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1 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente. Autoria: Federação Brasileira de Gastroenterologia Hemorragias Digestivas Elaboração Final: 17 de abril de 2008 Participantes: Ferreira RPB, Eisig JN

Hemorragias digestivas 2008

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Projeto DiretrizesAssociação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal

de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar

condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas

neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta

a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.

Autoria: Federação Brasileira de Gastroenterologia

Hemorragias Digestivas

Elaboração Final: 17 de abril de 2008

Participantes: Ferreira RPB, Eisig JN

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DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:Pesquisa de artigos na base de dados MEDLINE, preferencialmente meta-analíticos e de revisão sistemática; capítulos de livros-texto de referênciaem gastroenterologia.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.C: Relatos de casos (estudos não controlados).D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos

fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVO:Estabelecer uma orientação prática para o médico frequentemente envolvidocom casos de hemorragia digestiva, nas unidades de internação hospitalar eserviços de urgência.

CONFLITO DE INTERESSE:Nenhum conflito de interesse declarado.

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INTRODUÇÃO

A hemorragia digestiva aguda, evidenciada clinicamente pelaexteriorização de hematêmese, melena ou enterorragia, é uma causafrequente de hospitalização de urgência. As hemorragias quedecorrem de lesões proximais ao ligamento de Treitz sãoconsideradas hemorragias digestivas altas (HDA) e, distais a ele,hemorragias digestivas baixas (HDB). Habitualmente, a HDAexpressa-se por hematêmese e/ou melena, enquanto a enterorragiaé a principal manifestação da HDB. No entanto, HDA de grandevulto pode produzir enterorragia, da mesma forma que lesõesbaixas, do cólon direito ou delgado terminal podem manifestar-secom melena.

HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA POR VARIZES ESOFAGIANAS

O rastreamento de varizes esôfago-gástricas é recomendado atodo paciente portador de cirrose hepática e visa ao diagnósticoprecoce da hipertensão portal, permitindo a adoção de medidas deprofilaxia primária de hemorragia varicosa1(D). A hemorragiaconsequente à ruptura de varizes esofagianas (VE) e/ou gástricas(VG) é a principal complicação da hipertensão portal e cursa aindacom expressiva mortalidade. Todavia, nos últimos anos, as taxasde mortalidade têm caído para algo em torno de 15% a 20%,graças ao uso precoce e combinado dos tratamentos endoscópicoe farmacológico e à profilaxia antibiótica2,3(C). O tratamento dosangramento agudo por varizes objetiva corrigir o choquehipovolêmico, obter a hemostasia do sítio sangrante, prevenir oressangramento precoce e as complicações associadas à HDA.

REPOSIÇÃO VOLÊMICA E MEDIDAS GERAIS

A HDA por varizes esofagianas é presumível em um pacienteadmitido com história de hepatopatia crônica ou com estigmasperiféricos de insuficiência hepática, uma vez que essa etiologia éidentificada em 70% dos pacientes com hipertensão portal4(C).Habitualmente produz séria instabilidade hemodinâmica, mas cessaespontaneamente em 40% a 50% dos casos5(A).

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Pacientes com suspeita de HDA varicosadevem ser transferidos para unidades de terapiaintensiva para adequada monitorizaçãohemodinâmica e adoção de medidas de suporteinicial, que incluem a manutenção de vias aéreaspérvias, por vezes necessitando de intubaçãoorotraqueal, especialmente em cirróticos comencefalopatia hepática concomitante, e aobtenção de acesso venoso periférico1(D).

