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Filosofia: Oriente, Ocidente

O ESPRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL Chan Wing Tsit

A histria da Filosofia oriental complicada. Para obter-se uma viso abrangente faz-se mister um ngulo adequado para a abordagem e uma perspectiva total. A fim de abordar a filosofia oriental de um ponto de vista certo, devemos trat-la como uma filosofia em contraposio religio, com a qual ela tem intima vinculao histrica, porm no necessariamente filosfica.

A NECESSIDADE DE UMA PERSPECTIVA TOTAL

Podemos mencionar o Taosmo como excelente exemplo da confuso entre a Filosofia oriental e a religio oriental. A menos que separemos o naturalismo da filosofia taosta da primitiva e corrompida religio do culto da Natureza, da alquimia e dos encantos de todas as espcies que levam o nome de Taosmo, no podemos deixar de ter um quadro confuso e distorcido da filosofia taosta. No precisamos historiar a maneira pela qual a filosofia taosta foi utilizada pelo fundador de um culto primitivo no sculo 1 d.C. para ganhar prestigio e apoio, nem investigar como a religio taosta se desenvolveu mais por imitao do Budismo do que seguindo os ensinamentos de Lao-Ts. Quando

distinguirmos a religio taosta da filosofia taosta, veremos que a crena no politesmo, na meditao, na transmigrao, etc., pertence ao Taosmo como religio, e no como filosofia. Procedimento similar revelar que as fantsticas e anormais "prticas de Ioga" no representam a filosofia ioga do intuicionismo dualstico e meditativo (1). Por outro lado, para abordar a Filosofia oriental de um ngulo adequado, devemos usar livre e generosamente a literatura na qual ela est incorporada. As tradues inglesas ainda esto limitadas a uma pequena frao da Filosofia oriental, principalmente antiga, e, para se ter uma viso abrangente dela, tais tradues so irremediavelmente inadequadas. Veja-se, por exemplo, a filosofia do Budismo Mhyana: apenas algumas das obras bsicas das duas filosofias mahynas mais importantes, a saber, a escola da "Doutrina Mdia" e a da "Mente- S", so encontrveis em ingls. Textos indispensveis, como o Tririmsika (Trinta Versos da Doutrina Mente- S) (2), Vijaptimtratsiddhi (A Concluso da Doutrina da Mente- S) (3), Yogcrabhmi (Os Estdios da Perfeio no Idealismo), Mahynasangraha (Sumrio da Filosofia Mahyna), Mdhyamika Sstra (Tratado da Doutrina Mdia) (4) , Dvdasadvra Sastra (Os Doze "Portes" da Doutrina Mdia), etc., ainda aguardam traduo, para no falar da bblia da filosofia "totalstica" chamada Avatansaka Stra, a bblia da escola realista de Hinayana chamada Abhidharmakosa Sstra (5), ou a bblia da filosofia niilista de Hinayna chamada Satyasiddhi Sastra (A Concluso da Verdade). A lista poderia ir muito mais longe, mas esta basta para mostrar que s visvel em ingls um cantinho do quadro. Assim sendo, obviamente impossvel ter-se uma perspectiva total do sistema budista, para no falar da Filosofia oriental em conjunto. Para termos uma perspectiva total dessa Filosofia, devemos examinar de modo abrangente, no apenas uma ou duas filosofias orientais importantes, mas todas as escolas filosficas. Com muita freqncia, um sistema oriental proeminente tem sido tomado como sendo toda a Filosofia do Oriente. Tanto o Hindusmo como o Budismo tm sido tomados separadamente como representativos "da" filosofia "do" Oriente. Conforme veremos logo adiante, as filosofias da ndia e as da China formam, na verdade, dois grupos, com tantas - se no mais - diferenas quantas semelhanas entre si. Devemos lembrar que, com exceo do Budismo, as filosofias indianas no passaram das fronteiras de sua terra natal.

O Budismo tambm tem sido considerado a filosofia representativa do Oriente, em parte porque a nica filosofia oriental que cobriu a ndia, a China e o Japo, e em parte porque os seus conceitos so to diferentes do contedo filosfico do Ocidente que ele apresenta um encanto peculiar, um desafio vigoroso e alguns contrastes agudos. Conseqentemente, a Filosofia oriental, em conjunto, foi descrita como defensora da renncia, da fuga, do pessimismo, da negao, etc., simplesmente porque estas tendncias existem em algumas escolas do Budismo. De fato, a extenso e o sentido em que elas so verdadeiras no Budismo no devem ser aceitos sem mais exame, porque o "reino da verdade comum" no Budismo, que naturalmente inferior ao "reino da verdade mais elevada", permite uma vida razovel e normal. Mas nenhum oriental, nem mesmo um budista, afirmaria seja o Budismo a filosofia abrangente do Oriente, pois o Budismo coisa do passado na ndia h quase mil anos. Mesmo nos dias dos Mahsanghikas e Sarvstivdins, e do Ngrjuna, do Asanga e do Vasubandhu, dias de sua glria na ndia, era ele considerado um sistema "heterodoxo". Nenhum leitor de literatura budista pode deixar de impressionar-se com o esforo estrnuo que os filsofos budistas fizeram para defender-se dos ataques do Nyya, do Snkhya, do Vednta e de outras escolas filosficas hindus. Igualmente heterodoxo foi o Budismo na China. Embora a filosofi a chinesa, principalmente o Neoconfucionismo, tenha sido at certo ponto influenciada pelo Budismo; embora a China tenha sido a terra em que as filosofias do Ngrjuna e do Vasubandhu alcanaram a maturidade; e embora a China tenha sido a terra natal de escolas budistas como Ch'an (Zen) e T'ien-t'ai, o fato que o Budismo como filosofia s existiu durante pouco tempo na China e como "doutrina errnea". Hoje, o Japo chamado a terra do Budismo. Sob certos aspectos, isto permissvel porquanto encontram-se no Japo todas as seitas budistas mahynas e preservam-se a melhor literatura e as melhores tradies. No obstante, como filosofia, o Budismo no Japo sempre foi ofuscado pelo Neoconfucionismo; como religio e modo de vida, enfrenta a intensa competio do Xint, o "Mandamento dos Deuses".

VARIEDADE E MUDANA NA FILOSOFIA ORIENTAL

Assim, incorreto considerar um sistema filosfico oriental como a filosofia oriental em conjunto; igualmente incorreto ver num perodo da Filosofia oriental todo o curso do seu desenvolvimento. Como os antigos textos filosficos orientais se encontram com mais facilidade e, portanto, so mais familiares, as filosofias orientais medievais e modernas tm sido consideradas, consciente ou inconscientemente, como que notas de p de pgina da antiga Filosofia oriental. Nada, porm, est mais longe da verdade. Se percorrermos toda a histria da Filosofia oriental, encontraremos muita variedade e mudana, de modo que o antigo perodo, embora muito importante, de maneira algum a a histria completa. Talvez o exemplo mais frisante de variedade e mudana na Filosofia oriental seja o Budismo. Isto pode surpreender as pessoas para as quais o termo filosofia budista dificilmente sugere qualquer coisa alm dos ensinamentos do Buda, mas as modificaes da filosofia, na histria do Budismo, so tais que Gotama teria grande dificuldade em reconhec-lo. Tome-se a sua doutrina bsica, o Caminho do Meio, por exemplo. Pela forma como ensinado por Gotama o Buda, o Caminho do Meio significava o espao que medeia entre os extremos do hedonismo e do ascetismo, posio intermediria formulada como a Senda ctupla ou o Nobre Caminho de Oito Voltas, a saber, opinies certas, inteno reta, linguagem correta, ao justa, modo de vida certo, esforo certo, cuidado certo e concentrao certa (6). Isto se transformou num Caminho Intermedirio metafsico no Hinayna, no sentido da existncia dos elementos mas da no-existncia do eu (7). Quando se chegou ao Mahyna, a alterao se tornou mais variada e mais radical. Praticamente, todas as escolas mahynas tiveram suas prprias interpretaes do "Caminho do Meio". Para a escola Mdhyamika ele no era nada seno o vazio (8), e era idntico Negao ctupla, a negao total da produo, da extino, da aniquilao, da permanncia, da unidade, da diversidade, da chegada e da partida (9). A escola Yogcra, por outro lado, ops-se a tal posio totalmente negativista e descreveu o Caminho do

Meio como o Assim, o Verdadeiro Estado, que devia ser realizado pelo mais elevado estado de conscincia, ou conscincia "sem impureza", destituda de qualquer possvel discriminao. De acordo com este Caminho do Meio, "Nem se afirma que todos (os elementos) so irreais (como sustentado pelos Mdhyamikas), nem so todos eles realidades (como sustentado pelos Hinaynistas) (10). "Assim, os dois extremos de afirmao e negao so evitados, a doutrina da Mera Ideao estabelecida, e o Caminho do Meio confirmado" (11). Divergindo de ambas essas escolas, a escola Avatansaka interpretou o Caminho do Meio na base da "Causalidade Universal do Reino do Principio". A Causalidade Universal implica tanto o Um quanto o Muitos, tanto o universal quanto o particular, que se combinam todos numa grande harmonia sem qualquer obstculo" (12). A escola T'ien - t'ai levou mais longe essa doutrina da harmonia e culminou com o ensinamento de que "No h qualquer cor ou fragrncia que no seja idntica ao Caminho do Meio" (13). Isto quer dizer que a verdade do Vazio (irrealidade da existncia), a verdade da temporariedade (existncia transitria) e a verdade do MeioTermo (tanto no-existncia como existncia condicionada) so todas idnticas, formando a "redonda e harmoniosa verdade tripla" ou a "absoluta verdade tripla"(14). Por este rpido exame de algumas escolas budistas, podemos ver que a doutrina do Caminho do Meio passou por muitas alteraes, alteraes que tornam o original quase irreconhecvel. Histria semelhante pode ser contada a respeito do Confucionismo. O Lun Y (Analectos) de Confcio (551-479 a.C.) foi a base, mas foi apenas o principio. O objetivo da filosofia confuciana a Perfeio, comeando com o desenvolvimento da natureza do indivduo e afinal culminando num Estado bem ordenado e num mundo pacifico. Isto o jn, palavra que tem sido traduzida de vrias maneiras - como benevolncia, amor, bondade e verdadeira natureza humana. Para Confcio, jn significava simplesmente a perfeio humana, conceito essencialmente tico. poca de Mncio (371-289 a.C.), jn era definido como "aquilo em virtude do que um homem deve ser homem". tica de senso comum de Confcio, Mncio acrescentou um fundamento psicolgico defendendo a teoria de que a natureza humana boa. Assim, o Homem no apenas deve ser perfeito, mas tem que ser perfeito. Em outras palavras, jn tornou-se uma necessidade psicolgica. No Neoconfucionismo, jn era, no apenas tico e psicolgico, mas tambm metafsico.

