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Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 89.523 - SP (2007/0203385-1) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA IMPETRANTE : LUIZ ANTÔNIO SILVA BRESSANE - DEFENSOR PÚBLICO E OUTRO IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : MANOEL DA SILVA (PRESO) RELATÓRIO MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora): Trata-se de habeas corpus , com pedido de liminar, impetrado contra ato da Oitava Câmara do Quarto Grupo da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, negando provimento ao recurso em sentido estrito interposto por MANOEL DA SILVA, manteve a prisão decorrente da sentença que o pronunciou pela suposta prática dos crimes de homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado, mantendo a pronúncia em toda sua extensão. Noticiam os autos que o paciente foi preso em flagrante delito aos 11.05.2004 e posteriormente denunciado como incurso no art. 121, § 2º, II e IV e art. 121, § 2º, II e IV c/c art. 14, II, todos do Código Penal. No decorrer da instrução criminal foi requerido, em diversas oportunidades, o relaxamento da prisão em flagrante do paciente, bem como a sua liberdade provisória, pleitos que restaram indeferidos. Encerrada a instrução criminal, o Juízo da Primeira Vara do Júri da Comarca de São Paulo pronunciou o paciente como incurso nas sanções indicadas na denúncia. Contra esta decisão, a defesa interpôs recurso em sentido estrito para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, através da sua Oitava Câmara do Quarto Grupo da Seção Criminal, negou-lhe provimento. Alega o impetrante que o acórdão proferido pelo Tribunal de origem é eivado de nulidade absoluta, tendo em vista a falta de intimação do advogado constituído pelo paciente para ciência da data da sessão de julgamento do recurso, em violação ao disposto no art. 370, § 1º do Código de Processo Penal, o que configuraria cerceamento no seu direito de defesa. Sustenta, ainda, que o acórdão seria igualmente nulo em razão de excesso de linguagem na sua fundamentação, pois teria adentrado ao mérito da causa, realizando juízo de valor sobre a conduta do paciente, usurpando, portanto, a competência do Tribunal do Júri. Defende, também, que a segregação do paciente é revestida de ilegalidade manifesta, tendo em vista que em todas as oportunidades em que lhe foi indeferido ou o relaxamento da sua prisão em flagrante ou a sua liberdade provisória, as decisões não Documento: 5730733 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 11

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HABEAS CORPUS Nº 89.523 - SP (2007/0203385-1)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURAIMPETRANTE : LUIZ ANTÔNIO SILVA BRESSANE - DEFENSOR PÚBLICO E

OUTROIMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : MANOEL DA SILVA (PRESO)

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Trata-se de habeas corpus , com pedido de liminar, impetrado contra ato da

Oitava Câmara do Quarto Grupo da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo que, negando provimento ao recurso em sentido estrito interposto por

MANOEL DA SILVA, manteve a prisão decorrente da sentença que o pronunciou pela

suposta prática dos crimes de homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado,

mantendo a pronúncia em toda sua extensão.

Noticiam os autos que o paciente foi preso em flagrante delito aos

11.05.2004 e posteriormente denunciado como incurso no art. 121, § 2º, II e IV e art. 121,

§ 2º, II e IV c/c art. 14, II, todos do Código Penal.

No decorrer da instrução criminal foi requerido, em diversas oportunidades,

o relaxamento da prisão em flagrante do paciente, bem como a sua liberdade provisória,

pleitos que restaram indeferidos.

Encerrada a instrução criminal, o Juízo da Primeira Vara do Júri da

Comarca de São Paulo pronunciou o paciente como incurso nas sanções indicadas na

denúncia. Contra esta decisão, a defesa interpôs recurso em sentido estrito para o Tribunal

de Justiça do Estado de São Paulo que, através da sua Oitava Câmara do Quarto Grupo da

Seção Criminal, negou-lhe provimento.

Alega o impetrante que o acórdão proferido pelo Tribunal de origem é

eivado de nulidade absoluta, tendo em vista a falta de intimação do advogado constituído

pelo paciente para ciência da data da sessão de julgamento do recurso, em violação ao

disposto no art. 370, § 1º do Código de Processo Penal, o que configuraria cerceamento no

seu direito de defesa. Sustenta, ainda, que o acórdão seria igualmente nulo em razão de

excesso de linguagem na sua fundamentação, pois teria adentrado ao mérito da causa,

realizando juízo de valor sobre a conduta do paciente, usurpando, portanto, a competência

do Tribunal do Júri.

