Henri Michaux - Muito Bom

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  • 5/27/2018 Henri Michaux - Muito Bom

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    CARMEM LCIA DRUCIAK

    Tradu zi r o esperan to l r i co d e Henr i M ichau xUm p r o j et o d e t r a d u o

    Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Letras reade concentrao Estudos Literrios do Cursode Ps-Graduao em Letras do Setor deCinci as Hum anas Letras e Artes daUniversidade Federal do Paran.Orientador: Prof. Dr. Paulo Astor Soethe

    CURITIBA2004

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    U F P RUNIVERS IDADE F EDERAL DO P ARANS ETOR DE CINCIAS HUMANAS , LETRAS E ARTESC OOR D E N A O D O C U R SO D E PS GR A D U A O E M L E T R A S

    P A R E C E RDe fe sa de d i s se r t a o da me s t ra nda CARMEM LCIA

    D R U C I A K pa ra ob t e n o do t t u lo de Mestre em Letras.O s a b a i x o a s s i n a d o s P A U L O A S T O R S O E T H E , L CIAP E IX O T O C H E R E M e A D A L B E R T O M U L L E R J R . a rg i i i r a m , n e s t a d a t a , a c a n d i d a t a ,a qua l a p re se n tou a d i s se r t a o :" T R A D U Z I R O E S P E R A N T O L R I C O D E H E N R I M I C H A U X - U M

    P R O J E T O D E T R A D U O "P r o c e d i d a a a r g i o s e g u n d o o p r o t o c o l o a p r o v a d o p e l oCole g i a do do Curso , a Ba nc a de pa re c e r que a c a nd ida t a e s t a p t a a o t t u lod e M e s t r e e m L e t r a s , t e ndo me re c ido os c onc e i t o s a ba ixo :Banca Assinatura A p r o v a d oN o a p r o v a d o

    P a u lo As to r S oe theL c i a P e i x o t o C h e r e m ' - P Hi U l Q l ; o n ) U { U n M r t C - d . ^1Ada lbe r to Mul l e r J r . O p W V u / ^

    Cur i t i ba , 24 de ma r o de 2004 .

    > : {> fP r o f . 3 M a r i l e n e W e i n h a r d tC o o r d e n a d o r a

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    FPRUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANASETOR DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTESC O O R D E N A O D O C U R S O D E P S G R A D U A O E M L E T R A S

    Ata ducentsima qiiinquagsima quarta, referente sesso pblica de defesade dissertao para a obteno de ttulo de Mestre a que se submeteu a mestranda CarmemLcia Druciak. No dia vinte e quatro de maro de dois mil e quatro, s dezenove horas etrinta minutos, na sala 1020, 10 andar, no Edifcio Dom Pe dro I, do Seto r de CinciasHumanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paran, foram instalados os trabalhosda Banca Examinadora, constituda pelos seguintes Professores Doutores: Paulo AstorSoethe, Presidente, Lcia Peixoto Cherem e Adalberto MuIIer Jr. designados peloColegiado do Curso de Ps-Graduao em Letras, para a sesso pblica de defesa dedissertao intitulada "T RAD UZIR O ESPERANTO LRICO DE HENR I MICHAUX - UM PROJETODE TRADUO", apresentada por Carmem Lcia Druciak. A sesso teve incio com aapresentao oral da mestranda sobre o estudo desenvolvido. Logo aps o senhorpresidente dos trabalhos concedeu a palavra a cada um dos Examinadores para as suasargies. Em seguida, a candidata apresentou sua defesa. Na seqncia, o Professor PauloAstor Soethe retomou a palavra para as consideraes finais. Na continuao, a BancaExaminadora, reunida sigilosamente, decidiu pela aprovao da candidata, com distino,considerando o valor de seu trabalho enquanto contribuio aos estudos de poesia etraduo potica no atual contexto brasileiro. Em seguida, o Senhor Presidente declarouAPROVADA, a candidata, que recebeu o ttulo de Mestre em Letras, rea deconcentrao Estudos Literrios, devendo encaminhar Coordenao em at 60 dias averso final da dissertao. Encerrada a sesso, lavrou-se a presente ata, que vai assinadapela Banca Examinadora e pela Candidata. Feita em Curitiba, no dia vinte e quatro demaro de dois mil e quatro, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

    Dr. Paulo Astor Sethea ; ] / / VI k M U ^ o k j ^ ^ P ^ ir^ T - n . " -- /Dr. a Lcia Peixoto Cherem

    erto Muller Jr. A /Carmem Lcia Druciak

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    Dan s une for i, j'ai senil iplusieurs reprises quece n 'iail pas moi qui reg ardais la fort. J'ai senti,certains jours, que c taient ies arbres qui meregardaient, qui me parlaient... Mo i, j'tais l,coutant...Andr Marchand

    Se plaire sur le toit, c 'est peut-tre causede la cave. [...]Mme si c 'est vrai, c 'est faux.

    Henri Michaux, Tranches de savoir.

    Meu bem, usemos palmaras.Faamos mundos: idias.Deixemos o mundo aos outros,j que o querem gastar.Cantiga de Enganar - Car los Drammond de Andrade

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    "O meu corao ferve com umnobre tema, enquanto recito os meusversos ao rei; a minha lngua a pena deum destro escritor. " Salmo 45:1

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    A G R A D E C I M E N T O S

    Aos meus queridos amigos " 'bezallicos". que entenderam e apoiaram essetempo dedicado a Michaux.

    Aos amigos da rea. que compartilharam as descobertas de uma lngua que sedeixava apenas entrever.

    Gaby F. Kirsch, que me lanou o desafio de traduzir esse poeta belgamesm o sem saber e que depois me e ncora jou a cont inuar a delic iosa tarefa .A Lcia Cherem, que me apoiou e compreendeu a leitura singular da vida eda obra de Michaux, e que tambm um dia me ensinou essa lngua que hoje apreciosaborear.

    Ao Paulo A. Soethe, meu orientador, que me socorreu ao aceitar o meuemp reendimento, e que soube observar os defei tos e os mri tos de meu t rabalho.

    E enfim, minha faml ia que suportou os meus maus momentos, a minhafalta de tempo e que me acolheu sempre no momento certo: a vocs, pai e me, e avoc, minha amada irm, R.

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    S U M R I O

    A D V E R T N C I A I VRES UMO VRESUME VII N T R O D U O 1CAP TULO I - O O b j e t o 5

    Henri Michaux 51. Sua p oca 132. Qui je fus 1.73. O esperanto mich auxn iano 25

    CAPTULO II - A T eo ria 30O projeto de traduo 301. Su stent ao terica 331 .1 . Antoine Berm an 341.2. Henri M escho nnic 402. Para uma crt ica de trad u o l i terria 44

    CAPTULO III - O R es u lt ad o 50A realizao do projeto 501. Le Grand Com bat - O Gra nde Co mb ate 522. Glu et Gli - G lu e Gli 623 . M ariage - M atrimonio 674. Saou ls - B be dos 735 . Traduct ion - Traduo 79

    C O N C L U S O 8 6REF ERNCIAS 88LISTA DE AN EX OS 91A N E X O IOs dez outros poemas deOui je fus 92ANEXO I I "Algumas informaes sobre cinqenta e nove anos de existncia" 100

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    A D V E R T N C I A

    Ao longo do trabalho, sero citados trechos da obra de Henri Michauxpresentes nas Oeuvres Compltes da Gallimard, coleo Bibliothque de la Pliade,tom os 1 e II. Esses trechos sero ref erido s com as indica es OC I ou OC II,seguidas dos nmeros de pgina. Tambm sero assim referidas as obras, revistasou artigos aos quais se teve acesso somente por meio da edio das OeuvresCompltes.

    As obras de referncia como dic ionrios e gramticas sero c i tadas por seunome de trabalho, em itlico ou entre parnteses (ex.Aurlio, etc.).

    As demais c i taes seguem o padro convencional .Todas as c i taes cuja fonte est em l ngua estrangeira , bem como os textos

    que compem o corpo do t rabalho e seus anexos foram traduzidos pela autora destadissertao.

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    R E S U M O

    O primeiro livro do poeta belga Henri Michaux, Qui je fus, de 1927, no possuitraduo para o portugus. Como se trata de uma obra cujos poemas apresentampalavras inventadas pelo poeta, concluiu-se que a traduo deles, segundo umprojeto de t raduo c laramente formulado, muito contribuiria para a reflexo sobrea importncia social, potica e histrica do tradutor enquanto autor-criador detextos. Os pressupostos tericos de Antoine Berman e Henri Meschonnic deramsustento a muitas das escolhas aqui demonstradas. Com base principal nessesautores, foi elaborado um projeto de traduo que visou a trabalhar a l inguagem, oesperanto lrico de Michaux, a partir de uma posio tradutiva e um horizonte detraduo que permit issem a criao de uma out ta l inguagem, agora em portugusbrasileiro, privilegiando-se a criao potica como fruto de uma reflexo conscientedos limites de um texto. Dessa forma, neste trabalho, so apresentadas as traduesde cinco dos quinze poemas da seo ' 'Poemas'" de Qui je jus pai a demo nstrar, apartir do resultado dessa experincia, de que maneira um projeto de traduo podeser desenvolvido sobre a observao de aspectos tericos como, por exemplo, atraduo como produo de textos, a fidelidade e a transparncia do tradutor, astendncias deformadoras da t raduo, e ao mesmo tempo contribuir para uma cr t icade traduo li terria mais eficaz.

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    R E S U M E

    La premire oeuvre du pote beige Henri Michaux, Qui je fus, de 927. n'a pas detraduction en portugais brsilien. Comme il s 'agit d'une oeuvre dont les pomesprsentent des mots invents par le pote, on a conclu que leur traduction, selon unprojet de traduction clairement formul, contribuerait la rflexion sur l ' importancesociale, potique et historique du traducteur en tant que auteur-crateur de textes.Les penses de Antoine Berman et Henri Meschonnic ont soutenu beaucoup dechoix dmontrs dans ce travail . Ayant la base d'tude sur ces auteurs, on a laborun projet de traduction qui a vis travailler le langage, ' . 'esperanto lyrique deMichaux, partir d'un auft 'e langage, maintenant en portugais brsilien, enfavorisant la crat ion pot ique comme frui t d 'une rflexion consciente des l imitesd'un texte. Ainsi, dans ce travail , les traductions des cinc des quinze pomes de lasect ion "Pomes" de Oui je fits seront prsentes pour montrer, partir du rsultatde cette exprience, de quelle manire un projet de traduction peut tre dveloppsur l 'observat ion d 'aspects thoriques comme, par exemple , la t raduct ion commeproduction de textes, la fidlit et la transparence du traducteur, les tendencesdformantes de la traduction, et en mme temps contribuer une crit ique detraduction li t traire plus efficiente.

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    I N T R O D U O

    Num primeiro momento de leitura, talvez se possa considerar o texto dopoeta belga Henri Michaux (1899-1984) intraduzvel.

    claro que se trata de uma linguagem difcil , alis esse um trao comumna poesia. Mas. alm disso, trata-se de uma linguagem construda a partir depalavras criadas pelo autor: o esperanto lrico de Michaux, constti io deneologismos que se revelam semelhantes a palavras do lxico corrente da lnguafrancesa, ora por composio, ora por derivao, ou ainda semelhantes apenas peloaspecto font ico que apresentam.