Os pacientes cirróticos apresentam umpermanente estado de circulação hiperdinâmica,com pronunciada vasodilatação esplâncnica poração de substâncias vasoativas, notadamente oóxido nítrico. O volume arterial efetivo é baixo,motivo pelo qual estes pacientes tendemhabitualmente à hipotensão arterial6(D). Acorreção da hipovolemia deve ser muito criteriosa,uma vez que a distribuição do volume oferecidotende a ser direcionada preferencialmente para oterritório esplâncnico, com elevação da pressãoportal, formação de ascite e pouco impacto sobrea pressão arterial. Desta forma, a manutençãode níveis de hemoglobina em torno de 8 g/dl e dapressão sistólica em torno de 90 mmHg sãosuficientes para manter uma boa perfusãotecidual, com menor risco de ressangramentopelas varizes, devendo-se considerar, contudo, apresença de comorbidades, o status hemodinâ-mico, a idade do paciente e a persistência dosangramento. A reposição de volume deve ser feitapreferencialmente com papa de hemácias e omínimo possível de soluções cristaloides, visto queressuscitações volêmicas vigorosas podemprecipitar novo sangramento, formação de ascitee extravasamento de líquidos para o espaçoextravascular1,7(D). Apesar da ausência de estudosque comprovem benefícios, transfusão de plasmafresco congelado ou de concentrado de plaquetaspode ser utilizada em pacientes com significativacoagulopatia e/ou plaquetopenia1(D).

USO DE DROGAS VASOATIVAS

A utilização de drogas vasoativas quepromovem vasoconstrição esplâncnica(terlipressina, somatostatina ou octreotídeo) estáindicada de imediato, assim que se presuma sera HDA secundária à hipertensão portal1,7(D).Evidências demonstram que o tratamentoapenas farmacológico apresenta resultadossemelhantes ao tratamento endoscópico isolado(escleroterapia) no controle do sangramentovaricoso, com menores taxas de com-plicações8(A). A terlipressina, análogosintético da vasopressina e única droga queisoladamente demonstrou redução demortalidade na HDA varicosa quandocomparada ao placebo, é ministrada em bolus,na dose de 2 µg, endovenosa, 4/4 hinicialmente, com redução para 1 mg,endovenosa, 4/4 h após o controle dahemorragia9(A). As demais drogas vasoativasdemonstram benefícios quando associadas aotratamento endoscópico: somatostatina,utilizada por via venosa na dose de 250 µg embolus, seguida de infusão contínua de 250 µgpor hora; e octreotídeo, análogo sintético dasomatostatina, ministrado também por viavenosa, na dose de 50 µg em bolus, seguida deinfusão contínua de 50 µg por hora10(A). Otempo de manutenção da terapêuticafarmacológica pode variar de 2 a 5 dias7(D). Éimportante que a terapêutica vasoativa sejacombinada com uma intervenção endoscópicaprecoce, reposição volêmica criteriosa, prevençãoe tratamento de infecções.

HEMOSTASIA ENDOSCÓPICA

É recomendável passar uma sondanasogástrica e efetuar lavagem com 1000 a 1500ml de soro fisiológico, com vistas a melhorar as

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condições de trabalho do endoscopista que seráacionado preferencialmente nas primeiras 12horas após a internação, assim que o pacienteesteja estabilizado hemodinamicamente. Apresença de sangue “vermelho vivo” no aspiradoé descrita como importante indicadorprognóstico de recorrência ou persistência daHDA11(D).

Recomenda-se que a técnica de hemostasiaendoscópica utilizada seja a ligadura elástica,que detém melhores índices de controle daHDA varicosa, com menores taxas decomplicações. Entretanto, a técnica deescleroterapia pode ser empregada na vigênciado sangramento agudo, nas situações em quea ligadura elástica demonstrar-se tecnicamentedifícil7,12(D). Os melhores resultados da terapiaendoscópica são obtidos quando há associaçãocom o tratamento farmacológico (terlipressina,somatostatina ou octreotídeo), que deve seriniciado preferencialmente antes da endoscopiadigestiva alta (EDA)1,7(D). Essa associaçãoaumenta as taxas de controle inicial dosangramento e reduz o ressangramentoprecoce, sem impacto sobre mortalidade oueventos adversos significativos10(A).

Cerca de 10% a 20% dos pacientes, adespeito das medidas endoscópicas e/oufarmacológicas instituídas, poderão não obtersucesso no controle do sangramento ouapresentar ressangramento dentro dasprimeiras 24 horas1(D). Nesses casos, umasegunda intervenção terapêutica por viaendoscópica deverá ser tentada7(D). Persistindoo sangramento, está indicada a colocação dobalão de Sengstaken-Blakemore, que, por seualto risco de complicações – aspiração traqueal,migração, necrose e perfuração esofagiana,com mortalidade de até 20% – deverá ser

mantido por, no máximo, 24 horas1(D), períodoem que deverá ser providenciada a terapêuticainvasiva de resgate – implante por hemo-dinâmica de TIPS (derivação portossistêmicaintra-hepática transjugular) ou cirurgia13,14(B).Ambas são medidas salvadoras, eficazes nainterrupção do sangramento, mas com altoíndice de mortalidade, sobretudo nos pacientescom pobre reserva hepática – Child C.