A incessante produo e reproduo do universo uma prova inaltervel do jn, e, como a natureza original do Homem idntica do Grande Final, aquele deve esforar-se por "exercitar plenamente seu esprito" e "desenvolver sua natureza ao mximo", de modo a produzir uma ordem csmica e moral. Conseqentemente, um homem deve considerar-se a si mesmo, junto com os outros homens, todas as coisas e o Cu e a Terra, como parte de uma e mesma entidade"(15). O que se afirma a respeito da doutrina budista do Caminho Intermedirio e do conceito confuciano de jn tambm se aplica a muitas outras idias na Filosofia oriental. Mesmo no sistema aparentemente mais estagnado do sistema oriental, o Taosmo, variedade e mudana no faltam (16). O ritmo da mudana tem sido, evidentemente, mais lento do que no Ocidente, especialmente a partir do Renascimento. Cumpre ter presente, contudo, que nenhuma qualificao geral, tal como tradicionalismo, estagnao e conservadorismo, deve ser exagerada. No devemos ser induzidos erroneamente a crer em tradicionalismo, dogmatismo, etc., pelo singular amor oriental s citaes dos antigos e s remisses sua doutrina em busca de abonaes. Todas as seis escolas hindus ortodoxas sustentam que sua autoridade provm dos Vedas e dos Upanixades e, no entanto, do monismo espiritual dos Upanixades se desenvolveram sistemas como o atomismo lgico do Nyya, o pluralismo atomstico do Vaigeshika, o dualismo realista do Snkhya, o intuicionismo meditativo dualstico da Ioga, o monismo realista e ritualista do Mimrhs, e o monismo idealista do Vedanta. Ademais, existiram profundas diferenas dentro de cada escola, como se ilustrar melhor pelo monismo absoluto do Vedanta de Sankara, que considera a multiplicidade como iluso, e o "monismo qualificado" do Vedanta de Rmnuja, que defende a multiplicidade como real (17).

CARACTERSTICAS DAS FILOSOFIAS INDIANA E CHINESA

Quando nos damos conta de que nem todas as filosofias orientais nem os diferentes estgios de uma filosofia oriental seguem o mesmo padro, torna-se evidente que nem toda caracterizao de um sistema se aplica aos outros. Isto no significa que os diferentes sistemas no tm pontos concordantes. Entretanto, nos exames que adiante se faro de caractersticas especficas, devemos constantemente ter em vista que as semelhanas na Filosofia oriental so acompanhadas por diferenas, de modo que a Filosofia oriental no uma, porm muitas. Em geral, as filosofias da ndia e as filosofias da China e do Japo formam dois grupos diferentes, j que as caractersticas gerais atribudas s filosofias indianas, sejam quais forem, em muitos casos no so aplicveis s filosofias da China e do Japo. Em exame mais adiante se mostrar onde esto as semelhanas e diferenas entre estes dois grupos em geral e entre os vrios sistemas filosficos em particular. Quanto descrio geral dos dois grupos; recorramos s opinies de alguns estudiosos nativos ilustres. O Professor S. Radhakrishnan, em seu Indian Philosophy, considera a espiritualidade, o predomnio do interesse pelo subjetivo, o idealismo monstico e a intuio como caractersticas gerais do pensamento indiano. Com o termo espiritualidade ele designa uma forte motivao espiritual da filosofia indiana e um reconhecimento perspicaz da intima relao existente entre a Filosofia, a religio e a vida. Isto no quer dizer que a filosofia indiana seja dogmtica ou no- intelectual. Ao contrrio, intensamente intelectual, critica e sinttica. O interesse pelo subjetivo vem da sntese especulativa e no se ope Cincia. O idealismo monstico indiano acentua que a realidade o eu e que o Homem deve tornar-se realidade. mstico no sentido de disciplina da natureza humana que conduz realizao do esprito. A intuio, ou antes, darsana, inclui observao perceptual, conhecimento conceptual, experincia intuicional, investigao lgica e introviso da alma. O Professor Radhakrishnan repele enfaticamente a acusao comum contra a Filosofia indiana de que ela pessimista, dogmtica, indiferente tica e noprogressista (18).

Outro eminente e representativo erudito indiano, o Professor S. Dasgupta, considera a teoria do carma e do renascimento, a doutrina da emancipao (mukti), a doutrina da alma (tman, purusha, jva, etc.), o pessimismo e o sdhana "pontos fundamentais de acordo" entre as escolas indianas com a s exceo dos materialistas Chrvka. Sdhana denota esforo filosfico, religioso e tico, inclusive o domnio das prprias paixes, o evitar dano vida sob qualquer forma, a represso de todos os desejos de prazer e a prtica do mtodo ioga de concentrao (19). Dasgupta explica que no pessimismo indiano h uma "confiana otimista absoluta da pessoa em si mesma e no destino final e na meta de emancipao" (20). No tem havido tanta avaliao da filosofia chinesa por estudiosos nativos como na ndia. Dois aspectos, entretanto, foram muito destacados pelo eminente erudito Dr. Hu Shih. Em seu The Development of the Logical Method in Ancient China, acentua ele que o mtodo lgico desempenhou papel importante tanto na antiga como na moderna filosofia chinesa e, no artigo intitulado "Religion and Philosophy in Chinese History", d nfase ao fato de que "a Filosofia, na China como alhures, tem sido criada, defensora, critica ou adversria da religio" (21). O Professor Fung Yu-lan considera a Filosofia chinesa inferior ocidental e indiana em demonstrao e em explicao; que a filosofia chinesa acentua o que o Homem , e no o que ele tem; que ela no d muita importncia Epistemologia; que no est interessada no conhecimento pelo conhecimento; que no contrasta o Homem e o Universo; que no desenvolveu um sistema de lgica; que subordinou a Metafsica aos assuntos humanos; que discute extensa e completamente o problema de como viver; que no sistemtica na forma, porm no contedo; e que s tradicional no nome e que progressista (22). Da descrio das filosofias indiana e chinesa conclui-se bem que elas mostram caracteres diferentes. Concordam, entretanto, em um ponto, a saber, no interesse pelo Homem em vez de pela Natureza ou Deus.

O HOMEM, ESTE MUNDO, A IMORTALIDADE E O MAL

Tanto as virtudes como os vcios da Filosofia oriental podem ser atribudos ao fato central de que ela v a Filosofia como um problema humano. Ela se dedica, primordialmente, busca da soluo final para os problemas humanos. O objetivo ltimo o Moksha, ou emancipao, para o Hindusmo e o Janismo; o Nirvana para o Budismo; "longa vida e viso duradoura" para o Taoismo; perfeio individual e uma ordem social harmnica para o Confucionismo e o Neoconfucionismo; e o bem-estar geral para o Mosmo (23). No so ideais altos e remotos, de realizao impossvel: ao contrrio, acredita-se firmemente que so alcanveis e, o que ainda mais significativo, alcanveis neste mundo. Claro que algumas religies orientais buscam a salvao completa no outro mundo, tais como os estgios mais elevados da transmigrao no Hindusmo, a "Terra Pura", o "Paraso" e outras verses do Nirvana em certas seitas budistas (24) e o "reino dos imortais" no culto taosta. Mas tais crenas so desvios de seus respectivos sistemas filosficos, os quais insistem em que a salvao ocorre neste mundo. Em todas as filosofias chinesas nativas, os smbolos de perfeio, a saber, a ordem sbia e moral, no transcendem este mundo. Como dizem os neoconfucionistas, a realidade "est bem diante dos nossos prprios olhos", e no h nenhum princpio final como a Razo ou o Grande Final "alm de questes dirias como beber e comer" (25). O principal objetivo dos taostas "alimentar a nossa natureza original" e "preservar a vida", deixando que ela siga seu curso naturalmente (26). Mesmo no Hindusmo e no Budismo, que aparentemente esto voltados para o outro mundo, a liberdade se conquista quando se alcana o conhecimento certo e perfeito, porquanto a condio fundamental para o Moksha e o Nirvana a eliminao da ignorncia, o que pode acontecer em qualquer momento da nossa vida. Isto no significa que a imaginao oriental no v alm deste mundo mundano. Os hindus, os budistas e os taostas - que copiaram os budistas como por atacado criaram mais cus e infernos do que todo o resto do mundo, mas como produtos de sua

fantasia religiosa, e no como resultados de sua especulao filosfica. No Hindusmo, no Budismo, no Taosmo e no Confucionismo como filosofias, a resposta pergunta sobre a existncia alm deste mundo tem feio inteiramente diferente. Em nenhum sistema oriental pode a concepo ocidental da imortalidade pessoal ser encontrada. A idia da alma pessoal no Bagavadguit dela se aproxima, mas o estgio final da alma no Hindusmo a unidade pura com o Brmane, embora isto s possa ocorrer depois de longa srie de transmigraes (27). A resposta do Budismo pergunta sobre a vida depois da morte singular. Como o Budismo no aceita nada parecido a um eu permanente, uma vida especfica dura apenas um momento, e a todo momento nasce uma nova vida. Por este motivo, no pode haver problema de imortalidade porque no h um eu imortal. Se a continuidade do renascimento deve ser interpretada como imortalidade, tal imortalidade a imortalidade do renascimento criativo e contnuo, e no a de uma pessoa. bvio que o Nirvana no pode ser interpretado como imortalidade, porque o Nirvana essencialmente o estado em que todas as entidades especficas desaparecem. Mesmo o Absoluto como entidade se extingue, e nada alm da Qualidade Essencial permanece (28). Todas as filosofias nativas da China e o Xint do Japo coincidem inteiramente na teoria de que, com a morte, a alma volta ao principio celeste ou ativo universal pelo qual foi produzido, e que o seu esprito volta ao principio terreno ou passivo do qual veio. Isso no ocorre imediatamente aps a morte, pois o indivduo conserva sua identidade por algum tempo, durante o qual os elementos ativos e passivos nele existentes gradualmente se dissipam. A extenso da permanncia neste estgio dependente da quantidade de mritos que ele acumulou, os quais tm uma maneira de consolidar as foras universais que nele h. Pode-se dizer que Confcio ainda continua a viver como ser espiritual, ao passo que o seu qinquagsimo descendente direto poderia ter deixado de ser uma entidade espiritual. Podemos dizer, portanto, que os chineses e japoneses geralmente acreditam na imortalidade temporria, se se permitir esta aparente contradio em termos (29). Embora difiram estas trs respostas pergunta sobre a vida futura, todas apontam na direo de um modo de ver metafsico, extremamente importante no Oriente, que ocupar nossa ateno repetidamente no presente texto. Trata-se do conceito do continuum

indiferenciado ou, na linguagem da Fsica moderna, o "campo" ao qual todas as entidades individuais, particulares e especficas devem ser finalmente reduzidas. Para os orientais, esta a residncia final do Homem, na qual sua realidade est identificada com a Realidade Una. Tal identidade pode significar a perda da realidade individual, como uma gota de gua no oceano, no caso do Hindusmo. Ou pode significar a ausncia de qualquer diferena entre o indivduo e o universal, como uma luz de vela num quarto iluminado ou uma voz num coro, no caso de outros sistemas orientais. De qualquer maneira, o continuum indiferenciado a soluo final do problema da imortalidade. Mas as filosofias orientais no esto em geral muito interessadas no problema da vida aps a morte. Esto ocupadssimas com os problemas deste mundo. Tanto Buda como Confcio se recusaram a responder a pergunta sobre o alm, explicando o primeiro que um mdico no tem tempo para entrar em discusses metafsicas, e o segundo que, se no conhecemos a vida, no podemos esperar conhecer a morte (30). Os filsofos orientais preocupam-se fundamentalmente com o Homem. Este profundo interesse no Homem levou, em algumas filosofias orientais, principalmente no Confucionismo e no Neoconfucionismo, ao ponto de vista de que o Homem o meio apropriado de estudo, no s dele prprio, mas tambm do universo (31). Os confucionistas, sejam antigos sejam modernos, foram unnimes na assero de que, quando a harmonia central estiver firmada no Homem, tambm estar firmada no universo. Tal tendncia tambm se podia notar no Budismo e culminou na doutrina de que o indivduo pode ver sua natureza e tornar-se Buda vendo diretamente sua prpria mente (32). O Taoismo ope a Natureza ao Homem. Mas o Tao, ou o Caminho, do Cu e da Terra, deve ser descoberto no "homem puro" ou sbio, embora Tao exista em toda parte, mesmo em coisas insignificantes como a formiga e o joio. Sendo to marcante a nfase sobre a posio do Homem na Filosofia oriental, de esperar que a questo da natureza humana ocupe um lugar de suprema importncia. Praticamente todos os sistemas trataram dessa questo de modo integral e sob muitos ngulos. H muitas discusses interessantes nos Upanixades sobre a criao do Homem, sua alma, sua natureza, seus quatro estgios (corpreo, emprico, transcendental e

