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Hermeneutica Dos Textos Sagrados

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Interpretação das escrituras - hermenêutica

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Montes Claros/MG - 2015

Admilson Eustáquio PratesClaudio Santana Pimentel

Hermenêutica dos Textos Sagrados

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2015Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.

EDITORA UNIMONTESCampus Universitário Professor Darcy Ribeiro, s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) - Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089

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ISBN - 978-85-7739-639-9

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Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino SuperiorVicente Gamarano

reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - UnimontesJoão dos Reis Canela

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Pró-reitor de Ensino/UnimontesJoão Felício Rodrigues Neto

diretor do Centro de Educação a distância/UnimontesFernando Guilherme Veloso Queiroz

Coordenadora da UAB/UnimontesMaria Ângela lopes Dumont Macedo

Coordenadora Adjunta da UAB/UnimontesBetânia Maria Araújo Passos

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Autores

Admilson Eustáquio PratesDoutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo – PUC/SP. Mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP. Especialista em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Especialista em Bioética pela

Universidade Federal de Lavras. Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia de Goiás / Câmpus Formosa/GO. Professor no departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes (2004-2014). Coordenador

do Grupo de Extensão Filosofia na Sala de Aula – Pró-Reitoria de Extensão/Unimontes (2004-2014). Autor dos seguintes livros Sala de Espelhos: inquietações filosóficas; Exu, a esfera metamórfica, publicados por Editora Unimontes; organizador dos seguintes

livros: O fazer Filosófico; Filosofia: educação infantil ao ensino médio; e Temas e estratégias desenvolvidas em sala de aula, também publicados por Editora Unimontes.

Claudio Santana PimentelDoutor e Mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP. Autor de artigos em

publicações especializadas da área, como Pistis & Práxis e Ciberteologia. Pesquisador dos Grupos de Pesquisas Imaginário Religioso Brasileiro e CECAFRO (PUC-SP,

certificados pelo CNPq).

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Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9

Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11Conceitos de Hermenêutica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

1.2 Explorando o Conceito de Hermenêutica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20

Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21A Ciência da Religião e o Estudo dos “Textos Sagrados” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

2.2 Definindo “Textos Sagrados” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

2.3 A Religião como Texto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.4 A Formação dos Cânones das Tradições Religiosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26

2.5 Tradições Religiosas e Interpretações dos Textos Sagrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28

Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37

Referências básicas, complementares e suplementares . . . . .39

Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41

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Ciências da Religião - Hermenêutica dos Textos Sagrados

ApresentaçãoCaro (a) acadêmico (a), o presente material sobre Hermenêutica dos Textos Sagrados tem

como proposta o estudo do desenvolvimento do conceito de hermenêutica e sua aplicação à ciência da religião. Pretende também discutir a noção de “texto sagrado” na ciência da religião e sua contribuição para a pesquisa e o estudo nessa área acadêmica.

Os autores.

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UnidAdE 1Conceitos de Hermenêutica

Admilson Eustáquio PratesClaudio Santana Pimentel

1.1 IntroduçãoPrezado(a) acadêmico(a), a presente unidade discutirá o desenvolvimento do conceito de

Hermenêutica e suas implicações para o trabalho em ciência da religião. Inicia-se a exploração conceitual a partir das origens gregas do termo, sua relação com a divindade Hemes e suas pri-meiras formas de conceituação.

Em seguida, apresentaremos uma síntese histórica das transformações que o conceito de hermenêutica sofreu, em especial nas filosofias modernas e contemporâneas. Diante desse qua-dro geral, passaremos a apresentar algumas possíveis relações entre a hermenêutica e a ciência da religião.

1.2 Explorando o Conceito de Hermenêutica

O presente tópico pretende explorar o conceito de hermenêutica a partir das seguintes perspectivas: mítica, linguagem e símbolo, Interpretação e compreensão, filosófica e hermenêu-tica aplicada à ciência da religião. Não temos a pretensão de esgotar o assunto e, sim, apresentar de forma introdutória o conceito de hermenêutica.

1.2.1 Perspectiva Mítica

A figura 1 apresenta um jovem, com rosto lindo, com capacete com asas e sandálias aladas e em sua mão o bastão mágico – caduceu. Esse jovem é o deus Hermes, para a tradição grega; e Mercúrio, para a tradição latina. Ele é filho de Zeus e da Ninfa Maia, também chamada de noite. Esse deus representa a dualidade, sendo filho da luz espiritual e das trevas primordiais. Com isso, pode-se entender que ele é um deus que traz em sua composição ambigüidades, pois apresenta a capacidade de transitar tanto pela luz quando pelas travas.

Hermes possui cores vermelha e branca, isso indica a mistura do terreno, do mundo material com as suas paixões e a clareza espiritual. Ele tem em sua mão o bastão mágico – caduceu –, o qual orienta as almas para o reino de Hades.

Logo quando nasceu, saiu do berço e roubou o rebanho de Apolo. Para enganar seu irmão, calçou as sandálias em sentido contrário para que Apolo fosse para outra direção. Além disso, acende o foco e assa duas reses. Com esse feito é considerado o deus dos ladrões, dos trapacei-ros e, por possuir a luz espiritual e a treva primordial, é mensageiro dos deuses, sobretudo de Zeus. Ele também era o guia das almas para o reino de Hades.

As sandálias com asas implicam agilidade, movimento e esperteza, características estas que possui desde o seu nascimento, quando roubou o rebanho do irmão. Apolo suspeitou de Her-mes e solicitou seu pai Zeus que o interrogasse. Inicialmente, Hermes negou o roubo, até que confessou o feito. Seu pai o obrigada a se redimir com Apolo. Hermes constrói uma lira feita de casco de tartaruga e o presenteia. Apolo fica encantado e esquece o roubo.

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Apolo, sabedor que Hermes seria o patrono dos ladrões e não querendo ser enganado no-vamente por ele, junto a sua mãe Maia, obrigam Hermes a jurar que não mais haveria de mentir. O deus mensageiro concorda, mas não jura deixando uma reserva, um lembrete que não dirá a verdade por inteiro. Assim sendo, percebe-se Hermes como ambíguo, dissimulado, duvidoso no manuseio das palavras, sendo protetor dos profissionais da linguagem como oradores, advoga-dos. Enfim, ele possui a sagacidade, a capacidade argumentativa.

Hermes é mais do que um mito socioeconômico, é uma representação de uma das mais profundas capacidades da psique, que começou a ser compreendida no período arcaico: o poder da transformação. Fazendo uma lira de uma tarta-ruga e de tripas de carneiro e distorcendo os juramentos sagrados, mudou a natureza em cultura, mudou a linguagem divina em linguagem humana, o es-tranho em familiar, o obscuro em consciência, a convenção em adaptabilidade, o incomunicável em articulação e interpretação, um mundo bruto em um mundo humanizado por significados e valores (RIKER, 1991, p.180).

Dessa maneira, entende-se Hermes como um arquétipo que implica mudança, movimento, ou seja, transforma a natureza em cultura, humaniza. Quando ele assa as reses, percebe-se a alte-ração da natureza para a cultura. O ato de cozinhar implicar em se tornar humano.

Devido a essa característica, Aristóteles elaborou o conceito de hermenêutica, em sua obra Perí Ermeneias, geralmente traduzida como “Da interpretação”. Esse saber seria a ciência da inter-

Figura 01: Mercúrio de Evelyb – Pickering de

MorganFonte: Disponível em

<http://oscarbriso-lara.blogspot.com.

br/2014/05/introducao--ao-estudo-do-mito-de-

-hermes.html>. Acesso em 4 nov. 2014.

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pretação, atributo associado ao deus Hermes, mensageiro, interprete dos deuses, mediador entre as coisas divinas e humanas.

Esse deus que sabe roubar, trapacear, enganar, cozinhar, acender fogo, é possuidor da arte da adivinhação, sabe construir instrumento musical, e, além disso, promove o intercâmbio entre os mundos dos humanos e dos deuses, da luz e das trevas. É o deus que humaniza, não somente por essas habilidades, por seu conhecimento técnico, mas por ser mensageiro, pela comunica-ção, enfim, pela linguagem.

Os humanos se tornam humanos com a aquisição da linguagem, isto é “[...] tudo deve ser considerado como linguagem. É a linguagem que permite progredir no pensamento, sentimento e ação. Logo, a linguagem configura-se no meio pelo qual o homem se manifesta e se dá a co-nhecer” (SMARJASSI, 2011, p. 43).

BOX 1

“As origens da hermenêutica”

A palavra grega hermeios referia-se ao sacerdote do oráculo de Delfos. Essa palavra, o ver-bo hermeneuein e o substantivo hermeneia, mais comuns, remetem para o deus-mensageiro-alado Hermes, de cujo nome as palavras aparentemente derivaram (ou vice-versa?). E é sig-nificativo que Hermes se associe a uma função de transmutação — transformar tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência consiga compreender. As várias formas da palavra sugerem o processo de trazer uma situação ou uma coisa, da inte-ligibilidade à compreensão. Os Gregos atribuíam a Hermes a descoberta da linguagem e da escrita — as ferramentas que a compreensão humana utiliza para chegar ao significado das coisas, e para transmiti-lo aos outros.

Martin Heidegger, que vê a própria filosofia como «interpretação», relaciona explicita-mente a filosofia-como-hermenêutica com Hermes. Hermes «traz a mensagem do destino; hermeneuein é esse descobrir de qualquer coisa que traz uma mensagem, na medida em que o que se mostra pode tornar-se mensagem. Uma tal descoberta torna-se numa explicação do que já fora dito pelos poetas, que são eles próprios, segundo Sócrates no diálogo platônico «Ion» (534 e) «mensageiros (Botschafter) dos deuses», hermenes eisin tòn tehon (J). Assim, leva-da até a sua raiz grega mais antiga, a origem das atuais palavras – «hermenêutica» e «herme-nêutico» – sugere o processo de «tornar compreensível», especialmente enquanto tal proces-so envolve a linguagem, visto ser a linguagem o meio por excelência nesse processo.

Esse processo de «tornar compreensível», associado a Hermes enquanto ele é mediador e portador de uma mensagem, está implícito nas três vertentes básicas patentes no significado de hermeneuein e hermeneia, no seu antigo uso. As três orientações, usando a forma verbal (hermêneuein) para fins exemplificativos, significam: 1) exprimir em voz alta, ou seja, «dizer»; 2) explicar, como quando se explica uma situação, e 3) traduzir, como na tradução de uma língua estrangeira.

Os três significados podem ser expressos pelo verbo português «interpretar» e, no entan-to, cada um representa um sentido independente e relevante do termo interpretação. A inter-pretação pode, pois referir-se a três usos bastante diferentes: uma recitação oral, uma explica-ção racional e uma tradução de outra língua, quer para grego, quer para português. Podemos, no entanto, notar que o «processo Hermes» originário, está em ação: nos três casos, há algo de diferente, de estranho e de separado no tempo, no espaço ou na experiência, que se torna familiar, presente e compreensível; há algo que requer representação, explicação ou tradução e que é, de certo modo, «tornado compreensível», «interpretado».

Fonte: PALMER, 1997, p. 24-25.

1.2.2 Linguagem e Símbolo

Sabe-se que a comunicação é produto da interação entre o emissor, aquele que produz a mensagem; e o receptor, aquele a quem o emissor se dirige. Para que exista o entendimento, é necessária uma mediação, que permita o encontro. Essa ferramenta mediadora é o símbolo.

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O símbolo vem do grego sum-ballo, ou sym-ballo, refere-se à união de duas coi-sas. Era um costume grego que, ao se fazer um contrato, fosse quebrado em duas partes um objeto de cerâmica, então cada pessoa levava um dos pedaços. Uma reclamação posterior era legitimada pela reconstrução por junto = symballo, da cerâmica destruída, cujas metades deviam coincidir. A união das partes permitia reconhecer que a amizade permanecia intacta (CROATTO, 2001, p.84).

Assim, percebe-se que a linguagem se manifesta mediante o símbolo, ou seja, a lingua-gem tem sua origem no universo simbólico. Conforme Jung: “o homem utiliza a palavra escrita ou falada para expressar o que deseja transmitir. Sua linguagem é cheia de símbolos, mas ele também, muitas vezes, faz uso de sinais ou imagens não estritamente descritivos” (JUNG, 2004, p. 20). Dessa maneira, entende-se que o símbolo tem vida própria, possui estrutura singular e única.

