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HABITARE Programa de Tecnologia de Habitação Grupo Coordenador Flavio Farah HABITAÇÃO E ENCOSTAS COLEÇÃO HABITARE

Habitação em Encostas

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COLEO HABITAREHABITAO E ENCOSTASFlavio Farah

Grupo Coordenador

Programa de Tecnologia de Habitao HABITARE

esde 1994, com financiamento e coordenao da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP/MCT), o Programa de Tecnologia da Habitao (Habitare) vem alavancando projetos de pesquisa em busca de solues para um dos principais problemas brasileiros. E sabemos que, to importante quanto financiar esses projetos, difundir seus resultados. Por isso, perseguindo o objetivo de fazer com que o Programa Habitare seja o promotor de um desenvolvimento cientfico e tecnolgico que contribua com a reduo do dficit habitacional brasileiro, o Grupo Coordenador do Programa lana a Srie Coleo HABITARE. A srie surge logo aps o lanamento do Portal Habitare (http://habitare.infohab.org.br/). Enquanto o portal vem permitindo a transformao dos principais resultados das pesquisas em reportagens, a Srie Coleo HABITARE vai permitir a publicao de obras com autoria das prprias equipes de pesquisa. Assim, acreditamos estar abrindo um novo canal para difuso dos resultados gerados em mais de 40 projetos, desenvolvidos em reas como Disseminao e Avaliao do Conhecimento Disponvel, Construo e Meio Ambiente, Utilizao de Resduos na Construo, Proposio de Critrios de Urbanizao, Normalizao e Certificao, Inovao Tecnolgica, Avaliao de Polticas Pblicas, Avaliao Ps-Ocupao e Gesto da Qualidade e Produtividade. Trata-se de mais uma estratgia que leva em conta a importncia de que os projetos contemplados tenham desdobramentos, pois o Habitare s o pontap inicial de iniciativas que devem chegar sociedade.Grupo Coordenador

D

Coleo HABITARE/FINEP

HABITAO E ENCOSTASFlavio Farah

So Paulo 2003

2003, Instituto de Pesquisas Tecnolgicas do Estado de So Paulo S.A. - IPT Av. Prof. Almeida Prado, 532 - Cidade Universitria "Armando de Salles Oliveira" - 05508-901 - So Paulo-SP ou Caixa Postal 0141 - CEP 01064-970 - So Paulo-SP Tel: (11)3767-4000 - fax (11)3767-4099 www.ipt.br - e-mail: [email protected] Governo do Estado de So Paulo Governador: Geraldo Alckmin Secretaria da Cincia, Tecnologia, Desenvolvimento Econmico e Turismo Secretrio: Joo Carlos de Souza Meirelles Instituto de Pesquisas Tecnolgicas do Estado de So Paulo - IPT Presidente: Alberto Pereira de Castro Vice-Presidente: Francisco Romeu Landi Diretor-Superintendente: Guilherme Ary Plonski Diretor de Planejamento e Gesto: Marcos Alberto C. Bruno Diretor Tcnico: Francisco Emlio Baccaro Nigro Diretor Administrativo-Financeiro: Milton de Abreu Campanario Diviso de Engenharia Civil Diretor: Eduardo Figueiredo Horta Diviso de Geologia Diretor: Omar Yazbek Bitar Conselho Editorial Presidente: Maria Luiza Otero D'Almeida Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Diretor: Fernando de Nielander Ribeiro rea de Instituies de Pesquisa/AIPE Superintendente: Maria Lcia Horta de Almeida Grupo Coordenador do Programa HABITARE Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Caixa Econmica Federal - CEF Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq Ministrio de Cincia e Tecnologia - MCT Associao Nacional de Tecnologia do Ambiente Construdo ANTAC Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidncia da Repblica - SEDU Servio Brasileiro de Apoio Pequena Empresa - SEBRAE Comit Brasileiro da Construo Civil/Associao Brasileira de Normas Tcnicas - COBRACON/ABNT Cmara Brasileira da Indstria da Construo - CBIC

Editores da Coletnea HABITARE Roberto Lamberts UFSC Maria Lcia Horta de Almeida - FINEP Equipe Programa HABITARE Ana Maria de Souza Cristiane M. M. Lopes Apoio Financeiro Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP Caixa Econmica Federal - CEF Projeto Grfico Regina lvares Textos de apresentao da capa Arley Reis Reviso gramatical e bibliografia Marina Speranza Roseli Alves Madeira Westphal (INFOHAB) Editorao Eletrnica Amanda Vivan Fotolitos e Impresso Coan Capa: Morro do Britador em Campos do Jordo/SP, no ano 2000. Foto de Agostinho Tadashi Ogura - arquivo IPT.

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Farah, Flavio Habitao e encostas / Flavio Farah. So Paulo : Instituto de Pesquisas Tecnolgicas, 2003. (Publicao IPT ; 2795) 312p. Bibliografia. ISBN 85-09-00120-0 1.Encostas (Geografia fsica) 2. Habitaes habitacional I. Ttulo II. Srie. 02-3435 ndice para catlogo sistemtico : 1. Habitaes em encostas : Tecnologia 690.8 3. Poltica

CDD-690.8

SumrioAgradecimentos Apresentao Introduo 1. Encostas, cidades e sociedades 1.1 O admirvel mundo plano 1.2 O Brasil e sua capital ingressam no mundo moderno 1.3 A segregao da pobreza 1.4 Os desastres 1.5 Desastres naturais e encostas: o quadro internacional 1.6 Aproximao a um quadro nacional 1.6.1 Mortes 1.6.2 Prejuzos materiais e transtornos sociais 1.6.3 Tendncias de agravamento da situao 1.7 Efeitos indiretos da ocupao inadequada de encostas no Brasil 1.8 Instabilizaes em encostas: desastres naturais? 2. Ocupao urbana e estabilidade de encostas 2.1 Consideraes Preliminares 2.2 Formao, caractersticas, insero e estabilidade das encostas 2.2.1 Caractersticas Geomtricas 2.2.2 Caractersticas Geolgicas 2.2.2.1 Encostas em solos residuais 2.2.2.2 Encostas em bacias sedimentares 2.2.3 Ambiente fisiogrfico 2.2.4 Processos naturais de instabilizao de encostas 2.2.4.1 Eroses 2.2.4.2 Rastejos 2.2.4.3 Escorregamentos 2.2.4.4 Quedas e tombamentos 2.2.4.5 Rolamentos de mataces 2.2.4.6 Corridas de massa 2.2.5 Ocupao urbana e instabilizaes em encostas 14 19 24 28 31 33 37 38 38 40 42 43 46 47 48 48 49 50 51 52 52 53 53 54 54 55 55 55

2.2.5.1 Ocupao urbana e eroso 2.2.5.2 Ocupao urbana e rastejos 2.2.5.3 Ocupao urbana e escorregamentos 2.2.5.4 Ocupao urbana, quedas de blocos e tombamentos 2.2.5.5 Ocupao urbana e rolamentos de mataces 2.2.5.6 Ocupao urbana e corridas de massa 2.2.6 Ocupao urbana e instabilizaes em encostas em solos transportados e residuais: a Regio Metropolitana de So Paulo 2.3 Instrumentos de orientao ocupao 2.3.1 Cartas Geotcnicas 2.3.2 Levantamentos locais 3. Legislao e ocupao de encostas 3.1 Legislao de natureza ambiental 3.1.1 Leis ambientais e encostas 3.1.2 Legislao ambiental e realidade 3.2 Leis relacionadas ao uso do solo urbano 3.2.1 Legislao, sistema virio e encostas 3.2.1.1 Leitos carroveis 3.2.1.2 Passeios 3.2.1.3 Declividades de vias 3.2.1.4 Traado virio 3.2.1.5 Uso de unidades habitacionais com acesso exclusivo por vias para pedestres 3.2.1.6 Percurso horizontal mximo, em vias para pedestres 3.3 Legislao, insolao e encostas 3.4 Aproximao a uma legislao especfica para assentamentos habitacionais de interesse social em encostas 3.4.1 Uso intensivo de unidades atendidas exclusivamente por vias para pedestres 3.4.2 Larguras de vias para pedestres 3.4.3 Nmero de vagas de estacionamento frente ao nmero de unidades habitacionais 3.4.4 Desnvel mximo a tolerar entre a soleira de uma unidade habitacional atendida exclusivamente por via para pedestre e o ltimo ponto atendido por acesso a veculo 3.4.5 Percurso horizontal mximo, em vias para pedestres 3.4.6 Declividades e larguras de vias para veculos 3.4.7 Dimensionamento de dispositivos de manobra para veculos

56 58 58 59 59 61 62 64 64 69 72 75 75 79 82 84 87 88 90 93 94 95 96 97 99 100 100 101 101 102 102

3.5 Diretrizes para tcnicas para legislao especfica para empreendimentos habitacionais de pequeno porte em encostas 3.5.1 Criao de legislao especfica para empreendimentos habitacionais de interesse social em encostas 3.5.2 Estabelecimento de mecanismos que assegurem a pronta atuao do Poder Pblico Municipal sobre assentamentos precrios emergentes em encostas 3.5.3 Estabelecimento de procedimentos e critrios para a elaborao de projetos 3.5.3.1 Requisitos quanto elaborao de diretrizes geotcnicas detalhadas para o balizamento ao projeto 3.5.3.2 Fixao de critrios urbansticos e edilcios especficos 3.5.4 Estabelecimento de mecanismos para o monitoramento permanente das ocupaes condominiais em encostas 4. Os resultados desastrosos da ocupao de encostas no brasil e seu enfrentamento 4.1 Os espaos habitacionais produzidos e seus resultados 4.1.1 Conjuntos habitacionais e encostas 4.1.1.1 A rgida padronizao de edifcios 4.1.1.2 Os virios dos conjuntos: superdimensionamento e baixa utilizao efetiva 4.1.1.3 Conjuntos habitacionais, encostas e meio ambiente 4.1.2 Loteamentos, auto-construo e encostas 4.1.3 Favelas e encostas 4.2 O enfrentamento tcnico dos problemas instaurados 5. Mtodo para o projeto habitacional em encostas 5.1 Caracterizao geral de mtodo para projetos habitacionais de pequeno porte em encostas 5.2 Mtodo para levantamentos expeditos de condicionantes do meio fsico 5.3 Mtodo para anlise de condicionantes do meio fsico e gerao de recomendaes para o projeto 5.4 Mtodo para a elaborao do projeto propriamente dito 5.4.1 A interdisciplinaridade como mtodo 5.4.2 A concepo de unidades habitacionais 5.4.3 A concepo da implantao (projeto urbanstico) 5.5 Projetos para encostas e insolao 6. Alternativas de projeto para a ocupao de encostas: Proposies estrangeiras e nacionais 6.1 Proposies de profissionais de projeto estrangeiros 6.1.1 Projetos de cunho urbanstico 110 112 113 115 115 124 126 128 132 135 142 145 147 157 161 161 163 170 173 178 181 181 105 107 104 105 103 103

6.1.2 Projetos de cunho localizado 6.2 Proposies de profissionais de projeto brasileiros 6.3 Diversificao de tipologias habitacionais e a administrao paulistana 1989/1992 6.4 Consideraes sobre os projetos estudados 7. Tipologias de habitaes para encostas desenvolvidas pelo IPT 7.1 Tipologias associadas Carta Geotcnica dos Morros de Santos e So Vicente 7.2 Sistema construtivo em madeira de reflorestamento: ocupao de encostas em Campos do Jordo - SP 7.3 Tipologias associadas Carta Geotcnica de Petrpolis 7.4 Tipologia desenvolvida para ocupao do Morro do Ilhu (Santos SP) 7.5 Tipologias desenvolvidas para pequenos terrenos fictcios 7.5.1 Projeto 1 Sistema de casas escalonadas e sobrepostas 7.5.2 Projeto 2 Sistema de casas geminadas sobrepostas 7.5.3 Projeto 3 Prdios de implantao flexvel 7.6 Tipologias desenvolvidas para reas situadas em Jacare - SP 7.6.1 Tipologia para o Jardim Colinas 7.6.2 Tipologia para o Parque Imperial 7.6.3 Tipologia para o Jardim Maria Amlia I 7.6.4 Tipologia para o Jardim Maria Amlia II 7.7 Anexo de desenhos Concluses Bibliografia Siglas

192 198 206 209 212 214 218 222 230 232 233 234 235 236 238 239 241 243 245 294 302 310

Agradecimentos

R

egistram-se aqui sinceros agradecimentos a todos que, direta ou indiretamente, contriburam para a concretizao desta publicao.

