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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MÚSICA HARMONIZAÇÃO DE MELODIA DE CANÇÃO PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

HARMONIZAÇÃO DE MELODIA DE CANÇÃO

PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

HARMONIZAÇÃO DE MELODIA DE CANÇÃO

PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

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SUMÁRIO

1. TIPOS DE HARMONIZAÇÃO DE MELODIA ............................................... 1 1.1. RITMO HARMÔNICO ......................................................................... 2 1.2. HARMONIZAÇÃO DE MELODIA INSTRUMENTAL ............................................. 5

2. TIPOS DE ACOMPANHAMENTO ............................................................ 9 2.1. ACOMPANHAMENTO COM NOTA PEDAL................................................... 10 2.2. ACOMPANHAMENTO EM OSTINATO ....................................................... 15 2.3. ACOMPANHAMENTO EM ESTILO CORAL (OU À MANEIRA CORAL) ........................ 17 2.4. ACOMPANHAMENTO EM BLOCO........................................................... 18 2.5. ACOMPANHAMENTO ARPEJADO .......................................................... 21 2.6. ACOMPANHAMENTO RÍTMICO ............................................................. 26 2.7. ACOMPANHAMENTO SINCOPADO ......................................................... 47 2.8. ACOMPANHAMENTO COMPLEMENTAR.................................................... 47 2.9. ACOMPANHAMENTO INTERMITENTE ...................................................... 49 2.10. ACOMPANHAMENTO COM BAIXO CANTANTE ............................................ 51 2.11. ACOMPANHAMENTO SEMICONTRAPONTÍSTICO......................................... 51 2.12. ACOMPANHAMENTO CONTRAPONTÍSTICO .............................................. 53 2.13. ACOMPANHAMENTO HETEROFÔNICO ................................................... 55 2.14. COMBINAÇÃO DE DIFERENTES TIPOS DE ACOMPANHAMENTO......................... 60 2.15. COMBINAÇÃO DE TEXTURAS ............................................................ 68

3. AMPLIAÇÃO HARMÔNICA ................................................................. 71 3.1. SUBSTITUIÇÃO DE ACORDES.............................................................. 71

a) Empréstimo Modal.................................................................. 75 b) Mediantes Cromáticas ............................................................. 81 c) Dominantes Alteradas ............................................................. 91 d) Quadro geral de substituições .................................................. 94 e) Princípio da nota comum ......................................................... 98

4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.......................................................... 105

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1. TIPOS DE HARMONIZAÇÃO DE MELODIA

O estudo de Harmonia Tradicional geralmente é dedicado à

harmonização de melodia coral, em que a técnica básica consiste na escolha

de um acorde específico para cada nota da melodia, como freqüentemente

ocorre nos corais de Johann Sebastian Bach e seus contemporâneos.

Os métodos empregados por Bach são ainda hoje tomados como

modelares pelos tratados e pelos professores de harmonia. A análise detalhada

da canção popular contemporânea demonstra que, mesmo em gêneros

distantes estilisticamente da música de Bach, seus métodos continuam a ser

empregados na prática musical, nos trabalhos de harmonização e em arranjos.

Uma das diferenças mais importantes entre o Sistema Tonal do século

XVIII e a canção popular contemporânea é o vocabulário harmônico. No século

XVIII, toda a harmonização tinha por base a ressonância de um som

fundamental até o oitavo harmônico, isto é, a maior parte dos acordes era

formada por tríades perfeitas ou por acordes maiores com sétima menor

(classificados como sétima da dominante).

Atualmente, são possíveis todos os tipos de combinação de acordes e

ampliações da harmonia, seja através de expansão ou adição de notas às

tríades, com acordes de nona, décima primeira, décima terceira ou sexta

adicionada, ou com emprego de acordes não-triádicos, embasados na

sobreposição de intervalos de quarta (harmonia quartal) ou de segundas

(clusters).

Além do vocabulário harmônico – isto é, o tipo de acordes empregados,

que define o material básico de organização das alturas –, outros fatores

também são determinantes para a diferenciação entre as técnicas de

harmonização de melodia coral e os métodos de harmonização de melodia de

canção ou instrumental. Entre esses fatores, os mais proeminentes são o ritmo

harmônico e os tipos de acompanhamento.

Este capítulo abordará o ritmo harmônico da canção e a harmonização

de melodia instrumental, sendo que os próximos capítulos serão dedicados aos

tópicos referentes aos tipos de acompanhamento e à ampliação da harmonia.

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1.1. Ritmo harmônico

Uma das características mais determinantes na diferenciação entre a

técnica de harmonização de melodia coral e os processos de harmonização de

melodia de canção é o ritmo harmônico. Em geral, o movimento harmônico na

música coral é mais intenso do que na canção, pois, se nesta, a harmonia é

mais ampla, naquela se movimenta mais rapidamente.

No exemplo baixo, extraído do coral Valet will ich dir geben, de Bach, há

um ritmo harmônico relativamente rápido, pois a mudança de acordes se

estabelece em cada tempo para que cada nota da melodia seja carregada por

um acorde distinto.

Exemplo nº 1

Diferentemente, a harmonização de melodia de canção apresenta um

ritmo harmônico mais lento, em que o mesmo acorde permanece durante um

ou dois compassos; os acordes podem até mesmo durar mais do que alguns

poucos compassos. Com isso, várias notas melódicas são carregadas por um

único acorde.

Neste trecho da canção Am Feierabend, que faz parte do ciclo Die

Schöne Müllerin, de Franz Schubert, há predomínio de um acorde por

compasso, sendo que, nos dois primeiros compassos do exemplo a seguir, o

mesmo acorde de F é repetido, o que torna o ritmo harmônico desses dois

compassos ainda mais lento.

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Exemplo nº 2

Na canção folclórica brasileira Marcha Soldado, o ritmo harmônico varia

entre dois e quatro compassos para cada acorde, como se pode perceber no

exemplo abaixo.

Exemplo nº 3

O ritmo harmônico é uma das diferenças mais importantes entre as

técnicas de harmonização de melodia coral e de melodia de canção. Essa

diferença é tão definidora do estilo de harmonização que, quando determinado

trecho de melodia de canção é harmonizado com o processo nota-contra-nota,

costuma-se chamar de ‘acompanhamento à maneira coral’1.

A razão para a existência dessa diferença de ritmo harmônico entre os

dois processos de harmonização está em que a melodia de canção é

geralmente construída com base na ressonância de determinada fundamental,

ao passo que a melodia coral é predominantemente em graus conjuntos.

1 Cf. Schoenberg, 1991, p 108.

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A melodia da canção folclórica Nesta Rua ilustra essa diferença.

Exemplo nº 4

A análise dessa canção demonstra que a maior parte da melodia é

construída com base em arpejos sobre os acordes do acompanhamento. Já no

início, das dez notas que compõem a anacruse e o primeiro compasso da

música, oito são obtidas pela ressonância do acorde de Bm (notas: si, ré e fá#),

que acompanha esse trecho. As únicas notas que não pertencem ao acorde

são o lá e o sol do quarto tempo do primeiro compasso; sendo que a nota lá é

obtida como uma escapada a partir do fá# e o sol é uma nota de passagem

que prepara o próximo acorde.

Nos dois compassos seguintes (c. 2-3), dez das doze notas pertencem

ao acorde de F#7, sendo que o sol presente no terceiro tempo do terceiro

compasso é uma bordadura e o ré do quarto tempo segue o mesmo método de

completar o compasso com uma escapada que prepara a mudança de

harmonia.

Nos compassos 4-5 ocorre mudança de função do acorde sobre a

fundamental si: inicialmente, o acorde aparece como Bm, com função de

tônica, sendo que, na metade do c. 5, é alterado para B7 e passa a ser uma

dominante que prepara a subdominante (acorde de Em), que aparece no

compasso seguinte. Novamente, das onze notas desse trecho, somente o dó#,

presente no segundo tempo do compasso 5, e o sol, no quarto tempo, não

pertencem ao acorde, sendo tratados como notas de passagem.

O acorde de Em (notas: mi/sol/si) do compasso 6 produz um nível maior

de tensão harmônica porque o ataque do acorde coincide com a nota lá da

melodia, que é empregada como apojatura, a qual é um dos tipos mais

dissonantes de nota melódica. O sol, que permanece no restante do compasso,

é a terça do acorde de acompanhamento; essa é a nota onde resolve a quarta

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(lá), com um movimento melódico 4–3, isto é, ocorre o movimento típico do

contraponto de quarta espécie, em que a quarta apojatura resolve na terça do

acorde.

No penúltimo compasso, a única nota que não pertence ao acorde de

F#7 é o ré do início do quarto tempo, que é tratado como uma nota de

passagem.

Com a análise acima, entende-se que a maior parte das notas da

melodia da canção Nesta Rua está embasada no acorde de acompanhamento,

que geralmente permanece por dois compassos. Isso poderia ser dito de outra

maneira: a harmonia reforça, por ressonância acústica, as notas da melodia. As

notas estranhas, aquelas que não pertencem à harmonia, são predominantes

no final dos compassos e têm a função de gerar instabilidade que prepara a

mudança para o acorde seguinte; a exceção a esse princípio ocorre no

compasso 6, em que o lá é atacado no início do compasso, como uma

apojatura que gera instabilidade na subdominante que antecede a cadência

final.

1.2. Harmonização de melodia instrumental

A harmonização de melodia instrumental segue os mesmos princípios da

harmonização de melodia de canção. A diferença entre ambas está em que

melodias escritas para grande parte dos instrumentos têm maior liberdade na

distribuição dos intervalos, na extensão e no contorno melódico, pois a

preocupação com a afinação se torna menos importante à medida que as notas

dependem de dedilhados e posições preestabelecidas, especialmente nos

instrumentos temperados.

Além disso, as partes instrumentais não dependem da representação

específica de textos, nem da métrica poética ou da prosódia musical. O que

torna as melodias concebidas para instrumentos geralmente mais amplas e

maleáveis do que aquelas escritas para voz.

Na harmonização de melodia instrumental. O maior cuidado deve ser

tomado quando se escreve para um único instrumento ou para um conjunto de

instrumentos com o mesmo timbre, como um quarteto de cordas, por exemplo.

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No acompanhamento pianístico para uma melodia vocal, o registro de

altura onde se encontram as partes pode ser organizado livremente, pois a

melodia e o acompanhamento se diferenciam necessariamente pelo timbre.

Quando se escreve uma melodia que será tocada e acompanhada pelo mesmo

instrumento, como ocorre em peças para piano solo ou para violão solo, tem-se

que tomar o cuidado de diferenciar a parte principal do acompanhamento pelo

registro de altura (grave, médio, agudo), sendo que o caso mais comum é

aquele em que a melodia aparece na parte superior e o acompanhamento, na

parte inferior, como ocorre neste trecho de La Fiesta, de Chick Correa.

Exemplo nº 5

Nada impede, no entanto, que a melodia principal esteja colocada no

registro grave (no baixo) e o acompanhamento apareça na parte aguda.

Mesmo sendo mais raro, é possível que a melodia esteja no registro médio e

haja duas partes de acompanhamento, uma acima e outra abaixo da linha

principal.

Neste trecho da Sonatina nº 6, de Camargo Guarnieri, a linha principal

está no baixo, enquanto a mão direita realiza acordes de acompanhamento.

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Exemplo nº 6

Nos pontos marcados com colchetes deste segmento da Valsa nº 1,

também de Guarnieri, é a parte intermediária que se destaca.

Exemplo nº 7

O que importa, quando se tem melodia e acompanhamento realizados

pelo mesmo tipo tímbrico, é que ambos se diferenciem por algum outro fator,

pois o timbre será o mesmo.

O método mais comum de diferenciar melodia e acompanhamento, que

tocados com o mesmo timbre, é através do registro de altura. Entretanto,

outros recursos podem ser empregados para diferenciar as partes, como o uso

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de articulações diferentes (legato, staccato, etc.), diferentes intensidades (forte,

mezzo-forte, piano) ou diferenciação rítmica pelo emprego de figuras

contrastantes, como notas longas no acompanhamento contra melodias ágeis

na parte principal.

Um fator importante é destacar as diferentes partes através de algum

recurso sonoro claramente identificável, a não ser que a intenção musical seja

gerar alguma espécie de indistinção ou de confusão sonora para produzir um

caráter específico ou devido a alguma razão estrutural que se torna importante

em determinado ponto da música.

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2. TIPOS DE ACOMPANHAMENTO

Outra diferença importante entre a harmonização de melodia coral e a

harmonização de melodia de canção ou instrumental está nos processos de

estruturação do acompanhamento.

Na técnica de harmonização de melodia coral, comumente são seguidos

estes passos:

1. escolha dos acordes que irão acompanhar a melodia, nota a nota;

2. escrita da melodia do baixo, o que irá definir as inversões de

acordes;

3. preenchimento das vozes intermediárias (contralto e tenor), com o

processo nota-contra-nota;

4. ornamentação melódica das diversas vozes, quando isso é

necessário.

O primeiro e o segundo procedimentos acima também são adequados à

harmonização de melodia de canção, com a diferença de que a escolha de

acordes geralmente é realizada a cada compasso, ou de dois em dois

compassos. Isso se deve ao fato de que a melodia de canção se desdobra em

torno de um mesmo acorde durante o período de um ou dois compassos. Além

desses procedimentos, entretanto, há outros critérios que devem ser levados

em consideração para a harmonização de melodia de canção.

Em primeiro lugar, geralmente o acompanhamento de canção é

instrumental, isto é, a harmonização é realizada por instrumentos.

Essas partes instrumentais podem ser concebidas para um único

instrumento polifônico, como freqüentemente acontece na canção popular

brasileira, em que o canto é acompanhado ao violão, ou no lied romântico,

comumente concebido para voz e piano.

Há o acompanhamento realizado por conjunto instrumental, como ocorre

na música pop com quarteto formado por guitarra solo, guitarra base,

contrabaixo elétrico e bateria.

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Existe também o acompanhamento orquestral, em que o canto solista é

acompanhado por uma orquestra de câmara, por uma orquestra sinfônica ou

por uma big band de jazz.

Há, finalmente, aquele arranjo em que o canto solista é acompanhado

pela combinação de um pequeno grupo de câmara, uma grande orquestra e

um grupo vocal, sendo que este pode variar de um pequeno conjunto de

solistas que realizam backing vocal até um grande coral sinfônico. Essa é uma

formação comum quando uma banda de rock realiza um concerto junto a uma

orquestra sinfônica, por exemplo.

Em síntese, podem ser realizados arranjos com todos esses tipos de

formação instrumental, com ou sem partes vocais, para acompanhar uma

melodia de canção com base na mesma seqüência harmônica.