absoluto) e sua relao com o Brmane (33). , porm, no Confucionismo que se encontra o mais vivo interesse pela questo, pois nunca houve filsofo confuciano que no dedicasse grande ateno ao problema da natureza do Homem (34). Enquanto a Filosofia oriental em geral acredita que a natureza humana originariamente boa - pois a fonte do homem Atman, ou Brmane como principio pessoal no Hindusmo, jiva no Janismo, Tao no Taoismo, o Grande Final no Neoconfucionismo, cada um dos quais bom como realidade final - no obstante, a natureza original do Homem de tal forma degenerou por causa da ignorncia, dos desejos ou de sua mente obnubilada, que necessria uma disciplina severa para recuperar-lhe a bondade original. Esta a principal razo por que na tica oriental se advoga uma disciplina severa a fim de recuperar a virtude original do Homem. Nisso reside a explicao oriental do aparecimento do mal. inteiramente criao do Homem. Praticamente todos os sistemas indianos, inclusive o Budismo, e o Taosmo na China, atribuem o aparecimento do mal ignorncia do Homem, que d origem ao conhecimento falso e a desejos perniciosos. O Confucionismo em todas as suas fases, o Moismo e outras escolas filosficas da China e do Japo so mais especficos na sua explicao do mal: explicam-no em termos de egosmo, iluso, incapacidade, etc. (35) Em outras palavras, no sustentam que h uma causa para o mal; h muitas razes para a queda do Homem. Mas o significativo que, seja a causa do mal simples ou complicada, o prprio Homem deve ser responsvel pelo seu infortnio. At o mal natural se acredita causado pelos deuses como punio pela m conduta humana. Como o Brmane, Tao ou o Grande Final, que so absolutamente bons, podem jamais permitir sua prpria criao - o Homem criar o mal, que tanto novo como alheio ao carter dele, fato que nunca foi satisfatoriamente explicado. A teoria, advogada pelo Hindusmo, pelo Budismo, pelo Taosmo, e at certo ponto pelo Neoconfucionismo, de que a distino entre o bem e o mal estranha realidade ltima mas seu produto humano, no elimina a dificuldade, pois este produto deve ser tomado como outro exemplo de mal que se pode rastrear at a prpria realidade final. Pode-se, entretanto, encontrar algum consolo no fato de que, como o Homem produz o mal, pode tambm destru-lo. A Filosofia oriental insiste na possibilidade de o Homem mesmo transmudar o mal. Provavelmente, isso explica por

que, nas religies orientais, tanto a idia de pecado original quanto a de perdo estiveram ausentes. O Homem causa sua prpria queda; deve, e pode, preparar sua prpria salvao.

FILOSOFIA E RELIGIES ORIENTAIS

Isso no eqivale a insinuar que a Filosofia oriental no religiosa. A Filosofia oriental e a religio oriental muitas vezes foram confundidas, como, por exemplo, os supersticiosos cultos hindus so erradamente tidos como filosofia hindu e o corrompido culto taosta da Natureza se identifica com o Taosmo naturalista e ateu. Mas no podemos negar que o elemento religioso est presente em muitos sistemas orientais, embora no em todos. A Filosofia oriental em geral no religiosa no sentido de dependncia do sobrenatural para salvao ou conhecimento. Como se disse, o Homem deve preparar sua prpria salvao. Quanto ao conhecimento, as religies populares orientais acreditam na revelao e nos sonhos. Nas filosofias orientais, porm, a revelao como meio de conhecimento se encontra apenas no caso dos Vedas, que se acredita tenham sido revelados. Desde os Upanixades, o conhecimento tem dependido, no da revelao direta de uma deidade mais elevada que o Homem, mas do estudo, por este, dos Vedas revelados, seja ou no por intermdio de um mestre especialmente adestrado. Quanto crena na existncia de uma deidade, no to forte na Filosofia oriental quanto geralmente se acredita. verdade que o Oriente tem os mais populosos pantees do mundo, e tambm verdade que diversos sistemas filosficos orientais. aceitam a existncia dos seres sobrenaturais. Mas a realidade final no Hindusmo, no Janismo e no Budismo entendida em termos de um principio universal, no de um ser sobrenatural. Confcio seguia s vezes prticas religiosas tradicionais, mas s vezes preferia servir o Homem em primeiro lugar (36). Na maioria, os neoconfucionistas e taostas eram inteiramente cticos a respeito de um soberano divino. Diziam que, se existia, eles nunca haviam encontrado qualquer sinal de sua existncia (37). verdade que o Moismo

defendia abertamente a crena em seres espirituais, e Mo-Ts, mas no Confcio nem Lao-Ts, fundou uma religio na antiga China (38). Entretanto, devemos lembrar que Mo-Ts incentivou a crena nos espritos fundamentalmente porque tal crena contribua para o bem-estar do Homem. tambm verdade que a Escola Ioga, na ndia, achou insuficientes as vinte e cinco categorias da escola Snkhya, naturalista e evolucionista, e acrescentou Isvara, um Deus pessoal (39). Mas Isvara e muitos outros so principalmente instrumentais, isto , destinados a produzir efeito psicolgico e esttico. Os numerosos deuses de ascendncia vdica na escola Mimms, por exemplo, so mais parecidos aos caracteres imortais na literatura clssica do que as personalidades existentes. So tipos, ideais, smbolos de foras universais, e auxlios para a meditao. H deuses, tais como Crxena no Bagavadguita, e Deus no Vednta, que possuem todas as qualidades dos seres divinos. Causar surpresa, porm, verificar quantos sistemas na ndia tentaram refutar Deus. Os jainos, a escola Mimms, a escola Snkhya e os budistas apresentaram argumento aps argumento, todos profundamente filosficos e extremamente crticos, contra sua existncia (40). H muito mais atesmo na Filosofia oriental do que se suspeita. Mas, de outro ponto de vista, a Filosofia oriental em conjunto profundamente religiosa. De modo geral, religiosa porque afirma repetidamente a intimidade entre o Homem e a realidade. Constantemente, na Filosofia oriental, bate-se na tecla de que o Homem um ser pequeno que partilha do Eu maior que mais real, mais duradouro e mais poderoso do que ele. Ele deve sempre temer este Ser maior, sincera e reverentemente, e mesmo submissamente. Eis a razo bsica pela qual o Taosmo naturalista, o Budismo ateu e o Confucionismo humanista desenvolveram, todos eles, uma religio para acompanhar-lhes a filosofia. tambm por isso que as escolas Nyjya e Vaseshika do Hindusmo desenvolveram bastante a idia de Deus, apenas casualmente mencionada por seus fundadores (41). A escola Vednta, a mais importante das escolas hindus, elevou a novas alturas a idia de Deus, alcanando o ponto de um Absoluto em Sankara e uma divindade pessoal em Rmnuja. O fato de que algumas das religies de maior intensidade do mundo seoriginaram de filosofias no religiosas um fenmeno raro e pode parecer estranho primeira vista.

Mas no o porque tal desenvolvimento foi, no somente uma necessidade social e psicolgica, mas tambm filosfica. O carter fundamental da Filosofia oriental o exige. Todas as grandes filosofias do Oriente so unnimes na crena de serem o Homem e a realidade essencialmente comuns. Existe, entre o Homem e o cosmo, uma relao natural que nenhum homem pode deixar de ter em vista; para os orientais, tal relao natural harmoniosa. Tome-se, por exemplo, a relao entre o Homem e a Natureza. Nenhuma atitude hostil evidente na filosofia oriental: Hsun- Ts, o filsofo confuciano, foi o nico a sustentar que a Natureza deve ser dominada e controlada. A atitude geral, em face da relao entre o Homem e o universo, a de identidade e correspondncia. Como o Homem e o universo so redutveis mesma realidade - quer ela se chame Atman, purusha, jiva, Tao, Qualidade Essencial ou o Grande Final - , segue-se que a nica diferena essencial entre elas de grau e no de qualidade. A teoria da correspondncia entre o Homem e o universo ocupou posio muito importante tanto na ndia como na China. Uma relao macrocosmo- microcosmo acentuada com tanta nfase nos Upanixades e na filosofia chinesa medieval que chega a ser repulsiva (42). Diversas partes do corpo humano correspondiam, segundo ensinavam, a partes diversas do cu e da terra, por nenhuma outra razo que no fosse imaginao tica e a franca superstio. Essa fantasia primitiva foi eliminada nas filosofias hindu e chinesa modernas. Na escola Vednta, quer pela forma como representada por Sankara quer segundo Ramanuja, a verdadeira relao entre o Homem e o universo espiritual, uma relao da alma. O tema fundamental dos Upanixades foi solenemente reformulado neste ponto. No Neoconfucionismo, o Homem considerado um universo em miniatura: h um Grande Final no universo, e h tambm um Grande Final em cada uma das mirades de coisas, inclusive nos homens.

O UM E O MUITOS

Isto nos conduz questo da relao entre o Um e o Muitos, questo em torno da qual se criou muita incompreenso. Devido idia hindu, tal como foi vigorosamente apresentada no Vednta do Sankara, de que a pluralidade my ou iluso, e tambm devido concepo budista de que a Qualidade Essencial ou o Vazio no admite carter especifico, tem-se acreditado que a Filosofia oriental em conjunto no permite qualquer realidade para o indivduo. O indivduo no nada mais que uma gota d'gua no oceano, acredita-se, o que, em ltima anlise, verdade com relao ao Hindusmo, ao Taosmo e ao Budismo. No devemos, entretanto, ignorar o esforo da escola Vednta do Rmnuja para reafirmar a realidade da multiplicidade. A filosofia de Rmnuja chamada "monismo atenuado", basicamente porque ele defendeu, sem reservas, o mundo da multiplicidade e recusou-se a aceitar o mundo como my (43). Nem devemos ignorar que na escola Sarvstivda e na escola Abhidharmakosa do Budismo Hinayna cada coisa em particular considerada uma entidade separada. No Mahyna, tambm, principalmente nas escolas Avatahsaka e T'ien-t'ai, o Um e o Muitos so considerados reais (44). Isto, naturalmente, no parece concordar com a teoria budista geral do noego. Os filsofos budistas explicam essa aparente incoerncia referindo-se sua teoria, igualmente importante, dos trs graus de realidade, a saber, o ilusrio, o parcial e o absoluto (45). A corda ilusria quando tomada por uma cobra. Como corda, tem realidade parcial, j que uma corda no passa do efeito de vrias causas, como o cnhamo, o espao, etc. Tem realidade absoluta quando reconhecida como a Qualidade Essencial. A corda em si fenomenal, um pormenor extremo, ao passo que a realidade absoluta no tem tal distino como fenmeno e nmeno ou como o particular e o universal. este o reino em que o Um o Muitos e o Muitos o Um. O ego tem, portanto, realidade parcial e eficcia emprica, mas nenhuma individualidade no sentido final. A principal diferena entre o Hindusmo e o Budismo que no Hindusmo o indivduo , ao final, absorvido pelo Absoluto (46), ao passo que no Budismo nem o Absoluto nem o indivduo engole o outro. Sua distino no existe no estado da Qualidade Essencial. O ponto de vista do Taosmo se aproxima do do Hindusmo. Outras escolas da China e do Japo, todavia, seja no Confucionismo, no Moismo, no Neoconfucionismo, seja na filosofia japonesa em geral, sempre acentuam que tanto o particular como o

