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108 Intersecção entre forma e informação: um filme etnopoético 1 Angeluccia Bernardes Habert Intersecção entre forma e informação: um filme etnopoético R ecentemente, Joel Pizzini afirmou que a sua utopia política é a constante busca de linguagem, de poder experimentar sempre e de ultrapassar a lógica naturalista. Ele se dá o destino de poeta, parece concordar que: “Tudo o que não invento é falso”, como declara a epígrafe do livro Memórias inventadas (2003), de Manoel de Barros. Acredita também poder “escovar palavras” à semelhança dos arqueólogos, pacientemente, como eles fazem com os vestígios materiais de outros tempos, de acordo com a imagem construída pelo mesmo poeta. À sua maneira, Pizzini trabalha a linguagem cinematográfica, extraindo movimento das coisas paradas e observando a permanência das coisas que se movimentam. Sua ambição é “fazer sentir a câmera”, não se deixar carregar pelo peso do tema e eliminar do material filmado tudo que não é o filme. Recorta, depura e aglutina; e toma gosto pelo ritmo que se estabelece entre os recortes, muito mais do que pelo possível sentido imediato das representações. Vai prolongar principalmente outro dito do mesmo poeta: “Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam”. No filme 500 almas (2004), Manoel de Barros, sem ter sido identificado, aparece centrado na tela, aos 28’, 45”, e diz, com o som sincronizado: “Acho guató uma palavra linda. Eu comecei a me simpatizar por esse negócio de guató por causa da palavra propriamente dita, sabe”. Depois em off, alternam-se em cena imagens de um guató, da viola de coche sendo fabricada e uma delas guardada no Museu Antropológico de Berlim, enquanto se ouve: “Hoje, acho que é uma língua mur- ALCEU - v.8 - n.16 - p. 108 a 120 - jan./jun. 2008 artigo 6 Habert.indd 108 19/5/2008 13:43:39

HABERT, ANGELUCCIA Intersecção Entre Forma e Informação Um Filme Etnopoético

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HABERT, ANGELUCCIA Intersecção Entre Forma e Informação Um Filme Etnopoético

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    Interseco entre forma e informao:um filme etnopotico1

    Angeluccia Bernardes Habert

    Interseco entre forma e informao: um filme etnopotico

    Recentemente, Joel Pizzini afirmou que a sua utopia poltica a constante busca de linguagem, de poder experimentar sempre e de ultrapassar a lgica naturalista. Ele se d o destino de poeta, parece concordar que: Tudo o que no invento falso, como declara a epgrafe do livro Memrias inventadas (2003), de Manoel de Barros. Acredita tambm poder escovar palavras semelhana dos arquelogos, pacientemente, como eles fazem com os vestgios materiais de outros tempos, de acordo com a imagem construda pelo mesmo poeta. sua maneira, Pizzini trabalha a linguagem cinematogrfica, extraindo movimento das coisas paradas e observando a permanncia das coisas que se movimentam. Sua ambio fazer sentir a cmera, no se deixar carregar pelo peso do tema e eliminar do material filmado tudo que no o filme. Recorta, depura e aglutina; e toma gosto pelo ritmo que se estabelece entre os recortes, muito mais do que pelo possvel sentido imediato das representaes. Vai prolongar principalmente outro dito do mesmo poeta: Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam.

    No filme 500 almas (2004), Manoel de Barros, sem ter sido identificado, aparece centrado na tela, aos 28, 45, e diz, com o som sincronizado: Acho guat uma palavra linda. Eu comecei a me simpatizar por esse negcio de guat por causa da palavra propriamente dita, sabe. Depois em off, alternam-se em cena imagens de um guat, da viola de coche sendo fabricada e uma delas guardada no Museu Antropolgico de Berlim, enquanto se ouve: Hoje, acho que uma lngua mur-

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    murante, com bastante veemncia no toar da lngua. Antes do significado, para mim, muito importante o fato de eles viverem beira do rio, beira das guas e de se manifestarem artisticamente pela viola de coche. O som da viola de coche j foi introduzido como um motivo que, em seguida, absorvido numa presena sinfnica das misturas, que constitui a banda sonora.