    Partindo do pressuposto de que para traduzir algo inexistente na lngua deorigem necessrio criar na lngua de traduo, elaborou-se um projeto de traduoque desse conta disso.

    Assim, assumiram-se uma posio tradutiva, isto , explicitou-se o que seentende por traduo, e um horizonte de traduo, a saber os intrumentos que otradutor tem a sua disposio. Esses instrumentos, segundo Antoine Berman, umdos estudiosos contemplados neste t rabalho, so compostos pelo "conjunto deparmetros linguageiros, l i terrios, culturais e histricos que 'determinam' o sentir,o agir e o pens ar de um trad utor ," (Berm an, 1995, p. 79).

    Ento, foi a partir das dificuldades consideradas no esperanto lrico dostextos de Henri Michaux que o proje to de t raduo apresentado aqui tomou forma.E evidente que o posicionamento de um tradutor no deve variar sempre que esteest diante de um texto novo. Pelo contrrio, o que se pretende mostrar nesta

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    dissertao que se o tradutor consegue estabelecer um projeto, ele deve,anteriormente ter realizado uma reflexo sobre o que traduzir e quais so as basesnas quais esse projeto se firmar. Enfim, de maneira geral, acredita-se que otradutor deve conhecer e explorar os conceitos que vai usar ante novas dificuldades.

    Dessa forma, o primeiro captulo desta dissertao trata do objeto desseproje to de t raduo, ou seja , primeiramente Henri Michaux apresentado, de formabreve, no que tange a seus dados biogrficos, j que se trata de um poeta poucoestudado no Brasil . Para informaes mais detalhadas sobre a vida do poeta seguirem anexo a traduo de um texto de carter autobiogrfico publicado em 1957,"Algumas informaes sobre c inqenta e nove anos de existncia" . Num segundomomento, fala-se do contexto li terrio a que o autor pertence, bem como da tradiode poetas e escri tores que tambm manipularam a l inguagem pot ica , inventando edistorcendo palavras num jogo fascinante e desafiador.

    A isso segue uma breve apresentao da obra Oui je fus, publicada em Parispelas Edies Gallimard em 1927, sobretudo no que se refere seo "Poemas", emque esto os c inco poemas cujas t radues so estudadas neste t rabalho: "O GrandeCombate" , "Glu e Gli" , "Matrimnio" , "Bbedos" e "Traduo".

    A l t ima parte do primeiro cap tulo composta por uma breve anl ise doesperanto michauxniano. Ainda que essa caracterstica da escritura do poeta belgano tenha se limitado obra Qui je fus, cabe remarcar que nesses c inco poemasque h uma proporo mais ou menos concentrada da l inguagem forjada deMichaux, just i f icando-se assim a maioria dos exemplos apresentados ser dessestextos.

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    O segundo captulo, terico, traz a descrio do projeto de traduo realizadonos c inco poemas mencionados. Logo, compreende a explorao dos concei tos deposio ttadutiva e de horizonte de traduo, tendo por base o que o terico etradutor Antoine Berman afi rma sobre isso no volume Pour une critique destraductions: John Donne, (1995).

    Definidos ento esses conceitos e delineado o projeto de ttaduo, soapresentadas e comentadas as tendncias deformadoras de uma traduo,levantadas, ainda por Antoine Berman, no artigo "'La ttaduction et la lettre oul 'auberge du lointain", (1985) e que foram observadas no momento da ttaduo dospoemas de Oui je fus.

    Em seguida, est a contribuio de Henri Meschonnic. No vasto volume,Pour la Potique II, (1973), Meschonnic anal isa pressupostos tericos como, porexemplo, t ransparncia e f idel idade do t radutor; t raduo como produo de texto;inexistncia de uma oposio entre forma e sentido; trabalho nas cadeias designificantes e relao prosdica entre as estruturas do significante. Esses pontostambm foram importantes na execuo do proje to de t raduo.

    Fechando esse segundo cap tulo est uma breve colocao sobre o queAntoine Berman entende e prope por crt ica de traduo, viso que se buscouconfimar ao longo do t rabalho.

    O terceiro e ltimo captulo a realizao do projeto de traduo descrito nocaptulo II. O resultado dessa abordagem de traduo se apresenta com a exposiodo poema de Michaux ao lado da t raduo. Cada poema , em seguida, rapidamenteanal isado para , num segundo passo, ter sua t raduo expl ic i tada conforme o grau de

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    dificuldade prprio de cada texto, sendo que aqueles pontos tericos, estudadosanteriormente , vol tam paia just i f icar as decises tomadas no momento da t raduo.Algumas escolhas, no entanto, foram determinadas pelo que Antoine Bermanchama de "'traduzir com o interior'", ou seja, pode haver situaes em que a"intuio" do tradutor o leva para alm da teoria.

    Como a l inguagem inventada por Michaux possui implicaes f i losficas quetangem a existncia de um eu condicionado por essa mesma l inguagem, houvemomentos na traduo em que o eu do tradutor assumiu a sua prpria l inguagem.Essa a connibuio da voz do tradutor para o que se discute aqui como teoria datraduo, tambm no meio acadmico, uma prtica de antemo crt ica do fazertradutrio.

    Para que a seo "Poemas" se ja contemplada como um todo, os outros dezpoemas foram organizados numa apresentao bi l inge, original e t raduo lado alado, em um apnd ice ao f inal deste volume, sem quaisquer com entrios.

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    C A P T U L O iO O B J E T OAonde vai a poesia 0 Ela vaia nos render habitvel o inabitvel.respirvel o irrespirvel.Henr i Michaux, O futuro da poesia

    Obra e existencia esto ligadas.Antoine Berman

    Eu pinto para mostrar os ritmos davida e, se possivel, as vibraes doesprito.H e n r i M i c h a u x , Sobre minha pintura

    Henri MichauxEm 24 de maio de 1899 nasceu Henri Eugne Marie Ghislain Michaux, em

    Namur, Blgica. Era o segundo filho do casal Jeanne e Octave, membros da altasociedade belga da poca.

    Em sua longa vida de 85 anos, Henri Michaux foi escritor, poeta e artistaplstico, nunca abandonou as suas duas paixes, a l i teratura e a pintura, de que faloumuito em seus escritos.

    Michaux escolheu Paris para viver e se naturalizou francs em 1955. O poetamorreu em outubro de 1984, na cidade que o havia "acolhido" como artista e comohomem, j que por Namur Michaux nutria sent imentos que o faziam sent i r-serejeitado.

    M ichaux, at a sua juv en tud e, teve um a vida de priva es, nu nca de ordemfinanceira, mas familiar e fsica. Sofreu de taquicardia quando criana, fraqueza que

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    o acabou perseguindo pelo resto da vida. mesmo que apenas psicologicamente.Estudou em internato, fase lembrada com certo desgosto pelo artista, mas quepermitiu a ele desenvolver o interesse pelos estudos de Biologia (ornitologia,principalmente). Histria (Antiga, sobretudo no que se refere ao Egito e sia) etambm pela escrita chinesa, que o fascinou sempre. Essa curiosidade vai ressurgirem Michaux muitos anos mais tarde em ocasio de suas viagens pela sia retratadasem textos e quadros.

    O jov em Henri, por volta de 16 anos, passou p or uma fa se mstica, quis serum santo (carta a Bertel - OC 1, p. 996), mas impedido pelo pai no entrou nasonhada ordem Beneditina: "Ca do alto - muito desesperado quando perdi a fperto da idade de 20 anos."

    Quando completou os estudos necessrios para ingressar na UniversidadeLivre de Bruxelas, no pde faz-lo em razo da ocupao alem na Blgica quemanteve a instituio fechada por 2 anos. o que Michaux chama de "dois anos debricolagem intelectual". Passado esse perodo, no quis mais entrar para a faculdadede medicina, sendo considerado pelo pai um fracasso nos estudos de nvel superior.Foi ento que, revelia do pai, tornou-se marinheiro, alistando-se no servio militarobrigatrio em 1921. Contudo, foi reformado no ano seguinte por motivo de sade:a taquicardia "nervosa" , como ele mesmo definiu a doena em conversa com RobertBrechon (OC I, p. LXXX).

    As frias foradas do a ele o tempo necessrio e precioso para outrasleituras.

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    Michaux comea a escrever em 9 de maro de 1922. aps a leitura de OsCantos de Maldoror (1869) de Is idore Ducasse , o conde de Lautram ont (1846 -1870), "Maldoror. . . tout a c 'est de la posie", afirmou Michaux em carta de 16 demaro de 1923 a Franz Hellens, diretor da revista literria Le Disque vert deBruxelas, que publicou o primeiro texto do escritor "Cas de folie circulaire", eoutros mais at o ano de 1925.

    Esse texto inaugural traz claramente elementos de Os Cantos de Maldoror.Nele Michaux assume a postura de autor como se fosse o prprio Lautramont. Aescrita, repleta de pastiches e formulas presentes em Os Cantos de Maldoror, ostermos de geometria , o inventrio dos rgos humanos, o vocabulrio zoolgico, ostemas, tudo converge no que Michaux disse a Brechon: "Lau tram ont m e possuiu.Ao ponto de ter que me livrar dele. Ele no m e deixav a existir" (O C I, p. 1003). Noentanto, Michaux se afirmou, a ele mesmo como autor, sem deixar essamultiplicidade de vozes que reaparece sempre em sua obra, principalmente em Qui

    je fits. Descobriu-se, nascendo para a escrita, para si mesmo, duplo e vrios1, comoo Maldoror ou diferentes Michaux.

    Nessa poca, o editor Franz Hellens era a nica ligao de Michaux comParis, j que havia um escritrio de Le Disque vert na cidade. O amigo editorrelatou que Michaux ia v-lo com vrios livros debaixo do brao, "eram tratados depsicologia, psiquiatria, obras de pura tcnica industrial . Tudo o que no era

    ' Em Foucault. Gil les Dele uze afirm a. "Mas o dup lo nun ca um a proje o do interior, ao contr rio um ain tcr ion /ao do que es t fo ra . No um desdobramento do l im, uma redup l icao do Out ro . No tunarepet io do Mesmo, uma repet io do Di feren te . No a emanao de um EU, e a imanncia de umsempre ou t ro ou de um No-eu . Nunca um ou t ro que um dup lo , em uma redup l icao . sou eu que me vejocomo o duplo do outro: eu no me encontro no exterior, eu encontro o outro em mim" (apud. OC I. p . 1002).7

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    l i teratura parecia lhe fornecer bases slidas para lanar-se em um universo em quei

    l iteratura no mais que uma simp les pa lav ra" . 'Assim. Michaux iniciou na carreira l i terria com o apoio de Hellens. Aps

    breves interrupes - quando, obrigado pelo pai , ocupou vrios postos em pequenasescolas prximas a Bruxelas - Michaux publ icou em novembro de 1923, pela LeDisque vert, "Fables des Origines" e em dezembro "Les Ides phi losophiques deQui-je-fus", este ltimo um texto de ordem filosfica que mais tarde foi escolhidopara abrir a coletnea Oui je fus, sob o t tulo "Qui je fus" , hom nim o ao do volume.

    Em 1924, Michaux finalmente mudou-se para Paris , tendo como meio legalante autoridad es da im igrao a jus tific ativ a de colab orad or da revista. Na cidadeconhec e Jean Paulhan, diretor da revista na capital francesa , com quem partilhar ocargo j em o utubro do m esm o ano.

