40
SOCIOLOGIAS 158 Sociologias, Porto Alegre, ano 11, nº 22, jul./dez. 2009, p. 158-197 ARTIGO * Sociólogo, mestre e doutor em Sociologia, coordenador da pós-graduação em Sociologia da UnB. O debate sobre a autonomia/ não-autonomia da tecnologia na sociedade MICHEL MICHEL MICHEL MICHEL MICHELANGELO GIOT ANGELO GIOT ANGELO GIOT ANGELO GIOT ANGELO GIOTTO SANTORO TRIGUEIRO TO SANTORO TRIGUEIRO TO SANTORO TRIGUEIRO TO SANTORO TRIGUEIRO TO SANTORO TRIGUEIRO * Resumo O artigo apresenta o debate a respeito da autonomia e não-autonomia da tecnologia na sociedade, a partir da discussão empreendida na sociologia da ciên- cia e da recente literatura sobre a produção tecnológica, notadamente a que se inicia com o trabalho de Martin Heidegger, Question concerning technology. Con- siderando esse trabalho de Heidegger uma reflexão seminal sobre o tema da tecnologia, é proposta uma inversão “ontológica” na relação entre ciência e tecnologia, ao colocar esta última como uma realidade anterior à ciência. O texto procura contrastar diferentes acepções a respeito da tecnologia, mediante recortes analíticos os mais diversos, a saber, diferentes perspectivas teórico-metodológicas, concepções filosóficas e enfoques, entre os quais o econômico, o sociológico e o histórico. É dado destaque especial ao confronto entre o enfoque sociológico e o econômico. Ao final, pretende-se reunir elementos para a argumentação a respei- to da não-autonomia da tecnologia na sociedade e do que tem sido chamado o conteúdo social da tecnologia. Palavras-chave: Sociologia da tecnologia. Sociologia da ciência. Tecnociência. Ge- ração de tecnologia. Prática tecnológica.

Heidegger 01

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Técnica e Tecnologia

Citation preview

  • SOCIOLOGIAS158

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    ARTIGO

    * Socilogo, mestre e doutor em Sociologia, coordenador da ps-graduao em Sociologia daUnB.

    O debate sobre a autonomia/no-autonomia da tecnologiana sociedade

    MICHELMICHELMICHELMICHELMICHELANGELO GIOTANGELO GIOTANGELO GIOTANGELO GIOTANGELO GIOTTO SANTORO TRIGUEIROTO SANTORO TRIGUEIROTO SANTORO TRIGUEIROTO SANTORO TRIGUEIROTO SANTORO TRIGUEIRO*****

    Resumo

    O artigo apresenta o debate a respeito da autonomia e no-autonomia datecnologia na sociedade, a partir da discusso empreendida na sociologia da cin-cia e da recente literatura sobre a produo tecnolgica, notadamente a que seinicia com o trabalho de Martin Heidegger, Question concerning technology. Con-siderando esse trabalho de Heidegger uma reflexo seminal sobre o tema datecnologia, proposta uma inverso ontolgica na relao entre cincia etecnologia, ao colocar esta ltima como uma realidade anterior cincia. O textoprocura contrastar diferentes acepes a respeito da tecnologia, mediante recortesanalticos os mais diversos, a saber, diferentes perspectivas terico-metodolgicas,concepes filosficas e enfoques, entre os quais o econmico, o sociolgico e ohistrico. dado destaque especial ao confronto entre o enfoque sociolgico e oeconmico. Ao final, pretende-se reunir elementos para a argumentao a respei-to da no-autonomia da tecnologia na sociedade e do que tem sido chamado ocontedo social da tecnologia.

    Palavras-chave: Sociologia da tecnologia. Sociologia da cincia. Tecnocincia. Ge-rao de tecnologia. Prtica tecnolgica.

  • SOCIOLOGIAS 159

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    questionamento a respeito da natureza da tecnologia edo lugar que ela ocupa na sociedade tem proporcionadoamplo debate na literatura, envolvendo diferentesenfoques, posies filosficas e metodologias. So muitasperspectivas tericas que se confrontam e se superpem,

    evidenciando, a um s tempo, a grande complexidade do fenmeno emdiscusso, e o relativamente recente peso (nos ltimos cinquenta anos)que o assunto passou a ganhar entre os autores que lidam com a proble-mtica do conhecimento.

    Certamente que falar de tecnologia no algo novo, remontandoaos antigos gregos, como Plato e Aristteles, e passando, nos temposmodernos, por Marx, Engels, Rousseau, Bacon, Comte e Simmel (o queconstitui a base filosfica e terica clssica da reflexo em torno datecnologia). Contudo, o debate comea a se intensificar com a discussointroduzida por Martin Heidegger (1977), cuja verso original foi publicadaem alemo, em 1954. No obstante, so nas discusses a respeito da na-tureza do conhecimento cientfico e do papel que ele ocupa na socieda-de, particularmente sua relao com a tecnologia, ainda anteriores dca-da de cinquenta do sculo passado, que podemos encontrar muitas dasquestes que passaram a orientar a reflexo mais recente sobre a tecnologia.

    A Teoria do Conhecimento, a Filosofia da Cincia e mesmo a Socio-logia da Cincia foram impulsionadas, nos finais dos anos 20 do sculopassado, com a constituio do chamado Crculo de Vienna (CARNAP;HAHN; NEURATH, 2006). Esse movimento, conhecido como Positivismolgico, possua como principal ambio filosfica combinar o empiricismode Bacon aos desenvolvimentos obtidos com a lgica matemtica no scu-lo XX. No esforo em demarcar o campo especfico da cincia conside-rada por muitos como algo essencialmente racional e isento de quaisquerinterferncias sociais e em destinar tecnologia um lugar secundrio

    O

  • SOCIOLOGIAS160

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    (uma mera aplicao dos conhecimentos cientficos), os protagonistas doCrculo de Vienna acabam por aquecer o debate a respeito dacontraposio autonomia/no-autonomia da cincia na sociedade. O quefomentou as bases da moderna Sociologia da Cincia, tambm inspiradasna obra Ideologia e utopia de Karl Manheim, publicada originalmente em1929, em sua Sociologia do Conhecimento.

    A contribuio da Sociologia da Cinciapara a construo de uma teoria sobre a tecnologia

    A Sociologia da Cincia, desde os seus primeiros momentos, voltava-separa a compreenso da dimenso social da atividade cientfica, correlacionandoesta atividade a outras esferas da vida social, como a poltica e a econmica.Nesse sentido, autores importantes como Bernal (1939), Merton (1949),Hagstrom (1965), Kuhn (1970)1, Ben-David (1971), Crane (1975) e Bourdieu(1983) contriburam de maneira destacada para esclarecer o entendimentosobre o papel da Cincia nas sociedades contemporneas e o modo como elase organiza e se constitui como uma instituio social.

    No obstante as peculiaridades, verifica-se, entre esses autores e natradio dominante da Sociologia da Cincia, uma nfase comum na no-o de comunidade cientfica e nas relaes entre os cientistas nosaspectos normativos internos e nos padres de conduta e principais moti-vaes desses indivduos. Tambm se destacam importantes contribuiespara o entendimento da formao e consolidao de determinadas comu-

    1 Embora no se possa dizer que sua abordagem integre propriamente o ncleo duro daSociologia da Cincia, por seu enfoque propriamente filosfico, no se pode desconhecer aimportante obra de Toulmin (1961), introduzindo a noo de idias de Ordem Natural, quepode ser considerada uma precursora do conceito kuhniano de paradigma.

  • SOCIOLOGIAS 161

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    nidades cientficas, dentro de uma perspectiva histrica, os trabalhos deFernandes (1990) e Schwartzman (1979), na Sociologia Brasileira.

    Esta nfase na noo de comunidade cientfica levou a que se esta-belecesse, nas anlises tericas e empricas da tradio dominante da So-ciologia da Cincia, uma evidente dicotomia interno-externo, para abor-dar as condies de produo do conhecimento cientfico. Outra dicotomiaproveniente dessa tradio aquela expressa na separao entre os aspec-tos cognitivos e os sociais da produo cientfica.

    Num extremo, tais separaes tendem a acentuar a viso a respeitodo valor destacado da verdade cientfica ou de uma racionalidade tcni-co-cientfica, o que aponta para a vertente da neutralidade cientfica, quese consagra na idia de cincia pura na linha da defesa preconizadapelo Crculo de Vienna. O exemplo mais marcante dessa ltima linha podeser visto, na Sociologia da Cincia, no trabalho de Merton (1949), ao insis-tir na tese da autonomia da cincia na sociedade.

    No outro extremo, autores como Bourdieu e Kuhn, embora aindadedicando importncia decisiva para as relaes entre os pares-cientistas seja atravs da noo de campo cientfico, seja mediante a de comu-nidade cientfica, respectivamente , como constructos explicativos paraa compreenso do modo como se organiza e realiza a atividade cientfica,apontam para o necessrio imbricamento de elementos sociais, culturais epolticos na obteno dos fatos cientficos.

    Para Bourdieu, por exemplo, o campo cientfico uma instnciarelativamente autnoma da sociedade, sendo condicionado pela estruturaglobal desta ltima e pelas suas relaes econmicas, polticas e ideolgi-cas; as quais interferem nos aspectos gerais do campo e em sua estruturade demandas, possibilidades, prioridades e restries de pesquisa, bemcomo nos prprios componentes motivacionais dos cientistas, na medidaem que eles incorporam valores e expectativas provenientes de sua ori-

  • SOCIOLOGIAS162

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    gem social, de sua socializao. Seguindo nessa linha de argumentao, oautor desenvolve a tese de que o campo cientfico constitui-se em um espa-o de lutas entre os cientistas-concorrentes, em busca do monoplio da auto-ridade e da competncia cientfica; entendida, esta ltima, como uma junoentre capacidade tcnica e poder poltico. Em suma, os fatos cientficos noso realidades puras, nem resultado exclusivo de uma dimenso cognitiva,mas encerram um contedo tcnico/instrumental, e outro, social, indistinguveis.