    Tambm antes, a voz de Manoel de Barros foi ouvida diversas vezes em off, superposta e misturada com as vozes de outros, sem distino. O efeito da voz ouvida fora do espao cnico j foi utilizado desde a abertura do filme. Logo na primeira cena, quando se ouvem vozes em alemo, na lngua guat e em portugus, sons que se demoram a discriminar e a entender. Essas vozes fantasmticas, sem corpo, saem de nenhum lugar e perambulam com o movimento da cmera sobre as imagens areas, escuras e depois, clareadas, de montanhas e da mata. Ou, melhor dito, elas procedem de temporalidades diversas e, aos poucos, so ligadas s imagens de uma canoa e de objetos guardados no Museu, imagem de um homem, e imagem de figuras rupestres, imagens que se sucedem alternando em cortes rpidos; e que contrabalanam o movimento deslizante da cmera sobre a natureza. Depois, s muito depois, entende-se que o homem um guat, inclusive um guat que parece sofrer do mal de Parkinson, ou quem sabe de impaludismo; que as figuras rupestres mostram a anterioridade da presena deste grupo indgena na regio; que o cole-cionismo europeu guardou a memria material deste povo em estado de extino; e que um processo de micro-resistncia recupera a sua identidade.

    A presena das vozes humanas no filme, entretanto, como disse Michel Chion (1999: 5), parafraseando Christiane Sacco, estrutura o espao acstico que as contm, e essa presena pode produzir de maneira instantnea significados, do mesmo modo como ocorre em um espao em branco no seu comentrio uma extensa parede branca quando se rabisca uma silhueta humana. Em meio a toda a mistura de sons, acrescenta, quando a voz humana intervm, imediatamente, estabelece uma hierarquia na percepo. No seu entender, a voz humana chama para si a ateno na banda sonora e, por conseqncia, advoga a condio de um vococentrismo no cinema. O ouvido est sempre procura de traduzir em signi-ficados a voz humana, esclarece Chion.

    Nos primeiros minutos do filme 500 almas, as vozes humanas, superpostas, mltiplas, se distinguem da msica e dos rudos atravs de um grande esforo do espectador-fruidor, que percebe sons guturais, indistintos, de lnguas faladas que no reconhece, at poder discernir, parcialmente, palavras, e produzir significados, mas nesse caso, os significados deslizam, se transformam, em uma semiose ilimitada. Nessa situao de vozes humanas completamente no identificadas, misturadas e, principalmente, impedidas de serem decodificadas, d-se um bloqueio para uma total transparncia, e grande parte do poder do filme localiza-se a, ao no permitir a obviedade objetiva, o inevitvel naturalismo. As lnguas permanecem sem traduo, e

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    os sujeitos que falam, esses, s sero reconhecidos muito depois. Ao mesmo tempo, os murmrios de outros mundos intensificam a capacidade de envolvimento do espectador, e ampliam a capacidade de abstrao prpria do cinema, em detrimento do banal ou do imediato.

    As vozes invisveis, que ressoam no ar, do razo ao que foi observado por Michel Chion: quando a voz sai de um espao totalmente no identificado e pro-cede da mesma fonte que gera todos os outros sons, se constitui a mais rica relao entre imagem e voz no cinema. Chion aperfeioa a discusso sobre a voz off e over no cinema, procurando responder principalmente ao porqu de inmeros filmes serem construdos com vozes invisveis, que ressoam no ar, dissociadas de suas cau-sas e fontes. A essa desterritorializao do som ele denomina de acousmatique (1999: 18), termo dicionarizado em francs, recuperado pelo tambm msico concretista Pierre Schaeffer, nos anos 1950, para designar os meios de ouvir o som, sem serem visualizadas as vozes em sua origem. Para ele, a histria do termo , particularmente, interessante, pois contribui para o entendimento da voz no cinema. Localiza, no poema Acousmate, de Appolinaire, escrito em 1913, uma sensibilidade para o uso da voz descorporalizada, e assume o fundamento de sua reflexo sobre a eloqncia deste expediente no princpio da pedagogia de Pitgoras, que fazia os discpulos ouvi-lo por detrs de uma cortina, afim de no serem distrados da mensagem pela visibilidade da exposio do corpo humano. Esse princpio de interdio do mostrar e do olhar transforma o peso da voz humana, referenda ele, mantendo uma analogia com a tradio religiosa, onde qualquer voz no identificada e fora de cena seria manifestao do sagrado. Refere-se, particularmente, ao judasmo e ao islamismo, que probem olhar a face de Deus e reproduzir a imagem humana.

    Por outro lado, o uso recorrente de vozes atrs de cortinas, espelhos, portas e paredes, assim como da co-presena da voz junto s sombras, nvoas, ou em espa-os vazios tm, no cinema, alm de uma presena dramtica, de um efetivo reforo narrativo, a possibilidade de transformar, de imediato, o natural em simblico. Principalmente, quando esta voz pertence a um corpo que ainda no foi visto ou que, durante todo o filme, no ser visvel. Nesta condio, Chion cria, ento, um outro termo acousmtre, tre acousmatique, em portugus o ser acusmtico. Para distinguir se podemos ou no juntar uma face voz invisvel(1999: 21), produz ainda outros neologismos: complete acousmtre, o completo ser acusmtico, que corresponde voz de algum que pode ser reconhecido, ou ser posteriormente visto em cena; ou ainda, o narrador acousmtre, o narrador acusmtico, aquela voz que estar o tempo todo ausente da cena visvel.