Continuando na perspectiva de Jung, “o que chamamos de símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações es-peciais além do seu significado evidente e convencional” (JUNG, 2004, p. 21). Dessa maneira, o sujeito e tudo que se relaciona a ele é símbolo. Enfim, o ser humano é um ser simbólico, portan-to, um ser de linguagem, um ser de mediação.

Devido à linguagem marcar o universo humano, a hermenêutica constitui-se como ciência e arte da interpretação. Ciência pelo rigor racional, pela busca da objetividade, por possuir um mé-todo de investigação com regras aceitas por um determinado sistema de pesquisa. Arte por não estar limitada, sabendo que a comunicação tem como estrutura básica a flexibilidade.

Para Körtner, “hermenêutica é o estudo da compreensão. Compreender algo, no entanto, significa compreendê-lo como resposta a uma pergunta [...]. Enquanto não conhecemos e com-preendemos a pergunta, aquilo que estamos procurando entender permanece incompreendido” (KÖRTNER, 2009, p. 9). Isto é, a chave que permite entrar no texto é a pergunta, e sobretudo, o sentido da pergunta, a intenção íntima da dúvida.

1.2.3 Interpretação e Compreensão

A mente humana não dá conta do caos, da desordem. Conhecer é atribuir sentido às coisas, ao mundo, isto é, o ser humano busca sentido em uma pedra, no barulho do rio, no canto dos pássaros, no movimento de uma serpente, na sombra de uma arvore, bem como nos gestos, nas frases. Enfim, tudo para o humano é carregado de sentido, por exemplo: uma cartomante que esparrama as cartas do baralho e começa fazer interpretações; algumas mulheres dos Bálcãs ob-servam as linhas formadas pela borra do café turco, no fundo da xícara de que beberam, e leem o futuro conforme os desenhos que se formam em seu fundo; sacerdotes africanos ou de matriz africana leem o destino a partir das múltiplas combinações possibilitadas na consulta ao orixá Ifá, por meio dos búzios. Pode-se entender que o mundo é um texto e requer ser interpretado.

Aquele que lê, que procura os sentidos e significados presentes nos diferentes códigos, é um intérprete. Ele desnuda e revela o mundo, mas não em sua totalidade e, sim, a partir do lugar que ocupa, isto é, ninguém fala de outro lugar além daquele que ocupa. Por isso, que interpreta-ção é sempre uma pista e nunca o cenário. Assim, a origem do termo hermenêutica vem do ver-bo grego hermeneueien, significando literalmente “interpretar” e do substantivo  hermeneia, “in-terpretação”, guardando íntima relação com o deus Hermes.

Richard Palmer, como visto anteriormente (cf. box “As origens da hermenêutica”), considera haver três sentidos básicos para hermeneuein: “1) exprimir em voz alta, ou seja, «dizer»; 2) expli-car, como quando se explica uma situação, e 3) traduzir, como na tradução de uma língua estran-geira” (PALMER, 1997, p. 24).

O primeiro, exprimir, dizer, estaria vinculado aos anúncios que Hermes faz aos homens (portanto, a mediação entre a divindade e o humano); por extensão, aos anúncios feitos por sa-cerdotes e poetas, quando inspirados pelos deuses (como Homero e Hesíodo). É considerada uma interpretação, na medida em que explicita à humanidade o pensamento divino (PALMER, 1997, p. 25-26).

O segundo sentido, de explicar, recai sobre o processo de racionalização: a busca de com-preender o significado daquilo que foi dito, analisando a mensagem. A explicação contextualiza, esclarece “o que fazer” com aquilo que foi dito; implica também em ação (PALMER, 1997, p. 30-31). Retomando o exemplo inicial sobre as técnicas divinatórias, aquele que consulta um orácu-

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lo não espera apenas uma palavra, espera uma explicação: uma palavra que lhe esclareça como agir em uma determinada situação.

A terceira acepção, traduzir, é apresentada como o exercício de interpretação, necessário para se tornar um enunciado, um texto, compreensível na passagem de uma língua a outra. Pal-mer alerta que não se trata apenas de traduzir palavras, pois está lidando com visões de mundo. Traduzir é também tornar uma visão de mundo estranha, diferente, compreensível em um novo contexto (PALMER, 1997, p. 36-41).

Palmer apresenta seis possíveis definições ou modos distintos de compreender a herme-nêutica na modernidade:

Porque evoluiu nos tempos modernos, o campo da hermenêutica tem sido de-finido pelo menos de seis maneiras diferentes. Desde ó começo que a palavra significou ciência da interpretação, referindo-se especialmente aos princípios de uma exegese de texto adequada. Mas o campo da hermenêutica tem sido interpretado (numa ordem cronológica pouco rigorosa) como: 1) uma teoria da exegese bíblica; 2) uma metodologia filológica geral; 3) uma ciência de toda a compreensão linguística; 4) uma base metodológica dos Geisteswissenschaften [Ciências do Espírito]; 5) uma fenomenologia da existência e da compreensão existencial; 6) sistemas de interpretação, simultaneamente recoletivos e icono-clásticos, utilizados pelo homem para alcançar o significado subjacente aos mi-tos e símbolos. Cada uma destas definições é mais do que um estádio histórico; cada uma delas indica um «momento» importante ou uma abordagem ao problema da inter-pretação. Podiam ser chamadas de ênfase bíblico, filológico, científico, geistes-wissenchaftliche, existencial e cultural. Cada uma representa essencialmente um ponto de vista a partir do qual a hermenêutica é encarada; cada uma esclarece aspectos diferentes mas igualmente legítimos do ato da interpretação, especial-mente da interpretação de textos. O próprio conteúdo da hermenêutica tende a ser remodelado com estas mudanças de perspectiva (PALMER, 1997, p. 43-44).

Segundo Palmer, o significado mais frequente de hermenêutica está atrelado à exegese bí-blica, o que se justificaria porque o sentido atual do termo veio da necessidade de estabelecer critérios para a interpretação do texto bíblico. Para Wegner, a hermenêutica refere-se aos prin-cípios de interpretação dos textos religiosos; e a exegese, à metodologia empregada para inter-pretar esses textos. Corresponderiam, respectivamente, à teoria e à prática na interpretação das escrituras religiosas (WEGNER, 1998, p. 11).

No entanto, com o decorrer do tempo, houve um alargamento dessa atividade. No século XVIII, afirma-se ser possível estender os critérios de interpretação bíblica aos textos antigos em geral:

O desenvolvimento do racionalismo e, concomitantemente, o advento da filolo-gia clássica no século dezoito teve um efeito profundo na hermenêutica bíblica. Surgiu então o método histórico-crítico na teologia; tanto a escola de interpre-tação bíblica «gramatical» como a «histórica», afirmavam que os métodos inter-pretativos aplicados à Bíblia, eram precisamente os que se aplicavam às outras obras. Por exemplo, Ernesti, no seu manual de hermenêutica, de 1761, defendia que «o sentido verbal das Escrituras deve ser determinado do mesmo modo como é considerado noutros livros». Com o aparecimento do racionalismo, os intérpretes sentiram-se obrigados a tentar ultrapassar juízos prévios. «A norma da exegese bíblica, segundo Spinoza, consiste na luz da razão, comum a todos os homens». «As verdades acidentais da história nunca se poderão transformar em provas de verdades necessárias da razão» disse Lessing; assim é um desafio à interpretação tornar a Bíblia relevante para o homem racional do Iluminismo (PALMER, 1997, p. 48).

Foram essas as condições que tornaram possível o desenvolvimento da filologia clássica, em cujo contexto a própria ciência da religião teve seus primeiros desenvolvimentos, no século XIX. Hermenêutica tornou-se de certa forma sinônimo de método filológico, e a exegese bíblica, des-de então, manteve-se ligada ao estudo filológico. Com Schleiermacher, a hermenêutica passa a ser vista como a “ciência”, ou a “arte” da interpretação dos textos em geral; na obra de Dilthey, torna-se o método das “ciências do espírito”, ou das ciências humanas (em oposição às ciências da natureza). No trabalho de Heidegger, a hermenêutica adquire um objeto privilegiado: a vida humana, o Dasein. Gadamer propõe a hermenêutica como um contínuo diálogo onde os signifi-cados são aprofundados, tendo como uma de suas referências principais a tradição. Paul Ricoeur irá repensar a hermenêutica como “sistema de interpretação”, onde a existência é interpretada

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(Heidegger, Freud), e como esta se organiza em linguagem, propondo que a interpretação dos textos acontece de maneira semelhante (PALMER, 1997, p. 48-54).

Portanto, será dentro da reflexão filosófica, principalmente nos dois últimos séculos, que a hermenêutica será objeto de discussão, inicialmente como uma ferramenta auxiliar da reflexão filosófica e, a partir daí, como um caminho próprio (independente da filosofia, ou, a depender do autor com o qual se trabalha, como a própria filosofia), cujos desenvolvimentos, como veremos, trazem importantes consequências para a ciência da religião.

1.2.4 Hermenêutica em Perspectiva Filosófica

Ainda no período clássico da filosofia grega, com Aristóteles, a hermenêutica é tematizada pela primeira vez como um instrumento racional de conhecimento, e não como inspiração e/ou revelação divina (Palmer, 1997). Segundo Higuet: “Aristóteles focaliza-se na interpretação da rea-lidade que a linguagem proposicional torna possível. Aqui, a interpretação não é subjetiva, mas objetiva” (HIGUET, 2013, p. 458).

A Idade Média foi marcada por discussões sobre a interpretação das escrituras religiosas, mas apenas no século XIX a hermenêutica passa a ser objeto de reflexão, ainda que pensada como um instrumento auxiliar para o trabalho exegético. Friedrich Schleiermacher (1768-1834) é o autor das Lições sobre a hermenêutica, em que “distingue dois aspectos complementares no processo da compreensão: o aspecto gramatical (estudo das imposições que a língua exerce so-bre o locutor) e o aspecto técnico (estudo do uso individual do discurso pelo locutor)” (HIGUET, 2013, p. 458). Ambos os aspectos – o primeiro, objetivo; o segundo, marcado pela subjetividade – devem ser considerados no processo de interpretação. É a busca do trabalho da subjetividade em meio à objetividade da linguagem que caracteriza o ato de compreender. Explica Higuet:

Para Scheleirmacher, não se pode realmente oferecer a explicação (Auslegung) de um produto da atividade criativa do espírito sem referir-se a uma compreen-são (Verständnis) do processo criativo que o engendrou. Isso supõe a capacidade do intérprete de reconstruir e reproduzir em si mesmo o processo de formação do texto referido (circularidade hermenêutica). Trata-se de reencontrar a subjeti-vidade criativa que presidia à formação do texto dentro dos limites gramaticais da estrutura da língua e das leis de seu funcionamento. Mas as regras particula-res da exegese e da filologia serão doravante subordinadas à problemática geral do compreender, à operação central que unifica a diversidade da interpretação (HIGUET, 2013, p. 458).

Com Wilhelm Dilthey (1833-1911), a hermenêutica passa de atividade auxiliar a momento central na reflexão filosófica. Dilthey estabelece uma cisão entre as ciências da natureza, que pro-curam explicar os fenômenos por meio da busca de nexos de causa e efeito; e as ciências do es-pírito, que pretendem compreender os desenvolvimentos da atividade humana (HIGUET, 2013, p. 458).

Essa divisão epistêmica, entre um grupo de ciências voltado à análise dos fenômenos natu-rais – assumidos como produtos de leis universais e necessárias (expressas, por exemplo, na física newtoniana) – e um grupo de ciências voltado à compreensão das atividades humanas como expressão de uma subjetividade, revela uma preocupação ética: a de preservar a autonomia dos sujeitos sociais e históricos como autores responsáveis por suas ações, evitando reduzi-los e aos fenômenos sócio-históricos a resultado de precondições objetivas e necessárias (como pretendia a sociologia positivista então nascente, ao tentar reduzir as relações sociais a uma “física social”). Nas palavras de Josgrilberg:

A compreensão apreende as relações e significações que envolvem a vivência do intérprete. Compreensão é dada no retomar a vida expressa em signos, sem manter-se na exterioridade da expressão (exterioridade de explicações), mas to-mando-a na vivência da qual nasceu. Esse apelo à experiência vivida é essencial ao trabalho de compreensão. A compreensão é, segundo esse filósofo, o órgão das ciências humanas (JOSGRILBERG, 2012, p. 33).