Assim, se desenvolveram vários padrões instrumentais para o

acompanhamento de melodias de canção, que podem ser realizados por um

único instrumento, por um pequeno conjunto ou grande orquestra.

Esses padrões instrumentais também são empregados na música vocal,

especialmente em arranjos de canções populares para coro, o que significa

que os métodos de harmonização de canção foram incorporados à música

coral.

Abaixo, estão alguns dos padrões mais comumente empregados para a

realização de acompanhamento instrumental.

2.1. Acompanhamento com nota pedal

A forma mais simples de acompanhamento é aquela realizada por meio

somente de uma nota pedal. A melodia se movimenta, enquanto a harmonia

permanece estática.

O tipo mais comum de nota pedal é aquela que é posicionada no baixo,

enquanto a melodia se desenvolve na parte superior2.

2 Grande parte dos exemplos a seguir será a partir da melodia O meu boi morreu, por se tratar de uma estrutura harmônico-melódica bastante simples e, por essa razão, possibilitar muitas formas de acompanhamento.

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Exemplo nº 8

Esse é o processo de acompanhamento mais comum nas culturas que

praticam estruturas musicais modais, como acontece atualmente no Oriente e

em países do Leste Europeu. Na Índia, por exemplo, é comum o uso de uma

nota pedal que permanece fixa ao longo de toda a improvisação sobre um

raga.

Na prática dos trovadores medievais europeus também era comum o

uso de uma nota pedal sobre a finalis do modo, ou uma quinta justa sobre a

finalis e a confinalis, que servia de apoio para o desdobramento da melodia do

canto e das improvisações instrumentais. Esses pedais (ou bordões, como

eram chamados na época) eram freqüentemente realizados por instrumentos

de arco, como rabeca ou fiddle, que podiam sustentar as notas por longos

períodos de tempo.

Além de estar posicionada abaixo da linha do canto, há também a

possibilidade de colocar a nota pedal acima da melodia, isso geralmente ocorre

quando a linha melódica é cantada por uma voz masculina grave, como

barítono ou baixo.

No exemplo a seguir, o pedal é realizado em oitava, acima da voz.

Exemplo nº 9

O pedal pode ser realizado com duas notas fixas, que, na maior parte

dos casos, são formadas pela tônica e pela dominante da tonalidade em que se

encontra o trecho musical em questão.

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Exemplo nº 10

Também um acorde estático pode ser empregado com o efeito de pedal.

Com isso, o pedal pode ser realizado tanto por uma nota, duas notas ou por um

conjunto de sons que formam determinado acorde, como no exemplo abaixo.

Exemplo nº 11

O pedal empregado para acompanhar uma melodia, ou um trecho de

uma melodia, pode ser elaborado ritmicamente. Nesse caso, é interessante

fazer com que o ritmo do pedal se relacione contrapontisticamente com a

melodia; isso pode ser obtido de maneira bastante simples, fazendo com que a

nota pedal seja articulada (atacada) nos pontos em que a melodia tem pausas

ou notas longas.

Exemplo nº 12

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Quando permanece um trecho musical longo, a nota pedal pode mudar

de oitava, para gerar variedade no acompanhamento.

Exemplo nº 13

Na tocata de abertura da ópera L’Orfeo, de Claudio Monteverdi, o acorde

de ré maior permanece durante todo o tempo, sendo atacado pelo cravo, no

início de cada compasso, como um pedal harmônico que sustenta a melodia

principal, tocada pelo trompete. No exemplo abaixo, a parte principal está

escrita no pentagrama superior, com haste para cima, e o pedal harmônico

está escrito na parte inferior.

Note-se que os outros instrumentos realizam contraponto rítmico entre si

e com relação à melodia principal, porém todas as notas desses instrumentos

fazem parte do acorde que serve como pedal de apoio. Isso significa que o

pedal se desdobra nas diversas partes que acompanham a melodia, com

variações rítmicas e mudanças de oitavas, gerando um efeito polifônico em

uma estrutura harmonicamente bastante simples.

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Exemplo nº 14

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2.2. Acompanhamento em ostinato

Outra forma simples de realizar o acompanhamento é através de um

padrão ostinato, em que se repete um pequeno fragmento rítmico-melódico ao

longo de determinado segmento musical.

Os padrões de ostinato mais comuns são aqueles em que a linha do

acompanhamento estabelece algum tipo de acorde ou fragmento escalar. Por

isso, o ostinato também se caracteriza pela harmonia estática, pois, mesmo

havendo atividade melódica no acompanhamento em ostinato, a harmonia não

se movimenta.

Da mesma forma que a nota pedal, o ostinato pode aparecer acima ou

abaixo da melodia principal, sendo mais comum que o ostinato seja colocado

no registro grave.

O ostinato abaixo é formado por um grupo melódico de dois compassos.

Exemplo nº 15

No exemplo acima, no compasso 6 houve uma pequena alteração no

ostinato para adaptá-lo à harmonia implícita na melodia. Nesse caso, o ostinato

está embasado em uma seqüência de dois acordes, I–V7 (em Dó Maior: C–

G7). Como no trecho referido (c. 6) o acorde é F, houve a necessidade dessa

adaptação para fazer coincidir a harmonia com a melodia.

O mesmo padrão de ostinato pode permanecer durante toda a música,

ou em parte dela. Quando um padrão é utilizado em apenas um trecho da

música, o restante da peça pode ser acompanhado por outro padrão de

ostinato ou por qualquer outro tipo de acompanhamento.

No exemplo abaixo, há dois padrões de ostinato diferentes para

acompanhar partes distintas da melodia. Diferentemente do exemplo anterior,

neste exemplo, o ostinato tem a duração de apenas um compasso, sendo que

cada frase melódica é acompanhada por um ostinato diferente.

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Exemplo nº 16

Na peça Sabiá, Coração de uma Vila, de Aylton Escobar, para coro

misto a cappella, a melodia principal, cantadas pelos sopranos, é

acompanhada por um ostinato de textura complexa, nas três vozes inferiores,

com elementos politonais, síncopes e acentos cruzados combinados

contrapontisticamente.

Este é um exemplo de uso eficaz de um padrão de acompanhamento

instrumental adaptado à estrutura vocal.

Exemplo nº 17

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2.3. Acompanhamento em estilo coral (ou à maneira coral)

O acompanhamento em estilo coral é comumente empregado em grupos

instrumentais de timbre idêntico ou similar, como arranjos para coro, orquestra

de cordas ou quinteto de saxofones, por exemplo.

As técnicas de estruturação são as mesmas da harmonização de

melodia coral, com a diferença de que a melodia principal é realizada por um

solista em vez de um naipe do coro.

Mesmo mantendo a textura característica da música coral tradicional, a

harmonia se movimenta de acordo com as exigências melódicas, isto é, em se

tratando de melodia de canção, a harmonia segue o ritmo harmônico de um

acorde por compasso, ou a cada dois compassos. Isso significa que é a textura

coral que é empregada aqui e não a técnica de harmonização nota-contra-nota.

Exemplo nº 18

Também é possível escrever harmonização em estilo coral para

instrumento polifônico, como o piano, o órgão ou o violão. Sendo esse tipo de

harmonização mais comum para teclados do que para instrumentos de corda

pinçada (como violão, harpa ou bandolim), pois é mais complicado de tocar

nestes instrumentos do que em instrumentos de teclado.

O exemplo abaixo é uma adaptação da textura coral anterior para

teclado, o que também poderia ser realizado por um grupo de instrumentos

melódicos, como um quarteto de cordas, por exemplo.

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Exemplo nº 19

2.4. Acompanhamento em bloco

O acompanhamento em bloco se diferencia da harmonização em estilo

coral porque, nesse tipo de acompanhamento (em bloco), os acordes são

tratados como entidades autônomas, isto é, a harmonia é considerada como

um dos elementos da textura sonora geral, ao passo que na harmonização

coral cada uma das vozes é tratada individualmente.

Há várias maneiras de empregar acordes em bloco para realizar o

acompanhamento, sendo estas as mais comuns:

a) o bloco cordal é tocado de forma a enfatizar a estrutura métrica da

melodia principal; por isso, está presente no início de cada compasso como

reforço do tempo forte.

Exemplo nº 20

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19

b) o bloco de acorde subdivide a estrutura métrica, sendo atacado em

cada tempo do compasso

Exemplo nº 21

c) nos casos de subdivisão da estrutura métrica, é comum que o bloco

cordal seja alternado com uma nota simples, no baixo, que aparece na cabeça

do compasso para diferenciar tempo principal e tempo secundário.

Exemplo nº 22

d) o bloco cordal subdivide o pulso, sendo atacado mais de uma vez em

cada tempo.

Exemplo nº 23

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20

e) nos casos de subdivisão da estrutura do pulso, é freqüente alternar

entre uma nota simples no baixo e o acorde em bloco, sendo que essa aparece

na parte principal de cada tempo e este é tocado na sua subdivisão.

Exemplo nº 24

Na canção Surabaya-Johnny, de Kurt Weill, a alternância entre o baixo e

os acordes em bloco é enfatizada com o baixo tocado em oitavas e quintas, à

maneira de um organum medieval.

Exemplo nº 25

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21

2.5. Acompanhamento arpejado

O acompanhamento arpejado é uma forma de quebrar um bloco vertical

em sentido horizontal, isto é, o arpejo expande o acorde de forma linear.

Na música popular brasileira, há vários padrões típicos de arpejo no

acompanhamento para violão, que também são aplicados ao piano e outros

instrumentos de teclado.

Abaixo, estão os padrões de arpejo mais comuns em cada tipo de

compasso, aplicados ao violão.

a) arpejo em movimento ascendente, comum em compasso binário

simples, que pode ser empregado para acompanhar Meu Boi Morreu:

Exemplo nº 26

b) arpejo de movimento vai-vem, em sentido ascendente-descendente,

empregado em compasso ternário simples:

Exemplo nº 27

c) o mesmo arpejo anterior é modificado em sua acentuação para se

adaptar ao compasso binário composto:

Exemplo nº 28

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22

Comparando os dois exemplos anteriores, nota-se que a única diferença

está em que, no compasso 3/4, as colcheias são acentuadas de duas em duas,

formando três grupos de duas colcheias; ao passo que, no compasso 6/8, as

colcheias são acentuadas de três em três, formando dois grupos de três

colcheias.

d) o tipo de arpejo mais comum em compasso quaternário simples é

aquele onde há dois movimentos de vai-vem, alternados pela nota mais grave

(baixo) e pela nota mais aguda do arpejo:

Exemplo nº 29

e) outro arpejo freqüente em compasso binário simples é realizado como

um movimento vai-vem em que são tocadas duas notas simultâneas, no

registro agudo; como também tem métrica binária simples, pode ser

empregado para o acompanhamento de Meu Boi Morreu:

Exemplo nº 30

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23

Além dos tipos de arpejo listados acima, qualquer combinação das notas

de um acorde em sucessão pode ser efetivada para formar um padrão de

arpejo:

Exemplo nº 31

Também é comum que tipos diferentes de arpejo sejam combinados

para a realização do acompanhamento.

No exemplo abaixo, são combinados diferentes tipos de arpejo, o que

gera maior variedade ao acompanhamento do que se fosse mantido o mesmo

padrão, do início ao fim.

Exemplo nº 32

Os tipos de arpejo exemplificados acima foram realizados ao violão,

sendo que poderiam ser efetuados em outros instrumentos polifônicos, como o

piano ou a harpa, ou em conjuntos de instrumentos melódicos, como uma

orquestra de cordas, por exemplo.

Abaixo, está o padrão de arpejo empregado em (e), que é o mais

adequado ao acompanhamento da canção Meu Boi Morreu:

Page 29: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

24

• adaptado à escrita pianística

Exemplo nº 33

• adaptado à orquestra de cordas.

Exemplo nº 34

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25

No trecho abaixo, extraído da canção Pantomime, de Claude Debussy,

um arpejo rápido, de caráter virtuosístico, em intensidade pianissimo, na parte

instrumental, acompanha este trecho do poema de Paul Verlaine:

“Colombina sonha,

surpresa de sentir

um coração na brisa”

É interessante notar como essa textura arpejada de caráter etéreo

contrasta fortemente com o trecho anterior para simbolizar o sonho da

Colombina, que não deixa de ter sua agitação ao sentir a brisa.

Exemplo nº 35

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26

2.6. Acompanhamento rítmico

O acompanhamento rítmico pode ser realizado por meio de uma

figuração rítmica específica, criada pelo próprio compositor ou arranjador, como

pode ter por base o padrão rítmico característico de algum gênero musical

conhecido, como o samba, o baião ou o xote, por exemplo.

Na maior parte das canções populares, o acompanhamento rítmico

segue o padrão de gêneros típicos da região onde a música foi criada.

Abaixo, estão alguns dos padrões rítmicos mais conhecidos em diversas

regiões do Brasil.

a) Cateretê: também chamado de catira, é uma dança de origem

ameríndia presente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, em que os

dançarinos formam duas filas, uma formada por homens e outra por mulheres,

sendo que ambos batem palmas e sapateiam.

O cateretê é considerado como o mais antigo gênero musical brasileiro

e foi freqüentemente empregado pelos jesuítas na catequização dos indígenas,

com adaptação dos textos originais à temática cristã. Já o Padre Anchieta se

referiu ao cateretê.

A seguir, está exemplificado o padrão rítmico característico do cateretê,

a duas vozes, e, logo abaixo, aparece uma estilização do gênero em textura de

melodia acompanhada. O acompanhamento poderia ser realizado por dois

instrumentos, como contrabaixo e violão, ou por um instrumento de teclado.

Exemplo nº 36

Page 32: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

27

Abaixo, está um trecho de Chorandinho, que é um cateretê estilizado de

Felipe Azevedo. O trecho citado contém apenas voz e violão.

Exemplo nº 37

b) Lundu: dança de origem africana, trazida ao Brasil pelos escravos

bantos e derivada do batuque, que, na sua origem, significava o ritmo tocado

por instrumentos de percussão. Surgiu como designação de várias canções

populares inspiradas em ritmos africanos que foram introduzidas em Portugal e

no Brasil a partir do século XVI.

É uma dança de par separado, em compasso binário com o primeiro

tempo sincopado. Com meneios e requebros de forte apelo sensual, manteve

esse caráter jocoso e tornou-se dança de salão muito em voga no Brasil, do

século XVIII ao início do século XX. A partir do séc. XIX, o termo lundu passou

a referir-se a um tipo de canção para voz solista acompanhada por violão ou

piano, derivada da dança de mesmo nome. O lundu está na origem do samba e

outros gêneros afro-brasileiros.