Defende, também, que a segregação do paciente é revestida de ilegalidade

manifesta, tendo em vista que em todas as oportunidades em que lhe foi indeferido ou o

relaxamento da sua prisão em flagrante ou a sua liberdade provisória, as decisões não

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trouxeram qualquer fundamentação idônea a justificar a necessidade da prisão cautelar. E

ainda, aduz que o paciente encontra-se encarcerado por mais de 3 (três) anos, sem que para

tal delonga tenha contribuído a defesa, prazo que extrapola os critérios da razoabilidade e

proporcionalidade que devem estar revestidas as prisões cautelares.

Por fim, afirma que deve ser aplicado ao paciente o disposto no art. 408, §

2º do Código de Processo Penal, para que possa aguardar o julgamento pelo Tribunal do

Júri em liberdade, tendo em vista ser primário e não possuir antecedentes, aduzindo

tratar-se de direito subjetivo do acusado em processo penal.

Pretende, liminarmente, a anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de

origem e o seu desentranhamento dos autos, bem como a concessão da liberdade

provisória; o relaxamento da sua prisão em flagrante; ou a aplicação do art. 408, § 2º do

Código de Processo Penal. No mérito, requer a confirmação do pleito liminar.

Antes das informações, foi deferida liminar para permitir a liberdade

provisória do Paciente, sobrevindo aquelas, posteriormente, às fls. 110/175.

Instado a manifestar-se, o Ministério Público Federal opinou pela

denegação da ordem, consoante parecer de fls. 177/185, da lavra do eminente

Suprocurador-Geral da República Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.

Em novas informações, a autoridade coatora noticia que a ação penal na

origem aguarda o desfecho deste writ para ter continuidade.

É o relatório.

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EMENTA

PROCESSO PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HABEAS CORPUS . DECISÃO DE PRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ACÓRDÃO QUE MANTÉM O JULGAMENTO DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DO RÉU. INOCORRÊNCIA. VÍCIO DO TEXTO. EXCESSO DE LINGUAGEM. ADJETIVAÇÃO ABUSIVA. DESENTRANHAMENTO DA DECISÃO DOS AUTOS. PRISÃO CAUTELAR. DESNECESSIDADE.

1. Uma vez tendo sido os advogados constituídos pelo réu intimados do dia do julgamento do recurso em sentido estrito, pela imprensa oficial, não há falar em vício de intimação ou de nulidade do julgamento.

2. A fase do denominado judicium accusationis implica juízo objetivo acerca da materialidade do delito, dos indícios e provas da autoria e da descrição das teses existentes, não podendo construir valoração favorável a uma delas em frontal desprestígio da outra.

3. In casu , ao preconizar o julgador a existência de duas teses contrapostas, a da acusação e a da defesa, esta na linha da legítima defesa, jamais poderia afirmar categoricamente que a conduta do acusado decorreu de “discussão banal” e, mesmo que assim não fosse, estaria configurado “excesso em sua conduta”; ou, ainda, que praticou o fato com “frieza” e “sem nervosismo”, porque tais adjetivações transbordam o juízo de pronúncia.

4. A prisão processual, por ser medida instrumental, e não antecipatória de pena, necessita reportar-se a dados concretos de cautelaridade, não servindo a mera alusão ao fato de que o crime é grave e que o réu já teria supostamente praticado outro crime.Hipótese em que não houve a indicação introdutória dos requisitos do art. 312 do CPP.

5. Ordem concedida em parte para, mantendo a liminar anteriormente deferida, permitir que o Paciente aguarde em liberdade o processo penal, se por outro motivo não estiver preso, sob o compromisso de comparecer a todos os demais atos do processo e, bem assim, para que seja o acórdão proferido no julgamento do recurso em sentido estrito desentranhado dos autos da ação penal, de modo a evitar o seu conhecimento por parte dos jurados.

VOTO

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MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

A discussão heróica se reparte em duas frentes:

a) Nulidade do acórdão proferido no julgamento do recurso em

sentido estrito, porquanto os defensores constituídos não teriam sido

intimados da sessão de julgamento, bem assim pelo fato de ter

utilizado linguagem inadequada para a simples submissão do Paciente

ao Tribunal do Júri.

b) Desnecessidade da prisão cautelar, assim como excesso no

tempo de seu cumprimento, uma vez que a custódia remanesce a

11.05.2004.