    Thomas Kuhn, por seu lado, nega qualquer carter de verdade objetivaaos fatos cientficos. Para ele, os resultados cientficos consistem de consensossocialmente produzidos no interior de uma comunidade cientfica; consen-sos, estes, que refletem um contexto scio-histrico particular, uma poca eum lugar determinados. Embora Kuhn se aproxime de Bourdieu quanto idia de que os conhecimentos so produtos sociais e no realizaes exclusi-vas de uma racionalidade tcnico-cientfica (e, aqui, no se trata de, mera-mente, identificar e reconhecer certos condicionamentos ou obrigaesmorais, que acabam por apenas circunscrever o cerne da cincia e os fatoscientficos, preservando-os e isentando-os de influncias externas ou soci-ais, como tpico na abordagem mertoniana), ele se diferencia do segundo,no que concerne preocupao quanto objetividade. Para Bourdieu, ocientista deve estar sempre atento (a idia da vigilncia epistemolgica),para se obter conhecimentos que expressem, o mximo possvel, os padresde determinao da realidade fsica e social , que a expliquem objetiva-mente. Nesse sentido, ao contrrio de Kuhn, que distingue fases de estabilida-de consensual e paradigmtica, no curso da cincia normal, de fases revolu-cionrias (de mudana radical de paradigma), Bourdieu entende o desenvol-vimento da cincia como um processo de permanentes revolues, sejamestas referentes aos conhecimentos gerados, sejam referentes prpria din-mica das relaes de disputa, sempre presentes no campo cientfico.

    A no-autonomia da cincia na sociedade enfocada, na literatura,sobretudo pela corrente marxista (BUKHARIN, 1971; BRAVERMAN, 1977;

  • SOCIOLOGIAS 163

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    COHEN, 1978; BURAWOY, 1978; ARONOWITZ, 1978; THERBORN, 1980;GOONATILAKE, 1984). Dentro dessa tradio, a tendncia dominante aquelaque considera a cincia como uma fora produtiva; a controvrsia, contudo,gira em torno da nfase dada s foras produtivas ou s relaes de produono desenvolvimento histrico-social. Tambm se destacam, nessas discusses,autores como Jrgen Habermas e Herbert Marcuse, e outros membros daEscola de Frankfurt, que, embora desenvolvendo abordagens no estrita-mente marxistas, ao combinarem elementos da discusso weberiana sobre oprocesso de racionalizao nas sociedades contemporneas, apresentam im-portantes contribuies para uma crtica da cincia e da tecnologia, diagnosti-cando a politizao e ideologizao dessas duas atividades humanas no atualcontexto do desenvolvimento capitalista; discusses, estas, bem prximas anlise marxista a respeito do fetichismo da mercadoria e tendnciaalienadora crescente no modo de produo capitalista.

    De um lado, as teses da autonomia da cincia na sociedade, ao insis-tirem nos mecanismos internos de regulao da comunidade cientfica e dasrelaes entre os pares, ao mesmo tempo em que contribuem para o enten-dimento de todo o jogo de interaes e motivaes de cientistas funda-mentais para a organizao e conduo da atividade cientfica , dificultama anlise das novas dinmicas verificadas entre cientistas e no-cientistas,que passam a fazer parte de uma maneira mais intensa e decisiva na atualprtica cientfico-tecnolgica. Por outro lado, as abordagens marxistas, e asteses da no-autonomia da cincia na sociedade, ao insistirem na dimensoeconmica e produtiva da cincia, embora apresentem importantes escla-recimentos acerca da natureza (multidimensional) da cincia e de seu papelna sociedade, acabam por restringir os aspectos socioculturais e a dinmicaconcreta da produo de conhecimentos cientficos, na medida em queenfatizam abordagens macrosociolgicas e excessivamente generalizantes.

    Outra perspectiva, mais recente, o chamado Construtivismo(LATOUR; WOOLGAR, 1997; KNORR-CETINA, 1981 e 1982; LATOUR,

  • SOCIOLOGIAS164

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    1983, 1990, 1992, 2000; LATOUR; STRUM, 1986; e CALLON, 1987, 1988e 1989, por exemplo) procura superar determinadas limitaes presentesnas abordagens clssicas da Sociologia da Cincia. Essa abordagem surge ese consolida no interior de um grande debate, na esteira de contribuiesfilosficas, as mais diversas, apoiadas na obra de Wittgeinstein sobre a filoso-fia da linguagem, culminando com os trabalhos de Barnes (1974, 1977) eBloor (1976, 1982), a respeito do que se designou programa forte. Essaproposta terico-metodolgica consiste numa posio considerada radicalna Sociologia da Cincia, levando ao extremo uma perspectiva relativista.Para tais autores, os fatos cientficos so construes sociais e devem serexaminados simetricamente, ou neutramente; isto , tais fatos no de-vem ser julgados nem como mais nem como menos racionais que outrosfatos sociais. Nesse sentido, argumentam os autores, no h qualquer hierar-quia entre a cincia e outras formas de conhecimento; todas elas so reali-zaes humanas que fazem sentido dentro de seus prprios contextos sociais,que dispem de um mesmo universo lgico e lingustico.

    Na trilha da viso kuhniana, o Construtivismo se volta radicalmente con-tra a idia de uma racionalidade pura, ou de uma verdade objetiva, imputadaaos resultados cientficos. A realidade externa no descrita, meramente, porum sujeito epistmico. Ao contrrio, o que se tem so representaes dessarealidade, traduzidas em fatos cientficos mediante complexos processos denegociao e decises entre vrios atores; decises, estas, que no se apiamapenas em critrios estritamente cientficos e racionais numa linguagem enum mtodo cientfico, que produzam verdades objetivas.

    At a vo as proximidades com Thomas Kuhn. Mas tambm as dis-tncias so evidenciadas, na medida em que, para o Construtivismo, osocial, na produo cientfica, no decorre apenas de consensos obtidosentre os cientistas como verificado na abordagem kuhniana , masultrapassa consideravelmente o mbito especfico das comunidades cientficas,incluindo um conjunto bastante diversificado de atores e interesses sociais.

  • SOCIOLOGIAS 165

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    importante ressaltar que a corrente do Construtivismo forjadanum contexto do desenvolvimento cientfico-tecnolgico muito distintodaquele dos primeiros fundadores da Sociologia da Cincia. Tal correnteno surge, pura e simplesmente, como resultado de debate, no campo dasidias, mas da prpria dinmica entre as idias e as transformaes opera-das na realidade concreta, particularmente no modo como os conheci-mentos cientficos e tecnolgicos passam a ser produzidos. Nesse sentido,a sua origem contempornea aos principais avanos verificados na cin-cia e na tecnologia. Em suma, suas referncias empricas so realidadesbastante distintas daquele mundo existente, poca dos primeiros escri-tos de Merton e de outros clssicos da Sociologia da Cincia, como MaxWeber, em sua anlise a respeito da esfera da cincia e a da poltica.

    Se, de um lado, as preocupaes de Merton refletem as ameaas doNazismo e o medo com as intromisses e invases no ambiente cientfico,no contexto da Segunda Guerra Mundial e em seus momentossubsequentes, buscando enfatizar e preservar o espao autnomo da Cin-cia, de outro lado, o Construtivismo reflete as necessidades de se pensarum desenvolvimento cientfico-tecnolgico invadido, no mais por pres-ses polticas, mas, sobretudo, por interesses e presses econmicas e so-ciais, no sentido mais amplo.

    O atual estgio do desenvolvimento cientfico-tecnolgico passa,ento, a desafiar os estudiosos e tericos da Cincia, em busca de modelose esquemas analticos que permitam dar conta de novas estruturas e rela-es que configurem esse estgio. O Construtivismo cumpre, em parte,esse papel, ao desenvolver as teses das redes sociotcnicas, dos labora-trios expandidos e das arenas trans-epistmicas, como conjuntos deatores e interesses bastante diversificados, envolvendo cientistas e no-cientistas, na atividade cientfico-tecnolgica.

    Sem entrar na anlise e interpretao sistemtica dos diferentes tra-balhos que pontuam essa nova corrente na Sociologia da Cincia, o argu-mento central trazido por eles reside na tese de que a realidade e a natu-

  • SOCIOLOGIAS166

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    reza (fsica ou social) no so puramente descritas e captadas pelos cientis-tas, em seus laboratrios e em suas prticas de pesquisa. Ao contrrio, osfatos cientficos so feitos ou construdos. Assim, para o Construtivismo,entre a realidade e os enunciados ou discursos sobre ela se situa um con-junto complexo de operaes, decises e negociaes, que resultam emrepresentaes obtidas em nome da natureza ou da realidade.

    Em resumo, o Construtivismo admite, de maneira mais ou menosconsensual, que os conhecimentos no so reduzidos a simples registros eanotaes de resultados fornecidos pela experincia; ainda que no existaacordo, quanto aos mecanismos presentes na construo dos fatos cient-ficos. Outro aspecto comum nessa abordagem a nfase nos estudos emlaboratrios, apoiados, principalmente, na tradio da etnometodologia.A aproximao com um enfoque mais propriamente antropolgico visa acaptar, no dia-a-dia da pesquisa, em situaes concretas, o modo comoefetivamente se d o processo de fabricao dos fatos cientficos.

    O laboratrio , assim, um mundo a explorar, um universo a desbra-var. O desafio para o antroplogo ou o socilogo, neste caso, reside nanecessidade de se desvencilhar de um conjunto de pr-noes prpriasda sua formao cientfica, para se compreender, o mais fielmente poss-vel, o real significado (ou o mais prximo possvel) das relaes e decisespresentes no cotidiano dos laboratrios. Para tanto, faz-se necessrio par-tir-se dos fatos cientficos e desconstruir significativamente toda uma sriede aes, procedimentos e decises e negociaes, metodolgicas, teri-cas, e tambm socioeconmicas e polticas, a fim de se compreender oprocesso que resultou naquele fato cientfico.

    A despeito de diferenas de tratamentos por exemplo, Latour eCallon seguindo a terminologia das redes sociotcnicas e a idia de la-boratrios expandidos, e Knorr-Cetina analisando o que conceituou asarenas trans-epistmicas , os principais autores do Construtivismo ar-

  • SOCIOLOGIAS 167

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    gumentam contra a idia de que os fatos cientficos constituam realizaesestritas de uma racionalidade tcnico-cientfica. O que se choca, tanto con-tra o realismo empiricista, ou com os protagonistas do Crculo de Vienna,na tradio de uma discusso epistemolgica, quanto contra a conhecidatese weberiana da dicotomia entre juzo de valor e juzo de realidade.

