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CIELO, Carla Aparecida, MORISSO, Marcela Forgiarini e CON- TERO, Giseane. Hábitos e queixa vocais de estudantes de comunica- ção. Salusvita, Bauru, v. 28, n. 2, p. 169-181, 2009. RESUMO Tema: Hábitos e queixas vocais de estudantes de comunicação. Ob- jetivo: Vericar os principais hábitos vocais inadequados e queixas apresentadas por estudantes de comunicação. Método: Foi aplicado um questionário de múltipla escolha, com posteriores palestras sobre saúde e aperfeiçoamento vocal no meio radiofônico a 25 estudantes de Comunicação, de ambos os sexos e de semestres variados, que cursavam a disciplina de Rádio e estavam vinculados a uma Uni- versidade particular. Resultados: o hábito de falar muito (72%); o não esforço ao falar (80%); a ausência de queixas de alteração vocal (80%); o hábito de não pigarrear (80%); e o hábito de beber água (76%) foram estatisticamente signicativos. A maioria dos estudan- tes também mostrou: rouquidão cotidiana (60%); cansaço vocal após o uso intenso da voz (60%); voz pior pela manhã (52%); hábito de falar forte (60%); de falar rápido (56%); de beber gelados (52%); uso intensivo da voz ao telefone (52%); e voz prossional diferente da coloquial (60%). Conclusão: a voz coloquial era diferente da voz pro- ssional, no entanto os estudantes não apresentavam voz técnica ou 169 HÁBITOS E QUEIXAS VOCAIS DE ESTUDANTES DE COMUNICAÇÃO Carla Aparecida Cielo 1 Marcela Forgiarini Morisso 2 Giseane Conterno 3 Recebido em: 15/4/2008 Aceito em: 22/6/2008 1 Fonoaudióloga, Doutora em Lingüística Aplicada, Professor Ad- junto do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-grad- uação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Fed- eral de Santa Maria /RS (UFSM). 2 Fonoaudióloga clínica, Mestre em Distúrbios da Comunicação Hu- mana UFSM/RS. 3 Fonoaudióloga clínica, mestranda em Distúr- bios da Comunicação Humana – UFSM/RS.

HÁBITOS E QUEIXAS VOCAIS DE ESTUDANTES DE … · notícia ao telespectador. ... Relações Públicas, e Publicidade e Propa-ganda, ... teste de Fischer para veri fi car as possíveis

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CIELO, Carla Aparecida, MORISSO, Marcela Forgiarini e CON-TERO, Giseane. Hábitos e queixa vocais de estudantes de comunica-ção. Salusvita, Bauru, v. 28, n. 2, p. 169-181, 2009.

RESUMO

Tema: Hábitos e queixas vocais de estudantes de comunicação. Ob-jetivo: Verifi car os principais hábitos vocais inadequados e queixas apresentadas por estudantes de comunicação. Método: Foi aplicado um questionário de múltipla escolha, com posteriores palestras sobre saúde e aperfeiçoamento vocal no meio radiofônico a 25 estudantes de Comunicação, de ambos os sexos e de semestres variados, que cursavam a disciplina de Rádio e estavam vinculados a uma Uni-versidade particular. Resultados: o hábito de falar muito (72%); o não esforço ao falar (80%); a ausência de queixas de alteração vocal (80%); o hábito de não pigarrear (80%); e o hábito de beber água (76%) foram estatisticamente signifi cativos. A maioria dos estudan-tes também mostrou: rouquidão cotidiana (60%); cansaço vocal após o uso intenso da voz (60%); voz pior pela manhã (52%); hábito de falar forte (60%); de falar rápido (56%); de beber gelados (52%); uso intensivo da voz ao telefone (52%); e voz profi ssional diferente da coloquial (60%). Conclusão: a voz coloquial era diferente da voz pro-fi ssional, no entanto os estudantes não apresentavam voz técnica ou

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HÁBITOS E QUEIXAS VOCAIS DE ESTUDANTES DE COMUNICAÇÃO

Carla Aparecida Cielo1

Marcela Forgiarini Morisso2

Giseane Conterno3

Recebido em: 15/4/2008Aceito em: 22/6/2008

1Fonoaudióloga, Doutora em Lingüística Aplicada, Professor Ad-junto do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-grad-

uação em Distúrbios da Comunicação Humana

da Universidade Fed-eral de Santa Maria /RS

(UFSM).2Fonoaudióloga clínica,

Mestre em Distúrbios da Comunicação Hu-

mana UFSM/RS.3Fonoaudióloga clínica,

mestranda em Distúr-bios da Comunicação Humana – UFSM/RS.