Agradece-se, em especial, FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), que, atravs do

FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) no Habitare (Programa de Tecnologia de Habitao), conjuntamente com a CEF (Caixa Econmica Federal), permitiu o desenvolvimento de pesquisa que alimenta, em parte, a presente publicao. Agradece-se tambm, em especial, ao Prof. Dr. Sylvio de Barros Sawaya, orientador do autor em seu doutoramento. A Tese de Doutoramento por ele orientada Habitao e encostas - alimenta boa parte desta publicao. Agradece-se a todos os colegas e ex-colegas do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnolgicas) que participaram, ao longo de dcadas, de diversas experincias com ocupaes em encostas, permitindo acumular o conhecimento que, em parte, compe o presente trabalho. Em especial, agradece-se ao Gelogo Fernando Luiz Prandini (in memorian), aos Gelogos Mrcio Angelieri Cunha, Valdir Akihiko Nakazawa, Oswaldo Iujiro Ywasa, Leandro Eugnio da Silva Cerri, Antonio Manoel dos Santos Oliveira, Omar Yazbek Bitar, Carlos Geraldo Luz de Freitas, Agostinho Tadashi Ogura, Oswaldo Augusto Filho e Eduardo Soares de Macedo. Agradece-se tambm aos Engenheiros Claudio Michael Wolle, Geraldo Figueiredo de Carvalho Gama Jr., Luiz Claudio Rosa da Silva, Pedro Alexandre Sawaya de Carvalho e Ricardo de Sousa Moretti. Agradece-se Prefeitura Municipal de Jacare, que forneceu apoio para a seleo de reas em encostas para projetos de tipologias no municpio (e nos levantamentos que se fizeram necessrios). Em especial, agradece-se Engenheira Ana Thereza Prazeres de Lemos, arquiteta Rosa Kasue Saito Sasaki, e a Senio Pedro Lapinha (da Fundao Pr-Lar).

Apresentao

E

sta publicao resulta da fuso de dois trabalhos, a saber: - a Tese de Doutoramento do autor, denominada Habitao e encostas, concluda em fevereiro de 1998, no mbito do curso de ps-graduao Estruturas Ambientais Urbanas, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo; e - a pesquisa Desenvolvimento de tipologias para habitaes de interesse social em encostas, sistematizao de procedimentos para sua concepo e subsdio reviso de critrios urbansticos aplicveis, concluda em fevereiro de 2002. Tal pesquisa foi desenvolvida no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnolgicas do Estado de So Paulo), com recursos da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos, atravs do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico), do programa HABITARE, e da CEF (Caixa Econmica Federal). No conjunto, o trabalho apresentado nesta publicao trata da questo da ocupao de encostas no Brasil, em abordagens que abrangem desde aspectos histricos, sociais, legais, polticos e econmicos aos aspectos essencialmente tcnicos ligados ao assunto. Na pesquisa realizada com o apoio da FINEP e da CEF, anteriormente mencionada, possibilitouse, principalmente, sistematizar e consolidar metodologias de abordagem para o projeto habitacional em encostas, que vm se delineando, no IPT, pelo menos a partir da dcada de 1970, e que no haviam sido ainda apresentadas, de forma organizada, de maneira a atingir de maneira ampla o pblico envolvido na questo, em particular arquitetos, engenheiros e gelogos, conduzindo a uma desejvel ao integrada destes profissionais na concepo de novos assentamentos habitacionais em morros. Para a consolidao da metodologia, a pesquisa desenvolvida utilizou, como expediente, a produo de tipologias habitacionais para reas reais em encostas, situadas no municpio de Jacare (SP). Em tais reas foram aplicados e aperfeioados mtodos de levantamentos, processando-se, em seguida, as informaes obtidas e gerando-se diretrizes para o projeto. Seguiram-se ento fases de produo e aperfeioamento dos projetos, sempre atravs de discusses interdisciplinares, aperfeioando-se tambm os prprios mtodos de trabalho. Possibilitou-se ainda, com base nos projetos desenvolvidos e em seu cotejamento com a legislao paulistana concernente ao assunto, assim como a adotada em Jacare, delinear os quesitos desejveis para a reviso ou elaborao de diretrizes para leis especficas para a concepo de assentamentos habitacionais destinados a encostas.

Introduo

E

ste livro trata da ocupao de encostas com uso habitacional de interesse social. Sua motivao bsica decorreu da experincia de uma instituio - o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnolgicas do Estado de So Paulo) que, amide, em algumas geraes de tcnicos e pesquisadores, auxiliando o Poder Pblico, prestou assistncia recuperao de inmeros assentamentos habitacionais sinistrados por instabilizaes em encostas. O contato diuturno da Instituio com este tipo de desastre levou, alm da triste e bvia constatao de que as encostas afetadas poderiam ter sido ocupadas de forma mais adequada, busca do desenvolvimento de instrumentais que permitissem melhores critrios na ocupao. Assim, ainda na dcada de 1970, o IPT disponibilizava, pela primeira vez no Brasil, uma carta geotcnica para reas urbanas, elaborada para os morros de Santos e So Vicente. Capaz de encaminhar ocupaes mais seguras para a ocupao de alguns dos morros da Baixada Santista, a Carta foi, porm, esquecida por longo perodo, sendo seu uso parcialmente ativado, somente quando da elaborao do Plano Diretor de Santos, em meados da dcada de 1980. Sintoma claro do descompasso entre os benefcios da produo tcnica e sua efetiva absoro pela coletividade, este fato, isoladamente, ilustra apenas a ponta do iceberg que constitui o pouco caso com que tratamos o desenvolvimento de nossas cidades e, em particular, a ocupao de encostas. No que diz respeito aos setores habitacionais destinados s camadas de populao de baixo poder aquisitivo, as cidades brasileiras, em geral, refletem muito mais a improvisao e o laissezfaire que, propriamente, o avano do conhecimento e da tecnologia aplicvel orientao do desenvolvimento urbano. Acumulamos, com o descaso com o crescimento desordenado de nossas cidades, prejuzos para vrias geraes, que se evidenciam tanto atravs de episdios de desastres (como inundaes, escorregamentos em encostas etc.), como na gerao de paisagens urbanas cada vez mais comprometidas e deterioradas, onde a improvisao, aqui no seu pior sentido, impera. No caso de encostas, o laissez-faire cobra preos elevados. No afeta somente o pobre indivduo que, durante uma noite chuvosa, sente um baque surdo, seguido dos rudos da destruio e, antes mesmo que compreenda o que est acontecendo, tem sobre si algumas toneladas de escombros e

de terra. Este indivduo, mesmo que por sorte escape com vida, perde o eventual patrimnio que conseguiu acumular. Tais desastres afetam tambm, pesadamente, os cofres pblicos. Desde a dramtica tentativa de resgate de eventuais sobreviventes soterrados, at os investimentos, (em geral elevados,) na posterior recuperao e estabilizao do terreno e na eventual introduo de melhorias urbanas no setor habitacional atingido, compromete-se muito tempo e dinheiro, e com resultados quase sempre longe dos ideais. Ao mesmo tempo, aos desastres nas encostas, assim como simples presena de solos expostos eroso nos morros, justape-se o assoreamento dos fundos de vales e vrzeas, criandose condies mais favorveis ocorrncia de inundaes nas baixadas. No Brasil, a ocupao de morros com habitaes, seja atravs de processos formais, seja atravs de processos com diversos graus de informalidade, tem-se dado, principalmente, em padres que variam entre o inadequado e o perigoso. Isto tende, no meio tcnico e acadmico, a propiciar reflexes sobre diversos dos aspectos envolvidos. Vivemos num pas cujo processo de ocupao incluiu o nascimento de inmeras cidades em regies com importante presena de morros. Na formao das cidades brasileiras verifica-se ainda uma perversidade na distribuio social dos terrenos. Em regies com morros, os eventuais trechos planos dos stios originais so logo engolfados pela indstria imobiliria. Tendem a restar, para os mais pobres, justamente os terrenos mais problemticos, a incluindo os situados em encostas. O prprio Estado, em seus empreendimentos habitacionais de interesse social, mormente a partir da dcada de 1980, passa a ocupar terrenos mais acidentados, experimentando tambm srios reveses ou originando prejuzos ambientais relevantes, como no exemplo clssico do Conjunto de Santa Etelvina, construdo, pela COHAB-SP (Companhia Metropolitana de Habitao de So Paulo) na zona leste de So Paulo. Em funo de projeto tpico para terreno plano e que, at hoje, utilizado largamente em qualquer tipo de terreno, a implantao do conjunto de Santa Etelvina envolveu uma movimentao de terra equivalente quarta parte da necessria para a construo da hidreltrica de Itaipu. O conjunto acabou sofrendo intensos processos erosivos, redundando na perda de inmeras unidades habitacionais e em danos ambientais impressionantes. Busca-se inferir, no breve panorama at aqui apresentado que, no Brasil, em formaes urbanas situadas em regies com morros, h uma pronunciada tendncia de se encontrar nas encostas justamente a populao de menor poder aquisitivo. Cabem os piores terrenos aos que tm menos recursos financeiros e tcnicos para a construo de moradias, sejam elas simples

barracos em reas invadidas, sejam casas humildes, produzidas atravs da autoconstruo, nos chamados loteamentos populares, seja at mesmo, como foi dito, em casas construdas em programas habitacionais do Estado. Se a situao poderia, pelo menos num plano terico, ser revertida por diretrizes gerais de planejamento urbano que, por exemplo, reservassem as reas planas para setores habitacionais destinados populao de baixa renda, nossa realidade acaba refutando tal possibilidade. Os interesses imobilirios e a tendncia de valorizao, com rpido esgotamento dos bons terrenos tendem a reservar a distante periferia ou o refugo da terra urbana para a pobreza. Assim segue, de forma praticamente inexorvel, a tendncia de que encostas, no Brasil, sejam progressivamente ocupadas por setores habitacionais de baixa renda, formais ou informais. Tendo este quadro por pano de fundo, desenvolveu-se o trabalho adiante apresentado. Permanece, porm, a triste conscincia de que, ao mesmo tempo em que se procede uma abordagem tcnica da questo, nossas reflexes esto sendo atropeladas por uma vigorosa realidade, onde milhares de habitaes penduradas em morros esto surgindo, na maior parte das vezes revelia de qualquer critrio tcnico, acumulando reas de risco e permitindo a anteviso de um quadro cada vez mais preocupante para o futuro. Resta apenas torcer para que as contribuies deste trabalho e de tantos outros similares venham a se incorporar em algum plano poltico, com maior desejo de ver efetivamente resgatada, pelo menos, esta parte da imensa dvida social que se acumula em nosso pas.