    No demorou muito at que crt icos leitores da revista l igassem Michaux aoSurreal ismo. Este porm mais do que prontamente respondeu com o texto"Surral isme", em que testemunhou ra ivosamente sua vontade de sedescompromissar de Andr Breton e do movimento com o qual no manteveligao significativa. Mesmo anos mais tarde, em abril de 1951, por ocasio daelaborao de uma antologia do Surreal ismo do professor Francis J . Carmody,Michaux se recusou a figurar como surrealista na obra e defendeu-se declarando:

    O surrealismo um grupo e um movimento do qual eu jamais participei. Nuncacolaborei, nem um pouco, com suas atividades, seus manifestos, suas revistas. Elesnunca me consideraram como um deles, nem m e citaram. Ns, tanto eles quanto eu,evitamos cuidadosamente estar reunidos, sem hostilidades no entanto (OC II, p.XXVI).

    : H E L L E N S . F ran z . U n balcon sur I 'Europe, Bruxelas: Ed. Labor. 192. p . 240. (apud OC I. p . LXXXI)8

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    No outono de 1925, Michaux comeou a pintar, aquarelas e nanquim. Haviaquebrado a barreira que a si mesmo impusera. Foram Paul Klee, Max Ernst e DeChirico que mostraram, attavs de sua arte. a possibilidade de criar uma novarealidade (possibilidade que a nova pintura do incio do sculo XX abrangia), desejosempre pulsante em Michaux, rendendo-lhe vrias exposies pelo mundo entre osanos de 1938 e 1983.

    Os primeiros textos publicados em Paris datam de 1926 tias revistas LesCahiers du Sud eCommerce, ej em abril do ano seguinte G aston G allimard pede aMichaux que assine o contrato de Qui je fus. Em maio desse ano sai o prim eirotexto publicado na Nouvelle Revue Franaise (NRF), "O Grande Combate" . Emagosto,Qui je fus aparece nas Edies da N RF na coleo "Um a obra , um retra to" .

    A partir de 29, a produo de Michaux se torna intensa. Somente nesse ano,publicou em sete revistas diferentes: La Revue Nouvelle, Nord, La Nouvelle RevueFranaise, Varits, La Revue Europenne, Comm erce e Bifur. E em julh o surge aobra Ecuador, prim eiro grande sucess o de crt ica: "o leitor volta dessa v iagemespantosa mais emocionado do que se e le mesmo a t ivesse fe i to, a cabea pesada deimpresses novas" 3 . Era o romance sob forma de dirio da viagem que Michauxempreendeu durante um ano, passando pelo Equador, em companhia do poetaequatoriano Alfredo Gangtena, pelo Panam, Cordi lheira dos Andes, Guadalupe,Peru e Brasil (Amazonas e Par). Apesar do xito, Michaux at ento no seconsiderava um escritor. A consagrao como tal veio apenas em 1935 com a obra

    3 B O F A . G u s . Le Crapuillot, outub ro de 1929. p . 11. (apud O C I. p . XC I). Vale assinala r que as cr t icasan ter io r ires hav iam s ido essencia lm ente negat ivas .9

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    Aa nuit remue, e mesmo desse livro Michaux dizia sentir raiva e vergonha (caita aPaulhan, ago. de 1935 - OC 1. p. C1I).

    Em 1936, numa das viagens Argentina, Michaux encontrou Jorge LuisBorges, que traduziu Un barbare en Asie de 33, publicado em espanhol em 41.Desse encontro o prprio Borges testemunha:

    Eu guardo a lembrana de um homem sorridente e sereno, muito lcido,facilmente irnico [...] Ele no professava nenhuma das supersties de suapoca. Ele desconfiava de Paris, das panelinhas literrias, do culto, entoobrigatoriamente de Pablo Picasso. Com a mesma imparcialidade, eledesconfiava da sabedoria oriental.

    E ainda:Quantos dilogos eu tive, [...] pelas ruas e cafs de Buenos Aires com HenriMichaux dos quais eu conservo somente a lembrana, como umairrecupervel msica intensa, de um durvel prazer.4

    Nos anos seguintes Michaux passou mais tempo via jando pela AmricaLatina do que em Paris ou Bruxelas, onde fazia parte do comit de redao darevista Hermes (1936-38). Mas no cessou sua produo, ao contrrio, enviavaconstantemente seus escritos a Paris, s Edies Gallimard, com que mantevecontratos at o fim de sua vida.

    O encanto com outros povos e l nguas sobreviveu verdadeiramente apenascom relao Asia (China, ndia, Japo, Singapura), rendendo a obra Un barbareen Asie, outro sucesso de crt ica; j sobre os povos latino-americanos o encanto foibastante efmero: o entusiasmo com a Argent ina , por exemplo, rendeu-lhe umpersona non grata por parte da imigrao, que anos mais tarde recusou-se a assinar opassaporte de Michaux para que ele pudesse se refugiar da guerra. claro que foi

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    escrevendo que o poeta a lcanou ta l "desempenho". Mas se os costumes do povono agradavam mais a Michaux, as paisagens tropicais ainda sim. pois h uma srievolumosa de desenhos, guaches e pinturas que retratam as suas impresses, emgeral bastante apaixonadas, sobre os lugares por que passou 3 .

    Alis, a partir de 37 que Michaux inicia suas exposies, sendo que aprimeira mais significativa foi em 38 na galeria Piene em Paris, cujo t tulo era "Umpoeta se transforma em pintor". Logo no ano seguinte, em junho, a Gallimardpublica o primeiro livro em que Michaux insere reprodues de suas pinturas comtextos sobre elas, Peintures. Nesse mesm o livro M ichaux colocou uma mini-biografia escrita por ele mesmo, "Qui i l est".

    Em 1941, uma conferncia de Andr Gide sobre Henri Michaux foicancelada em razo da Segunda Guerra . Ento, t ransformada em um curto ensaiopublicad o em um pequ eno livreto, aparec e sob o t tulo Dcouvrons Henri Michaux.E uma reviravolta na notoriedade do autor.

    Os anos que seguem so anos de ocupao a lem. E a segunda guerra da vidade Michaux e, como durante a primeira, seu direito de ir e vir cerceado. O poetapassou a depender de cartas de circulao temporria para voltar a Paris, ondeconseguiu permanecer graas a uma exposio organizada entre fevereiro e maio de1942.

    1 Citado por Jean Pierre Berns. Oeuvres Comp ltes. Bibl. de la Pl iade , t. 1. p. LX VI II; e L 'Heme. p.44. (In.OC I. p . CVI)~ Com o Brasi l no sucedeu de m odo difer ente . No entanto, o gove rno brasi leiro nu nca rec usou -lhe o vis to . Odesinteresse pelo hemisferio suJ e por sua gente est asperamente registrado nas cartas que escreveu a JeanPaulhan na poca : "Meu velho, a Europ a existe. A Europ a e a sia. O resto, besteira"", em 2 7 de outubr o de1939; " 'O brasi leiro vinte veze s mais insig nifica nte que o argen tino. In suportv el . Estou v oltand o. [ . .. ] Tenh ovontade de te rever, de saber que nem toda personalidade est morta '" (carta de 17 de nov. de 1939. OC I.p .CXIII).

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    Ainda nesse ano, Michaux conheceu Ren Bertei. Escritor e crt ico li terrio,Bertel tornou-se um grande amigo e confidente, e foi quem deu o nome de"esperanto lrico" l inguagem forjada de palavras inventadas de Michaux. Bertelescreveu, em 1946, o volume Henri Michaux da coleo "Poe tas de hoje " dasedies Seghers, obra que permaneceu como a base documental de toda a fortunacrtica do poeta, at que, em 1959, Robert Brechon lana Henri Michaux na coleo"A Biblioteca ideal" da Gallimard.

    Michaux produziu intensamente durante toda a sua vida, mesmo at poucosmeses antes de sua morte em outubro de 1984, sendo seu ltimo volume de maiodesse ano: Par des traits (Pelos traos), em que Michaux visa sonhada unio daescrita e do desenho: uma utopia do signo.

    Michaux expressou em toda a sua obra "um pessimismo metafs ico querevela a grande dificuldade do poeta em se relacionar com as coisas, com os seres econsigo mesmo. Michaux via ja por seu mundo nt imo e para fa lar dele busca ummodo natural ."6 assim que e le prprio just i f icou as vrias experincias que fezcom seu prprio corpo, jejuns e drogas, para escrever sobre o que conhecia,revelando a si mesmo e ao mundo seu espao interior.

    Henri Michaux nunca acei tou os prmios l i terrios que lhe foram atr ibudos(em 65, o Grande Prmio Nacional das Letras , concedido pelo Governo Francs; em82, o Prmio Feltrinelli , entre outros), bem como se mostrou muito resistente publ icao de suas obras completas pela Gal l imard, recusando-se a assinar ocontra to. Esses volumes s foram organizados postumamente . O primeiro tomo foi6 C H E R E M . L . Nicolau n. 45 setembro/outubro de 1992. p . 11.

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    publicado em 1998 e rene obras de 1922 at 1946, o segundo em 2001. com obrasde 1947 a 1959, e espera-se para os prximos anos um terceiro volume, que vaireunir o restante da produo de Michaux, dos anos 1960 a 1984.

    1. Sua pocaAps o armistcio de 1918, a dcada de 20 foi palco das inovaes li terrias a

    que os escri tores se viam como que "fa ta lmente impel idos" .Foi principalmente a l ingstica que pesou sobre a escrita l i terria. A poesia

    era ento um campo novo para experimentos com a sintaxe e a palavra. A noo demensagem, informao, desaparece: o leitor assim convidado a construir o sentidoa seu prprio modo.

    O escritor do incio do sculo XX sabia que outros existiram antes dele. Ealguns chegaram a considerar a idia de que tudo j havia sido dito, no havendonada de novo. Alis , o e lemento "novo" seria exatamente t rabalhar o nada.

    O "Espri to Novo", manifesto da arte moderna de Guil laume Apoll inaire(1880-1918), j havia assinalado a necessidade de novos temas na li teratura dojovem sculo: a cidade, a eletricidade, o avio, a torre Eiffel, em poemas que muitasvezes j por suas form as descreviam o tema.

    il mon i l ilp l eu t c o e u r p l eu t p l eu tlen s e la e tt e f e n d p o r m o im e n t en t e j ep leure

    ( t r e c h o d e " P o m e E p i s t o l a i r e " , A p o l l i n a i r e )

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    As terras inexploradas na li teratura atraam os primeiros aventureiros:reivindicava-se o direito de inventar uma lngua potica prpria. E o criador queriaromper com uma concepo moralista da obra, paia deixar l ivre sua imaginaooriginal. Ento, ele poderia ttasformar o real ao grado de suas vises, no caso doSurrealismo, ou tambm ma nipula r as tcnicas narrativ as e jog ar com a linguag em.Raymond Queneau (1903-1976) um exemplo desse novo perfi l l i terrio. Eletomava a escrita como um jogo combinatorio, cheio de pastiches, de humor, demanipulaes lexicais, e desconstrua com um aparato de signos e de estilos.Queneau zomb ava da ortografia e da "bela l inguag em " l i terria .7

    Com o Manifesto surrealista, 1924, de Andr Breton, as novas possibilidadesde criao li terria ganharam uma forma. No seu manifesto, Breton assinala ocarter de automatismo psquico, a ausncia de qualquer controle exercido pelarazo, bem como de qualquer preocupao est t ica ou moral . Breton afi rmava a indaque uma alucinao era bem mais interessante que um raciocnio.