O ressangramento pelas varizes pode ocorrerem 30% a 40% dos pacientes, dentro dasprimeiras seis semanas – 40% nos primeiroscinco dias. Após seis semanas, o risco deressangramento torna-se muito próximo daqueleantes do episódio inicial. O ressangramentoprecoce é um importante preditor de mortalidadepor HDA varicosa e alguns fatores sãodeterminantes na sua ocorrência, comoinfecções bacterianas, sangramento ativo naendoscopia de emergência, classificação deChild-Pugh, níveis de aspartato amino-transferase, presença de trombose de veia porta,insuficiência renal, carcinoma hepatocelular egradiente de pressão da veia hepática (medidopor hemodinâmica) > 20 mmHg àadmissão5(A)15(D).

PREVENÇÃO DAS COMPLICAÇÕES

Embora a ocorrência de encefalopatiahepática possa ser precipitada por sangramentosdigestivos, não há evidência que justifique o usoprofilático da lactulose em pacientes cirróticoscom HDA. Todavia, seu uso terapêutico estáindicado quando há sinais clínicos deencefalopatia hepática já à admissão ou nodecorrer da internação hospitalar5(A)15(D).Poderá ser ministrada por via oral, em dosesvariáveis que permitam 2 a 3 evacuações ao dia.As lavagens colônicas por via retal - clisteres

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glicerinados de 500 a 1000 ml ao dia – poderãoser utilizadas nos casos de hemorragias vultosas,com encefalopatia manifesta, em que se pretendauma exoneração colônica imediata. Nospacientes com depressão acentuada do nível deconsciência, é recomendável a intubaçãoorotraqueal com vistas à prevenção depneumonia aspirativa; nesses casos, amanutenção da sonda nasogástrica pode ser útilpara a oferta de medicamentos. Outrospotenciais fatores precipitantes de encefalopatiahepática devem ser identificados e corrigidos,como desidratação, hipoxia, hipoglicemia,azotemia, anemia, medicamentos (sedativos,tranquilizantes) e distúrbios eletrolíticos16(D).

Infecções bacterianas são frequentementedocumentadas em pacientes com HDA varicosae a sua ocorrência é um importante fatorprognóstico de falha no controle do sangramentoou de ressangramento precoce15(D). A peritonitebacteriana espontânea (50%), as infecções devias urinárias (25%) e de vias aéreas (25%) sãoprevalentes. O uso de antibióticos em pacientescirróticos com HDA proporcionou redução naincidência de infecções bacterianas e nas taxasde ressangramento, com consequente reduçãode mortalidade. Dessa forma, a antibiotico-terapia profilática (por sete dias) é mandatóriapara todo paciente cirrótico com HDA varicosae deve ser iniciada no momento da admissãohospitalar. O antibiótico mais utilizado é anorfloxacina (400 mg, via oral, 12/12h), mas aciprofloxacina endovenosa pode ser usadaquando a administração oral não forpossível5(A)17(B)15(D). Em pacientes de altorisco, isto é, Child B ou C, com ascite, choquehipovolêmico, icterícia ou desnutrição, o uso deceftriaxona endovenosa (1g/dia) já demonstramelhores resultados na profilaxia infecciosa,devendo ser considerada especialmente em

centros com elevada prevalência de organismosresistentes às quinolonas18(A).

A alimentação por via oral deve ser restituídao mais precocemente possível – 24 horas apósestabilização do sangramento – com restriçãode proteína animal para aqueles comencefalopatia hepática, até melhora clínica16(D).

HDA DE CAUSA NÃO VARICOSA

As HDA de etiologia não varicosa sãocausadas principalmente por úlcera pépticagastroduodenal, lesão aguda de mucosagastroduodenal, laceração aguda da transiçãoesôfago-gástrica (Mallory-Weiss), câncergástrico e esofagites. Causas mais raras deHDA estão relacionadas a lesões vasculares(angiodisplasias, fístula aorto-duodenal, lesãode Dieulafoy), pólipos, hemobilia, hemosucuspancreaticus19(D).