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haviam realizado cursos ou tratamentos para a voz, nem utilizavam modelo de outro profi ssional, sendo todos esses aspectos estatisti-camente signifi cativos; houve evidências de sintomas indicativos de falta de resistência vocal e de falta de consciência sobre as relações das queixas, sintomas e hábitos referidos com a própria produção vocal coloquial ou profi ssional.

Palavras-chave: Comunicação. Voz. Qualidade da voz. Distúrbios da voz.

ABSTRACT

Theme: The vocal habits and signs of students’ communication. Aim: To investigate the mainly badly vocal habits and signs showed by students’ communication. Method: First, it was applied a questionnaire with requests of multiple choices followed for lectures about health and voice improvement in a radiophone environment for twenty- fi ve communication’ students, both genders, of various semesters that were studying about radio knowledge and were linked to a private University. Results: the habit to talk too much (72%); the no intensive voice use (80%); no signs of voice disorders (80%); no presence of throat cleaning (80%); and the habit of drinking water (76%) were statistically signifi cance. The most part of communication students also showed: an usual roughness in their voices (60%); tired voice after the intensive voice use (60%); the worst voice’s quality in the morning (52%); the habit to speak in a very intensive way (60%); the fast habit of speaking (56%); the habit to drink cold (52%); the intensive voice use on the telephone (52%); and a difference between the colloquial and professional voice (60%). Conclusion: The colloquial voice showed difference if compared with the professional voice. Therefore the students didn’t have a technical voice or had have courses or treatments for voice improvement. They also didn’t use another professional model of voice, and all this aspects studied had a statistical signifi cance; there also an evidence of symptoms that indicated any vocal resistance and any awareness about the relationship between the signs, symptoms and the voice problems, referred for the students because their bad voice habit with the voice use in a colloquial and professional voice

Keywords: Communication, voice, voice quality, voice disorders.

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INTRODUÇÃO

A voz é uma característica pessoal (ARAÚJO et al., 2002) que tem grande importância para todos os indivíduos, especialmente para aqueles que a utilizam ocupacionalmente como instrumento de trabalho.

Por muito tempo, as alterações vocais encontradas em indivíduos que fazem uso profi ssional da voz, sempre foram vistas como ques-tões individuais de saúde e não como alterações possivelmente rela-cionadas ao trabalho (SIMÕES-ZENARI e LATORRI, 2008).

Já atualmente é notório que uma maior importância é dada à voz dos locutores, a fi m de que tais profi ssionais obtenham conheci-mento sobre os hábitos de higiene vocal para prevenirem alterações vocais que possam prejudicar a efetividade do seu trabalho (BRITO e SANTIAGO, 2005).

Durante algum tempo, vivenciou-se no Brasil uma fase de ditadu-ra vocal, quando era proibido falar com espontaneidade e naturalida-de. Neste período, os repórteres preocupavam-se apenas em passar a notícia ao telespectador. Hoje, a grande maioria dos comunicadores de rádio e de TV procura o fonoaudiólogo em seu próprio consul-tório, motivados por um padrão de fala mais espontâneo (STIER e BEHLAU, 2001).

Desta forma, a Fonoaudiologia, na última década, passou a ocupar um espaço importante, como ciência, junto à revolução dos meios de comunicação. Os profi ssionais da comunicação estão merecendo maior atenção do fonoaudiólogo no que tange à saúde da sua comu-nicação e aos aspectos estéticos e preventivos da voz (LOZANO e BEHLAU, 2001), uma vez que a disfonia, quadro que se caracteriza por uma deterioração na produção da voz, é um sintoma freqüente nesses profi ssionais, para os quais a voz é elemento indispensável (SERVILHA, 2002).