    Contudo, se o Construtivismo avana na perspectiva de incorporarnovos atores e a influncia de no-cientistas no atual processo de produode conhecimentos cientficos e tecnolgicos, o que se verifica nas anlisessobre as Novas Biotecnologias, no resolve, tampouco progride, na discus-so sobre a dimenso cognitiva e de suas possibilidades na busca de conhe-cimentos vlidos (cientificamente) e verdadeiros, nas formulaes daEpistemologia. A esse respeito, importante destacar a contribuio de umatradio racionalista, na linha, particularmente, de Popper e Habermas, que,embora segundo direes distintas, insistem na idia de que os conheci-mentos cientficos so produzidos mediante processos intersubjetivos. Oprimeiro, dentro de uma perspectiva mais ctica em relao s possibilida-des de se obter um conhecimento verdadeiro (o fato cientfico correspondea uma teoria que sobrevive ou resiste s tentativas para o seu falseamento; aceita provisoriamente, at que uma nova teoria a suplante); o segundo,admitindo que fato seja tudo aquilo que justificadamente podemos afirmar.

    Uma comunidade ampliada de participantes da prtica cientfica (comoaponta o Construtivismo) traz, sem dvida alguma, problemas importantespara a perspectiva formulada originalmente por Habermas (1988), caso sepretenda estabelecer um dilogo entre essas abordagens, na Sociologia daCincia. Um desses problemas diz respeito precisamente ao fato de que,para Habermas, a cincia (a elaborao de fatos cientficos) coisa restrita acientistas, no diz respeito a outros atores; a sua aplicao sim.

    No obstante, concordando com a linha Construtivista, novosinterlocutores dos cientistas, e no s gestores de cincia e tecnologia e

  • SOCIOLOGIAS168

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    industriais, passam a se imiscuir na cincia, exigindo explicaes e ummelhor entendimento sobre os novos resultados cientficos que passam ainterferir na vida dos indivduos e no planeta, como um todo. Tais novosresultados, conforme demonstrado cotidianamente na grande mdia e nasreaes e enfrentamentos sociais, os mais diversos, atingem crenas e con-vices, h muito arraigadas, nas sociedades, ensejando um agir comuni-cativo reflexivo, segundo a terminologia de Habermas.

    Como esclarecer a opinio pblica a respeito, por exemplo, dos n-veis aceitveis de formaldedo (composto qumico-industrial utilizadonos aglomerados que fazem parte da construo de casas populares), ouda camada de oznio sobre a Terra? Tudo isto leva a que os cientistassaiam da sua comunidade, para ingressarem num novo espao de discus-so, incluindo, tambm, um pblico profano (CALLON, 1989). Em quemedida antigos padres de conduta das comunidades cientficas tendem ase manter em face dessas novas presses que emergem do interior dasociedade? At que ponto sustentvel, a no ser por critrios puramentenormativos como defende a Epistemologia tradicional , a idia de quecincia algo apenas da alada de cientistas, como pretende aindaHabermas? Com que concepo de cincia estamos ento lidando? A esserespeito, a demarcao, rgida, do espao preservado para a racionalidadetcnico-instrumental (e para a cincia) tambm uma posio de valor,uma posio com consequncias polticas, numa linha semelhante crti-ca que Marcuse fizera noo de tcnica de Max Weber.

    Ao contrrio do que pretende Habermas com relao ao lugar queatribui cincia na sociedade, mas servindo-se de suas prprias categoriasanalticas e estratgia metodolgica, na formulao de um caminho para aemancipao humana, de seu livramento do imprio da racionalidadetcnico-instrumental, o presente trabalho entende que tal padro deracionalidade tende a ser confrontado por nichos de racionalidade co-

  • SOCIOLOGIAS 169

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    2 Em matria divulgada no jornal Correio Braziliense, do dia 18 de outubro de 2005, nocaderno Mundo, l-se, a esse respeito: Um cientista norte-americano e um alemo conse-guiram uma faanha que pode provocar uma revoluo na gentica: criar clulas-tronco semprecisar destruir o embrio. Robert Lanza e Alex Meissner afirmaram ao Correio que suaspesquisas com ratos podem encerrar os debates ticos e viabilizar a tcnica em seres humanos.Desde 1998, a Medicina reconhece o potencial das clulas-tronco embrionrias, capazes de setransformar em qualquer tecido ou rgo humano, curar doenas e encerrar a agonia de pacien-tes espera do transplante.

    municativa reflexiva, provenientes de diferentes esferas do mundo davida, do contexto das interaes dirias, de movimentos sociais organiza-dos e de pblicos leigos, que se sentem impelidos a questionar e a interfe-rir, concretamente, no rumo dos acontecimentos que se do no interiordos laboratrios.

    O que se verifica, no campo das Novas Biotecnologias, mais precisa-mente no debate introduzido a respeito da utilizao (ou no) de clulasembrionrias em pesquisas sobre clulas-tronco, um claro exemplo detal interferncia na cincia. E no se trata apenas de uma presso social,mantida afastada, fora dos muros dos laboratrios. Os fatos revelam quetais presses tm alterado o curso de determinadas opes tcnicas seguidasoriginalmente pelos cientistas. Foi o que se verificou, quando determinadoscientistas buscaram contornar fortes presses sociais contrrias utiliza-o e o descarte de clulas embrionrias no estudo de clulas-tronco.2

    Obviamente que a cincia, ou melhor, a pesquisa cientfica realiza-da por cientistas, assim como so os padres que celebram as missas, ou osmsicos que tocam nas orquestras. Mas isso no significa que cada umadessas atividades seja imune ao grande pblico. Aos fiis ou aos auditri-os. O que se est argumentando, aqui, que o exame do modo como apesquisa cientfica realizada, concretamente, traz evidncia elementosconstitutivos de sua atividade, que no se limitam a uma estrita racionalidadetcnico-instrumental. Em outras palavras, ao ser condicionada por ampladiversidade de fatores psicolgicos, econmicos, polticos e culturais, de

  • SOCIOLOGIAS170

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    um modo geral , a cincia, como qualquer outra atividade humana, no conduzida apenas por esse tipo de racionalidade. Este argumento destaca adificuldade em sustentar, com base em evidncias empricas, uma rgidaseparao entre as diferentes formas de racionalidade, ou entre o que seriada alada estrita da poltica e o da cincia, como preconizava Max Weber.

    Um dos mritos do Construtivismo foi ter propiciado realar a di-menso normativa presente nas formas clssicas de se explicar e interpre-tar os acontecimentos cientficos. Contudo, como apontado por Winner(2006) e por Fuller (2006), essa mesma abordagem acabou, igualmente,refm do mesmo approach por ela condenado, como se ver mais adiante.

    Por ora, importante, ainda, ressaltar que os elementos analticos emetodolgicos introduzidos pelo Construtivismo, na Sociologia da Cin-cia, suas idias a respeito das interrelaes entre diferentes esferas do co-nhecimento e da atividade humana, permitiram avanar bastante na cons-truo do que se poderia chamar uma Sociologia da Tecnologia. So rele-vantes as contribuies, nesse sentido, dos trabalhos de Pinch & Bijker(1987), Woolgar (1987), Callon (1987) e Law & Hassard (1997) estes doisltimos, com a organizao de uma coletnea de artigos a respeito do quetem sido conhecido, na literatura, como Actor-Network-Theory (ANT).

    As crticas apresentadas por Fuller (2006) e Winner (2006) aomainstream do Construtivismo tambm constituem elementos importan-tes para a construo de uma teoria sobre a tecnologia ou mesmo para oaprofundamento dos chamados Estudos Sociais sobre a Cincia e aTecnologia. Langdom Winner, por exemplo, traz uma das mais relevantescrticas a respeito do Construtivismo. Para ele, essa abordagem negligenciaos impactos sociais da tecnologia, e no estabelece pesos diferenciadospara as hierarquias entre os diferentes pblicos envolvidos na produocientfica e tecnolgica. O Construtivismo parece permanecer refm datradio dominante da Sociologia da Cincia ou da Filosofia da Cincia,

  • SOCIOLOGIAS 171

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    mantendo forte separao entre fatos cientficos e artefatos tecnolgicos,e adotando uma atitude de neutralidade em sua prpria atividade depesquisa, na linha da iseno pretendida pelos neopositivistas.

    Conforme a viso de representantes do Construtivismo, se os valoressociais esto imbricados na produo dos fatos cientficos, como eles negli-genciam essa condio de valor em suas prprias atividades investigativas?(WINNER, 2006). Como podem se colocar numa atitude de pretensa isen-o, ao assumirem integralmente a fala de seus interlocutores como funda-mento ltimo e exclusivo de suas anlises? No estariam repetindo a velhamxima positivista, segundo a qual o objeto cientfico deve ser fielmente des-crito (contrariamente ao que defendem), tal e qual se constitui empiricamente?Como eles prprios se colocam como parte de um processo de construo einterao que envolve mltiplos fatores sociais e no sociais? Todas essas soquestes que parecem ainda em aberto na abordagem Construtivista, paraficar em consonncia com a ideia de simetria proposta por alguns dosinspiradores dessa abordagem, no conjunto das prescries do programa for-te. Segundo Winner (2006), discutir quem so tais ou quais atores (engenhei-ros, industriais, cientistas), o que realizam e o impacto de seus trabalhos nasociedade e no meio em que desenvolvem suas atividades deve fazer parte daagenda ou do programa de pesquisa proposto pelo Construtivismo.

    Tal cobrana pode ser prontamente contestada pelos construtivistas,a partir do questionamento a respeito de qual deve ser, ao final, o papel dacincia e da tecnologia na sociedade. Quanto a isso, argumentariam, porexemplo, pela posio que entende que no atribuio (um dado apriori) da cincia ou mesmo da tecnologia ter que assumir um ou outropapel de ordem moral. Para muitos, essa questo no permite soluo,uma vez que h diferentes acepes de cincia e de tecnologia em jogo equanto responsabilidade ou no que cada uma deve assumir, bem comoquanto diviso de tarefas atribuda cincia e tecnologia. Quem es-

  • SOCIOLOGIAS172

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    tabelece tudo isso, poderiam perguntar a seus crticos? No entanto, todasessas questes acabam por evidenciar e dar razo reflexo proposta porFuller, a respeito da necessidade de que o debate filosfico seja parte inte-grante de uma Sociologia da Cincia, de uma Sociologia da Tecnologia oumesmo dos Estudos Sociais da Cincia e da Tecnologia.

    Na linha de sua argumentao, Fuller (2006, p. 35) faz uma impor-tante diferena entre Construtivismo e Relativismo. Na sua definio, anegao do Universalismo o Relativismo. J, o Construtivismo nega queos sujeitos conheam, do mesmo modo, a mesma realidade. OConstrutivismo tanto pode ser compatvel com o Relativismo, quanto como Universalismo. Para o construtivista, o Relativismo do antroplogo umRealismo sobre mltiplos mundos sociais (FULLER, 2006, p. 37). A teseda incomensurabilidade de Kuhn tambm Realismo, argumenta o autor.

