Helder MARTINS a Crítica Da Tradução Literária

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Helder MARTINS a Crítica Da Tradução Literária

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  • A crtica da traduo literria 39

    A CRTICA DA TRADUO LITERRIA

    Helder MartinsEscola Superior de Educao da Guarda - Portugal

    A crtica da traduo, particularmente da traduo literria,aparece fundamentalmente e com maior frequncia na imprensa,em forma de crtica e recenso literria, como uma apreciaomais ou menos crtica e extensa do produto traduo num contextode chegada cultural, lingustico e literrio, sem o texto de partidater sido tomado como factor determinante para a crtica da traduo.

    Uma outra forma de crtica da traduo, e esta que me interessaparticularmente aqui abordar, consiste no confronto analtico ecomparativo do texto original e da respectiva traduo, perspectivaesta que tem como inteno inventariar e comentar semelhanas ediferenas de estrutura e linguagem entre o texto de partida e o dechegada, com vista a esclarecer o processo de traduo individual,a estratgia adoptada pelo tradutor e a sua adequao traduoefectuada. uma crtica que salienta a apreciao do processo detraduo e o papel dos factores e determinantes que o envolvem.Se o prprio tradutor no se exprimiu sobre os princpios de traduoutilizados (e.g. num prefcio ou posfcio) (nota 1), estes devemser apreendidos e a sua consistncia comprovada atravs doconfronto entre os dois textos. Desta forma, uma traduo nopoder ser apreciada e criticada de forma apropriadacaracterizando apenas as solues propostas pelo tradutor, mastambm relacionando continuamente essas solues com asparticularidades distintas do original. Esta comparao

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    indispensvel para a apreciao no correr o risco de ser exposta crtica da arbitrariedade e subjectividade.Tanto Rei (1971: 24) como House (1981: 52) e Koller (1992:

    211) iniciam a crtica da traduo com uma anlise do texto departida. Rei (1971: 24ss.) determina em primeiro lugar o tipo detexto e o mtodo de traduo, e estabelece assim um critrio paraa crtica. House (1981: 56) analisa num segundo passo o texto dechegada de acordo com o mesmo modelo utilizado para o texto departida e compara o resultado de ambas as anlises, enquanto Koller(1992: 215) desenvolve uma hierarquia de princpios de equivalnciacom base na anlise do texto de partida para, a partir da, procedera uma comparao e apreciao da traduo.

    Independentemente do tipo de estratgia a adoptar, convirassinalar que a crtica da traduo no se baseia apenas nacomparao de elementos internos e particulares dos textos departida e de chegada, mas tambm na comparao de dois textossui generis inseridos numa determinada situao, onde o factortemporal e cultural desempenham um importante papel.

    O conceito de equivalncia

    Para a concretizao do trabalho analtico e comparativo acimamencionado surge de imediato o conceito de equivalncia, quepodemos caracterizar como uma categoria central para o processode traduo e para a avaliao crtica do trabalho do tradutor.

    Na discusso que envolve a traduo, nunca um conceitoprovocou tanta reflexo, causou tantas opinies contraditrias etentativas de definio, como o conceito de equivalncia entre otexto de partida e o de chegada.

    A indeterminao relativa do conceito de equivalncia tem causasespecficas directamente relacionadas com o tradutor, com o prpriotexto e com o leitor. Todo o tradutor possui um sistema de valoresbaseado na sua experincia lingustica e extralingustica, na sua

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    pertena a um grupo social e comunidade lingustica especfica,que dirige e determina de forma mais ou menos ampla a suaproduo translatria. Para alm disso, tambm h que ter emlinha de conta a existncia de uma expectativa e noo especficado texto a traduzir, que determinante na realizao do texto dechegada. O processo de traduo no se deixa observar e determinarcomo um processo qumico realizado num tubo de ensaio. A toda atraduo est subjacente um princpio de individualidade translatriae ela , desta forma, por princpio, um acontecimento irrepetvel.Com base na sua experincia, Lev (apud Wilss, 1977: 162)

    sugere que o tradutor tende a transformar qualitativamente o textode partida de duas formas, ao transpor o mesmo para a lngua dechegada. Segundo Lev, ambos os tipos de modificao tm causaspsicolgicas. Num caso, o tradutor escolhe a primeira palavra quelhe ocorre a partir de um grupo de palavras utilizveis no mesmocontexto, enquanto que no outro caso o tradutor assume o papel deintrprete do texto e parte do princpio de que a sua funo explicitar relaes de dependncia semntica na transposio dotexto para a lngua de chegada, com o intuito de aliviar o leitor nacompreenso desse mesmo texto.