Atualmente, estudos referindo a prevalência de desordens vocais na população adulta ainda são pouco difundidos, mas sabe-se que os usos vocais incorretos e os padrões vocais exigidos são fatores que contribuem para o desenvolvimento de patologia vocal nesses sujeitos (ROY et al., 2005). Outro aspecto importante é a escassez de estudos sobre voz profi ssional na área da comunicação social, sendo que a maioria dos estudos é relacionado a professores, cantores e professores de educação física (WILLIAMS, 2003).

Por esses motivos, ações preventivas deveriam ser adotadas na atenção integral aos profi ssionais da comunicação. No entanto, o tra-balhador geralmente não recebe qualquer informação sobre o fun-cionamento e os cuidados vocais indispensáveis a fi m de diminuir

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o risco de apresentar disfonia. Os cuidados vocais são propagados entre cantores, artistas, e professores, mas pouco difundidos no meio radiofônico e televisivo (ORTIZ et al., 2004).

Com base no que foi exposto anteriormente, o objetivo deste tra-balho foi verifi car os principais hábitos vocais inadequados e quei-xas apresentadas por estudantes de comunicação, vinculados à ca-deira de Rádio, de uma Universidade particular. Os resultados desta pesquisa serão importantes para os profi ssionais da Fonoaudiologia que enfatizam seu trabalho na área de voz, proporcionando conhe-cimento sobre novos dados para o trabalho cotidiano com os profi s-sionais da voz.

MÉTODOS

Participaram do estudo 25 estudantes de Comunicação dos cursos de Jornalismo, Relações Públicas, e Publicidade e Propa-ganda, sendo 12 do sexo feminino e 13 do sexo masculino, com faixa etária de 18 a 39 anos, vinculados à disciplina de Rádio de uma Universidade particular. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (CONEP/Res.196/96) e responderam a um questionário (Anexo 1) baseado na avaliação de Lozano e Behlau (2001) sobre o perfi l vocal dos jornalistas da imprensa escrita, elaborado exclusivamente para esta pesquisa, sem teste prévio. O referido questionário constava de 35 questões sobre sintomas vocais, utilização da voz profi ssional, maus hábitos vocais, comportamento vocal, crenças populares, e queixas otorri-nolaringológicas.

A elaboração do instrumento (Anexo1) foi efetuada de maneira a ser facilmente respondido pelos estudantes, pois o mesmo apre-sentava questões de múltipla escolha e um quadro de identifi cação profi ssional a ser preenchido. No fi nal do mesmo, os estudantes pu-deram expor seus comentários por escrito. Os questionários foram aplicados de forma individual, sendo que, previamente à entrega, os alunos foram orientados a marcar com um X apenas uma resposta para cada pergunta. Todos os questionários foram respondidos em um único encontro, sendo que nenhum dos estudantes recebeu in-formações prévias sobre saúde e aperfeiçoamento vocal para a mar-cação do mesmo.

Depois de respondido o questionário, os estudantes participaram de uma palestra sobre saúde e aperfeiçoamento vocal no meio radio-fônico e televisivo.

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Para a análise dos dados obtidos por meio do instrumento, utili-zou-se teste estatístico paramétrico para diferentes proporções, e o teste de Fischer para verifi car as possíveis correlações entre os dados. Ambos os testes utilizaram o nível de signifi cância de 5% (p<0,05).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, sob o protocolo de número 047-04.

RESULTADOS

Os resultados deste estudo podem ser vistos nas tabelas à seguir.

TABELA 1 - Distribuição relativa dos estudantes de comunicação quanto aos cursos de Relações Públicas (RP), Publicidade e Propa-ganda (PP), e Jornalismo (JO)

Estudantes de Comunicação %

Relações Públicas (RP) 4%

Publicidade e Propaganda (PP) 28%

Jornalismo (JO) 68%

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TABELA 2 - Distribuição relativa e nível de signifi cância estatística das queixas, hábitos e problemas vocais relatados pelos sujeitos