    Em 500 almas, fica evidente, a partir do prlogo, que as vozes superpostas, descorporalizadas, sero reconhecidas aos poucos, relacionadas s pessoas que esta-riam no lugar de entrevistados e mesmo eventuais narradores auxiliares categori-zando-os de forma tradicional. Na terminologia de Chion, sero progressivamente

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    desacusmatizados, e criaro uma certa tenso entre estar corporificados na tela ou estar fora dela, em um espao j reconhecido ou ainda no identificado, criando um sentido de transversalidade, provisria ou duradoura, atravessando vrias tempo-ralidades. O filme, assim, guardar uma permanente ambigidade, e o espectador ficar submetido a uma fascinao e a um encantamento poticos, sendo envolvido aos poucos e, indiretamente, com questes do pertencimento e da marginalidade das prticas do homem comum.

    Aos 6do filme sucedendo a um corte fechado que depura a forma esfrica sobre a copa de um chapu de palha ouve-se a voz de Manoel de Barros, agora distinta mas ainda no corporificada, sobre as imagens areas da mata, do rio e das nuvens, que so filmadas com um movimento de deslizamento horizontal, de um plano-seqncia em movimento: O mundo no foi feito em alfabeto, seno que primeiro em gua e luz, depois em rvore, depois lagartixas, depois apareceu um homem na beira do rio. Apareceu a ave. A cmera, em movimento de aproxima-o, mostra o poeta de costas, lendo um texto. O livro que l pode, em seguida, tambm ser lido de forma enviesada, rapidamente, pelo espectador: Apareceu a concha. E o mar estava na concha. A pedra foi descoberta por um ndio. O ndio fez fsforo da pedra e inventou o fogo pr gente fazer bia. Outras imagens das matas, em movimento de deslizamento, agora escurecidas pela chuva, so vistas sob a continuao da leitura: Um menino escutava o verme de uma planta, que era pardo. Sonhava-se muito com pererecas e com mulheres. (Aqui a voz do poeta ri ligeiramente, acentua a conotao sexual, assim como reala a assimetria dos seres dentro de uma valorao de suas presenas no mundo, concebida pela linearidade evolucionista, e a forma plural enfatiza a multiplicidade, o movimento das quanti-dades e o desequilbrio de propores).

    A leitura continua fora da cena, em off: As moscas davam flor em maro. De-pois encontramos com a alma da chuva que vinha do lado da Bolvia e demos no p. O filme, ento, retorna a imagem dele, Manoel de Barros, agora mais prxima, filmado de costas e lendo. A imagem ainda no frontal, mas assina a recriao destas vrias camadas de memria. A narrao que nasce e renasce atravs dos inmeros relatos: Rogaciano era ndio guat e me contou esta cosmologia, que ser, em seguida, retomada, recontada ser mesmo, de forma literal, recitada quase ao final do filme por uma criana guat e posta em relao com outras na feitura do filme, retiradas da Bblia, do cinema e da cultura do Pantanal.

    O poder demirgico do cinema

    O cinema, como instrumento de poesia, alarga a imaginao e aponta ao mesmo tempo os caminhos de nossa re-integrao ao imediatamente contempor-neo em 500 almas, evocam-se as questes de identidade e ambientais. Aproxima

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    o caso singular dos ndios guats, que foram declarados extintos nos anos 1960 e tiveram sua identidade reconhecida 20 anos depois, atravs de uma luta poltica, quando passaram a ser vistos como nao indgena, inclusive recuperando parte de suas terras ancestrais (a ilha de nsua, fronteira com a Bolvia).

    At ento os guats tinham sido decretados extintos. Resistiram de maneira annima e dispersa, negando sua identidade atravs do conveniente disfarce de ribeirinhos, nas palavras de Pizzini (Rivelos e Souza, 2005) e no ameaavam os fazendeiros e comerciantes. O filme mostra o esforo desses indivduos dispersos para reconstrurem sua memria, que levar ao resgate da identidade e da lngua. Mas, o faz na medida em que suspende o tempo e alcana o mistrio e as dvidas do universo esquadrinha as dimenses geolgicas de uma regio que est morrendo, enquanto ainda um ecossistema muito jovem, apenas um feto, na expresso de Manoel de Barros.