universal so reais. Na verdade, no Neoconfucionismo, que dominou o pensamento chins no ltimo milnio e o japons durante muitos sculos, a realidade de um depende da realidade do outro. Sem a fora vital, o princpio da diferenciao, a Razo ou o principio universal no podem ter qualquer incorporao, no podem tornar-se concretos nem operar. O Um s passvel de ser descoberto no Muitos, da mesma forma como o Muitos s discernvel no Um (47). Tomadas, porm, em conjunto todas as filosofias orientais, o fato indubitvel que o Muitos est claramente subordinado ao Um, do qual depende para a sua realidade final. Em outras palavras, a filosofia oriental no fundo monista, a despeito de alguns sistemas menores de dualismo e pluralismo na ndia. No deixamos de perceber o pluralismo realista do Janismo, o pluralismo atomstico do Nyya e do Vasshika, o dualismo realista do Snkhya. Mas, com exceo do Janismo, a dualidade e a pluralidade no Hindusmo afinal se resolvem na unidade do Brmane. A Qualidade Essencial do Budismo no admite restrio numrica, sendo impossvel, por conseguinte, determinarse se o Budismo monista ou pluralista. A literatura budista, entretanto, est cheia de refutaes da dualidade. Os setenta e cinco dharmas ou elementos da existncia do primitivo Budismo e os cem dharmas do Budismo posterior devero ser todos transcendidos quando a Qualidade Essencial for realizada. Na China e no Japo, nem o dualismo nem o pluralismo encontraram lugar. A tradio do yin e do yang, que afirma que todos os acontecimentos do universo so resultados da interao do princpio universal da passividade, o yin, e do princpio universal da atividade, o yang, no dualista porque estas duas foras so apenas aspectos diferentes de uma Final. O suspeitado dualismo da Razo (Li) no Neoconfucionismo no real, porque elas so finalmente sintetizadas no Grande Final. Ponto controvertido o de se o Um na Filosofia oriental determinado ou indeterminado. obviamente indeterminado no sentido de que no pode ser descrito em termos especficos, tais como o Vazio no Budismo, e, at certo ponto, o Tao no Taoismo e o Brmane no Hindusmo. determinado no Confucionismo, no Neoconfucionismo, no Janismo, em vrias escolas hindus ortodoxas, nas filosofias japonesas e em outros sistemas orientais menos importantes, nos quais a realidade final pode ser compreendida

em termos especficos. Pode-se argumentar que esses termos especficos no descrevem o Um como nmeno, mas o Um como o "campo" do mundo fenomenal. Em outras palavras, o Um na Filosofia oriental intudo, mas no postulado. No h dvida de que o monismo do Oriente est edificado em terreno muito menos racional do que o do Ocidente. Em sistemas como o Hindusmo, o Taoismo e certas escolas do Budismo, nos quais o mundo considerado fenomenal, o carter indeterminado do Um evidente por si. Em outros sistemas, principalmente no Neoconfucionismo e em certas escolas budistas que se recusam a distinguir o fenomenal do numenal, o carter especifico do Um claro como o dia. A nfase monista ajudou o Oriente a evitar a grande dificuldade da Filosofia, isto , a relao entre corpo e espirito. Como nunca so claramente contrastados e como, em ltima anlise, so idnticos, qualquer dificuldade que surja do dualismo do corpo e do esprito imediatamente desaparece. A nota de unidade percorre toda a filosofia oriental, de forma como no ocorre em nenhuma outra parte do mundo.

MUDANA E DESTINO

A nfase oriental sobre a unidade no deve ser interpretada no sentido de um universo esttico. A unidade compreende o que e o que no . A realidade consiste tanto no Ser como no No - Ser, isto , no Tornar-se. Para os budistas, os taostas e os confucionistas, a realidade particularmente dinmica. A transitoriedade da vida constitui a base da filosofia budista. No Taoismo, tambm, a realidade passa "como um cavalo a galope". O Confucionismo, especialmente os neoconfucionistas, tambm ficaram fortemente impressionados com a natureza dinmica do universo. Sua filosofia deriva da tradio chinesa geral de transformao, a qual, de acordo com o I Ching (O Livro das Mudanas), ocorre a cada momento, j que toda produo envolve a interao dos dois princpios do yin e do yang. Os filsofos chineses, desde o sculo XI, tm falado de

coisas como "acontecimentos" ou "negcios" que no tm "durao", mesmo por padres budistas (48). O carter efmero da realidade resultado lgico da concepo oriental das coisas como relaes, trao particularmente notvel no Budismo e na filosofia chinesa. Para os filsofos chineses, tanto confucionistas como taostas, uma coisa produzida pelo Grande Final ou Tao atravs da interao dos princpios universais de passividade e atividade. Estas foras nunca esto estagnadas, mas em fluxo constante. Para os budistas, qualquer efeito deve ter vrias causas ou vrios elementos que se apresentam em relao singular. Tal idia de relao est to profundamente enraizada no Oriente, que as relaes humanas se tornam um fator principal na tica oriental. tambm responsvel pela gradao de realidade encontrada na maior parte das filosofias orientais. O fatalismo e o pessimismo orientais, que atraram muita ateno no Ocidente, podem ser atribudos concepo da transitoriedade da realidade. Acentuou-se que a Filosofia oriental acredita firmemente na possibilidade de salvao. Mas num universo de transformao universal e incessante, e do ponto de vista da realidade final, o Homem, como entidade, goza de mais permanncia do que uma bolha ou uma sombra. Por este motivo, Chuang-Ts e a maior parte dos taostas que vieram depois dele advogaram a vida espontnea, o que significa deixar a vida seguir seu curso livremente. O Homem no deve trabalhar por amor da riqueza e da fama, nem deve preocupar-se com a vida e a morte. A Natureza tem seu prprio programa, que o Homem nunca pode ter esperana de alterar. No Budismo e no Hindusmo, a transitoriedade da vida identifica-se at com o sofrimento. Consideram que o mundo sofre simplesmente porque a vida e a morte se sucedem sem fim. Tentam escapar desta "roda" de sofrimento, para terminar o giro do renascimento. Por que a impermanncia da vida significa sofrimento coisa que nunca foi explicada (49). Os neoconfucionistas acolheram a transformao incessante de modo mais realista. Consideraram questo de dever para o Homem ajustar-se ao esquema da operao universal. Ele no deve lamentar-se por causa do curso natural e necessrio dos acontecimentos. Deve, ao invs, "estabelecer seu destino", participando e contribuindo para a lei universal. Eles admitiram que o Homem no tem controle sobre a vida e a morte ou a riqueza e a pobreza, mas insistiram em que pura ignorncia e loucura, e at

violao da lei morai, postar-se ao lado de um muro em vias de desmoronar e contar com a prpria sorte. O Homem deve esforar-se muito por compreender as coisas e realizar a prpria natureza, pois "a realizao completa da Razo das coisas, o pleno desenvolvimento da prpria natureza e o estabelecimento do destino so simultneos" (50). Deixaram espao para o livre arbtrio, embora o Homem, como indivduo, deva conformar-se com o padro geral do universo. Os budistas, os jainos e os hindus incentivam, todos eles, o pleno exerccio da vontade, pois somente por esforo srio pode o Homem esperar destruir a ignorncia.

A MENTE

A Filosofia oriental sempre atribuiu enorme importncia atividade mental, embora o respeito geral pela tradio e a fraqueza da atitude critica paream indicar coisa diversa. O esprito critico na Filosofia oriental, entretanto, mais forte do que se suspeita, apesar de se encontrar mais racionalismo no Ocidente. O respeito pela tradio no impede esse esprito critico. Efetivamente, um dos principais defeitos da Filosofia oriental est na sua nfase excessiva na capacidade criativa da mente. Ningum pode subestimar o lugar da mente na Filosofia oriental. Em certo sentido, esta pode ser considerada predominantemente idealista, considerando-se a importncia da mente, no apenas nas escolas idealistas do Hindusmo, do Budismo e do Neoconfucionismo, mas tambm no Taoismo naturalista, no Budismo totalista e no Neoconfucionismo racionalista (51). No Hindusmo e em certas escolas do Budismo, a realidade concebida como um principio da conscincia, quer se chame Atman quer Ego, quer Mente. Uma das escolas budistas e uma escola neoconfuciana francamente se rotularam "escola da Mente - S" (52) e "Filosofia da Mente" (53) respectivamente. Em todos os casos de tendncias idealistas na Filosofia oriental, a mente a mente universal, j que, no fundo, a mente individual fica aqum da plena realidade. Claro que

percebemos que nem Tao no Taosmo, nem a Qualidade Essencial no Budismo, podem ser reduzidos mente, pois Tao designa o "Caminho" da Natureza, e a Qualidade Essencial no admite restrio, seja material, seja espiritual. Tanto o Taosmo como o Budismo, pela forma como os representam algumas escolas, so naturalistas. No obstante, subsiste o fato de que a realizao do Tao ou da Qualidade Essencial depende de atividade mental como introviso ou iluminao. Estamos tambm cientes de que o mais importante sistema filosfico da China, o Neoconfucionismo, basicamente racionalista e de que a sua Razo no pode ser interpretada como conscincia. Entretanto, a mente considerada o melhor ponto de partida na realizao da Razo, j que a Razo se incorpora melhor na mente, embora passvel de ser descoberta em todas as coisas. O materialismo no teve nenhum posto de relevo no Oriente, exceto a escola Chrvka na ndia e Hsun- Ts e Wang Ch'ung na China, todos os quais tiveram vida curta (54). Algum afirmou que a insignificncia do materialismo pode ser explicada pelo uso oriental da intuio esttica de preferncia a conceitos por postulao. Seja como for, uma filosofia profundamente preocupada com a realizao do Homem e a salvao da alma humana naturalmente se recusa a aceitar a matria como a quintessncia da vida. Alm disso, a realidade final, no Oriente, no alcanada apenas atravs da intuio. Muitos livros das vrias escolas ai esto como testamentos vivos da enorme atividade de especulao. Pode-se admitir, verdade, que a China e o Japo esto muito mais atrasados do que a ndia a este respeito, e que o Oriente, em conjunto, no est altura do Ocidente em atividade especulativa. Todavia, o que importa que a realidade final oriental no o resultado apenas da intuio. Se somente a intuio fosse suficiente, a realidade final do Taoismo e do Budismo, que utilizou a intuio mais do que qualquer outra escola filosfica oriental, deve ter sido idealista. Acontece que a escola budista, que se apresentou francamente como a doutrina do idealismo, a escola da Mente - S ou Vijaptimtrat, uma das mais especulativas escolas, e sua anlise da conscincia em trs nveis, com suas oito categorias e sua qudrupla funo, oferece algo absolutamente excepcional na histria da Filosofia mundial. Seus argumentos e deliberaes sobre a mente como a nica realidade comparam-se favoravelmente com qualquer filosofia idealista (55). O Budismo se empenhou na anlise da conscincia de modo to extenso e

integral, que qualquer desconfiana de que a Filosofia oriental depende completamente da intuio deve ser dissipada.

A INTUIO E OUTROS MEIOS DE CONHECIMENTO

Claro que ningum deve subestimar o papel que a intuio desempenha na Filosofia oriental em conjunto. O fato, porm, que, em primeiro lugar, nem todas as escolas importantes a utilizam como o principal mtodo de conhecimento, e, ademais, todas as que a usam como o caminho principal para a verdade s o fazem com a ajuda do raciocnio, da observao e de outros meios de conhecimento. O Confucionismo, o Mosmo, o Neomosmo, a filosofia medieval chinesa, o Sofismo, as vrias fases do Neoconfucionismo, o Chrvka e a filosofia japonesa nativa consideram dignos de f todos os meios de conhecimento. Se h preferncia pelo raciocnio, embora isto possa parecer surpreendente. A importncia do raciocnio bvia nas escolas lgicas do Neomosmo e do Sofismo (56). Confcio colocava o aprendizado frente de qualquer mtodo de conhecimento - aprendizado com os antigos, a observao diria e o pensamento grave (57). Na filosofia utilitria do Mosmo encontramos o famoso mtodo mosta de raciocnio que abrange uma "base", um "exame geral" e uma "aplicao prtica" (58). Entretanto, a maior nfase sobre a reflexo foi dada pelo movimento Neoconfuciano, tambm chamado, geralmente, a escola da "Razo", na qual o meio mais seguro de se descobrir a "Razo" ou a Lei do universo atravs da "extenso do conhecimento ao mximo" mediante "completa investigao das coisas" (59). Infelizmente, os primeiros neoconfucionistas procuravam dentro de si essa extenso e investigao, e na segunda etapa do Neoconfucionismo, em Wang Yang -ming, ela culminou no "conhecimento inato do bem". Entretanto, na terceira etapa do Neoconfucionismo, a dos trs ltimos sculos, d-se nfase ao raciocnio, especialmente ao raciocnio apoiado na experincia.

