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7
manhã a minha irmã Inês vai ter o seu primeiro dia de escola.
Há mais de uma semana que anda muito irrequieta e não para de me
fazer perguntas, sempre a incomodar-me.
Por vezes, eu divirto-me a responder. Invento respostas estranhas,
que é para ela � car muito admirada, com os olhos muito abertos. Hoje, antes de
jantarmos, a conversa foi assim:
— António, a comida da cantina é boa?
E eu, depois de pensar um bocadinho, respondi-lhe:
— É ótima, vais adorar. Toda a comida da cantina é servida em pratos comestíveis.
Não é como em nossa casa.
— Que quer dizer comestíveis?
— Quer dizer que depois de comeres o arroz, as batatas, a massa, a carne, o peixe
e a salada, também tens de comer os pratos. Não pode � car nem uma migalha no
tabuleiro, é uma ordem do diretor da escola, que é um senhor muito alto, que fala
pouco e tem uma manchinha castanha na testa, muito parecida com uma borboleta.
— Temos de comer os pratos? Ah! A que sabem os pratos?
— Depende do dia, porque há vários sabores. Os pratos sabem a chouriço, a
mortadela, a queijo frito, a arroz-doce, a gelatina de morango e a chocolate. Os que
sabem a chocolate só se comem em dias especiais.
— António, o que são dias especiais?
— São os dias em que não há sopa, nem pão, nem carne, nem peixe, nem salada,
nem fruta.
— António, o que é que comemos nos dias especiais?
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SSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGGG
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— Comemos formigas fritas com pimenta. É muito bom. Hum, adoro! Quando já
não há mais nenhuma formiga come-se o prato, que é castanho, e sabe a chocolate.
Hum, é uma comida deliciosa!
— Que nojo! Já comeste?
— Já, e adorei.
— Formigas fritas com pimenta… que nojo!
— Não digas isso, Inês. Só podes dar a tua opinião depois de comeres as formigas
fritas. Tu não percebes nada da escola. Estou a ser teu amigo, ensino-te estas
coisas para não fazeres � guras tristes em frente dos colegas. Quando fores almoçar,
escolhe o prato que sabe a chouriço, que é o mais saboroso. É o prato cinzento, não
te esqueças.
A Inês � cou pensativa. E eu tive de me esforçar imenso para não me rir, nem dar
gargalhadas. A minha irmã falou baixinho, derrotada, quase a deixar cair um lágrima:
— António, eu não gosto de chouriço…
Depois gritou e bateu com os pés no chão:
— Eu só quero pratos de queijo frito!
Depois voltou a falar baixinho, preocupada:
— António, como é que eu sei a que sabem os pratos?
1111
— Pelas cores. Tu já sabes as cores?
— Sei! Vermelho, amarelo, azul, verde, preto, cor-de-rosa. De que cores são os
pratos que sabem a queijo frito?
— São brancos como a farinha. No fundo desses pratos há sempre dois olhos
muito grandes e muito vermelhos. São os olhos mágicos dos pratos.
— Olhos mágicos? Tens a certeza?
— Sim, são olhos que adivinham tudo o que tu pensas.
— Estás a mentir! Não há pratos com olhos vermelhos… Se houvesse, eu tinha
muito medo. Na minha escolinha a comida era muito boa. Eu gostava de massinha
com carne e não havia pratos com olhos.
— Agora vais para uma escola enorme, com muitas salas e muita gente! Esquece
a massinha com carne… Na escola, se disseres massinha, batatinha, saladinha, toda
a gente se ri de ti. Tens de dizer massa com carne, percebes?
— António, tu vais ajudar-me a escolher um prato lá na cantina?
— Não posso! Nós, os grandes do terceiro ano, nunca comemos com os pequeninos
do primeiro, era o que faltava…
— Mas eu sou tua irmã. Podias ajudar-me.
— Eu não me importava de te ajudar, mas é impossível. Tens de ser tu a escolher.
Só te faz bem. Eu safei-me, e tu também te vais safar. Aquilo é fácil, o primeiro dia é
que custa mais.
— António, tenho MEDO de ir para a escola nova.
— Medo? Porquê?
12
— Não sei. Tu já sabias ler quando foste para a escola?
— Não. Só conhecia cinco letras: a, e, i, o, u…
— Eu também não sei ler. Só sei escrever o meu primeiro nome. Queres ver?
A minha irmã, com o dedo indicador da mão esquerda, desenhou no chão da sala
as quatro letras maiúsculas do seu nome: INÊS.
— Está mal escrito – disse eu.
— Está bem! – gritou a Inês.
— Está errado, porque só � zeste letras maiúsculas. O teu nome escreve-se com
uma letra maiúscula e todas as outras são minúsculas.
Com o dedo indicador da minha mão direita, desenhei no chão as letras do nome
da minha irmã.
— O teu nome escreve-se assim: Inês.
A minha irmã começou a choramingar. Disse que eu estava a ser mau, que a queria
confundir. Quando tinha a cara cheia de lágrimas gordas foi fazer queixinhas à mãe,
que estava na cozinha, a preparar o jantar.
A minha mãe impacientou-se:
— António, não te ponhas a inventar maluqueiras. Não percebes que a tua irmã
está ansiosa? Não percebes que ainda acredita em tudo o que lhe dizes? Ajuda-me
a pôr a mesa e deixa a Inês em paz. O avô Júlio também vem jantar.
— Eu não � z nada de mal. A Inês é que está sempre a fazer perguntas infantis!
E acho que ela já pode ajudar a pôr a mesa. Porque é que hei de ser sempre eu?
É injusto!
Pus na mesa os pratos, os copos e os talheres. A Inês distribuiu os guardanapos.