A questão da primeira nulidade diz com a previsão do art. 370, § 1º, do

CPP, em face do qual o Impetrante alega ter havido cerceamento de defesa, pois, uma vez

distribuído o recurso, foi encaminhado em mesa para julgamento sem a devida intimação

da parte e de seus patronos.

Aliás, assentou a peça vestibular (fl. 4):

“A ausência de intimação de advogado constituído para ciência da data da sessão de julgamento de recurso, consoante reiterada jurisprudência dessa Colenda Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, configura NULIDADE ABSOLUTA."

Conquanto a impetração ostente o argumento da falta de intimação para a

sessão de julgamento do recurso em sentido estrito, o fato é que as informações, à fl. 160,

demonstram que o chamamento para a apreciação do apelo defensivo obedeceu aos

parâmetros legais, na medida em que foi publicada a pauta no dia 3 de agosto de 2006,

podendo afirmar que constou os nomes dos advogados subscritores da peça recursal: Drs.

Lucindo Rafael e Marcelo Iudice Rafael.

Assim, não prevalece a pretensão de nulidade do acórdão proferido por esse

viés.

No tocante à nulidade seguinte, diz o Impetrante que o acórdão está eivado

de excesso de linguagem, tendo o Colegiado invadido os limites da valoração do caso,

adentrando na seara do próprio julgamento de mérito. E isso se deu em razão da seguinte

motivação contida no aresto:

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“Consta dos autos que na data dos fatos, o indiciado adentrou no estabelecimento comercial denominado Bar e Lanchonete Bandeira e após banal discussão acerca da utilização do banheiro, sacou de inopino de sua arma e passou a efetuar disparos contra as vítimas.” (fl. 164)

“Nota-se que a justificativa apresentada pelo recorrente restou completamente isolada nos autos, até porque é dos autos que o acusado, após a discussão, chegou a sair do local, retornando em seguida, ficando superada a alegação de que foi uma resposta à conduta das vítimas, pois, ainda que assim fosse, configurado restaria o excesso na "resposta" do acusado, eis que desproporcional. O crime somente não se consumou com relação às duas vítimas, por circunstâncias alheias à vontade do agente, tendo em vista que uma delas foi socorrida em tempo de sobreviver.

Ademais, as declarações da vítima foram integralmente corroboradas pela testemunhas dos fatos, que foi clara ao narrar a frieza e calma do acusado ao sair do local dos fatos após o cometimento dos delitos, não demonstrando nervosismo ou qualquer sentimento do tipo, não havendo, portanto, provas inequívocas da pretendida legítima defesa, necessárias para o reconhecimento da excludente.” (fl. 165).

A irresignação do Impetração estaria no aspecto valorativo da conduta do

Paciente, cuja apreensão caberia ao Conselho de Sentença.

Nesse ponto, penso que, realmente, que houve adjetivação exorbitante no

julgamento do caso penal.

A decisão de pronúncia, consoante magistralmente enunciou o Ilustre e

saudoso Ministro Assis Toledo, “é ato de conteúdo declaratório, em que o juiz julga

admissível a acusação para que seja apreciada pelo Tribunal do Júri. Sua linguagem deve

ser serena e sóbria, evitando-se qualquer influência sobre a decisão dos jurados ” (RHC

3582/PR, DJ de 30/05/1994).

Nesse passo, verificando o conteúdo do acórdão combatido, vejo que o uso

de expressões incisivas, tais como, “banal”, “inopino”, “ainda que assim não fosse, restaria

o excesso”, “desproporcional”, “frieza e calma do acusado”, “não demonstrando

nervosismo”, exprimem valoração desmedida em relação ao contexto da fase de pronúncia,

porquanto sugere análise do conteúdo subjetivo da conduta do agente afastando qualquer

linha de defesa, situação que pode gerar influência na apreciação da causa pelo Tribunal

leigo.

Não se olvide, é natural, que o ato de pronunciar o réu encaminha o julgador

a conviver com o drama constante da necessidade de motivação adequada das decisões

judiciais, conforme exigência do art. 93, IX, da CF.