Abaixo, está o padrão rítmico básico do lundu e uma estilização para

piano.

Page 33: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

28

Exemplo nº 38

Abaixo, o segmento final de um lundu do período imperial, de autor

anônimo, coletado por Mário de Andrade.

Exemplo nº 39

Page 34: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

29

c) Polca: dança rápida de origem boêmia (região atualmente

pertencente à República Tcheca) que se tornou muito popular na Europa, na

primeira metade do séc. XIX. Consta que chegou ao Brasil em meados do

mesmo século.

A primeira apresentação da polca no Rio de Janeiro foi tão bem

sucedida que se dizia que os cariocas andavam à moda da polca, vestiam-se à

polca, dançavam à polca.

Por sua ampla aceitação nos salões nacionais, a polca está na origem

de várias danças brasileiras do século XIX e início do séc. XX. Pixinguinha, em

entrevista, afirmou que “quando eu fiz o Carinhoso (por volta de 1916 ou 1917),

era uma polca. Polca lenta. Naquele tempo, tudo era polca, qualquer que fosse

o andamento”.

A seguir, o ritmo básico da polca e uma estilização para piano.

Exemplo nº 40

Abaixo, um trecho da polca Zinha, de Patápio Silva, para flauta e piano.

Page 35: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

30

Exemplo nº 41

d) Maxixe: dança brasileira originada no Rio de Janeiro, na segunda

metade do séc. XIX. Segundo alguns autores, como Mario de Andrade, esta

teria sido a primeira dança autenticamente brasileira. De qualquer forma, o

maxixe surgiu da combinação de alguns ritmos latino-americanos, como a

habanera e o tango, que foram incorporados à polca européia e tocados ao

estilo do choro para dar origem ao maxixe.

A seguir, está o ritmo básico do maxixe e uma estilização para piano.

Exemplo nº 42

Page 36: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

31

Abaixo, está o trecho final do Maxixe de Francisco Mignone, peça

estilizada para piano, de caráter ágil e virtuosístico.

Exemplo nº 43

e) Choro: originado no Rio de Janeiro, inicialmente, o choro não era um

gênero musical, mas o estilo utilizado pelos músicos cariocas para tocar os

ritmos europeus através da incorporação da molície brasileira, isto é, aquilo a

hoje chamamos de ginga.

Posteriormente, esta forma sincopada de tocar foi se transformando em

um gênero instrumental que passou a ser denominado choro. Inicialmente, este

gênero era chamado de tango brasileiro, porém, com a grande divulgação

internacional do tango argentino e para não confundir com esse gênero,

passou-se a chamar de choro tanto o gênero brasileiro quanto a forma de tocar

dos músicos brasileiros, especialmente aqueles do Rio de Janeiro.

Page 37: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

32

Abaixo, estão o ritmo básico do choro e uma estilização com textura de

melodia acompanhada, cujo acompanhamento poderia ser tocado por um

conjunto instrumental ou por um único instrumento polifônico, como o piano ou

o violão.

Exemplo nº 44

Abaixo, está o início de Nosso Choro de Garoto, que foi um dos mais

importantes músicos brasileiros da primeira metade do século XX, tanto para a

sedimentação dos gêneros tradicionais quanto para a criação de novas

maneiras de tocar e de estruturar elementos musicais, como a melodia, a

harmonia e o ritmo. Foi um dos primeiros músicos populares do Brasil a

empregar acordes estendidos e escalas não-tonais, como a escala de tons

inteiros e movimentos cromáticos sem tonalidade definida. Considera-se que

suas experiências foram assimiladas na origem da bossa nova.

Page 38: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

33

Exemplo nº 45

f) Samba: há algumas interpretações sobre a origem etimológica do

termo samba. Segundo Nei Lopes, teria sido originado do vocábulo africano

‘samba’, que significa ‘cabriolar’, isto é, divertir-se como um cabrito. Essa

acepção do termo pode ter dado origem a um tipo de dança em que os

dançarinos batem contra o peito, um do outro, como fazem os cabritos

montanheses. Daí teria surgido a prática da umbigada. Em outra interpretação,

defendida por A. Ramos, a origem do vocábulo samba estaria na palavra

africana ‘semba’, que significa ‘separação’, por isso, seria a introdução de

dança em pares separados.

O samba surgiu no Rio de Janeiro como dança de roda semelhante ao

batuque, com dançarinos solistas e eventual presença da umbigada, sendo

posteriormente difundida em todo o Brasil, com variantes coreográficas e

diferentes tipos de acompanhamento instrumental.

O samba urbano carioca foi, inicialmente, dança de roda que nasceu nas

imediações do Morro da Conceição junto à população de negros e mestiços

que chegavam no Rio de Janeiro desde várias regiões do Brasil, principalmente

da Bahia, após Guerra de Canudos.

Com o tempo, o termo ‘samba’ passou a designar qualquer baile

popular, urbano ou rural, onde geralmente predomina o samba como música.

Musicalmente, o samba se firmou como um gênero de canção popular com

metro binário simples e andamento variado (que pode ser lento, médio ou

Page 39: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

34

rápido). O samba tornou-se tão popular que se desdobrou em várias

ramificações a partir do início do século XX.

O primeiro samba a ser gravado foi Pelo Telefone, canção similar a um

maxixe composta por Mauro de Almeida e Donga, que foi o primeiro músico

popular brasileiro a ser amplamente divulgado pelos meios de comunicação.

Abaixo, está um dos padrões rítmicos mais conhecidos de samba e uma

estilização para piano.

Exemplo nº 46

Abaixo, está um trecho do Samba Paulista, de Itiberê Zwarg, com

harmonia amplamente estendida e uma organização rítmica característica do

samba, na melodia superior, que combina diatonismo e notas alteradas,

conforme a estrutura harmônica.

Exemplo nº 47

Page 40: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

35

g) Bossa Nova: a bossa nova surgiu como uma nova maneira de cantar

e tocar samba e outros gêneros populares. Trata-se de um movimento da

música popular brasileira nascido na Zona Sul do Rio de Janeiro, com

influências do samba, elementos do jazz e da música erudita (com referência

manifesta a Debussy e Villa-Lobos).

A divulgação de um concerto de 1957 já anunciava Carlos Lyra, Ronaldo

Bôscoli, Roberto Menescal e Sylvia Telles, entre outros músicos, como “um

grupo bossa nova apresentando sambas modernos”. Estilisticamente, a bossa

nova incorporou uma nova técnica em que se evita a impostação vocal e se

busca novas maneiras de tocar o violão, com ritmos sincopados e recitação da

poesia.

Entre outras, as mais importantes caracteríriticas da bossa nova são

simplificação dos meios instrumentais, com emprego somente de violão e voz

em muitas canções, em comparação com as grandes orquestras das rádios

das décadas anteriores, a linha é melódica composta por várias notas

repetidas, em estilo quase recitativo; a harmonia é expandida com acordes

dissonantes e a rítmica se torna mais fluida, com o acompanhamento

instrumental mais sincopado do que a maior parte dos gêneros e estilos da

época.

Abaixo, estão o padrão rítmico básico, em duas linhas, e uma estilização

do acompanhamento para piano. Assim como o samba, a bossa nova pode ser

realizada em vários andamentos, sendo os mais comuns estes apresentados

abaixo.

Exemplo nº 48

Page 41: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

36

Exemplo nº 49

h) Frevo: considera-se que o termo ‘frevo’ nasceu como uma corruptela

de ‘fervo’ (confusão, desordem ruidosa), sendo sua primeira aparição com

sentido musical datada de 1909.

Trata-se de uma dança nordestina, surgida em Pernambuco e Alagoas,

em que os dançarinos realizam movimentos rápidos com as pernas e seguram

guarda-chuvas coloridos como parte do figurino. A música é normalmente em

andamento rápido e compasso binário simples.

Edson Carneiro diferencia as origens do frevo como música e como

passo de dança, considerando que esta teria origem folclórica, sendo que

aquela é um gênero urbano. O autor considera que, como música, "o frevo

deriva de formas musicais do começo do século [XX], tais como a habanera e o

maxixe, músicas semi-eruditas, ou que pelo menos fogem à técnica do povo. A

própria textura do frevo-música não é popular, por ser complexa. E o fato de

ser necessária a presença de banda, com instrumentos caros – trombone,

tuba, saxofone – anula o caráter de manifestação folclórica: o povo não tem

dinheiro para comprar instrumentos caros".

Page 42: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

37

A seguir, está o padrão rítmico básico do frevo e uma estilização para

piano.

Exemplo nº 50

Abaixo, tem-se o início do Frevinho Doce de Paulinho Nogueira:

Exemplo nº 51

Page 43: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

38

i) Maracatu: palavra de provável origem banta, sendo um cortejo de

caráter religioso com coreografia realizada ao som de instrumentos de

percussão, geralmente apresentado em frente às igrejas de Pernambuco.

Alguns autores afirmam terem presenciado o maracatu também nos estados da

Paraíba e do Ceará, porém isso não é confirmado por todos os pesquisadores,

pois alguns consideram que, nestes estados, se trataria de congos, congadas

ou folguedos diferentes do maracatu. O maracatu era originalmente

apresentado em festividades cívicas ou religiosas, porém, atualmente, aparece

somente no período do carnaval, em Recife.

Um dos mais antigos grupos é o Maracatu do Elefante, que foi criado

pelo escravo Manoel Santiago, datando referências à Nação do Elefante desde

1800. Há personagens femininas, chamadas damas-do-paço, que carregam

bonecas pretas feitas de pano com vestimenta branca e azul, chamadas

calungas ou catitas.

Originalmente, as calungas eram símbolos religiosos que representavam

os orixás Iansã, Xangô e Oxum. O termo calunga pode ser explicado com o

sentido de ‘grande mestre’, em banto; o vocábulo também pode ser entendido

como derivado do deus Calunga, que representa o mar, no congo angolano.

O grupo instrumental que participa do Maracatu é formado por Saxofone,

trompete, trombone e instrumentos de percussão, como a caixa-clara, a cuíca,

o surdo, a zabumba, o ganzá e um agogô de uma só campânula (chamado

gonguê).

Abaixo, está o padrão rítmico típico do maracatu e uma estilização para

teclado.

Exemplo nº 52

Page 44: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

39

j) Xote: termo que vem de “schottisch”, derivado de “Scottish dance”

(inglês), que era uma espécie de polca escocesa. O vocábulo schottisch está

na origem do vocábulo “xote”, através de “xótis”. Há várias grafias, empregadas

em diferentes regiões do Brasil, tais como: chote, xote, chótis ou xótis.

O xote surgiu na Alemanha como dança de salão e, chegando ao Brasil,

foi adaptado aos bailes populares, sendo atualmente tocado por acordeonistas,

com compasso binário simples em movimento rápido, porém mais lento do que

a polca.

A primeira apresentação brasileira da dança, com o nome original em

inglês, se realizou no Rio de Janeiro, em 1851, pelo professor José Maria

Toussaint. Logo se tornou muito difundida, sendo incorporada ao meio urbano

e ao meio rural, em diversos estados brasileiros.

Os primeiros músicos de choro compuseram xotes em forma de canção

acompanhada ao violão. Isso significa que houve desde cedo a combinação do

xote com a modinha, que era o gênero de canção mais popular do Segundo

Império.

É interessante notar como a retomada do xote, em meados do século

XX, está ligada à difusão do acordeom, tanto no Rio Grande do Sul, onde uma

variante do instrumento é chamada de gaita, quanto no Nordeste, onde se

chama sanfona.

Abaixo, estão o padrão rítmico típico do xote nordestino e uma

estilização para piano.

Exemplo nº 53

Page 45: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

40

k) Toada: a origem do vocábulo está ligada ao verbo ‘toar’, que pode

significar ‘produzir estrondo’, ‘ressoar’, ‘agradar’ ou ‘estar em harmonia com

alguma coisa’.

A toada é um gênero de canção lírica de caráter melancólico e

sentimental, que trata principalmente da temática do amor, geralmente em

forma estrófica com refrão. São encontradas toadas em todo o território

brasileiro, com o caráter e o estilo próprio de cada região.

Muitas vezes, o termo ‘toada’ é simplesmente empregado para designar

uma canção sentimental, sem que isso esteja ligado a elementos definidores

de gênero ou estilo. Oneyda Alvarenga considera que “o que se poderá dizer

para defini-la é apenas o seguinte: com raras exceções, seus textos são curtos

– amorosos, líricos, cômicos – e fogem à forma romanceada”.

Além da forma estrófica com refrão, é comum a melodia ser cantada em

graus conjuntos por duas vozes em terças paralelas.

Abaixo, está o ritmo básico da toada e uma estilização para piano.

Exemplo nº 54

A toada gaúcha é um pouco mais movida, com baixos pontuados e

acentos deslocados na última colcheia do compasso:

Page 46: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

41

Exemplo nº 55

Abaixo, está o trecho inicial da Toada de Nilson Lombardi para quarteto

de cordas. Trata-se do emprego do termo ‘toada’ no sentido usual de música

com caráter lírico e melancólico, sem referência aos elementos mais

característicos do gênero. O padrão de colcheias do segundo violino é que traz

alguma referência à toada paulista, região onde nasceu e vive o compositor.

Exemplo nº 56

Page 47: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

42

l) Jongo: palavra que pode derivar tanto de ‘jihungu’, nome dado a um

instrumento musical africano, quanto de ‘onjongo’, que era o nome de uma

dança angolana do povo banto.

Trata-se de uma dança de roda de origem africana, com presença

principalmente na região Sudeste do Brasil. A dança se realiza com

acompanhamento de instrumentos de percussão, em que um ou dois

dançarinos se colocam no centro da roda e dão umbigadas nos outros

participantes, sendo que o movimento da roda se dá em sentido anti-horário.

Musicalmente, o jongo se caracteriza por ritmos complementares

executados pelos diferentes instrumentos, com síncopes e figuras pontuadas,

com o canto em forma estrófica com refrão.

A seguir, está o padrão rítmico característico do jongo e uma estilização

para piano.

Exemplo nº 57

Abaixo, tem-se o jongo Interrogando, de João Pernambuco, que inicia

com uma introdução que tem o padrão de arpejo binário vai-vem, mencionado

anteriormente. O ritmo característico do jongo aparece no compasso 6, com a

figura sincopada, no registro agudo, e o baixo que preenche os espaços vazios

dos acordes, produzindo um ritmo complementar entre as duas partes.

Posteriormente, a partir do compasso 10, é introduzida outra figura

característica do jongo: a pontuação do baixo.