    O debate acerca da cincia, de sua natureza e do papel que desempe-nha na sociedade, bem como as questes ticas que emergem do cenrio dasnovas reas da produo do conhecimento evidenciam a necessidade de seevitar respostas simplificadas, abordagens muito hermticas e de se repensarposies bastante consolidadas na tradio hegemnica de como se devefazer e explicar a cincia e a tecnologia. Procurando seguir nesse desafio,depreende-se das discusses precedentes que a lgica e os valores que orien-taram o ncleo dominante da Sociologia da Cincia, embora importantespara a fundamentao de uma teoria sobre a tecnologia ao discutirem sobreconceitos como comunidades cientficas, valores sociais versus fatos cientfi-cos, Relativismo versus Realismo ou versus Universalismo, relao entre cin-cia e economia ou entre cincia e poder , apontam para a necessidade de serefletir sobre o fenmeno tecnolgico. Em outras palavras, pensar a tecnologiapela porta dos fundos da cincia pode ser uma condio ainda limitada nadireo da construo de uma teoria sobre a tecnologia.

    A esse respeito, sempre importante ressaltar que a cincia e atecnologia possuem histrias e objetivos diferentes ainda que essa mes-

  • SOCIOLOGIAS 173

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    ma proposio seja questionvel, como se verifica na abordagem de MartinHeidegger, para quem a tecnologia um caminho para o desvelamento, odesencobrimento, para, enfim, a verdade, como o a cincia.

    Uma questo importante : quais as razes, sociais ou no plano dahistria das idias, para um tratamento desigual para a cincia e para atecnologia? Por que uma Filosofia da Cincia e mesmo uma Sociologia daCincia mais consolidada que uma Filosofia da Tecnologia ou uma Soci-ologia da Tecnologia? Por que a tecnologia, em si mesma, no um pro-blema? Por que ela apenas vista como um conjunto de meios e instru-mentos (uma coisa), em que a principal questo , fundamentalmente,decidir que fim se pretende alcanar?

    O questionamento a respeito da tecnologia

    A reflexo sobre a tecnologia relativamente recente. Oquestionamento sobre a cincia tambm no muito antigo. Tem poucomais de um sculo. Entretanto, h importantes diferenas entre as discus-ses sobre ambas.

    Uma Teoria da Cincia surge e se consolida a partir de um campofilosfico especfico, que faz parte da Teoria do Conhecimento. A preocu-pao bsica referia-se ao questionamento acerca da validade do conhe-cimento; o que caracteriza, alis, o debate filosfico dos tempos moder-nos, conforme anlise de Jrgen Habermas (1982).

    De acordo com Habermas (1982, p. 25), a posio da filosofia mo-derna diante da cincia, nos umbrais do sculo XIX, caracterizou-se pelaconcesso de um espao legtimo cincia. No obstante, as teorias doconhecimento no se limitavam a explicar o conhecimento cientfico-ex-perimental, isto , no desabrochavam em teoria da cincia (HABERMAS,1982, p. 25). A discusso feita pela filosofia, a respeito da cincia, trans-

  • SOCIOLOGIAS174

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    cendia o espao interno desta, concentrando-se no tema da razo e desuas possibilidades.

    Seguindo essa linha de argumentao, o ltimo autor identifica queo distanciamento entre a Filosofia Moderna e uma Teoria da Cincia jmais autnoma e independente se acentuou, na medida em que seconfrontavam duas grandes correntes do pensamento acerca da razo, asaber: a autoreflexo fenomenolgica do conhecimento, representadapor Hegel, e o questionamento lgico-transcendental, feito por Kant.

    Para Habermas, a crtica de Hegel abordagem kantiana chega mes-mo ao paradoxal resultado de a filosofia no apenas mudar de posiofrente cincia, mas, tambm, de renunciar totalmente a esta ltima. Dao argumento desse autor de que a cincia no foi, a rigor, pensada filoso-ficamente depois de Kant (HABERMAS, 1982, p.26).

    Contudo, a cincia passa a se constituir como categoria do conheci-mento, pela emergente Teoria do Conhecimento, propiciando e conso-lidando, a partir da, uma Teoria da Cincia. Neste caso, porm, tal teoria,tomando como base os padres dominantes da cincia positiva moderna,afasta-se radicalmente da idia de um saber absoluto de uma grande filo-sofia tpica da tradio filosfica clssica , bem como evita uma simplesautocompreenso da rotina investigatria ftica.

    Mas a reflexo crtica necessitava da eliminao de antigos obstcu-los positivistas, a exemplo do programa filosfico introduzido pelo Crculode Vienna. Entretanto, o desfecho verificado que a crtica do conheci-mento abdicara em favor da Teoria da Cincia, cuja tnica eramarcadamente positivista uma leitura positiva sobre a cincia. EssePositivismo era manifesto, basicamente, pela reificao da cincia comoum saber autodeterminado e autoexplicativo, e pelo esvaziamento de umespao possvel de crtica sobre esta forma cientfica, na medida em queela assumida como nica forma vlida de se fazer cincia.

    Ademais, enquanto uma Teoria da Cincia se consolida, assumindouma autonomia em relao ao pensamento filosfico que a gerou, uma

  • SOCIOLOGIAS 175

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    teoria sobre a tecnologia ficou sendo negligenciada (IHDE, 2006; 1979).De fato, ao longo da histria, o pensamento filosfico tem silenciado acer-ca da tecnologia. Uma das teses a esse respeito que o status secundriode uma filosofia da tecnologia fruto das caractersticas da modernahistria intelectual (SCHARFF; DUSEK, 2006).

    Para Don Ihde, esse fato consequncia de toda uma tradioidealstica, que remonta a Plato, influenciando fortemente a Teoria doConhecimento e a da Cincia. Nesse sentido, ele demonstra que a cinciae a Teoria da Cincia so filhas da filosofia, ou de uma base filosfica queprivilegia o conceito e a forma (uma pura conceitualidade), como enti-dades abstratas, hierarquicamente superiores, na escala das capacidadeshumanas. No nvel mais baixo, estariam as percepes dos fenmenos,em suas manifestaes concretas.

    Dentro dessa argumentao, uma particular relao entre a cincia ea tecnologia anloga relao mente-corpo, subjacente s discussesfilosficas clssicas. Nesse binmio, a mente teria primazia sobre o corpo.E isso se d da mesma forma como o puro conceito superior percepoou corporizao, dentro do Mito da Caverna de Plato. A mente atin-ge a forma pura e a essncia imutvel dos fenmenos; estes so alteradosem sua aparncia externa, sendo a percepo desse exterior um conheci-mento precrio e superficial. Analogamente, a cincia associa-se mente,ao terico; a tecnologia, ao corpo, prtica (IHDE, 1979).

    Esta valorizao do terico (ao cientfico), em detrimento do prtico(tecnolgico) explicaria por que a preocupao inicial da filosofia (moder-na) era com a cincia e no com a tcnica, considerada menor. No melhordos caminhos, a tecnologia era pensada como cincia aplicada (neta dafilosofia) uma engenharia de conceitos e no como uma forma deconhecimento prpria, mais antiga que a cincia e sempre presente emtoda a histria humana, na luta que essa espcie trava com a natureza

  • SOCIOLOGIAS176

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    (fsica e biolgica), visando ao seu controle e dominao. Uma forma deconhecimento que surge da prtica concreta dos indivduos em sua vidadiria (uma engenharia material), ainda que assumindo, historicamente,contornos e formas bem especficas, como a da racionalidade cientfica dehoje; esta mesma, dirigida para fins prticos, pensada a partir do destinofinal desse conhecimento (ver IHDE, 1979).

    Entretanto, mais recentemente, duas grandes tendncias filosficas tmse voltado mais atentamente para a tecnologia como um fenmeno prprio,ao invs de, meramente, um conhecimento sucedneo da cincia, subsidi-rio desta. Trata-se, diz o mesmo autor, da Filosofia Analtica incluindo oPositivismo Lgico (representado pelo Crculo de Vienna), o Formalismo e oConstrutivismo , e da Fenomenologia incluindo o Existencialismo e filo-sofias dialticas; estas ltimas ligadas tradio Hegel-Marx. Se, de um lado,o Positivismo relegou um papel estreito Teoria da Cincia, como uma reade conhecimentos autnoma, porm acomodada, a Fenomenologia propu-nha uma nova concepo de cincia, ainda que rejeitando, como oPositivismo, o carter altamente especulativo da Filosofia Clssica.

    A contribuio da Fenomenologia e do Existencialismo sobre a teoriatecnolgica inegvel. Fundamentalmente, essas abordagens filosficas pro-pem uma inverso no julgamento ontolgico acerca da tecnologia, relati-vamente a uma suposta preferncia filosfica pelo platonismo e pela nfasena dimenso conceitual. Nesse contexto, crucial a soluo materialistadada por Heidegger tecnologia. Representando a corrente fenomenolgica,esse autor defende a primazia da praxis, argumentando que a tecnologia ontologicamente anterior cincia, na medida em que cincia tecnologia.

    Para Heidegger, a primazia ontolgica dada ao mundo e no aoconceito, prtica e no teoria, tecnologia e no cincia. Nestesentido, a cincia vem a ser a ferramenta da tecnologia. A inverso opera-da por ele leva a modificar os termos da relao cincia-tecnologia, paraoutra, de base materialista, a tecnologia para a cincia.

    Assim, a Fenomenologia encerra uma redescoberta da percepo euma nfase sobre formas concretas de objetificao. Por outro lado, se

  • SOCIOLOGIAS 177

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    uma teoria da ao o fundamento de uma teoria do conhecimento, setecnologia ontologicamente a base da cincia, se praxis anterior aoconceito, ento existe uma difcil conciliao entre a filosofia da praxis e acontraparte idealstica, segundo Ihde (1979).

    Na abordagem de Heidegger (2006) sobre a tecnologia, ntico umacerteza que denota apenas algo parcial de uma realidade maior, a condioontolgica. apenas pelo ntico que o ontolgico pode ser compreendido;embora a dimenso ontolgica seja a condio de possibilidade para o ntico.

    A definio instrumental e antropolgica de tecnologia (uma atividadehumana e um conjunto de meios para se obter um determinado fim) , paraHeidegger, funcionalmente ntica; correta, mas parcial, limitada a um con-junto subjetivstico de possibilidades. Heidegger inverte esta definio, aopropor uma questo a qual pertence tradio filosfica: quais so as con-dies de possibilidades que fazem a tecnologia uma realidade concreta?