Na maioria das escolas filosficas orientais, a intuio decerto tem seu lugar. No esquecemos - nem por um momento - que, enquanto sistemas chineses importantes como o Confucionismo, o Mosmo e o Neoconfucionismo (exceto Wang Yang-ming) do nfase experincia e ao raciocnio, muitas filosofias orientais confiam, em ltima anlise, na intuio. O que pretendemos assinalar que, mesmo nestas escolas, a intuio transcende, em vez de excluir, outros meios de conhecimento. Praticamente todos os seis sistemas hindus ortodoxos tm sua prpria teoria de conhecimento, que envolve a percepo, a inferncia, o testemunho, a analogia, a presuno e a sntese. O Hindusmo, o Janismo, o Budismo e o Taosmo tm graus de conhecimento que se distinguem como conhecimento "inferior" e "superior" (60). aqui que a intuio comea a assu mir importncia fora do comum, na medida em que reduz todos os outros meios de conhecer posio de um estgio elementar ou intermedirio. Os estudiosos tm razo quando sustentam que, embora a intuio ocupe posio importante na Filosofia oriental, s aparece depois de uma srie de intensos esforos intelectuais.

LGICA

A intensidade de tais esforos intelectuais pode ser vista no significado que a Filosofia oriental atribui Lgica. Para comear, devemos declarar que a Lgica na Filosofia oriental, no atinge a preeminncia que encontramos na Filosofia ocidental. Os primeiros escritos do Oriente, tais como os Vedas, os Upanixades, o Tao-t Ching, Os Analectos, etc., no podem deixar de dar a impresso de que as asseres so feitas e as concluses tiradas sem prova lgica. Com base nessa impresso, os ocidentais vieram a sustentar a opinio de que, antes de tudo, os pensadores orientais no raciocinam logicamente e, em segundo lugar, de que eles absolutamente no raciocinam: e, em terceiro, de que so at ilgicos. Ningum pode negar que o Oriente no desenvolveu a Lgica at ao grau de sutileza alcanado no Ocidente. Mas tampouco se pode negar que os pensadores orientais

raciocinam logicamente, e at raciocinam pelo uso do silogismo lgico. Todas as escolas budistas e hindus de Filosofia muito cedo aperfeioaram seus apurados sistemas de Lgica. Raciocinavam de uma maneira que absolutamente no era diferente da do Ocidente. Por exemplo:

1. Tese 2. Razo 3. Exemplo

O som impermanente Porque produzido vontade por um esforo Como um jarro. Onde um esforo, a impermanncia.

4. Aplicao O som produzido vontade por um esforo. 5. Concluso Ele impermanente.

Com muita freqncia, os cinco membros do silogismo foram reduzidos a trs, o que o tornou praticamente idntico ao do Ocidente, como mostrar o seguinte exemplo:

1. Onde h fumaa h fogo, como na cozinha. 2. Aqui h fumaa. 3. Deve haver algum fogo.

Tal exemplo pode ser encontrado em qualquer tratado filosfico importante nas escolas hindus e budistas. interessante notar que at no silogismo de trs membros se d um exemplo, pois a lgica oriental insiste em que um exemplo concreto deve ser citado em qualquer processo legtimo de deduo. O Janismo tambm tem seu prprio sistema de

raciocnio lgico chamado a Doutrina do "Talvez" (61). De acordo com os janos, h sete formas de predicao condicional:

A . A no . A e no . A impredicvel. A e impredicvel. A no e impredicvel. A , no e impredicvel.

Na verdade, a Lgica ocupou lugar to importante no raciocnio oriental que algumas escolas so chamadas escolas lgicas, tais como o Nyya no Hindusmo, o Dignga no Budismo e o Neomosmo na Filosofia chinesa. As filosofias orientais utilizam todas as leis do pensamento. Usam a induo tanto como a deduo. Para ilustrar as complexidades da lgica oriental, devemos, entretanto, encaminhar o leitor a livros como o Nyya Sutra; Buddhist Logic, em dois volumes, de Stcherbatsky (62); a History of Indian Logic de Vidybhusha (63), e The Development of the Logical Method in Ancient China, de Hu Shih. O que importante assinalar aqui que onde os filsofos orientais usaram o raciocnio silogstico, usaram-no com reservas, e onde no usaram o raciocnio silogstico, no raciocinaram menos clara e distintamente. A primeira atitude caracterstica do pensamento indiano, ao passo que a segunda o da China. A desconfiana do raciocnio lgico foi to longe que mais tarde, no Zen, houve no apenas uma tentativa deliberada de descartar a Lgica, mas tambm de ridiculariz-la. Os dilogos entre os grandes mestres do Zen e seus alunos devem causar no leitor no -

iniciado uma impresso de absoluta tolice. difcil compreender por que, por exemplo, quando um aluno perguntou quais eram as trs jias budistas, o mestre tivesse de responder: "Arroz, paino e feijo!" - em vez do esperado - "O Buda, a Doutrina e a Congregao"; ou por que, em resposta importantssima pergunta sobre o que constitui o contedo dos cnones budistas, o mestre devesse apenas levantar o punho. No h nada de tolo nestas respostas. Elas representam um esforo consciente no sentido de destruir o hbito do raciocnio lgico a fim de criar na mente do aluno uma singular atitude mental superior, necessria para a apreenso da verdade final. Os pensadores chineses geralmente no vo a tal extremo. Acreditam na eficcia do raciocnio, embora nem por um nico momento o aceitem como o caminho exclusivo para a verdade. Se no usam o silogismo, apenas porque no raciocinam to metodicamente quanto os filsofos ocidentais, muito embora o faam clara e distintamente. No h dvida de que, comparada com o Ocidente ou com a ndia, a China fica bem atrs no raciocnio sistemtico, em explanao e em prova. parte a escola neomosta de Lgica, que teve vida curta, e a lgica budista, que veio com a filosofia budista como se fosse sua criada, difcil encontrar um sistema de Lgica formal na China. A prpria escola neo- mosta no pode ser chamada lgica no sentido estrito da palavra porque, a despeito de suas definies, explanaes e provas, e a despeito dos seus sete mtodos de argumentao, discutvel se a escola foi alm do nominalismo (64). No obstante, qualquer dose de familiaridade com pensadores como Wang Ch'ung (27-100 d.C.) e os neoconfucionistas, do sculo XI em diante, convencer-nos- de que as suas mentes eram ativas e de que os seus processos de pensamento eram claros (65).

SNTESE E NEGAO

Lamentamos, porm, que o pensamento oriental claro e distinto no tenha dado maior nfase Lgica, porque a subordinao do intelecto no Oriente impediu o

desenvolvimento da Lgica e das Cincias Naturais, o que, por sua vez, retardou o progresso na Metafsica e na Epistemologia, por um lado, e a na indstria e no comrcio de outra parte. Acabamos de mostrar que a Lgica foi, e ainda , usada na Filosofia oriental. Mas a Lgica oriental deficiente em descrio clara e precisa, em anlise e no uso de postulados. Conseqentemente, a Cincia abstrata no se desenvolveu no Oriente porque impossvel sem um sistema de Lgica bem estabelecido. Isto de modo algum implica qualquer incompatibilidade da Filosofia oriental com a Cincia, pois, enquanto existe unidade de corpo e esprito, qualquer dificuldade fundamental com a Cincia evitada. Mas o mtodo intuitivo, mesmo quando apoiado por outros meios de conhecimento e pela Lgica, tende a negligenciar a Cincia. Parece um estado de coisas deplorvel, porm no falta um elemento de consolo. Se a intuio oriental subestimou a anlise, deu nfase atitude sinttica Como a realidade consiste tanto no Ser como no No - Ser, tanto na atividade como na inatividade, a unidade se toma o princpio fundamental no reino da Natureza, assim como no reino do Homem. Qualquer distino absoluta, seja em fatos seja em idias, olhada como uma distoro da realidade. E aqui est o segredo de como superar a dificuldade do dualismo de corpo e mente. A mente oriental quase instintivamente busca a semelhana em vez da diferena, e acha desagradvel a proposio sujeito - predicado e a lei lgica da identidade. Encara com forte suspeita uma afirmao como "A A e nada mais". No duvida, por um s momento, de que A seja A, mas recusa-se a admitir que toda a histria possa ser contada de maneira to simples. O universo uma rede de relaes ntimas, de modo que nada pode ser reduzido a um ponto no espao ou a um instante no tempo. Finalmente, tudo envolve tudo mais, de maneira que A concebivelmente B. Distines absolutas como as indicadas pelo ponto de vista "ou- ou" tampouco contam com a aprovao da mente oriental. Concedendo individualidade e particularidade s coisas, a maior parte das filosofias orientais insistiram em que as coisas tanto existem por si mesmas como esto relacionadas com outras, que o universo tanto Um como Muitos, e que um homem tanto um indivduo independente quanto o filho de seu pai. Este ponto de vista "tanto-como" , realmente, o fundamento psicolgico da identificao taosta dos contrrios (66), o Caminho do Meio e o Vazio budistas como destitudos de caracteres especficos (67), e a teoria hindu sobre a natureza paradoxal do Brmane (68). At certo

ponto, ele explica tambm a "harmonia central" de Confcio, quer no sentido de meio ureo quer no de um princpio universal central e inaltervel, j que a centralidade implica a sntese dos extremos. Claro que essa abordagem sinttica foi s vezes levada to longe que se tornou destrutiva. Quando indevidamente acentuada, no apenas dificulta a definio e a anlise, mas impossibilita qualquer afirmao. Isto exatamente o que aconteceu com uma tendncia extrema do Budismo, a saber, o niilismo ou absolutismo de Ngrjuna. Sua negao qudrupla de ens, non-ens, ou ens ou non-ens, e nem ens nem non-ens reduz a realidade a um Vazio absoluto, que "destitudo" de quaisquer caracteres especficos. Embora o Absoluto seja, assim, plenamente afirmado, os caracteres especficos so inteiramente negados. A "Doutrina do Meio" de Ngrjuna, pela fora do seu prprio argumento, deixou sua posio "mdia" e tornou-se extrema demais mesmo para o budista comum (69). A sntese intuitiva foi reduzida a um processo de negao. Embora esta forma de intuio seja extrema, no se deve deixar de ter em vista o objetivo central dessa atividade mental. A intuio, quer como resultado da negao quer sob outra forma, no aceita menos que o contato direto e imediato com o Absoluto, o continuum indiferenciado, o "campo".