Em obra recente, intitulada Tribunal do Júri – De acordo com a Reforma do

CPP, São Paulo: RT, Guilherme de Souza Nucci, por sinal, ressalta:

"É essencial compor a motivação da decisão com o comedimento no uso das palavras e expressões, bem como na formação do raciocínio

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envolvido no juízo de admissibilidade da acusação. Não é simples, nem fácil proferir uma decisão de pronúncia isenta e, realmente, imparcial. Torna-se, por vezes, tarefa mais dificultosa do que emitir uma decisão condenatória. Afinal, nesta última, pode o juiz fundamentar como quiser. É um momento reflexivo seu. Porém, na pronúncia, se houver uma fundamentação exagerada, certamente, a consequência terá por alvo o jurado.

(...)Portanto, a pronúncia não pode conter termos exagerados, nem frases

contundentes (ex: 'é óbvio ser o réu o autor da morte da vítima', quando aquele nega a autoria)...” (Obra citada, fl. 66).

Dessa forma, na espécie, ao preconizar o julgador a existência de duas teses

contrapostas, a da acusação e a da defesa, esta na linha da legítima defesa, jamais poderia

afirmar categoricamente que a conduta do acusado decorreu de “discussão banal” e,

mesmo que assim não fosse, estaria configurado “excesso em sua conduta”; ou, ainda, que

praticou o fato com “frieza” e “sem nervosismo”.

Observe-se sobre a controvérsia que o juízo de acusação deve pressupor a

materialidade do fato e seus elementos indiciários e probatórios, jamais podendo invadir o

âmago das teses contrapostas, privilegiando uma em detrimento da outra. Assim fazendo,

o Tribunal sugestionou ao juiz leigo uma mera aceitação do ponto de vista por ele

privilegiado.

Isso não quer dizer, no entanto, que a valoração do acórdão vergastado

precisa ser tida como nula em toda a sua extensão. Na verdade, o que é nulo é o excesso de

linguagem de alguns tópicos, o que não invalida o acórdão como ato de confirmação da

pronúncia.

De fato, a eloquência do acórdão no tocante à análise da pronúncia não

impede considerá-lo, uma vez extraídas as expressões inadequadas, para o fim de

confirmar a decisão de pronúncia.

Há que se ter em mente que o ataque da impetração se dá contra a falta de

sobriedade do aresto, e não contra a inexistência de exame das provas e das teses

sugeridas, dentro do judicium accusationis .

Nesse passo é que, da leitura do acórdão, penso que a melhor solução para o

caso será impedir que o seu conteúdo seja distribuído aos jurados, o que pode ser feito por

meio do seu desentranhamento dos autos, recomendando-se a não utilização de sua

colação em qualquer hipótese.

Afinal, essa recomendação já consta do art. 478, I, do CPP, conforme

redação dada pela Lei 11.689/2008, sendo a conclusão mais adequada ao caso concreto,

atendendo, dessa forma, o direito de o Paciente não ter a defesa dificultada em sua

plenitude.

Por fim, cumpre analisar o pedido de liberdade provisória, já garantido em

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sede de liminar.

Nesse ponto, mantenho o entendimento sufragado quando da apreciação da

pretensão prévia.

Com efeito, o magistrado de primeira instância, ao indeferir o pedido de

liberdade provisória formulado em favor do paciente, assim fundamentou sua decisão:

"(...)Por outro lado, há nos autos notícia de que o réu teria sido, em março

de 2002, preso em flagrante junto ao 77º Distrito Policial desta capital sob a imputação de posse ou porte ilegal de arma, não se conhecendo, até o presente, a solução correspondente (fls. 43v). Assim, havendo outro registro criminal em seu desfavor, é de melhor cautela que aguarde ele, por ora, cautelarmente preso a audiência de seu interrogatório. Nessa audiência, o Juízo terá condições de novo e melhor exame da matéria.

(...)" (fl. 38)

Reiterado o pedido, assim fundamentou sua nova decisão:

"O acusado responde pelo crime de homicídio qualificado consumado e outro tentado, elencados entre os crimes hediondos, sendo incabível a concessão do benefício pleiteado.