    E nesse contexto que Henri Michaux comea a escrever. Assim que sejustificam as leituras de Lautramont e as suas idas ao escritrio de Franz Hellenscom obras de psicologia, psiquiatria, tcnica industrial debaixo do brao. Michauxcomeava a explorar os novos terrenos da li teratura. E o primeiro alvo a ser abatidoera a "bela linguagem".

    Sobre seus companheiros, " rebeldes da palavra" , Michaux comenta , e seauto-refere:

    D A R C O S , X . Histoire de la Littrature Franaise. Paris : Hac hette. 1992. p .362 -405.14

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    Outras pesquisas poticas se ocuparam da lngua. Parecia que esses autoresacusavam a lngua de ser um veculo ruim para a poesia e para acomplexidade do mundo interior.Joyce, Fargue, Pret, Michaux, Eugne Jolas, e o grupo franco-americanodito de rebelio contra a palavra.James Joyce, de longe o autor mais abundante. Ele inventou milhares depalavras, ou melhor ele as comps, palavras de professor e de lingista. Oirlands, o francs, o ingls, o latim, o alemo, foram usados para esse fim.A riqueza, as nuances, a cor, e at mesmo o valor dessa lngua composta sotais que os professores de lingstica e de filologia sofreram estudando-adurante trs anos e compondo um dicionrio explicativo e etimolgico. (OCI, p. 976)

    evidente que Michaux, nessa conferncia int i tulada "Recherche dans laposia contemporaine" , se refere principalmente ao Finnegans Wake de JamesJoyce (1882-1941), que teve seus primeiros frechos publicados na revista francesaTransition, ainda na dcada de 20, provavelmente entre os anos de 27 e 29, sendopublicado na ntegra somente em 1939.Yes, you're changing, sonhusband, and you're Sim, voc est mudando, filhesposo, est seturning,1 can feel you, for a daughterwife from voltando, posso senti-lo, para umafilhespos dasthe hills again. Imlamaya. And she is coming, montanhas de novo. Imlamaya. Ei-la que vem.Swimming in my hindmoist. Nadando em meu nebulonge.

    (traduo de Augusto e Haroldo de Campos,(Trecho deFinnegans Wake) fragmento 16, inPanorama de Finegans Wake)

    Alm de Joyce, pode-se citar como rebelde da palavra o poeta norte-americano Edward East l in Cummings (1894-1962), e . e . cummings, como assinava.Era um dos aventureiros da nova l inguagem pot ica da qual era adepto Michaux. verdade que em e . e . cummings encontram-se duas vertentes: "poemas em que oautor mantm um aspecto formal mais tradicional, em que respeita o fluxo lineardos signos, e poemas em que a sintaxe j ostensivamente visual, nascendo de uma

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    como que sinestesia t ipogrfica" (Campos. 1986, p. 133). O poema a seguirexemplifica a segunda vertente:

    t h e sky w a scan dy lum i n o u s e d i b l es p ray p i n k s s h yl e m o n sg re en s co o 1 ch o co l a t es .

    un der ,a loc om ot ive s po u t ing vio

    le t s( T h e s k y w a s , e . e . c u m m i n g s , i nXLI POEMS, 1 9 2 5 )

    ceu eraauc ar lum i n o s o c o m e s t v e lv i v o s c r a v o s t m i d o sl i m e sv e rd es f r i o s ch o co l a t es .

    so b,uma loc om o t iva c usp in d o viole tas( t r a d u o d e A u g u s t o d e C a m p o s , i ne. e. cummings 40 POEMfAJS, 1986)

    Pode-se dizer que a revista Transition, de Eugne Jolas, prestou-sejustamente "Revoluo da palavra" , publ icando tanto os surreal is tas quanto osexpressionistas alemes, alm de Gertrud Stein, Samuel Beckett , Dylan Thomas.Foi nela que Michaux publ icou "O Grande Combate" em 1929, dois anos depois det-lo feito na Nouve lle Revue Franaise.

    C o m o Transition se dedicou basicam ente utopia de um tra tamentopuramente materia l da l inguagem desl igada da dimenso psicolgica e natural is ta ,foi natural que outros textos de Michaux que apresentavam o esperanto lrico

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    fossem publicados nesse peridico, como " 'Rencontre dans la fort" e " 'Dimanche la campagne".

    No presente trabalho, no entanto, a pesquisa sobre o esperanto lrico deMichaux se concentra em seu primeiro livro, Oui je fus, sobre o qual seguemalgumas informaes.

    2. Qui je fusPrimeiro livro de Michaux publicado por um grande editor. Qui je fus,

    aparece em agosto de 1927 nas edies da Nouvelle Revue Franaise na coleo"Uma obra , um retra to" , cujo objet ivo era incent ivar jovens autores a travs de umcontrato que previa a incluso de seus escritos nas colees normais da revista.Alm de Michaux, outros escritores, entre eles Louis Aragon e Paul luard,comearam dessa forma suas carre iras .

    Composto de 10 sees, Qui je fits rene textos publ icados em sua maioriaem revistas entre os anos de 1923 e 1927. Eram inditos at a ocasio os textos"Adeus a uma cidade e a uma mulher" e "Filho de infeliz", e 13 dentre os 15poemas da seo "Poemas" . Michaux nunca permit iu a reedio desse l ivro; h ,porm, a lguns textos que quase 20 anos mais tarde foram escolhidos para compor aantologia L 'espace du dedans, de 1944, tambm pela Gallimard.

    Trs gneros ou campos esto nomeadamente contidos em Oui je fus, por umamistura de ironia e de objetividade: o romance, a filosofa, a poesia. Mascompreende-se que ao mesmo tempo para alm dos gneros ainda que graas aeles e atravs deles que se efetua o trabalho de transmutao de uma escritura procura de seu "Grande Segredo".8 (OC I, p. 1050-51)s E o fim do poema "O Grande Combate " .

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    A primeira seo da obra composta por um nico texto publicadoanteriormente em 1923 na revista Le Disque ver sob o ttulo "Les Idesphi losophiques de Qui-je-fus" e que com algumas modificaes, incluindo o t tulo,deu nome obra.

    Trata-se de um texto intiigante em que quatro personagens dialogam sobretemas variados, tendo por eixo comum o desejo de que suas idias sejampublicadas. At esse ponto, nada de especial, mas ao mencionar que os personagensso na verdade um s, o dilogo se toma interessante.

    A conversa acontece entre uin "eu" do presente e trs outros do passado, osQuem-eu-fui: o prim eiro, materialista, o segun do, reden torista e o terceiro, ctico.Todos os tis tentam convencer o "eu" do presente a escrever o que dizem, o quepensam, e a efuso de idias tamanha que o Eu-que-sou no conse gue se libertarda f i losofa inerente a s i mesmo, no compondo o romance a que se havia propostoescrever. Raymond Bel lour define bem o que acaba acontecendo com o "eu":

    Os trs comparsas que habitam o "eu", obrigando-o sucessivamente a registrardivagaes que este corrige para dar-lhes uma forma aceitvel, so apresentadoscomo vozes j antigas nele. Mas pela encenao adotada, no presente que essasvozes falam e escrevem atravs dele, e que o texto de modo fictcio se compe. Opassado dos trs filsofos e o presente sem realidade verdadeira do "Eu-que-sou",esses dois tempos virtuais, se aliam neste outro presente j fu turo em que se escreveo que no um romance nem filosofia, mas uma forma imprevista de ficoreflexiva. (OC 1, p. 1054)

    Alis , Michaux queria escrever prosa , um romance, mas Qui je fus se tornaento o primeiro l ivro que desfaz o romance, lanando mo de confisso e deautobiografia . "Qui je fus ressoa co m o um corte e um trao de ironia" (OC I, p.

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    1046). E como o prprio poeta afirma: "A gente tem o desejo de escrever umromance, e escreve filosofia. No se est s em sua pele"' (OC 1, p. 79).

    Michaux se proclama pstumo j em sua primeira grande obra , fazendo umaretrospectiva de sua prpria histria e uma reflexo sobre sua identidade. O Quem-eu-fui materialism discursa sobre a imp ortncia fund am enta l da mo, da qual.segundo ele, o homem, a indstria e a l inguagem surgiram. Pode-se afirmar queessa fase corresponde adolescncia do poeta, poca em que conheceu as teorias deEmst Haeckel, naturalista e zoologista alemo que defendia o darwinismo e tesestransformistas da origem do homem, bem como o materia l ismo cient f ico (OC I, p.1058), da a referncia que o prprio Michaux faz do cientista em seu texto. Oredentorista faz um paralelo entre a alma e o pen sam ento : so imortais, m ashabituados demais ao corpo e seus limites. E a aluso vida dos santos e suasuposta capacidade de "1er dentro dos pensamentos" explicaria, de certa forma, odesejo de Michaux, aos 15 anos, de querer ingressar na ordem beneditina e "buscarver os obje tos a lm dos olhos e ouvir os pensamentos a lm das palavras" (OC I, p76). Ao que tudo indica, um impulso metafsico nascia no artista, resultado daliteratura vanguardista da poca.

    O l t imo Ouem-eu-fui, o clico, parece representar o vis do "eu" maispredominante. E esse terceiro "eu" que lana definies sobre a l i teratura e sobre oespri to do homem de maneira bastante comum em toda a obra de Michaux 9.

    J "Mesmo enquan to voc pensa , seu p rpr io pensamento o r ig inai j se modi f icou , logo . voc es t ment indo .[. . . ] A l i teratura uma criana que, perseguindo uma borboleta de uma terceira pessoa, gostaria de. por seusprprios zigue-zagues. representar o percurso da borboleta."" (OC I. p . 77. 78)19

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    Os trs Quem-eu-fui, apesar das idias distintas, tm em com um a insitnciaem querer que o "eu" escreva, querem que suas opinies sejam conhecidas. Essassucessivas solicitaes acabam por desviar o "eu" de seu objetivo principal, seuromance. O interessante que Michaux realmente buscava escrever um romance napoca, e em diversos encontros e correspondncias afirma tal intento. "Eu entocomecei a prosa sem parar. Prosa Marcel Proust. Dia 9 e dia 15 noite possuo 50pginas. Em agosto terei 500. do estilo romance" (carta a Hellens de 16 de marode 1923, OC I, p. 1045).

    O que se sabe, no entanto, que Michaux no publ icou nenhum romancedurante toda a sua vida. Suas produes em prosa giraram apenas em torno decontos (Plume), dirios de viagem (E cu ad or , Un barbare en Asie) e, sempre, apoesia, ao gosto das pinceladas de "fico reflexiva".

    Se no a lmejava a nenhuma forma original , oposta s produes vigentes ,Michaux buscou, por outro lado, a novidade dentro de s i , fazendo experinciasconsigo mesmo: escrevia aps vrios dias sem dormir, quando estava doente e oprprio uso da mescalina, anos mais tarde, rendeu-lhe as obras Misrable miracle eL 'infini turbulent, por exemplo, alm de muitas telas. A propsito, a pintura e odesenho susci taram nele um olhar diferente que despertou outras possibi l idades de"viagens em si mesmo".