    Em todo o filme estar sempre presente o movimento do tempo, como ima-gem mvel da eternidade, uma eternidade manifesta na permanncia da natureza e no silncio em relao presena dos sons. Semelhantemente ao texto potico, o filme ganha uma presena policrona, e expressa simultaneidade, ao criar um mo-saico de elementos com propores diferenciadas. Essa conduo, no entanto, foge do empirismo e da objetividade comuns ao filme dito etnogrfico, e favorece uma leitura mltipla, um tanto ou quanto diferenciada, que resulta nada linear para o espectador.

    Devo lembrar que as verdades de um filme no se encontram exatamente nem no que dito, nem no que mostrado, e sim no que se produz por aproximao e por contaminao de um sobre o outro. Melhor expresso na brecha que se instala entre o que visto e o que ouvido, a ser permanentemente preenchido e suturado pelo esforo da fruio. De outro modo, os significados estariam para sempre cris-talizados, ou fixados como insetos em uma planilha de um entomologista. Talvez seja por isso, afirma a cineasta Trinh T. Minh-ha (1991: 30), to dificil falar sobre cinema, porque se deveria falar ento sobre o intervalo, a descontinuidade entre os cortes, e quase sempre, incapazes que somos, nos detemos nas questes perifricas, procuramos apoio em outras atividades do conhecimento e as palavras se fazem insuficientes: O que permanece entre a verdade de uma coisa e o seu significado o intervalo.

    Nesse caso, ajuda observar como 500 almas construdo, notar o entrelaa-mento de planos de longa durao com a montagem dos planos curtos, com um ritmo que resulta inteiramente da montagem no sentido vertoviano: a reconstruo potica do que a cmera viu atravs da justaposio e da presena da descontinuidade entre os cortes, o mencionado intervalo.

    O radicalmente diferenciado est, por outro lado, aferido no tratamento annimo dos personagens igualmente todos, os especialistas e os guats que so

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    vistos como parte do universo, encravados em um mundo sem hierarquias, o que os subtrai da valorao da razo instrumental, restaurando a noo da existncia que no mensurada pelo desempenho e pela eficincia. Assim, no so identificados na tela com cartelas ou nomes, como se faz na televiso e no cinema de no-fico tradicional. O nome deles aparece, indiretamente, na medida que alguma relao se trava na convivncia que mostrada. Portanto, a identificao no filme ser feita no processo de interao social registrado em plano mdio. A maneira oblqua, da cmera a 30 graus, de coloc-los em cena acentua a distncia respeitada que no recato, mas que se desenvolve sugestiva. Em geral, quando Pizzini registra as entrevistas no coloca os entrevistados de frente, o depoimento citado de Manoel de Barros aos 28, 45 quase uma exceo. Poucas vezes a cmera fica frontal aos seus objetos, quando o faz est parada e as pessoas se movimentam em sua direo, semelhana da cmera do primeiro cinema, ou ento, em movimento, os capta quando exercem alguma atividade.

    O filme usa uma cmera de observao, mas no necessariamente para nos fazer crer que colhe as cenas objetivamente. A alternncia entre planos longos e fechados permite a conscincia da presena do aparato cinematogrfico. Em alguns momentos, sentimos mais fortemente a relao com a cmera atravs do olhar do personagem, que olha para um lado e para outro, confirma seu depoimento ao entre-vistador e mostra o relato dentro do relato. Outras vezes, o foco pode se aproximar muito e recortar um detalhe: o olho, uma ruga, uma mo. Esta decupagem no retira a ateno do espectador para o que ouve, porque o que dito tambm no completo. A fragmentao e a descontinuidade, entretanto, ampliam os significados

    Na entrevista citada, Pizzini fala dos rigores estilsticos e da competncia esttica de seu diretor de fotografia, Mrio Carneiro, que se permite trabalhar uma luz estourada com fundo branco, tornando o verde menos montono e contnuo, estabelecendo as silhuetas das copas e as camadas das folhagens. As pinceladas do verde e o que procura nas palhas, nos gravetos, nos animais e nos objetos restauram a qualidade ttil da fotografia. Alm de bem desenvolvida a preocupao com a tex-tura, afirma ter se apropriado da sabedoria xamnica portanto, harmonizadora de diferentes mundos, mstica e comunicadora do fotgrafo Dib Lutfi.