Page 48: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

43

Exemplo nº 58

m) Valsa: dança de salão de origem austríaca que se derivou do ländler

e começou a aparecer em meados do século XVIII. A forma típica original era

um rondó com introdução e coda. A característica principal da valsa vienense é

a métrica ternária em andamento rápido, o que foi alterado na sua chegada a

Paris, onde o andamento se tornou mais lento.

No Brasil, a valsa foi trazida pelo músico austríaco Sigismund Neukomm,

que serviu na corte portuguesa, no início do século XIX, sendo que o próprio

Dom Pedro I compôs valsas por sua influência. Desde então, vários músicos

brasileiros se dedicaram à valsa, entre eles estão Carlos Gomes, Villa-Lobos,

Radamés Gnattali, Camargo Guarnieri, Tom Jobim e Chico Buarque.

Por influência da modinha, a valsa brasileira se tornaria mais lenta e

malemolente do que a européia. Por sua vez, a valsa interfere na modinha, que

passa a ser composta em compasso ternário a partir de meados do século XIX.

Na época dos chorões, no final do século XIX, surge a valsa seresteira,

que assume a forma de canção sentimental, em compasso ternário, e se

confunde muitas vezes com a modinha. A Valsinha, de Chico Buarque, por

exemplo, pode ser interpretada como um híbrido entre a valsa seresteira e a

modinha. Alguns autores a consideram como uma autêntica modinha.

Page 49: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

44

A seguir, estão o padrão típico da valsa e uma estilização para piano.

Exemplo nº 59

Abaixo, a primeira parte da Valsa nº 1 de Baden Powell.

Exemplo nº 60

O trecho acima se destaca pelo uso sistemático de harmonia quartal,

pois quase todos os acordes têm predomínio de intervalos de quarta justa. As

frases são construídas em grupos de dois em dois compassos, em que a parte

superior desdobra o ritmo típico da valsa, no primeiro compasso do grupo, e a

voz intermediária aparece como um conseqüente que responde ao compasso

anterior. Tem-se, assim um padrão semicontrapontístico, com relação de

pergunta e resposta entre essas duas partes. Entre os compassos 5 e 9, a

linha superior se desdobra individualmente, gerando acúmulo de tensão que

culmina com a retomada dos elementos do início, a partir do compasso 11.

Page 50: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

45

n) Baião: termo derivado de ‘baiano’. Acredita-se que, originalmente, era

um modo caracteristicamente baiano de tocar ou dançar o lundu ou de sambar.

Trata-se de um gênero musical apreciado no interior do Nordeste desde

finais do século XIX. Nessa época, Sílvio Romero descreveu o gênero desta

maneira: “o baiano [isto é, o baião] é dança e música ao mesmo tempo. Os

figurantes, em uma toada certa, têm a faculdade do improviso, em que fazem

maravilhas, e os tocadores de viola vão fazendo o mesmo, variando os tons”.

Nas várias regiões nordestinas, o baião é executado de maneiras

diferentes. Na Paraíba, aparece, já em 1938, como música instrumental para

acompanhar a dança; em Sergipe, os instrumentos mais importantes deste

gênero são a viola e o pandeiro; no Maranhão, é bastante tocado na rabeca;

em Pernambuco, a sanfona se tornou o instrumento mais característico desde

Luiz Gonzaga, que popularizou o gênero em todo o país.

O baião tem métrica binária, com um padrão característico de baixo

pontuado e sincopação do primeiro ao segundo tempo do compasso; as linhas

melódicas são bastante repetitivas, com predomínio de graus conjuntos e

síncopes internas. São também comuns curtos refrões instrumentais arpejados.

Abaixo, está o padrão rítmico do baião e uma estilização para teclado.

Exemplo nº 61

Page 51: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

46

O segmento musical a seguir é o início do Baião Cansado, de Marco

Pereira.

Exemplo nº 62

Nesse trecho, há vários níveis de sincopação, desde o baixo

característico do baião, ate a linha superior, formada por figuras derivadas da

aumentação rítmica do padrão do baixo. Há, também, uma linha intermediária

com a função de preencher os espaços vazios deixados pelas outras duas

vozes. Assim, a relação entre as partes é de complementaridade rítmica,

realizada a partir do padrão básico do baião que é distribuído entre as vozes

externas da textura.

Page 52: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

47

2.7. Acompanhamento sincopado

Deferentemente de outros tipos de acompanhamento, a parte

instrumental do acompanhamento sincopado contradiz a métrica da melodia

principal devido ao predomínio de síncopes, contratempos e quiálteras. Assim,

a relação entre a melodia e o acompanhamento é de contraposição rítmica.

O exemplo a seguir demonstra uma sincopação simples da parte de

acompanhamento, em que todos os acordes são tocados em contratempo.

Exemplo nº 63

2.8. Acompanhamento complementar

No acompanhamento complementar, a parte instrumental preenche os

espaços vazios da melodia, isto é, o acompanhamento se movimenta

principalmente nos pontos em que a melodia tem notas longas ou pausas. Com

isso, tem-se relação de complementaridade rítmica.

Exemplo nº 64

Page 53: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

48

A complementaridade pode ser realizada entre diferentes partes do

acompanhamento. No exemplo abaixo, extraído do início da canção Xácara de

Alberto Nepomuceno, as duas partes do acompanhamento, formadas pelos

acordes da mão direita e pelos baixos da mão esquerda do piano, são

complementares, pois uma se movimenta nos pontos de repouso da outra.

Exemplo nº 65

Tem-se, assim, no acompanhamento, um ritmo complementar formado

por dois grupos rítmicos: tercinas, no primeiro tempo de cada compasso, e

duas colcheias, no segundo.

Exemplo nº 66

Page 54: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

49

A relação de complementaridade também ocorre na relação entre as

colcheias e as tercinas, que no acompanhamento são invertidas com relação à

parte vocal, ou seja, enquanto os grupos rítmicos da voz têm a ordenação

colcheias-tercinas (2–3), no piano a ordem se inverte para tercinas-colcheias

(3–2). O que gera um ritmo cruzado de 2–3 x 3–2.

Exemplo nº 67

2.9. Acompanhamento intermitente

O acompanhamento intermitente é aquele em que a parte instrumental

aparece somente em alguns pontos específicos da melodia principal, com a

função de pontuar elementos importantes do texto ou de esclarecer aspectos

da estrutura melódica, como sua distribuição frásica, sua divisão em versos ou

estrofes.

Na primeira frase do exemplo a seguir, o acompanhamento diferencia os

versos do poema, pois é introduzido somente nos pontos de separação entre

eles. Na segunda frase, o acompanhamento apresenta a harmonia que reforça

a melodia de forma a gerar contratempos e síncopes que se contrapõem à

estrutura regular da parte vocal.

Exemplo nº 68

Page 55: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

50

No final da canção Vem o Vento, de Bruno Kiefer, para soprano e

quarteto de violoncelos, após um longo solo do canto em vocalize, que figura

como o uivo do vento Minuano3, vem a pergunta: “Vento, quando?” que é

seguida por um trecho agitado puramente instrumental. Esse trecho

instrumental prepara a resposta ao questionamento anterior: “É depois de ter

lutado”.

Para contrastar com o caráter lírico da melodia diatônica da resposta, os

violoncelos tocam acordes dissonantes, com sua aspereza devida ao

predomínio de intervalos de trítono; os ataques do acompanhamento se tornam

cada vez mais secos, até o glissando em crescendo do final.

Este é um modo eficiente de tratar o acompanhamento intermitente para

fazê-lo representar musicalmente o sentido vigoroso do texto.

Exemplo nº 69

3 O Minuano é um vento forte, frio, seco e cortante que sopra depois das chuvas de inverno, na direção oeste-leste, em todo o Rio Grande do Sul. Vem do Oceano Pacífico e ultrapassa a cordilheira dos Andes, de onde absorve o frio seco que traz consigo. Segundo a crença popular, este vento sopra por três dias e noites, assobiando pelo pampa e purificando a atmosfera.

Page 56: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

51

2.10. Acompanhamento com baixo cantante

Muito comum em certos gêneros populares do Brasil, como o choro, por

exemplo, o baixo cantante produz um tipo de textura em que há polaridade

entre a melodia e o baixo. Essa polaridade se produz devido ao contraponto

intensificado entre essas duas vozes, pois o baixo é realizado como uma linha

que se destaca do restante da textura como contraponto à melodia principal.

No exemplo abaixo, os acordes da mão direita da parte de piano são

apenas atacados para dar reforço ao contraponto intenso existente entre a

melodia e o baixo, que se desdobra com base em um motivo descendente que

alcança a fundamental do acorde seguinte.

Exemplo nº 70

2.11. Acompanhamento semicontrapontístico

No acompanhamento semicontrapontístico, há movimentação melódica

nas vozes de acompanhamento de forma a gerar uma textura mais densa do

que o acompanhamento puramente harmônico. O movimento das vozes de

acompanhamento não chega a rivalizar com a melodia principal, tanto em sua

estrutura melódica quanto em sua organização rítmica.

No exemplo a seguir, há um jogo de pergunta e resposta entre a parte

superior do acompanhamento e sua parte intermediária. O movimento dessas

partes não chega caracterizá-las como linhas melódicas independentes porque

é realizado com base em arpejos formados sobre os acordes do

acompanhamento.

Page 57: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

52

Exemplo nº 71

Uma maneira bastante comum de tratar uma ou mais vozes de

acompanhamento de forma semicontrapontística é através do contracanto, que

consiste na movimentação melódica de uma ou algumas das vozes

secundárias nos trechos em que a melodia principal repousa (com pausa ou

nota longa). Isso geralmente ocorre nas cadências: em finais de frase, finais de

seção ou nas passagens de uma estrofe a outra.

A primeira frase do exemplo seguinte tem um acompanhamento

semicontrapontístico em que a parte inferior da mão direita realiza contracantos

quando a parte vocal repousa com notas longas. Na segunda frase, é realizado

um baixo cantante.

Exemplo nº 72

Page 58: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

53

2.12. Acompanhamento contrapontístico

No acompanhamento contrapontístico, uma ou algumas das vozes

secundárias se contrapõem em pé de igualdade com a parte principal. Isso

significa que, no acompanhamento instrumental de canção, um ou mais

instrumentos se destacam da textura geral do acompanhamento para se

desenvolver juntamente com a parte vocal.

É comum, neste tipo de acompanhamento, que a melodia principal seja

apresentada de maneira a se diferenciar das partes de acompanhamento. Isso

pode acontecer com relação ao timbre (cantada ou tocada por voz ou

instrumento que se diferencia do restante), ao registro de altura (se

apresentada em um registro que destaca a melodia; que pode ser no extremo

grave ou agudo, dificilmente, no registro médio) ou ao movimento rítmico (em

que a parte principal se movimenta de forma diferente das outras vozes), entre

outros fatores.

No período Barroco, eram comuns as árias com instrumento obligatto,

isto é, um ou mais instrumentos obrigatórios na textura, que se destacavam do

restante por apresentar uma linha melódica ágil em contraponto ao canto

solista. Esse tratamento contrapontístico de uma ou mais partes instrumental é

comumente encontrado nas cantatas e paixões de J. S. Bach, em que a função

de instrumento obligatto é geralmente designada à flauta, ao violino ou ao

oboé.

O exemplo abaixo, retirado do terceiro movimento da Cantata nº 56, de

Bach, é uma ária para voz de baixo, oboé obligatto e baixo contínuo. Note-se

como o oboé, escrito no pentagrama superior, mantém o mesmo nível de

movimentação rítmica e melódica que a voz solista, enquanto o baixo

(pentagrama inferior) realiza um movimento constante em colcheias para dar

apoio ao contraponto das outras duas partes.

Page 59: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

54

Exemplo nº 73

Na canção popular brasileira, é comum o uso da flauta ou do clarinete,

ou ambos em conjunto, com uma função semelhante a essa. O diferencial na

música brasileira está em que a parte instrumental contrapontística é,

comumente, improvisada e, por isso, mais livre do que na música barroca

européia.

Também na música pop é encontrada essa relação entre a voz solista e

uma das partes instrumentais. No rock, por exemplo, a função de contraponto

ao canto geralmente é dada à guitarra solo. Note-se que a expressão “guitarra

solo” já indica o tipo de inter-relação entre este instrumento e a melodia

principal.

Oboé Solo

Basso Solo

Continuo

Page 60: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

55

2.13. Acompanhamento heterofônico

A textura heterofônica é aquela em que as partes que participam do

tecido sonoro geral se movimentam independentemente entre si, como se

fossem estruturas musicais que se movimentam paralelamente.

Originalmente, o vocábulo heterofonia foi empregado por Platão para

designar a maneira com que se usava a lira para acompanhar o canto.

Posteriormente, os musicólogos passaram a empregar esse termo para

explicar o tipo de acompanhamento instrumental, comum na música antiga

européia ou em outras culturas tradicionais, em que os instrumentos

ornamentam a linha da voz simultaneamente a ela, por meio de variações

rítmicas e melódicas.

No exemplo abaixo, citado no dicionário Grove, cada uma das vozes

realiza variações sobre a mesma linha melódica.

Exemplo nº 74

Na música clássica européia, esse tipo de elaboração do

acompanhamento foi pouco empregado, sendo um caso conhecido, este trecho

da Missa Solemnis de Beethoven, em que os segundos violinos ornamentam a

melodia da voz de contralto com notas de passagem, bordaduras e outras

Page 61: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

56

notas melódicas (as setas indicam as notas da parte vocal que determinam a

estrutura melódica da parte instrumental):

Exemplo nº 75

Atualmente, na teoria da música moderna e contemporânea, o termo

heterofonia é também empregado para designar a inter-relação entre partes da

textura geral que são elaboradas paralelamente, ou seja, sem relação de

interdependência de umas com a outras. O resultado, muitas vezes, é como se

houvessem várias músicas soando simultaneamente.

Um exemplo desse tipo de textura se encontra na peça Unanswered

Question (A Pergunta sem Resposta), de Charles Ives, em que há três partes

que se movimentam paralelamente, sem que haja interação entre elas: uma

orquestra de cordas, um quarteto de flautas e um trompete solo.