    Assim, tecnologia, como v o autor, no ntica, mas ontolgica.Ou seja, aquilo que faz com que ela seja o que ela . Na acepo deHeidegger, a tecnologia um modo de desvelamento; em outras pala-vras, um modo de verdade, um campo dentro do qual as coisas e asatividades podem aparecer como elas so. Aquilo que faz com que ascoisas apaream. Tecnologia no um meio, mas um caminho de revela-o, ou de desencobrimento ou desvelamento; tambm poisis (tra-zer luz), no sentido que os gregos atribuam a essa noo. Em suma, aestratgia de Heidegger tentar localizar o que ontolgico por meio daanlise fenomenolgica do que ntico.

    Dois conceitos chaves so apresentados pelo autor para formular suaacepo a respeito da essncia da tecnologia, ou de sua condioontolgica: o de standing reserve e o de enframing, mantendo, aqui, averso inglesa dos termos. Grosso modo, o primeiro conceito consiste na-quilo que est presente na natureza (disponvel para quaisquer aes hu-manas transformadoras), em sua forma original, bem como em suas for-mas modificadas, resultado dessas aes. , assim, a natureza (original e

  • SOCIOLOGIAS178

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    transformada pela ao humana) e o estoque de conhecimentos dispon-veis para posteriores transformaes.

    Contudo, o autor identifica dois modos de desencobrimento: obringing-forth e o challenging-forth. O primeiro, que leva poisis, ver-dade, a algo produtivo; e o segundo, tpico da tecnologia moderna, ligado explorao, ao contnuo ato de desafiar a natureza, forando-a a ex-por-se, a coloc-la sempre disponvel aos propsitos do progresso tcnico.Essa idia de disponibilidade outra traduo para a expresso standing-reserve a marca da tecnologia moderna, que, alis, tambm insere ohomem, como parte dessa mesma condio de explorao, em um movi-mento que se reproduz, continuamente.

    isto que acaba por delimitar o campo de possibilidades dentro doqual dever se inscrever a tecnologia, como uma praxis. Outros caminhospodero ser tentados; contudo, tal acervo de objetos, meios, instrumentos econhecimentos disponveis, para a explorao, dever ser determinante naproduo de novas tecnologias. da que se associa o carter deterministada abordagem heideggeriana da tecnologia. Ou seja, embora a tecnologiaseja tambm algo a ser revelado, um desvelamento da realidade (no sentidodo bringing-forth), uma possibilidade emancipatria que se associa buscada verdade, no fica claro, na citada obra do autor, como, efetivamente, issose daria, no contexto contemporneo, presidido pela lgica da dominao eda explorao. Alm disso, no se depreende da abordagem heideggerianao espao (possvel) para o inusitado, o imprevisto; tudo o que viesse a ser,ou que fosse trazido luz (em sua remota esperana numa ao conscien-te por parte dos indivduos, em prol de sua libertao e dignidade), estariacoagido pela condio de sua disponibilidade (em seu standing reserve) paraa continuidade da explorao, na tecnologia moderna.

    O outro conceito-chave na discusso proposta por Heidegger a res-peito da tecnologia o de enframing. Para o autor, todo o conjunto deatividades humanas que tornar possvel a tecnologia, que consiste na reunio

  • SOCIOLOGIAS 179

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    3 Estas citaes esto, originalmente, no texto em ingls. Trata-se, aqui, de uma livre traduo,para tentar manter o ritmo na exposio dos argumentos.

    ou composio do conjunto das possibilidades disponveis (no standing reser-ve) da tecnologia; o processo de desvelamento, de desencobrimento dostanding reserve. Em outras palavras, a tecnologia moderna enframing dostanding reserve. Na perspectiva de Heidegger, tecnologia, como enframing, o precursor da cincia, da a primazia da tecnologia. Ou seja, enframing ocampo de possibilidades dentro do qual tambm a cincia se d.

    A primazia ontolgica dada tecnologia, por Heidegger, em contrastecom a tradio da Teoria do Conhecimento ou da Epistemologia, que atri-bui cincia o papel proeminente, crucial, na presente discusso. Noapenas tal proposta filosfica acaba por quebrar a forte dicotomia cincia-tecnologia presente no ncleo central da Teoria da Cincia e na Sociologiada Cincia (para o autor, tal distino meramente arbitrria; tanto a cinciaquanto a tecnologia so formas de desencobrimento ou de desvelamentoda realidade), quanto leva a destacar a prpria materialidade do conheci-mento e da cincia, que incorpora todo um conjunto de instrumentos, meiose recursos naturais (do aparatus), sem o que no conseguiria realizar-se.

    o que se evidencia na discusso que faz a respeito da modernatecnologia. Para Heidegger, no a tecnologia que incorpora a cincia,mas, ao contrrio, esta ltima que incorpora a tecnologia. Nessa linha,Heidegger enfatiza que a moderna fsica terica (e no o contrrio) queprepara o terreno para a essncia da moderna tecnologia.

    Pergunta-se e responde, ento, o autor: O que a essncia da tcnicatem a ver com o desenvolvimento? Tudo. A tcnica, portanto, no sim-ples meio. uma forma de desenvolvimento. algo no mbito do conhe-cimento. Algo potico. A tcnica uma forma de desencobrimento, oudesvelamento3 (HEIDEGGER, 2006: 17-18). Nessa linha, o desencobri-mento que domina a tcnica moderna possui, como caracterstica, o pr,no sentido de explorar; se d e acontece de um mltiplo movimento:

  • SOCIOLOGIAS180

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    extrair, transformar, estocar, distribuir, reprocessar so todos modos dedesencobrimento.

    Em resumo, segundo o autor:

    A fsica moderna no experimental por usar, nas in-vestigaes da natureza, aparelhos e ferramentas. Aocontrrio, porque, j na condio de pura teoria, a fsi-ca leva a natureza a expor-se como um sistema de for-as, que se pode operar previamente, e que se dispedo experimento para testar; e a natureza confirma talcondio e o modo como o faz. (...) A tcnica modernas se ps realmente em marcha quando conseguiu apoi-ar-se nas cincias exatas da natureza. (...) A teoria danatureza, proposta pela fsica moderna, no preparouo caminho para a tcnica, mas para a essncia da tc-nica moderna. (HEIDEGGER, 2006, p.25)

    A citao anterior apresenta um dos focos centrais da ateno deHeidegger, em sua Questo concernente tecnologia, e o que tem sidotambm objeto de maiores controvrsias no campo da Epistemologia e daTeoria da Cincia. Mas, se, por um lado, pode-se inferir dos comentriosanteriores certo pessimismo quanto s possibilidades de emancipao huma-na, pelas vias da tecnologia, uma vez que ela j est quase que inteiramentepr-moldada (o determinismo heideggeriano), em todo o apparatus e nostanding reserve na anlise sobre a moderna tecnologia , no extremo, algoque se nutre de si prprio; por outro lado, tais discusses ensejam amplodebate, com recortes tericos e filosficos os mais diversos, abrindo o cami-nho para a construo de uma teoria da tecnologia que no se restrinja, mera-mente, condio de subsidiria da cincia. Em outras palavras, para pensara tecnologia como uma realidade prpria, um fenmeno distinto e um objetode investigao aberto aos mais variados campos do conhecimento humano.Contribuir para essa condio um dos principais mritos de Heidegger.

    O debate recente em torno da tecnologia algo bastante instigante,dentro de uma grande diversidade de abordagens, categorias analticas e

  • SOCIOLOGIAS 181

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    posies metodolgicas. A inteno deste trabalho apresentar os princi-pais eixos de discusso em torno da tecnologia. Busca-se extrair desse deba-te elementos tericos e filosficos relevantes para aportar a formulao deum modelo terico para a anlise da tecnologia. Esta tentativa est sintetiza-da na Figura 1. Grosso modo, so quatro os principais pontos de destaque:posio filosfico-metodolgica (fenomenologia, essencialismo,construtivismo e evolucionismo), os principais enfoques metodolgicos (so-ciolgico, econmico, filosfico, psicolgico, histrico e antropolgico), ocerne do debate central (autonomia versus no-autonomia) e a aceitabilidadeda tecnologia na sociedade (requer legitimao versus auto-legitimvel).

    O primeiro aspecto a destacar da Figura 1 so os principais enfoquesmetodolgicos (grandes reas do conhecimento) que mais tm se dedica-do discusso a respeito da tecnologia. So eles o enfoque sociolgico, oeconmico, o filosfico, o psicolgico, o histrico e o antropolgico. Ummesmo trabalho pode utilizar mais de um enfoque. Isto significa que podeapresentar, por exemplo, uma abordagem prxima da filosofia, e se apoiarem argumentaes tpicas do enfoque histrico.

    O enfoque sociolgico no exclusivo do campo da sociologia. Delefazem parte trabalhos de matemticos, de bilogos e de todo um conjunto decontribuies da chamada Economia Poltica. O enfoque sociolgico subdi-vide-se nas seguintes abordagens: 1) a Socioeconmica, que procura expli-car as inovaes tecnolgicas a partir de determinaes culturais; 2) a aborda-gem de Sistemas de Informao, da qual faz parte a conhecida variantemertoniana do estrutural-funcionalismo (SOUSA; SINGER, 1984); 3) a dachamada Sociologia Radical (SOUSA; SINGER, 1984), que procura desen-volver uma abordagem tipicamente marxista a respeito da tecnologia; 4) alinha Construtivista; e 5) outra, prxima do Construtivismo, mas dele distin-guindo-se, por enfatizar os aspectos polticos e aqueles ligados problemticada legitimao, que ressalta o contedo social presente na tecnologia.

    O enfoque psicolgico tem-se voltado para a investigao do modocomo a inteligncia, a personalidade e as atitudes influenciam a criatividade

  • SOCIOLOGIAS182

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    Sociolgico

    Econmico

    Filosfico

    Psicolgico

    Histrico

    Antropolgico

    Aut

    onom

    iaN

    o-a

    uton

    omia

    X

    Deb

    ate

    cent

    ral

    Requ

    erLe

    gitim

    ao

    Auto

    -legi

    timv

    el

    Ace

    itabi

    lidad

    e da

    tec

    nolo

    gia

    na s

    ocie

    dade

    Con

    stru

    tivism

    oEv

    oluc

    ioni

    smo

    Fenomenologia

    Essencialismo

    Prin

    cipa

    is en

    foqu

    esPo

    sio

    filo

    sfic

    a/m

    etod

    olg

    ica

    quan

    to

    nat

    urez

    ada

    tec

    nolo

    gia

    Posi

    o f

    ilos

    fica/

    met

    odol

    gic

    aqu

    anto

    n

    atur

    eza

    da t

    ecno

    logi

    a

    Figu

    ra 1

    : Disc

    uss

    o a

    resp

    eito

    da

    cond

    io

    tecn

    olg

    ica

  • SOCIOLOGIAS 183

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    dos indivduos (SOUSA; SINGER 1984, p. 348-349). J o enfoque econ-mico tem tratado a tecnologia mediante duas formas diferenciadas: comouma atividade autodeterminada e independente dos acontecimentossociopolticos, e como um fator dependente, que responde s foras eco-nmicas e ao ambiente institucional. Nesse enfoque, se inserem, tambm,os evolucionistas, na anlise da inovao.