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1.Coleo Habitare - Habitao e Encostas

1.Encostas, cidades e sociedades

A

inadequao da ocupao urbana, no Brasil, com certeza extrapola as encostas. Se fossemos, porm, enquadrar o presente trabalho num espectro to amplo, poderamos iniciar dizendo que a inadequao de nossos preceitos urbansticos e tambm de nossa sensibilidade social ficam

mais claramente desmascarados nas encostas. luz de condicionantes scio-espaciais e de aspectos da formao da cultura tcnica que pautam o desenvolvimento da cidade formal brasileira, tratados de forma intercalada, busca-se fornecer, neste captulo, elementos para a compreenso das determinantes da forma da ocupao de encostas no Brasil, apontandose que, nas origens sociais e tcnicas da questo, h fatores que tendem a encaminhar fatalmente a inadequaes. Isto feito atravs da observao de alguns dos aspectos da evoluo de algumas das cidades brasileiras, com algum privilgio ao Rio de Janeiro, como se ver mais adiante. Atribua-se, porm, um carter generalizante s particularidades. Pretende-se falar, atravs de exemplos significativos, de como se desenvolvem nossas principais cidades com encostas e, em seguida, mostrar que efeitos as ocupaes inadequadas tm gerado. Do ponto de vista scio-espacial, a maioria das grandes cidades brasileiras experimentou, em algumEncostas, cidades e sociedades

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momento, uma ciso, dando origem a duas cidades: uma formal, teoricamente pautada por preceitos urbansticos e legais, e outra destinada s classes mais pobres, compreendendo desde ocupaes com diversos nveis de formalidade (estas, no geral, segregadas atravs da distncia), at a mais precria das ocupaes informais - a favela. Favelas ocupam vazios urbanos, muitas vezes constitudos por morros ou reas inundveis sem interesse para a especulao imobiliria, at mesmo em regies mais centrais das cidades. Em muitos casos vo galgando os morros, em impressionantes desafios ao perigo, que nem sempre so recusados, como ser visto ao final deste captulo. E j se ocupou bem encostas, em outros perodos histricos, tanto no Brasil quanto na Europa, bero de muitos dos conceitos urbansticos que herdamos. Ocupaes urbanas em encostas foram bastante comuns, por exemplo, na Europa da Idade Mdia. Neste perodo, a busca de stios de implantao que propiciassem segurana do ponto de vista militar valorizava, entre outros stios estratgicos, os topos de colinas ou de montanhas, de onde a defesa era facilitada: a viso de eventuais movimentos inimigos era completa e o acesso ficava dificultado aos incursores. Nos cumes implantavam-se castelos, mosteiros ou bispados, com guarnies militares e, ao redor de muitos destes, protegidas por muralhas, brotaram cidades constitudas por aqueles que buscavam, sombra dos poderosos, a defesa contra invasores, acabando, no raro, ocupando at mesmo trechos ngremes das vertentes. No interior das muralhas, as cidades se desenvolviam e, se crescessem em demasia, nova muralha,

concntrica com a primeira, podia ser construda. Neste mesmo perodo, em cidades mercantis litorneas, s vezes implantadas em estreitas plancies logo confinadas por montanhas, as encostas tendiam igualmente a sediar a ocupao urbana. Muitas so as cidades medievais remanescentes em encostas - por toda a Europa, Oriente Mdio e Norte da frica - que se encontram at hoje seguras, pelo menos do ponto de vista da estabilidade geotcnica. Desde o perodo colonial o Brasil tambm j apresenta tambm inmeras ocupaes urbanas em encostas. Herana da no distante Idade Mdia, a tradio de escolha de stios elevados, por requisitos militares de defesa, desembarcou com os portugueses. Neste sentido, MARX (1980)1 , p.20, assinala: Se os portos bons atraam os portugueses, eram atraentes tambm para os seus rivais. Por isso, alm do remanso importava igualmente a defesa. Os costumes da metrpole assentados na Idade Mdia se transpunham para c. Assim, a concepo mais imediata da proteo de uma praa forte foi dificultar o assdio do inimigo atravs das escarpas e dos canais. A construo de cidades em acrpole se imps. Caracterizada por um profundo apego costa, manifestando um vnculo duvidoso s novas terras e a busca da maior proximidade possvel em relao Metrpole, a colonizao teve inicialmente pequena intensidade no interior. Porm, muitas das nossas primeiras vilas e cidades interiorizadas, indispensveis para o apoio explorao do territrio, tambm brotaram em stios acidentados. o

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MARX, M. (1980). Cidade Brasileira.

Coleo Habitare - Habitao e Encostas

caso de So Paulo, que teve sua origem (atravs da Vila de Piratininga) num relevo montanhoso, e das cidades mineiras do ciclo da minerao. Algumas das cidades coloniais brasileiras implantadas em relevos montanhosos, e que ainda mantm seus ncleos histricos preservados, nos do mostra de que a tradio construtiva dos portugueses, no tocante construo em encostas, foi suficiente para que alguns testemunhos atravessassem os sculos. Desastres, porm, chegaram a ocorrer, em parte refletindo uma diferena importante dos stios de implantao no Brasil e na Europa e Mediterrneo, para a qual os portugueses no estavam, aparentemente, suficientemente preparados. Do ponto de vista geolgico, a maior parte da Europa e regies mediterrneas apresenta camadas de solo pouco profundas, s vezes ausentes, e as construes se fundam praticamente em rocha s. Este fato parece ter influenciado os portugueses na escolha de stios de implantao no Novo Mundo. Nas implantaes em acrpole, buscavam terrenos rochosos, pelo menos para a construo de fortificaes. A este respeito, MARX (1980)2 , p.88, comenta, com base em ARGAN (1966) e REIS FILHO (1964): Os seus stios3 so exemplarmente escolhidos entre promontrios rochosos, faldas de montanhas ou rasos cabedelos. ... ...Essas vetustas construes marcaram o perfil das marinhas e condicionaram a expanso de muitas das cidades litorneas, que

foram calcando o traado virio sobre seus acessos e interligaes. E, muito especialmente, determinaram pela sua situao tambm a dos ncleos urbanos e dos seus stios originais. Para o desenvolvimento das cidades, porm, as construes acabavam ocupando, com freqncia, terrenos com camadas mais profundas de solos em encostas, o que no raro propiciou a ocorrncias de srios acidentes. No que diz respeito a Salvador, por exemplo, GONALVES (1992)4 compilou registros de inmeros episdios de escorregamentos ocorridos desde 1549. S at 1800 j se registravam pelo menos seis acidentes de maior porte, com muitas mortes e destruio de casas e de obras pblicas. Em seu trabalho, a partir de dados colhidos em obra de ACCIOLI (1969), GONALVES (1992)5 , p. 77/78, transcreve um ilustrativo ofcio enviado pela Cmara de Salvador ao Rei, datado de 14 de Agosto de 1671, onde so solicitados recursos para obras para prevenir novos escorregamentos em encosta de Salvador: Senhor. - Em Abril deste ano foro as invernadas, e inundao das guas tantas, que levaro do monte em que est fundada esta cidade, quantidade de terra, com o que se arruinou meia praia desta cidade, arrazando muitas casas de custo, e no foi este damno, sendo muito, tanto de sentir, como a morte de mais de trinta pessoas, que perecero sem confisso, que como foi de noite se lhes no pode acudir, e estava a parochial da mesma praia ida, e s pelo milagre do Santssimo Sacramento, e da Virgem da Conceio escapou, e so j tres vezes as deste sucesso;

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MARX, M. (1980). Cidade brasileira. Os stios de implantao de fortificaes (nota do autor). 4 GONALVES, N.M.S. (1992). Impactos fluviais e desorganizao do espao em Salvador, BA. 5 GONALVES, N.M.S. (1992). Impactos fluviais e desorganizao do espao em Salvador, BA.2 3

Encostas, cidades e sociedades

mas em nenhum fez tanto estrago. Tudo nasce das immundicies que no despenhadeiro das ladeiras se deito, a que no podemos acudir, nem com castigo, nem com penas, porque como o servio feito por escravos no considero o damno, nem temem o castigo: para o remdio necessrio fazer paredes, que impido o lanalas, e querendo ns tratar de fazer, demos parte no provedor da comarca, para nos levar em conta a sua despeza, o que diz no pode na forma do seu Regimento. Pedimos a V.A., como par destes vassalos , que tanto o amo, seja servido mandar por Proviso, que se nos leve em conta esta despeza, e as mais que forem publicadas e necessarias. Da Merc que V.A. nos faz esperamos o despacho nossa preteno. (sic) Alm do relato dramtico de um episdio significativo de instabilizao de encosta, este ofcio j deixa transparecer alguns dos desvios no trato da ocupao de encostas no Brasil. Atribui-se, nele, com destaque, a culpa da instabilizao s camadas inferiores da populao. Em seguida, para prevenir novos escorregamentos, lana-se mo de obras que visam simplesmente eliminar o risco encosta abaixo sem maiores preocupaes com o que ocorre encosta acima. A soluo tcnica proposta a construo de uma parede que impea, fisicamente, que os escravos lancem detritos nas encostas, ao invs de promover eventuais melhorias nos sistemas de coleta e destinao de lixo ou de efluentes sanitrios, o que, alm de eliminar o risco, promoveria a melhoria da qualidade de vida de todos, indistintamente. Aparentemente, em essncia, este tipo de postura

no chega a desaparecer com a modernidade. Em matria publicada no jornal Folha de So Paulo, a 18 de maio de 1988, por Mario Innocentini6 , intitulada Precisa e pode parar, pode-se ler: ... . O pobre migrante que planta seu barraco numa encosta e assim atrai outros a seu redor- to poluidor e destrutivo como o empresrio poderoso que finca seu arranha-cu numa zona de habitaes horizontais. Mas na teia generalizada de cumplicidades polticas, j se ouviu algum crtico tratar desse tema? As coisas se passam como se a burguesia tudo pudesse e o operrio explorado fosse um impotente, uma vtima, um coitadinho. Alguns dos que assim argumentam fazem-no, at concordo, de boa f. A maioria, porm, est tentando resgatar uma conscincia culpada, tpica da pequena burguesia, ou ento, evitar comprometer a unidade das foras populares. Ora, desde Gramsci, pelo menos, sabemos que mesmo o proletariado mais espoliado sujeito da histria, responsvel por ela, e no apenas uma vtima da alienao comandada pela burguesia. Assim, no possvel ser intransigente na crtica ao tnel7 e, ao mesmo tempo, ser complacente com a ocupao indiscriminada das encostas, dos morros, dos fundos de vale, das beiras de crrego. Sob este prisma, o homem da periferia to ou mais poderoso que o mais corrupto empresrio imobilirio. No mesmo, povo, prefeitos, e burgueses de Petrpolis, Acre, Cubato, Rio de Janeiro e Ubatuba8?... ... A luta que travamos para desestimular novas indstrias nos grandes centros s ter xito se soubermos tambm criar mecanismos que desestimulam o crescimento de uma populao que precisa, exatamente, de indstrias para trabalhar, receber

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Socilogo e presidente, poca da publicao da matria, da Associao Ecolgica Fiscais da Natureza (nota do autor). A matria diz respeito a So Paulo e situa-se na polmica construo do tnel sob o Ibirapuera. O texto, referindo-se a diversas das argumentaes antagnicas em uso poca, envolvendo algumas de carter ambiental e outras de alternativas de destinao das verbas (a oposio sugeria que os 350 milhes de dlares destinados ao tnel fossem, por exemplo, destinados habitao de interesse social), tenta argumentar que casas populares seriam to poluidoras quanto o tnel (nota do autor). 8 Cidades afetadas, poca, por desastres importantes envolvendo escorregamentos em encostas e inundaes (nota do autor).6 7