Page 62: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

57

Exemplo nº 76

Nessa peça, a relação entre as três partes que não interagem está

intimamente ligada à representação musical de significados extramusicais, pois

denotam três personagens incomunicáveis, conforme a explicação

acrescentada à partitura:

As cordas tocam em ppp do início ao fim, sem mudança de andamento. Elas devem representar ‘O silêncio dos Druidas, que não Sabem, não Vêem e não Ouvem Nada’. O trompete entoa ‘A Perene Questão da Existência’, que é enunciada com o mesmo tom de voz, a cada vez. Entretanto, a caçada pelas ‘Respostas Invisíveis’, empreendida pelas flautas e outros elementos humanos, se tornam cada vez mais ativas, mais rápidas e mais sonoras, através de um animando até chegar em um trecho con fuoco. Esta parte não precisa ser tocada nas posições exatas em que estão indicadas; é tocada com caráter improvisatório. Se não houver regente, um dos flautistas pode indicar as entradas. Os ‘Respondedores que Lutam’ , conforme o tempo passa, e após a ‘Conferência Secreta’, parecem se dar conta da insignificância da situação e começam a zombar da ‘Pergunta’ – a luta é deixada de lado. Após ter desaparecido, a ‘Pergunta’ é feita por uma última vez e o silêncio é escutado para além da ‘Solidão Imperturbada’.

Page 63: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

58

Outra forma de tratar a relação entre as partes é o acompanhamento

heterofônico, que combina a textura heterofônica com o princípio da melodia

acompanhada. Para gerar uma relação semi-heterofônica entre melodia e

acompanhamento, sem que este se torne mecânico, os compositores do

Período Romântico criaram um método no qual um ou mais elementos do

acompanhamento se opõem à métrica geral, produzindo um deslocamento

rítmico que se desdobra paralelamente à melodia.

No acompanhamento heterofônico, a parte de acompanhamento

normalmente interage com a melodia através do processo de ressonância

harmônica, em que os acordes reforçam os elementos sonoros da parte

principal. Do ponto de vista da movimentação rítmica, porém, o

acompanhamento se torna independente da linha melódica predominante,

seguindo um fluxo que lhe é próprio.

Neste trecho do Improviso nº 1 de Franz Schubert, o deslocamento do

baixo em contratempos produz um efeito semi-heterofônico. Têm-se, assim,

três partes que interagem, na música: a melodia, o arpejo que reforça a

ressonância melódica, na mão direita, e o baixo em contratempo, na mão

esquerda.

Exemplo nº 77

Considera-se o segmento citado acima como semi-heterofônico porque

as notas do baixo estão em consonância com a melodia, isto é, estão em

relação de reforço por ressonância harmônica, porém o deslocamento rítmico

dos contratempos, no baixo, contradiz a estrutura métrica da parte principal.

Page 64: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

59

Outro exemplo de acompanhamento heterofônico está no trecho citado

abaixo, extraído do início da canção Jangada, de Alberto Nepomuceno. A

relação semi-heterofônica é alcançada devido à combinação de três padrões

rítmicos diferenciados e contrastantes entre si. A parte vocal realiza tercinas,

contra as colcheias regulares da mão direita do piano e as síncopes internas da

mão esquerda. É interessante notar como a combinação heterofônica vai

sendo construída gradativamente, com a entrada das partes ocorrendo de

baixo para cima.

Exemplo nº 78

Page 65: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

60

2.14. Combinação de diferentes tipos de acompanhamento

Além do emprego de um tipo de acompanhamento ao longo de

determinada canção, pode-se combinar alguns desses processos para gerar

textura mais rica ou para dar maior variedade ao acompanhamento.

Quaisquer dos tipos de acompanhamento citados anteriormente podem

ser combinados para gerar novas estruturas, sendo que sua combinação pode

ser realizada de três maneiras distintas:

a) justaposição

A justaposição de padrões de acompanhamento é o modo mais simples

e comum de variar as partes secundárias, pois consiste na elaboração de

diferentes modelos de acompanhamento e sua alternância, um após o outro.

Essa técnica é amplamente encontrada nas sonatas clássicas para

piano solo, em que a atenção se volta aos aspectos melódicos do tema, sem

que haja possibilidade tímbrica de diferenciar a melodia principal do restante da

textura através do uso de diversos instrumentos.

Também na canção romântica, essa técnica se tornou muito comum.

A página inicial da Sonata KV 310 de Wolfgang Amadeus Mozart revela

a justaposição de diversos padrões de acompanhamento:

• c. 1-4: acordes em bloco

• c. 5: ligação das frases em forma de arpejo, no baixo

• c. 6-7: intermitente, complementar

• c. 8: estilo coral

• c. 9-13: acordes em bloco

• c. 14: estilo coral

• c. 15: notas repetidas, como um pedal

• c. 16-19: arpejo, em forma de basso di Alberti

• c. 20-21: intermitente, com pontuação do compasso

• c. 20-22: baixo em oitavas

• c. 22: acorde cadencial arpejado, com saltos em

movimento contrário, entre a mão direita e a mão esquerda

Page 66: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

61

Exemplo nº 79

Page 67: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

62

b) sobreposição

Quando o acompanhamento é realizado por vários instrumentos

polifônicos (como piano e violão, por exemplo), é comum que cada um desses

instrumentos realize um tipo de acompanhamento diferente dos outros. Com

isso, evita-se o dobramento desnecessário de partes quando se tem a

possibilidade de enriquecer a textura. A maneira mais usual de combinar

padrões diferentes de acompanhamento em instrumentos polifônicos é aplicar

padrões contrastantes para cada um deles.

Se o piano está realizando arpejos contínuos, por exemplo, pode-se

empregar o violão para tocar acordes em bloco, realizar acompanhamento

intermitente ou para fazer acompanhamento rítmico.

No exemplo abaixo, o piano realiza arpejos e o violão toca blocos de

acordes sincopados.

Exemplo nº 80

Uma forma interessante de variar a sonoridade geral do

acompanhamento é através da alternância dos padrões de acompanhamento,

em que os instrumentos trocam constantemente de parte.

No exemplo abaixo, nos dois primeiros compassos, o violão realiza

arpejo, enquanto o piano toca acordes em bloco; nos dois compassos restantes

da mesma frase, os instrumentos trocam de função, pois o piano passa a tocar

arpejos, ao passo que o violão toca blocos de acorde.

Page 68: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

63

Exemplo nº 81

c) fusão

A fusão consiste em combinar diferentes estruturas para formar um novo

padrão, isto é, dois ou mais tipos de acompanhamento podem ser ‘fundidos’

para gerar uma nova maneira de acompanhar o canto.

Na música popular, é freqüente a fusão de diferentes gêneros, ritmos ou

formas conhecidos da tradição, seja ela recente ou remota. Assim, surgem, por

exemplo, o samba-baião, a valsa-choro ou o samba-rock.

A fusão de diferentes ritmos em uma única música tem sido um dos

fatores mais importantes na expansão dos gêneros tradicionais e na criação de

novos gêneros, na música popular brasileira. Essa é uma característica que

existe desde o surgimento dos primeiros gêneros e dos padrões rítmicos mais

antigos do Brasil.

No exemplo abaixo, que é um excerto de Sons de Carrilhões, de João

Pernambuco, foram combinados os ritmos de choro e maxixe. Trata-se, pois,

de um ‘choro-maxixe’ ou de um ‘maxixe chorado’.

Page 69: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

64

Exemplo nº 82

Heitor Villa-Lobos, na sua Suíte Popular Brasileira, realizou a fusão de

danças originais européias com um gênero caracteristicamente brasileiro, o

choro, produzindo novas estruturas musicais, como: mazurca-choro, schottisch-

choro, valsa-choro e gavotta-choro. Essa prática de fusão de gêneros

tradicionais europeus com elementos da música brasileira e latino-americana já

era comum desde o século XVIII, sendo que a maior parte dos gêneros

brasileiros do século XIX, como a modinha, a valsa seresteira, o maxixe e o

choro, surgiram dessas fusões.

O exemplo abaixo traz o início de Schottisch-Choro, da Suíte Popular

Brasileira, de Villa-Lobos.

Exemplo nº 83

Page 70: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

65

Além da fusão de diversos gêneros de acompanhamento rítmico, podem

ser combinados tipos diferenciados de acompanhamento, como

acompanhamento arpejado e blocos de acorde, ou a fusão de

acompanhamento intermitente e acompanhamento sincopado, por exemplo.

No trecho abaixo, extraído da canção Gopak, do russo Modest

Mussorgsky, são combinados os seguintes tipos de acompanhamento:

• heterofonia: a linha superior do piano dobra a melodia vocal com

variações rítmico-melódicas;

• estilo coral: a parte inferior da mão direita realiza segmentos

típicos da textura coral com encadeamentos de acordes;

• intermitente: a mesma parte inferior da mão direita realiza ataques

intermitentes;

• arpejo: a mão esquerda em conjunto efetua um padrão quase

arpejado (cf. dois últimos compassos do exemplo abaixo);

• pedal: a mão esquerda mantém as mesmas notas, no baixo, ao

longo de todo o trecho.

Exemplo nº 84

Page 71: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

66

A fusão desses elementos, na canção de Mussorgsky, produz um novo

tipo de acompanhamento, que não é nenhum deles em particular, pois o

resultado final é mais do que a somatória das partes.

Outra forma de fusão é a combinação de técnicas de justaposição e

sobreposição, que pode ser efetuada pela alternância constante de padrões

entre as partes de acompanhamento; estas podem ser divididas em naipes

para realizar padrões diferentes ao mesmo tempo. Tem-se, assim, uma textura

mais complexa e, por essa razão, deve-se tomar cuidado para que a unidade

geral da textura não se perca em uma ‘colcha de retalhos’.

Para garantir unidade nas diversas partes de acompanhamento, quando

este é muito intrincado, pode-se empregar um motivo de acompanhamento que

percorre os diversos instrumentos ou as diferentes partes da textura geral.

No final da canção Liebesode de Alban Berg ocorre o acúmulo de vários

elementos apresentados anteriormente, na peça. Isso leva a um adensamento

da textura de forma a tornar o acompanhamento bastante complexo. Note-se,

por exemplo, que, no início da página citada abaixo, o acompanhamento tem

basicamente duas partes, sendo que no final chegam a ser sobrepostas cinco

partes diferentes, além da linha vocal.

Para dar sentido a esse acúmulo de idéias, que conduz a peça ao seu

ponto culminante de tensão nos últimos compassos, a mão esquerda do piano

realiza um motivo ascendente em fusas, com arpejos sobre os acordes que

servem de base para cada um desses compassos. Essa figura arpejada é um

motivo de acompanhamento que permanece ao longo de todo o trecho citado,

garantindo-lhe coerência e senso de proporção.

Page 72: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

67

Exemplo nº 85

Page 73: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

68

2.15. Combinação de texturas

Quando o resultado da sobreposição de elementos ultrapassa a simples

categoria de “acompanhamento”, pode-se considerar que se trata da

combinação de diferentes texturas. Esse caso é comum apenas em grandes

formações vocais e/ou instrumentais, pois são necessários muitos recursos

para se produzir uma polifonia de texturas.

Digamos, por exemplo, que se realize uma composição ou arranjo para

a seguinte formação:

• canto solista (que carrega a melodia da canção)

• pequeno grupo de câmara (flauta, clarinete e fagote)

• violão

• piano

• orquestra de cordas

O trecho a seguir seria uma das diversas formas de combinar esses

diferentes grupos, de maneira a diferenciar cada uma das partes ou naipes.

Neste exemplo, o canto solista está sendo acompanhado pelo restante

das partes, porém o resultado geral é uma combinação de texturas porque

cada uma das partes, isoladamente, apresenta um tecido sonoro distinto:

• a parte de canto solista, se tomada isoladamente, apresenta uma

textura monofônica (como qualquer parte solista);

• o trio de madeiras executa um fugato, isto é, uma textura

polifônica embasada na técnica da imitação;

• a orquestra de cordas realiza um acompanhamento em estilo

coral, isto é, uma textura homofônica;

• o violão efetua um acompanhamento rítmico, com alternância

entre baixo e acordes em bloco;

• o piano toca uma seqüência arpejada.

Isso significa que qualquer uma das partes abaixo poderia ser

empregada isoladamente para acompanhar a melodia e sua combinação

produz uma polifonia de texturas.

Page 74: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

69

Exemplo nº 86

Page 75: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

70

***

Com o que foi discutido acima, percebe-se que há diversas maneiras de

tratar o acompanhamento, seja ele vocal ou instrumental. Algumas delas

podem ser realizadas por um único instrumento melódico (como o uso de nota

pedal ou padrão de ostinato), por um instrumento harmônico (como o

acompanhamento arpejado, rítmico, intermitente ou em bloco de acordes, entre

outros) ou pela combinação de diferentes instrumentos, como o

acompanhamento heterofônico ou a combinação de diferentes tipos de

acompanhamento. Por outro lado, há certas formas de acompanhamento que

exigem grandes formações instrumentais para poderem ser plenamente

realizadas (como é o caso da combinação de texturas).

O mais importante, na elaboração das vozes secundárias, é fazer com

que o acompanhamento seja uma parte necessária da textura geral e não um

mero artifício ornamental ou decorativo. Para isso, pode-se fazer com que o

acompanhamento se inter-relacione organicamente com a melodia principal,

evitando que seja tratado de forma mecânica ou automática.

Page 76: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

71

3. AMPLIAÇÃO HARMÔNICA

A ampliação harmônica consiste em estender a harmonia original de

determinada canção com a intenção de torná-la mais variada, mais densa ou

mesmo mais dramática.

A ampliação da harmonia pode ocorrer de três maneiras distintas, que

podem ser combinadas entre si: substituição de acordes, ampliação vertical da

harmonia e ampliação horizontal da harmonia.

3.1. Substituição de acordes

A substituição de acordes consiste em enriquecer a sonoridade de

determinada frase musical ao trocar os acordes originais, ou que já foram

apresentados em frases anteriores, por outros acordes que cumprem a mesma

função harmônica.

Como a música tonal se organiza em torno de três funções básicas

(tônica, subdominante e dominante), o método mais simples de substituição

harmônica é através do emprego de outros acordes que cumprem a mesma

função do original.

Abaixo, estão listados os graus de uma escala maior que cumprem a

mesma função, com exemplos dos acordes da tonalidade de Dó Maior:

TÔNICA SUBDOMINANTE DOMINANTE

Acorde principal I IV V

C F G

Relativas vi ii iii

Am Dm Em

Anti-relativas iii vi vii (alterado)

Em Am Bm

Dominante sem viiº

fundamental Bm(b5)

Quadro nº 1

Com esse quadro, percebe-se que uma seqüência harmônica em que se

tem um encadeamento com os acordes C – F – G – C pode ter alguns de seus

acordes substituídos pelos acordes mencionados acima. As substituições mais

Page 77: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

72

comuns são aquelas realizadas através das relativas das funções principais,

com exceção da dominante, cujo acorde substituto mais característico é aquele

formado sobre o sétimo grau.