    Deparam-se-nos outros problemas de equivalncia quando aotradutor se apresentam dificuldades de interpretao devido a umaambivalncia de contedo intencionada ou inconsciente do texto dalngua de partida. Estas dificuldades e os problemas relacionadoscom o valor semntico de elementos do texto tm comoconsequncia resultados diversos na traduo quando efectuada porvrios tradutores, tanto ao nvel do contedo como da estruturasuperficial do texto.

    Outro factor que causa da dificuldade na formulao deprincpios testveis para a equivalncia na traduo o papel doreceptor/leitor do texto de chegada, o qual dever ser entendidocomo uma consequncia de um processo de traduo que decorre apartir do emissor/autor do texto de partida, passando pelo tradutorcom a dupla funo de receptor do texto original e autor do texto na

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    lngua de chegada, at chegar ao leitor desse mesmo texto. Registe-se que a importncia deste leitor clara quando pensamos que otradutor traduz, em muitos casos, tendo em vista e considerao oleitor da sua traduo inserido num determinado tempo e lugar.

    Koller (1992) e Kloepfer (1967) afirmam igualmente que, noque diz respeito a textos literrios e produo lrica, o grau deequivalncia no nada fcil de determinar e dificilmente passvelde ser objectivado.

    Que a equivalncia se refere a uma relao entre o todo ou umelemento de um texto de partida, e o todo ou um elemento de umtexto de chegada, hoje incontestvel. a natureza dessa relaoque hoje ainda permanece um pouco difusa.

    Na discusso terica relativa equivalncia, registam-sevariados princpios que pretendem explicitar a natureza da relaoacima mencionada e a possibilidade da sua concretizao. Esteesforo feito de forma mais pormenorizada em Wilss (1977: 156-191) e Koller (1992: 186-191). Para que se possa tirar pleno proveitodas virtualidades que o conceito de equivalncia encerra, torna-seindispensvel registar alguns pontos de vista de alguns autores quedele se ocuparam. Catford ocupa-se da problemtica daequivalncia tendo em vista apenas o aspecto lingustico. As suasconsideraes baseiam-se no conceito de textual equivalence(1965). Para Catford toda a lngua um sistema fechado: A SL[source language] text has a SL meaning and a TL [target language]text has a TL meaning (1965: 35). Os elementos textuais da lnguade partida e chegada tm, no sentido lingustico, raramente o mesmosignificado, mas podem ter a mesma funo semntica. Aconcepo de traduo de Catford coloca no centro a noo de texto,isto , um texto da lngua de partida substitudo por um texto dalngua de chegada, em que o critrio de substituio se baseia naequivalncia. Por seu lado, Nida (1964) ocupa-se da lngua do pontode vista da comunicao. Uma traduo adequada quandoapresenta no texto de chegada The closest natural equivalent.Nas prprias palavras de Nida:

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    One way of defining a D-E (dynamic equivalence) translationis to describe it as the closest natural equivalent to the source-language message. This type of definition contains threeessential terms: (1) equivalent, which points toward the source-language message, (2) natural, which points toward the receptorlanguage and (3) closest, which binds the two orientationstogether on the basis of the highest degree of approximation(1964: 166).

    Esta definio evidencia a importncia de um objectivo duplo datraduo: por um lado, orienta-se pela mensagem da lngua departida e, por outro, pela lngua receptora, sendo os elementoscorrespondentes os mais naturais possvel. Desta forma, o efeito natural e o texto imediatamente passvel de ser compreendido. Umatraduo segundo o conceito proposto por Nida tem como objectivouma total naturalidade ao nvel da expresso e tenta relacionar oleitor com modos de comportamento e valores relevantes dentrodo contexto da sua prpria cultura e no insiste em faz-locompreender os padres culturais do contexto da lngua de partidapara compreender a mensagem.