    As outras sees deQui je fits podem ser resumidas da seguinte maneira ."Enigmas" , a segunda seo, dedicada a Jules Supervie l le , composta por

    diversos pargrafos ou pequenos textos que t ra tam de idias sobre a moral , sob

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    forma de charadas e evocaes do que o prprio autor poderia ser: "J 'tais lamimique" , "J ' ta is un foetus" .

    "Partilhas do homem", a terceira seo, rene diversas narrativas bastantebreves, ora biogrficas, ora invenes de si em que no h limites para afragmentao: "Eu caio do campo na cidade, caio da escola num escritrio, de umescritrio sobre um navio a vapor que vai direto ao Rio, caio de um emprego sobreum outro e eu caio dos meus 19 anos sobre meus 20 e, enfim, estou sempre pronto acair de uma varanda".

    "Cidades movedias" , a quarta seo, uma narra t iva em primeira pessoaque t ra ta de uma transformao da "real idade admit ida" , segundo Bel lour, poisvrias cidades figuram como seres que mudam de lugar: "Uma cidade que vaiembora sem motivo pode i r longe, pense nisso, muito longe."

    "Pregaes" e "Princpios de criana" const i tuem respect ivamente a quinta esexta sees, sob forma de mximas ou aforismos sobre temas variados: "Quandoum homem se mete em alexandrinos tem muito t rabalho para entrar no c ivi l" , "Umtubo de borboletas no pesa nada, a menos que as borboletas este jam dormindo; opai diz que elas pesam lkg, mas ele nunca olha as borboletas".

    A seo seguinte , "Adeus a uma cidade e uma mulher" , um poema l r icoem versos l ivres em que o "eu" revela a fraqueza do "homem de coraodesfalecido" e seus desejos de seduo: "Horizonte largo de pntano calmo/ onde ospatos tambm se mantm a grande distncia/ tomara que eu possa te levar intactoentre as quatro paredes de meu quarto/ e te colocar sobre a lareira onde ainda no hnada".

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    Tambm considerado um poema, mais precisamente uma ode ou cantoproftico, a oitava seo, "A poca dos iluminados", fundada sobre a clera: "[. . . ]e a vida preciosa para quem j perdeu 26 anos dela, e os cabelos caemrapidam ente de um a cabea que se obstina. [.. .] En fim En fim M as que issotermine logo. Eu digo isso para seu bem, um iluminado no pode durar muitotempo. Um i luminado come a s i mesmo a medula ." Ao mesmo tempo que Michauxse considera um dos iluminados, sabe, ou acredita, que tudo uma iluso, porque o"Passado chega e t ransforma tudo."

    Os comentrios nona seo de Oui je fus encerraro o presente item, porconstiturem o objeto deste trabalho e merecerem ateno especial. Assim, a dcimae ltima seo de Qui je fus "Filh o de infeliz", de difcil classifica o, estprxima de um a "fa lsa-n arra t iva-ro m ance" (O C I, p. 1050), um f ragm ento ou inciode romance em primeira pessoa em que Michaux conta a his tria de um Rei cujopovo foi embora, e numa segunda parte bem distinta, a trajetria da famlia dosChahux, considerados os " infel izes" , no sent ido de desgraados, desprovidos denimo. Na narrativa, a famlia seria comum se no fosse pelo fato de lhes nascer umterceiro filho, acontecimento indito para um "infeliz", Jean-Franois Chahux queat poderia deixar de ser um "infeliz" se falasse: "Ento a idade de dizer 'mame' ,ou 'pai ' . Voc pode dizer 'manu, ranu, nanu' , voc tem muita lati tude, apesar dissoum glo de tosse e de sufocao pela obstruo da traquia [. . . ], e aqui comea oromance de Jean-Franois Chahux. 1924-1927". assim que termina a narra t iva , emais uma vez a tenta t iva do romance num texto metal ingst ico e autobiogrfico, seconsiderarmos o nome Chahux como uma deformao de Michaux, representando a

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    sua dificuldade pessoal em ser, em se afumar como escri tor-romancista enne osanos de 1924 e 27. A tentativa se torna mais evidente pela presena de neologismos,o esperanto lrico 10 de Michaux, 'manou, ranou, nanu\ como exemplo de umalinguagem infantil que mistura nanan (guloseima), nounou (ama de leite) e maman(mame), apenas o balbuci de um proje to de romance, l inhas autofgicas: ogl o deum engasgo criador1 1.

    "Poemas", a nona seo e objeto deste trabalho, nica de t tulo genrico, naverdade mistura gneros. So 15 poemas em versos livres e brancos que lembram,em sua maioria, os poemas em prosa de Baudelaire, sendo que alguns tendem mais prosa que poesia ("Ex am inateur-m idi" , "Co nte du d i t") .

    Segundo a anl ise de Raymond Bel lour e Ys Tran, organizadores da Ediodas Obras Completas, Pl iade, possvel dis t inguir quatro grand es mod os cujoentre laamento permite compreender tanto a variedade como a unicidade dainveno de Michaux no que concerne mistura de gneros e de l inguagens emtoda a obra. So eles: 1) narrativo - m od o do inciden te e do fato; 2) dedutivo -modo do encadeamento lgico e da argumentao; 3) descri t ivo ou evocat ivo -modo da viso, da impresso, da qualificao; e 4) invocativo - modo presente naseo "Poemas".

    O modo invocat ivo possui 3 e ixos em que se percebe mais dire tamente umavoz. O primeiro mostra a flexibilizao e a reduo das normas sintticas emproveito dos efeitos de montagem, de elipse, de justaposio. O segundo eixo tratado ritmo que busca o verso e a l iberdade de uma prosdia que opera sobre a prosa," ' BERTEL. R. Henri Michaux par Ren Bertel. Paris : Pierre Scghers . 1973. p . 12.

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    ou sobre o trabalho mais verbal da aliterao e da repetio. O terceiro eixo seafirma sobre a palavra, torneando a inveno de uma lngua, ou melhor, de umalinguagem, como por extenso da fora do ritmo, por associao, derivao emartelamento (OC I, p. 1051).

    Nos quinze poemas da seo "Poemas" , em que de fa to so profusos osrecursos prprios a esses e ixos do assim chamado modo invocat ivo na poesia deMichaux, pode-se ver de forma clara a articulao da lngua to estranha eestrangeira, mas natural e fluente na obra do poeta belga. Jean Cassou, um doscrticos da poca, assinalou bem essa singularidade:

    Estamos na presena de um esprito novo, intrpido, no qu e diz respeito igualdadedas coisas e ao uso de uma lngua simples, limpa, natural, to natural que reproduzo tom de uma conversa metlica, de zombaria, em que entra s vezes alguma pitadade sotaque belga. (Les Nouvelles littraires, no. 299, 07/07/1928, p. 4 - OC I,p. 1052)A mesma natural idade dos primeiros textos de Michaux manteve-se em

    outros tantos ao longo de sua produo. Pode-se afirmar, alm disso, que sobretudonos textos de pretenses autobiogrficas seu desprendimento de uma l ngua l i terriase fez mais marcante. E o caso de preuves et Exorcismes de 1945, LointainIntrieur de 38, La nuit remue de 35, em que muitas vezes a voz autorial parecerelatar fatos e impresses de sua prpria vida.

    M A V I ET u t ' en v as s an s m o i , m a v i e .T u ro u l e s ,E t m o i j ' a t t e n d s e n c o r e d e f a i r e u n p a s .T u p o r t e s a i l l eu r s l a b a t a i l l e .T u m e d s e r t e s a i n s i .J e n e t ' a i j a m a i s s u i v i e .

    11g to aparece em um poema fundamenta l para compreender a l inguagem cr iada por Michaux . "Glu e G l i" .24

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    J e n e VOLSp a s c l a i r d an s t e s o f f r e s .L e p e t i t p e u q u e j e v e u x , j a m a i s t u n e l ' a p p o r t e s . c a u s e d e c e m a n q u e , j ' a s p i r e t a n t .A t an t d e ch o s es , p re s q u e l ' i n f i n i . . . c a u s e d e c e p e u q u i m a n q u e , q u e j a m a i s t u n ' a p p o r t e s .

    1932(La nuii remue)

    3. O esperanto michauxniai ioSe realmente se pode dizer que Michaux, como alguns de seus

    contemporneos, pre tendeu distanciar-se da "bela l inguagem" l i terria , o esperantomichauxniano figura como uma marca, ta lvez a principal caracters t ica dessedistanciamento.

    Pode-se considerar trs facetas do esperanto lrico de Michaux.A primeira o carter de exorcismo que essa linguagem lhe dava, "o poder

    das palavras se d no apenas exorcizando as foras inimigas do homem, mastambm fazendo existir aquilo que no existiria sem elas" (Bertel, 1973, p. 71).Com sua nova lngua, Michaux no s se libertou de uma turbulncia interior comotambm deu origem a novas modal idades de narrar , por exemplo, a origem domundo e das coisas .1 2

    Uma segunda face desse esperanto pecul iar a destruio da l inguagempotica convencional, o francs li terrio. Trata-se principalmente de reduzir alinguagem "ao absurdo - essa linguagem impotente em dizer o indizvel dasensao, da imaginao ou do pensamento. Atravs da destruio da l inguagem se

    Sobre o tema conferir o texto " 'Fable des origines", de 1923.25

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    consuma uma outra desnuio: a das coisas que eia representa" (Bertel. 1973,P14).

    A terceira e ltima face da imaginao verbal do poeta aquela que oaproxima de Carlitos: o desejo de uma lngua "imediata, simples, mmica, umalngua da narrativa e do corpo procurando sua chance de ser de todos e de cada ura"(OC 1, p 1011).

    A base dessas trs faces , na verdade uma s: "a l inguagem de um combateenft-e vida e morte, aceitar comer ou no, falar ou no, depois 1er e escrever, eencontrar cada vez o teatro inteiro do drama do corpo, do acesso doloroso que todaalterdade abre tanto sensao como ao pensamento" (OC I, p. 1158). A figura docombate, alis, estar sempre presente em Michaux, desde sua infncia, em que trsl nguas disputavam nele a expresso: o f lamengo, o francs e o la t im. E tambmmais tarde, quando pintor, em que vrias telas representam cenas de combates.

    Sobre o processo de criao do esperanto lrico pode-se dizer que teve seuslimites. So ou emprstimos pontuais de outras l nguas e l inguagens, criao depalavras isoladas por derivao (dfaisse , houlons, emmargine) e composio(momemil le , loupedieu, rachte-moi-tout-cru), ou o esperanto l r ico puro ( lesmahahaborras , l ibucque). Mas so sempre palavras com "segmentos adic ionais ,l imitadas s partes do discurso cujo inventrio aberto: substantivos, adjetivos,verbos" 1 3 . Se os radicais das palavras inventadas no pertencem ao francs, ou aalguma outra l ngua, seus elementos de derivao so regulares, o nvel morfolgicono tocado, no mais do que a sintaxe (com certas excees, que no sero13 GUEUNIER. N . "La Crat ion lex ica le chez Henr i Michaux" , p . 85 . apud OC I . p . 1160 .