Queixa/Hábito/Problema relatado Sim Não Valor de p

Queixas de alteração vocal 20% 80% p<0,001*

Episódios de rouquidão durante as atividades do dia-a-dia. 60% 40% p>0,05

Mudança vocal durante o dia 32% 68% p>0,05

Alteração vocal frente a mudanças bruscas de temperatura 40% 60% p>0,05

Alteração vocal em ambientes refrigerados 36% 64% p>0,05

Alteração vocal em ambientes ruidosos 40% 60% p>0,05

Cansaço vocal após o uso intensivo da voz 60% 40% p>0,05

Dores no pescoço e/ou nuca 36% 64% p>0,05

Dor ao falar 8% 92% p>0,05

Qualidade vocal pior pela manhã 52% 48% p>0,05

Piora vocal pela noite 12% 88% p>0,05

Hábito de falar muito 72% 28% p<0,01*

Hábito de falar forte 60% 40% p>0,05

Hábito de falar rápido 56% 44% p>0,05

Uso intensivo da voz ao telefone 52% 48% p>0,05

Hábito de beber água freqüentemente 76% 24% p<0,001*

Esforço ao falar 20% 80% p<0,001*

Hábito do tabagismo 8% 92% p>0,05

Hábito de pigarrear 20% 80% p<0,001*

Hábito de beber café antes do uso profi ssional da voz 12% 88% p>0,05

Hábito de beber líquidos gelados 52% 48% p>0,05

Problemas de audição 8% 92% p>0,05

Uusar modelo de voz de outro profi ssional 16% 84% p>0,05

Voz coloquial diferente da profi ssional 60% 40% p>0,05

Usar voz técnica 36% 64% p>0,05

Fizeram cursos para melhorar a voz e a dicção 12% 88% p>0,05

Fizeram tratamento fonoaudiológico 4% 96% p>0,05

* Signifi cância estatística

DISCUSSÃO

De acordo com a literatura científi ca (SIMÕES, 2000; ROY et al., 2005), a maioria dos profi ssionais da voz é suscetível a patolo-

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gias vocais. Isto devido à falta e/ou ao pouco conhecimento sobre produção e higiene vocal, condições ambientais desfavoráveis, uso incorreto da voz, número excessivo de horas de trabalho, sobrecarga emocional, dentre outros, respaldando, assim, os resultados deste es-tudo, pois a maioria dos estudantes de Comunicação apresentou altos índices de sintomas vocais e de usos incorretos da voz.

Nos resultados desta pesquisa, encontrou-se percentual estatisti-camente signifi cativo em relação ao hábito de falar muito (Tabela 2), condizente com o fato de o cansaço vocal ter aparecido como um dos sintomas perceptualmente mais referidos (Tabela 2).

No entanto, a fadiga vocal pode estar relacionada também aos hábitos de falar forte e rápido, e ao uso intensivo da voz, os quais, apesar de não apresentarem signifi cância estatística, foram citados pela maioria dos sujeitos (Tabela 2).

Refere-se na literatura que a fadiga vocal está freqüentemente as-sociada ao uso impróprio da musculatura do abdome e do pescoço (FUESS e LORENZ, 2003), podendo-se verifi car, neste estudo, pos-sível relação entre a freqüente presença da fadiga vocal com o fato da maioria dos sujeitos apresentar queixa de dores no pescoço e/ou nuca (Tabela 2).

No estudo de Figueiredo et al. (2003), com profi ssionais que fa-ziam uso da voz como meio de trabalho, verifi cou-se que a maio-ria dos investigados referiu cansaço vocal após jornada intensiva de trabalho, ocorrência verifi cada também no presente estudo, no qual 60% dos estudantes citou a fadiga vocal como um sintoma presente nas atividades de uso vocal intenso (Tabela 2).

No trabalho de Delcor et al. (2004), a presença de rouquidão foi verifi cada como sintoma presente em 59,2% dos sujeitos que usa-vam a voz profi ssionalmente, fato que foi característico, também, nos achados deste trabalho, sendo que a maioria dos sujeitos referiu apresentar episódios de rouquidão durante as atividades do dia-a-dia (Tabela 2).

Juntamente com os episódios de rouquidão no dia-a-dia, o cansaço vocal após uso intensivo da voz, o hábito de falar rápido e o de beber gelados, embora sem signifi cância estatística, também foram relata-dos pela maioria dos estudantes (Tabela 2), o que reforça a predispo-sição desses profi ssionais à presença de disfonia (SERVILHA, 2002).