Embora cerca de 80% das HDA nãovaricosas cessem espontaneamente, a abordagemdiagnóstica necessita ser dinâmica e associada acuidados terapêuticos no sentido de preservar oequilíbrio hemodinâmico e a vida. A magnitudedo sangramento nem sempre está relacionada àetiologia, mas ligada principalmente à idade dopaciente, às comorbidades e ao uso prévio demedicamentos lesivos à mucosa ouanticoagulantes19(D).

REPOSIÇÃO VOLÊMICA

A intensidade da ressuscitação deve serproporcional à gravidade do sangramento. Apósa obtenção de dois acessos venosos calibrosos, areposição rápida de volume com cristaloides(solução fisiológica 0,9%) deve objetivar anormalização dos sinais vitais e dos parâmetros

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Algoritmo 1

Conduta na HDA varicosa

Suspeita de HDA varicosa

Drogas vasoativas(terlipressina, somatostatina ou octreotídeo)

Reposição volêmica, ATB

Estabilização hemodinâmica

Endoscopia diagnóstica e terapêutica

Sucesso na hemostasia Falha na hemostasia

Manutenção de drogas vasoativas (2 a 5 dias) Segunda endoscopia

Estabilização Ressangramento Sucesso Falha

Balão

Profilaxia secundária eletiva(medicamentosa, endoscópica ou cirúrgica)

TIPS oucirurgia

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hemodinâmicos do paciente. Aqueles cominstabilidade hemodinâmica devem serpreferencialmente monitorados em ambiente deterapia intensiva. A transfusão de concentradode hemácias tem como objetivo a manutençãodo hematócrito em torno de 30% em idosos,enquanto valores de 20% a 25% podem ser bemtolerados em indivíduos jovens e saudáveis,exceto em situações de instabilidadehemodinâmica ou sangramento persistente. Navigência de coagulopatias, pode-se utilizarplasma fresco congelado e/ou concentrado deplaquetas20(D).

TERAPIA ANTISSECRETORA

O emprego de inibidores de bomba protônica(IBP), em casos de HDA por úlcera, reduzsignificativamente as taxas de ressangramento,a necessidade de intervenção cirúrgica ou deretratamento endoscópico, quando comparadoa placebo ou bloqueadores H221(A). Além disso,reduções das taxas de mortalidade podem advirdo uso de IBP em pacientes de alto risco(sangramento ativo ou vaso visível não-sangranteà EDA)21(A).

As formulações venosas de IBP podem serministradas em bolus ou por infusão prolongadae, na eventual falta dessas formulações, autilização de doses dobradas de IBP (12/12horas) por via oral apresenta bons resultados.Nos pacientes que, à endoscopia, nãoapresentarem sangramento ativo, úlceras comvaso visível ou coágulo aderido (ou seja, baixorisco de ressangramento), o tratamento pode seriniciado com IBP por via oral21(A). Sugere-seque o omeprazol endovenoso seja utilizado nadose de 80 mg, endovenosa, em bolus, seguidoda infusão de 8 mg/h, por 72 horas, quandodeverá ser trocado para 20 mg por via oral (1x/

dia), por oito semanas. A suspensão damedicação após esse período estará nadependência da correção de fatores precipitantes,como H. pylori, anti-inflamatórios não-esteroides (AINE) e ácido acetilsalicílico(AAS)22(B)23(D).

A utilização de outras drogas, comosomatostatina ou octreotídeo, pode ser benéficapelos efeitos produzidos na redução do fluxoesplâncnico, inibição da secreção ácida e supostaação citoprotetora gástrica24(A). No entanto, emdecorrência do alto custo e da menordisponibilidade, o uso dessas drogas ficareservado às raras ocasiões em que a terapêuticaconvencional tenha sido ineficaz.

