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Reportagem 40 anos de Star Wars 1 “Há muito, muito tempo, numa galáxia nada distante...” Por André Maia, nº10065, Turma B, Turno D stávamos em maio de 1977, quando, no dia 25, o cinema mudou completamente. Sorrateiramente, Star Wars estreava em menos de quarenta salas de cinema, apenas nos Estados Unidos da América. Hoje, o último filme da saga, Rogue One, esteve presente em mais de 70 países. Entre nesta viagem à galáxia mais rentável e conhecida da história do cinema e descubra alguns “porquês” deste fenómeno, que não escapa, de maneira nenhuma a Portugal, onde a Força está bem presente. Primeiro ouvia-se o tão famoso genérico da 21st Century Fox. De seguida, uma das mais famosas frases da história do cinema invadia o ecrã: “Há muito, muito tempo, numa galáxia muito distante”. Depois, um curto silêncio que parecia eterno, até se ouvir o mais conhecido tema de John Williams, acompanhado pela inscrição amarela de Star Wars. Era sempre assim. Sempre, desde 1977, faz neste mês de maio 40 anos. Star Wars – ou “A Guerra das Estrelas”, como chegou a Portugal – estreou então a 25 de maio de 1977, em apenas algumas dezenas de cinemas dos Estados Unidos da América. Números reduzidos para o fenómeno cultural e mundial que é agora esta saga cinematográfica: entre uma série de recordes encontram-se os títulos de estreia mais rentável da história do cinema; o trailer mais visto da história da plataforma YouTube; o filme com maior distribuição da história – o terceiro episódio da saga esteve presente em 115 países – ou a maior campanha de merchandising já vista no cinema, assinada em 2001 com várias marcas como a Pepsi ou Pizza Hut por dois mil milhões de dólares. São números e marcas de outra galáxia, só ao alcance de um universo cinematográfico com uma grande estrutura de marketing e, principalmente, com uma gigantesca base de fãs. E

“Há muito, muito tempo, numa galáxia nada distante · Contudo, o apoio foi reduzido, e após diversas dificuldades nas filmagens o projeto esteve para ser abandonado a meio

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Reportagem 40 anos de Star Wars

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“Há muito, muito tempo, numa galáxia nada distante...”

Por André Maia, nº10065, Turma B, Turno D

stávamos em maio de 1977, quando, no dia 25, o cinema mudou

completamente. Sorrateiramente, Star Wars estreava em menos de quarenta

salas de cinema, apenas nos Estados Unidos da América. Hoje, o último filme da

saga, Rogue One, esteve presente em mais de 70 países. Entre nesta viagem à galáxia

mais rentável e conhecida da história do cinema e descubra alguns “porquês” deste

fenómeno, que não escapa, de maneira nenhuma a Portugal, onde a Força está bem

presente.

Primeiro ouvia-se o tão famoso genérico da 21st Century Fox. De seguida, uma das mais

famosas frases da história do cinema invadia o ecrã: “Há muito, muito tempo, numa

galáxia muito distante”. Depois, um curto silêncio que parecia eterno, até se ouvir o

mais conhecido tema de John Williams, acompanhado pela inscrição amarela de Star

Wars. Era sempre assim. Sempre, desde 1977, faz neste mês de maio 40 anos.

Star Wars – ou “A Guerra das Estrelas”, como chegou a Portugal – estreou então a 25

de maio de 1977, em apenas algumas dezenas de cinemas dos Estados Unidos da

América. Números reduzidos para o fenómeno cultural e mundial que é agora esta saga

cinematográfica: entre uma série de recordes encontram-se os títulos de estreia mais

rentável da história do cinema; o trailer mais visto da história da plataforma YouTube; o

filme com maior distribuição da história – o terceiro episódio da saga esteve presente

em 115 países – ou a maior campanha de merchandising já vista no cinema, assinada

em 2001 com várias marcas como a Pepsi ou Pizza Hut por dois mil milhões de dólares.

São números e marcas de outra galáxia, só ao alcance de um universo cinematográfico

com uma grande estrutura de marketing e, principalmente, com uma gigantesca base

de fãs.

E

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Mas regressemos a 1977: Elvis Presley morre com 42 anos; Jimmy Carter torna-se o novo

Presidente dos Estados Unidos; dá-se o maior desastre aéreo da história, em Tenerife, e

Portugal recebe o FMI pela primeira vez. São motivos particularmente negativos numa

época de mudança social, em plena Guerra Fria. Ainda assim, foi outra a guerra que

tomou de assalto o mundo nesse ano. Um jovem realizador, com muitos sonhos e

poucas provas dadas, conseguia finalmente materializar em filme toda uma história

espacial há muito idealizada. Depois de algum sucesso local com American Graffiti,

George Lucas, na altura com os seus tenros 32 anos, avançava então para Star Wars,

com o apoio da produtora 21st Century Fox.