Se tocarmos uma melodia acompanhada pelos acordes mencionados

acima, na repetição, eles podem ser facilmente substituídos da seguinte

maneira

I → vi IV → ii V → viiº

C → Am F → Dm G → Bm(b5)

É isso que ocorre no exemplo abaixo, em que o refrão da modinha

oitocentista Eu estando bem juntinho é repetido com substituição de acordes.

Exemplo nº 87

Page 78: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

73

Se o mesmo princípio descrito anteriormente for aplicado ao modo

menor, têm-se as seguintes substituições, em que algumas delas já implicam

acordes alterados comumente utilizados em harmonizações de melodias em

tonalidade menor (os acordes citados são referentes a Lá Menor):

TÔNICA SUBDOMINANTE DOMINANTE

Acorde principal i iv V

Am Dm E

Relativas III VI #iii (alterado)

C F C#m

Anti-relativas VI bII (alterado) #vii (alterado)

F Bb G#m

Dominante sem viiº

fundamental G#m(b5)

Quadro nº 2

As substituições mais comuns em modo menor são estas:

i → III iv → VI V → viiº

Am → C Dm → F E → G#m(b5)

No exemplo a seguir, a canção capixaba Sinhá Marreca é re-

harmonizada em cada repetição de frase pelo uso de acordes substitutos:

Page 79: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

74

Exemplo nº 88

Um dos usos mais comuns de substituição de acordes tem o sentido de

repetir a mesma melodia com novo colorido harmônico, conforme aparece nos

dois exemplos anteriores.

Ao contrário das tonalidades maiores (em que os acordes alterados

apresentados no quadro referente às substituições diatônicas no modo maior

são pouco empregados), nas tonalidades menores o uso de acordes alterados

é bastante freqüente, sendo que alguns deles se tornaram tão comuns que

recebem nomes especiais.

O mais característico desses acordes é aquele formado sobre o segundo

grau alterado descendentemente (bII), que é chamado de acorde Napolitano.

Seu emprego mais usual é em primeira inversão, com a subdominante da

tonalidade reforçada no baixo, pois este acorde tem a função de anti-relativa da

subdominante menor (cifra funcional: sA). Quando aparece em primeira

inversão, chama-se Sexta Napolitana (N6). Dentre as tríades, esse é o acorde

alterado mais empregado em harmonizações por substituição. Por cumprir a

função de subdominante, é empregado como substituto do quarto grau.

No exemplo abaixo, o acorde de Gm é substituído por Eb, em nova re-

harmonização do início da melodia Sinhá Marreca, apresentada no exemplo

anterior. Note-se que é necessário alterar a nota melódica para evitar falsa

relação entre a note mi natural da melodia e o mib do baixo. Modificações na

melodia original com o intuito de adaptá-la à nova estrutura harmônica é um

procedimento comum em re-harmonizações com acordes alterados.

Page 80: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

75

Exemplo nº 89

Além das substituições diatônicas, em que são empregados somente

acordes pertencentes à tonalidade de referência da melodia, podem ser

empregados outros tipos de substituição.

a) Empréstimo Modal

A mais comum das substituições com acordes alterados são aquelas em

que se tomam acordes originados do homônimo menor para empregá-los na

tonalidade maior, ou vice-versa. Esse processo costuma ser chamado de

Empréstimo Modal. Conforme foi mencionado, pode ser necessário modificar

alguma nota da melodia para adequá-la à nova harmonia.

Abaixo, estão apresentados os casos mais comuns de empréstimo

modal:

Modo Maior TÔNICA SUBDOMINANTE DOMINANTE

Acorde principal I IV V

C F G

Homônimos i (alterado) iv (alterado) v (alt., modal)

Cm Fm Gm

Relativas dos bIII (alterado) bVI (alterado) bVII (alt., modal)

homônimos Eb Ab Bb

Anti-relativas dos bVI (alterado) bII (alterado) bIII (alterado)

homônimos Ab Db Eb

Quadro nº 3

Page 81: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

76

Modo Menor TÔNICA SUBDOMINANTE DOMINANTE (?)

Acorde principal i iv V

Am Dm E

Homônimos I (alterado) IV (alterado) v (alt., modal)

A D Em

Relativas dos #vi (alterado) ii (alterado) bVII (alt., modal)

homônimos F#m Bm G

Anti-relativas dos #iii (alterado) #vi (alterado) III

homônimos C#m F#m C

Quadro nº 4

Naturalmente, alguns desses acordes alterados por empréstimo modal

são mais freqüentemente utilizados do que outros.

Quando a intenção é produzir um efeito fortemente progressivo, isto é,

tonal, é incomum o emprego dos acordes relacionados ao quinto grau menor

(em Dó Maior: Gm e Bb; que não podem ser considerados como ‘dominantes’

por não produzirem o efeito atrativo da sensível), pois esses geram efeito

modal por serem originários do antigo modo eólio.

Se, ao contrário, se tem intenção de construir um trecho com caráter

modal, esses acordes são plenamente eficazes, como ocorre no exemplo

abaixo, em que a mesma canção Sinhá Marreca é harmonizada com o

propósito de criar o efeito sonoro característico do antigo modo eólio.

Exemplo nº 90

O acorde de Eb/G, isto é, o acorde de sexta napolitana, produziria um

efeito típico do modo frígio, isto é, com o segundo grau menor.

Page 82: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

77

Exemplo nº 91

No exemplo anterior, apesar do forte caráter frígio da melodia e da

harmonia, o senso de progressão harmônica ocorre devido ao movimento forte

de quintas descendentes, no baixo: ré-sol, sol-dó e lá-ré.

No modo maior, os acordes mais usados por empréstimo modal são

aqueles com função de subdominante (em Dó Maior: Fm, Ab e Db), pois são

neutros no que diz respeito às relações de tensão-relaxamento devido à sua

função de passagem entre a tônica e a dominante.

No exemplo abaixo, a modinha imperial Eu estando bem juntinho, citada

anteriormente na tonalidade de Lá Maior, é harmonizada com acordes

alterados obtidos por empréstimo modal. Isso significa que esses acordes

pertencem ao tom homônimo, isto é, à tonalidade de Lá Menor. Note-se que

foram necessárias alterações na melodia para adaptá-la à nova harmonia.

Exemplo nº 92

Page 83: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

78

Nesse exemplo, os acordes alterados são:

• Dm7 → empréstimo modal a partir do homônimo, iv de Lá Menor;

produz cromatismo descendente no soprano

• A#º → acorde diminuto de uso cromático; empregado para fazer a

passagem entre A e E/B; produz cromatismo ascendente no

baixo, que responde ao cromatismo do soprano

• F → empréstimo modal a partir do homônimo, VI de Lá Menor;

produz cadência deceptiva ampliada

• C → empréstimo modal a partir do homônimo, III de Lá Menor

• Bº → acorde diminuto de uso enarmônico, empregado para fazer

a passagem entre C e E7, pois é o viiº7 tanto em Dó maior quanto

em Lá Maior

• Bb/D→ sexta napolitana, tanto em Lá Menor quanto em Lá Maior.

No modo menor, os acordes com função de subdominante (em Lá

Menor: D e Bm; menos comum: F#m) já são encontrados em um dos tipos de

escala: a forma melódica, pois contêm o sexto grau alterado ascendentemente.

Por essa razão, esses acordes podem ser considerados naturais do modo

menor, dependendo da estrutura escalar em que a melodia está embasada.

A harmonização ‘natural’ para os primeiros compassos da melodia

abaixo é com os acordes de D e Bm, pois a melodia está composta com base

na escala de Lá Menor melódica.

Exemplo nº 93

Ao contrário, se a melodia gira em torno da escala menor harmônica, o

uso desses acordes pode ser considerado como alteração, podendo inclusive

Page 84: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

79

produzir falsa relação (em Lá Menor: fá natural da escala harmônica/fá# do

acorde de D ou Bm).

No seguinte exemplo, está a harmonização da melodia anterior na

escala de Sol Menor. Os acordes do segundo compasso são Cm e Aø , ambos

são acordes naturais da escala menor harmônica, na qual a melodia está

construída.

Exemplo nº 94

No exemplo abaixo, aparecem falsas relações devido ao emprego das

notas da escala de Sol Menor harmônica, na melodia, enquanto, ao mesmo

tempo, a harmonia está embasada na escala melódica. Têm-se, assim,

simultaneamente, os acordes de Cm e C, de Aø e Am, sendo que Cm e Aø

fazem parte da escala melódica e C e Am fazem parte da escala harmônica.

As falsas relações presentes no segundo compasso deste exemplo

estão indicadas por setas.

Exemplo nº 95

Os acordes alterados por empréstimo modal com função de tônica são

mais comuns no modo menor do que no modo maior. Desde o início do uso de

Page 85: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

80

tríades, no século XV, era comum finalizar peças musicais em modos menores

(dórico, frígio e eólio) com a terça de picardia, isto é, acrescentando a terça

maior, no acorde de tônica. Isso gerou uma cadência que pode ser chamada

de cadência de picardia, na qual uma música em modo menor é finalizada com

um acorde maior.

A frottola abaixo, de Marco Cara (1470-1525), chamada Io non compro

più speranza, finaliza em modo dórico, cuja terça natural é menor. Para concluir

a música com a tríade maior, foi empregada a terça de picardia, isto é, a terça

do acorde final foi alterada (fá#).

Exemplo nº 96

Já o uso de acordes relativos e anti-relativos do homônimo é mais

freqüente em peças escritas em tonalidades maiores. Uma espécie ampliada

de cadência deceptiva (ou cadência de engano) é realizada com o sexto grau

do modo menor.

Pode-se encontrar a seguinte seqüência de acordes, em Dó maior:

|| C – F – Db/F – G7 – Ab ||

Se essa seqüência for analisada, tem-se:

|| I – IV – bII6 – V7 – bVI ||

No encadeamento acima, o acorde de bII6 é a Sexta Napolitana (que

tem sua origem no antigo modo frígio) e bVI é a anti-relativa do tom homônimo

(trata-se do acorde utilizado para a cadência deceptiva, em Dó Menor). Esses

Page 86: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

81

acordes aparecem na harmonização da canção Eu estando bem juntinho [ex.

nº 92], apresentada com acordes alterados. Notes-se como, no quinto

compasso desse exemplo, há uma cadência que se completa sobre o sexto

grau de Lá Menor (acorde de F), e não de Lá Maior (acorde de F#m), como

seria esperado. Trata-se, portanto, de uma cadência deceptiva ampliada pelo

emprego de empréstimo modal.

O acorde formado sobre o bIII, apesar de menos empregado do que

aqueles discutidos anteriormente, também é encontrado nas harmonização

com empréstimo modal. No mesmo exemplo discutido acima, é o acorde de C

utilizado no primeiro compasso da segunda frase, que se encontra no sexto

compasso do ex. nº 92.

Por ser uma mediante obtida por alteração (acorde formado sobre o

terceiro grau bemolizado), este acorde também pode ser classificado como

sendo uma Mediante Cromática.

b) Mediantes Cromáticas

Os acordes obtidos como mediantes cromáticas são aqueles que se

relacionam com a fundamental da função principal à distância de terça superior

ou inferior e não pertencem à escala de origem. Desta forma, as mediantes

cromáticas são acordes alterados cuja fundamental se encontra à distância de

terça do acorde principal. Geralmente, as mediantes cromáticas de um acorde

maior são maiores; as mediantes cromáticas de um acorde menor são

menores.

Em Dó Maior, têm-se as seguintes mediantes cromáticas:

Mediantes cromáticas da TÔNICA:

3ªM E

3ªm Eb

C

3ªm A

3ªM Ab

Page 87: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

82

Mediantes cromáticas da SUBDOMINANTE:

3ªM A

3ªm Ab

F

3ªm D

3ªM Db

Mediantes cromáticas da DOMINANTE:

3ªM B

3ªm Bb

G

3ªm E

3ªM Eb

Em Lá Menor, têm-se as seguintes mediantes cromáticas:

Mediantes cromáticas da TÔNICA:

3ªM C#m

3ªm Cm

Am

3ªm F#m

3ªM Fm

Mediantes cromáticas da SUBDOMINANTE:

3ªM F#m

3ªm Fm

Dm

3ªm Bm

3ªM Bbm

Page 88: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

83

Mediantes cromáticas da DOMINANTE:

3ªM G#

3ªm G

E

3ªm C#

3ªM C

As mediantes cromáticas podem ser classificadas conforme o nível de

alteração existente, na sua relação com a tonalidade de origem. Há aquelas

mediantes que têm apenas uma nota alterada, portanto são as mais próximas

do acorde básico. Com relação ao acorde de C, as mediantes com apenas uma

nota alterada são E (nota alterada: sol#) e A (nota alterada: dó#). As mediantes

com duas notas alteradas são Eb (notas alteradas: mib e sib) e Ab (notas

alteradas: láb e mib).

Existe, ainda, um terceiro nível de mediantes cromáticas que têm todas

as notas alteradas e, portanto, não guardam nenhuma relação harmônica com

o acorde natural da escala. Por essa razão, alguns autores desconsideram

esse nível de mediante. Essas mediantes são aquelas em que a relação se

inverte com relação ao modo do acorde de origem, isto é, se o acorde de base

para a mediante é maior, a mediante será menor, e vice-versa. As mediantes

menores cromáticas de C são Ebm (três notas alteradas: mib, solb e sib) e

Abm (três notas alteradas: láb, dób e mib).

O quadro de mediantes abaixo demonstra os níveis de relações de

mediantes:

1. mediantes diatônicas – são os acordes que se relacionam por

terça, sem alteração; portanto, não são mediantes cromáticas,

mas relativas e anti-relativas. Estes acordes têm duas notas

comuns com relação à função principal.

Mediantes diatônicas de C:

Page 89: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

84

Mediantes diatônicas de Am:

2. mediantes cromáticas com uma nota alterada – são aquelas

obtidas sobre as fundamentais naturais da escala. São acordes

com uma nota comum em relação ao acorde principal.

Mediantes cromáticas de C com uma alteração:

Mediantes diatônicas de Am com uma alteração:

3. mediantes cromáticas com duas notas alteradas – são obtidas

sobre fundamentais alteradas. Estes acordes têm uma nota

comum com relação ao acorde principal.

Mediantes cromáticas de C com duas alterações:

Mediantes cromáticas de Am com duas alterações:

4. mediantes cromáticas com três notas alteradas – são as relações

de terças mais distantes entre dois acordes; são consideradas

Page 90: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

85

como mediantes cromáticas obtidas por empréstimo modal, pois

têm o modo invertido com relação à tonalidade: se o acorde de

base é maior, as mediantes serão menores; se o acorde de base

é menor, as mediantes serão maiores. Não têm nota comum em

relação ao acorde principal.