    O tratamento filosfico procura refletir sobre a condio tecnolgicacontempornea, destacando-se um conjunto de autores, seguindo acepes,as mais diversas, como a Fenomenologia e o Essencialismo. O enfoque antro-polgico tem ganhado importncia com os trabalhos dos Construtivistas ecom a conhecida abordagem da Etnometodologia. Finalmente, o enfoquehistrico est presente na obra de muitos autores, desde os mais antigos, comoMarx e Comte, at os mais recentes, como Thomas Kuhn e Lewis Munford.Por isso mesmo, pode ser considerado como um enfoque clssico.

    O segundo aspecto contido na Figura so as quatro grandes posiesfilosficas ou orientaes metodolgicas para a anlise da tecnologia(Fenomenologia, Essencialismo, Construtivismo e Evolucionismo), as quaisno se excluem mutuamente, embora entre algumas a oposio tenha mai-or rigor. o caso da contraposio entre as concepes fenomenolgica eessencialista. A primeira segue toda uma tradio ancorada nos trabalhos deEdmund Husserl e Alfred Schutz, mas, tambm, em Martin Heidegger e emmuitos outros filsofos da tecnologia, como Don Ihde, Hubert Dreyfus e

    4 Em termos gerais, a Fenomenologia, nascida na segunda metade do sculo XX, a partir dasanlises de Franz Brentano sobre a intencionalidade da conscincia humana, trata de descre-ver, compreender e interpretar os fenmenos que se apresentam percepo. Prope a extinoda separao entre sujeito e objeto, opondo-se ao pensamento positivista do sculo XIX. Omtodo fenomenolgico se define como uma volta s coisas mesmas, isto , aos fenmenos,quilo que aparece conscincia, que se d como objeto intencional. Seu objetivo chegar intuio das essncias, isto , ao contedo inteligvel e ideal dos fenmenos, captado de formaimediata. Toda conscincia conscincia de alguma coisa. Assim sendo, a conscincia no uma substncia, mas uma atividade constituda por atos (como percepo, imaginao, espe-culao, volio e paixo), com os quais visa algo.

  • SOCIOLOGIAS184

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    Charles Spinoza.4 Para essa abordagem, a tecnologia vista a partir da ex-perincia concreta dos indivduos, em sua lida com a natureza e o mundosocial do qual fazem parte. Por sua vez, o Essencialismo trata a tecnologiacomo uma coisa em si mesma, como realidade prpria, independente desuas relaes com a experincia humana e com o contexto no qual se de-senvolve.5 So representantes dessa abordagem Saul Kripke e Hilary Putnam.Esses autores defendem uma verso particular do Essencialismo, procuran-do coincidir as propriedades essenciais no triviais dos particulares com aspropriedades descobertas pela cincia (MURCHO, 2000). As obras de JacquesEllul (2006a e 2006b), Bunge (2006) e Borgmann (2006) podem ser relacio-nadas perspectiva essencialista, no tratamento da tecnologia.

    As duas outras abordagens identificadas so o Construtivismo, discu-tido na seo anterior, e o Evolucionismo. Esta segunda abordagem origi-na-se nas teorias biolgicas da evoluo, a partir de Charles Darwin, mas

    As essncias ou significaes (noema) so objetos visados de certa maneira pelos atos intencio-nais da conscincia (noesis). A fim de que a investigao se ocupe apenas das operaes reali-zadas pela conscincia, necessrio que se faa uma reduo fenomenolgica ou Epoch, isto, coloque-se entre parnteses toda a existncia efetiva do mundo exterior. Na prtica daFenomenologia, efetua-se o processo de reduo fenomenolgica, o qual permite atingir aessncia do fenmeno. As coisas, segundo Husserl, caracterizam-se pelo seu inacabamento,pela possibilidade de sempre serem visadas por noesis novas que as enriquecem e as modifi-cam. Em sntese, essa abordagem privilegia a experincia humana, em sua relao com osfenmenos que se apresentam concretamente aos indivduos. (Wikipdia, 2006)5 De um ponto de vista filosfico, o essencialismo remete para a crena na existncia das coisasem si mesmas, no exigindo qualquer ateno ao contexto em que existem. Uma posioessencialista distingue-se facilmente de uma posio dialtica: a primeira pressupe a reflexo deuma coisa em si mesma, a segunda privilegia a reflexo de uma coisa em relao com outras; aprimeira confia em que as qualidades de uma coisa revelam-se a si prprias, a segunda defendeque as qualidades de uma coisa devem ser sempre discutidas em confronto com outras qualida-des e com outras coisas, procurando-se sempre uma explicao lgica para que uma dada qua-lidade exista ou predomine. O oposto do essencialismo filosfico o relativismo. Neste confron-to, ambos os termos so utilizados com sentido pejorativo e repelem-se mutuamente. O confron-to s ameniza quando se substitui o relativismo pela variante eufemstica relacionismo. Em suma,o essencialismo contempla a coisa em si mesma; o relativismo exige a conformidade da coisacom aquilo que compe o mundo que a circunscreve. Se substituirmos a palavra coisa pelapalavra texto, teremos encontrado o significado do essencialismo para a literatura. (CEIA, 2005)

  • SOCIOLOGIAS 185

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    identificada, na lida com a tecnologia, entre importantes enfoques eco-nmicos, cujos representantes so exemplificados pelos trabalhos de Dosi &Fagiolo (1998), Dosi & Nelson (1994 e 2002), Dosi (2005, 2000 e 1982),Freeman et al (1982), Freeman (1991 e 1995), Rosemberg (1982), Nelson &Winter (1982), e Nelson (2003 e 1997). Contudo, h outras posiesevolucionistas, que no fazem parte da abordagem tipicamente econmica,a exemplo de Maturana (1981), que se insere mais propriamente na discus-so a respeito do modo como o conhecimento, em geral, se d, e de Luhmann(1980, 1985, 1986, 1987 e 1990), cujas obras so muito importantes parauma contraposio aos evolucionistas da abordagem econmica.

    O terceiro aspecto contido na Figura 1 refere-se aceitabilidade socialda tecnologia. Este aspecto ser designado, aqui, como a problemtica dalegitimao. Conforme se pretende explicitar melhor nos prximos captu-los, o argumento que se tenciona sustentar que a tecnologia, como outrasatividades humanas, requer, necessariamente, uma base de legitimidade.

    A discusso sobre a legitimao da tecnologia um aspecto que nopode ser negligenciado. Isso evidente no contexto atual do desenvolvi-mento cientfico-tecnolgico, sobretudo em reas de ponta do conhecimento,como nas novas biotecnologias, na rea mdica, na agropecuria, ou aindanas tecnologias de informao, que tematizam fortemente questes ticas eligadas soberania das naes. Estas questes demandam maior discusso esua aceitabilidade social no algo que dependa apenas de critrios deeficcia e xito, como quer, por exemplo, Jrgen Habermas.

    O quarto e ltimo aspecto contido na Figura 1 diz respeito ao cerne dodebate central sobre a tecnologia. Nele, identifica-se a contraposio entre asteses da autonomia versus no-autonomia da tecnologia na sociedade, ouentre a autodeterminao ou no da tecnologia na sociedade. Essa a grande

  • SOCIOLOGIAS186

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    discusso que preside os vrios estudos sobre a tecnologia e que melhor podeorientar a construo de uma teoria tecnolgica ou de seus modelos explicativos.

    A defesa da idia da autodeterminao da tecnologia, ou de suaautonomia, pode ser algo explcito, como o caso de Ellul (2006a e 2006b).No primeiro desses textos (pgina 182), o autor apresenta, como Heidegger,uma definio total de tcnica. Mas em seu segundo trabalho que se veri-fica o que pode ser uma das defesas mais radicais da noo de autodetermi-nao tecnolgica, na literatura. Para esse autor, nem a economia, nem ques-tes morais interferem no curso tecnolgico. A esse respeito, afirma:

    No obstante a importncia do fator econmico, eumanterei o conceito da auto-suficincia da tecnologia,no sentido de que a economia pode ser um meio dedesenvolvimento, uma condio para o progressotecnolgico, ou, inversamente, um obstculo, masnunca determinar, provocar ou dominar esse progres-so. (ELLUL, 2006b, p. 392)Moralidade julga problemas morais. Nada tem a fazercom problemas tecnolgicos: apenas os meios e crit-rios tecnolgicos so aceitveis. (ELLUL, 2006b, p. 394)

    Para Ellul, Habermas faz uma anlise superficial da relao entre tecnologiae poltica. Ao desenvolver sua argumentao, Ellul (2006b) assinala que:

    O homem moderno toma por base que qualquer coi-sa cientfica legtima, e, em conseqncia, que qual-quer coisa tecnolgica tambm o . Hoje, ns nopodemos mais, meramente, dizer tecnologia umfato, ns devemos aceit-la como tal, ns no pode-mos ir contra ela. Isto uma sria posio que reser-va a possibilidade de julgamento. Mas tal atitude vista como pessimista, antitecnolgica e retrgrada.Realmente, ns deveremos adentrar no sistematecnolgico reconhecendo que tudo o que ocorredentro dele legtimo per si. No h, nesse caso,

  • SOCIOLOGIAS 187

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    nenhuma referncia exterior. (...). Se em determina-do instante, alguma coisa tecnolgica, legtima, equalquer desafio suspeito. (p. 395)

    Cabe perguntar: o que o autor considera algo legtimo em si mesmo(per si)? No sentido de algo autolegitimvel, a posio final acaba coincidin-do com a viso habermasiana, que dispensa qualquer discusso moral paraa tecnologia. A crtica de Ellul a Habermas deve-se muito mais ao fato deque, embora ambos compartilhem desse mesmo entendimento quanto idia de que a tecnologia seja autolegitimvel, o primeiro discorda de que aesfera poltica possa interferir no curso tecnolgico, a fim de corrigir deter-minados rumos seguidos pelo desenvolvimento tecnolgico, colocando-ossob o crivo e a aprovao da sociedade, de modo que a dominao daracionalidade tcnico-instrumental seja subordinada a uma racionalidadecomunicativa reflexiva cara ambio iluminista de Habermas.