No século XX, Martin Heidegger (1899-1976) propõe, em seu clássico Ser e tempo, a aplica-ção da fenomenologia filosófica desenvolvida por Edmund Husserl ao problema do ser, o que ficará conhecido como ontologia fundamental. O ponto de partida de sua investigação é o pró-

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prio ser humano, “na medida em que este está sozinho para interrogar-se sobre si mesmo, colo-car-se em questão e refletir sobre seu próprio ser” (CHAUÍ, 2005, p. 7). Essa reflexividade intrínse-ca é necessariamente uma atividade hermenêutica, como esclarece Higuet:

O compreender entende-se como estrutura original do ser-no-mundo que é constitutivo do Dasein (ser-aí) humano. O existir possui uma estrutura herme-nêutica e esta é o próprio compreender-se como ser projetando-se progressiva-mente na busca do sentido. A pré-compreensão formaliza-se explicitamente na imagem do círculo hermenêutico, projetando o mundo como pressuposto do ser, no que diz respeito à sua contextualização e às suas realizações. O ato her-menêutico encontra-se assim totalmente enraizado histórica e ontologicamen-te, com uma especial orientação para o futuro antecipado na decisão. Heidegger “funda o círculo hermenêutico das ciências do espirito sobre uma estrutura de antecipação que pertence à posição mesma do nosso ser no ser” (HIGUET, 2013, p. 459).

Em seus escritos posteriores, a meditação de Heidegger acontece não mais tendo como re-ferencial primeiro a existência humana, mas, a partir da linguagem, é assumida como acesso ao ser:

O ser do “segundo” Heidegger é uma espécie de iluminação da linguagem: não da linguagem científica, que constitui a realidade como objeto, nem da lingua-gem técnica, que modifica a realidade para aproveitar-se dela. O ser “habita” antes a linguagem poética e criadora, na qual se pode “comemorá-lo”, isto é, lembrá-lo conjuntamente, a fim de não se cair no esquecimento. Elevar-se até o ser não seria, portanto, conhecê-lo pela análise metafísica, nem explicá-lo ou in-terpretá-lo através da linguagem científica. Seria “habitar” nele, através da poesia (CHAUÍ, 2005, p. 10).

Outra contribuição importante para o desenvolvimento contemporâneo da hermenêuti-ca encontra-se no trabalho de Gadamer (1900-2002). Sua obra Verdade e método é, ao mesmo tempo, uma crítica histórico-filosófica ao desenvolvimento da hermenêutica de Scheleiermacher a Heidegger e também uma nova proposta, a partir das ideias do mesmo Heidegger (PALMER, 1997, p. 51). Nas palavras de Palmer, para Gadamer: “A hermenêutica é um encontro com o Ser através da linguagem” (PALMER, 1997, p. 52). Comenta Higuet:

A nova hermenêutica de H. G. Gadamer retoma como ponto de partida a pri-mazia da linguagem em relação ao sujeito interpretante – este deve antes de tudo considerar-se como interpretado pela mesma linguagem – que aparece no pensamento tardio de Martin Heidegger. Gadamer parte da descrição do ato hermenêutico como diálogo: o intérprete e o texto são como interlocutores que, através da articulação dialética de perguntas e respostas mutuamente rela-cionadas, pretendem alcançar o entendimento necessário para a comunicação de algo: “No diálogo bem-sucedido, os dois interlocutores colocam-se debaixo da verdade da coisa, e essa verdade os une numa comunidade nova”. O diálo-go hermenêutico tende a modificar o horizonte de compreensão próprio do intérprete, evidenciando seus limites e solicitando novas aberturas. O processo de interpretação leva assim a uma progressiva fusão dos horizontes ou pontos de vista (Horizontverschmelzung), que se torna, por sua vez, uma nova figura do horizonte atual de compreensão, e assim por diante, indefinidamente (HIGUET, 2013, p. 459).

O diálogo permite, portanto, um aprofundamento da compreensão. Uma consequência que se pode cogitar é a inexistência de um significado definitivo, uma vez que cada novo intérprete potencialmente ampliaria a compreensão já existente. Logo, a compreensão está apoiada e in-serida na história. O que chama a atenção para a importância da tradição: “A relação com a tradi-ção, na qual o saber hermenêutico se constitui, está sempre pressuposta a si mesma; a tradição não é objeto, mas princípio de conhecimento” (HIGUET, 2013, p. 459). No diálogo com a tradição, novos sentidos são percebidos por cada intérprete.

Paul Ricoeur (1913-2005) é também tributário da fenomenologia de Husserl e da herme-nêutica fenomenológica de Heidegger. De Husserl, retoma a noção de intencionalidade: a cons-ciência está voltada para um objeto; a consciência é reflexiva. De Heidegger, a ideia de que essa intencionalidade tem, na existência humana, o seu objeto privilegiado. Ricoeur reconhece a in-terpretação dos textos como desdobramento da interpretação da existência. Há uma continui-dade, e mesmo uma circularidade entre os dois modos de interpretar, uma vez que toda expe-

GloSSárioFenomenologia: termo que significa, etimolo-gicamente, “estudo dos fenômenos”. Aplicado à ciência da religião, refere-se a uma varie-dade de autores, dos quais o mais conheci-do no Brasil é Mircea Eliade, que pretendem uma compreensão do fenômeno religioso por si mesmo, defendendo a importância de se estudar o ponto de vista dos sujeitos religiosos, porque o fenômeno reli-gioso seria sui generis, ou seja, único, e deveria ser compreendido independentemente de condicionantes his-tóricas, econômicas ou quaisquer outras.GASBARRO, Nicola. Fenomenologia da re-ligião. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, p. 75-99.

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riência humana é mediada por signos, símbolos e textos, portanto, está relacionada à linguagem (HIGUET, 2013, p. 460).

Os textos, para Ricoeur, criam mundos, entendidos como ordens de sentido; sentido que, para ser interpretado e compreendido, exige principalmente atenção à linguagem vivida (JOS-GRILBERG, 2012, p. 42).

A hermenêutica se realiza plenamente na interpretação dos textos: “Ricouer propõe uma dialética da compreensão e da explicação no nível do sentido do texto, processos outrora sepa-rados por Dilthey. O que, aos olhos dele, tem o mérito de preservar o diálogo entre a Filosofia e as Ciências Humanas” (HIGUET, 2013, p. 461).

1.2.5 Hermenêutica Aplicada à Ciência da Religião

Higuet (2013) e Josgrilberg (2012) veem na hermenêutica um instrumental metodológico que permite tematizar a experiência religiosa, recolocando a relação com o sagrado no centro da pesquisa sobre religião. A hermenêutica, ao permitir pensar a religião como texto, se volta para a reconstituição dos aspectos simbólicos, míticos, rituais e também para o entendimento das dou-trinas; daí a importância que assumem, ou recuperam, os textos religiosos para a compreensão dos sistemas religiosos (cf. HIGUET, 2013, p. 461).

A seguinte passagem, ao mesmo tempo em que sintetiza a contribuição da hermenêutica para as ciências humanas, é reveladora do lugar que o autor lhe atribui nos estudos sobre religião:

BOX 2

Contribuição da Hermenêutica Para as Ciências Humanas e Estudos sobre religião

A hermenêutica desenvolveu-se como conjunto de métodos e técnicas para a interpre-tação de textos cujo significado era considerado obscuro ou de difícil acesso. Tratava-se, em primeiro lugar, de textos antigos, pertencendo a culturas distantes no tempo e/ou no espaço. A maioria desses textos era de natureza religiosa e, entre eles, o texto bíblico ocupa, desde as origens, um lugar de destaque. Com o tempo, a hermenêutica passou a ser aplicada à lin-guagem em geral, reconhecidamente metafórica e simbólica, e às ações humanas e aconte-cimentos históricos. Ela se tornou método apropriado para as ciências humanas e, entre elas, as ciências da religião. Assim, a hermenêutica entende a religião como um grande texto desa-fiando a sagacidade do intérprete. Através do texto, o sagrado se dá como uma experiência de excesso de sentido, além da subjetividade e da linguagem humana, além dos limites da ontologia. A hermenêutica busca uma compreensão dessa experiência, especialmente pela leitura dos símbolos e dos mitos religiosos. Desse modo, a hermenêutica compreende a reli-gião a partir de dentro, constituindo-se como pressuposto dos métodos que, como a semió-tica, interpretam os signos a partir da sua estrutura linguística. Ela se apresenta enfim como complemento crítico para as ciências sociais da religião, que privilegiam as abordagens empí-ricas e quantitativas.

Fonte: HIGUET, 2014, p. 111.

Na perspectiva adotada por Higuet, a hermenêutica propicia um “complemento crítico” às ciências sociais, enquanto estas privilegiariam os aspectos empíricos dos fenômenos religiosos, a partir de uma abordagem metodológica predominantemente quantitativa, que deixaria em segundo plano a maneira como os sujeitos religiosos compreendem suas próprias experiências (HIGUET, 2013, p. 465-466).

Higuet, apoiando-se em Ricoeur, considera os símbolos como o ponto de partida da ativi-dade hermenêutica. A relação entre o sagrado (referência ao transcendente) e o texto (produção humana), mediada pelos símbolos, é explicitada da seguinte maneira por Higuet:

O sagrado implica uma ampliação da fonte de sentido além da subjetividade e da linguagem humana, além dos limites da ontologia. O sagrado se dá como uma experiência de excesso de sentido, que ultrapassa o limite da experiência doadora de sentido. Os textos (ritos, mitos, crenças) nos remetem a esta expe-riência. Eles são documentos preciosos para uma arqueologia do humano e do sujeito. O símbolo religioso é o modo de linguagem destes textos, que resulta de

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uma função poética da linguagem que acumula sentido em um signo. O símbolo como signo do sagrado dá o sentido, isto é, o sentido é apropriado através dele: o símbolo dá o que pensar.Já que o símbolo acontece em um ambiente mais amplo, é preciso passar de uma mediação simbólica a uma mediação da narrativa. O mito é uma narrati-va no horizonte do sagrado que procura dar sentido e fixar ordens originárias. Como parte do arquivo da humanidade, o mito inaugura a ordem de sentido de mundo em geral e dos mundos particulares. Expressos em modo narrativo, os gestos inaugurais se traduzem numa literatura das origens (por exemplo, Gn 1,1-2,3) (HIGUET, 2013, p. 462).

Higuet explicita a aplicabilidade da hermenêutica em três aspectos da pesquisa sobre reli-gião: os símbolos religiosos, os mitos e a interpretação bíblica.

A partir de Ricouer, afirma que os símbolos são polissêmicos, ou seja, estão abertos a uma pluralidade de sentidos, modificáveis de acordo com o contexto e também devido à interpre-tação que deles são feitas. O símbolo tem a capacidade de transsignificar, ou seja, de ir além de seu sentido originário; a mediação simbólica torna o transcendente ou o sagrado compreensível. “Por exemplo, a água utilizada no banho ritual é o âmbito no qual se hierofaniza o sagrado como força de purificação” (HIGUET, 2013, p. 463).

O símbolo relaciona não apenas o sujeito religioso ao sagrado, mas faz interagir os seres hu-manos; é, portanto, socializante. Tende à permanência e à universalidade, sendo muitas vezes en-contrado em diversas tradições religiosas distintas. Ao comentar o conceito de símbolo, Ricouer afirma: “Talvez não haja criação simbólica não enraizada em última instância no fundo simbólico comum da humanidade” (HIGUET, 2013, p. 460).

O ponto talvez mais relevante levantado por Higuet é o que ele chama seu caráter pré-herme-nêutico: o símbolo precisa ser interpretado, e para tanto, deve ser relacionado a outros símbolos.

A verdade do símbolo religioso manifesta-se quando ele é capaz de exprimir existencialmente nossa relação com o fundamento último do ser. O símbolo tem capacidade de abrir para nós níveis de realidade para os quais a linguagem não simbólica é inadequada. Assim, a devoção ao crucifixo é realmente dirigida à cru-cifixão no Gólgota, e a devoção à última intenciona, na realidade, a ação redento-ra de Deus que é, em si mesma, uma expressão simbólica para uma experiência do incondicionado transcendente (HIGUET, 2013, p. 463).