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um salrio e viver. O social no contradiz o ecolgico, ao contrrio, como mostraram as ocorrncias do Rio e Petrpolis. So Paulo precisa parar. Pode parar por uma catstrofe. Pode parar por um modelo stalinista. Pode parar por um modo ecolgico. Cabe-nos explicitar esse modo e, com coragem, responsabilidade individual e senso de futuro, p-lo em debate, denunciando os vcios do capitalismo selvagem e do coitadismo benevolente, no fundo duas faces da mesma moeda. O velho e o novo, juntos, mostram que culpar os mais pobres por desastres em encostas no nada original. Apesar do absurdo, isto demonstra, no mnimo, o reconhecimento de uma dimenso social no problema. Porm, comparando-se o ofcio de 1671 com o texto de Innocentini, v-se que hoje, mais modernamente, desejos de excluso social se travestem, entre outras formas, na de preocupaes ecolgicas. Fazer muros que escondam a pobreza e seus problemas, ou simplesmente deport-la das encostas no parece ser uma soluo tcnica ou socialmente correta.

eficiente, que destaca as caractersticas do objeto em estudo que se deseja puxar para primeiro plano. Com o desenvolvimento tecnolgico e, em particular, da tecnologia blica, com o aparecimento de canhes de maior alcance, capazes de lanar projteis explosivos, as encostas deixaram de ser stios inexpugnveis, perdendo boa parte de seu sentido de reas privilegiadas quanto segurana militar, que passa a ter novo enfoque. Em meados do sculo XIX, a Revoluo Industrial, na Europa, j havia gerado um impressionante crescimento das cidades, onde proliferavam situaes crticas de saneamento, alm de focos potenciais de revolues polticas. Tm lugar, ento, as primeiras grandes reformulaes urbanas, que esto na origem do urbanismo moderno, ocorridas principalmente em Londres e Paris, mas com ecos nas principais cidades do Velho e do Novo Mundo. As reformulaes consideraram em nova medida as questes do saneamento e a da segurana militar. A nova concepo de saneamento faz com que se privilegiem, agora, terrenos menos acidentados, que facilitem a implantao de sistemas de abastecimento de gua e de destinao de esgotos. Tratando destas reformas, BENEVOLO (1974)9 , p. 97, destaca que: ... a ateno dos reformadores se fixa apenas em alguns setores e sua ao se dirige a eliminar alguns males particulares, como a insuficincia de esgotos ou de redes de gua potvel, ou a difuso de epidemias. Se, tratando um problema, aparecem outros novos, isto ocorre, por assim dizer, involuntariamente. A construo da rede de evacuao e de abastecimento de guas exige um mnimo de regularidade, planimtrica e altimtrica, das novas construes.

1.1 - O admirvel mundo planoLonge de se querer, pretensiosamente, questionar as correntes urbansticas surgidas desde meados do sculo XIX, que esto nas razes do urbanismo moderno, h que se analisar alguns de seus traos que resultam em provveis incompatibilidades com a ocupao urbana de encostas. Se a anlise adiante apresentada denota, at mesmo, um certo tom caricatural e irreverente, h de se compreender que a caricatura um instrumento de comunicao

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BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna.

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No tocante aos aspectos militares, o inimigo agora pode ser parte da prpria populao da cidade. Como afirma BENEVOLO (1974)10 , p. 99, o plano Haussmann para Paris, sob Napoleo III (Lus Napoleo) teve como um de seus importantes germes a preocupao do Imperador com aspectos militares: Por sua vez, Luis Napoleo constri seu poder sobre os temores causados pela revoluo socialista de fevereiro de 1848 e apiase na fora do exrcito e no prestgio popular para se opor burguesia intelectual e minoria operria. Tem, portanto, um interesse direto na realizao de grandes obras pblicas em Paris, preteridas pelos governos precedentes, para consolidar sua popularidade com testemunhos tangveis, e tambm para tornar mais difceis futuras revolues, demolindo as estreitas ruas medievais e substituindo-as por artrias espaosas e retilneas, adequadas ao movimento de tropas. Os tipos de vias (artrias) mencionadas por Benevolo so, em boa medida, incompatveis com topografias mais acidentadas, a menos que se procedam alteraes vultosas de terrenos ou construam-se obras de arte de grande porte, o que significa alto custo.20

enfim, para a prpria instalao de indstrias, que os terrenos sejam preferencialmente planos. Quando estes so acidentados, trata-se de alter-los. A tendncia a um urbanismo plano se cristaliza, posteriormente, nos congressos internacionais de arquitetura (CIAM) e at mesmo na Carta de Atenas de Le Corbusier: os padres urbanos por ela apregoados dizem mais respeito a terrenos planos, ideais, onde de fato se perpetuaram seus principais legados, dentre os quais a Braslia de Lcio Costa. As quatro funes da cidade preconizadas na Carta de Atenas - habitar, circular, trabalhar e recrear - e sua separao na composio do tecido urbano, assim como a organizao dos setores em blocos, requerem, principalmente em decorrncia de uma das funes - circular -, um escoamento de veculos gil, atravs de um sistema virio de traado regular e amplo, pouco compatvel com terrenos mais acidentados. A cidade ideal tem agora por paradigma idealizado um stio de implantao capaz de dar a sensao de um fundo infinito, como ilustra a Figura 1.1, onde se v a perspectiva do projeto de Cidade contempornea para trs milhes de habitantes, de Le Corbusier, exposto em Paris pela primeira vez em 1922. Os largos eixos de circulao e a distribuio plana e racional dos componentes da cidade mostram uma idealizao geomtrica que poucas vezes caracteriza terrenos na natureza. Os contra-exemplos, que confirmam a hiptese, na prpria obra de Corbusier, podem ser verificados nos estudos que elaborou para o Rio de Janeiro e para So Paulo (Figura 1.2) no final da dcada de 20 e para Argel na

Considerando-se estas duas questes - a do saneamento e a da segurana militar -, compreensvel que novas ocupaes em encostas passem a ser evitadas a partir de meados do sculo XIX, pelo menos na Europa. O desenvolvimento dos meios de transporte refora tambm a tendncia da busca de terrenos mais planos para o desenvolvimento das cidades. O trem, o bonde, o metr, o nibus e os primeiros automveis so tambm mais adequados aos terrenos planos. A cidade industrial requer,

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Idem. Ibidem.

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dcada de 30 (Figura 1.3). Tais estudos nunca tiveram rebatimentos concretos em funo, principalmente, de motivos econmicos.

Figura 1.1. Le Corbusier e o admirvel mundo plano: Projeto de uma cidade contempornea (exposto em 1922) para trs milhes de habitantes. Fonte: CRESTI 11 ( 1981), p.16.

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Figura 1.2. Esboo de plano urbanstico para So Paulo (final da dcada de 20), de Le Corbusier, onde se destacam dois extensos eixos virios apoiados sobre blocos de diversas funes, como artrias bsicas de circulao. Fonte: in CRESTI (1981)12 , p. 25.

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CRESTI, C. (1981). Le Corbusier. CRESTI, C. (1981). Le Corbusier

Encostas, cidades e sociedades

Mas, se por um lado, os projetos urbansticos para terrenos acidentados de Le Corbusier resultam em grande considerao e na manuteno das condicionantes topogrficas, por outro lado, seus custos de implantao os tornam inviveis. Nos trs casos, a topografia acidentada foi enfrentada com a adoo de extensos viadutos (elevados) ou pistas sobre blocos de diversas funes (habitacionais, administrativas etc.) como artrias bsicas de circulao, para vencer as irregularidades dos terrenos e para manter os princpios gerais da Carta de Atenas.

moderno, dispunha-se ainda de um expressivo estoque de terras planas, o que permitiu o estabelecimento dos novos padres apregoados. As reformas urbanas do sculo XIX e sua grande influncia em todo o urbanismo moderno fariam praticamente desaparecer dos tratados urbansticos as menes especficas sobre a ocupao de encostas, que passavam ao mbito da curiosidade histrica e a raros e exticos projetos isolados, quase nunca implantados. Nas recomendaes para a implantao de novas cidades ou para a expanso das existentes, os manuais de urbanismo passam a recomendar a busca de terrenos de baixas declividades, que permitam redes pblicas de implantao mais econmica e eficiente. Isto se reflete na prpria tipologia de edifcios que se passa a adotar. Em La vivienda racional, AYMONINO (1973)14 , p. 262/313, rene novamente os 26 projetos de conjuntos habitacionais que acompanharam, sob forma de exposio, os CIAM de 1929-1930, nos quais a questo habitacional era alvo de fortes preocupaes especficas dos arquitetos, e era a partir da tratada com grande destaque. Constata-se que todos os 26 projetos destinam-se a terrenos planos. Esta tendncia se mantm, nos pases europeus, nas prprias transformaes por que passa o conceito da construo: a industrializao dos edifcios, mormente adotada a partir do trmino da Segunda Grande Guerra, requer a padronizao de projetos e de componentes e elementos construtivos. O concomitante avano da coordenao modular na construo, ainda que tenha contemplado as dimenses

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Figura 1.3. Bloco habitacional do projeto de Le Corbusier para Argel, encaixado entre duas vertentes. meia altura, um viaduto, artria de circulao da cidade, no projeto proposto. Fonte: in SMITHSON, A. et SMITHSON, P.(1970)13 , p. 101.

Na Europa da Revoluo Industrial e, principalmente em Londres e em Paris, onde ocorreram as intervenes urbanas que esto nas razes do urbanismo

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SMITHSON, A. et SMITHSON, P (1970). Ordinariness and light. . AYMONINO, C. (1973). La vivienda racional.

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verticais, no foi capaz de resolver, satisfatoriamente, a utilizao dos edifcios pr-fabricados ou industrializados nos terrenos de topografia acidentada. A maioria dos sistemas construtivos industrializados ou racionalizados padece de uma incapacidade crnica de adaptao a terrenos mais ngremes, requerendo movimentos de terra pronunciados para sua implantao, ou a construo de estruturas convencionais de transio, de custo e racionalidade incompatveis com o restante do sistema. Sistemas construtivos industrializados, efetivamente satisfatrios para encostas, constituem poucos exemplos isolados, jamais construdos em escala. A prpria construo convencional, quando aplicada aos grandes programas habitacionais, busca a maior padronizao possvel nos projetos. Torna-se indesejvel diferenciar os detalhes de implantao para cada edifcio ou os edifcios entre si. Em nome da economia e da racionalidade, no se pensa duas vezes para alterar profundamente os terrenos, de maneira a possibilitar a implantao adequada. O urbanismo da infra-estrutura e das grandes artrias de circulao espalhar-se-ia por todo o mundo. As administraes dos prefeitos passam a ser avaliadas atravs dos metros de largura ou dos quilmetros de extenso de avenidas abertas, e dos obstculos naturais (ou construdos ao longo da histria) removidos para possibilitar o desenvolvimento das suas cidades. ilustrativa, neste sentido, a afirmao de PALET (1969)15 , p.185, em Interdependencia de elementos urbanos, na coletnea La infraestructura del urbanismo, quando arrola, dentre vrias caractersticas que

atribui s infraestruturas urbanas, a seguinte: So as maiores condicionantes de todo desenvolvimento urbano, maiores at, nesta poca de nvel tecnolgico mais elevado, que a topografia e os acidentes geogrficos. Aos poucos, nos pases desenvolvidos e particularmente nos Estados Unidos, a crescente popularizao do automvel refora ainda mais o urbanismo das grandes vias: critrios utilizados para o dimensionamento de autoestradas passam a se aplicar nas vias expressas das cidades e passam a definir as larguras das demais vias, at mesmo de simples vias locais, s vezes com exageros notveis. Os novos princpios urbansticos passam a influenciar e a compor legislaes urbanas por todo o mundo, inclusive no Brasil, onde as leis, geradas para terrenos planos, ideais, vo sendo adotadas sem nenhuma diferenciao em qualquer tipo de terreno, tendo at mesmo papel potencializador de situaes de risco, pelo menos no tocante ocupao de encostas. Os preceitos bsicos da circulao, ainda que necessrios na interligao entre os diversos pontos da cidade, so indistintamente incorporados a normas de parcelamento local de solo e a padres a observar na abertura de vias, independentemente das caractersticas de meio fsico e do significado de cada assentamento na malha urbana. O princpio das vias contnuas prevalece. Muitas solues de inquestionvel qualidade funcional ficam afastadas do pequeno rol de tipologias de urbanizao e de edificaes que as leis, influenciadas por preceitos urbansticos questionveis, efetivamente induzem. Mesmo

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PALET. A.S. (1969). Interdependencia de los elementos urbanos en la implantacin de infraestructuras. Tecnicas implicadas. In La Infraestructura del Urbanismo.