    Kade (apud Wilss, 1977) parte do princpio de que as relaesque dirigem o processo de traduo entre as lnguas de partida e dechegada so passveis de ser estruturadas, e que um sistema constrirelaes de equivalncia potenciais. O autor entende porequivalncia o estabelecimento de uma correspondncia de um paraum ao nvel do contedo. Visto que o sistema das lnguas diferentedo ponto de vista estrutural, uma unidade lexical e sintagmtica dalngua de partida no corresponde sempre de forma qualitativa equantitativa a uma unidade na lngua de chegada. Desta forma,para alm da correspondncia de um para um (equivalncia total),apresentam-se tambm a correspondncia de um para vrios(equivalncia facultativa), de um para parte de um (equivalnciaaproximativa) e, por ltimo, de um para zero (semcorrespondncia). Kade exige para a traduo uma inalterabilidade

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    (Unverndertheit) ao nvel do contedo, no tendo em conta queum texto no tem apenas contedo, mas tambm forma e efeito; seeles forem alterados na traduo, dificilmente se poder falar deequivalncia entre texto de partida e chegada. com base nestepressuposto que podemos assinalar que o modelo proposto por Kade caracterizado pela limitao a um aspecto da equivalncia, que o contedo, deixando de lado o campo estilstico que normalmentese apresenta com mais dificuldades a superar.

    Os princpios tericos da maioria dos autores que se ocupam doconceito de equivalncia referem-se a uma relao especfica entreo texto de partida e o de chegada, focando, do meu ponto de vista,apenas aspectos parciais da equivalncia.Consideremos, por fim, a posio de Koller (1992), que adopta

    um conceito de tradutibilidade relativa e dinmica, tendo emconsiderao vrios estratos includos no conceito de equivalncia.O autor foca, assim, cinco quadros de referncia que tm um papelimportante para o estabelecimento do tipo de equivalncia:equivalncia denotativa, conotativa, textual-normativa, pragmticae formal. De mencionar, em meu entender, que com estadiferenciao muito se ganhou no que diz respeito discusso doconceito de equivalncia. O conceito de equivalncia um conceitodinmico que est ligado natureza e s concepes histricasvariveis da traduo. Um texto de partida escrito uma vez,enquanto que as tradues podem ser novamente realizadas e pordiversos tradutores, tal como um texto pode ser lido por diversosleitores.Chegado a este ponto, e aps tirar a concluso de que todo o

    processo de traduo se concretiza na estrutura de um texto dechegada tendo como permanente referncia um texto de partida,registe-se que o tradutor deve esforar-se continuamente porencontrar equivalentes optimais na lngua de chegada e, do mesmomodo, orientar-se pelo texto da lngua de partida para assegurar aadequao do equivalente encontrado.

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    Anlise e compreenso do texto de partida

    Como foi afirmado anteriormente, o conceito de equivalnciasurge como uma categoria central para o tradutor e para o crticoda traduo. com base nesta ideia que facilmente se chega concluso de que o estabelecimento de uma equivalncia funcionalobedece a dois pressupostos fundamentais que so, por um lado, acompetncia na lngua materna e, por outro, a anlise e compreensodo significado total da obra original, tanto no aspecto histrico ecultural como lingustico e literrio. Desta forma, o primeiropressuposto que permite ao tradutor dar corpo na lngua de chegadaa todo o trabalho de anlise e interpretao da obra original,assegurando que a traduo assuma um lugar de igual valor nonovo contexto cultural e literrio.

    A funo comunicativa e as caractersticas textuais ao nvelsemntico e sintctico so de crucial importncia para acompreenso do texto. Tanto as expresses incoerentessemanticamente como tambm as expresses privadas decaractersticas formais de coeso sintctica so apreendidas peloleitor como texto. O texto de partida, com o qual o tradutor, naprtica, tem de trabalhar, apresenta frequentemente desvios norma a nvel semntico e/ou sintctico, os quais contm uma funocomunicativa, devendo ser traduzidos. Em tais casos, o tradutor como o crtico da traduo deve reconhecer esses desvios ecompens-los de acordo com a sua competncia e com o seuconhecimento do mundo. Assim, os factores envolventes na situaocomunicativa, a partir dos quais o texto desempenha a sua funode comunicao, so de um significado decisivo para a anlisetextual. So os chamados factores externos em oposio aos factoresinternos.Tendo em considerao o facto de a situao existir antes do

    texto e que a aplicao dos factores internos est centrada no meio,parece-me ser razovel analisar em primeiro lugar ascaractersticas externas e de seguida as internas. Se as informaes