MISTICISMO E MEDITAO

Estritamente falando, esse contato direto com a realidade uma forma de misticismo. Neste sentido, podemos descrever a Filosofia oriental como mstica at um ponto aprecivel, tendo em vista que definio to ampla no abrange o Confucionismo, o Neoconfucionismo, o Mosmo, o Chrvka e outras escolas menores. Em sistemas como o Budismo, o Hindusmo e o Taosmo, nos quais o misticismo desempenha importante papel, no se trata do misticismo da comunho, mas antes o da identidade, isto , a pura

unidade com o Brmane ou Tao. No caso do Budismo, o misticismo muito difcil de definir, j que a pessoa nem se pe em comunho com o Buda nem se identifica com o Buda. No Nirvana, a pessoa se torna Buda, no como o Buda ou um dos muitos Budas, porque j no existe distino numrica. Assim, o misticismo budista pode ser chamado o "misticismo do tornar-se" ou, como diz o Professor Takakusu, o "misticismo da autocriao". A filosofia taosta realmente fica entre o Hindusmo e o Budismo, sob este aspecto. No processo de identificao ou de "autocriao", o excepcional mtodo oriental de meditao desempenha importante papel. A palavra "oriental" se usa aqui para indicar que a meditao importante no Oriente, mas no para significar que seja o mtodo geral de todas as escolas filosficas orientais. O tpico da meditao tratado em outro capitulo deste livro, bastando dizer, aqui, que, apesar de sua estranheza, seu significado filosfico no deve ser tomado levianamente. praticada no Hindusmo, no Janismo e no Budismo. Tanto no Taosmo como em certas fases do Neoconfucionismo, a unidade e a tranqilidade da mente so veementemente destacadas. Seria, porm, um erro identificar isso com meditao, porque isso considerado como preparao psicolgica para uma "introviso" clara no mundo existencial e um "conhecimento extenso" dele, ao passo que o mtodo de meditao uma tentativa de transcender a existncia. A meditao da Ioga e do Budismo representa um esforo consciente, ativo e espiritual de transcender o mundo para a consecuo do conhecimento certo, da perfeio moral e para a descoberta da realidade final.

FILOSOFIA ORIENTAL E TICA; UMA FILOSOFIA MUNDIAL

Temos aqui um exemplo excelente da afinidade da Metafsica, da Epistemologia e da tica orientais. Elas so interdependentes, e uma existe para a outra e a ela conduz. A unidade de conhecimento e comportamento na Filosofia oriental quase proverbial, e da mesma forma a insistncia na relao ntima entre a realizao da natureza humana e a realizao da realidade. Isto explica a ausncia do conhecimento pelo conhecimento no Oriente. Tambm explica por que Filosofia e vida no Oriente esto intimamente relacionados e por que a Filosofia oriental parece extremamente tica. Como o primeiro e o ltimo problema da Filosofia oriental em geral a perfeio e a liberdade humanas, inevitvel que, nela, a tica seja de capital importncia. O problema da tica discutido em outro captulo, bastando dizer que, a fim de conseguir-se um conhecimento claro da tica oriental, deve-se contempl-la contra o plano de fundo da filosofia oriental em conjunto, Metafsica e Epistemologia includas. A menos que nos recordemos de que a realidade final amoral para a maioria dos filsofos orientais, acharemos difcil compreender por que eles insistem em que a distino entre o certo e o errado aceitvel e justificada apenas para o mundo emprico. Alm disso, a menos que apreciemos a relao entre o Um e o Muitos na Filosofia oriental, estaremos expostos a subestimar a significao exata que esta atribui ao indivduo. Problemas como a condio do indivduo esto forando a Filosofia ocidental e a oriental a defrontar-se. Se o mundo pretende ter paz, os padres de vida dos diversos povos no devem ser fundamentalmente incompatveis. Portanto, como um mundo unido ditado pelo progresso das invenes cientficas e pelo contato cultural, uma filosofia mundial deve ser desenvolvida. Esperamos que no esteja muito distante o dia do aparecimento de uma filosofia mundial. J h sinais de que os orientais querem que a sua filosofia seja ocidentalizada at certo ponto, seja mais cientfica, mais racional, mais positiva e mais afirmativa com respeito ao particular. Ao mesmo tempo, a nfase oriental na intuio, no monismo, na harmonia entre o Homem e a Natureza, na transmutao do mal pelo esforo humano, na tranqilidade de esprito, na tica da simplicidade, no contentamento, na no- violncia e na no- injustia e, acima de tudo, no conceito de continuum ou "campo" no diferenciado, podem oferecer ao Ocidente algo para pensar. Estas tendncias ocidentais e orientais, em sntese adequadamente equilibrada, podem produzir ou constituir uma filosofia mundial digna do nome.

NOTAS

(1) Para a verdadeira funo da prtica ioga, vide S. N. Dasgupta, Yoga as Philosophy and Religion (Londres: Kegan Paul, 1924), captulo XI. (2) Existe em traduo francesa de S. Lvi, Matriaux pour l'tude du systme vijiaptimatra (Paris: Librairie Ancienne Honor Champion, 1932). (3) Existe em traduo francesa de La Valle Poussin, Vijaptimtratsiddhi, La siddhi de Hiuan-tsang, 2 volumes (Paris: Guethner, 1928 e 1929). (4) Existe em traduo alem de Marx Walleser, Die Mittlere Lehre des Ngrjuna (Heidelberg: Cari Winter's Universitatsbuchhandlung, 1912). (5) Existe em traduo francesa de La Valle Poussin, L'Abhidharrnakoa de Vasubandhu, 6 volumes (Paris: Guethner, 1923-1925). (6) Samyutta Nikya, V. 420. Vide E. J. Thomas, Early Buddhist Scriptures (Londres; Kegan Paul, 1935), pgs. 29-30. (7) verdade que o Buda no sugeriu no Caminho Intermedirio nem a crena do no-ser nem a crena no ser (Sarhyutta Nikaya, XXII, 90. Vide H. C. Warren, Buddhism in Translations, Cambridge, Massachusetts, 1896, pg. 165): Mas a metafsica s se desenvolveu mais tarde. Mesmo dentro do Hinayna, no houve acordo geral sobre o Caminho Intermedirio. A escola Styasiddhi, por exemplo, atribuiu-lhe o significado da negao tanto dos elementos quanto do eu. (8) Mdhyamika Sstra, cap. XXIX, verso 18.

(9) Th. Stcherbatsky, The Conception of Buddhist Nirvna (Leningrado: Editora da Academia de Cincias da URSS, 1927), pg. 70. (10) Madhyntavibhanga, Discourse on Discrimination between Middle and Extremes, ascribed to Bodhisattva Maitreya and Commented by Vasubandhu and Sthiramati, traduzido por Th. Stcherbatsky (Leningrado: Editora da Academia de Cincias da URSS, 1936), pg. 24. (11) Vijaptimdtratsiddhi, La siddhi de Hiuan-tsang, traduzido por La Valle Poussin, pg. 419. (12) Fa-tsang, Fa-chieh Yuan-ch'i Chang (Captulo sobre a Causalidade Universal do Reino do Principio) e Chin Shih-tzu Chang (Captulo sobre o Leo Dourado). (13) Chih-k'ai, Mo-ho Chih-kuan (Concentrao e Introviso no Mahyna), Cap. 1. (14) Ibid., Cap. III. (15) Para detalhes, vide Captulo III, pgs. 42 e 78. Para maiores informaes sobre a mudana do conceito de jn, vide meu artigo "Jn" em The Dictionary of Philosophy, org. por D. D. Rumes (Nova Iorque: Philosophical Library, 1942), pg. 153. (16) Vide Cap. III, pgs. 49, 61, 66 e 68. (17) A histria longa demais para ser contada aqui. Vide excelentes relatos dos Seis Sistemas da ndia em S. C. Chatterjee e D. M. Datta, An Introduction to Indian Philosophy (Calcut: Universidade de Calcut, 1939); S. N. Dasgupta, A History of Indian Philosophy (Cambridge: University Press, Vol. 1, 1922, Vol. III, 1940); chrya Mdhava, The Sarvadarsanasangraha, ou Review of the Different Systems of Hindu Philosophy, traduo de E. B. Cowell e A. E. Gough (Londres: Trbner, 1882); F. Max Mller, The Six Systems of Indian Philosophy (Londres e Nova Iorque: Longmans, Green, 1899, nova ed., 1903 e 1928); S. Radhakrishnan, Indian Phylosophy, 2 vols. (Londres: Allen & Unwin, Vol. II, 1927, rev., 1931). (18) S. Radhakrishnan, Indian Philosophy, Vol. 1, pgs. 24-53.

(19) S. N. Dasgupta, A History of Indian Philosophy, Vol. 1, pgs. 71-77. (20) Ibid., p. 77. (21) Sophia Zen, org., Symposum on Chinese Culture (Xangai, 1931), pg. 31. (22) Fung Yu-lan, The History of Chinese Philosophy, Cap. 1 (cf. traduo da Parte 1 por D. Bodde [Henri Vetch, Pequim, 1937], pgs. 1-6). (23) Vide Cap. III, pgs. 39, 49, 55 e 72. (24) parte as vrias seitas essencialmente religiosas que advogam a salvao na "Outra Margem", a maioria das escolas budistas d nfase necessidade de "a pessoa tornar-se um Buda onde quer que esteja". (25) Vide Cap. III, pgs. 72, 74 e 83. (26) Ibid., pgs. 34 e 54. (27) Bagavadguit, II, 18-20; XI, 28-29; XII, 9. (28) Sobre os argumentos budistas contra o eu como entidade permanente, veja o ltimo captulo do Abhidharmakosa Sstra, de Vasubandhu, que se encontra em traduo francesa de Louis de La Valle Poussin, L'Abhidharmakosa de Vasubandhu, 6 volumes (Paris: Guethner, 1923), Vol. V, pgs. 230-232; tambm Vijaptimtratsiddhi, traduo francesa de Louis de La Vale Poussin, La siddhi de Hiuan-tsang, Librairie Orientaliste (Paris: Paul Guethner, 1928-1929), Cap. 1. (29) Vide meu artigo "Hun" em The Dictionary of Philosophy, org. por D. D. Runes (Nova Iorque: Philosophical Library, 1942), pg. 132. Este conceito est exposto especialmente nos escritos dos filsofos chineses medievais, tais como Huai-nan Tzu (morto em 122 a.C.), Tung Chung- Shu (177-104 a.C.), etc., e defendido em toda a filosofia chinesa moderna.

(30) Lun Y (Os Analectos), XI, II; Majjhima Nikya, suttas 63 e 72 (II. C. Warren, Buddhism in Translations, Harvard Oriental Series, Vol. III [Cambridge, Harvard University Press, 1922], pgs. 117 e 123); Samyutta Nikya, sutta 44. (31) V. Cap. III, pgs. 40 e 72. (32) Principalmente na Escola Zen. (33) Pode-se dizer que o principal problema dos Upanixades a relao entre o Homem como entidade espiritual individual e o Brmane como a entidade espiritual universal. Vide o Brihadranyaka Upanishad, II, 5, 1; III, 4, 1; V, 5, 2; Chndogya Upanishad, III, 13, 7; III, 14, 2-3; V, II, VIII, 8, 3; VIII, 14, 1; Taittiriya Upanishad, II, 8; III, 10; Mundaka Upanishad, II, 1, 10; II, 2, 5 e 9; Aitareya Upanishad, V, 1-3; Svetsvatara Upanishad, 1, 16. Quanto criao do Homem, vide Ait., II, 2-4; Tait., II, 1. Sobre a alma e seus quatro estgios, vide Bri., IV, 3, 6; V, 6; Chnd., VIII, 3, 3; Katha, III, 5; IV, 1-2; Mandukya, 3-7; Chnd., VIII, 3-12. Consulte-se a traduo de R. E. Hume, The Thirteen Principal Upanishads (Londres, Oxford University Press, 1931). Vide, tambm, A. B. Keith, The Religion and Philosophy of the Veda and Upanishads, 2 vols. (Cambridge: Harvard Oriental Series, Harvard University Press, 1925), pgs. 567-570. (34) Bem feito sumrio do desenvolvimento das teorias confucianas da natureza humana encontra-se em Hsntzu's Theory of Human Nature and its Influence on Chine Thought, de Andrew Chih-yi Chang (Peiping, 1928). Vide meu artigo "Hsing" (Natureza humana) em The Dictionary of Philosophy, org. por D. D. Runes (Nova Iorque: Philosophical Library, 1942), pg. 130. (35)A questo da ignorncia e do mal examinada por todos os Seis Sistemas Indianos (principalmente a Escola Vedanta; vide os Vednta Stra, 1, 1, 1-3, traduo de George Thibaut, The Vedanta Stra with the Commentary of Sankara, The Sacred Books of the East [The Claredon Press, 1890 e 1896, Vol. XXXIV], pgs. 3-19, as Escolas Budistas, Mncio (principalmente VI, 1, 6), e os Neoconfucionistas (principalmente Chu Hsi e Wang Yang-ming). (36) Lun Y (Os Analectos), XI, II.