Na narrativa mítica, o simbólico expressa ainda mais complexidade. Por compartilhar com o símbolo sua natureza polissêmica, o mito permite diversas interpretações, estando, portanto, sujeito às disputas dos sujeitos e dos grupos religiosos (HIGUET, 2013, p. 464). Abre-se caminho para a discussão dos aspectos ideológicos que se apresentam nas diferentes interpretações. Ou seja, os textos e suas interpretações não são “neutros”. A atitude diante dos textos não é apenas a da busca do conhecimento, mas pode ser também motivada por interesses, como a busca ou a conservação do poder.

Por fim, a hermenêutica aplicada à leitura bíblico-teológica: Higuet chama a atenção para as diferentes correntes teológicas que, no decorrer do século XX, aplicam aos estudos bíblicos uma interpretação contextualizada, como as teologias da libertação e feminista, entre outras. O mesmo processo abre também caminho para a hermenêutica da recepção (que procura com-preender como o texto é interpretado em diferentes contextos, por leitores ou grupos de leitores distintos), o diálogo com a literatura, na busca da intertextualidade entre os textos da tradição religiosa e textos literários de autores de diversas épocas, e a hermenêutica aplicada às imagens religiosas (HIGUET, 2013, p. 464-465).

Fica em aberto a necessidade e a possibilidade de ampliar essa perspectiva, examinando como processos semelhantes se desenvolvem em relação aos textos religiosos de outras tradi-ções, e não somente as do cristianismo.

Por outro lado, não é nossa intenção afirmar que as relações entre hermenêutica e ciência da religião, tais como pensadas por Higuet (2012), esgotem suas possibilidades. Mas, certamen-te, o estudo dos símbolos religiosos, das narrativas míticas e dos textos religiosos podem consti-tuir as bases desse diálogo.

diCASobre a importância do mito e seu papel nas linguagens religiosas, recomendamos a leitura de: QUEIROZ, José J. Mito e suas regras. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, p. 499-511.

diCA Sobre a relação entre hermenêutica e ideo-logia, leia-se: JOSGRIL-BERG, Rui de Souza. Hermenêutica fenome-nológica e a tematiza-ção do sagrado. In: NO-GUEIRA, Paulo Augusto de Souza. linguagens da religião. Desafios, métodos e conceitos centrais. São Paulo: Pau-linas; ANPTECRE, 2012, p. 31-67 (especialmente p. 44-46).

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ReferênciasCHAUÍ, Marilena de Souza (consultoria). Vida e obra. In: Heidegger, Martin. os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2005.

CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa. São Paulo: Paulinas, 2001.

GASBARRO, Nicola. Fenomenologia da religião. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, p. 75-99.

HIGUET, Etienne Alfred. Hermenêutica da religião. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, p. 457-468.

HIGUET, Etienne Alfred. Hermenêutica: religião na produção e crítica dos sentidos. Estudos de religião, v. 28, n. 1, p. 111-114, jan.-jun. 2014.

HIGUET, Etienne Alfred. Interpretação das imagens na teologia e nas ciências da religião. In: NO-GUEIRA, Paulo Augusto de Souza. linguagens da religião. Desafios, métodos e conceitos cen-trais. São Paulo: Paulinas; ANPTECRE, 2012, p. 69-106.

JOSGRILBERG, Rui de Souza. Hermenêutica fenomenológica e a tematização do sagrado. In: NO-GUEIRA, Paulo Augusto de Souza. linguagens da religião. Desafios, métodos e conceitos cen-trais. São Paulo: Paulinas; ANPTECRE, 2012, p. 31-67.

JUNG, Carl Gustav. o homem e seus símbolos. Rio Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

KÖRTNER, Ulrich H. J. introdução à Hermenêutica Teológica. São Leopoldo: Sinodal, 2009.

PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1997.

RIKER, Jhon H. Human excellence and an ecological conception of the psyche. New York: Sta-te University of New York Press, 1991.

SMARJASSI, Celia Marilda. o próximo e o mal: um estudo da parábola do bom samaritano na leitura hermenêutica e filosófica de Paul Ricoeur, 2011. 245 p. Tese. (Doutorado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.

WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Paulus, 1998.

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UnidAdE 2A Ciência da Religião e o Estudo dos “Textos Sagrados”

Admilson Eustáquio PratesClaudio Santana Pimentel

2.1 IntroduçãoA Ciência da Religião começa a se estruturar, na segunda metade do século XIX e início do

XX, como uma ciência do texto; naquele momento, fortemente vinculada à Filologia, ao realizar a tradução, para as línguas ocidentais, de textos fundamentais das tradições orientais, tais como o Hinduísmo, Budismo, Taoísmo, Confucionismo, etc., sendo a coletânea em 50 volumes intitulada Sacred Books of the East, organizada por Max Muller, um dos mais significativos exemplos desse empenho inicial (cf. USARSKI, 2013, p. 56-57). No entanto, no decorrer do século XX, a Ciência da Religião foi se consolidando como uma disciplina empírica, de base histórica, ou sócio-histórica, e o trabalho com os textos foi sendo considerado uma atividade que corresponderia mais ade-quadamente à Teologia (cf. VASCONCELLOS, 2013, p. 469-170).

A posição assumida nesta Unidade, coerente com a postura de Nogueira (2012, 2013) e Vas-concellos (2012, 2013), entre outros autores, é a de que a linguagem, em geral, e a linguagem dos textos religiosos, especificamente, podem, sim, contribuir para uma melhor compreensão, por parte do estudante e do pesquisador do desenvolvimento dos diferentes fenômenos religio-sos, tendo como pressuposto que a história das religiões se enriquece também no diálogo com as fontes escritas das tradições religiosas – as quais também possuem uma história, que cami-nha, por vezes, em relação de influência mútua com a história social das religiões.

De que maneira os textos religiosos contribuíram (e ainda contribuem) para a construção, o registro e a organização do pensamento religioso? De que maneira o texto religioso influencia a experiência religiosa concreta e é por ela influenciada? Quais são as condições que permitem a um texto ou conjunto de textos serem considerados “sagrados”, ou seja, serem admitidos, dentro de uma tradição religiosa, como a expressão da relação dessa comunidade com uma realidade transcendente (ou serem considerados a própria palavra da divindade, como em algumas inter-pretações encontradas no Cristianismo e no Islã)?

Essas são algumas das questões que podem ser levantadas, a partir da Ciência da Religião, em relação aos Textos Sagrados. Ao elencá-las, de certa forma antecipamos uma possível “defi-nição” desses textos como aqueles que são elaborados dentro de uma determinada tradição re-ligiosa, e são, na perspectiva dos sujeitos e comunidades (e, também, das instituições religiosas), admitidos como a expressão da experiência dessa comunidade em relação ao transcendente.

2.2 Definindo “Textos Sagrados”Hock (2010, p. 41-43), ao tratar das fontes escritas da História da Religião, coloca como fon-

tes primárias as “escrituras sagradas” e os “documentos histórico-religiosos”. Estes últimos in-cluem documentos que podem ser considerados oficiais dentro de uma tradição, como certidões ou atas de batismo, textos jurídico-religiosos, textos pessoais de fiéis, como cartas, ou ainda, textos elaborados por autores externos à tradição referida, como os registros dos colonizadores europeus em localidades da África, América e Ásia, sobre as práticas religiosas das populações submetidas. São os primeiros, as “escrituras” ou “textos sagrados” que nos ocupam aqui. Estes, se-gundo o autor, podem ser divididos em três subcategorias: primeira, segunda e terceira classe.

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Entre as chamadas escrituras sagradas de primeira classe, encontram-se aqueles textos que são admitidos em suas respectivas tradições como expressão de uma revelação, em que Rock afirma:

[...]. Para a respectiva religião, têm um caráter fundante e constitutivo. Mas seu caráter pode variar muito. Muitas tradições religiosas conhecem escritos de reve-lação – ou seja, textos que conforme a compreensão da respectiva comunidade religiosa foram manifestados (“revelados”) por um poder superior e finalmente fixados por escrito depois de um período mais ou menos longo de tradição oral. Entre eles estão, por exemplo, a Avesta, o Alcorão, a Torá, o Novo Testamento, o Livro dos Mórmons, o Kitâb-i-Aqdas como o “Livro Mais Sagrado” dos Bahâ-î (ao lado de outros escritos de revelação), o Ofudesaki dos Tenrikyio japoneses ou os “Princípios Divinos” da Igreja da Unificação. No entanto, aqui há grandes diferenças na compreensão da revelação: por exemplo, o cristianismo de cunho ocidental abandonou, aos poucos e tacitamente, em grande parte a doutrina da inspiração verbal, ou seja, da origem divina de cada palavra individual da Bíblia, enquanto no islamismo somente alguns pensadores travessos ousam dar se-melhante passo, e a Igreja da Unificação, em contraste, supõe uma colaboração ativa de seu fundador San Myung Mun com a revelação. Em outras religiões, as “Escrituras sagradas” são tidas como não reveladas – por exemplo, os escritos do budismo, os escritos do confucionismo ou a Âdi-Grant do siquismo. Outros ocu-pam uma espécie de qualidade de meio-termo, por exemplo, os Vedas, aos quais é atribuída uma origem não humana e que são tidos, de certa forma, como re-velados, embora haja ideias extremamente variadas acerca da forma exata dessa “revelação” – por exemplo, é dito que Deus é a fonte, mas não o revelador dos Vedas (HOCK, 2010, p. 41-42).

“Escrituras sagradas de segunda classe”, ainda segundo Hock (2010, p. 42), incluem, entre exemplos possíveis, compilações e interpretações como a Toseftá ou o Midrash, no judaísmo, ou o Hadîth, no islamismo. Pode-se dizer que, embora admitidas como elaboração humana, man-têm uma relação próxima com os textos tidos como revelados ou sagrados.

As “escrituras sagradas de terceira classe” incluem, de acordo com Hock (2010, p. 42-43), co-mentários e interpretações dos escritos de primeira categoria, os quais podem ter variada impor-tância dependendo da tradição religiosa em que se encontram ou mesmo da época. Incluem co-mentários teológicos, hagiografias, etc., sendo chamadas pelo autor de “textos religiosos”. Nessa categoria, incluem-se também escritos religiosos de caráter poético ou confessional, que expres-sam convicções religiosas pessoais ou de uma comunidade.

Portanto, a diferenciação interna entre “escrituras sagradas” não é algo rígido nem tam-pouco definitivo. Os exemplos elencados por Hock (2010) mostram como podem ser porosas as classificações das escrituras religiosas. Essa diferenciação pode variar de acordo com a tradição à qual o pesquisador ou estudante se dirige, e pode ser objeto de discussão dentro de cada tradi-ção ou comunidade religiosa; assim como sua definição e redefinição está sujeita às transforma-ções históricas, sociais e epistêmicas. Por conveniência, manteremos, ao longo desta Unidade, a expressão “textos sagrados”, deixando claro que o adjetivo “sagrado” considera a autocompreen-são do sujeito ou da comunidade ou ainda da instituição religiosa a respeito da sua própria expe-riência ou tradição, mediada por aquele texto.

Quadro 1Classificação das “escrituras sagradas”

“Escrituras sagradas”

“Primeira Classe”Textos considerados “sagrados” por uma tradição religiosa, ou seja, divinamente inspirados ou redi-gidos.

“Segunda Classe”Textos considerados divinamente inspirados por uma tradição religiosa, embora esta admita o cará-ter humano de sua produção.

“Terceira Classe” (“Textos religiosos”) Textos elaborados a partir de uma experiência religiosa individual ou comunitária.

Fonte: HOCK, 2010, p. 41-43.

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Quais são os critérios que permitem reconhecer um texto, ou um conjunto de textos, como “escrituras sagradas”, ou “textos sagrados”? Ou seja, quais são os procedimentos que permitem a uma determinada tradição religiosa identificar um conjunto de textos como canônicos, ou seja, referenciais, e, a partir daí, o que acontece a esses textos?

A respeito de como as tradições religiosas qualificam os textos sagrados, Vasconcellos elen-ca os critérios reunidos por Miriam Levering (1989, p. 8-9), que reproduzimos abaixo:

BOX 3

Critérios de canonização das escrituras religiosas ou textos sagrados

1. Há sempre crenças de que o texto seja de origem divina, ou o produto de um insight es-pecial.

2. Qualquer que seja sua origem, eles são vistos e tratados como sagrados, isto é, podero-sos e invioláveis, e devem ser tratados com respeito.