    Na alternncia de planos-seqncia e cortes com a cmera fechada constri as grandes e as pequenas tragdias as das civilizaes e a do homem comum. O que visto no filme sobre o cotidiano desta gente ribeirinha: a construo da canoa, a fabricao da viola, o ritual da chicha, o tranado das palhas, e os (re)encontros entre os personagens, pode ser comparado s encenaes (mas nunca maneira de filmar), de Nanook of the North (1922). Proporciona a exposio de uma sabedoria ancestral, sublinhada com o movimento dos longos planos, o ritmo das canoas que se assemelha beleza do incio de Louisiana story (1948), outro filme de Robert Flaherty, ao adentrar a natureza, essa conformao de tero e de maternidade, acentuada pelo som muito

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    constante da gua. A banda sonora procura criar, por sua vez, uma analogia com o sistema tonal da lngua guat, que possui um certo parentesco com as faladas pelos bo-roros, kaikangs, karajs e xoklengs, lnguas do tronco macro-j, segundo os especialistas. Acumulando e superpondo diferentes nveis de sons, so usadas as gravaes com os informantes guats, material de pesquisa da lingista Adair Palcio, que se misturam aos rudos dos pssaros, dos ventos, das guas, das vozes dos entrevistados, do som da viola de coche e de uma cano indgena de ninar. A msica que Lvio Tratchemberg cria a partir desses elementos, somada harmonia barroca da msica de Hndel A sute aqutica aumenta a intensidade do envolvimento esttico.

    O filme materializa o que j escrevera Lvi-Strauss sobre outra lngua ind-gena: A fontica guaicuru proporciona ao ouvido uma sensao agradvel: a fala acelerada e as palavras compridas, todas de vogais claras, que alternam com as dentais e guturais, e a abundncia de fonemas molhados ou lquidos do a impresso de um riacho saltando sobre os seixos (2005[1955]: 161).

    No conjunto, a msica, a movimentao de cmera e maneira de exercer as entrevistas criam uma polifonia ao substituir a mera lgica de antecipaes e de solues hipotticas do filme de no-fico tradicional, motivando a colaborao do espectador e sua constante participao na produo de significados, ao mesmo tempo que o conserva fascinado.

    Outros artistas pensam que a arte aquilo que produz certos efeitos que so-mente eles so capazes de produzir. Efeitos emocionais e estticos: o cinema deslumbra seu espectador como nenhuma outra forma de arte. Efeitos sociais e ideolgicos: o cinema convence, informa (no sentido literal do termo: d forma) (Aumont, 2004: 13).

    Com esta citao, retomo outro significado da palavra informa, dito por Aumont literalmente como dar forma, que estabelece uma tenso com o sentido anterior de falar sobre, negado pelo poeta. Pizzini d forma e informa, negando-se a tratar o seu tema de maneira banal. Procura construir um relato atravs de vrias mediaes simblicas, e ainda que articule numerosas verses de fatos, no se reduz fatuidade emprica. Sem negar inteiramente a funo referencial da linguagem, a libertar da sua falsa identificao imediata com o mundo real, confirmando que uma mistificao idealista acreditar que a verdade possa ser capturada pela cmera ou que as condies de sua produo possam s por si mesmas refletir suas verdadeiras condies de produo (Claire Johnston, apud Minh-ha, 1991: 49). No intervalo, refora outro dito de Trinh T. Minh-ha, est a permanente fascinao ao que excede ou ao que escapa aos significados produzidos. E no filme, as associaes derivadas da justaposio dos cortes esto direcionadas, certamente, pela fora das maracas e do vapor do fumo, a reconquistar a atmosfera da poesia.

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    Ainda o intervalo e mais a assimetria

    Um cineasta somente merece esse nome quando sabe o que faz um aforis-mo do diretor francs Claude Chabrol, citado por Aumont (2004: 11) ao introduzir o seu livro sobre as teorias dos cineastas, logo depois de citar Oscar Wilde: Todo mundo pode escrever uma novela em trs tomos. suficiente possuir uma ignorncia total da vida e da literatura. A dificuldade com que se defronta o crtico a de manter um princpio qualquer. So dois pensamentos que favorecem a discusso sobre as melhores intenes, sobre a teorizao por parte dos cineastas, ou nenhuma conscincia ou conseqncia de outros na realizao de um filme.

    Pizzini sempre compartilhou com os crticos e espectadores, na imprensa e em festivais, a sua preocupao sinttica, de poder condensar uma experincia do mundo em filmes curtos, tomando como modelo o haikai. Advoga assim a criao de um texto conciso e equilibrado, cuja disposio dos elementos entre si corresponda verdade esttica buscada. Ao realizar o seu primeiro longa-metragem, 15 anos entre pesquisa, captao e realizao, parece ter evocado, necessariamente, o princpio de assimetria, observado por Lvi-Strauss como o fundamento da arte indgena desta regio do continente americano. A forma indireta e alusiva de reconstruo mti-ca, sustentada fundamentalmente na presena do olhar da cmera, no tratamento cuidadoso das imagens, na artificialidade ou manipulao da realidade, no uso dos sons ps-sincronizados e nos belssimos recursos das vozes acusmticas sugere e apia tal interpretao.