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    comentadas neste momento). O esperanto lrico mostra sobretudo uma infinitaflexibilidade, apar ecen do e desap arecen do, se afirm and o por interrup es eencadeamentos sbi tos, cedendo l inguagem mais comum - isso no movimento deum poema ou curta narra t iva , em passagens orientadas antes de tudo por um desviode sentido. Nesse ponto, talvez, a l inguagem de Michaux se aparente com a tradiodo "nonsense", vista em Lewis Carrol, por exemplo, que visa a desligar o sentido, ainduzir e a multiplicar os sentidos em face da rigidez de todo sentido. Mas essesefei tos do "nonsense" em Michaux nunca chegam a representar uma busca deequilbrio medida entre ordem e desordem, e sim uma busca singular do GrandeSegredo, como em "O Grande Combate" .

    Segundo Raymond Bel lour, em cometrios sobre o texto "Rencontre dans lafort" , o esperanto l r ico de Michaux pode ser comparado tambm l inguagemzauom dos futuristas russos, em que a palavra autnoma e gera a possibilidade de"unidade das l inguagens do mundo em geral , unidade fundada sobre as unidades doalfabeto" (OC I, p. 1160). Os futuris tas russos buscavam, na verdade, uma l ngua,na sua utopia futurista, universal; nesse ponto que a l inguagem de Michaux difere,pois como extravazava o seu tormento interior, o esperanto lrico buscava ser mais alinguagem de um s.14

    u Embora se ja po tencia lmente a l inguagem de um s . o esperan to michauxn iano no deixa de sersignificat ivo para todos, portanto universal na sua concretude individual . Nesse ponto, a l inguagem criadapor Michaux a t inge o que Wi t tgens te in af i rma sobre a l inguagem do "eu do so l ips i smo" . que "se reduz a umponto sem ex tenso e res ta a rea l idade condenada a e le" . (Trac ta tus Log ico-ph i losoph icus , 5 .64) . Numprimeiro momento, o fi lsofo austraco considera o eu como nica real idade do mundo, e isso s pode "semos t rar" na l inguagem: num segundo momento , em sua fase ta rd ia . Wi t tgens te in concebe esse "mos t rar -se"com o par te de jogos d e l inguagem que, quando descr i tos , mos t ram o que uma in teno de sen t ido . So asexpresses in tencionais agora no mais como s imples represen tao ou descr io de es tados de co isas , e s imcomo uma l inguagem par t icu lar , concre ta e s ign i f ica t iva . Sobre a ques to , ver APEL. 2000 . p. 37-48; 82-83.

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    Demain ne l 'aurai plus, mon anue Banjo.Banjo,Banjo,Bibolabange la bange aussi,Bi labonne plus douce encore .Banjo,Banjo,Banjo reste toute seule, banjelette,Ma Banjeby. (Am ours)

    Le manage rape a ri et ripe a ra.Enfin il l 'corcobalisse.L 'autre hs i te , s 'espudr ine , se dfa isse , se torseet se ruuie.C'en sera bientt fini de lui;(Le Grand Combat)

    O esperanto opera tambm como " 'mmica" dos temas dos textos,representando muitas vezes a ao descrita nos poemas. E isso, na lngua cujamatria e forma tentam dar ao caos a imagem mais prxima possvel do sentido,sentido fechado sobre ele mesmo nas palavras. Essas palavras, vocbulosi luminados de esperanto, buscam tocar sent idos mlt iplos, ambguos, dando atravsde suas pulsaes fonticas e r tmicas a realidade ou ao menos a idia da passagemdas sensaes. o que ocorre em "R encon tre dan s la fort" , nico texto de M ichauxque descreve claramente um ato sexual, no caso, um estupro.

    [ ]a le soursouille, a le salave,a le prend partout, en bas, en haut, en han, en hahan.Il ptemine. Il n'en peut plusDonc, il s'approche en subcul,1'arrape et, par violence et par terreur la renversesur les feuilles sales et froides de la fort silencieuse.Il la djupe; puis l'aise il la troulache,la ziliche, la bourb ouse et l'arronvess e,(lui gridote sa trilite, la dilche).[...]

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    As sries de textos que apresentam pores do esperanto lrico cessaram em1950 com "Tranches de savoir", na obra Face aux verrous, perfazendo um tota l de20 textos.

    Para fundamentar a t raduo e comentrios dos c inco poemas escolhidos deQui je fus, apresentados em detalhes no captulo III. segue agora, no captulo II, umestudo sobre a teoria de base desta pesquisa e do projeto de traduo oraconcret izado. Os outros dez poemas da seo "Poemas" integram um dos Anexos aeste trabalho.

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    C A P T U L O I IA T E O R I ANosso oficio de Tradutor e uma relaontima e constante com a vida, uma vida que nonos contentamos em absorver e ass imilar comofazemos na leitura, mas que possumos a ponto deatra-la para fora de si mesma a fim de a revestirpouco a pouco, clula por clula, com uni novocorpo que a obra de nossas mos. Valry Larbaud

    O projeto de traduoA seo " 'Poemas" da obra Qui je fus foi o corpus escolhido para a execuo

    deste projeto por duas razes. Primeiramente, porque cinco dos quinze poemasapresentam neologismos, caracterstica que j se destaca nos primeiros contatoscom a escritura de Henri Michaux. Em segundo lugar, traduzir a seo completa, osquinze poemas, pareceu a melhor forma de apresentar o incio da carreira l i terriado poeta, fase que pouco conhecida no Brasil . Assim, descartou-se, por agora,uma seleo de poe ma s sob form a de antologia .

    Definido o material a ser trabalhado, em seguida decidiu-se por sustentaruma apresentao bilnge, para esta dissertao ou para outras publicaes, poisacredita-se que dessa forma o leitor pode no apenas conhecer a obra do autor nooriginal, mas tambm perceber o trabalho feito pelo tradutor. Os comentriospresentes no captulo III tambm fazem parte desse raciocnio, j que a partir deleso le i tor pode compreender o mtodo ut i l izado pelo t radutor, bem como suaconcepo de traduo.

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    Segundo as prerrogat ivas de Antoine Berman em Pour une critique destraductions: John Donne, de 1995, no quai se baseia este projeto de traduo, otradutor necessita ter uma posio ttadutiva e um horizonte de traduo bemdeterminados.

    Sobre posio nadut iva , Berman afi rma:A posio tradutiva , por assim dizer, o "compromisso" entre amaneira pela qual o tradutor percebe enquanto sujeito tomado pelapul so de traduzir, a tarefa da traduo, e a maneira pela qual ele"internalizou" o discurso ambiente sobre o traduzir (as "normas").(Berman, 1995, p. 74)

    Logo, todo tradutor traduz a partir de conceitos pr-existentes, quer sejamhistricos e sociais, quer sejam literrios ou ideolgicos, e tambm a partir de seusuporte pessoal, isto , o que de fato o impulsiona a traduzir um texto e como ele ofaz. Ocorre assim, uma fuso: a traduo, o texto do tradutor, o resultado desseprocesso que rene o coletivo e o individual de um tradutor.

    A traduo dos textos de Michaux foi sendo construda a part i r de indagaesacerca de conceitos como intraduzibilidade de um texto, invisibilidade e fidelidadedo t radutor. Enfim, os poemas de Michaux serviram de provocao, de estopim paraa real izao de um desafio: como traduzir uma l inguagem que, mesmo dentre alinguagem potica, apresentava-se de forma diferente, o esperanto lrico deMichaux? Era preciso desconsiderar tota lmente a idia de que t raduo umasimples t roca de cdigos l ingst icos em busca de equivalncia . Traduzir oesperanto michauxniano era lanar mo da criao pot ica; as palavras inventadasdavam, de certa forma, a l iberdade necessria ao tradutor para que em portugusfosse proposto um texto que de fa to pude sse corresp onder ao texto de Michaux .

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    No entanto, como afirma Berman, o tradutor, ao definir sua posiotradut iva , pode incorrer em ns perigos: "a deformidade camaleonesca, a l iberdadecaprichosa e a tentao do apagamento" (p. 75). Assim, mesmo que em algunsmomentos a tarefa tenha se mostrado difcil , o que se buscou, em resumo, foi evitaresses perigos.

    Com relao ao horizonte de ttaduo definido por Berman como "oconjunto de parmetros linguageiros, l i terrios, culturais e histricos que'determinam" o sentir, o agir e o pensar de um tradutor" (p. 79), cabe ressaltar queesse conceito est intimamente ligado posio tradutiva. Esse conjunto deparmetros o que a sustenta, pois so os instrumentos que o tradutor tem suadisposio para trabalhar um texto, so os utenslios que abrem o caminho dohadutor e que ao mesmo tempo impem l imites . Berman menciona nesse contextoos ditos populares que se referem a horizonte: "ter um horizonte todo a sua frente"("ter a cabea aberta"), viso que amplifica as possibilidades, e por outro lado, "terum horizonte limitado" (ter a cabea ou mente fechada, l imitada), que diminui aspossibi l idades em um empreendimento. Usando esses e lementos para estabelecer aanalogia com seu horizonte de traduo, o terico diz escapar tanto dofuncionalismo, como do estruturalismo, que reduziriam o tradutor ao papel de"decodificador" , suje i to a normas e s is temas (1995, p. 81). O que Berman quer comtal afirmao enfatizar que a reflexo do tradutor deve ser seguida de sua prtica.

    O horizonte de t raduo disponvel ao t raduzir os poemas de Michaux foigradat ivamente ampliado neste proje to. medida que os textos eram traduzidos,conhecimentos sobre a obra e a vida do poeta eram requisitados e naturalmente

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    buscados. Da mesma forma, conhecimentos de l ngua francesa e tambm doportugus brasi le i ro eram necessariamente expandidos (por meio de gramticas,dicionrios, outras obras e por meio de consultas a falantes nativos, no caso dofrancs), completando um depsi to de informaes tanto sobre o objeto t rabalhado,como tambm sobre pontos de teoria de traduo.

    So esses dois concei tos definidos por Berman, proje to de t raduo ehorizonte de traduo, que deram forma a este trabalho. Faz-se necessrio dizerainda que, para alm do respaldo terico, logicamente explorado no momento datraduo, houve um terceiro elemento relevante no projeto. E o que Berman chamade carter imediato, intuitivo do traduzir (1995, p. 78). E isso bastante pessoal,sem no entanto, deixar de ter uma boa dose de reflexo do tradutor. Berman cita oque Curt Meyer Clason, tradutor de Guimares Rosa para o alemo, dizia de simesmo: "Traduzo com o interior '" , (Berman emprega a palavra venire em francs aose referi r expresso usada por Meyer Clason, Bauchbersetzer). M uitas dasdecises tomadas para dar forma em portugus aos poemas de Michaux, ta lvez sejust i f iquem apenas assim, pela a t i tude de um Bauchbersetzer.

    1. Sustenta o tericaA teoria de traduo que sustenta o projeto descrito acima vem basicamente,

    mais uma vez, de Antoine Berman no artigo "La traduction et la lettre ou 1'aubergedu lointain", de 1985, e de Henri Meschonnic, na obra Pour la potique II -Epistmologie de l'criture, Potique de la Traduction , de 1973. A m bo s os tericosanalisam tanto tendncias positivas quanto negativas na prtica tradutria.