    O que Ellul prope compreender o que ele chama a intrnsecalgica da evoluo da tecnologia, uma vez que nada, nem mesmo a po-ltica, pode ir contra ou modificar tal desenvolvimento. Caso haja conflitoentre poltica e tecnologia, perde, inevitavelmente, a primeira para a se-gunda (ELLUL, 2006b, p. 391).

    A julgar por essas posies, fica difcil desenvolver uma crticaconsequente ao fenmeno tecnolgico contemporneo com base na obrade Ellul. Sua abordagem aponta para a inexorabilidade no curso do desen-volvimento tecnolgico. Afinal, qual o contedo intrnseco da tecnologia?Ao imunizar a tecnologia de toda e qualquer interferncia externa, o autoracaba por reific-la e atribuir-lhe um carter de neutralidade, difcil desustentar, terica e empiricamente.

    Outros autores tambm compartilham a idia de que a tecnologia algo autodeterminado, como se pode depreender da contribuio deBorgmann (2006), ao propor, numa viso otimista com relao tecnologia,que esta deva ser, meramente, ajustada, numa ou noutra situao, para

  • SOCIOLOGIAS188

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    ficar mais adaptada a determinados propsitos humanos, em contextossociais bem especficos e delimitados.

    Borgmann (2006) defende que os novos propsitos para as tecnologiasmodernas devem ser definidos luz das coisas focais. Segundo o autor,no se trata simplesmente de mudar fins, mas de discutir o papel datecnologia na realizao da boa vida. Para um de seus crticos, Feenberg(2006a, p. 330), a soluo de Borgmann, saltando da esfera da tecnologiapara restaurar a centralidade de sentido, remanescente da prpria es-tratgia de Habermas, contra quem ele pretende se contrapor.

    A tecnologia permanece, nessa ltima perspectiva, algo misterioso,mgico, dotado de fora prpria, capaz apenas de ajustar-se a determina-dos objetivos humanos. Esse lado misterioso e autnomo tambm se evi-dencia na obra de Heidegger, ao reificar o standing reserve e ao estabele-cer, para a condio ontolgica da tecnologia, um poder acima das foras,conflitos e presses sociais. Algo do qual somente um Deus poderia nossalvar, nas palavras do prprio Heidegger.

    Nessa linha escatolgica, tambm se poderia localizar as importantescontribuies de Marcuse (2006 e 1982), com sua viso pessimista a respeitodos destinos da tecnologia nas sociedades capitalistas avanadas. Segundoesse autor, no haveria sada para uma cincia e uma tecnologia emancipadoras,dentro das estruturas do modo de produo capitalista. Para se estabeleceruma nova cincia e uma nova tecnologia, seria necessria uma nova estruturasocial, uma nova maneira de lidar com a natureza e com a relao entre osindivduos, livres da dominao e do controle de uns sobre outros.

    Contudo, cabe a pergunta: como isso se faria, conforme acertada-mente questiona Habermas, se a tecnologia e sua evoluo fazem partedo prprio legado da humanidade? Para ele, a tecnologia, tal qual a co-nhecemos, parte constitutiva da histria e do acervo (no apenas mate-rial, mas, tambm, simblico), disponvel humanidade. No limite, tam-

  • SOCIOLOGIAS 189

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    bm se poderia argumentar a respeito da viso autodeterminista datecnologia, presente na acepo de Marcuse. Para esse ltimo autor, atecnologia teria assumido uma to elevada condio de autonomia, que,como observou Heidegger, s um Deus poderia nos salvar. Mas salvar doque? Afinal, a tecnologia no introduz apenas dominao, opresso, ani-quilamento da pessoa humana (ROSS, 2006). H uma dimenso culturalsignificativa que precisa ser considerada nesse debate. Maciel (1966), porexemplo, aponta mltiplas possibilidades de realizao da tecnologia nasua discusso sobre o milagre italiano dos anos 1980. Tambm impor-tante destacar alguns trabalhos crticos, na perspectiva do chamado femi-nismo, como os de Haraway (2006), desenvolvendo uma discusso a res-peito do Cyborg, no final do sculo XX, e de Tuana (2006), propondo, demodo bastante original, uma reavaliao da cincia e de sua relao coma tecnologia, a partir da perspectiva da mulher.

    Os autores que discordam da idia da autodeterminao datecnologia, presentes, por exemplo, no Construtivismo e no Evolucionismo,alm dos que insistem na abordagem sociolgica do contedo social datecnologia, constituem um conjunto bastante amplo. Tais autores apon-tam um lado promissor na construo de uma teoria sobre a tecnologia, namedida em que introduzem elementos crticos relevantes para enfrentar atradio hegemnica na Sociologia da Cincia e na Epistemologia, querelegam a tecnologia a condio de plano secundrio, a algo neutro oupassvel de meras adaptaes a situaes sociais especficas.

    O Trabalho de Feenberg (2006b) constitui, neste entendimento, umaboa sntese do que pode representar um lado promissor para o tratamentocontemporneo da tecnologia. Ao desenvolver slida argumentao con-tra a abordagem dominante na Sociologia da Cincia, e o legado de MaxWeber a respeito de sua teoria sobre a racionalizao do mundo moder-no, notadamente a iseno de uma tica de responsabilidade quanto

  • SOCIOLOGIAS190

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    esfera da cincia, e a forte demarcao entre a cincia e a poltica ou aprtica , Feenberg (2006b) apresenta a idia de Racionalizao Demo-crtica um novo modo de racionalizao, consentneo ao atual estgiodo desenvolvimento cientfico-tecnolgico e amplia consideravelmenteo entendimento a respeito da natureza, do papel e do lugar da cincia eda tecnologia no contexto contemporneo.

    inegvel que cincia e tecnologia cumprem importante papel nodesenvolvimento histrico-social e no avano das foras produtivas. En-tretanto, assim como a cincia e a tecnologia possuem um poder expressopor sua capacidade de controlar foras fsicas e sociais, a sociedade, porsua vez, exerce sobre elas outro poder, que se origina, tanto da infraestruturaeconmica, como da sociedade poltica ou da sociedade civil.

    Enfim,

    So as relaes sociais que definem os parmetros parao estabelecimento de necessidades que conduziroao desenvolvimento e uso de determinadastecnologias. So elas, tambm, que criam possibilida-des diferenciadas para que certos sujeitos (naes, clas-ses sociais ou grupos) conduzam o, e apropriem-sedo avano tecnolgico, transformando-o em foraprodutiva, instrumento de dominao poltica e/oufator ideolgico de legitimao do Estado. E isso, ten-do-se em conta que as novas tecnologias vo se cons-tituir elementos condicionadores das prprias relaessociais. (SOBRAL, 1988, p.12)

    dessa forma que a criao e o uso de novas tecnologias podem darorigem, ao mesmo tempo, a condies de emancipao e de transforma-o de sujeitos. nesse sentido, tambm, que a tecnologia tanto fatorde transformao como de manuteno de estruturas sociais(FIGUEIREDO, 1989, p.6). Contudo, cabe a pergunta: de que modo acincia e, particularmente, a tecnologia desenvolvem essas relaes de

  • SOCIOLOGIAS 191

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    manuteno e de transformao de estruturas sociais? Sua resposta no simples. Mas requer ateno por parte daqueles interessados em aprofundara compreenso do fenmeno tecnolgico no contexto contemporneo.Algo que, certamente, depende de todo o esforo terico desenvolvidopelas diferentes tradies e contribuies aqui sintetizadas. Apresentar umaviso geral dessa discusso foi um dos objetivos centrais do presente artigo.

    The debate on the autonomy/non-autonomy of technologyin society

    Abstract

    This article presents the debate on the autonomy and non-autonomyof technology in society, considering the discussion undertaken in the sociologyof science and the recent literature on technology production, especiallywhat came after Martin Heideggers The question concerning technology.Taking the work of Heidegger as a seminal discussion on the topic oftechnology, the article proposes an ontological reversal in the relationshipbetween science and technology, placing technology before science. Thetext contrasts different meanings of technology through diverse analyticalmodels, namely, different theoretical and methodological perspectives,philosophical concepts and approaches, including the economic, sociologicaland historical approaches. Special emphasis is given to the confrontationbetween the sociological and the economic approach. In the end, the paperoffers evidence to support the non-autonomy of technology in society andthat which has been called the social content of technology.

    Keywords: Sociology of technology. Sociology of science. Technoscience. Technologyproduction. Technological practice.

  • SOCIOLOGIAS192

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    Referncias

    ARONOWITZ, S. Marx, Bravermann, and the logic of Capital. In: Insurgent Social,8(2/3), 1978. p. 126-46.

    BARNES, B. Interests and the growth of knowledge. London: Rutledge and keaganPaul, 1977.

    BARNES, B. Scientific knowledge and sociological theory. London, Rutledge andkeagan Paul, 1974.

    BEN-DAVID, J. D. O papel do cientista na sociedade; um estudo comparativo.So Paulo, 1971.

    BERNAL, J. D. The social funcion of science. London: Routledge & Keggan PaulLtd., 1939.

    BLOOR, D. Knowledge and social imagery. London: Rutledge and keagan Paul,1976.

    BLOOR, D. Wittgenstein and social science. London: Macmillan, 1982.

    BORGMANN, A. focal things and practices. In: SCHARFF. R. C.; DUSEK, V.Philosophy of technology: The technological condition; an anthology. Oxford:Blackwell Publishing Ltd, 2006.

    BOURDIEU, P. O campo cientfico. In: ORTIZ, R. (org). Pierre Bourdieu; sociolo-gia. So Paulo: tica, 1983.

    BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista; a degradao do trabalho nosculo XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

    BUKHARIN, N. I. Theory and practice from the stand point of dialectical materialism.In: Science of the cross roads. London: Frank Cass, 1971.

    BUNGE, M. Philosophical Inputs and Outputs of Technology. In: SCHARFF. R. C.;DUSEK, V. Philosophy of technology: The Technological Condition; an Anthology.Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2006.

    BURAWOY, M. Toward a marxist theory of the labor process; Bravermann andbeyond. Political Sociology, 8(3/4), 1978. p. 247-312.