ENDOSCOPIA DIGESTIVA

O exame endoscópico é o método maissensível e específico no diagnóstico da HDA(acurácia de 92% a 95%) e deve ser realizadopreferencialmente nas primeiras 24 horas deinternação, já com o paciente hemodinami-camente estável. É conveniente que se façapreviamente a lavagem gástrica com 1000 a1500 ml de solução fisiológica 0,9%, a fim deaumentar a acurácia do exame25(D). Osobjetivos do exame endoscópico são: reconhecero ponto de sangramento, proceder à hemostasia,quando indicada, e reconhecer estigmas quepredigam ressangramento iminente. No caso dasúlceras pépticas, os seguintes achados sãorelevantes para estimar o risco de ressan-gramento: sangramento ativo em jato – 55% a90% de recorrência; sangramento tipoporejamento – 30%; vaso visível – 43%; coáguloaderido – 22%. A ausência destes estigmasidentifica um subgrupo de pacientes em que nãohá indicação de hemostasia endoscópica11(D).Em pacientes com sangramento ativo ou vaso

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visível não sangrante, a terapêutica endoscópicaé efetiva e reduz os riscos de ressangra-mento11(D). As úlceras com coágulo aderido nabase devem ser irrigadas, na tentativa de remoçãodo coágulo e tratamento adequado da lesãosubjacente11(D).

A terapêutica endoscópica depende do tipode lesão. Os métodos mais utilizados são ainjeção de substâncias esclerosantes com ointuito de provocar uma reação inflamatória e asubsequente hemostasia, térmico com o uso deeletrocoagulação ou de termocoagulação (heaterprobe), mecânico através de hemoclip, laseratravés de argônio ou Nd:YAG ou umacombinação dos métodos. Dados da literaturademonstram que a terapêutica endoscópicacombinada das úlceras gastroduodenaissangrantes reduz os índices de ressangramento,a necessidade de cirurgia e a mortalidade, quandocomparada à injeção de adrenalina isola-damente26,27(A), mas com resultados seme-lhantes ao uso isolado da terapêutica térmicaou mecânica28(A). Portanto, recomenda-se, nasúlceras gastroduodenais com alto-risco deressangramento, que a injeção de adrenalina sejacombinada a outra técnica de hemostasiaendoscópica, sendo preferida por muitos autoresa injeção de adrenalina seguida de termo-coagulação com heater probe.

Complicações do Tratamento e dosProcedimentos Diagnósticos

Complicações podem surgir antes, duranteou depois da endoscopia de urgência. Antes doexame podem ocorrer: aspiração (especialmenteem pacientes sedados, agitados, encefalopatas);hipoventilação (relacionada à sedação excessiva)e hipotensão (reposição volêmica inadequada,sedação com narcóticos).

Durante e após o exame, sobretudo quandohá necessidade de terapêutica, pode haveragravamento do sangramento ou perfuraçãogastroduodenal, motivo pelo qual devem ser pré-determinados limites para cada técnica a serutilizada – a utilização de mais de 30 ml deadrenalina 1/10.000, ou mais de 2 ml de álcoolabsoluto, ou aplicações repetidas das sondastérmicas, carreiam sérios riscos decomplicação29(B).

SANGRAMENTO REFRATÁRIO

Nos casos em que não se obtém a hemostasiacom as medidas clínicas, e após duas tentativasfrustradas de terapêutica endoscópica, recorre-se à angiografia terapêutica (injeção desubs tânc i a s va socons t r i to ra s ou embo-lização)20(D) ou ao tratamento cirúrgicode emergência30(C). A cirurgia também estái nd i c a d a qu ando o co r r e p e r f u r a ç ãogastroduodenal consequente à terapêuticaendoscópica. São situações extremas e de altorisco.

HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA20(D)

O espectro clínico de apresentação da HDBé amplo, variando desde episódios recorrentes epouco expressivos de hematoquezia atéhemorragias maciças e choque hemodinâmico.Na maior parte das vezes, o sangramento éautolimitado. A abordagem inicial dos casosgraves é direcionada para garantir a estabilidadehemodinâmica, dentro dos mesmos princípiosdo tratamento da HDA.

A definição do sítio de sangramento e otratamento específico são objetivos consequentes.A etiologia da HDB é variável segundo a faixaetária. Na criança, o divertículo de Meckel é a

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causa mais comum de sangramento, ao passo que,no adulto, a doença diverticular dos cólons, asangiodisplasias e as doenças proctológicas,sobretudo hemorroidárias, são mais relevantes.São também causas de HDB as neoplasias, ascolites isquêmicas e infecciosas, além das doençasinflamatórias intestinais. AINE podem produzirlesões de delgado e cólon, com consequenteHDB31(D). Fístulas aorto-entéricas, vasculites,intussussepção e enteropatia associada àhipertensão portal podem também causarHDB19(D).