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    sobre as caractersticas externas do texto so acessveis no mbitodo prprio texto (ttulo, nome do autor, informaes bibliogrficas,local, ano, tipo de texto, etc.), cria-se a partir da um horizonte deexpectativa tanto para o leitor da lngua de partida como para otradutor enquanto leitor, horizonte este que se confirma ou noaquando da leitura do texto.

    Factores externos ao texto

    Os factores extralingusticos levam o autor de um texto aencontrar uma seleco especfica dentro dos meios que a sua lnguamaterna lhe pe disposio, para se fazer entender por umreceptor. So factores que tm a ver com o facto de realidadesexternas determinarem a estrutura lingustica. Desta forma, impe-se como vlido o que Harald Weinrich salienta, embora noutrocontexto: Wrter gehren also in Stze, Texte und Situationen[As palavras pertencem assim s frases, ao textos e s situaes](1966: 19). Se aplicarmos esta ideia ao assunto que tratamos,chegamos facilmente concluso de que as frases correspondemao microcontexto, os textos ao macrocontexto e as situaes aosfactores extralingusticos que poderamos designar de contextosituacional. Nesta designao est contido o que Nida caracteriza,por um lado, como Communicative context (circumstancesinvolved in the original communication, including such matters astime, place, author, audience, intent) e, por outro lado, deCultural context of the source language (1964: 243).

    Dentro dos factores externos ao texto incluem-se naturalmenteas informaes necessrias sobre o autor, relevantes para a anlisedo texto e, consequentemente, para a traduo. Impe-se registara importncia de saber quem o emissor do texto, quais asinformaes que se apresentam no mbito do prprio texto e de quemodo as informaes sobre o emissor contribuem para uma melhor

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    compreenso e anlise do texto e para a resoluo de certos aspectosmais problemticos que se apresentem ao tradutor.

    De seguida, surge-nos a inteno do autor, enquanto conceitoproblemtico tambm para a rea da traduo, e o efeito do textocomo determinantes de algum valor para o tradutor e crtico datraduo. No que respeita inteno do autor, decorre daqui umaquesto problemtica e crucial que reduziremos sua expressomais simples. Por um lado, a inteno do autor pode no coincidircom o significado do texto, pois este contm uma autonomiasemntica que o tradutor, como intrprete vivo do texto, poderseguir. Por outro lado, no pode ser esquecido que um texto sempre um discurso dito por algum a mais algum acerca de algumacoisa. Neste sentido, a inteno do autor, quando manifestada porparte do mesmo e enquanto factor externo a ter em considerao,apesar de ter uma fora menor que a do prprio texto, pode emalguns casos ser decisiva na indicao de indcios que poderoauxiliar o tradutor a superar certos obstculos e permitir ao crticoevidenciar propsitos e resultados obtidos. Em meu entender e deuma forma generalizada, no a inteno do autor, a qual seencontra supostamente oculta por detrs do texto, que deve serapropriada pelo tradutor, mas sim o sentido do prprio texto,concebido de um modo dinmico com a direco do pensamentoaberta pelo texto.

    O factor do local refere-se principalmente ao local de produodo texto e pode ser significativo para a compreenso e interpretaodo texto. Tanto alguns dados lingusticos, como realidades polticase culturais, desempenham um papel importante para o factor dolocal de produo do texto. A isto acresce o facto de realia eparticularidades que esto directamente relacionados com o pas epovo da lngua de partida se apresentarem frequentemente no texto.Uma traduo adequada na lngua de uma comunidade lingustica aquem os elementos relacionados com o local nada dizem soestranhos particularmente difcil. Ultrapassar os problemasrelacionados com o factor do local uma tarefa exigente para o

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    tradutor, especialmente quando se trata de designaes de objectos,equipamento, mecanismos, costumes e rituais que apenas soconhecidos no pas da lngua de partida.