Porém, pôde-se observar que a maioria não relacionou a sua quei-xa vocal com a atuação profi ssional, pois o número de sujeitos que referiu não apresentar queixa vocal foi estatisticamente signifi cati-vo, apesar dos mesmos referirem sintomas de rouquidão e cansaço vocal, após o uso intensivo da voz, e qualidade vocal pior pela ma-nhã, fato concordante com a literatura (LEHTO et al., 2000; SIUP-

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SINSKIENE, 2003; TIMMERMANS et al., 2003) que afi rma que, mesmo quando os profi ssionais não possuem alteração de voz, refe-rem algum tipo de queixa vocal.

De acordo com Behlau e Ziemer (1988), a voz traz em si uma dimensão sócio-educacional, em que padrões de identifi cação com determinado grupo são incorporados por um processo de mimetis-mo cultural. Assim, adotam-se padrões de emissão comuns a de-terminados grupos, como a voz de locutor, de padre, de policial, de professora, etc.

Na presente pesquisa, ao se analisar o fato da maioria dos sujeitos ter relatado fazer uso de uma voz coloquial diferente da voz que uti-lizam profi ssionalmente (Tabela 2), o que pode ser considerado mais um fator a contribuir para o desgaste fonatório, percebe-se que, ape-sar dessa diferença de voz na atividade profi ssional ser esperada, os sujeitos deste estudo provavelmente realizaram ajustes inadequados para obter a “voz profi ssional”, visto os sintomas e os hábitos vocais negativos relatados pela maioria.

Tais colocações vão ao encontro da literatura que afi rma que os locutores de rádio, embora reconheçam a voz como um importante instrumento de trabalho e demonstrem interesse em preservá-la, dei-xam de adotar medidas importantes para manutenção da saúde vo-cal, mostrando possuir conhecimento insufi ciente sobre os sintomas vocais e cuidados com a voz (LEITE e VIOLA, 1995).

Tais afi rmações são pertinentes ao se analisar os itens referentes à realização de cursos, para melhora da voz e da dicção, e a reali-zação de terapia fonoaudiológica, que foram referidos pela minoria dos sujeitos (Tabela 2), confi rmando o não conhecimento sobre téc-nicas vocais e a efi ciência do aperfeiçoamento vocal no seu meio de trabalho, apesar de muitos estudos mostrarem que há melhora vocal em profi ssionais da voz que são treinados nas habilidades básicas de respiração, postura, articulação, e dicção (TIMMERMANS et al., 2004; SCHNEIDER et al., 2004; WISKIRSKA-WOZNICA et al., 2004) e que tais profi ssionais necessitam de orientações quanto ao uso e cuidados com a voz (SOUZA e THOMÉ, 2006).

No estudo de Brito e Santiago (2005), realizado com locutores de rádio, grande parte dos entrevistados relatou ter consultado um fonoaudiólogo pelo menos uma vez, dado não observado no presente trabalho, visto que somente 4% dos estudantes referiu ter feito tra-tamento fonoaudiológico (Tabela 2). Porém, o estudo dos mesmos autores refere que, apesar da maioria dos locutores ter freqüenta-do o consultório fonoaudiológico, pouco é o conhecimento que este profi ssional tem quanto aos hábitos de higiene vocal, o que foi con-dizente com os achados do presente estudo, já que a maioria dos es-

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tudantes de Comunicação mencionou os hábitos, prejudiciais à voz, de falar muito, falar forte, falar rápido, fazer uso intensivo da voz ao telefone, e beber líquidos gelados.

Constata-se que, em geral, os profi ssionais da voz mostram uma prática inadequada de preservação vocal, podendo-se verifi car a im-portância de realização, por parte dos fonoaudiólogos, de um tra-balho de conscientização vocal (HORTA e CARBONELL, 1999; SCHNEIDER e BIGENZAHN, 2005; SOUZA e THOMÉ, 2006). Importância essa, evidenciada no estudo de Vieira et al. (2005), no qual foi comprovado o efeito positivo da atuação fonoaudiológica, em um grupo de estagiários de jornalismo de uma emissora de tele-visão que receberam intervenção fonoaudiológica breve, segundo os parâmetros de expressão vocal e corporal.