    CALLON, M. Society in the making: the study of technology as a tool for sociologicalanalysis. In: The social construction of technological system. Massachusetts:Institute of Technology, 1987.

    CALLON, M. La Science et ses Reseaux. Paris: La Decouvert, 1988.

    CALLON, M. La Science et ses Reseaux; genese et circulations des faitsscientifiques. La Dcouverte. Paris, 1989.

  • SOCIOLOGIAS 193

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    CARNAP, R.; HAHN, H.; NEWRATH, O. The scientific conception of the world:the Viennas Circle. In: SCHARFF, R. C.; DUSEK, V. Philosophy of technology: thetechnological condition; an anthology. Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2006.

    CEIA, C. E-Dicionrio de termos literrios. Disponvel em: .

    COHEN, G.A. Karl Marxs theory of history; a defense. Princeton: University ofPrinceton, 1978.

    CRANE, D. Invisible colleges. Chicago: University of Chicago Press, 1975.

    DOSI, G. Technological paradigms and technological trajectories: a suggestedinterpretation of the determinants and directions of technological change. In:Research policy, n.11,1982. p 147-162.

    DOSI, G. Innovation, organization and economic dynamics, selected essays. In:DOPFER, K. (Ed.), Evolutionary principles of economics, Cambridge: CambridgeUniversity Press, 2005.

    DOSI, G. Innovation, organization and economic dynamics: selected essays.Massachusetts: Edward Elgar, 2000.

    DOSI, G.; FAGIOLO, G. Exploring the unknown. On entrepreneurship, coordinationand innovation-driven growth. In: LESOURNE, J.; ORLAN, A. (Eds.), Advances inself-organized evolutionary economics. Paris: Economica, 1998.

    DOSI, G.; NELSON, R. An introduction to evolutionary theories in economics. In:Journal of Evolutionary Economics, n.4, 1994. p.153-172.

    DOSI, G.; NELSON, R. Interpreting economic change: evolution, structures andgames, In: AUGIER, M.; MARCH, J. (Eds.). The economics of choice, change, andorganizations. Cheltenham: Edward Elgar Publishers, 2002.

    ELLUL, J. On the aims of a philosophy of technology. In: SCHARFF. R. C.; DUSEK,V. Philosophy of technology: the technological condition; an anthology. Oxford:Blackwell Publishing Ltd, 2006a.

    ELLUL, J. The autonomy of the technological phenomenon. In: SCHARFF. R. C.;DUSEK, V. Philosophy of technology: The Technological Condition; an Anthology.Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2006b.

    FEENBERG, A. Critical evaluation of Heidegger and Borgmann. In: SCHARFF. R.C.; DUSEK, V. Philosophy of technology: The Technological Condition; anAnthology. Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2006a.

    FEENBERG, A. Democratic rationalization: technology, power and freedom. In:SCHARFF. R. C.; DUSEK, V. Philosophy of technology: The Technological Condition;an Anthology. Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2006b.

  • SOCIOLOGIAS194

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    FERNANDES, A. M. A construo da cincia no Brasil e a SBPC. Braslia: EDUNB/ANPOCS/CNPq, 1990.

    FIGUEIREDO, V. Produo social da tecnologia. So Paulo: EPU, 1989.

    FREEMAN, C. Technology, progress and quality of life. In: Science and public policy,v. 18, n. 6, 1991. p. 407 - 418.

    FREEMAN, C. The national system of innovation in historical perspective. Cambridge:Journal of Economics, v. 19, n. 1, 1995. p. 5-24.

    FREEMAN, C.; CLARK, J. ; SOETE, L. Unemployment and technical innovation; astudy of long waves and economic development. London: Frances Pinter, 1982.

    FULLER, S. The Philosophy of Science and technology studies. London: Rutledge,2006.

    GOONATILAKE, S. Aborted discovery: Science and creativity in the third world.London: Zed Books, 1984.

    HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

    HABERMAS, J. Teoria de la accion comunicativa. 2 ed. Madrid: Taurus, 1988.

    HAGSTROM, W. D. The scientific community. New York: Basic, 1965.

    HARAWAY, D. A Cyborg manifesto: Science, technology, and Socialist-Feminism inthe late twentieth century. In: SCHARFF. R. C.; DUSEK, V. Philosophy oftechnology: The technological condition; an anthology. Oxford: Blackwell PublishingLtd, 2006.

    HEIDEGGER, M. The question concerning technology. In: SCHARFF. R. C.; DUSEK,V. Philosophy of technology: the technological condition; an anthology. Oxford:Blackwell Publishing Ltd, 2006.

    HEIDEGGER, M. The question concerning technology; and other essays. HarperTorchbooks: New York, 1977.

    IHDE, D. Heideggers Philosophy of technology. In: SCHARFF. R. C.; DUSEK, V.Philosophy of technology: the technological condition; an anthology. Oxford:Blackwell Publishing Ltd, 2006.

    IHDE, D. Technics, and praxis. London: D. Reidel Publishing Company, 1979.

    KNORR-CETINA, K. Scientific communities or transepistemic arenas of reserch? Acritique of quasi economic models of science. In: Social studies of science, n. 12,1982. p. 101-130.

    KNORR-CETINA, K. The manufacture of knowledge; on essay an the constructivistand contextual nature of science. Oxford: Perzaman Press, 1981.

  • SOCIOLOGIAS 195

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    KUHN, T. S. The structure of scientific revolution. Chicago: Chicago UniversityPress, 1970.

    LATOUR, B. Give me a laboratory and I will raise the world. In: KNORR-CETINA,K.; MULKAY, M. Science observed. London: Sage, 1983.

    LATOUR, B. Pasteur on lactic acid yeast: a partial semiotic analysis. In:Configurations. n.1, 1992. p.129-145.

    LATOUR, B. The force and the reason of experiment. In: H. E. Le Grand. Experi-mental inquiries. Netherland: Kluwer Academic Publishers, 1990.

    LATOUR, B. Cincia em ao. So Paulo, Unesp, 2000.

    LATOUR, B. ; STRUM, S. C. Human social origins: oh please, tell us another story.In: J. social biol. struct., n. 9, 1986. p. 169-187.

    LATOUR, B. ; WOOLGAR, S. Vida de laboratrio; a produo dos fatos cientfi-cos. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1997.

    LAW, J. & HASSARD, J. Actor network theory and after. Oxford: BlackwellPublishing, 1997.

    LUHMANN, N. Legitimao pelo procedimento. Braslia: UnB, 1980.

    LUHMANN, N. Complexity and meaning. In: The Social and the Praxis ofcomplexity. Tokyo: The United Nations University, 1985.

    LUHMANN, N. The autopoisis of social systems. In: FELIX, G. ; VAN DER ZOWEN,J. (Eds.), Sociocybernetic paradoxes: observation of self-steering systems. BeverlyHills: Sage, , 1986. p. 172-192

    LUHMANN, N. The paradox of system differentiation and the evolution ofsociety. (mimeo). Bielefeld, 1987.

    LUHMANN, N. Sociedad y sistema: la ambicion de la teoria. Barcelona: Paids,1990.

    LUNDVALL, B. (Ed.). National innovation systems: towards a theory of innovationand interactive learning. London: Pinter, 1992.

    MACIEL, M. L O milagre italiano: caos, crise e criatividade. Rio de Janeiro/Braslia:Relume Dumar/Paralelo 15, 1996.

    MARCUSE, H. The new forms of control. In: SCHARFF. R. C.; DUSEK, V. Philosophyof technology: The technological condition; an anthology. Oxford: BlackwellPublishing Ltd, 2006.

    MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial; o homem uni-dimensional.Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

  • SOCIOLOGIAS196

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    MATURANA, H. Autopoisis. In: Zeleny, M. (Org.). Autopoisis: a theory of aliving organization. New York: North-Holland, 1981. p. 21-33.

    MERTON, R. F. Social theory and social structure. Glencoe, III. Free Press ofGlencoe, 1949.

    MURCHO, D. Essencialismo naturalizado. 2000. Dissertao (de mestrado), Fa-culdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa.

    NELSON, R. ; WINTER, N. An evolutionary theory of economic change.Cambridge: Mass: Harvard Univ. Press, 1982.

    NELSON, R. On the uneven evolution of human know-how. New York: ColumbiaUniversity, 2003.

    NELSON, R. The Asian Miracle and Modern Growth Theory. New York: ColumbiaUniversity, Howard Pack, University of Pennsylvania and The World Bank, 1997.

    PINCH, T; BIJKER, W. E. The social construction of facts and artifacts: or how theSociology of science and the Sociology of technology might benefit each other. In:BIJKER, W.; HUGUES, T.; PINCH, T. The social construction of technologicalsystem. Massachusetts: Institute of Technology, 1987.

    ROSEMBERG, N. Inside the black box technology and economics. Cambridge,Cambridge: University Press, 1982.

    ROSS, A. Hacking away at the counterculture. In: SCHARFF. R. C.; DUSEK, V.Philosophy of technology: the technological condition; an anthology. Oxford:Blackwell Publishing Ltd, 2006.

    SCHARFF, R. C.; DUSEK, V. Philosophy of technology: the technological condition;an anthology. Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2006.

    SCHWARTZMAN, S. A formao da comunidade cientfica no Brasil. So Paulo:Nacional/Rio de Janeiro: Finep, 1979.

    SOBRAL, F. Cincia, tecnologia e poder; os interesses sociais na pesquisa. 1988.Tese (de doutorado). UnB, Braslia.

    SOUSA, I.; SINGER, E. Proposta para um programa de pesquisa sobre a gerao detecnologia agropecuria. In: Cadernos de difuso de tecnologia. n.3, set./dez.,1984. p.345-381.

    THERBORN, G. Science, class and society. London: Verso, 1980.

    TOULMIN, S. Foresight and understanding. Indiana: Indiana University Press, 1961.

    TUANA, N. Revaluing science: starting from the practices of women. In: SCHARFF.R. C.; DUSEK, V. Philosophy of technology: the technological condition; ananthology. Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2006.

  • SOCIOLOGIAS 197

    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 22, jul./dez. 2009, p. 158-197

    Recebido: 28/04/2008Aceite final: 04/12/2008

    WIKIPPDIA. Fenomenologia. Disponvel em: .

    WINNER, L. Social constructivism: opening the black box and finding empty. In:SCHARFF. R. C.; DUSEK, V. Philosophy of technology: the technological condition;an anthology. Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2006.

    WOOLGAR, S. Reconstructing man and machine: a note on sociological critiquesof cognitivism In: The social construction of technological system. Massachusetts:Institute of Technology, 1987.