    Desta forma, apresentam-se as seguintes possibilidades paraultrapassar estas dificuldades: (1) dissimilao; (2) assimilao;(3) transpor a mesma palavra da lngua de partida com a introduode nota de rodap; (4) traduo explicativa. No entanto, estas quatropossibilidades no devem ser utilizadas indiferenciadamente, masdependendo do tipo de texto. A deciso sobre qual das possibilidadesutilizar est naturalmente relacionada com o grau de estranhezacom que as caractersticas da realidade do texto de partida seapresentam ao leitor da lngua de chegada.Para alm do factor do local, ter-se- que ter igualmente em

    considerao o factor do tempo, que se apresenta como bastantecomplexo, exigindo uma sensibilidade estilstica e lingustica porparte do tradutor. Refira-se, de passagem, que este factor no serelaciona apenas com a data de produo do texto de partida e a suarecepo, mas igualmente com a data da sua traduo e a suarecepo. de indagar quais os problemas que resultam de umeventual e diferente tempo de produo da obra original e darespectiva traduo.Consideremos, por ltimo, a questo directamente relacionada

    com o leitor. A especificao do receptor pode corresponder aotipo de texto ou ser independente dele. Uma questo que importasempre explicitar a de o leitor do texto de chegada se diferenciardo leitor do texto de partida pela sua pertena a uma outra sociedadelingustica e cultural (uma traduo nunca se pode dirigir ao mesmoreceptor que o texto original). Os factores relacionados com o leitorpermitem ao autor do original, tendo em vista o receptor a quem sedirige, estruturar o texto de certa forma. Neste caso, de extremaimportncia o contexto social e cultural onde o texto se insere. Cabeao crtico da traduo indagar qual a estratgia adoptada pelotradutor, isto , determinar se os equivalentes encontrados admitemalgum grau de estranheza (dissimilao) ou, pelo contrrio, comofrequentemente acontece, tendem para a assimilao (nota 2). No

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    entanto, qualquer destas estratgias no dever ser utilizadaindiferenciadamente, pois a equivalncia ser dificilmente atingidasempre que o grau de estranheza torne o texto inacessvel ao leitorde chegada e, por outro lado, nem toda a assimilao garantia deobteno de uma equivalncia funcional.

    Ao efectuar-se uma anlise dos factores externos, decisiva aaplicao do princpio da recursividade, isto , qualquer factor passvel de ser includo em outro. Existe, assim, umainterdependncia de todos os factores, no sendo a anlise destesfactores uma rua de sentido nico, mas sim um processo recursivo,durante o qual expectativas so construdas, confirmadas oucorrigidas, o conhecimento existente alargado e com isso acompreenso modificada. Cabe ainda observar que este princpio vlido no apenas para a anlise global do texto, mas tambmpara a anlise de factores isolados e partes do texto.

    Factores internos do texto

    Na comunicao, a mensagem, isto , a sequncia ordenada ecoerente de signos veiculada do emissor at ao receptor, uma daspartes principais que constituem o texto. O autor de um texto,mesmo quando escreve sob o domnio de um impulso confessional,ou movido por um anseio de autocatarse ou buscando efeitos deauto-satisfao, no ignora que o seu texto tem de entrar numcircuito de comunicao em que a derradeira instncia o leitor.Desta forma, no de estranhar que este dilogo in absentia, emque o receptor tanto pode ser um leitor coevo como umindeterminado leitor do tempo futuro, se manifeste, ou se dissimule,sob mltiplas marcas textuais, transformando-se muitas vezes numcomplexo e astucioso jogo de mscaras e espelhos.

    A compreenso e anlise dos factores internos do texto , assim,de crucial importncia na abordagem do texto de partida econsequentemente relevante para a traduo.

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    A temtica do texto um desses factores e a sua obteno atravsdo nvel lexical conduz-nos ao conceito de isotopia: isto , umacadeia de elementos lexicais ligados entre si constituem um planoisotpico, o qual dever ser mantido na traduo e que pode remeterpara o programa temtico do texto.