3. Eles são vistos e consultados como normativos, portadores de autoridade para uma au-toridade em vários aspectos de sua vida religiosa: o culto, a doutrina, o comportamento.

4. Os textos, sejam eles em forma escrita ou oral, são vistos como fechados e fixos, não de-vendo sofrer acréscimo ou subtração. Em outras palavras, eles são tratados como um câ-non.

5. Quando o texto assume a forma de um livro, é visto como completo. Ele contém tudo de importante, e pode ser aplicado a todos os aspectos da vida.

6. Os textos são usados por membros da comunidade em contextos religiosos e rituais.7. As escrituras testemunham sobre aquilo que é fundamental

Fonte: VASCONCELLOS, 2012, p. 150.

2.3 A Religião como TextoNogueira (2012), ao propor uma compreensão da religião como texto, desde uma aborda-

gem semiótica, retoma a questão, apontando importantes consequências para a atividade do cientista da religião. Em seu trabalho, o autor, um estudioso do Cristianismo dos primeiros sé-culos, apresenta uma concepção de texto bastante distinta da compreensão usual nos estudos sobre escrituras religiosas. Há uma ampliação do conceito de texto, que tende a ser visto em suas articulações sociais e históricas, e não de maneira isolada:

Considerar o conceito semiótico de texto pode ter efeitos muito dinâmicos para os estudos de religião. Tomemos um caso como o dos estudos bíblicos (pode-ríamos ter tomado estudos do Talmude ou do Alcorão, como exemplo). Na pers-pectiva tradicional há várias formas de segmentar este campo de estudos. A mais comum é a de classificar os textos como canônicos ou não canônicos, ou seja, como sendo de dentro ou de fora da cultura. Isso pode ser traduzido em diferen-tes oposições: ortodoxo versus herético (nos casos mais extremos), ou de maior historicidade versus de pouca ou nenhuma historicidade (em práticas acadêmi-cas contemporâneas). De fato, os textos que hoje chamamos de canônicos já passaram por processos de tradução por meio dos textos que convencionamos chamar de apócrifos. Ou seja, os gêneros (evangelhos, atas, apocalipses) sofreram interferências sincré-ticas de gêneros helenísticos (viagem aos infernos, combate entre magos) e de temas folclóricos (os milagres deixam a discrição da tradição judaica para se tor-narem mais fantásticos e exibicionistas). Um estudioso preocupado tão somen-te com tradições originárias, mais antigas, pode se sentir pouco interessado no estudo da literatura apócrifa. Mas, para um cientista da religião interessado em aumento de informação (diga-se, informação histórica da cultura!), em inserção de enredos, temas, personagens, em narrativas que traduzem os textos bíblicos do passado para novas gerações (no caso, do Novo Testamento), os apócrifos se tornarão imprescindíveis para o estudo do próprio Novo Testamento (NOGUEI-RA, 2012, p. 26).

ATividAdEReleia o material didáti-co da disciplina Textos sagrados: orientais e ameríndios; tradição oral, em especial a Unidade 2 – Hinduísmo, e Unidade 3 – Budismo, e discuta como se reali-zou o processo de cano-nização nessas tradições religiosas. Compartilhe sua reflexão com seus colegas no fórum.

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o conceito semiótico de texto:

Segundo Lotman, “texto” é toda unidade estruturada de informação. Os textos podem ser de caráter simples e técnico, privilegiando a transmissão correta de informação. Já os textos mais complexos, os textos da cultura, privilegiam a criação de novas mensagens em vez de simples transmissão de informação. Isso se deve ao fato de que não há uma codificação unifi-cada entre as diferentes pessoas e entre os diferentes textos. Além do mais, os textos da cultu-ra são, no mínimo, duplamente codificados: eles possuem a codificação de sua linguagem na-tural (as regras da linguagem falada ou as da linguagem icônica, por exemplo) e a codificação própria do seu âmbito específico, no caso, da linguagem religiosa ou artística, que também funciona como uma espécie de linguagem. Os textos da cultura também são híbridos e hie-rarquicamente organizados. [...]. Pensemos em um ritual religioso como um texto complexo composto de diferentes subtextos: palavra oral, palavra escrita, palavra cantada, gestos litúr-gicos, danças, decoração do espaço, símbolos, vestimentas, disposição das pessoas, interação entre as pessoas e o espaço, a leitura e a entonação dos textos e cantos etc. Toda essa ampla e complexa gama de textos com seus sistemas particulares (pois há prescrições para a leitura, para o canto, para o gesto, para a organização do espaço etc.) pode e é efetivamente percebi-da pelas pessoas que participam do ritual, cada qual com seus códigos, em infinitas formas. É essa complexidade de sistemas rituais que torna a cultura tão dinâmica e sempre pronta para a produção de novos textos. [...].

Devemos observar, porém, que constatar esse tipo de complexidade estrutural ainda não basta para justificar a importância e a centralidade destes textos da cultura. O que torna essa complexidade sistêmica dos textos da cultura tão importante é o fato de que ela exerce o papel de modelizadora do mundo. Ou, segundo as palavras de Lotman, constituem-se em um “sistema modelizador de segundo grau”. Os textos culturais modelizam nossa compreen-são de mundo segundo suas regras, como se elas fossem linguagens e de fato elas se portam como linguagens. A criação de um texto artístico-religioso tem como consequência a criação de um universo da cultura moldado por este texto: ele transfigura a realidade a tal ponto que só podemos considerar como existente o que pode ser descrito na cultura. [...]. No caso das linguagens da religião teríamos, portanto, uma dupla codificação: a religião se relaciona com a linguagem natural (que pode ser a língua falada, o iconismo etc.), mas também se consti-tui em um sistema complexamente estruturado de linguagem. Isso gera na religião um poder equivalente ao da arte para a criação de novos textos, lançando-nos numa rede de intensas e inesgotáveis criações simbólicas.

Fonte: NOGUEIRA, 2013,p. 451-452.

Dessa maneira, o estudante e o cientista da religião devem manter-se atentos ao leque de interpretações propiciadas pelos diferentes textos que compõem a esfera das tradições religio-sas, e não apenas aqueles textos admitidos institucionalmente como canônicos. Os textos reli-giosos, as escrituras e as leituras que delas vão sendo construídas e reconstruídas, em diálogo com a história e a sociedade, constituem um acervo permanentemente à disposição do estudan-te e/ou pesquisador; a história dos textos, de seus processos de elaboração e de recepção, tra-zem importantes elementos para a compreensão dos desenvolvimentos das dinâmicas sociorre-ligiosas, assim como essa história também é influenciada por essas dinâmicas.

Para ficarmos em um único, mas significativo, exemplo de como a narrativa religiosa está sujeita a transformações e ressignificações, que se articulam em termos de recepção sociorreli-giosa das escrituras religiosas ou textos sagrados, encontramos, no trabalho do próprio Noguei-ra (2012), um exemplo que se refere à tradição cristã, em geral, e tem relevância para o campo religioso brasileiro, especialmente. Trata-se da síntese, proposta por esse autor, dos modelos de reelaboração da noção de milagre na tradição cristã:

diCANesta Unidade, privi-

legiamos as tradições religiosas que assumi-ram a forma do texto

escrito, embora possa se dizer que todas têm sua

origem na oralidade. Para aprofundamento dessa discussão reco-

mendamos a leitura do seguinte texto:

BRITO, Ênio José da Cos-ta. Tradições religiosas

entre a oralidade e o conhecimento do letra-

mento. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). Compêndio de

ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus,

2013, pp. 485-498.

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Modelos de reelaboração da noção de Milagre na Tradição Cristã

a. No mundo bíblico, de forma geral, o milagre era uma afirmação sobre a dignidade do mi-lagreiro. Por isso, esses relatos estavam voltados para a missão aos gentios nas origens do cristianismo. Sua eficiência mágica, a ausência de mediações institucionais, de sacerdo-tes, era prova de que o milagreiro era um homem divino. Por essa razão, as narrativas dos evangelhos eram desprovidas de excesso de detalhes. O milagre (ainda que importante) não se sobrepunha ao milagreiro.

b. Nos apócrifos, e, em especial, na hagiografia, o milagre é tornado mais fantástico, é des-crito com mais detalhes. Eles se multiplicam na hagiografia. O fantástico e o milagreiro se confundem. Eles definem o caráter especial do homem santo.

c. Na piedade popular católica, o milagre é entendido como uma forma de relacionamento da divindade com o ser humano. Demonstra sua compaixão e misericórdia. As madonas também se tornam milagreiras, mães compassivas. As imagens tornam-se objeto de ve-neração e destino de peregrinação. O contato com elas desencadeia o milagre. Próximo ao santuário há um lugar de depósito de lembranças dos milagres (ex-votos). A peregri-nação é um ritual de celebração, de busca e de agradecimento do milagre.

d. Na pregação dos missionários protestantes no Brasil do século XIX e meados do XX, os milagres bíblicos eram ações verdadeiras, sobrenaturais. São os únicos milagres admiti-dos como verdadeiros, contrastando com os milagres falsos dos santos e das crendices populares. Ao se transformarem em milagres sobrenaturais, há uma tradução científica dos mesmos. Tornam-se provas, não da dignidade do milagreiro, nem de sua compaixão para com os miseráveis, mas provas de realidades metafísicas que, no entanto, não confli-tam com o bom senso e com a ciência, por serem excepcionais.

e. Nos movimentos pentecostais os milagres são prova do poder de Deus, de sua unção, sobre o grupo e sobre os seus líderes. Mais do que objetivos em si mesmos, eles são si-nais visíveis de batismo no Espírito Santo no grupo, prova de uma vivência “avivada” do Evangelho.

f. Nos movimentos pentecostais contemporâneos (também chamados de neopentecos-tais) há uma mudança deste texto da cultura: o objetivo não é o milagre em si mesmo, tal como narrado no texto bíblico, tampouco uma exaltação do milagreiro bíblico, e po-demos dizer que não há quase nenhuma ênfase na misericórdia da divindade ou do mi-lagreiro para com os desvalidos. O milagre é um modelo de relação com o poder da di-vindade: de desafiá-lo, de amarrá-lo, de obrigá-lo (“Deus é fiel”) a outro milagre, este sim importante: cura, sucesso financeiro e amoroso.Os modelos C a F coexistem e há formas intermediárias entre eles. E cada um deles pode ser lido como textos em diálogo.

Fonte: NOGUEIRA, 2012 p. 27-28.

Podemos destacar, desse exemplo, que os modelos de interpretação (textual) religiosa vão sendo constituídos em perspectiva histórico-social. Os modelos A e B referem-se, respec-tivamente, ao mundo bíblico e aos primeiros séculos do cristianismo. O modelo C refere-se ao mundo cristão medieval, e também revela ca-racterísticas que se encontram presentes na religiosidade popular brasileira, fortemente marcada pela recepção de elementos da reli-giosidade medieval própria dos colonizadores portugueses. O modelo D explicita o esforço para articular a mentalidade religiosa e a pres-suposição da verdade do texto religioso com a mentalidade científica característica da moder-nidade. Os modelos E e F explicitam tendências que podem ser consideradas contemporâneas na leitura religiosa de segmentos importan-tes do campo cristão no Brasil. Em todos esses modelos, pode-se dizer que a maneira como a leitura do texto religioso se constitui é marcada

Figura 2: Sean Connery e Christian Slater em cena de O nome da Rosa (1986) Fonte: Disponível em <http://blogdofrederi-cosueth.blogspot.com.br/2012/11/o-nome-da--rosa.html>. Acesso em 2 nov. 2014.

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por elementos sociais e por outros elementos textuais (por exemplo, as biografias populares dos santos na Idade Média, e também na religiosidade popular no Brasil).