Mediantes cromáticas de C com todas as notas alteradas:

Mediantes cromáticas de Am com todas as notas alteradas:

Na análise da Harmonia Funcional, as cifras das mediantes cromáticas

são indicadas da seguinte maneira:

• m = “acorde menor com função de mediante”, ou, simplesmente,

“mediante menor”

• M = “acorde maior com função de mediante”, ou, simplesmente,

“mediante maior”

• s = “vizinho de terça menor superior”

• S = “vizinho de terça maior superior”

• i = “vizinho de terça menor inferior”

• I = “vizinho de terça maior inferior”

• /T = “da tônica maior”

• /t = “da tônica menor”

• /S = “da subdominante maior’

• /s = “da subdominante menor”

• /D = “da dominante”

Page 91: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

86

As cifras da Harmonia Tradicional, isto é, a análise harmônica por graus,

são mais simples, pois basta colocar o tipo do acorde de mediante (maiúsculo

para acorde maior; minúsculo para acorde menor) e a alteração característica

antes do numeral romano (se o acorde é alterado ascendentemente, coloca-se

um sustenido; se é alterado descendentemente, indica-se com um bemol).

Assim, tem-se, por exemplo, que

• em Dó Maior, o acorde de Eb tem a seguinte relação com C: Ms/T – lê-se: mediante maior, vizinha de terça menor superior da

tônica; bIII – lê-se: acorde maior sobre o terceiro grau bemolizado;

• em Fá Maior, o acorde de Ab tem esta relação com C: MI/D – lê-se: mediante maior, vizinha de terça maior inferior da dominante;

bIII – lê-se: acorde maior sobre o terceiro grau bemolizado;

• em Sol Maior, o acorde de Abm tem esta relação com C: mI/S – lê-se: mediante menor, vizinha de terça maior inferior da subdominante;

bii – lê-se: acorde menor sobre o segundo grau bemolizado;

• em Lá Menor, o acorde de Cm tem esta relação com Am: ms/t – lê-se: mediante menor, vizinha de terça menor superior da tônica;

iii – lê-se: acorde menor sobre o terceiro grau natural;

• em Mi Menor, o acorde de Fm tem esta relação com Am: mI/s – lê-se: mediante menor, vizinha de terça maior inferior da

subdominante; bii – lê-se: acorde menor sobre o segundo grau bemolizado;

• em Ré Menor, o acorde de F# tem esta relação com Am: Mi/s – lê-se: mediante maior, vizinha de terça menor inferior da

dominante menor; #III – lê-se: acorde menor sobre o terceiro grau sustenizado;

Page 92: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

87

Se forem empregadas mediantes cromáticas à harmonização da

modinha Eu estando bem juntinho, podem-se obter os seguintes acordes:

Exemplo nº 97

No exemplo acima, são estas as mediantes cromáticas:

• Bb – mediante maior, vizinha de 3ªM inferior da subdominante:

MI/S ou bII;

• C# – mediante maior, vizinha de 3ªM superior da tônica:

MS/T ou III;

• G – mediante maior, vizinha de 3ªm superior da dominante:

Ms/D ou bVII;

• F – mediante maior, vizinha de 3ªM inferior da tônica:

MI/T ou bVI;

• C – mediante maior, vizinha de 3ªm superior da tônica:

Ms/T ou bIII;

Note-se que alguns dos acordes acima poderiam ser interpretados de

outras maneiras.

Por exemplo,

• Bb pode ser interpretado como:

1. MI/S – mediante cromática de D

Page 93: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

88

2. sA – anti-relativa de Dm, obtido por empréstimo modal 3. N – acorde napolitano, pois é o segundo grau bemolizado

• G pode ser interpretado como:

1. Ms/D – mediante cromática de E 2. SS – subdominante de D

• F pode ser interpretado como:

1. MI/T – mediante cromática de A 2. tA – anti-relativa de Am, obtido por empréstimo modal 3. sR – relativa de Dm, obtido por empréstimo modal

• C poderia ser analisado como:

1. Ms/T – mediante cromática de A 2. tR – relativa de Am, obtido por empréstimo modal

Quanto maior a ampliação da harmonia por meio de acordes alterados,

mais subjetiva se torna a estrutura, isto é, maior a possibilidade de

interpretações diferenciadas.

Isso explica a quantidade de análises e as inúmeras controvérsias em

torno do “acorde de Tristão”, que é o primeiro acorde do Prelúdio da ópera

Tristão e Isolda, de Richard Wagner. Cada músico, musicólogo ou analista

interpreta a estrutura desse acorde de maneira distinta, considera diferentes

notas como sendo as notas reais do acorde e contextualiza esse acorde em

diferentes tonalidades.

A seguir está o tão discutido “acorde de Tristão”:

Exemplo nº 98

Page 94: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

89

Abaixo, estão algumas das dezenas de interpretações antagônicas do

“acorde de Tristão”:

Autor Tipo do acorde Grau Função Tonalidade

Kistler (1879) sétima diminuta VII dominante Lá Menor

D’Indy (1898) sexta alterada IV subdominante Lá Menor

Jadassohn (1899) acorde alterado V dominante Fá# menor

Schreyer (1905) quinta diminuta V dominante Mi Maior

Hindemith (1937) sexta adicionada VII sem funcionalidade Lá Menor

Piston (1941) sexta francesa II dominante da dominante Lá Menor

Schoenberg (1911) acorde errante _ sem funcionalidade Lá Menor

Schoenberg (1948) acorde de sétima II dominante da dominante Lá Menor

Chailley (1962) acorde apojatura _ sem funcionalidade Lá Menor

Searle (1966) sétima diminuta II dominante Mib Maior

Quadro nº 5

A análise do quadro acima revela as diferenças de interpretação, em se

tratando apenas do primeiro acorde de uma obra com mais de duas horas de

duração. É interessante notar que se têm duas análises do mesmo autor

(Schoenberg), publicadas em épocas diferentes, que são completamente

contrastantes entre si.

Isso demonstra que, quanto mais ampliada é a estrutura harmônica, com

emprego de acordes alterados, mais difícil de realizar análise compartilhada

entre diferentes autores, pois se ultrapassa o campo da objetividade em

direção ao terreno das opiniões individuais. Esse subjetivismo está plenamente

conforme os valores do Romantismo e, portanto, deve ser levado em conta

quando se analisa esse tipo de música com forte movimentação cromática.

De qualquer forma, é possível estabelecer critérios analíticos objetivos a

serem observados ao longo da análise, sendo importante levar em

consideração o contexto harmônico em que determinado acorde ou progressão

harmônica aparece.

Na harmonização da canção Eu estando bem juntinho, apresentada

acima, no ex. nº 97, percebe-se a intenção que produzir relações de terças

cromáticas entre os acordes, pois, em apenas duas frases, tem-se seis

Page 95: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

90

encadeamentos de acordes alterados inter-relacionados por terça, o que gera a

média de quase uma mediante cromática por compasso, se a cadência final for

desconsiderada.

Os encadeamentos de acordes alterados à distância de terça entre as

fundamentais, nessa harmonização, são estes:

D – Bb; A – C#; E – G; F – A; A – C; C – E Isso significa que, nessa estrutura harmônica, as interações

preponderantes entre os acordes alterados é por relação de terças, o que

significa que se trata do emprego abundante de mediantes cromáticas. Sendo

assim, a maneira mais eficaz de interpretar esses acordes alterados é como

mediantes cromáticas.

Em uma seqüência harmônica típica do século XVIII, em que alguns

desses acordes poderiam ser utilizados, certamente as relações entre as

fundamentais seriam predominantemente por quintas (T–S; D–T), o que faria

com que o emprego de acordes alterados fosse interpretado de outra maneira.

No exemplo abaixo, uma seqüência harmônica possível na música tonal

mais estrita do século XVII ou XVIII, os mesmos acordes anteriormente

empregados como mediantes cromáticas, devido às inter-relações

predominantes de terças entre as fundamentais, são empregados com outras

funções.

Neste exemplo, o acorde de G é uma subdominante da subdominante,

pois está posicionado entre a tônica e a subdominante, cumprindo a função de

afastar da tônica em direção à dominante (este mesmo acorde, na

harmonização anterior da modinha imperial, foi empregado como mediante

cromática diretamente relacionada à dominante). O acorde de Bb/D está em

uma posição típica do uso do acorde de sexta napolitana, inclusive com o

movimento de terça diminuta no soprano.

Neste caso, esses dois acordes não podem ser interpretados como

mediantes cromáticas, mas como SS e N6.

Page 96: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

91

Exemplo nº 99

Pode-se perceber, a partir da análise comparativa dos exemplos citados

acima, que a cifra gradual não permite classificar os acordes alterados com a

mesma precisão que a cifra funcional.

Por exemplo, o acorde de Db, que sempre é cifrado como bII de Dó

Maior, independentemente de seu emprego, poderia ser usado com diferentes

funções.

• Db pode ser utilizado, em Dó Maior, como:

1. MI/S – acorde maior, vizinho de 3ªM inferior da

subdominante, ou seja, mediante cromática de F 2. sA – anti-relativa da subdominante menor, ou seja, é um

acorde obtido por empréstimo modal, relacionado a Fm 3. N – acorde napolitano, isto é, segundo grau bemolizado

Essas diferenças não são expressas pela cifragem gradual da harmonia.

c) Dominantes Alteradas

Outra família de acordes substitutos é formada por várias espécies de

acordes com função de dominante (acorde meio diminuto, acorde de sétima

diminuta, acorde com quinta aumentada, acorde com sétima e quinta

aumentada, sub-V) ou dominante da dominante (acordes de sexta aumentada:

sexta italiana, sexta alemã e sexta francesa; esses acordes fazem parte da

categoria de sub-V da dominante).

Outras dominantes secundárias também podem ser empregadas com as

mesmas características que a dominante da dominante, por isso, o estudo

deste tipo de acorde pode ser aplicado a qualquer outra dominante alterada.

Page 97: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

92

Já que os acordes com função de dominante geralmente aparecem com

sétima (tétrades), nos exemplos abaixo serão incorporadas sétimas aos

acordes4.

Acordes da família das dominantes DOMINANTE DOMINANTE DA

DOMINANTE Acorde principal V7 V7/V G7 D7 Acorde meio- viiø viiø/V diminuto Bø F#ø Acorde diminuto viiº viiº/V Bº F#º Acordes de quinta bIII+7 bIII+7/V aumentada Eb7(#5) Bb7(#5) V+7 V+7/V G7(#5) D7(#5) Sub-V e suas bII7 ou It6/I bII7/V ou It6 alterações Db7 Ab7 bII7 ou Al6/I bII7/V ou Al6 Db7 Ab7 bII#75 ou Fr6/I bII#75/V ou Fr6 Db7(b5) Ab7(b5)

Quadro nº 6

Os acordes pertencentes à família das dominantes são os mesmos nos

modos maior e menor, pois o acorde principal de dominante é o mesmo. Em

Dó Maior e em Dó Menor, a dominante principal é o acorde de G7.

Devido ao fato de que os acordes de dominante da dominante têm a

função de afastar da tônica e conduzir para a dominante, esses acordes são

incorporados como substitutos da subdominante, pois é a subdominante que

cumpre essa função de transição entre a tônica e a dominante no contexto

tonal.

No exemplo abaixo, extraído da canção Urso, do populário de Santa

Catarina, foram empregadas dominantes secundárias comumente usadas na

música tonal. A função desses acordes é acrescentar colorido harmônico por

meio de alterações à estrutura diatônica predominante.

Os acordes com função de dominante secundária estão indicados

através de cifra funcional e gradual.

4 De resto, o estudo de acordes expandidos será realizado na próxima seção.

Page 98: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

93

Exemplo nº 100

Note-se que, no exemplo acima, a cifragem gradual se torna mais

precisa que a funcional, pois indica a dominante secundária e sua resolução.

Como, na maioria das vezes, a dominante conduz para sua resolução

característica, na harmonia funcional, considera-se desnecessário indicá-la.

No exemplo a seguir, a melodia anterior é harmonizada com predomínio

de dominantes secundárias. Devido à maior dificuldade de compreensão deste

tipo de harmonização, foi realizada a análise gradual detalhada para indicar a

origem e a resolução própria de cada um dos acordes.

Exemplo nº 101

Nessa harmonização, o primeiro acorde já é alterado, pois se trata de

uma sétima diminuta no modo maior, que é, portanto, obtida por empréstimo

Page 99: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

94

modal. Outro acorde obtido por empréstimo modal é o Cø do terceiro compasso

do segundo sistema. Esse acorde é construído a partir do segundo grau do tom

homônimo, ou seja, é substituto da subdominante, em Sib Menor. Outro acorde

com função de subdominante, nessa harmonização, é o acorde napolitano, que

aparece em estado fundamental, no compasso 13.

A maior parte dos acordes alterados, na harmonização do ex. nº 101,

tem função de dominante. A análise demonstra que foram empregados acordes

de dominante como Al6 e Fr6; esta é indicada pela cifra: Vb75 – visto que Fr6 e

Vb75 são enarmônicos, com a diferença da nota posicionada no baixo, ou seja,

um é inversão do outro.

Além dos mencionados, foram utilizados acordes diminutos e meio-

diminutos, como também um acorde de quinta aumentada com função de

dominante principal, no início da segunda parte da canção.

A grande quantidade de acordes alterados, nessa harmonização, levou à

realização da cadência final por meio de um movimento cromático descendente

em terças paralelas, no penúltimo compasso da parte superior.

O acorde sub-V da dominante aparece como parte do cromatismo do

penúltimo compasso e é conduzido de forma característica, isto é, por

movimento paralelo de todas as vozes e com a presença de quintas paralelas

entre as vozes externas da textura.

d) Quadro geral de substituições

Com o que foi exposto acima, pode-se completar o quadro geral de

acordes substitutos das três funções principais (tônica, subdominante e

dominante) conforme demonstrado no quadro abaixo.

Neste quadro, tem-se como referência as tonalidades de Dó Maior e Dó

Menor.