    A anlise do contedo, com toda a sua relevncia para atraduo, est relacionada com a informao semntica que semanifesta no texto. O contedo de um texto expressa-se atravs dasua referncia a um estado das coisas ou factos reais de umarealidade extralingustica que pode, ou no, ser fictcia. Estareferncia manifesta-se principalmente na semntica do vocabulrioe estruturas utilizadas no texto.

    A determinao da estrutura do texto de importncia crucialpara o tradutor e crtico num quadro de anlise textual relevantepara a traduo. A isto acrescente-se que a identificao damacroestrutura do texto pode ser feita, em primeiro lugar, atravsde sinais claros como pargrafos, marcaes de captulos, entreoutros, enquanto que a microestrutura apresentada por meio daconstruo de frases (e.g. distribuio de oraes principais esubordinadas).

    A questo do lxico deve ser tomada em considerao tanto doponto de vista semntico como estilstico e formal. Outras questesrelacionadas com o lxico, como a formao de palavras, metforase repeties no podero ser indiferentes nem ao tradutor nem aocrtico da traduo. Para alm disso, a seleco lexical que seencontra no texto pode dar indicaes sobre outros factores internos.Especificando, as caractersticas semnticas e estilsticas do lxicopodem remeter para o contedo e temtica do texto. Registe-seainda, neste contexto, que uma fidelidade simtrica no pode serutilizada como critrio objectivo e apropriado, pois o lxico de duaslnguas com estruturas e noes do mundo diferentes no secorresponde completamente. No plano lexical, o crtico deveaveriguar se as instrues lexicais contidas no original foramtranspostas de forma adequada na lngua de chegada. Isto quer dizer

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    que para a realizao de um juzo crtico se deve comprovar como que o tradutor ultrapassou os problemas de uma certa terminologiae linguagem, falsos amigos, homonmia, jogos de palavras,expresses idiomticas e provrbios.

    semelhana do lxico, o campo da sintaxe particularmentepertinente e no deve passar despercebido ao tradutor e crtico datraduo. A complexidade e construo das frases, a sua extensoe a distribuio de oraes principais e subordinadas, socaractersticas sintcticas, as quais so importantes numa anlisetextual relevante para a traduo. Uma primeira observao dasintaxe caracterstica de um texto permite a anlise da extensomdia das frases, dos tipos de frase, da distribuio de oraesprincipais e subordinadas (parataxe e hipotaxe) e da ligao frsicaatravs de elementos conectores, conjunes e advrbios, com oobjectivo de reconhecer a estruturao da informao do texto.Convir assinalar que para alm das caractersticas sintcticas maisclssicas, os desvios norma so um meio estilstico interessantepara a obteno de um efeito particular. Em tais casos, segundoChristiane Nord (1988), em primeiro lugar, deve ser determinadoo tipo de desvio, a sua funo e, por fim, comprovar a possibilidadede traduo. A crtica da traduo da gramtica contida no texto departida e a sua transferncia para o texto de chegada deve procederde acordo com o critrio da correco (Rei, 1971). Perante afrequente diferena do sistema gramatical de duas lnguas, tanto asintaxe como a morfologia tm aqui inequivocamente a primazia.Uma estrutura gramatical poder ser considerada correcta quandoa traduo constituda correctamente de acordo com a lngua dechegada e quando so reconhecidos e reproduzidos correcta eadequadamente os aspectos semnticos e estilsticos das estruturasgramaticais da lngua de partida. Adequadamente no significa aquida mesma forma ou pelos mesmos meios, embora esta situaono seja to rara como isso no que diz respeito a lnguas anlogas eprximas, como as que fazem parte do crculo cultural ocidental.Em estreita ligao com os factores internos acima mencionados,

    registe-se que a ateno que se deve dar semntica de um texto

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    determinante para conservar o contedo e o sentido proposto pelotexto original. O desconhecimento de polissemias ou homonmias,falsa interpretao e alteraes arbitrrias atravs de acrescentosou omisses, so grandes fontes de perigo para o tradutor e,consequentemente, frteis pontos de partida para o crtico.Consideremos, por fim, uma questo que, em literatura, apesar

