese. Esta visão fatalista pode ser interpretada como ecos da visão

comunista de Marx, em que a consciência do indivíduo moderno não espelha “mais nada

que determinada relação social entre os próprios homens, que para ele assume a forma

fantasmagórica de uma relação entre coisas” (MARX, 1985, apud AQUINO, 2007, p. 171).

Já Castells pode ser interpretado como um autor integrado, que absorve os

benefícios da sociedade em rede, acreditando na autonomia que esta dá aos indivíduos, e

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consequentemente, sua liberdade, desviando-se assim do espetáculo fatalista debordiano.

Reforçando esta constatação, ele comenta:

O conceito de autonomia (...) pode se referir a atores individuais ou

coletivos. Autonomia refere-se à capacidade de um ator social tornar-se

sujeito ao definir sua ação em torno de projetos elaborados

independentemente das instituições da sociedade, segundo seus próprios

valores e interesses. A transição da individuação para a autonomia opera-se

por meio da constituição de redes que permitem aos atores individuais

construírem sua autonomia com pessoas de posição semelhantes nas redes

de sua escolha. Eu afirmo que a internet fornece a plataforma de

comunicação organizacional para traduzir a cultura da liberdade na

prática da autonomia. (...) (Grifo meu, 2013, pos. 2.780)

Ainda nesta citação, Castells (2013, pos. 2.790) comenta que a mais profunda

transformação promovida pela internet é a passagem da interação individual e empresarial

para uma construção autônoma de redes sociais controladas, como também, guiadas pelos

seus usuários. Mutação esta ocorrida na primeira década do século XXI. Desta forma a

atividade de destaque da internet são as redes sociais, sendo plataforma de diversos tipos de

atividades, tais como educação, cultura, entretenimento, bate-papo, entre outras, mas o mais

importante é sem dúvida, segundo Castells, a atividade sociopolítica.

Mesmo evidenciando estas autorais divergências, este trabalho buscou em um

exercício filosófico retirar muitas vezes o “peso” ideológico nas visões de Debord, a fim de

encontrar pontos de convergência entre os dois autores, vigentes na sociedade atual. Esta

sociedade encontra na liberdade das redes a sua força motriz: ora fazendo com que as

expressões e desejos dos indivíduos esvaziem “suas sacolas de frustrações e abram a caixa

de sonhos de soluções mágicas” ou comprimam os indivíduos num sistema econômico

impiedoso, cujo resultado é sentido pelos mercados financeiros especulativos; ora trazendo

mais possibilidades de criação individual a um espetáculo moderno, onde qualquer um é

capaz (ao menos em potência) de influenciar toda a estrutura social.

Afinal, se aceitarmos que o espetáculo está imerso no emaranhado das conexões

virtuais, a partir da visão fatalista de Debord, também aceitamos uma autoalienação total

dos indivíduos que utilizam as redes sociais, da sociedade contemporânea, da globalização

e, consequentemente, esta seria uma conclusão extremamente pessimista deste trabalho.

Entretanto, a partir da própria metodologia utilizada, é evidente que este é um assunto em

aberto e em construção, contrapondo o conceito de espetáculo de Debord como única visão

possível na construção social feita pelas inúmeras mídias e suas redes de conexões.

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Tanto o espetáculo em si, como as redes que estão se transformando no principal

meio de comunicação, estão em devir. Podemos completar que Debord, mesmo que na

negação de suas teses, é sempre uma referência para reflexão e ponto de partida da relação

do homem com o espetáculo e que, apesar de haver um claro antagonismo entre as suas

teses e o pensamento de Castells, ambos autores têm contribuições importantes para estudo

e entendimento da nossa sociedade espetacularizada e em rede.

REFERÊNCIAS

AQUINO, João Emiliano F. Espetáculo, Comunicação e Comunismo em Guy Debord. In:

Kriterion: Revista de Filosofia, vol.48, nº.115, p. 167 -182, Belo Horizonte, 2007.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

_________________. Redes de Indignação e Esperança: Movimentos sociais na Era da

Internet. São Paulo: Zahar, 2013.

DINIZ, Célia Regina; SILVA, Iolanda Barbosa da. Metodologia e suas possibilidades Reflexivas.

In: Metodologia Cientifica. Campina Grande; Natal: UEPB/UFRN, 2008.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio

de Janeiro: Contraponto, 2012.

ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Valentino Bompiani, Espanha: Casa, 1984.

Enciclopédia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1988. Vol. 10.

PRADO Jr., Caio. Dialética do Conhecimento: História da Dialética, lógica dialética. São Paulo:

Brasiliense, 1963.

PRIMO, Alex. Crítica da cultura da convergência: participação ou cooptação? In: Elizabeth

Bastos Duarte, Maria Lilia Dias de Castro. (Org.) Convergências Midiátias: produção ficcional –

RBS TV. Porto Alegre: Sulina, 2010, p. 21-32.

SIMÓN, R. Fabián. Clarín y la ley de médios. Buenos Aires: Planeta, 2013.