Encostas, cidades e sociedades

no Brasil, onde uma mescla das caractersticas da colonizao e das condicionantes geogrficas, torna duvidosa a aplicao pura e simples do novo urbanismo. Como fruto da colonizao portuguesa, nossas principais cidades encontram-se junto ou prximas costa, tendncia que se mantm at, pelo menos, as trs primeiras dcadas do sculo XX e que s se reformula, de forma mais acentuada, a partir da dcada de 60. Em diferentes medidas, nossas plancies costeiras acham-se confinadas entre o mar e o planalto, por serras extensas ou isoladas, numa faixa que abrange desde o Rio Grande do Sul at, pelo menos, Pernambuco, e com uma importante presena de solos tropicais, cuja instabilizao no requer grande esforo. Como reflexo, a expanso de muitas das cidades situadas nesta faixa tende logo a encontrar terrenos mais acidentados e de fcil instabilizao, que requerem procedimentos prprios para a ocupao, com certeza distintos dos atualmente induzidos pelas atuais legislaes urbanas. Mesmo nos stios urbanos mais acidentados, aplicase uma cultura tcnica que procura adaptar a natureza s caractersticas pretendidas para as novas exigncias da urbanizao. O mundo plano. O trator remove montanhas.24

integrao cada vez mais estreita do pas ao contexto do capitalismo internacional. Neste quadro, fez-se necessrio, entre outras coisas, que se caracterizasse uma porta de entrada e uma sala de visitas condizentes com o novo status da nao. Isto impeliu o ento presidente, Rodrigues Alves, a empreender uma reforma na capital da Repblica, em moldes inusitados e marcantes no contexto nacional. A reforma empreendida visava, em princpio, o embelezamento da capital. Mas refletiu tambm uma antiga aspirao das elites por uma reorganizao do espao urbano carioca, com base na sua reestratificao social, repetindo, em parte, o modelo adotado na reforma Haussmann de Paris, em meados do Sculo XIX. Como pode ser visto em REIS (s/d)16 , p. 126, o Rio de Janeiro, que contava em 1808 com uma populao relativamente modesta (por volta de 60.000 habitantes), chegaria ao final do Sculo XIX com cerca de 500.000 habitantes,. A expanso da cidade se deparava, porm, com inmeros obstculos de meio fsico, incluindo lagoas, mangues e morros. Seu centro passou, ao longo do Sculo XIX, por um intenso processo de adensamento, em parte ditado pelas deficincias do transporte para a periferia e pelas barreiras fsicas de morros, como o do Castelo, o do Senado, o de So Bento, o da Conceio e o de Santo Antnio. No corao da capital da Repblica viviam grandes contingentes populacionais, abrangendo todas as classes sociais, da elite aos recentes ex-escravos, habitando de casares a cortios. As condies precrias de saneamento ento vigentes passaram a originar surtos e epidemias com freqncia cada vez maior, mais notada-

1.2 - O Brasil e sua capital ingressam no mundo modernoNa virada do Sculo XIX para o Sculo XX, o Brasil experimentava um importante crescimento na economia, principalmente atravs do caf paulista. Houve uma sensvel intensificao da atividade exportadora e promovia-se uma

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REIS, J.O. (s/d). As administraes municipais e o desenvolvimento. In Rio de Janeiro 400 anos.

Coleo Habitare - Habitao e Encostas

mente a partir de 1850. Neste contexto, s aspiraes das elites de reestratificar o espao urbano e de arrumar a sala de visitas do pas, somaram-se questes sanitrias. Rodrigues Alves incumbiu ento Pereira Passos das obras do plano denominado Embelezamento e saneamento da cidade, implantado a partir de 1903, e delegou a Oswaldo Cruz intervenes no campo da sade pblica. A verdadeira epopia que teve lugar na capital da Repblica, no incio do Sculo XX, capaz de forjar a imortalidade do trabalho de Oswaldo Cruz e de celebrizar nomes como os dos engenheiros Francisco Pereira Passos, Lauro Mller e Paulo de Frontin, dentre outros, foi tambm, porm, marco destacado da marginalizao e da periferizao de expressivas parcelas da populao menos favorecida da ento capital da Repblica. Este tipo de reforma passou, aos poucos, a caracterizar no apenas o Rio de Janeiro daquela poca atual, como a maioria das grandes cidades brasileiras. O fenmeno de duas cidades recrudescia no Brasil com os prenncios da modernidade. Nas terras cariocas isto se viabilizou, em parte, pela disponibilidade de alguma infraestrutura - ainda que bastante deficiente - de transportes, que vinha se formando, a partir de 1858, com a inaugurao do primeiro trecho da Estrada de Ferro Central do Brasil, apontando a periferia como destino breve da maior parte da pobreza. Central, somou-se a implantao de linhas de bondes17, ento puxados por burros, atendendo regies mais prximas ao centro. A incipiente e problemtica estrutura de transportes se, por um lado, gerava constantes protestos da populao

da periferia, que j se queixava do martyrio do trem da Central, por outro lado causou, atravs dos bondes, um adensamento ainda mais pronunciado das regies mais centrais, agravando suas condies sanitrias. Como pode ser visto na revista Nosso Sculo18 , p. 32, Rodrigues Alves assumiu a presidncia da repblica em novembro de 1902. A 29 de dezembro do mesmo ano, promulgava lei que reorganizava a administrao do Distrito Federal, dando amplos poderes ao seu prefeito e minimizando a capacidade de obstruo dos polticos locais. Indicado prefeito por Rodrigues Alves, Francisco Pereira Passos aceita a incumbncia em janeiro de 1903. O Dr. Oswaldo Gonalves Cruz, por sua vez, assume o cargo de diretor da Sade Pblica em maro do mesmo ano. Tem incio a grande reforma da capital. No que pese o vulto do trabalho de Oswaldo Cruz, cabe aqui destacar, com centralidade, a atuao de Pereira Passos, que no cmputo geral da cidade vai ser responsvel por transformaes inusitadas. No campo do urbanismo, Pereira Passos j havia participado, com destaque, a partir de 1875, de comisso municipal denominada Comisso de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro, que elaborou um primeiro plano de conjunto para a capital, cujo propsito central era o ...alargamento e retificao de vrias ruas e abertura de novas praas com o fim de melhorar suas condies higinicas e facilitar a circulao entre seus diversos pontos, com mais beleza e harmonia.. Tal plano, porm, no foi colocado em prtica, tendo sido considerado fantasioso. Teve no Engenheiro Lus

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A Botanical Garden Railroad Company, em 1868; a Rio de Janeiro Street Railway Company, em 1870; a companhia de bondes do Baro de Drummond (o criador do jogo do bicho), em 1872 e a Companhia de Carris Urbanos, em 1878. 18 UM PRESIDENTE e dois ditadores para mudar tudo. Coleo Nosso Sculo , no 1.17

Encostas, cidades e sociedades

Rafael Vieira Souto um de seus mais fortes opositores. De qualquer forma, ao assumir a prefeitura, Pereira Passos no chegava de mos vazias, mas trazendo a experincia da elaborao de um plano anterior, de porte considervel, agora expurgado de algumas metas que, segundo Reis19 (p.127), descritor ufano da obra de Passos, eram ...caracterizadas por muito maior censo 20 de realismo.. relevante mencionar que o plano Embelezamento e Saneamento da Cidade, implantado a partir de 1903, mesmo que tivesse razes em atividades anteriores de Pereira Passos, foi fruto do trabalho de uma equipe de engenheiros, topgrafos e desenhistas da prefeitura carioca, liderada por trs engenheiros: Carlos Augusto Nascimento e Silva (Diretor de Obras), Francisco de Oliveira Passos (consultor) e Alfredo Amrico de Sousa Rangel, este ltimo responsvel pela implementao, no Rio, de um novo instrumento de gesto urbana, denominado Carta Cadastral, que daria ainda origem uniformizao dos projetos de alinhamento e de melhoramentos, que mais tarde passariam a ser denominados, por longo perodo, simplesmente por P.A.s, designando tanto projetos de alinhamento quanto projetos aprovados.26

mais das vezes so descritas ( exceo da reforma do porto) como obras municipais e, por extenso, de Passos. Independentemente de autoria, porm, o conjunto de obras implantado transcendeu qualquer iniciativa anterior no Brasil, quer em vulto, quer em desdobramentos tcnicos e sociais. Somente para a abertura da Avenida Central (que, a partir de 1912, passaria a se chamar Avenida Rio Branco), montou-se uma verdadeira operao de guerra. Foram demolidos cerca de 700 prdios para dar lugar Grande Avenida, cuja implantao foi, por muito tempo, um dos orgulhos da engenharia carioca, como bem mostra esta outra citao de REIS (s/d)21 , p.129: Avenida Central - Embora haja sido a Avenida Central uma conseqncia natural da construo das duas grandes vias ao longo do mar (Av. Rodrigues Alves e Av. Beira-Mar), a grande avenida carioca merece a honra da primazia. De fato, aberta de mar a mar, da Praa Mau ao Obelisco, tendo no eixo o Po de Acar, smbolo da cidade, a Av. Central representou para o Rio de Janeiro, nos ltimos 60 anos, seu principal logradouro e sua rua mais querida... ......A importante diagonal tem 1.820 m de comprimento e 33 m de largura, inclusive os 7,50 m de passeios laterais pavimentados pedra portuguesa, maneira de Lisboa. A artria liga dois pontos diversos da orla martima e passava entre dois morros, o do Castelo e o de Santo Antnio, hoje desaparecidos para dar lugar a esplanadas, de urbanizao moderna.

Embora parte importante das obras realizadas no Rio de Janeiro, durante a administrao Pereira Passos, tenha sido conduzida pelo governo federal (tais como, entre vrias outras, a reforma do porto e a abertura da Avenida Central, a cargo, respectivamente, dos Engenheiros Lauro Severiano Mller e Andr Gustavo Paulo de Frontin), no

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REIS, J.O. (s/d). As administraes municipais e o desenvolvimento. In Rio de Janeiro 400 anos. censo, no original (nota do autor). REIS, J.O. (s/d). As administraes municipais e o desenvolvimento. In Rio de Janeiro 400 anos.