    Em Uma sociedade indgena e seu estilo, um captulo de Tristes trpicos (2005[1955]: 175), Lvi-Strauss descreve algumas combinaes de um repertrio que recolheu em suas viagens regio, 400 desenhos levantados em 1935. So pinturas corpo-rais que fotografou ou solicitou que lhe fossem copiadas em papel, desenhos das cermicas ou exemplos da arte rupestre que, nas suas consideraes, apresentam um tranado de arabescos assimtricos que se alternam com motivos geomtricos. Revelam uma composio equilibrada, mas quase sempre espelhada em torno de um eixo central oblquo, que se desenvolve com grandes variaes assimtricas, um estilo curvilneo e livre ou um outro angular e geomtrico. Segundo ele, so manifestaes puramente abstratas, extremamente ricas na expresso, a ponto de nunca ter encontrado duas figuras iguais entre as que recolheu.

    Chama, em seguida, a ateno para a forma bsica que, no limite, pode ser entendida como uma matriz geradora de atualizaes, e apresenta, ao mesmo tempo, um duplo princpio de simetria e assimetria. Na maneira como as figuras podem ser desdobradas em fragmentos e recortes a partir de um eixo central, direcionadas para fora, identifica um movimento centrfugo. Em relao pintura corporal dos cadiueus, a mais impactante dessas manifestaes, ressalta ainda outra duplicidade: de um lado, o atributo da permanncia observado na resistncia das figuras, na

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    habilidade da execuo e na preservao do costume, principalmente entre as mu-lheres, em meio desagregao do grupo; e, de outro, reala o carter efmero e a fragilidade do suporte, da tcnica usada e do minimalismo grfico. Todo o tratamento altamente estilizado das figuras tomado como referncia superao da condio de natureza para a de cultura, compreendida como intencional, constituindo-se na expresso da passagem do natural ao simblico. Salienta assim Lvi-Strauss a funo esttica, ressaltando mais de uma vez a gratuidade e o envolvimento emocional e afetivo daqueles que executam e dos que recebem no seu corpo a atualizao desta manifestao artstica. Descreve, alm de tudo, o forte envolvimento ertico que os desenhos sobre o corpo projetam no espectador e reconhece a funo sociolgica de marcar na sociedade altamente complexa os lugares sociais.

    Nada parece impedir, portanto, que olhemos essas lminas de Rorschach, altamente estilizadas, para projetar sobre elas as dvidas e os nossos desejos contem-porneos. No filme, a assimetria tambm fica sugerida na obliqidade de um eixo central que pode ser reconhecido facilmente na colocao da cmera, em relao s entrevistas, ou no seu posicionamento horizontal para reconstituir o movimento do rio. O contraste dos planos longos com os mais fechados, desdobrando-se em refinados arabescos dos recortes da cmera, confirma a forma captada no movimento. O potico permite a analogia, e seus arranjos e atualizaes no filme so muito sutis. Assemelham-se pintura corporal, cujos pequenos floreios ou figuras geomtricas pintadas com tinta de jenipapo sobre o corpo parecem perecveis, simples e mesmo despropositados para alguns estrangeiros. Porm, da mesma maneira que Essa arte pictural enxerta arte no corpo humano, como defendeu Lvi-Strauss (2005 [1955]: 177), e o faz com um fim em si mesmo, podendo ser indiferente superfcie na qual se desenvolve, o potico sobre o corpo do filme transforma o natural em simbli-co, retorna o histrico ao esttico e, em conseqncia, estabelece um conjunto de intervenes que estimula um maior nmero de significados. Ao apagar os limites da forma (fica claro a negao de qualquer clausura e o rompimento com a mon-tagem cronolgica ou mesmo argumentativa), obtm-se a impresso do ilimitado, perpetuando uma troca constante entre a apropriao subjetiva e a realidade objetiva, realizando uma resistncia contra os significados permanentes e fixos.

    No filme, ouve-se a voz de uma pessoa envelhecida, em francs, que pode ser atribuda a Lvi-Strauss. Entretanto, no consta dos crditos uma entrevista com o antroplogo, e ser mais uma referncia a Hercule Florence, participante da expedio de Langsdorff, o autor de registros sobre os guats, citado no filme. A voz, entretanto, fala de uma grande civilizao que infelizmente o Ocidente destruiu com extrema brutalidade, ao mesmo tempo em que mostra uma imagem de reen-trncia do rio sobre a mata, evocando o mistrio guardado. Em diversos momentos aparecem imagens de figuras rupestres que apresentam esta assimetria, desenhos geomtricos, espirais que se alternam entre o cncavo e o convexo (em baixo e alto

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    relevo) em torno de um eixo. E so mostrados, em ligeiros cortes, grades e trabalhos em ferro europeus que, inicialmente, causam um estranhamento, por remeterem arquitetura senhoril, o que parece sem muito propsito no texto do filme, j que se atenta realidade ribeirinha.