DOENÇAS PROCTOLÓGICAS

Os sangramentos originários de doençahemorroidária são muito comuns, raramentevultosos e apresentam-se com características quepermitem sua suspeição – sangue rutilante,habitualmente de pequeno volume, nãomisturado às fezes, que goteja e tinge o vaso ouo papel higiênico20,32(D). Nestes casos, arealização de uma retossigmoidoscopia pode sersuficiente para afirmar a fonte do sangramentoe providenciar o tratamento local20(D).

DOENÇAS DO CÓLON

Se nenhuma doença orificial sangrante forestabelecida, a realização de uma colonoscopiaé recomendável para avaliação de possíveisdoenças do cólon e íleo terminal32,33(D).

A doença diverticular, apesar de predominarno cólon esquerdo, tem a maioria dossangramentos oriundos de divertículos situadosno cólon direito. A hemorragia é súbita,volumosa, habitualmente autolimitada, masprofusa em algumas ocasiões.

As angiodisplasias ocorrem, sobretudo, em

indivíduos com mais de 65 anos de idade epredominam no ceco e cólon ascendenteproximal. A hemorragia nesses casos tende aser recorrente, pouco volumosa, mas em até15% dos casos pode ser maciça20(D). Quandodetectadas pelo exame colonoscópico sãopassíveis de tratamento local – termocoagulaçãoou injeção de esclerosantes34(D).

A colonoscopia, com o acréscimo doestudo histológico, também permite diagnos-ticar lesões neoplásicas (pólipos e tumores),doenças inflamatórias intestinais (Crohn eretocolite ulcerativa), colites infecciosas ouamebianas e as colites isquêmicas20,32(D), cadaqual merecedora de seu tratamento específico.

DOENÇAS DO INTESTINO DELGADO

As hemorragias consequentes às lesões dointestino delgado, fora do raio de ação dosexames endoscópicos, são de difícil diagnósticoe responsáveis pela maioria dos casos dehemorragia de origem obscura. Predominam aslesões vasculares angiodisplásicas, seguidas dasneoplasias. Nestes casos, a realização dearteriografia mesentérica, exames cintilográficosou endoscopia intraoperatória podem sernecessários para esclarecimento diagnós-tico20(D). A utilização de tratamento hormonal– combinações de estrogênio e progestogênio –é proposta para os casos de angiodisplasiasmúltiplas35(C). Outra opção, a talidomida,detentora de potente ação inibidora daangiogênese, tem demonstrado resultadospromissores na profilaxia de sangramentosenterocólicos relacionados à angiodisplasiasmúltiplas e pode ser usada (100-300 mg ao dia,por via oral) em casos refratários, comcontraindicações ou sem resposta a outrasterapias36(D).

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CONDUTA NAS HEMORRAGIAS MACIÇAS

Nesses casos, as medidas de reposiçãovolêmica, correção da anemia e restauração doequilíbrio hemodinâmico são prioritárias. Oexame colonoscópico de urgência nem sempreconsegue detectar o ponto de sangramento, oque pode impossibilitar a hemostasia32,33(D).A experiência com o uso vasoconstritoresesplâncnicos – somatostatina ou octreotídeo –é limitada37(C), mas seu uso pode serrecomendado quando a hemorragia persiste ea perspectiva de tratamento cirúrgico éiminente. A realização de uma angiografia

mesentérica seletiva pode detectar o pontosangrante e permitir a embolização ou a injeçãolocal de vasoconstritores38(C). A cirurgia deurgência deve ser proposta quando não seconsegue cessar o sangramento, notadamentenos casos em que persiste a instabilidadehemodinâmica e há necessidade de mais dequatro unidades de hemotransfusão nasprimeiras 24 horas, ou de mais de 10 unidadesno total20,33,34(D). A laparotomia exploradorade emergência, quando complementada porendoscopia intraoperatória, pode orientarressecções mais precisas e menosmutilantes39(C).

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