2.4 A Formação dos Cânones das Tradições Religiosas

Vasconcellos (2013), fundamentando-se em Croatto (2002), levanta a seguinte questão: quais são os processos que levam uma tradição religiosa à elaborar de um cânone? Partindo das tradições judaico-cristãs, e a partir daí dirigindo a reflexão a outros contextos religiosos, enten-de-se que a formação do cânone é uma resposta a conflitos que podem ser de natureza interna (disputas no interior do grupo religioso) ou externa (disputas com outros grupos religiosos):

Vejamos o caso do Judaísmo, que viveu a fixação “definitiva” da Tanak em mea-dos do dramático século II da nossa era, com a segunda destruição de Jerusalém pelos romanos (135 d. C.) e a dispersão dos judeus pelo mundo; por outro lado, tensões com grupos vinculados a Jesus e outros que cultivavam vivências que escapavam aos esforços de reconstrução da identidade sociorreligiosa judaica conduzidos à época permitem compreender como textos de uso significativo nas sinagogas da diáspora, conhecidos apenas em grego, e outros que tradu-ziam certas experiências místicas acabassem sendo excluídos da lista final. No caso do Cristianismo, o processo que resultou no Novo Testamento foi longo, indo desde Marcião (meados do século II), que sugeria a identidade cristã defini-da em um corpus literário composto do Evangelho segundo Lucas (sem referência à escritura judaica, tidas por ele como interpolações de copistas) e dez cartas de Paulo (feitos, aí também, os devidos expurgos), até a fixação de vinte e sete títu-los, quase três séculos depois. Aqui as tensões eram basicamente internas, opon-do setores que se entendiam como ortodoxos e outros que eram vistos (ou se viam) como gnósticos, milenaristas, ebionitas etc (VASCONCELLOS, 2013, p. 471).

Um segundo aspecto, também levantado a partir da leitura de Croatto, “refere-se à relação entre processos de canonização e a busca de unidade doutrinária e organização religiosa” (VAS-CONCELLOS, 2013, p. 472). Vasconcellos apresenta a constituição do cânone cristão como um modelo da relação entre processo de canonização e formação da doutrina, indicado por Croatto, mas compara o que aconteceu no Cristianismo com o processo mais flexível encontrado no Hin-duísmo:

No caso específico do Cristianismo, a definição do cânon do Novo Testamento se foi dando em meio a intensos conflitos internos que haveriam de redundar em um sistema religioso visto como ortodoxo (e cada vez mais consolidado por meio de elementos extracanônicos, como os concílios dos séculos IV e V, que podem muito bem ser vistos como chaves interpretativas dos referidos textos).Por outro lado, justamente esse vínculo estreito entre cânon e unidade doutrinal e organização faz perceber que, na ausência desta última (ou numa presença menos decisiva), também os processos de canonização, se ocorrem, se dão com menos intensidade e/ou maior flexibilidade. Tome-se como exemplo o caso do Hinduísmo que, como se sabe, não se marca pela unidade doutrinária, nem por uma uniformização de ordem institucional. Justamente aí encontramos que o reconhecimento das “escrituras” nesse universo é bastante fluido, e, mais que um livro, temos um núcleo básico fundamental, os Vedas, de onde derivam inúmeros outros textos e livros, dos quais os Upanishades são dos mais destacados. Nada similar à polarização canônico-apócrifa que se firmou na tradição cristã. E nem falemos da multiplicidade de “cânones” que se poderia identificar no riquíssimo e multifacetado mundo dos Budismos (VASCONCELLOS, 2013, p. 472).

Nessa perspectiva, a constituição dos cânones religiosos diz respeito à conformação interna dos grupos religiosos, e/ou externa (em relação/conflito com outros grupos religiosos); diz res-peito, também, à unidade da doutrina e à estruturação da religião, enfim, processos que envol-vem relações de poder.

Vasconcellos enumera seis características básicas encontradas nos processos de formação dos cânones, elaboradas por Adriaanse (1998, p. 313-314.), que reproduzimos no quadro a seguir:

ATividAdEO filme o nome da

rosa, baseado no livro homônimo de Umberto

Eco, traz uma impor-tante discussão sobre a natureza do texto e

da leitura, assim como sobre sua relação com

as concepções religiosas de mundo.

Escolha algumas cenas do filme e problema-tize-as (por exemplo, a controvérsia sobre

a pobreza de Cristo e as discussões sobre as

heresias), procuran-do relacioná-las com

os conhecimentos desenvolvidos nesta

Unidade. Compartilhe sua reflexão com seus

colegas no fórum.

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Características do processo de canonização dos textos sagrados

1. resistência ao tempo: a canonização tem o sentido de salvar alguns elementos da tradi-ção da temporalidade e da mudança.

2. desistorização: a canonização visa à expressividade imediata e à significação em todos os contextos sem mediação histórica.

3. institucionalização: a canonização requer alguma diferenciação social de acordo com a qual a preservação da tradição pode ser consignada a grupos especiais.

4. normatividade: a canonização acarreta o caráter paradigmático e obrigatório das partes da tradição em questão.

5. identificação: a canonização é útil aos participantes de uma dada tradição na descober-ta de sua identidade pessoal e comunitária.

6. retrospecção: a canonização implica a consciência de declínio e distância.

Fonte: VASCONCELLOS, 2013, p. 473.

A respeito desse processo, conclui Vasconcellos:

Assim, as escrituras, quando elas existem, ou seja, quando são produzidas, refor-çam significativamente a definição da identidade religiosa, acentuando a coesão interna em torno de elementos da tradição que agora se veem “formatados”, fei-tos referenciais para o sistema religioso em questão, em seu arcabouço mítico-doutrinário, em suas expressões rituais e no ethos que o identifica. Esse processo, porém, acaba por estabelecer marcas diferenciais em relação a fatores externos ao grupo em questão, quando não é até mesmo estimulado por estes (VASCON-CELLOS, 2012, p. 144).

Vasconcellos aponta mais uma importante tarefa que o trabalho com as escrituras religio-sas apresenta ao cientista da religião. Trata-se de elucidar a gênese desses processos por meio dos quais os textos são unificados e estabelecidos, trazendo à tona disputas de poder e conflitos muitas vezes negligenciados ou esquecidos, em favor da unidade do grupo religioso. A partir daí, considera que, tão importante quanto conhecer os processos por meio dos quais as tradições religiosas estabelecem seus cânones, é “estabelecer os processos sócio-históricos e culturais que interferiram na configuração dos textos, desde as dinâmicas da transmissão oral até o papel dos redatores ‘finais’” (VASCONCELLOS, 2012, p. 145). No decorrer da Modernidade, as escrituras ju-daicas e cristãs foram submetidas a análises rigorosas sob seus diversos aspectos (literários, tex-tuais, sociais, históricos, etc.), mediante um procedimento exegético que ficou conhecido como “método histórico-crítico”.

Segundo Wegner, o método histórico-crítico caracteriza-se por trabalhar com fontes histó-ricas milenares, procurando analisar seu desenvolvimento, as diversas etapas e transformações sofridas até que o texto alcançasse sua forma presente, interessando-se, principalmente, por compreender as condições históricas de produção dessas fontes nos diferentes contextos. Seu aspecto crítico consiste na emissão de juízos sobre essas mesmas fontes. Em seu início, ligado à Reforma Protestante, o método confronta a interpretação alegórica da Bíblia, característica da Idade Média, em favor de uma leitura que recupere seu sentido literal, assim como a dependên-cia das interpretações em relação à tradição eclesiástica. A ênfase na literalidade permitiu explici-tar as contradições entre diferentes textos, e trouxe a necessidade de se compreender suas diver-gências, olhando para sua história (WEGNER, 1998, p. 17-18).

Sob a influência do Iluminismo, há uma crescente crítica aos aspectos dogmáticos e a pro-cura de uma leitura o mais possível científica dos textos bíblicos. Para Wegner, as grandes contri-buições do método histórico-crítico estão na elaboração de uma metodologia científica aplicada aos textos bíblicos (e, por extensão, à compreensão dos textos em geral), na permissão em estu-dar as aproximações e as inovações do Cristianismo em relação às demais religiões encontradas na época de seu surgimento e na superação da ideia da homogeneidade das primeiras comuni-dades cristãs, permitindo revelar sua diversidade de pensamento e conduta (WEGNER, 1998, p. 18-19).

Wegner considera como principais contribuições do método histórico-crítico o cuidado em relação ao fechamento em postulados doutrinários fechados; evitar falsas harmonizações, que ho-mogeneizariam tensões e conflitos presentes no Cristianismo nascente; contribuir para revelar o

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aspecto humano dos autores bíblicos; auxiliar a compreender a Bíblia como expressão de fé, mas também como produto das condições históricas de sua elaboração (WEGNER, 1998, p. 20-22).

Considerando o exposto até aqui, podemos afirmar que o cientista da religião, ao lidar com os textos sagrados, realiza um percurso de certa maneira inverso àquele proposto pela tradição religiosa. Enquanto esta atua ou atuou no sentido de preservar os seus textos dos efeitos do tem-po e da história, procurando apresentá-los como a-históricos e atemporais, portanto perenes e plenos de sentido, remover-lhes as contradições inerentes à própria tradição em seu desenvol-vimento, apresentando-os como uma síntese aparentemente perfeita e isenta de tensões e con-flitos, desconsiderando os textos considerados apócrifos que foram omitidos do cânone final em um processo teológico-político, o cientista da religião, por sua vez, assume a tarefa de reconduzir o texto a sua historicidade.

Dirige-se ao texto não como objeto de veneração, ou de uma interpretação pautada pelo estatuto da fé, mas indagando-o como uma das muitas testemunhas do desenvolvimento his-tórico das religiões– sendo o texto também resultado desse desenvolvimento, assim como pode ser, por vezes, seu protagonista. Diante dessa perspectiva histórica, os textos apócrifos são tam-bém objeto de sua análise, sem que se assuma uma hierarquia a priori.

Por outro lado, mostra-se fundamental para a análise reconhecer que, para as tradições in-vestigadas e os sujeitos e grupos que vivenciam essas tradições, esses textos são objetos de ve-neração. Podem ser objeto de estudo, crítica, podem ser instrumentalizados em função de inte-resses políticos, mas são objetos de fé, que conduzem o pensar e o agir dos sujeitos religiosos. Ignorar esse aspecto seria negligenciar o significado desses textos como constituintes de suas tradições.

Levantam-se questões do tipo: por que alguns textos foram rejeitados por determinada tra-dição e outros foram assumidos como expressão legítima de sua experiência? Como os cânones e como cada texto singular foram elaborados e, muitas vezes, reelaborados?

O cientista da religião procura trazer para o debate também as diferentes tendências inter-pretativas, procurando compreender como um texto religioso, individualmente ou em conjunto, foi interpretado em um determinado momento histórico ou quais as interpretações que dele se realizam no presente, e quais as implicações dessas transformações hermenêuticas para a pró-pria tradição religiosa em questão. Ao fazê-lo, traz para o primeiro plano os conflitos e tensões que a tradição religiosa pode ter procurado omitir ou ao menos minimizar. Esse último aspecto, a relação do texto sagrado com as interpretações que dele podem ser feitas por diferentes tradi-ções religiosas, será discutido em seguida, a partir de alguns exemplos escolhidos.

2.5 Tradições Religiosas e Interpretações dos Textos Sagrados

Dessa maneira, os múltiplos desenvolvimentos das interpretações que as tradições religio-sas fazem dos textos tidos por elas, como referenciais ou sagrados, constituem-se, para o cientis-ta da religião, como uma importante fonte de pesquisa. Escolhemos alguns exemplos relevantes, entre vários outros elegíveis: o primeiro deles tematiza o Alcorão, chamando a atenção para seu processo de estabelecimento como texto e também para a visão islâmica de uma continuida-de entre a revelação feita ao profeta Maomé e as revelações anteriores feitas a judeus e cristãos; em um segundo exemplo, chamamos a atenção para a interpretação “fundamentalista” da Bíblia, desenvolvida por grupos religiosos norte-americanos, entre o final do século XIX e o início do século XX. Ambos os exemplos, além de procurar oferecer uma primeira aproximação à maneira como essas diferentes tradições religiosas se pensam a partir de suas escrituras, trazem elemen-tos que podem colaborar para a formação de um olhar menos preconceito e mais sensível em relação a essas mesmas tradições. Logo, esses dois exemplos referem-se: a) a formação de uma tradição canônica; b) a formação de uma interpretação de um cânone tradicional, na modernida-de, por uma corrente religiosa que se acredita fiel a essa tradição. Concluiremos a seção com um terceiro exemplo, tendo como objeto a escritura religiosa no contexto do Espiritismo kardecista

diCAPara o desenvolvimento do método histórico-crí-tico, sugerimos a leitura

do seguinte artigo:ADRIANO Filho, José. O método histórico-

crítico e seu horizonte hermenêutico. Estudos de Religião, Ano XXII, n. 35, 28-39, jul/dez. 2008.