(37) Por exemplo: Chuang Tz, Cap. II; cf. a traduo de Fung Yu-lan, Chuang Tz, a new selected translation with an exposition of the phylosophy of Kuo Hsiang (Xangai: lhe Commercial Press, 1933), pg. 46. (38) De acordo com Hu Shih. Vide seu The Development of the Logical Method in Ancient China (Xangai: The Oriental Book Co., 1928), pg. 57. (39) O Yoga Stra, 1, 23-29; II, 1, 45. Veja-se a traduo de J.H. Woods, The YogaSystem of Patanjali, Harvard Oriental Series, Vol. XVII (Cambridge: Harvard University Press, 1927). (40) Por exemplo, os argumentos Snkhya em The Aphorisms of Kapila, traduzidos por James R. Balantyne (terceira edio; Londres: Trbner, 1885), 1, 92-94; V, 2-12. (41) O Kusumnjali de Udayana, a clssica exposio das provas da existncia de Deus, do Nyya, desenvolve inteiramente a idia de Deus indiferentemente mencionada no Nyya Sutra. (42) Bri., 1, 2, 3; Isa, 17; Ait., 1, 4; Chnd., V, 12-18. Vide tambm Cap. III, pg. 66. (43) Radhakrishnan, Indian Philosophy, Vol. II, pgs. 690 e seguintes; Dasgupta, A

History of Indian Philosophy, Vol. III (1940), pgs. 286 e segs. (44) A escola T'ien-t'ai muito persistente em sua teoria do verdadeiro estado de todos

os dharmas, isto , todos os elementos manifestados so os elementos em seus prprios estados (sarvadharma svalakshanat). Ela proclama: "Tudo, mesmo a cor ou fragrncia, idntico ao Caminho do Meio, Verdade." Igualmente impressivo o ponto de vista do Avatansaka de que "Tudo Um e Um Tudo". Vide notas 12 e 13. (45) Pela forma como apresentada em uma obra como Madhyntavibhanga, Discourse on Discrimination between Middle and Extremes, ascribed to Bodhisattva Maitreya and Commented by Vasubandhu and Stiramati, traduzida por Th. Stcherbatsky, Leningrado: Bibliotheca Buddhica, Vol. XXX, 1936. (46) Bri., IV. 3, 32; Prasna, IV, 7; Tait., 1, 4, 3.

(47) Vide Cap. III, pg. 74. (48) Vide Cap. III, pgs. 74 e 83. (49) Interessante paralelo pode ser traado entre a idia indiana de sofrimento e a doutrina crist do pecado original. (50) Ch'ng-shih I-shu (Obras Pstumas dos Irmos Ch'ng), Cap. II. (51) Principalmente na ndia. Vide 5. Dasgupta, Indian Idealism (Cambridge University Press, 1933). A filosofia chinesa no vai ao extremo idealista. A doutrina Mente- S budista teve vida bem curta na China. Vide Cap. III, pg. 69. (52) Vijaptimtravda (tambm chamado Yogcra em snscrito, Fa-hsiang em chins, Hosso em japons e Mere-Ideation ["mera-Ideao" - N. do T.] em ingls). Literatura a respeito desta escola pode ser encontrada em Vimsatika por Vasubandhu, traduo de C. H. Hamilton, Wei Shih Er Shih Lun (New Haven: American Oriental Society, 1938); e tambm os mencionados nas notas 1 e 2. (53) Vide Cap. III, pg. 80. (54) Vide Mdhava Achrya, The Sarvadarsanasangraha, or Review of the Different Systems of Hindu Philosophy, traduo de E. B. Cowell e A. E. Gough (Londres: Trbner, 1882), Cap. 1. Vide tambm Cap. III, pgs. 47 e 68. (55) Vijaptimtrasdhi, la sidhi de Hiuan-tsang, op. cit. (56) Vide Cap. III, pg. 55. (57) Lun Y (Os Analectos), 1, i, 8, 14; II, 15; Chung Yung (Harmonia Central ou A Doutrina do Meio), XIX. (58) Vide Cap. III, pg. 56. (59) Ibid., pg. 77.

(60) Sobre as teorias hindus do conhecimento, veja-se Dasgupta, A History of Indian Philosophy, Vol. 1, pgs. 261 e seguintes; 332 e segs.; 382 e segs.; 470 e segs. Quanto teoria jana do conhecimento, veja-se J. Jaini, Outlines of Jainism, Jain Literature Society (Cambridge University Press, 1916), pgs. 109-118. As doutrinas budistas do conhecimento inferior e superior so expostas de modo mais incisivo nos Satyasiddhi Sstra e nos Mdhyamika Sstra, de que no h traduo inglesa. D. T. Suzuki oferece uma exposio geral das doutrinas budistas do conhecimento triplo e do conhecimento duplo em seus Studies in the Lankvatra Sutra (Londres: Routledge, 1930), pgs. 157165. Sobre a idia taosta de "grande" e "pequeno" conhecimento, veja-se Chuang Tzu, Cap. II; cf. Fung Yu-lan, op. cit., pg. 45. (61) Jaini, op. cit., pgs. 112-118. (62) Editora da Academia de Cincias da URSS (Leningrado, 1932; Cambridge, Massachusetts, 1934). (63) M. S. C. Vidybhushana, A History of Indian Logic (Calcut: Universidade de Calcut, 1921). (64) Paul Masson-Oursel, Comparative Philosophy (Nova Iorque: Harcourt, Brace, 1926), pgs. 119 e segs. (65) Parece-me que o Professor Radhakrishnan levou longe demais sua argumentao em favor da intuio na Filosofia oriental ao fazer a defesa da intuio (resumida em Counter Attack from the East, the Philosophy of Radhakrishnan, de C. E. M. Joad (Londres: Allen & Unwin, 1933), pgs. 94-110.). (66) Tao-t Ching, 1, XLV, XX, XL, etc.; Chuang Tzu, Cap. II. (67) Vide pg. 4 deste captulo, e Captulo III, pg. 69. (68) Bri., IV, 4, 5; III, 7, 3; Isa, V; Katha, II, 21; Prasna, II, 5; Mund., II, 2, 1; Tait., II, 6. (69) Th. Stcherbatsky, The Conception of Buddhist Nirvna, pg. 70.

FILOSOFIAS DE VIDA EM COMPARAO

Charles A. Moore

A opinio mais fecunda sobre a relao entre as filosofias da Oriente e do Ocidente Metafsica, tica, etc. - a de que uma suplementa a outra e de que cada uma prov ou salienta os conceitos de que a outra carece ou que tende a minimizar. Esta interpretao sustenta, ademais, que estas duas faces essencialmente diferentes do pensamento humano podem e devem ser conjugadas numa sntese que nos aproximaria mais de uma filosofia mundial (2) - de uma filosofia digna do nome, mediante um ajustamento fiel da natureza da Filosofia como "perspectiva total". Nem o Oriente nem o Ocidente perfeito em sua perspectiva: ambos necessitam corretivos que no se apresentam de forma satisfatria na sua prpria perspectiva imbuda de preconceitos. A sabedoria do Oriente e a do Ocidente devem ser fundidas para darem ao Homem a vantagem da sabedoria da Humanidade. Esta , em geral, a atitude essencial a ser adotada em qualquer estudo comparado das filosofias do Oriente e do Ocidente, e, no entanto, h perigo em adotar esta atitude de forma muito pouco crtica. Em primeiro lugar, tal interpretao parece implicar que o Oriente e o Ocidente esto em plos opostos em matria de conceitos, teorias e mtodos filosficos, e a implicao, alm de imprecisa, capaz de neutralizar, em vez de fomentar, o interesse pela Filosofia comparada, pois, de um ponto de vista prtico, nem o Oriente nem o Ocidente est disposto a procurar corretivos em uma cultura, uma tradio ou uma perspectiva alheia sua. Uma segunda implicao que a filosofia do Oriente e a do Ocidente so simples, bem definidas e de um s padro, de tal modo que cada uma pode ser confrontada com a outra. Ver a situao sob este prisma fazer manifesta

injustia, no apenas ao Ocidente mas tambm ao Oriente, desprezando uma rica variedade de correntes de pensamento que desafia qualquer categorizaro semelhante. Nosso problema imediato provm desta complexa situao. Cumpre acentuar dois pontos: em primeiro lugar, a variedade e a complexidade do pensamento tico oriental deve ser especificamente notada e, em segundo, deve-se fazer algum esforo para determinar exatamente os aspectos especiais da filosofia tica oriental que podem ser sintetizados de maneira mais vantajosa com as principais tendncias da tica ocidental. Um terceiro fator, a saber, o problema igualmente importante das idias ocidentais que podem servir de complementos corretivos para as tendncias orientais, ser apenas brevemente tratado, e em grande proporo ser deixado reflexo posterior do leitor.

A VARIEDADE, A COMPLEXIDADE E A RIQUEZA DO PENSAMENTO TICO ORIENTAL

desnecessrio dizer - em face dos captulos descritivos anteriores - que h uma variedade quase infinita de filosofias de vida, de sistemas de tica e de idias ticas interessantes e significativas no Oriente. Esta a verdade, seja qual for a abordagem que se empregar na anlise da situao filosfica do Oriente, quer se esteja interessado fundamentalmente na definio do Summum Bonum, nas regras de conduta moral, na situao da prpria tica (bem como nas distines do bem e do mal), nos meios de alcanar o Summum Bonum, na situao do agente moral individual ou na situao da atividade mundana. No h unanimidade de opinio nem mesmo entre os maiores sistemas orientais a respeito desses aspectos da Filosofia tica. Tal observao pode parecer inteiramente insensata a quem ache que ningum que esteja de qualquer maneira interessado na Filosofia do Oriente seria to ingnuo ao ponto de pensar de outra maneira. O caso, porm, que interpretao to ingnua nunca rara no Ocidente, onde freqentemente se sustenta que h uma atitude considerada "a filosofia Oriental" ou "a tradio oriental". Este mal-entendido o resultado da apressada