    de ser um fenmeno reconhecvel, se torna bastante esquiva. Trata-se do conceito de estilo que embora diversamente definido , escapa preciso. O estilo de um escritor pode ser considerado comouma utilizao criativa e individual dos recursos da lngua que oseu perodo, o seu gnero e o seu propsito lhe oferecem. Paraentender e tornar explcita a criatividade lingustica do escritor,para apreciar completamente a alquimia por via da qual eletransforma o metal vulgar da linguagem quotidiana no ouro puro daarte, antes de tudo necessrio reconhecer e, quando possvel,especificar os nveis de linguagem com os quais trabalha (Spencer,1974). O estilo de um texto designa o modo como a informaotransmitida ao leitor apresentada. No me refiro aqui ao conceitode estilo normativo, mas sim ao modo de formulao do texto, quetanto orientado por normas e convenes, como pode serdeterminado pela inteno do autor. Neste campo, o crtico deveanalisar se o texto de chegada evidencia uma correspondnciaestilstica em relao ao texto de partida.

    Concluso

    Todo o processo de traduo definido pela descoberta deequivalentes potenciais e, consequentemente, pela seleco de umequivalente optimal. Esta seleco, como foi comprovadoanteriormente, pode ser apoiada pelo contexto lingustico. Por outrolado, em meu entender, apesar da fora e da importncia dostestemunhos externos dever ser sempre menor que a dos textoscom os quais o tradutor e o crtico se confrontam, estes factores

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    externos podem ser decisivos para a constituio do texto de chegada.Nas palavras de Georges Mounin, isto significa que bersetzenist zuallererst und immer eine linguistische Operation, masniemals eine einzige und ausschlielich linguistische Operation[Traduzir sempre e em primeiro lugar uma operao lingustica,mas nunca nica e simplesmente uma operao lingustica] (1967:61).

    Delineada esta posio de partida, passo agora, em concluso,a algumas reflexes finais sobre os pressupostos e princpiosmencionados.

    Quando falamos de traduo literria, estamos, sem dvida,perante um processo de comunicao em cadeia, que resulta naelaborao, na lngua de chegada, de estruturas lexicais egramaticais que veiculam significados e produzem efeitostendencialmente homlogos aos da lngua de partida. No entanto,as dificuldades do acto de traduzir no se resumem s oposiesentre sistemas ideolgico-verbais. A isto acrescem outros tipos deproblemas relacionados, por exemplo, com as idiossincrasias doautor original que muitas vezes subverte as regras da sua prprialngua, na busca incessante de uma linguagem textual mais prpria sua inteno. Desta forma, os princpios e os pressupostosmencionados neste artigo no devem ser entendidos, do meu pontode vista, apenas como paradigmas lingustico-formais ou como umatentativa de definir de forma fechada o fenmeno de transposiode um texto literrio de uma lngua para outra. Uma questo que seimpe registar o facto de se dever ter sempre em mente que atraduo um trabalho homlogo de produo textual, que se inventaa si mesmo, no sendo apenas um transporte lingustico. O texto dechegada dever continuar a ser o texto de partida, sendo outro,mas com o mesmo efeito subjacente. Por fim, acrescento que indispensvel ao crtico da traduo considerar o texto de chegadaimerso num complexo lingustico e cultural, cujas normas,limitaes ou constrangimentos condicionam e pr-determinam asopes a adoptar pelo tradutor. Em suma, o crtico da traduo

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    literria ter as tarefas de leitor (atento), tradutor, crtico literrioe investigador dos contextos de produo e recepo dos textos.

    Notas

    1. De facto, constata-se com estranheza o facto de os tradutores de textos literrios- textos em que as dificuldades de traduo so particularmente gravosas - raramentese manifestarem em prefcios, posfcios ou notas de rodap sobre questes esttico-formais e lingustico-estilsticas.

    2 . Este conceito reporta-nos naturalmente ideia preconizada por Schleiermacherno seu texto (proferido em 1813 na Real Academia das Cincias de Berlim) berdie Verschiedenen Methoden des bersetzens em que nos afirma: Entweder derbersetzer lt den Schriftsteller mglichst in Ruhe und bewegt den Leser ihmentgegen; oder er lt den Leser mglichst in Ruhe und bewegt den Schriftstellerihm entgegen.[ Ou o tradutor deixa o escritor o mais possvel em sossego e moveo leitor ao seu encontro, ou deixa o leitor o mais possvel em sossego e move oescritor ao seu encontro].

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