Disponível para leitura e download em:

https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/

index.php/ER/article/viewArticle/171

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no Brasil. Assim, nos voltaremos para uma tradição religiosa relativamente “nova”, mas que tem como característica pensar-se em continuidade com o Cristianismo, ao mesmo tempo em que, como o fundamentalismo, é um produto (bastante distinto) da modernidade.

É importante ressaltar que vários outros exemplos poderiam ser tratados aqui. Lembramos ao estudante que, no decorrer deste curso, as escrituras de diferentes tradições religiosas são abordadas em Cadernos Didáticos específicos.

2.5.1 O Alcorão

Alcorão vem de Al-qur’ān, significando “algo para ser lido ou recitado” (ATTIE FILHO, 2002, p. 110). Segundo Armstrong, Qu’ran, Corão, “A Recitação” (ARMSTRONG, 2008, p. 183).

Armstrong chama a atenção para o sentimento de inferioridade dos árabes em relação aos judeus e cristãos presentes na Península Arábica até o século VII. Alá era, em geral, identificado ao Deus adorado por judeus e cristãos (sendo tido como a divindade principal em um mundo ainda politeísta), e a Caaba era o principal centro de peregrinação da Arábia, mas sua população não havia tido um profeta como Moisés ou Jesus, e também não havia uma escritura em língua árabe (ARMSTRONG, 2008, p. 182-183).

Com a revelação divina transmitida pelo anjo Gabriel a Maomé, o Alcorão é compreendido como a continuidade das revelações feitas a judeus e cristãos:

O Profeta acreditava que sua missão e as revelações vinham da mesma inspi-ração das anteriores, enviadas aos judeus e aos cristãos, e, por isso, coincidiam em parte. Tratar-se-ia assim de uma renovação da mensagem de Deus que fora anunciada no Antigo e no Novo Testamento (ATTIE FILHO, 2002, p. 110).

A revelação foi sendo feita a Maomé no decorrer de mais de vinte anos. Paralelamente, constitui-se uma tradição oral, alimentada por aqueles que conviveram com o profeta, ouviram e repetiram suas palavras. Após a morte de Maomé, os primeiros califas, seus sucessores, assumi-ram a incumbência de organizar o texto sagrado:

Os primeiros califas trataram de organizar o texto em ordem decrescente, por ex-tensão de capítulos, e estabeleceram-no como o encontramos até hoje, dividido em 114 capítulos – ou suratas – que contém, cada uma, um número variável de versos (ATTIE FILHO, 2002, p. 111).

O processo de seu estabelecimento em texto, assim como seu significado no cotidiano dos fiéis, é assim sintetizado por Armstrong:

Figura 3: Meninas muçulmanas estudam o Alcorão Fonte: Disponível em <http://www.islamreligion.com/pt/articles/347/>. Acesso em 26 dez. 2014.

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O texto não chegou a Maomé na ordem em que o lemos hoje, mas aleatoria-mente, conforme os fatos se sucediam e ele se concentrava em seu motivo mais profundo. À medida que cada segmento era revelado, Maomé, que não sabia ler nem escrever, recitava-o em voz alta, os muçulmanos o decoravam e os poucos alfabetizados anotavam-no. Cerca de vinte anos após a morte de Maomé, fez-se a primeira compilação oficial da revelação. Os editores puseram as suras mais extensas no início e as mais curtas no fim. Esta disposição não é tão arbitrária quanto pode parecer, porque o Corão não é nem uma narrativa nem uma argu-mentação que exijam uma ordem sequencial. Ao contrário, reflete sobre vários temas: a presença de Deus no mundo natural, as vidas dos profetas, o Juízo Final. Para um ocidental, incapaz de apreciar a beleza extraordinária do árabe, o Corão deve ser aborrecido e repetitivo. Parece repisar a mesma coisa incontáveis vezes. Mas o Corão não se destina à leitura pessoal, e sim à recitação litúrgica. Uma sura entoada na mesquita lembra aos muçulmanos todos os princípios fundamentais de sua fé (ARMSTRONG, 2008, p. 186).

Chama a atenção o sentido de continuidade, mas ao mesmo tempo de crítica, em relação às maneiras como judeus e cristãos lidaram com a revelação divina:

A mensagem do Alcorão não procurou uma nova fé, mas sim restabelecer a pu-reza original da religião revelada por Deus a Abraão e a Ismael. Esta teria sido alterada por judeus e por cristãos, apesar de lhes ter sido lembrada por inúmeros profetas, de Moisés até Jesus, ao longo do tempo. No Alcorão, depois do nome de Deus, o mais citado é o de Abraão. Também há referências a Ismael, Isaac, Moisés, Salomão e uma série de nomes provenientes da revelação contida no Antigo Testamento. Quanto ao Novo Testamento, são citados os nomes de vários Apóstolos e o de João Batista. Jesus é considerado filho do Espírito com a Virgem Maria e o profeta que antecedeu o próprio Muhammad. Ao invés da trindade, afirma-se a unidade absoluta de Deus (ATTIE FILHO, 2002, p. 111).

O Alcorão tornou-se para os muçulmanos referência central na conduta ética. Tornou-se, também, referência política e jurídica, sendo objeto de diferentes, e, muitas vezes, conflitantes interpretações. A tentativa de se encontrar uma interpretação adequada da mensagem sagrada deu origem ao kala̅m – a teologia. Uma teologia que, em suas origens, era fortemente marca-da pela oralidade, e tem como fonte a cultura cristã, apenas tardiamente recebendo a influência grega (ATTIE FILHO, 2002, p. 123-128).

Os diferentes modos de interpretar o Alcorão encontram-se na base das duas principais cor-rentes em que o Islã divide-se em xiita e sunita. Ainda no século VIII, é estabelecida a interpreta-ção xiita:

Por volta de 760, Já’fas As Sadiq estabeleceu o que para ele seriam os caminhos adequados de interpretação do Corão, e distinguiu três níveis básicos, superpos-tos em termos de fins e profundidade: (a) verter, do árabe em que o Corão fora fixado para o árabe falado, o referido livro; (b) entender as suratas do Corão à luz da conjuntura que as viu nascer; (c) perceber que a abordagem efetivamen-te valiosa estaria no caminho da especulação, em que se transcendia a letra do texto e se descobriam as verdades nele comunicadas, mas ocultas a olhos des-preparados. Numa prática que alguns estudiosos chamaram de “alegórica”, Sadiq chegou a identificar no Corão referências a Ali, o único dos califas reconhecidos pela vertente xiita do Islã, e argumentar em seu favor como o primeiro dos imãs (VASCONCELLOS, 2013, p. 477).

Cerca de dois séculos mais tarde, surge a interpretação sunita:

No ramo sunita, encontramos Abu Já’far at-Tabari (séculos IX-X). Incomodado com as diversas interpretações do Corão que pululavam em seu tempo, esse mestre pretendeu estabelecer um método que viesse a pôr fim a essa diversifica-ção potencialmente problemática (e o que ele obviamente conseguiu foi propor mais um caminho interpretativo). Dois acentos emergem de sua obra: (a) o Corão deve ser visto como ponto alto e ponto de chegada, em que todas as promes-sas, como aquelas encontradas na Torá judaica e no Novo Testamento, se veem realizadas; (b) a interpretação do Corão deve ser feita a partir dele mesmo, o que significa dizer que ele deve ser entendido como uma unidade, cujas partes são compreendidas na relação com as outras (VASCONCELLOS, 2013, p. 477).

Essas duas tendências interpretativas continuam a ser referências importantes para milhões de muçulmanos até o presente. Um aspecto importante a ressaltar é a maneira como a revelação

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no Islã é pensada como continuidade das revelações feitas a judeus e cristãos. Aspecto que pode colaborar não para uma visão homogeneizante, que tenda a apagar equivocadamente as dife-renças entre cada religião (e mesmo a diversidade presente nas interpretações de uma mesma religião), mas para uma leitura sensível aos pontos de contato, e, portanto, às possibilidades de diálogo entre as diferentes tradições religiosas.

2.5.2 A interpretação Fundamentalista Cristã

É necessário, antes de prosseguirmos, explicitar de que fundamentalismo se está falando aqui. Isso se deve ao fato de que, no decorrer do século XX e no início do século XXI, diversas ten-dências religiosas passaram a ser apelidadas, inclusive nas diferentes mídias, de “fundamentalis-tas”, por se entender que essas tendências se caracterizariam por uma intolerância em relação a outros pontos de vista religiosos. O termo atualmente é empregado para se referir não apenas a grupos religiosos cristãos, como em sua origem, mas a grupos presentes em diferentes tradições religiosas que apresentem tais características. Evidentemente, essa caracterização, e a lapidação conceitual adequada, merece ser discutida em um momento apropriado.

O que nos chama a atenção neste momento são os grupos religiosos norte-americanos da passagem do século XIX para o XX, que, principalmente devido à publicação de uma série de do-cumentos que explicitavam a sua compreensão sobre a maneira adequada de se relacionar com os textos religiosos (1910-1915), The Fundamentals – A Testimony to the Trust (“Os Fundamentais – Um testemunho em favor da verdade”), deram origem modernamente ao termo “fundamenta-lismo”, que passaram a empregar para se autodesignar e à sua posição.

Situando contextualmente, trata-se da resposta que grupos religiosos protestantes conser-vadores norte-americanos procuraram oferecer a, de um lado, uma visão de mundo tecnológico-científica moderna que começava a despontar como hegemônica, e parecia condenar a religião a um lugar secundário na sociedade; de outro, ou ainda, concomitantemente, as tendências pro-testantes liberais, que procurando adequar-se à Modernidade (cf. VASCONCELLOS, 2008, p. 19-25).

Entre 1883 e 1895, realizou-se, em Niagara Falls, uma série de conferências que lançariam as bases da interpretação fundamentalista. A partir daí, surgiram diferentes institutos bíblicos que se contrapunham às instituições onde se oferecia um ensinamento da Bíblia desenvolvido a par-tir das concepções filosóficas modernas. Como resultado dessas conferências, enunciaram-se cin-co princípios ou fundamentos, assim apresentados por Vasconcellos: no box 7 abaixo.

BOX 7 - Princícios

1. A infalibilidade das Escrituras – na verdade, a base por excelência do programa funda-mentalista. Por ele se entende a inerrância do texto bíblico em sua literalidade, afinal de contas, cada letra da Escritura foi inspirada pelo Espírito Santo. Evidentemente, tal con-vicção se contrapõe à crítica histórica aplicada à Bíblia, bem como em reação aos pos-tulados da ciência moderna que contradiriam os dizeres bíblicos; por outro lado, é uma formulação nova, para os tempos de luta contra a Modernidade, do princípio básico da Reforma Protestante, da Bíblia como norma suprema de fé e prática (Sola Scriptura). Esta-mos aqui em oposição explícita à perspectiva teológica liberal. Por outro lado, esse mes-mo princípio haveria de ser compreendido diferentemente pelos fundamentalistas. En-quanto alguns falarão da inerrância verbal, isto é, de que a Bíblia teria cada uma de suas palavras inspiradas por Deus e, portanto, sem a menor possibilidade de qualquer tipo de erro, outros entenderão a inerrância no tocante ao aspecto doutrinal, contestando com isso as interpretações que fossem na contramão do que fora estabelecido como verdade pelas Igrejas da Reforma.

2. A divindade de Cristo – essa reafirmação se mostrava indispensável, já que os liberais tendiam cada vez mais a ver em Jesus um homem que, por sua vida e pelos ensinamen-tos que deixou, logrou ser divinizado pelos seus seguidores.

diCAPara uma apresentação do fundamentalismo em suas origens norte-americanas, e também dos diferentes sentidos que o termo adquiriu no decorrer do século XX, sugerimos a leitura de:VASCONCELLOS, Pedro Lima. Fundamentalis-mos: matrizes, presen-ças e inquietações. São Paulo: Paulinas, 2008. Para uma discussão crítica da hermenêutica fundamentalista:ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. Hermenêutica fundamentalista: uma estética do interpretar. Estudos de religião, Ano XXII, n. 35, 14-27, jul/dez. 2008. Disponí-vel em <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/view/170.

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3. O nascimento virginal de Jesus – ou seja, a certeza de que, com base nos Evangelhos, Je-sus foi gerado no ventre de Maria sem a participação de um pai humano; e ainda, que o hímen de Maria não se rompeu quando do nascimento de seu filho. Tal posição se esten-deria aos diversos milagres que, de acordo com os Evangelhos, Jesus operou; eles devem ser compreendidos como fatos objetivos. Já vimos que, para os liberais, eles eram expres-sões mitológicas de valores religiosos subjetivos.