(...)Como bem colocado pelo I. Representante Ministerial, o acusado já foi

beneficiado com a transação criminal, envolvendo-se posteriormente, em tese, nos crimes aqui apontados, a demonstrar que, se em liberdade, poderá colocar em risco a ordem pública.

Pelas razões, indefiro os pedidos da Nobre Defesa." (fls. 39 e 39v.).

Por ocasião da prolação da sentença de pronúncia, a necessidade da

permanência do paciente no cárcere foi assim fundamentada pelo juízo monocrático:

"Considerando que o acusado já foi processado por porte de arma de fogo por fato ocorrido anteriormente ao fato descrito nestes autos, e que, se realmente agiu como mencionado na denúncia teria voltado a andar armado, não vislumbro possibilidade de aguardar o julgamento solto, a bem da ordem pública que potencialmente poderá ver-se ameaçada com a presença do réu em seu meio, antes do julgamento. (...)" (fl. 42).

O Tribunal de origem, por sua vez, ao tratar da matéria por ocasião do

julgamento do recurso em sentido estrito interposto, assentou:

"Quanto ao pedido de liberdade, face ao preenchimento dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, como medida necessária à garantia da ordem pública, além da periculosidade do acusado, evidenciada pelas circunstâncias em que o crime foi cometido, justificada a manutenção da custódia cautelar, ainda que o agente seja primário e de bons antecedentes.

(...)

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Ademais, é vedada a concessão de liberdade provisória aos acusados da prática de crimes hediondos, nos termo do inciso II do artigo 2º da Lei 8072/90." (fls. 62/63).

Da leitura das decisões colacionadas, não se verifica fundamentação idônea

a justificar a necessidade do encarceramento cautelar do paciente, sendo certo que a

invocação da gravidade do ilícito e a periculosidade do agente não se prestam para tanto,

conforme posicionamento adotado por esta Corte, bem como pelo Pretório Excelso:

"CRIMINAL. HC. LATROCÍNIO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE. NATUREZA HEDIONDA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. EXCESSO DE PRAZO. ARGUMENTO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA.

I. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação.

II. Cabe ao Julgador interpretar restritivamente os pressupostos do art. 312 da Lei Processual Adjetiva, fazendo-se mister a configuração empírica dos referidos requisitos.

III. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao paciente, a existência de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria, a natureza hedionda do delito, a periculosidade do agente, não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto.

IV. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva, cabendo salientar que as afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal.

V. O fato de se tratar de crime hediondo, por si só, não basta para que seja determinada a segregação, pois, igualmente, exige-se convincente fundamentação, conforme tem decidido esta Corte.

VI. Condições pessoais favoráveis, como primariedade, bons antecedentes e residência definida, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas quando não demonstrada a presença dos requisitos que justificam a medida constritiva excepcional.

VII. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto prisional, para revogar a prisão preventiva decretada contra o paciente, determinando a expedição de alvará de soltura em favor do réu, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que seja decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.

VIII. Ordem concedida, julgando-se prejudicada a alegação de excesso de prazo na instrução criminal, nos termos do voto do Relator." (STJ, HC 69.075/PB, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 12.03.2007)

"EMENTAS: 1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar. Natureza

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instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Excepcionalidade. Necessidade de se ater às hipóteses legais. Sentido do art. 312 do CPP. Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, a prisão preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivo de caráter condenatório, bem como perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem. 2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito, a título de garantia da ordem pública. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a ordem pública, se funda na gravidade do delito. 3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência do clamor público. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado no clamor público para restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato. 4. AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto destituído de fundamento legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela nulidade. Precedentes. Quando a sentença de pronúncia se reporta aos fundamentos do decreto de prisão preventiva, fica contaminada por eventual nulidade desse e, a fortiori, quando silencie a respeito, de modo que, neste caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundamento legal. 5. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Motivação ilegal e insuficiente. Suprimento da motivação pelas instâncias superiores em HC. Acréscimo de fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. HC concedido. Não é lícito às instâncias superiores suprir, em habeas corpus ou recurso da defesa, com novas razões, a falta ou deficiência de fundamentação da decisão penal impugnada." (STF, HC 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 24.11.2006)

Acresça-se, também, que o pensamento desta Corte é no sentido de que a

permanência em cárcere, pelo fundamento da gravidade genérica, sem maiores indagações,

não prevalece frente à garantia da presunção de inocência.