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Para abri-la, foram demolidos 700 prdios, sendo levada a demolio a uma faixa mais larga que a rua, para que se obtivessem sobras de terrenos, a permitir melhores fachadas para as novas edificaes, favorecendo a formao de maiores lotes. Na sua abertura a Avenida cortou vrios logradouros e absorveu outros. Deles restam esses trechozitos de rua que no se compreenderiam sem esta explicao. Logo, a Avenida Central passaria a abrigar os principais magazines, escritrios e jornais cariocas. A valorizao imobiliria era tambm um fato. Conta-se, por exemplo, que um certo construtor, de nome Januzzi, responsvel pela finalizao do primeiro prdio novo da Avenida (em 1905), havia adquirido o respectivo terreno por 20 contos e investido 138 contos na construo. Vendeu-o, em 1910, por 500 contos, Cia. Souza Cruz. Se a Avenida Central constitui a obra de cunho urbanstico mais lembrada do perodo, ela pode, contraditoriamente, ser considerada modesta frente soma das demais obras realizadas na administrao Pereira Passos, espalhadas pela Zona Sul. Vale a pena listar algumas delas, como a abertura de outras inmeras novas avenidas, tais como a Rodrigues Alves (3.090m de comprimento, largura de 40m); a Francisco Bicalho (1.380m de comprimento, 95m de largura); a Beira Mar (5.200m de comprimento, 33m de largura) e a Mem de S (1.550m de comprimento, 17m de largura).

Ainda segundo REIS (s/d)22, p. 132, no tocante ao sistema virio, inmeros logradouros, muitas vezes situados em locais densamente habitados, passaram por alargamentos, prolongamentos ou retificaes. Incluemse, por exemplo, na regio central, a Av. 13 de maio, as ruas Camerino, Sete de Setembro, Acre, S. Jos, Ramalho Ortigo, Bittencourt da Silva, Miguel Couto, Conselheiro Saraiva, So Bento, General Pedra, Santa Luzia, Lus de Cames, Catete, Conde de Bonfim, Mariz e Barros e um sem nmero de outras. Pereira Passos cuidou ainda da pavimentao urbana, introduzindo em escala indita, no Brasil, o uso do asfalto. Utilizou tambm o macadame em muitas vias, em So Cristvo e no Engenho Novo, e paraleleppedos em ruas centrais, tais como a do Catete. Experimentou ainda diversos outros processos de pavimentao, buscando solues alternativas adequadas s condies de clima e uso verificadas no Rio de Janeiro. As obras no se limitaram a vias. Importante o legado da poca no tocante ao sistemas de esgotos, de abastecimento de gua e de energia eltrica, assim como o de edifcios pblicos ligados educao, cultura, ao esporte e lazer, sade e ao abastecimento. Criaram-se ou remodelaram-se praas, parques e jardins, alm de estradas de carter turstico. Construram-se obras de arte e incrementou-se a arborizao da cidade23.

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REIS, J.O. (s/d). As administraes municipais e o desenvolvimento. In Rio de Janeiro 400 anos. Vale a pena ainda listar as demais obras importantes do perodo, de acordo com REIS: concluso do tnel do Leme, abrindo o acesso de bondes a Copacabana; construo do Teatro Municipal, do Mercado Municipal, do Pavilho de Regatas de Botafogo, do Cais Pharoux (praa XV) e do Pavilho Mourisco; remodelao ou construo de estradas tursticas (Tijuca, Cascatinha, Aude, Gvea Pequena, Furnas, Pica-Pau, Vista Chinesa e outras); criao da Assistncia Pblica; introduo dos bondes eltricos; implantao do Mercado das Flores; aperfeioamento do sistema de coleta e destinao de lixo, com a criao de depsito na Ilha de Sapucaia; remodelao do Canal do Mangue; canalizao de diversos rios; concluso da demolio do morro do Senado. Atravs de posturas municipais, Pereira Passos declarou guerra ao comrcio em quiosques, aos ambulantes e mendicncia.22 23

Encostas, cidades e sociedades

A meta de arrumar a sala concretizava-se e seu coroamento ocorreria pouco depois de encerrada a gesto de Pereira Passos (o prefeito exerceu o cargo at 1906), com a realizao da Exposio Nacional do Rio de Janeiro, em 1908, em parque de exposies construdo na Praia Vermelha. O vulto das obras realizadas na administrao Pereira Passos suficiente para impressionar os mais cpticos. Lendo-se sobre o assunto, mesmo em autores mais esquerda, percebe-se uma ponta de admirao. Transparece, nos textos, o mesmo clima quase eufrico que Benevolo24 , pp.96-134, involuntariamente assume, ao falar sobre Haussmann e a reforma de Paris. Como curiosidade, interessante mencionar que o Baro do Rio Branco se referia a Pereira Passos como o Haussmann brasileiro.

de 50.000 francos construo de um conjunto habitacional na Rua Rochechouart, o Cit Napolon. Em 1852, nada menos que 10.000.000 de francos foram investidos em mais dois conjuntos, em Batignolles e Neully, durante a reforma implementada por Haussmann, como pode ser visto em BENEVOLO (1974)25 , p.105. Na reforma Pereira Passos, o nico empreendimento de habitaes populares de que se tem notcia foi a construo de 120 casas operrias, com o aproveitamento de sobras de terrenos decorrentes das demolies para a abertura de uma nova via (Salvador de S). A rigor, este pequeno conjunto habitacional seria destinado moradia de funcionrios da Prefeitura. O investimento de Passos na periferia, para onde se transferiu boa parte da populao pobre do centro, por sua vez, foi nulo. Ao lembrarmos que a simples abertura da Avenida Central gerou a demolio de 700 prdios (dentre os quais muitos tinham uso habitacional, alguns abrigando vrias famlias), a cifra de reposio de habitaes j se mostra duvidosa. Se considerarmos, porm, as desapropriaes e demolies de numeroso casario para o restante das obras anteriormente descritas, envolvendo inmeros cortios, imaginase que a Reforma Passos seja responsvel por uma agudizao profunda da questo da habitao popular no Rio de Janeiro da virada do sculo. Estima-se que, no total, foram demolidos de 2000 a 3000 prdios. Isto sem contar o casario interditado ou demolido por questes sanitrias, por ordem da equipe de Oswaldo Cruz. E para onde foi esta populao expulsa? Grande

1.3 - A segregao da pobrezaNa grande reforma de Paris, em meados do Sculo XIX, a exemplo do que aconteceria no Rio de Janeiro da virada do Sculo, houve intensa remoo da populao pobre do centro da cidade. Porm, no caso de Paris, o Estado investiu tambm na gerao de habitaes populares, capazes de atender, pelo menos parcialmente, os que perderam a possibilidade de morar nas regies mais centrais. Por desejo expresso de Lus Napoleo, a reforma de Paris contemplaria a construo de casas populares, iniciada modestamente com a destinao de verba especfica

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BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna. BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna.

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parte, de fato, foi para a periferia distante, utilizando-se da precria Central do Brasil. Mas parte permaneceu nas proximidades do centro. Para falar desta parcela vale, inicialmente, mencionar que poucos anos antes do incio da grande reforma de Pereira Passos, a partir do final de 1897, parte dos soldados desmobilizados com o fim da Guerra de Canudos foi destinada ao Rio de Janeiro. No tendo onde se alojar, os soldados se instalaram em barracos improvisados no morro da Providncia, juntando-se misria que j caracterizava o local. Em Canudos, a posio da artilharia governamental, na batalha final, era um local conhecido por Alto da Favela26 . Em artigo denominado Onde moram os pobres, de Maro de 1905, assinado por Everardo Backheuser27 , a revista mensal carioca Renascena, do princpio do sculo XX, dedicada, como destaca seu cabealho, a Letras, Sciencias e Artes, alm de uma rica descrio das condies de vida nos cortios (ento ainda numerosos no Rio de Janeiro), apresenta o seguinte texto: ...O morro da Favella nada mais que o antigo morro da Providncia, perfurado pelos dois tunneis da Gamboa, os quaes ligam a linha tronco da Central Estao Martima. assim chamado depois da lucta de Cannudos, pelos soldados que de l voltaram e que por certo acharam o seu qu de semelhana entre o reducto dos fanaticos e o reducto da misria do Rio de Janeiro. O morro da Favella ngreme e escarpado: as suas encostas em ribanceiras marchetam-se, porm, de pequenos casebres sem

hygiene, sem luz, sem nada. Imaginem-se, de facto, casas to altas como um homem, de cho batido, tendo para paredes tranados de ripas, tomadas as malhas com pores de barro a sopapo, latas de kerozene abertas e justapondo-se, taboas de caixes; tendo para telhado esta mesma mixtura de materiaes presas ossatura da coberta por blocos de pedras, de modo a que os ventos no as descubram. ... ... Alli no moram apenas os desordeiros e os facnoras como a legenda que j a tem a Favella espalhou: alli moram tambem operarios laboriosos que a falta ou a carestia dos commodos atiram para esses lugares altos. ... interessante fazer notar a formao dessa pujante aldeia de casebres e choas no corao mesmo da capital da Republica, eloquentemente dizendo pelo seu mudo contraste a dois passos da Grande Avenida, o que este resto de Brasil pelos seus milhes de kilometros quadrados. O fenmeno da favelizao j ocorria, no Rio de Janeiro, desde meados do sculo XIX, mas o termo favela s se incorporaria ao vocabulrio carioca na virada do sculo, ao mesmo tempo que a cidade formal conhecia o urbanismo moderno. Extrapolar-se-ia depois esta denominao a todo assentamento precrio e improvisado que, no Rio de Janeiro e, posteriormente, no Brasil se instalasse. Diga-se, de passagem, que a associao dos termos morro e favela forte, pois a maior parte destes assentamentos surgiu inicialmente em morros, tendo em vista que muitas das encostas cariocas, prximas aos centros geradores de empregos, no eram ocupadas pela cidade

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Por sua vez, o termo favela designa uma leguminosa muito resistente, tpica da caatinga, cujas favas se prestam alimentao. Conforme reproduo contida na revista Arquitetura em Revista, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, V. 7/1989, p.45-50.26 27