Noutro estudo (ORTIZ et al., 2004), também foram consta-tados, como principais sintomas em profi ssionais da voz, a disfonia e a fadiga vocal e, na avaliação fonoaudiológica dos sujeitos, 80% apresentou alteração vocal relacionada ao exercício do trabalho, o que converge com os resultados encontrados na presente pesquisa que mostram que a maioria dos sujeitos referiu rouquidão cotidiana, fadiga vocal após uso intensivo da voz, e qualidade vocal pior pela manhã.

Quanto ao hábito de beber água, a maioria signifi cativa dos es-tudantes referiu apresentá-lo (Tabela 2). No entanto, é importante ressaltar que os estudantes que participaram deste estudo hidratam-se durante o trabalho, mas com a ressalva de que não apresentam hábitos de higiene vocal, como já foi evidenciado.

Assim, tal resultado vem ao encontro do estudo de Yiu e Chan (2003) que verifi caram a efi cácia da hidratação vocal em indivíduos que fazem uso profi ssional da voz, afi rmando que a hidratação auxi-lia a preservação da função vocal constante e melhora a resistência vocal, mas apenas a hidratação não é sufi ciente e não previne outras alterações vocais.

Reforçando os comentários anteriores, o estudo de Solomon et al. (2003) investigou a hidratação vocal após o uso prolongado da voz em indivíduos de ambos os sexos, e verifi cou que, no sexo masculi-no, o hábito de beber água não benefi ciou a função vocal, pois houve muita variação entre os indivíduos, mostrando que, com ou sem hi-dratação adequada, esses sujeitos apresentaram algum tipo de alte-ração vocal. Tais afi rmações são convergentes com os resultados do presente estudo, em que a maioria dos sujeitos era do sexo masculino e referiu queixa vocal, mesmo apresentando o hábito de beber água.

Em relação ao hábito de pigarrear, prática prejudicial, pois provo-ca choque mecânico entre as pregas vocais (KYRILLOS, 2003), este

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foi negado pela maioria signifi cativa dos sujeitos estudados (Tabela 2), divergindo do estudo sobre locutores de rádio de Brito e Santiago (2005) que mostraram que os locutores não conheciam os malefícios do pigarro e sua ocorrência era freqüente.

De forma muito interessante, a ausência de queixas de alteração vocal e a afi rmação, por parte dos sujeitos desta pesquisa, de que não realizavam esforço ao falar apresentaram signifi cância estatísti-ca, contrastando com a referência, também signifi cativa do hábito de falar muito e com os altos percentuais das referências de: rouquidão no dia-a-dia; cansaço vocal; fala forte; voz coloquial diferente da profi ssional; qualidade vocal pior pela manhã; fala rápida; uso vocal intenso ao telefone; e hábito de beber gelados.

Provavelmente este contraste se deva à falta de conhecimento so-bre a produção da voz e sua conseqüente falta de auto-percepção para relacionar os sintomas negativos ao esforço vocal e à própria voz.

CONCLUSÕES

Concluiu-se, neste estudo, que:

1- o hábito de falar muito; a ausência de esforço ao falar; o hábito de beber água freqüentemente; a ausência de queixa de alteração vo-cal; e o hábito de não pigarrear foram estatisticamente signifi cativos;

2 - em sua maioria, embora sem signifi cância estatística, os estu-dantes referiram episódios de rouquidão no dia-a-dia; cansaço vocal após o uso intensivo da voz; qualidade vocal pior pela manhã; hábito de falar rápido; de beber gelados; de falar forte; e uso vocal intenso ao telefone, evidenciando possível predisposição à disfonia.

3 - a voz coloquial era diferente da voz profi ssional, mas os estu-dantes não apresentavam voz técnica ou haviam realizado cursos ou tratamentos para a voz, nem utilizavam modelo de outro profi ssional, sendo todos esses aspectos estatisticamente signifi cativos, sugerindo uma voz profi ssional inadequada do ponto de vista fi siológico;

4 – houve evidências de sintomas indicativos de falta de resistência vocal e de falta de consciência sobre as relações entre as queixas,os sintomas e os hábitos vocais referidos e a própria produção vocal coloquial ou profi ssional.

Todos esses aspectos sugerem falta de conhecimento, de cons-ciência e de preparo vocais em um grupo que pode ser classifi cado como de usuários profi ssionais da voz, evidenciando a necessidade da atuação fonoaudiológica neste meio.

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