    Lvi-Strauss, quando especula sobre a originalidade da arte indgena e sua possvel impureza, em 1935, j havia registrado a pouca diferena sentida entre algumas povoaes indgenas e as de lavradores mais prximos, por causa do forte trao de mestiagem que ocorria entre os ltimos. Ele j observava a decadncia desta civilizao, ainda que ressaltasse ser este um olhar desatento, reconhecendo o conjunto de costumes de um povo como sistemas que podem ser acionados por motivos que lhe so prprios.

    O cruzamento de culturas e a mestiagem ficam muito mais ntidos, hoje, nas formas de viver e na aparncia fsica dos guats, no duplo aspecto de includos e excludos da sociedade nacional. No filme, aparecem declarando sua ambigidade de cruzados, sendo eles os pontos de interseco entre culturas e portadores da conscincia implcita de fronteira entre o territrio nacional e a Bolvia. Reconhecem a impureza de linhagem usando as expresses sou cruzado, minha me era ndia pura, meu pai era de outro grupo, tinha outra lngua.

    Eles tiveram sempre uma convivncia com os negros, desde o ciclo de ouro de Cuiab, e como quaisquer outros indivduos, so elementos-sntese de muitas culturas, guardam traos prprios e outros adquiridos. Duas palavras no filme, cruzado e obturar, vo organizar uma compreenso da cultura, vista como um sistema em permanente atualizao, que est sempre em mudana. Cruzado um predicado do sujeito e obturar marca um tipo de ao, no sentido de recuperao e de sutura. Observo, igualmente, que alm de dar conta das vrias presenas na regio e dos diferentes momentos histricos, os dois termos deslocam a questo da pureza e apontam para a resistncia das formas de vida ancestrais.

    O sentido de obturar, de benzer a nossa felicidade aparece na recitao de um rezador, que visualizado com aparncia mais negra do que indgena, e que na sua reza apresenta resduos de contedo cristo. Ser ndio , portanto, apresentado como uma condio e no somente uma questo tnica, e procede de uma escolha voluntria, do mesmo modo que abre para o sentido de uma identidade em proces-so de construo. Um personagem pode assim dizer: Nasci e me criei aliado dos guats, tambm deverei ser considerado guat. O movimento de recuperao de uma cultura pode ser apreciado como uma nova forma de se falar do passado, do paraso perdido, ou como parece mais dinmico e conduzido pela forma flmica, um lugar para compreender o homem comum e suas mil maneiras de experienciar a submisso e o desejo de liberdade.

    Naturalmente, a figura de um cheio e de um vazio ocorre como analogia da presena e da ausncia da cultura ocidental e das tradies indgenas entre os gua-

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    ts, permanente encontro de traos das muitas misturas. Antes foram chamados de ndios canoeiros nos relatos dos exploradores e viajantes, dependentes da canoa, porque habitaram sempre as plancies alagadas do Pantanal. E se fizeram grandes e hbeis construtores de aterros e barragens para se protegerem das cheias do rio. So ainda recordados como andarilhos, como uma populao nmade, geralmente organizada em ncleos familiares.

    Para relatar a ocupao invasiva e a convivncia desse grupo com os movi-mentos da histria e com a cultura nacional, o filme usa o expediente de narradores auxiliares, que so os narradores no acusmticos. Ficcionaliza as vozes dos prota-gonistas da histria, que so principalmente lugares sociais. Atravs de personagens: todos vividos pelo ator Paulo Jos e alguns trechos da pea de Jean-Claude Carrire A controvrsia, sobre a Conferncia de Valladolid, realizada em 1550, articula a com-plexa relao de tempo e de espao resultante de sucessivos processos de colonizao externos e internos. Encena o jri do brbaro assassinato de Celso que liderou a ao poltica jri que de fato nunca existiu, pois o crime de 1982 continua impune.

    Esse dispositivo de interferncia da fico traz para o filme a dimenso poltica e foge, ao mesmo tempo da linearidade e do clich segundo palavras de Pizzini. Desorganiza muito bem a seqncia dos acontecimentos e explora as contradies. Mantida a coerncia da fragmentao dos relatos e do posicionamento da cmera enviesada, o filme constri uma transversalidade visual, revelando os conflitos de interesse e comprimindo a histria. E se esse desdobramento dos personagens do drama da histria pode parecer um pouco menos sutil do que os outros elementos do filme, entretanto, quero entend-lo como um elemento constitutivo da sua forma e a possibilidade de chamar para o filme a ambigidade da discusso do contemporneo poltico.