Page 100: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

95

TÔNICA

SUBDOMINANTE

DOMINANTE

Acordes com Função Principal

Modo Maior I IV V

C F G

Modo Menor i iv v

Cm Fm Gm

Relativas e Anti-relativas

Relativas em iii #iii vi vi vii

Maior Am Em Bm

Relativas em bIII III bVI VI vii vii

Menor Eb Ab Bm

Anti-relativas em iii #iii vi #vi vii vii

Maior Em Am Bm

Anti-relativas em bVI VI bII bIII III

Menor Ab Db Eb

Mediantes Cromáticas

Vizinhos de 3ªm bIII III bVI VI bVII

Superior em Maior Eb Ab Bb

Vizinhos de 3ªm biii iii bvi vi bvii

Superior em Menor Ebm Abm Bbm

Vizinhos de 3ªM III #III VI #VI VII

Superior em Maior E A B

Vizinhos de 3ªM iii #iii vi #vi vii

Superior em Menor Em Am Bm

Vizinhos de 3ªm VI #VI II III #III

Inferior em Maior A D E

Vizinhos de 3ªm vi #vi ii iii #iii

Inferior em Menor Am Dm Em

Vizinhos de 3ªM bVI VI bII bIII III

Inferior em Maior Ab Db Eb

Vizinhos de 3ªM bvi vi bii biii iii

Inferior em Menor

Abm Dbm Ebm

Page 101: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

96

Dominantes Alteradas

Dominante da Dominante

Dominante

Acorde principal V7/V V7

D7 G7

Acorde meio- viiø/V viiø diminuto F#ø Bø Acorde diminuto viiº/V viiº

F#º Bº

Acordes de quinta bIII+7/V bIII+7 aumentada Bb7(#5) Eb7(#5)

V+7/V V+7 D7(#5) G7(#5)

Sub-V e suas bII7/V ou It6 bII7 ou It6/I alterações Ab7 Db7

bII7/V ou Al6 bII7 ou Al6/I Ab7 Db7

bII#75/V ou Fr6 bII#75 ou Fr6/I Ab7(b5) Db7(b5)

O quadro acima apresenta os acordes com função de tônica,

subdominante, dominante da dominante e dominante, independentemente do

modo original ser maior ou menor, pois a tabela completa de substitutos serve

para ambos os modos.

As cifras de graus posicionadas à esquerda dizem respeito à tonalidade

de Dó Maior; as cifras à direita dizem respeito a Dó Menor; quando há somente

uma cifra de grau, ela serve para ambos os modos.

Assim, na coluna da função de tônica, têm-se os acordes que podem ser

empregados como substitutos do primeiro grau: C; na coluna da função de

subdominante, têm-se os acordes que podem ser usados como substitutos do

quarto grau: F; na coluna da função de dominante estão os acordes que podem

ser empregados como substitutos do quinto grau: G.

Alguns acordes podem ser interpretados por mais de um caminho, isto é,

podem ser entendidos como participando diferentes funcionalidades. Por

Page 102: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

97

exemplo, o acorde de Am pode ser interpretado, em Dó Maior, como relativa de

C ou como anti-relativa de F; em Dó Menor, pode ser relativa do homônimo ou

mediante cromática de Cm, entre outras possibilidades.

Algumas interpretações, apesar de possíveis, podem ser um tanto

forçadas. Isso significa que, geralmente, a melhor forma de analisar a função

de determinado acorde é através da relação mais direta possível com o acorde

principal que lhe deu origem.

Na seqüência abaixo, é mais adequado interpretar o acorde de Am como

relativa de C do que como mediante cromática de Cm:

|| C – Am – Dm7 – Db7 – C ||

I vi ii7 sub-V7 I

T Tr Sr7 (Al6) T

O emprego de determinado acorde é tão mais freqüente quanto mais

próximo se encontra da função principal que lhe deu origem. Isso significa que,

em Dó Maior, é mais comum encontrar um acorde de Am do que Abm como

substituto de C, pois o primeiro é a relativa, ao passo que o segundo é a

mediante cromática mais afastada da tônica.

As relações funcionais podem ser classificadas desde as relações mais

próximas até as mais afastadas.

Em Dó maior, tem-se, com relação à tônica:

• acordes diatônicos

função principal: C;

relativa: Am;

anti-relativa: Em;

• empréstimo modal

homônimo: Cm;

anti-relativa do homônimo: Ab;

relativa do homônimo: Eb;

• mediantes cromáticas

acorde maior, vizinho de terça maior superior: E;

acorde maior, vizinho de terça menor inferior: A;

Page 103: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

98

acorde maior, vizinho de terça menor superior: Eb;

acorde maior, vizinho de terça maior inferior: Ab; 5

• mediantes cromáticas por empréstimo modal 6

acorde menor, vizinho de terça menor superior: Ebm;

acorde menor, vizinho de terça maior inferior: Abm. 7

Qualquer um dos acordes citados acima pode ser substituto de C, na

tonalidade de Dó Maior.

e) Princípio da nota comum

Segundo um processo limítrofe de substituição de acordes, postula-se

que determinado acorde pode ser substituído por qualquer outro acorde que

possui pelo menos uma de suas notas. Nesse sentido, existe uma relação mais

aproximada (ou menos afastada) entre acordes que têm a fundamental de um

deles como nota comum, especialmente quando se trata da fundamental do

acorde com função principal da tonalidade de origem.

Assim, a substituição de um acorde de C (tônica, em Dó Maior) pode

ultrapassar o limite das relações funcionais através do princípio da nota comum

e ser substituído por qualquer acorde que tem uma de suas notas.

Segundo esse princípio da nota comum, as relações de substituição se

ampliam ainda mais, pois ultrapassam as relações funcionais, possibilitando a

substituição de um acorde de C (tônica, em Dó Maior) por acordes como F

(subdominante), Dm7 (relativa da subdominante), Fm (homônimo da

subdominante), D7 (dominante da dominante), F#º (viiº7 da dominante), Bb7(9)

(dominante de Mib Maior ou Mib Menor), B7(b9) (dominante de Mi Menor ou Mi

5 Os dois acordes últimos acordes obtidos como mediantes cromáticas de C – Eb, vizinho de terça menor superior, e Ab, vizinho de terça maior inferior –, têm relações mais diretas com a função principal (tônica) pelo princípio de empréstimo modal, pois são, respectivamente, relativa e anti-relativa do homônimo. Por isso, na maior parte dos casos, é preferível interpretá-los pelo processo de empréstimo modal. 6 As mediantes cromáticas obtidas por empréstimo modal são aquelas que não têm nenhuma nota pertencente à tonalidade (pois têm as três notas alteradas) e, portanto, podem ser interpretadas como derivadas de relações de terça com o homônimo. 7 Estes dois acordes – Ebm e Abm – não têm nota comum com a função principal (acorde de C), sendo, portanto, o maior grau de afastamento do ponto de vista funcional.

Page 104: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

99

Maior), entre outros – todos os acordes citados têm a nota dó, que é a

fundamental de C.

A técnica do encadeamento de acordes afastados por meio de nota

comum permite modulações diretas, sem preparação, para tonalidades

afastadas.

No trecho abaixo, extraído do finale da Sonata Op. 2, nº 2 (1853), de

Johannes Brahms, há duas modulações para tonalidades afastadas: a primeira

ocorre no segundo compasso do terceiro sistema deste exemplo, que modula

de Sol# Menor para Dó Maior; a segunda ocorre no ultimo sistema do exemplo,

com a modulação de Dó Maior para Láb Maior.

Exemplo nº 102

O primeiro fato relevante demonstrado pela análise desse trecho é que

modulações afastadas fazem parte de contextos harmônicos ampliados, com

grande quantidade de acordes alterados e expandidos.

(a)

(b)

Page 105: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

100

No exemplo acima, no trecho indicado com (a), a modulação é feita

através da nota comum si, que é a mediante de Sol# Menor e a sensível de Dó

Maior; a nota si é utilizada para construir o acorde de Bº que prepara o acorde

de C, como nova tônica, no compasso seguinte. No segmento marcado com

(b), a nota comum é sol, que é a dominante de Dó Maior e a sensível de Láb

Maior; essa nota faz parte do encadeamento das mediantes cromáticas C–Eb,

sendo que este acorde já é a dominante da nova tonalidade.

Quando esses processos expandidos de encadeamento ou substituição

de acordes são empregados sistematicamente podem ocasionar poliacordes

(em que a melodia está composta com base em determinado acorde e a

harmonia em outro) ou, mesmo, relações de politonalidade (em que a melodia

se encontra em uma tonalidade e a harmonia em outra).

No exemplo abaixo, a harmonia e a melodia da canção Juliana e Dom

Jorge, do cancioneiro popular mato-grossense, estão embasadas em acordes

distintos, dentro da mesma tonalidade.

Para explicitar o processo de substituição deste exemplo, os acordes

cifrados na linha superior pertencem à harmonia original; os acordes colocados

abaixo desses são os acordes obtidos através do processo de substituição.

Exemplo nº 103

Note-se que o princípio da nota comum permite realizar substituições

com mudança de função harmônica. No primeiro compasso, a substituição

mantém a função, pois se trata de substituir o acorde de tônica por sua anti-

Page 106: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

101

relativa, já que ambos têm as notas dó e mib em comum. Nos três compassos

seguintes, a substituição é realizada com acordes de funções diferentes,

sempre mantendo alguma nota comum, e no penúltimo compasso há

substituição da dominante pelo sub-V, isto é, se mantém a função original.

Na primeira frase do ex. nº 103, ocorrem as seguintes substituições:

• c. 1: substituição da tônica pela tônica anti-relativa (notas comuns: dó e

mib);

• c. 2: a nota comum dó permite substituir o acorde de tônica pela

subdominante;

• c. 3: o acorde de subdominante é substituído pela sua própria dominante

(nota comum: dó);

• c. 4: o acorde de sétima da dominante é substituído por um acorde com

função de subdominante: iiº (notas comuns: ré e fá);

• c. 5: substituição da dominante pelo sub-V (notas comuns: si, ré e fá;

sendo que o si é obtido por enarmonia – si~dób)

• c. 6: expansão do acorde de tônica pelo emprego da sétima (não é

substituição).

Na segunda frase, que inicia e termina de forma idêntica à primeira, as

substituições diferenciadas ocorrem somente no compasso 8, pois no

compasso 9 não há substituição. Assim, tem-se:

• c. 8: substituição da dominante da subdominante pelo movimento

cadencial completo no campo harmônico da subdominante, com uso do

sub-V; o que pode ser interpretado, em Fá Maior, como: ii–bII7–I (notas

comuns – entre C7 e Gm: sol e sib; entre C7 e Gb7(#5): sib e fáb~mi).

Com o que foi exposto acima, percebe-se que as substituições

presentes no ex. nº 103 produzem poliacordes, em que a linha melódica expõe

um acorde específico, enquanto a harmonia apresenta outro acorde

pertencente à mesma tonalidade.

Por exemplo, no primeiro compasso, há um arpejo sobre o acorde de

Cm, na melodia, ao passo que a harmonia realiza um acorde de Ab (VI grau de

Page 107: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

102

Dó Menor); nos compassos 4–5, o acorde de G7(b9) é arpejado na melodia,

que é harmonizada pelos acordes Dø–Db7(9), que são, respectivamente, iiø e

sub-V de Dó Menor.

No exemplo a seguir, os processos de substituição vão mais longe,

fazendo com que a harmonia esteja em uma tonalidade, enquanto a melodia

anterior está em outra. O que mantém a relação entre harmonia e melodia é o

princípio da nota comum.

Neste exemplo, a análise da harmonia implícita na melodia está sobre o

pentagrama superior e a análise da harmonia realizada por substituição bitonal

está abaixo do pentagrama inferior.

Exemplo nº 104

No exemplo acima, aparecem algumas dissonâncias extremas, na

interação entre melodia e harmonia, devido às notas diferenciais, que são si

(Dó Menor)/sib (Láb Maior) e ré (Dó Menor)/réb (Láb Maior).

A relação de politonalidade pode gerar grande quantidade de

dissonâncias se a relação entre as tonalidades for afastada, pois haverá maior

número de falsas relações devido ao pequeno número de notas comuns. No

ex. nº 104, as falsas relações foram evitadas para que a harmonia se

apresente como reforço da melodia.

No exemplo abaixo, ao contrário, o interesse é gerar grande número de

falsas relações para produzir estranhamento entre as duas partes. Para isso,

Page 108: Harmonização de melodias e Padrões Rítmicos

103

são escolhidas duas tonalidades distantes entre si: Dó Menor, na melodia, e Lá

Maior, na harmonia. Note-se que a parte de acompanhamento é bastante

similar à anterior, porém tocada meio-tom acima.

Exemplo nº 105

Essa escolha de tonalidades possibilita o emprego de grande quantidade

de falsas relações entre as partes. Já no primeiro compasso, há duas falsas

relações, entre as notas dó/dó# e mib/mi.

Outra maneira de grafar duas ou mais partes em diferentes tonalidades

é escrever separadamente a armadura de clave de cada parte, no pentagrama

correspondente. Com isso, se evita a grande quantidade de notas alteradas e

se esclarece a relação de politonalidade.

No exemplo abaixo, a mesma música do exemplo anterior está escrita

de forma e evidenciar a tonalidade de cada uma das partes, sendo que a

melodia está com armadura de Dó Menor (três bemóis) e o acompanhamento

está escrito com armadura de Lá Maior (três sustenidos).

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Exemplo nº 106

Quanto mais a harmonia se estende através do emprego de acordes

afastados, maior a necessidade de fazer com que cada um dos acordes

utilizados se torne mais elaborado do ponto de vista de sua constituição

interna, ou seja, o músico sente-se levado a empregar acordes de sétima,

nona, sexta e nona, etc. em grande parte dos acordes. Isso significa que o uso

abundante de acordes alterados está ligado ao uso dos processos de

ampliação vertical da harmonia.

No exemplo abaixo, os graus harmônicos do exemplo anterior são

mantidos, porém a harmonia é ampliada por meio de notas adicionadas e

acordes expandidos. Este tipo de harmonia é mais condizente com as

dissonâncias e as falsas relações existentes entre a melodia e o

acompanhamento.

Neste exemplo, a cifra dos acordes se refere somente à mão esquerda e

está colocada abaixo do pentagrama inferior para indicar as ampliações

harmônicas realizadas a partir da harmonização do ex. nº 106.

Exemplo nº 107

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4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CHEDIAK, Almir. Dicionário de acordes cifrados. Rio de Janeiro: Lumiar, 1984. ______________. Harmonia & improvisação. 2v. Rio de Janeiro: Lumiar, 1986. GUERRA PEIXE, Cesar. Melos e harmonia acústica. São Paulo: Irmãos Vitale,

s.d. GUEST, Ian. Arranjo, método prático. 3 v. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996. LEVINE, Mark. The jazz theory book. Petaluma: Sher Music, 1995. PERSICHETTI, Vincent. Twentieth-century harmony. New York: Norton, 1961. SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. São Paulo:

EDUSP, 1991. TILLIS, Frederick. Jazz theory and improvisation. New York: Silhouette, 1977. ULEHLA, Ludmila. Contemporary harmony. London: Collier-Macmillan, 1966.