Encostas, cidades e sociedades

formal. Esta buscava terrenos mais planos, ganhando-os at mesmo do mar, se necessrio, atravs de aterros com material proveniente do arrasamento de alguns morros, como o do Senado (1904) e o do Castelo (1920). Paralelamente ao processo de modernizao urbana do Rio de Janeiro, e, em certa medida, tambm em funo deste processo, formaram-se lentamente verdadeiras cidades paralelas nos morros. Se estas eram pouco expressivas, pelo menos at a dcada de 30, ganhariam em breve grande impulso. Diferentemente do que ocorria na Europa, a nova mentalidade urbanstica, no Brasil, no era devidamente acompanhada por uma poltica clara de produo de habitaes de interesse social, o que abria uma grande lacuna, ao longo dos anos, para o surgimento de solues espontneas. Ainda que o Estado esboasse periodicamente aes no sentido de resolver o problema habitacional, suas iniciativas, nesse sentido, sempre estiveram num patamar bastante aqum das reais necessidades. Como pode ser visto em SOBREIRA (1989)28 , p. 10/14, se at a dcada de 30 as favelas no chamavam tanto a ateno no cenrio carioca, a partir da dcada de 40, com o incremento da migrao do campo para as cidades, e da dcada de 60, quando se manifestaram fortes fluxos migratrios do Nordeste para o Centro-Sul, elas experimentaram um crescimento pronunciado. Isto se d tanto como decorrncia do recrudescimento da especulao imobiliria quanto de um quadro econmico fortemente inflacionrio. Parte da populao

de baixa renda passa a se alojar na periferia, em loteamentos populares e, concomitantemente, proliferam favelas nos vazios da cidade, principalmente em morros e reas inundveis. No perodo compreendido entre as dcadas de 20 e de 60 do Sculo XX, o Poder Pblico carioca oscila entre polticas de erradicao das favelas e polticas de implementao de melhorias destes assentamentos, sem sua remoo. No incio da dcada de 60, um crescimento espontneo da periferizao encorajou o governo a intervir de maneira mais radical, adotando uma diretriz mais inequvoca de erradicao de favelas e de transferncia da sua populao para bairros distantes. nesta poca que tem incio, no Brasil, com maior significado, a construo de conjuntos habitacionais de maior porte, como os de Vila Kennedy e Vila Aliana. Na adoo de polticas de erradicao de favelas pesou tambm o receio da infiltrao comunista nos morros (receio que j estava presente desde a dcada de 1940, uma vez que os morros j constituam, no ps-guerra, redutos eleitorais importantes). O ento governador, Carlos Lacerda, esbarra, porm, em determinados entraves erradicao. As deficincias do transporte coletivo para a periferia e o significado dos gastos com transportes no oramento dos mais pobres, assim como a necessidade de pagar prestaes para a aquisio de casas produzidas pelo Estado em lugares distantes do centro gerou uma forte reao nas favelas mais organizadas, cujos moradores no queriam se transferir. A briga foi tambm comprada por intelectuais da hoje denominada esquerda romntica,

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SOBREIRA, F (1989). Estudo de encostas ocupadas desordenadamente na cidade do Rio de Janeiro a favela do Vidigal. .G.

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e seu testemunho ficou registrado no show Opinio, que congregando msicos de origem popular (como Z Keti e Joo do Vale) e alguns msicos mais politizados, pertencentes intelectualidade (como a cantora Nara Leo), apresentava, entre outras composies, o samba Opinio, de Z Keti, do qual se trancreve um trecho: Podem me prender, podem me bater, Podem at deixar-me sem comer, Que eu no mudo de opinio. Daqui do morro, eu no saio no. Se no tem gua, eu furo um poo. Se no tem carne, eu compro um osso e ponho na sopa. E deixa andar, deixa andar Fale de mim quem quiser falar, Aqui eu no pago aluguel. Se eu morrer amanh, seu doutor, Estou pertinho do cu. Efetivamente, no incio dos anos 60, parte importante das favelas cariocas teve sua populao transferida para a periferia, mas parte considervel permaneceu, apesar da inteno inequvoca de Lacerda de erradic-las totalmente. Com o golpe militar de 1964 e o perodo de represso que se seguiu, o temor do significado poltico das favelas se arrefeceu bastante. Passam a ocorrer novamente oscilaes do governo carioca entre polticas de erradicao e de implementao de melhorias nos morros. Ao mesmo tempo em que se abriam novos loteamentos e se construam conjuntos habitacionais na periferia, desenvolviam-se projetos isolados de urbanizao das favelas mais centrais. Estas passam a fazer parte dos ingredientes exticos da paisagem carioca, apresentando at mesmo interesse turstico. Algumas delas, ainda que apresentassem, doravante, um crescimento inferior ao que

j haviam experimentado, em funo de uma periferizao mais constante da pobreza, alcanariam nossos dias com populaes impressionantes, como no caso da Rocinha e de Santa Marta, que tm hoje populaes equiparveis s de cidades de mdio porte.

1.4 - Os desastresA partir de meados dos anos 60 intensificam-se acidentes nas favelas em encostas do Rio de Janeiro nas estaes chuvosas. Inicialmente, escorregamentos manifestavam-se em episdios isolados, mas logo passam a assumir propores mais vultosas. Favelas em morros so, via de regra, assentamentos expostos a riscos de natureza geolgico-geotcnica. A ocupao desordenada, principalmente quando atinge um adensamento mdio, onde trechos de encostas j ocupados convivem com trechos de terreno desmatados e expostos, consegue reunir todos os fatores que induzem a instabilizao. Nas favelas observam-se, com grande freqncia, cortes e aterros indiscriminados, ocupao de aterros no contidos, retirada indiscriminada de vegetao, modificao inadequada do regime de escoamento das guas pluviais, ocupao de drenagens naturais, infiltraes de guas pluviais, de abastecimento e de esgotos, lanamento de lixo em vertentes etc. Os morros cariocas e suas favelas sintetizam, numa medida assustadora, a problemtica habitacional e a da ocupao de reas expostas a riscos de natureza geotcnica no Brasil. O fenmeno constitudo por este tipo de ocupao, que no Rio de Janeiro se manifestou de maneira precoce, hoje est disseminado por inmeros municpios brasileiros e pode se verificar tanto em reas centrais quantoEncostas, cidades e sociedades

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nas periferias das cidades. A incapacidade do Estado em equacionar a questo da ocupao do solo urbano (e a questo habitacional) e o aumento da pobreza, com a crise econmica e social das dcadas de 1980 e 1990, tem ampliado, em muito, as ocupaes desordenadas e perigosas em morros. Para ilustrar esta afirmao, vale lembrar que, apenas no municpio de So Paulo, das cerca de 1.600 favelas existentes em 1990, nada menos que 240 apresentavam situaes de risco em intensidades variadas, incluindo 500 moradias em risco iminente, como mostra o IPT (1990)29 , p.26. Agora no s favelas ocupam perigosamente as encostas: os loteamentos populares, que surgem a partir da dcada de 1940, esparramam-se pelas periferias na dcada de 1960 e se adensam nos anos 1970. Passa a se esgotar e a encarecer tambm o estoque ainda disponvel de terrenos menos problemticos nas periferias, fazendo com que a especulao imobiliria se volte, tambm em reas perifricas, atravs de loteamentos populares (regulares ou clandestinos), ocupao das encostas, oferecendo nesta situao os lotes mais baratos.32

populares e at mesmo de ocupaes promovidas pelo prprio Poder Pblico, em conjuntos habitacionais de periferia, abrange hoje desde regies metropolitanas at cidades de pequeno e mdio porte; desde municpios litorneos e cidades serranas e at municpios de stios mais planos, mesmo interiorizados, onde um morro perdido interessa ocupao urbana, seja pela especulao imobiliria, seja como nica alternativa possvel para a pobreza. No rastro de qualquer atividade econmica mais expressiva, contingentes populacionais buscam se alojar nas periferias das cidades-palcos, quase sempre se localizando em favelas, nas reas de meio fsico mais problemtico. Hoje possvel ver favelas com as mesmas caractersticas tpicas das que se encontram em reas metropolitanas at mesmo em regies h pouco incorporadas s fronteiras da expanso da economia brasileira, como o autor pde constatar em Tucuru e Carajs, na Amaznia, em Minau, no extremo norte de Gois, e em tantas outras localidades onde no se imaginaria que estivessem presentes. E muitas dessas favelas, por incrvel que parea, esto situadas em encostas e em reas inundveis, em situaes de risco. Em muitas cidades litorneas e serranas, de pequeno e mdio porte, associadas ao turismo, o quadro se repete. Nelas, a atividade da construo civil, apesar da crise, foi capaz de manter algum nvel de emprego, ampliado pelo comrcio e pela prestao de servios aos turistas. Nestas cidades, a especulao imobiliria tende a esgotar as plancies rapidamente, destinando-as ao turismo, comprimindo a populao de baixa renda em direo s encostas.

Se, inicialmente, a fixao em morros denotava, em boa parte, o desejo da populao de manter-se prxima aos principais centros geradores de emprego, agora ela atinge tambm os distantes morros das periferias, que constituem parte significativa da terra urbana ainda disponvel para os mais pobres. A disseminao de ocupaes inadequadas de encostas no Brasil, tanto por favelas quanto por loteamentos

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IPT - INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLGICAS DO ESTADO DE SO PAULO (1990). Anlise de risco em favelas crticas do municpio de So Paulo.

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s belezas naturais (e construdas?), por exemplo, em Ubatuba, Guaruj e Campos do Jordo, no Estado de So Paulo, e em tantas outras localidades tursticas Brasil afora, contrapem-se favelas e loteamentos problemticos em encostas, quase sempre longe das vistas dos turistas. Cidades serranas como Petrpolis, no Rio de Janeiro e Ouro Preto, em Minas Gerais (onde alm do turismo desenvolvem-se outras expressivas atividades econmicas industriais), com demanda habitacional, tm sido tambm palcos de implantaes perigosas nos morros, quase sempre associadas s camadas sociais de menor renda, capazes de causar muitas mortes, como 171 ocorridas, em 1988, em Petrpolis.

dos desastres. Renem-se nela profissionais das mais diversas reas de formao, abrangendo desde Cincias Exatas at Cincias Humanas e Sociais, envolvendo ainda a atuao de um grande nmero de entidades pblicas e privadas, tais como organizaes de Defesa Civil e de Segurana Pblica, de assistncia emergencial (como a Cruz Vermelha Internacional), alm de instituies privadas como, por exemplo, companhias de seguros. Ainda que desastres em geral tenham sempre inquietado a humanidade, apenas por volta de 1950 que se iniciam, nos pases desenvolvidos, programas mais organizados de preveno contra acidentes de larga escala. A Segunda Grande Guerra, durante a qual o bombardeio de cidades populosas foi rotina, havia catalisado a consolidao de planos de Defesa Civil mais desenvolvidos. No perodo subseqente, o da denominada Guerra Fria, a preocupao com um conflito nuclear fez com que se aperfeioassem novos mecanismos de proteo a massas. Por sua vez, o acelerado desenvolvimento industrial e tecnolgico do psguerra trouxe consigo a proliferao de indstrias perigosas. Tornou-se ento necessrio organizar planos de defesa contra acidentes industriais de larga escala. No que diz respeito proteo contra acidentes de origem natural, o tratamento da questo, de forma mais organizada, s passa a ser mais notrio por volta do final da dcada de 60, como afirma CERRI (1993)30 , p.9, citando vrias fontes de renome31 . Evidentemente, a preocupao com desastres naturais e o aprofundamento de seu estudo33

1.5 - Desastres naturais e encostas: o quadro internacionalEncostas e suas adjacncias constituem ou compreendem, freqentemente, reas expostas a riscos, quer de origem natural, quer induzidos por intervenes do homem (aes antrpicas). O assunto risco hoje tratado no mbito de uma linha especfica de atuao tcnica, de cunho fortemente multidisciplinar e interdisciplinar, que busca uma compreenso cada vez maior dos fenmenos (naturais ou produzidos pelo homem) que oferecem riscos humanidade e/ou ao seu patrimnio. Esta linha de atuao tcnica desenvolve aes no sentido de minimizar os efeitos

CERRI, L.E.S. (1993). Exame de qualificao. A este respeito, CERRI afirma, citando alguns dos autores importantes da linha de atuao em riscos: Particularmente quanto aos riscos naturais, as publicaes pioneiras foram editadas na dcada de 60 (principalmente final dos anos 60) e incio dos anos 70, como pode ser verificado analisando-se a base bibliogrfica utilizada por BOLT et al.(1975); BURTON et al.(1978); KELLER (1982); PETAK & ATKISSON (1982); WIJKMAN & TIMBERLAKE (1985); RAHN (1986) e PARK (1991).30 31