Contudo, o apoio foi reduzido, e após diversas dificuldades nas filmagens o projeto

esteve para ser abandonado a meio. Prova disso foram as quase inexistentes campanhas

marketing ou de merchandising, devido às baixas expetativas de sucesso. Juntando isto

ao facto de o filme passar num número tão reduzido de salas, era previsível que a

aventura espacial de Lucas se tornasse em apenas mais um filme banal.

O certo é que as previsões saíram ao lado: os espetadores adoravam o filme. Star Wars

foi-se espalhando de boca em boca, por miúdos e graúdos, chegando a dimensões nunca

antes vistas nos Estados Unidos, batendo, aliás, o recorde de filme mais rentável da

história do cinema à época.

Nesta altura, no nosso país, vivia-se na ignorância deste fenómeno. Como habitual na

época, os filmes chegavam muito tempo depois a Portugal: Star Wars chegou ao nosso

país sete meses depois da estreia nos Estados Unidos, e em formato muito mais

reduzido. Estreava a 6 de dezembro de 1977 e apenas no Cinema Monumental, com

uma classificação destinada a maiores de 13 anos. Só alguns meses depois é que o filme

se espalhou a outras salas, em Lisboa e no Porto.

Cartaz do Cinema Monumental a anunciar o primeiro filme, em 1977

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O fenómeno espacial conseguiu agarrar alguns fãs portugueses, mas não teve, de todo,

o impacto que se verificou em terras norte-americanas. Nem a maioria dos espetadores

nem a maioria dos críticos fizeram juras de amor com o filme, apesar de reconhecerem

os seus méritos a nível da narrativa e, principalmente, a nível dos efeitos especiais.

Em maio de 1977 podia ler-se na crítica cinematográfica do Diário de Notícias que Star

Wars jogava “à defesa, escudando-se no perfeito domínio da técnica e da narrativa”.

Ainda assim, acrescentava-se que George Lucas fazia “sucesso imediato, mas não para

durar”. Já no Diário de Lisboa, na mesma altura, podíamos ler que apesar de um “breve

divertimento lúdico”, ficava “um certo sabor a desilusão”. Mais duro ainda foi Tito Lívio,

crítico de cinema do Diário Popular, que começava o seu artigo com “A Montanha Pariu

um Rato”, ilustrando assim a “história ingénua” e “de um maniqueísmo grosseiro”,

considerando as “personagens primárias e mal esboçadas”.

Mas a verdade é que, passados 40 anos, o fenómeno se alastrou a Portugal, como a

tantos outros países. Um dos exemplos disso foi o evento que ocorreu no passado dia

18 de abril, na loja FNAC do Centro Comercial Colombo. Apesar de a hora ser tardia – o

evento acabou depois da meia-noite – e de ser um dia de semana como outro qualquer,

várias dezenas de fãs da saga compareceram ao lançamento oficial do DVD e Blu Ray do

último filme, Rogue One. Foram duas horas completamente dedicadas ao universo Star

Wars, dinamizadas por uma palestra da associação Spoiler Alert e pela presença da

guarnição portuguesa do maior grupo de cosplayers de Star Wars do mundo, a 501st

Legion.

Crítica do primeiro episódio de Star Wars, presente numa edição do Diário de Notícias – Fonte: Enciclopédia de Cromos

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Ainda que o evento só começasse às 22h30, uma hora antes já se encontravam vários

fãs da saga na loja FNAC, deixando no ar um ambiente de ânsia e expetativa. Um dos

adeptos presentes desde muito cedo, Pedro Candim, partilhava o entusiasmo enquanto

comprava uma t-shirt alusiva ao filme: “Espero que seja um lançamento digno deste

filme em especial, mas que seja também uma homenagem a toda a saga”. Para este

jovem amante de Star Wars, este universo é especial e ultrapassa tudo aquilo que já foi

feito no cinema: “Os filmes têm uma narrativa que, a meu ver, nenhum outro filme

conseguiu ainda igualar. Para além disso, também o cenário é importante e já houve

muitas séries e filmes de Sci-Fi que tentaram replicar aquilo que Star Wars fez e não

conseguiram”.

Depois disto fez uma confissão: foi por cinco vezes ver o último filme, Rogue One, às

salas de cinema, o seu recorde pessoal. Questionado sobre quais os motivos por detrás

da dedicação dos fãs, Pedro não hesita na resposta: “Não existe nada à escala de Star

Wars. Não existe uma Harry Potter Celebration ou uma Star Trek Celebration, por

exemplo. Mas esta dedicação talvez parta do facto de a saga já existir há muito tempo:

passou dos avós para os pais e dos pais para os filhos, e é essa partilha de gerações que

torna a fanbase gigantesca e muito unida”.