Vejam-se alguns julgados:

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETAÇÃO FUNDAMENTADA EM MERAS CONJECTURAS, NA GRAVIDADE DO DELITO E NO CLAMOR PÚBLICO. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO DEMONSTRADA. PRECEDENTES.

1. A prisão preventiva deve ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.

2. O decreto prisional não foi fundamentado de forma efetiva, pois não bastam meras referências quanto à gravidade genérica do delito ou à possibilidade de a Paciente influenciar as testemunhas ou furtar-se à aplicação da lei penal, sem demonstração, com base em dados concretos

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extraídos dos autos, da necessidade da sua custódia, dada sua natureza cautelar.

3. O magistrado teceu argumentação abstrata, sem comprovar a existência dos pressupostos e motivos autorizadores da medida cautelar, elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, com a devida indicação dos fatos concretos justificadores de sua imposição, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.

4. O clamor público, inerente ao repúdio que a sociedade confere à prática criminosa, não é bastante para fazer presente o periculum libertatis e justificar a prisão provisória.

5. Ordem concedida para revogar a custódia cautelar da ora Paciente, se por outro motivo não estiver presa, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada. Com amparo no art. 580 do Código de Processo Penal, estendo os efeitos da presente decisão aos co-réus Robson Almeida da Silva, Dely dos Reis Gonçalves, David Alexandre da Silva, Moisés Francisco da Silva e Elias Valeriano dos Santos, por se encontrarem na mesma situação processual da Paciente.” (HC 67.957/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2007, DJ 05/11/2007 p. 305)

“PROCESSO PENAL. RHC. TRÁFICO DE DROGAS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. CORRUPÇÃO ATIVA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE.

NECESSIDADE DE EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO RECURSO ORDINÁRIO. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA.

AUSÊNCIA DE SUA PROIBIÇÃO NA LEI 11.464/07. GRAVIDADE GENÉRICA DO DELITO. CLAMOR PÚBLICO. CONJECTURA DE QUE SOLTO O RÉU VOLTARÁ A DELINQÜIR. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. As situações autorizadoras da prisão em flagrante não exigem certeza da autoria delitiva, apenas um alto grau de probabilidade do envolvimento do agente com os delitos perpetrados.

2. O recurso ordinário em habeas corpus é meio impróprio para a análise da ilegalidade da prisão em flagrante quando esta não desponta de plano, exigindo profundo exame do conjunto fático-probatório.

3. A Lei 11.464/07 não impede a concessão da liberdade provisória nos crimes hediondos e a ele equiparados, sendo de natureza geral em relação a todos os crimes dessa natureza.

4. A gravidade genérica do delito e a conjectura de que o réu voltará a delinqüir não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar se desvinculadas de qualquer elemento concreto dos autos.

5. O clamor público causado pelo crime de tráfico de drogas, por si só, também não constitui fundamentação idônea a justificar a necessidade da segregação.

6. Recurso ordinário parcialmente provido para possibilitar ao recorrente a liberdade provisória.” (RHC 24.121/MG, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 17/11/2008)

Assim, a anunciada justificativa não sobrevive sem a contraposição

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eficiente dos conectários ao direito de presunção de inocência.

Aliás, em algumas decisões tenho chamado atenção para o fato de que a

prisão preventiva é medida extrema, de natureza exclusivamente cautelar, e que, por isso

mesmo, jamais poderá ser empregada como forma de antecipação de pena,

emprestando-lhe um caráter de prevenção geral, ou de ser um mero efeito da condenação.

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em aclamado precedente,

destacou a inviabilidade da execução provisória da pena, admoestando que "ofende o

princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito

em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu,

desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP" (HC

84.078/MG, rel. Min. Eros Grau, 05.02.2009, Informativo STF nº 534), excepcionalidade

que não se verifica no caso dos autos.

Ante o exposto, concedo em parte a ordem para, mantendo a liminar

anteriormente deferida, permitir que o Paciente aguarde em liberdade o processo penal, se

por outro motivo não estiver preso, sob o compromisso de comparecer a todos os demais

atos do processo e, bem assim, que seja o acórdão proferido no julgamento do recurso em

sentido estrito desentanhado dos autos, de modo a evitar o seu conhecimento por parte dos

jurados.

É o voto.

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