Encostas, cidades e sociedades

antecede, em muito, o perodo aqui mencionado. O que ocorre de novo a sistematizao da informao j disponvel, uma busca mais organizada de novas informaes e, principalmente, a efetiva aplicao do conhecimento minimizao dos efeitos dos desastres. Dados do COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN (1989)32, p.10, apontam que, no perodo compreendido entre 1900 e 1989, ocorreram cerca de 4,08 milhes de mortes, em todo o mundo, como decorrncia de desastres naturais. Este nmero bastante impressionante, mesmo quando comparado com as mortes ocorridas em funo da Primeira e da Segunda Guerra Mundial (8,5 e 17 milhes, respectivamente). Estimativas da UNDRO - OFFICE OF UNITED NATIONS DISASTER RELIEF COORDINATION, apud OGURA (1993)33 , s/p, indicam que, apenas nas duas ltimas dcadas, cerca de trs milhes de pessoas morreram em decorrncia de acidentes naturais associados a terremotos, erupes vulcnicas, escorregamentos em encostas, enchentes, tsunamis34 e furaces.34

de diversos pases, concluem que h tambm uma relao geoeconmica entre ocorrncias e seus efeitos. Destacam, por exemplo, que o nmero de mortes por desastre, inversamente proporcional renda nacional de cada pas: menor a renda, maior o nmero de mortes. Apontam ainda um dado de particular interesse para o Brasil: a maioria dos desastres com muitas vtimas ocorre em pases de renda nacional mdia. Neste sentido, estes dois autores incorporam a opinio de Gunnar Hagman, da Cruz Vermelha Sueca, que atribui esta situao ao fato de que os pases de renda mdia em desenvolvimento tendem a apresentar formas mais agressivas, do ponto de vista ambiental, de uso e ocupao do solo, o que exponencia os riscos. Destaca-se ainda que vem ocorrendo uma tendncia ao incremento no nmero de desastres naturais a partir da dcada de 70, como ilustra a Figura 1.4, mais adiante (onde a reta inclinada representa a tendncia). Para o COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN (1989)36 , p.10, no tocante ao nmero de mortes em desastres naturais, a distribuio de mortes por tipos de desastres, no mundo, se daria de acordo com o apresentado na Figura 1.5, mais adiante.

WIJKMAN e TIMBERLAKE (1985)35 , p.31/32, analisando dados estatsticos referentes aos desastres naturais

COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN (1989). International Decade for Natural Disaster Reduction: Proposals by Japanese Scientists. 33 OGURA, A. T. (1993). Riscos geolgicos urbanos no Brasil. 34 Maremoto com origem em abalo ssmico submarino, muitas vezes de alto poder destrutivo sobre regies litorneas (nota do autor). 35 WIJKMAN, A. et TIMBERLAKE, L. (1985). Desastres naturales: Fuerza mayor u obra del hombre? 36 COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN (1989). International Decade for Natural Disaster Reduction: Proposals by Japanese Scientists.32

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Figura 1.4. Nmero de desastres naturais, no perodo 1970-1989. Fonte: Sigma 2/90, Swiss Reinsurance Company (1990), in ONU - ORGANIZACIN DE LAS NACIONES UNIDAS (1992), p.10.

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Figura 1.5. Percentuais de mortes diretamente decorrentes de acidentes naturais, por tipo de acidente, no sculo XX (sob um total de 4.080.000). Fonte: Adaptado de COMMITTEE FOR DISATER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN (1989), p.10.

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Como se v na Figura 1.5, as mortes causadas por escorregamentos corresponderiam a apenas 0,1% de um total de 4.080.000 ocorridas no sculo XX, at 1989, o que redundadria em 4.080. Mas para JONES (1992)37 , p.117/141, que reuniu dados sobre grandes escorregamentos ocorridos tambm no sculo XX, at 1988, em todo o mundo, as mortes por este tipo de acidente somariam mais de 266.600, o que mostra grande disparidade em relao aos dados obtidos pelos japoneses. As informaes reunidas por Jones encontram-se na Tabela 1.1. Ora, se apenas reinjetssemos os dados considerados por Jones nas estatsticas elaboradas pelos japoneses, as mortes provocadas por escorregamentos passariam a significar, pelo menos, 6,5 % do total. Verifica-se que as disparidades so acentuadas. Estas tambm se originam na prpria deficincia dos dados estatsticos no mbito internacional, no permitindo interpretaes suficientemente seguras. Com certeza, as perdas de vidas decorrentes de instabilizaes em encostas propriamente ditas so bastante superiores s consideradas pelos japoneses e inferiores s compiladas por Jones.36

Os escorregamentos, no mbito internacional, no constituem os acidentes mais danosos. Estes so principalmente gerados por terremotos, inundaes, furaces, tufes, tornados e congneres que, exceo das inundaes, no se manifestam, de maneira importante, no Brasil.

Tabela 1.1. Mortes em grandes escorregamentos do Sculo XX (at 1988). Fonte: adaptado de JONES (1992)38

JONES, D.K.C. (1992). Landslide hazard assesment in the context of development. In McCall, G.J.H., Laming, D.J.C. et Scott, S.C. (organizadores): Geohazards: Natural and man-made. 38 Id, Ib.37

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Do ponto de vista de prejuzos materiais imediatos, aqui entendidos como o valor do patrimnio material destrudo diretamente pelos acidentes, as estatsticas encontradas so tambm pouco esclarecedoras. Para BRABB (1991), apud AUGUSTO FILHO (1993)39 , p.1, no tocante a instabilizaes em encostas, tais prejuzos podem ser estimados na casa dos bilhes de dlares anuais em todo o mundo. Este dado, ainda que bastante impreciso, encontra forte eco nas estatsticas isoladas de alguns pases como Itlia e Estados Unidos da Amrica do Norte. Na Itlia, no princpio da dcada de 70, estimou-se um prejuzo anual em torno dos 1.140.000.000 dlares, em virtude de escorregamentos, enquanto que nos EUA, as perdas, no mesmo perodo, giravam em torno de 1.000.000.000 de dlares anuais, como destaca JONES (1992)40, citando SCHUSTER (1978), p.124. Jones citava ainda os prejuzos medidos ou projetados desde o incio dos anos 1970 at o final da dcada de 1990, apenas para o Estado da Califrnia (EUA), por ALFORS et al. (1978), que seria de 9.850.000.000 dlares. Neste ltimo caso, as perdas projetadas pressupunham a manuteno dos nveis ento correntes de investimentos em aes preventivas. Note-se que apenas para aquele Estado americano, considerava-se um prejuzo anual mdio, associado a escorregamentos, de cerca de 330.000.000 de dlares, superado apenas pelos prejuzos relacionados a terremotos, para os quais se previam perdas anuais mdias por volta de 700.000.000 de dlares.

Alm do patrimnio diretamente destrudo em acidentes, as instabilizaes em encostas podem determinar transtornos sociais, assim como a necessidade de aes corretivas, por parte do Estado, cujos custos tendem a ser elevados e incluem, entre outras: - necessidade de mobilizao de organizaes de defesa civil e paralisao parcial ou total das atividades normais nas reas atingidas; - remoo, em carter provisrio ou definitivo, de habitantes dos locais afetados, o que exige alojamentos provisrios e/ou a obteno ou construo de unidades habitacionais em local seguro, para relocaes definitivas; - implantao, nas reas afetadas, de obras emergenciais para refrear novos escorregamentos; - implantao, nas reas afetadas, de obras definitivas que tendem a incluir: obras de drenagem e conteno urbanizao ou reurbanizao das reas afetadas novas remoes provisrias ou definitivas de unidades habitacionais.

1.6 - Aproximao a um quadro nacionalH grande dificuldade de se avaliar o significado de cada tipo de risco fsico no Brasil. Se no mbito internacional h estatsticas, apesar de suas disparidades, no Brasil h carncia quase absoluta de dados confiveis.

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AUGUSTO FILHO, O. (1993). Carta de risco de escorregamentos: uma proposta metodolgica e sua aplicao no Municpio de Ilha Bela SP . JONES, D.K.C. (1992). Landslide hazard assesment in the context of development. In McCall, G.J.H., Laming, D.J.C. et Scott, S.C. (organizadores): Geohazards: Natural and man-made.39 40

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Em se tratando de riscos fsicos, conta-se no Brasil com uma avaliao mais qualitativa que quantitativa, ainda que alguns autores, como GONALVES (1992)41 , p. 79/92, no referente a escorregamentos em Salvador (BA) e rgos como o IPT Instituto de Pesquisas Tecnolgicas do Estado de So Paulo, no especificamente tocante a acidentes de natureza geolgico-geotcnica, tenham dado incio sistematizao de informaes de episdios histricos disponveis e ao registro mais sistemtico dos episdios recentes. Na ausncia de bases de dados adequadas, ficase principalmente merc do pragmatismo dos tcnicos para se delinear uma hierarquizao. Enchentes e instabilizaes em encostas, sem uma hierarquizao explcita, so consideradas, no meio tcnico nacional, como os principais riscos fsicos presentes no Brasil. Considera-se ainda que as enchentes e inundaes so responsveis pelas mais severas perdas materiais, causando, porm, um nmero relativamente pequeno de mortes. Aceita-se que as instabilizaes em encostas geram o maior nmero de perdas de vidas, mas tendem a ocasionar danos patrimoniais imediatos menos pronunciados que as enchentes. Outros riscos fsicos esto tambm presentes no Brasil, tais como secas, tormentas, vendavais, precipitaes de granizo e geadas, sismos ou terremotos, eroses, subsidncias e colapsos de solo. exceo das secas (cujos efeitos, tanto diretos quanto indiretos, so de difcil aferio), tais riscos tm gerado perdas essencialmente econmicas,em escalas menos expressivas que as inundaes e instabilizaes em encostas.

1.6.1 - Mortes A Tabela 1.2, a seguir, apresenta o nmero de mortes ocorridas em desastres em encostas, no Brasil, com cinco ou mais bitos, do incio do sculo XX at abril de 1994. Acidentes isolados, com menos de cinco vtimas (que no esto considerados na Tabela), se somados, perfariam ainda mais dezenas de vtimas. Observando-se a Tabela 1.2, cabe um comentrio: se, apenas no Brasil, no perodo de 1928 a 1989 ocorreram 2.838 mortes (resultado da soma parcial at 1989, inclusive), torna-se ainda mais difcil aceitar a exatido dos dados do COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN (que indicavam apenas 4.080 mortes, em todo o mundo, entre 1900 e 1989), como resultantes de escorregamentos. Note-se ainda disparidade destacada no dado usado por Jones para o Rio de Janeiro, em 1966 (1.000 mortes), frente a dados compilados no Brasil, que apontam apenas 100 mortes. 1.6.2 - Prejuzos materiais e transtornos sociais Do ponto de vista de prejuzos materiais, poucos so os dados sistematizados disponveis no Brasil, destacando-se os reunidos por AUGUSTO FILHO (1993)42 , p.2, apresentados no Quadro 1.1. Note-se que os dados se referem apenas a componentes de patrimnio, e no a seu valor, impossibilitando comparaes com os do mbito internacional.

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GONALVES, N.M.S. (1992). Impactos fluviais e desorganizao do espao em Salvador - BA. Tese de Doutoramento. AUGUSTO FILHO, O. (1993). Carta de risco de escorregamentos: uma proposta metodolgica e sua aplicao no Municpio de Ilha Bela SP . 43 Fontes: A tabela apresentada congrega dados de GONALVES (1992) e de quatro autores pertencentes aos quadros do IPT, a saber: CERRI (1992), GAMA JR (1992), AUGUSTO FILHO (1993) e MACEDO (1997).41 42

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