generalizao de que, efetivamente, todas as filosofias orientais so uma s em esprito e em ensinamentos essenciais, independentemente de diferenas de opinio sobre detalhes no essenciais. Portanto, uma exposio sobre a variedade de sistemas e idias na filosofia tica oriental - ainda que seja apenas uma breve recapitulao - servir a duplo fim: primeiro, indicar a riqueza e a possvel fecundidade do pensamento oriental, e segundo, negar qualquer supersimplificao que necessariamente causaria srio malentendido e falta de compreenso da filosofia tica (3). Na Filosofia propriamente dita, em sua busca essencial da verdade, imperioso prestarmos enorme ateno a todas as sugestes que tenham algo que dar verdade integral. Devemos, ento, em nosso estudo da Filosofia Oriente - Ocidente, preocupar-nos com todas as filosofias orientais e com as suas inmeras atitudes e idias, se quisermos ver o que o Oriente tem a oferecer Filosofia como tal, bem como ao Ocidente especificamente. Esta atitude de considerar devidamente todas as numerosas filosofias do Oriente deve ser adotada a despeito do fato de que algumas delas no tiveram igual sucesso e j no persistem como disposies dominantes de pensamento. Pretendemos primeiro notar a riqueza do quadro oriental, e em seguida indicar as disposies ou tendncias que parecem ter provado seu direito preeminncia atravs de uma competio filosfica e prtica com outros sistemas. No momento, nosso objetivo mostrar que o Oriente - se que tem quaisquer tendncias dominantes em tica alcanou estas atitudes, no em virtude de qualquer escassez de idias ou qualquer falta de mtodos crticos, mas por meio de um processo antigo de seleo de uma vasta gama de quase todas as atitudes possveis. As opinies ticas do Oriente vo desde o completo materialismo e hedonismo ao espiritualismo monstico absoluto e ao ascetismo radical. Esto representados, por assim dizer, todas as formas e graus de negativismo e ativismo, de ascetismo e de satisfao dos desejos ou de mundanismo, de monismo e individualismo, de interesse religioso e de atesmo ou agnosticismo (4). Ademais, a respeito da questo da prpria situao da tica mesma e da validade de quaisquer juzos ticos, na uma ausncia de acordo semelhante. Assim, ao Oriente no tem faltado imaginao nem engenho neste ponto, que o seu

interesse mais significativo no campo da Filosofia. No h atitude como a Filosofia oriental de vida, assim como no h uma atitude nica ou definitiva no Ocidente. Antes de passarmos a uma exposio mais detalhada destas variedades de atitudes, consideremos rapidamente algumas diferenas gerais ou mais amplas, pois estas tambm indicam a variedade de atitudes bsicas do Oriente e, no entanto, tm sido em geral ignoradas pelo Ocidente, que tende a simplificar demais o quadro oriental. Primeiramente, com referncia s regies ou pases (5) do Oriente, h diferenas bem notveis de perspectiva filosfica, de tendncia e de atitudes especificas entre os principais pases em exame, a saber, a ndia, a China e o Japo (6). Por exemplo, no absolutamente exato oferecer anlises da "tradio oriental", "dos fundamentos da Filosofia oriental" ou de algum tpico semelhante nem considerar apenas a filosofia ou filosofias da ndia. A China no pode ser considerada "exceo" e logo ignorada. Em alguns sentidos, em sentidos bsicos, a ndia e a China so "mundos separados" - sob muitos aspectos diretamente antagnicos - em suas atitudes em face da vida e da atividade no aqui- e- agora e em face dos valores implcitos em tal atividade. Pode-se muito bem considerar que as preocupaes bsicas da ndia so essencialmente "religiosas", que os seus mtodos so essencialmente "negativistas", que a fuga da vida ou do renascimento o principal bem, que a ateno da ndia est basicamente dirigida para o estado e o destino finais do Homem. Assim sendo, as idias predominantes da China, pela forma como se encontram principalmente no Confucionismo, diferem consideravelmente das da ndia. O contraste da ndia, segundo Schweitzer, apresentada como essencialmente a "negao - do - mundo - e - da - vida", com relao China, que "afirmativa- do- mundo- e- da- vida" (7), superficial demais, porm h muita coisa nos sistemas dos dois pases que justifica esse contraste - dentro de certos limites. As atitudes filosficas da China (8) consistem em humanismo, vida prtica com senso comum, nfase bem constante sobre a moral e o carter como o bem supremo, moderao em quase todas as coisas, mas tambm, s vezes - decerto em Mncio e em grande parte do Neoconfucionismo, se no em Confcio -, em plena auto - expresso e em pleno viver. H um amor natural vida. H o ideal do "sbio por dentro e rei por fora", isto , a

combinao da virtude ntima e das realizaes exteriores. Tal atitude dificilmente corresponde ao esprito da filosofia tica indiana (9)". Tanto o taosmo como o Budismo so partes significativas do complexo filosfico chins, no resta dvida, porm, conforme vimos na descrio feita pelo Professor Chan, o taosmo est muito mais afinado com o esprito de moderao da China do que imaginvamos no Ocidente, e o Budismo, em sua luta pela vida na China, ou foi modificado para se harmonizar com o temperamento chins ou criticado e rejeitado por suas tendncias negativistas. Ao contrastar indianos e chineses o Professor D. T. Suzuki mostra como esses dois povos tm pouco em comum. "O povo chins", escreve, "ama a vida com enorme intensidade; no a vem de modo to pessimista quanto os indianos; no tm nenhum desejo especial de fugir-lhe". Os chineses, continua, "so eminentemente prticos, morais e tem elevado senso histrico", em contraste com os indianos, que so "inteiramente metafsicos e transcendentais demais e acima de todas as coisas terrenas". Os chineses, ademais, "so trabalhadores e inclinados a aumentar sua eficincia econmica; e desde o comeo de sua histria perseguiram trs desejos: Bem-aventurana, prosperidade e Longevidade (10). V-se tambm o contraste no fato de que na Filosofia chinesa no h "emoo religiosa que inflame a alma", ao passo que na ndia "toda doutrina se transforma em uma convico apaixonada que agita o corao do Homem e lhe aviva sua respirao (11)". O Japo representa uma terceira atitude importante, j que o seu ponto (ou pontos) de vista no podem ser identificados com os da ndia ou da China - a despeito do fato de que a maior parte da sua filosofia veio de uma destas fontes ou de ambas elas. O Japo tem pouco do pessimismo e da indiferena da ndia em face da vida do aqui- e- agora, e pouco, se que tem algum, desejo consciente de fugir vida. Como a China - e ao contrrio da ndia (em geral), o Japo claramente "afirmativo- do- mundo- e- da- Vida", mas exprimiu esta afirmao de tal modo e em grau tal que parece ter ido muito alm da China confuciana. Com a China, o Japo, diz-se com freqncia, participa do ideal do Extremo Oriente do Meio Caminho, mas o verdadeiro contedo da atitude varia significativamente entre os dois pases.

Ao contrrio da China e da ndia, o Japo h muito d importncia ao que equivale classe dos soldados ou militares. A preeminncia do bushi e do samurai (guerreiros), do daimyo (chefe de uma provncia feudal) e do shogun (chefe militar da nao), notoriamente caracterstica do Japo, divergindo tanto da ndia como da China. Apesar de toda a sua imitao, o Japo japons na vida e na filosofia. O que adotou tambm adaptou ao seu prprio uso. To diferente esta filosofia que nos admiramos de como, sendo parte do Oriente, o Japo poderia ter chegado a tal concepo. A filosofia do Japo um aglomerado de elementos do Confucionismo, do Neoconfucionismo e do Budismo numa sntese com elementos nativos derivados do antigo Xint e de uma atitude da era feudal, mais tarde chamada "bushid", "o modo do Cavaleiro (ou guerreiro)". Esta combinao produz uma filosofia de dever e lealdade de uma espcie muito convincente, comeando com um sentimento extremo de piedade filial e culminando com lealdade absoluta ptria e ao Imperador. Este caracterstico sentimento japons de lealdade - seja de origem e base religiosa ou meramente social foi, desde muito cedo, a principal virtude dos japoneses e, como tal, sempre transcendeu todas as outras virtudes na escala das virtudes. um nacionalismo e um ponto de vista racial que requer, no s obedincia aos superiores, mas tambm o esprito de atividade em um grau que parece faltar no resto do Oriente. Nem h justificativa ou qualquer necessidade de identificar isto com mera imitao do Ocidente. Tal atitude pelo menos to antiga quanto o quinto sculo d.C. Naquela poca, mesmo em condies em que prevalecia uma sociedade basicamente agrcola e em conjunto pacifica, lemos a respeito dos homens dos cls, acompanhantes hereditrios de Soberanos, que se vangloriavam: "No morreremos pacificamente, morreremos ao lado do nosso rei. Se formos ao mar nossos corpos se afundaro na gua. Se formos s montanhas, nossos cadveres jazero no mato". O Confucionismo e o Budismo tiveram seus dias de triunfo no Japo, porm atravs dos tempos - com certos intervalos no- conformistas - houve a predominncia deste modo de vida essencialmente nativo dos japoneses. "O solo do esprito japons", diz o Professor Takakusu (12), "(...) no seno a mensagem sagrada da Ancestral Imperial" que declarava que o Japo "era a terra em que a linhagem de sua Famlia Imperial deve reinar e que a sorte do trono seria eterna,

juntamente com o cu e a terra". Este esprito japons ainda explicado como composto de quatro elementos: "O esprito forte (como expresso de bravura), o esprito calmo (expresso de benevolncia), o esprito ativo (expresso de inteligncia), que a origem das atividades econmicas, e o esprito misterioso (expresso de sabedoria), que a origem do idealismo pessoal (13)". As trs virtudes caractersticas, a saber, o intelecto, a benevolncia e a coragem - simbolizadas pelos Trs Tesouros da tradio Xint (o Espelho, as Jias e a Espada) - so as mesmas virtudes louvadas por Confcio e reconhecidas pelo Budismo, mas, pela forma como so interpretadas no Japo, parece haver uma nfase nitidamente japonesa. Continua o Professor Takakusu: "Afinal de contas, o esprito japons cresceu no solo da mensagem imperial, manifestou suas formas de atividade nos quatro espritos e lanou suas razes firmemente na esprito dos tesouros sagrados. a nossa vetusta herana, o ideal comum de todos os japoneses com um passado de mais de 2 600 anos, que esteve sempre vivo no corao das pessoas (14)". H, no esprito do Japo - continuamos a seguir a interpretao do Professor Takakusu uma conscincia da "Cultura do Sangue". "O Japo Imperial tem sua prpria terra, estrutura de Estado e povo conscientes da Cultura do Sangue (15)". Da mesma forma, como que em contraste at com os alemes - que tambm tm uma conscincia de "Cultura do Sangue" -, os japoneses tm um Ideal diferente, a eles transmitido de maneira real. Acrescente-se a isto - e aqui vemos como o Japo assimilou doutrinas de fontes estrangeiras mas moldou-as para ajust-las sua perspectiva nativa - a doutrina confuciana de lealdade e a doutrina budista de "totalismo" (16) ou unicidade de todas as coisas e seres. Estas doutrinas, aplicadas em sentidos e graus que dificilmente parecem compatveis com as suas origens, serviram para aumentar a intensidade do esprito japons autctone e o sentimento de um Destino divino. Como diz o Dr. Kenneth Saunders, "Confcio se teria surpreendido" se tivesse visto como os japoneses haviam adaptado sua virtude de lealdade "glorificao de guerreiros e chefes feudais, acima de eruditos e filsofos" (17). Da mesma forma, enquanto o Budismo parece uma doutrina de

paz e de pacifismo (18), no obstante a doutrina do "totalismo" e outras virtudes cardeais do Budismo, tais como a compaixo, a compreenso e a meditao, foram postas a servio dos fins da atitude japonesa. O totalismo, para os japoneses, parece significar o ideal de um mundo completamente unido, e tal ideal, quando visto atravs da perspectiva do Xint, assume forma bem bvia. A compaixo, a compreenso e a meditao (Zen) e a atitude que reconhece a transitoriedade deste mundo foram afeioadas ao ambiente japons. O Zen o lado prtico da metafsica totalista e serve como tcnica complementar, no apenas para os que esto em busca da verdade, mas tambm para soldados, como nova base de coragem, essa coragem que, juntamente com a lealdade, parece a principal virtude japonesa. Esta anlise (19), embora faa justia a um aspecto da variedade do pensamento tico, tende a ser injusta com outros. Ao mostrar a variedade de filosofias por pases, temo -nos inclinado a ignorar: [1] enorme variedade de sistemas dentro de cada um dos pases, [2] interpretaes variadas dentro de todos os sistemas mais importantes, levando, efetivamente, a novos conjuntos de sistemas que expressam significativamente ati