    JO

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    1.1. Antoine BermanEm seu artigo, originariamente parte de um seminrio apresentado no

    primeiro semestre de 1984, Berman, antes de enumerar algumas tendnciasdeformadoras da t raduo, discorre sobre questes nadicionais nos estudos datraduo.

    Berman rene essas questes de maneira bastante concisa: so questes queprovm de " teorias nadicionais que concebem o a to de t raduzir como umarestituio embelezadora (estetizante) do sentido" (Berman, 1985, p. 46). Essasteorias resul tam no que Berman denomina: a) t radues e tnocntricas (suprimem asdiferenas lingsticas e culturais para assimil-las s normas e valores da culturareceptora); b) tradues hipertextuais (submetem o texto original a n-ansformaesformais); e c) t radues pla tnicas (f i losficamente cenfradas no contedo). Dessalinha terica derivam conceitos como belles infidles, horror ao estrangeiro,invisibilidade do tradutor, traduo fiel como aquela que no parece traduo,desoiio da forma em favor do sentido, entre outros tantos pontos ainda hojepresentes em debates sobre traduo.

    Berman ope a isso uma traduo que seja culturalmente tica, l i terariamentepotica e filosficamente pensante. Para tanto, segundo o terico, necessrio quehaja um contrato entre o texto original e a traduo: uma zelosa ateno por parte dotradutor ao jog o dos signif icantes do texto e, num p asso adiante, u ma ed uca o a oestrangeiro, como j propnha o romantismo alemo e sua prt ica t radutria notria

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    at os dias de hoje 1 5 . Essa educao ao estrangeiro levaria a um intercmbio culturale l i terrio entre as naes por meio da naduo culminando num enriquecimentomtuo.

    No que se refere ao contra to entre original e naduo, Bennan afi rma queno pode haver "ulfrapassagem da textura do original", ou seja, o trabalho criativodo tradutor deve se colocar disposio de uma (re)escritura do original em outral ngua e nunca produzir uma "supratraduo" que seria determinada pela pot icapessoal do tradutor16 . Esse connato a inda defende que em alguns casos precisosacrificar a potica da lngua de chegada em favor da esttangeira (Berman, 1985, p.58). Para o romantismo alemo, isso exatamente a educao necessria naatividade tradutria: o tradutor deve aprender a introduzir na sua lngua-cultura oelemento estrangeiro e ousar faz-lo, visando li teratura de forma mais abrangentee no apenas ao texto traduzido. Assim as agramaticalidades, os elementos de usomarcado (intencional), as sonoridades, devem ser recriados no texto traduzidoenriquecendo a cul tura receptora , e conse qen temen te d el ineando u ma traduo fie l.

    Um outro ponto nos estudos de Berman, ta lvez o mais importante nestetrabalho, a assim chamada ateno ao jogo dos significantes. Claro que o tericose refere a qualquer texto li terrio, e no apenas queles que apresentamneologismos. Mas na t raduo do esperanto l r ico de Henri Michaux o t rabalho que15 S o b re o ro m an t i s m o a l em o v e r B E R M A N . A . A prova do estrangeiro: cultura e traduo na Alemanharomntica: Herder, Goethe, Schlegel, Novalis. Hum boldt, Schleiermacher, Hlderlin. Trad . Maria Emi l iaPereira Clianut . Bauru. SP. EDUSC. 2002.16 o que carac ter iza , por exem plo , es ta t raduo de Au gus to de Cam pos do poeta p rovenal Dan ie l A rnau t :"leu sui Arnautz qu 'amas l'aura "Eu sou Arnault que am(ass)o ( ) a (u) r (a)E chatz la lebre a to bou Cao lebre com boi e nadoE nadi contra subernaj " Contra a mar em /uta eterna "

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    se fez foi essencialmente, pode-se dizer, nas cadeias de significantes, em que formae sentido so um s elemento a ser respeitado.

    Traduzir o jog o d os s ignificantes no buscar um equivalente ; n ecessriotraduzir o ritmo e sua extenso, as aliteraes, as assonncias, ou seja, os elementosque fazem parte de uma orao ou um verso e que contm em si o carter poticodaquele texto a ser traduzido.

    Para obter tal xito na atividade tradutria, Berman prope uma analt ica datraduo l i terria em que e lenca a lgumas tendncias deformadoras que, em favor dosentido ou da bela forma, acabam por incidir em tradues etnocntricas,hipertextuais e platnicas. Ao levantar essas atitudes negativas, logo Berman duma ' 'receita" de com o respeitar o contrato entre original e tradu o, o jog o dossignificantes, sem incorrer nos trs perigos citados h pouco.

    Cabe ressaltar que Berman trata da traduo de prosa li terria, ento, dentreas tendncias enumeradas por e le , seguem aquelas que mais est iveram presentes natraduo dos poemas de Michaux, ora sendo evitadas, ora infelizmente sendocometidas. So elas: clarificao, enob recimento e vulgarizao, emp obrecimen toqualitativo, empo brecimen to quantitativo, destruio dos ritmos, destruio dossistematismos e destruio das locues presentes em um texto (Berman. 1985, p.68) .

    Por clarificao Berman entende a "a ju da" que o t radutor d ao le itor aotornar claro, explicar aquilo que no original est propositadamente velado. Assim, o

    E claro o uso concretista dos parnteses , levand o o lei tor a 1er um n ico verso de vrias mane iras . (O utroscomentrios sobre essa traduo ver CESAR. Ana Cris t ina. " 'Bast idores da Traduo" ' . In . Escritos daInglaterra. So Pau lo: Ed. Bra si l iense. 1988).3 6

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    tradutor pode incorrer no erro de transformar aquilo que indefinido em definido,polissmico em monossmico. Sem dvida, em ltima instncia, o papel datraduo explicitar o texto ao leitor que no l o idioma original. No entanto, hmomentos no texto original em que elementos estranhos, obscuros tm a suasignificao. Dessa forma, explicit-los seria uma atitude negativa, etnocntrica.

    Nos textos de Vlichaux, por exemplo, explicar o seu esperanto lricotraduzindo-o por palavras de uso corrente em portugus seria uma forma declarificao, em que o sentido se toma o elemento privilegiado.1 7

    Ponto culminante da traduo platnica, como diz Berman, oenobrecimento, ou seja, a tend ncia clssica das belles infidles na Frana dossculos XVI e XVII. Na verdade, t raduzir um texto embelezando-o, a je i tando frasese palavras aqui e ali , tomar o original como matria apenas de um novo texto,fazendo o que Berman chama de "exercc io de est i lo" (1985, p. 73). 1 8

    O contrrio do enobrecimento a vulgarizao. Essa tendn cia percebida,geralmente , quando h no original passagens de l inguagem popular que o t radutortranspe em "pseudogrias" ou "pseudodiale tos" , confundindo l inguagem oral efala. A vulgarizao pod e ocorre r ainda sem que o original apresente es saspassagens, so momentos em que o t radutor, em razo da forma, emprega termos' ' Um exemplo de c lar i f icao a t raduo para o f rancs de Nove, novena de Osma n L ins . em que at radu to ra qu is t raduzi r por um provrb io comum na cu l tu ra f rancesa a expresso inven tada por Osman L ins ."Tambm mas t iguei minhas are ias , o ra" (L ins . 1966 . p . 170) . " J ' a i mang de la vache enrage" . Adver t idapelo autor, a t radutora optou afinal por " 'Moi aussi , du sable plein la bouche, j 'en ai eu. tu peux m'en croire"(Lins. 1971.p. 180) , que no uma expresso p roverb ia l , mas que . pe la necess idade de esc larecer a imagem,perdeu o car ter chocan te da expresso de Osm an L ins (Cf . KIR SCH , G . . 1999).18 Nas palavras de um t radu to r f ranc s dessa poca . N ico las Perro d ' Ablancour t . que t raduziu para o f rancsobras de Tcito . Ariano. Tucdides, entre outros: "Ajustei essas duas l inhas, no somente para fazer aopos io no lugar onde o au to r esqueceu um membro , mas tambm para l igar o que p recede com o quesegue, porque isso cria uni l i iato . ( . . . ) necessrio respeitar o uso e tomar cuidado para nunca chocar a

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    marcados para a lcanar uma rima : por exemplo, ou para diferenciar um tipo dediscurso.1 9

    O emp obrecime nto qualitativo se d qua ndo o tradutor substitui termos,expresses ou formas do original por ounos que no tm a mesma riqueza sonora ,significante, icnica. Berman se refere aqui imagem que cada palavra evoca nasua "superficie de iconicidade" (1985, p. 74). Para evitar o empobrecimentoqualitativo, o tradutor deve pesar as palavras, o momento que, denfre vriossinnimos, por exemplo, apenas um se encaixa naquele conjunto de s ignificaes.

    Esse exerccio necessrio fez com que Valry Larbaud 2 0 (1881-1957),adutor, poeta e crt ico li terrio, no ensaio "As Balanas do Tradutor", nomeasse atodos os t radutores "pesadores de palavras" (evocando a expresso la t ina de AuloGlio, Verborum pensitatores):

    "pois 'pesadores de palavras', ns, Tradutores, devemos ser. Cada um dens tem junto de si, sobre a mesa ou escrivaninha, um jogo de invisveis,intelectuais balanas com pratos de prata, fiel de ouro, eixo de platina,agulha de diamante, capazes de indicar desvios de fraes de miligramas,capazes de pesar os impon derv eis [...] Isso no parece nada, [...], mas soas palavras de um Autor" (2001, p. 77).J o emp obrecimen to quantitativo atinge diretam ente a cadeia de

    significantes, ocorrendo perda lexical. Isso quer dizer que um autor pode empregar,por exemplo, palavras diferentes mas s innimas, e cada uma em determinadodel icadeza de sua l inguagem com o emprego de te rmos brbaros e es t rangei ros" (apud . MILTON. J . O poderda traduo. So Paulo: A rs Potica . 1993. p . 51).19 o que ocorre na traduo de Cliris t ian Morgenstern por Roberto Schwarz, em que para construir a rimapresen te no poema Das Aesthetische Wiesel, o t radu to r op tou pelo su f ixo d iminu t ivo - inha . t r iv ia l demaispara o tom gro tesco do tex to em a lemo , compos to pe lo su f ixo - iese l .Ein Wiese .4 doninhasass auf einem Kieset sobre a pedrinhainmitten Bachgeriesel na ribeirinhaO res tan te da t raduo es t amplamente comentado por Haro ldo de Campos no ar t igo "Da t raduo t rans f ic ional idade" . h\ Revista 34 Letras, n. III , Rio de Janeiro, mar. de 1989.

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    momento do texto. O tradutor, ao se deparar com diferentes significantes, ento, ostraduz por um nico correspondente , fazendo perder as diferentes nuances que haviano texto original.

    Ein ambos os t ipos de empobrecimento pode haver perda ou acrscimo deambigidade.

    A destruio dos ritmos uma tendncia deformadora bastante sut i l naprosa , contudo freqente na poesia . Momentos em que, pela sonoridade daspalavras, por exemplo, o ritmo da leitura mais ou menos fluido podem serprejudicados se o tradutor no trabalhar essa caracterstica na lngua de chegada,no construindo assim uma relao prosdica entre as cadeias de significantes. Oritmo ainda pode ser destrudo se houver diferenas muitos grandes entre apontuao dos textos original e de traduo.