    Recusando conscientemente uma aproximao naturalista, o cineasta d visibilidade, no sentido de Chion, ao poeta e no ao antroplogo. Ainda que o l-timo tenha a face no revelada e sua voz se propague atrs de nvoas e mediaes, desempenha, enfatizo, o papel de um ser acusmtico, enquanto tambm poeta, e no como especialista. Pois a voz, ressoando na paisagem e preservada na sua invi-sibilidade, foge de uma interpretao objetiva, guarda para sempre a inquietao e as dvidas do conhecimento do chamado civilizado em relao a uma cultura em desaparecimento, ou sob outro ponto de vista, da cultura que vive um processo de reconstituio por meio da recuperao da lngua. H, por outro lado, a inteno em relacionar as duas lnguas em vias de extino; a dos guats, que falada por 30 indivduos, e a do cinema, apesar de nova, que est sendo desfigurada por um padro hegemnico, uma nica forma de narrar (Rivelos e Souza, 2005). Entre essas duas lnguas e entre as vrias culturas, observam-se as transformaes e os abalos nas identidades pessoais. Organizam-se nos entrelaamentos as camadas de elementos prprios e dos elementos adquiridos. Algo suposto como fixo e excludente, como ser

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    ndio ou ser brasileiro, visto como um processo, que tem um eixo histrico e tem uma interpretao simblica, mas captada em uma dinmica de transformao.

    A beleza do entrelaamento dos temas e dos elementos formais do filme lem-bra ainda uma outra imagem de Lvi-Strauss (2005[1955]: 277), no final do relato sobre os nhambiquaras, o grupo que encontrou em condies, em suas palavras, mais miserveis. Os casais de ndios deitados no descampado sob o cu da noite, entrelaados, impotentes em sua pequenez frente ao universo, e acrescento, frente s intervenes da histria, mas murmurando carcias e risos. No filme, a presena de uma palavra guat que corresponde a cor do cu, repetidamente marcada, diz que a cor do cu negra como uma galinha escura. Assim, acredito entender: o cu tem a cor do mistrio da noite que nos cobre a todos.

    Angeluccia Bernardes HabertProfessora da PUC-Rio

    Nota1. Este trabalho foi apresentado ao Grupo de Trabalho Fotografia, Cinema e Vdeo, do XVI Encontro da Comps, na UTP, em Curitiba, PR, em junho de 2007.

    Referncias bibliogrficasAUMONT, Jacques. Las teorias de los cineastas. Buenos Aires: Paids, 2004.BARROS, Manoel de. Memrias inventadas A infncia. So Paulo: Planeta, 2003.CHION, Michel. The voice in Cinema. New York: Columbia University Press, 1999.GUERRA, Ruy; BRESSANE, Jlio e PIZZINI, Joel. O eu da arte fora de si. In: CINE-MAIS, n. 33, jan-mar. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2003LVI-STRAUSS, Claude. Tristes trpicos. So Paulo: Cia. das Letras, 2005.MINH-ha, Trinh T. When the moon washes red: representation, gender and cultural politics. NewYork/London: Routledge, 1991.RIVELOS, lvaro e SOUZA, Marcos de. Entrevista com Joel Pizzini, realizada em 22 de de-zembro de 2005, www.almanaquevirtual.com.br, site consultado em outubro de 2006.

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    ResumoEste artigo discute a interseco entre forma e informao em 500 almas (2004), de Joel Pizzini, um relato etnopotico da resistncia e da reconstruo de identidade dos guats um grupo indgena do Pantanal atravs de camadas de temporalidades, fazendo uso de muitas vozes, do tratamento artificial da realidade, da ficcionalizao e de entrevistas. Particularmente, observa a presena da voz acusmtica, do intervalo e da textura da montagem de planos assimtricos e fragmentados para dar conta de um contedo poltico.

    Palavras-chaveFilme etnogrfico; Forma assimtrica; Intervalo; Voz acusmtica.

    AbstractThis paper elaborates on the relationship between form and information in the film 500 almas, produced in 2004 and directed by Joel Pizzini. It is an ethno-poetic account of the resistance and the reconstruction of identity of the guats, an Indian group living in the Brazilian Pantanal region. The director dwells with layers of temporality making use of several voices, an artificial treatment of reality, fictionalization and interviews. He observes the presence of the acousmatic voice, of intervals and special textures in the editing of the scenes, with the intention to achieve a political meaning.

    Key-wordsEthnographic film; Assymetric form; Interval; Acousmatic voice.

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