A opinião de Pedro é corroborada por Rui Miguel, de 41 anos, que foi ao evento na

companhia da filha, Leonor, de 13. Afirma que o gosto da sua filha pelos filmes nunca

foi incutido “de forma forçada”, dizendo que Leonor é fã porque “gosta” e porque

“desde pequena que se habituou a ver os filmes com o pai”. Mas é também nos filmes

que encontra respostas para o interesse das novas gerações na saga: “Toda a questão

da luta do bem contra o mal e dos sacrifícios que os personagens fazem acaba por

ressoar nas novas gerações”, acrescentando ainda que uma das razões de fundo para

gostar tanto dos filmes está relacionada com “os valores e as filosofias que os

personagens do lado bom da Força transmitem” com os quais se identifica.

Lançamento do filme Rogue One em DVD, na FNAC do Colombo

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Era assim, neste ambiente familiar e de muita expetativa, que se encontrava a FNAC do

Colombo, rigorosamente decorada com adereços da saga devido à ocasião. E como o

tempo ainda não se havia esgotado, estivemos à conversa, ainda antes do início da

palestra, com dois dos membros organizadores, pertencentes à 501st Legion Portugal:

sentados a uma mesa, no bar da loja, estavam João Carreira, de 47 anos e fundador da

filial portuguesa deste grupo internacional, e Pierre de Sousa, de 32 e membro do grupo

desde maio do ano passado.

A 501st Legion é uma organização composta por fãs de Star Wars dedicada à criação de

máscaras, fatos e réplicas de adereços utilizados pelo Império – os vilões – na saga

espacial, tendo como principal atividade a presença em ações de caridade, como em

hospitais, com os seus elementos mascarados de alguns dos mais conhecidos

personagens dos filmes.

A filial de Portugal surgiu em 2007, criada por João Carreira – que dá pelo nome de TD

9976 quando se mascara. Segundo ele, a organização surge da necessidade de alguns

fãs de “não quererem apenas colecionar as figuras, mas serem eles próprios as figuras

e personagens com que sempre sonharam”. A 501st Legion nasceu nos Estados Unidos

da América, em 1997, pela mão de Albin Johnson, com um lema que João profere com

orgulho: “Somos os maus que praticam o bem!”, acrescentando que, apesar de as

personagens que representam fazerem parte do “lado negro da Força”, a “Legião utiliza

este meio para poder participar na vida social das pessoas e das instituições que mais

precisam, com ações de voluntariado”.

Os membros da 501st Legion Portugal, mascarados de Darth Vader ou de soldados Imperiais, a prender os “rebeldes” oradores do evento

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Com atividades constantes em ações de caridade ou em eventos de ficção científica, o

grupo português, que conta já com 31 membros inscritos, beneficia da união da fanbase

de Star Wars, ainda que João e Pierre admitam que, desde a venda do franchise à Disney

– em 2012 e por 4 mil milhões de dólares – a proximidade entre os grupos de fãs e os

responsáveis pelos filmes tenha diminuído. Contudo, Pierre de Sousa faz uma

apreciação muito positiva quanto à gestão da saga por parte da Disney, principalmente

no que toca à publicidade e merchandising: “Estão a apostar muito no marketing para

poderem chegar, cada vez mais, às novas gerações. Hoje em dia conseguimos ver

crianças com 6 ou 7 anos fanáticas por Star Wars e a adorar este mundo. Na minha

altura e na altura do João não havia esta bonecada toda!”

A verdade é que as novas gerações chegaram a este universo e vieram para ficar. Com

mais quatro filmes agendados até 2020, a Disney e a Lucasfilm prometem abrir o mundo

de Star Wars a mais e mais fãs, de todas as idades e de todos os países. O próximo filme,

Os Últimos Jedi, chega em dezembro aos cinemas, com o mesmo espírito de há 40 anos,

mas com números de outra galáxia. Se desta vez a crítica se apaixonará, ninguém sabe.

Mas o certo é que cada vez mais pessoas, velhos ou novos, entrarão neste mundo. E a

esses, aplica-se a fala do velho Obi Wan Kenobi no filme de 1977: “Deste o primeiro

passo rumo a um gigantesco mundo”.

O evento de lançamento do filme Rogue One foi um exclusivo da loja FNAC do Colombo, reunindo dezenas de fãs com uma palestra, oferta de camisolas e a presença do próprio Darth Vader