    Para alm do nvel dos significantes, a destruio dos sistematismos de umtexto abrang e os tipos de frase s, de constru e s util izadas pelo autor, ou seja, amaneira como o autor emprega tempos verbais , oraes coordenadas,agramaticalidades, como ele representa as hesitaes, as nfases, enfim, ossistematismos fazem parte do estilo de um autor.

    E o que ocorreu com as tradues de obras russas para o portugus viafrancs ou ingls . Como comenta Paulo Bezerra , as t radues que temos dos autoresrussos so verdadeiras adaptaes da obra original j que o estilo se perdeu no textofonte, que j eram outras tradues:

    L A R B A U D . V . Sob a invocao de So Jernimo. Tr ad Joana Angl ica d 'A vi la Melo . So Pau lo :Mandar im. 2001 .3 9

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    Assim, no caso especfico de Crime e castigo, muitas passagens em que onarrador, em plena empatia com a profunda tenso psicolgica que envolvea ao romanesca, constri um discurso em que essa tenso se manifestaatravs de evasivas, reticncias, indcios de descontinuidade do fluxonarrativo, o texto de Fusco [Rosrio Fusco, tradutor de Dostoivski para oportugus via fran cs] fluido, elegante, seguro, afastando a idia da tensoque contagia p raticamente toda a narrao."1

    Uma l t ima tendncia dene as enumeradas por Berman, a destruio daslocues presentes no texto original. Caracterstica de uma traduo etnocmrca, adesnuio das locues visa basicamente a buscar a equivalncia na t raduo,levando o tradutor a substituir nomes prprios (lugares, personalidades epersonagens), provrbios, ditados populares por equivalentes na lngua de chegada,a fim de facili tar uma leitura referencial do texto.

    Essas tendncias negat ivas levantadas por Antoine Berman permeiam oscomentrios sobre cada um dos c inco poemas e de seus processos t radutrios, assimcomo os temas abordados por Henri Meschonnic , colocados a seguir .

    1.2. Henri MeschonnicDene os pressupostos apresentados e estudados por Henri Meschonnic ,

    lingista, tradutor e terico da traduo, no volume Pour ta potique IL os conceitosque a judaram a fundamentar a prt ica de t raduo vista neste t rabalho so osseguintes: transparncia e fidelidade do ttadutor; traduo como produo de textos;t raduo homloga; inexistncia da oposio forma versus sentido; e trabalhotradutrio nas cadeias de s ignificantes como const i tuinte de uma re lao prosdicaene eles.- ' Mais de ta lhes sobre as t radues do russo para o por tugus ver BEZERRA, P . "A Traduo como ar te" , fnGragoai - Rev is ta do Programa de Ps-Graduao em Let ras da Univers idade Federa l F luminense , n . 13

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    Assim como Berman condena a tradio etnocntrica de traduzir,M eschon nic trata da que sto da transp arnc ia do tradutor exata me nte por esse vis.Para ele, uma traduo que visa a passar-se por transparente, ou seja, que pareaoriginal na lngua de chegada, no uma traduo, pois, alm de etnocntrica,redundaria num hipertexto e ainda se ocuparia somente do sentido presente nooriginal , sendo tambm platnica , na nomenclatura de Berman.

    Uma traduo t ransparente pode no garant i r o enriquecimento de sual ngua-cul tura com o e lemento estrangeiro, pre judicando a prt ica e a aprendizagemda educao ao estrangeiro. Assim, o papel de alteridade na atividade tradutria noocorre , porque no h reconhecimento do Outro como ta l , havendo, em l t imaanlise, um apagamento das diferenas entre as l nguas-culturas.

    E a atividade do escritor latino-am erican o, ou do traduto r em geral, descritapor Silviano Santiago no seguinte trecho:

    As palavras do outro tm a particularidade de se apresentarem como objetosque fascinam seus olhos, seus dedos, e a escritura do segundo texto emparte a histria de uma experincia sensual com o signo estrangeiro. [...] Osigno estrangeiro se reflete no espelho do dicionrio e na imaginaocriadora do escritor latino-americano e se dissemina sobre a pagina brancacom a graa e o dengue do movimento da mo que traa linhas e curvas.Durante o processo de traduo, o imaginrio do escritor est sempre nopalco, [...] (Santiago, 2000, p. 21)

    Para entender melhor essa considerao, preciso apenas refle t i r sobre comose d a busca pela equivalncia na traduo: o apagamento das caractersticas dapotica estrangeira em favor de uma atividade que, na verdade, no reconhece ovalor socia l e his trico do t radutor, tampouco o valor das t radues como produode texto, fruto da "imaginao criadora do escritor".Lugares da Traduo . N i ter i : EdUFF. 2 semes t re de 2002 .

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    Ocorre , de fa to, produo (e no reproduo, decalque ou past iche) quando otradutor, na sua prtica, assume uma postura de escritor e/ou poeta. SegundoMeschonnic, uma traduo sempre , e deve ser, o resultado de um trabalho emlnguas-culturas-histrias (a de partida e a de chegada) com suas marcas eelementos identificveis de um dado momento (li terrio, social, histrico, potico),e isso que o tradutor deve traduzir (1973, p. 314). Ilustrando tal coisa, Larbaudcolabora com a seguinte citao:

    Cada texto tem um som, uma cor, um movimento, uma atmosfera que lheso prprios. Para alm do sentido material e literal, todo trecho literrio,como todo trecho musical, tem um sentido menos aparente, e s ele cria emns a impresso esttica desejada pelo poeta. Pois bem, esse o sentido que preciso restituir, e sobretudo nisso que consiste a tarefa do tradutor. Seele no tiver tal capacidade, que se contente em ser leitor, ou ento, se fazabsoluta questo de traduzir, que se engalfinhe com qualquer matriaimpressa ou manuscrita: obras de filosofia e de histria puras, tratadoscientficos, manuais e, em caso de necessidade, documentos legais oucomerciais, e deixe em paz Virglio e tudo que literatura; mas, pararestituir o sentido literrio das obras de literatura, preciso primeiroapreend-lo; e no basta apreend-lo. preciso ainda recri-lo. (Larbaud,2001, p. 67)

    Evidentemente Larbaud se mostra bastante conservador na sua concepo deliteratura. No entanto, cabe ressaltar que pode haver de fato uma diferena entreuma traduo tcnica e uma traduo li terria que se caracterize como criativa; e o"recriar" que Larbaud sugere faz da prtica tradutria uma atividade potica, e nosimplesmente uma decodifcao.

    Meschonnic afi rma que tendo o t radutor essa reflexo, essa conscincia , e leser um tradutor fiel . Fidelidade que o terico apia num trabalho que construa uma

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    " 'relao prosdica entre as esfruturas do significante" e que no se "traduza osent ido, mas seu movimento"/ ' 1

    Nesse instante, elementos como ritmo e sonoridade devem ser priorizados,conseqentemente a forma, deixada em segundo plano pela t tadio etnocnfrica,iguala-se em importncia ao sent ido, dando origem ao concei to forma-sent ido(forme-sens) de Meschonnic, uma " 'poesia da gramtica", em que h um nico valorforma-sent ido (1973, p. 348 e 330) .2 '

    Meschonnic afirma ainda que a noo de fidelidade deve estar vinculada aum trabalho homlogo do tradutor em relao ao original, isto , o tradutor podeestabelecer uma relao potica entre original e traduo construindo antes umarelao "do marc ado co m o marcado, do no m arcado com o no marcado, da f iguracom a f igura e da no-figura com a no-figura" , escrevendo um texto com osmesmos e lementos textuais do original , somente usando os recursos disponveis auma outra l ngua-cul tura . Dessa forma, o t radutor far um texto homlogo,guardando, na medida do possvel, tanto a forma como o sentido, sem sertransparente ou estetizante.2 4

    possvel observar que nesses pontos abordados, as teorias de Berman e deMeschonnic se completam, j que a no ocorrncia das tendncias deformadoras da

    - M E S C H O N N IC . H . " Q u ' en t en d ez -v o u s p a r o ra l i t ? " Langue franaise n. 56. p. 6- 23 . apud KIRSCH. G ."Pressupos tos te r icos para uma cr t ica de t raduo l i t e rr ia" . TradTerm. n. 8. 200 2. p . 31-5 0.Como exemplo de d i f icu ldade em se t rabalhar o r i tmo e a sonor idade na t raduo pot ica observam-se ast radues do poema de Pau l Ver la ine . Chanson d'Automne, de Ones ta ldo de Penna for t e de Gui lherm e deAlmeida , em que nenh um dos do is t radu to res consegu iu m anter o mes mo jogo de r im as ( femin inas emascu l inas a l te rnadas ) o que conseqen temente p re jud icou o andamento r tmico do poema. (Para ou t rosd e t a lh es v e r L A R A N J E IR A , M . Potica da Traduo. So Pau lo: Ed US P. 1993. p . 135-139.Meschonnic comenta a in t roduo de Marc Chp i ro (Lausanne, 1968) t raduo de Irmos Karamazov d eDostoivsk i . na qual o traduto r se contra diz ao tentar exp licar as mu dan as estt icas que fez no texto. M arcChp i ro d iz que a f rase de Dos to ivsk i " longa e pesada , cheia de repet ies , co r tada por inc iden tes ,comple tamente desprov ida de harmonia " e a t roca por outra menos intensa (Meschonnic. 1973. p . 316-317).

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    t raduo levantadas por Berman dependem int imamente das questes queMeschonnic considera importantes para uma prt ica de t raduo de fa to re levantena sua cultura.

    Essa contribuio terica e seu resultado (tradues conscientes, frutos dereflexo) levam construo de uma crtica de traduo li terria eficaz, isto , umaanlise de traduo como "retextualizao", que envolve teoria e prtica.

    E por crt ica de traduo li terria eficaz, ou produtiva, como quer Berman,entenda-se uma crtica no apenas explicativa ou conservadora, mas ativa, quearticule novos projetos de traduo e os princpios de uma retraduo da obracriticada. Prepara-se assim o espao de jogo dessas retradues, isto , uma formade "dilogo" entre tradues, "pois a vida mesmo da t raduo reside na plural idadeimprevisvel das verses sucessivas ou sim ultneas de uma obra" (B erman , 1995, p.97).

    Para compreender um pouco melhor como trabalharia essa cr t ica produt ivade Berman, aplicvel a este projeto de traduo, bem como a outros, seguem algunspassos considerados primordiais pelo terico francs, estudados na obra jmenc ionada Pour une critique des traductions: John Don ne.

    2. Para um a crt ica de tradu o l i terriaO que Antoine Berman prope um "tra je to anal t ico possvel para se

    aprender a 1er uma traduo". Para isso, necessrio "desmistificar" o conceito decrtica da negatividade qual sempre esteve ligada. Berman diz que qualquer crt ica

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    positiva, desde que no faa apenas julgamentos das tradues por seus possveisdefeitos (1995, p. 38).

    O movimento crt ico sempre acrescentou muito s obras li terrias, pois elasnecessitam da crt ica "para se comunicar, para se manifestar, para se realizar eperpetuar-se. Elas necessitam do espelho da crt ica" (p. 39). E se tomamos atraduo por "novo original", ela, por sua vez, pode ser enriquecida pela crt ica.Alis, a traduo j um movimento crt ico. 23

    Assim a crtica das tradues tem por objeto textos que so "crticas" comoela, e que so, ainda, ora simples ecos enfraque