4. A remissão dos pecados da humanidade pela crucificação de Jesus – a morte de Jesus é entendida fundamentalmente como sacrifício expiatório, visando ao perdão dos pecados de todos os humanos. Afinal de contas, diz a Bíblia, Jesus é “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29); com isso se explicitava a oposição a uma postura teológica que via na morte de Jesus o desfecho trágico de uma vida de fidelidade a princípios e valores morais.

5. A ressureição de Jesus como fato objetivo e a certeza de seu retorno no fim dos tempos – também negada pelos liberais, tais convicções deveriam ser reafirmadas por seu funda-mento bíblico, indiscutível segundo os fundamentalistas

Fonte: (VASCONCELLOS, 2008, p. 26-28).

É possível dizer que o fundamentalismo, em suas origens e pretensões, constitui-se em uma resposta religiosa às transformações e aos desafios impostos pela Modernidade. Não deixa de ser uma recepção, ainda que negativa, da própria Modernidade. O texto sagrado é reassumido em sua literalidade, compreendido como expressão concreta da revelação divina. Embora o pesqui-sador deva manter-se isento de juízos de valor em relação aos sujeitos de sua pesquisa, algumas questões problemáticas podem ser levantadas, como a questão da contextualização de textos redigidos em diferentes épocas, e que passaram por um longo processo de “edição” até alcança-rem seu “formato” atual; as diferentes possibilidades de tradução e suas implicações para uma lei-tura que se pretenda fiel ao seu sentido original; a dificuldade que esse paradigma interpretativo coloca para o desafio do diálogo religioso, seja em relação às concepções religiosas dentro do espectro do cristianismo, seja em relação às tradições religiosas não cristãs.

2.5.3 A Presença do Texto no Espiritismo Kardecista

O Espiritismo tem, na publicação de o livro dos espíritos (França, 1857), o seu ato fundador. Diferentemente de outras tradições religiosas em que, após longos períodos de elabora-ção oral, passa-se ao registro escrito dessa tradição, o Espiritismo nasce em um contexto de escrita. Surge no contexto da moder-nidade letrada.

Se, por um lado, o Espiritismo é receptivo à tradição cristã, interpretando-a (por exemplo, no Evangelho segundo o Espi-ritismo), é também produto da mentalidade científica carac-terística da época de seu surgimento. As ideias de evolução e progresso espiritual refletem a concepção científica positiva-e-volucionista, segundo a qual a civilização humana passaria por diferentes estágios de desenvolvimento, sendo o estágio “positi-vo” ou científico tido como o mais avançado. O Espiritismo pro-põe uma síntese entre a moral de base cristã e uma mentalidade científica.

A importância da cultura letrada para o Espiritismo faz com que essa religião constitua todo um conjunto de referências de leitura (tendo a obra de Kardec como base):

O espiritismo é uma das modalidades religiosas que mais enfatiza a relação com a leitura sistemática e a exegese de fatos da vida em termos de conhecimentos adquiridos através da incorporação de sua doutrina pelo estudo. Desde cedo ele forma um sistema intertextual de referências eruditas, que monta uma autori-dade textual e uma cultura bibliográfica com base na tentativa de sintetizar fon-tes reveladas e fontes experimentais na constituição e legitimação de suas teses

Figura 4: Página de rosto da segunda

edição francesa de Le Livre Des Esprits (O

livro dos espíritos) de Allan Kardec

Fonte: Disponível <http://pt.conscienciopedia.org/

index.php?title=Allan_Kardec.>Acesso em 23

dez. 2014.

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doutrinárias (ou de revê-las em casos mais raros). Trata-se de um corpus doutri-nário que se articula intimamente a um corpus bibliográfico e a um conjunto próprio de práticas culturais letradas, que funciona como modelo de cultivo e filtro que contem a participação de segmentos alheios à socialização escolar (LE-WGOY, 2000, p. 113).

o livro dos espíritos apresenta os fundamentos do Espiritismo, assim como apresenta pela primeira vez e justifica o emprego desse termo. É considerada uma revelação espiritual feita a Allan Kardec, pseudônimo de Léon-Hippolyte Denizard Rivail, mediante comunicações mediúni-cas (BETARELLO, 2010, p. 54). A doutrina espírita é complementada por outros quatro livros, que constituem sua base:

O livro dos médiuns (1861) – contendo a base experimental do Espiritismo, tra-tando da teoria e meios de comunicação com o mundo espiritual, e o desenvolvi-mento e controle da mediunidade; o Evangelho segundo o Espiritismo (1864) – que contém a parte moral, baseando-se em extratos dos Evangelhos canôni-cos; o céu e o inferno (1868) – que trata da origem do universo. Organizados por Allan Kardec, em seu conjunto, essas obras são conhecidas como a Codificação espírita, justificando a referência a Kardec, no meio espírita, como o codificador do Espiritismo. Também são chamadas de obras básicas, significando que nelas residem as bases doutrinárias e que outras obras devem complementar os seus conteúdos (BETARELLO, 2010, p. 54-55).

A partir da apresentação de o livro dos espíritos, Betarello (2010) faz as seguintes inferên-cias sobre a obra fundante do Espiritismo:

1. o livro contém os princípios da doutrina espírita;2. é uma doutrina revelada pelos espíritos, pela via mediúnica, ou seja, por

intermédio de pessoas que servem de instrumento para que os espíritos se comuniquem;

3. Kardec não é o autor, mas sim o receptor da revelação e coordenador do conteúdo recebido;

4. trata de aspectos inerente à religião – alma, espírito e vida futura, embora seja pertinente ressaltar que Kardec, ao longo das obras por ele publicadas sobre o Espiritismo, enfatizou que não se tratava de fundar uma religião, mas antes uma ciência e uma filosofia com consequências morais (BETA-RELLO, 2010, p. 55).

Sendo o Espiritismo marcado por uma visão de progresso da consciência humana, em cons-tante desenvolvimento, como essa concepção marca a própria recepção da obra de Kardec, nos meios espíritas? Lewgoy (2004), ao pesquisar as práticas de leitura em um centro espírita, faz im-portantes observações sobre a interpretação dos escritos de Kardec:

O exercício do comentário visava extrair um ensinamento doutrinário em cada passagem lida. A regra implícita de exegese no grupo de estudos era sempre procurar totalizar, extrair um ensinamento, mesmo que a partir de fragmentos de textos. Numa visão de mundo que não admite a existência do acaso, não há fragmentos reais, eles sempre podem ser recuperados por uma teleologia im-plícita que cabe ao exegeta desvelar, mas essa exegese presume um método espiritual de abordagem do texto, antes que um conjunto lógico de instruções. Um texto perfeito remeteria à dificuldade de entendimento ao leitor, que não teria tido a capacidade, a humildade ou mesmo a determinação necessária para lograr êxito na interpretação. O máximo que se salientava era a inadequação tó-pica de uma ou outra afirmação. Como o coordenador enfatizava, “como o Livro dos Espíritos é a doutrina dos espíritos, mesmo a eles não foi permitido saber tudo e sim aquilo que, de acordo com a sua época e o seu grau de evolução eles poderiam entender” (LEWGOY, 2004, p. 266-267).

Por um lado, sendo os espíritos também considerados seres em processo de evolução, justi-ficam-se os possíveis equívocos ou anacronismos que se encontravam no texto. Por outro, procu-rava-se preservar de críticas as bases da doutrina:

A possibilidade de fazer correções no texto, ainda que abrisse uma janela para a crítica histórica da doutrina, não arranhava a crença na predominância de verda-des doutrinárias essenciais. Não havendo uma dúvida metódica de fundo e pre-sumindo-se que o essencial estava estabelecido, simplesmente não fazia sentido

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insistir numa atitude de dúvida sistemática perante o texto, típica dos céticos e materialistas. Ao seguir os gestos de leitura inaugurados pelo próprio Kardec, na exegese do texto bíblico, as possíveis contradições ou incompreensões eram ou recuperadas pela interpretação alegórica ou subsumidas pela ênfase no senti-do espiritual, na totalidade ou no ensinamento principal presente nas linhas ou entrelinhas do texto. O ensinamento, ou sentido espiritual significa que o texto lido é uma ponte que não contém, mas permite o acesso ao conhecimento, se acompanhado da atitude espiritual adequada. Nos gestos de leitura dos mem-bros do grupo não era apenas um processo intelectual que estava em curso, mas um crescimento em que o próprio espírito está implicado, seja pela assimilação de conteúdos, seja também pela circulação de vibrações no ambiente, seja ainda pela troca de experiências realizada no grupo (LEWGOY, 2004, p. 267).

Mais do que um conhecimento intelectual ou uma certeza científica, a leitura fundamenta um processo de desenvolvimento espiritual e moral:

Um efeito esperado dos ensinamentos adquiridos, como conhecimento com implicações morais e espirituais, era a regeneração ou reforma íntima do indiví-duo. A mera erudição, isolada da moralização da conduta, era muito criticada no grupo, de onde se pode compreender as repetidas críticas feitas aos “cientistas” e aos “intelectuais”, reprovados por não associarem o seu conhecimento a uma moralidade cristã cuja expressão máxima é fornecida pela revelação espírita (LE-WGOY, 2004, p. 267-268).

Uma questão importante para o Espiritismo diz respeito à maneira como os textos psicogra-fados (recebidos por um médium a partir da orientação de um espírito) são recebidos e interpre-tados. Por exemplo, até que ponto as obras de um médium como Chico Xavier complementam o que foi redigido por Kardec, quais as suas especificidades (ao se comparar textos produzidos na França do século XIX e no Brasil do século XX) e como se dá sua recepção/comparação nos meios espíritas. Essas questões excedem, é verdade, o proposto neste momento. Sobre esse aspecto, veja-se a indicação abaixo.

Essa aproximação inicial a três perspectivas bastante distintas de relação com as escrituras religiosas pretendeu indicar essa variedade, e levar a pensar que não é possível um único ponto de vista ao se trabalhar as questões que os textos religiosos proporcionam.

Muitas questões podem ser levantadas a respeito da maneira como diferentes tradições ou correntes religiosas lidam com os textos sagrados. As estratégias de produção, reprodução, di-vulgação e interpretação desses textos se apresentam para o cientista da religião como um im-portante material de análise que lhe oferece elementos para se aproximar de maneira crítica a essas tradições, para melhor compreender a maneira como se articulam internamente e também externamente (em relação a outras tradições religiosas e à sociedade em geral).

ReferênciasADRIANO Filho, José. O método histórico-crítico e seu horizonte hermenêutico. Estudos de reli-gião, Ano XXII, n. 35, 28-39, jul/dez. 2008.

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diCAPara uma compreensão do papel da escrita e da leitura no Espiritismo e

uma discussão da im-portância das obras psi-

cografadas nos meios espíritas, recomenda-

mos a consulta a: LEWGOY, Bernardo. os

espíritos e as letras: um estudo antropo-lógico sobre cultura

escrita e oralidade no espiritismo kardecista.

2000. 352 p. Tese. (Dou-torado em Antropologia Social). Universidade de

São Paulo.

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LEWGOY, Bernardo. os espíritos e as letras: um estudo antropológico sobre cultura escrita e oralidade no espiritismo kardecista. 2000. 352 p. Tese. (Doutorado em Antropologia Social). Uni-versidade de São Paulo.

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VASCONCELLOS, Pedro Lima. Metodologia de estudos das “escrituras” no campo da ciência da religião. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, pp. 469-483.

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resumoUnidAdE 1: Conceitos de hermenêuticaA Unidade discute as transformações do conceito de hermenêutica, sua relação com a filo-

sofia moderna e contemporânea e sua aplicabilidade à ciência da religião.

UnidAdE 2: A Ciência da religião e o estudo dos “Textos Sagrados”A Unidade trabalha definindo “textos sagrados”, a religião como texto, a formação dos câno-

nes das tradições religiosas, tradições religiosas e interpretações dos textos sagrados.

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referências

Básicas

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Complementares

ADRIANO Filho, José. O método histórico-crítico e seu horizonte hermenêutico. Estudos de reli-gião, Ano XXII, n. 35, 28-39, jul/dez. 2008.

ARMSTRONG, Karen. Uma história de deus. Quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ATTIE Filho, Miguel. Falsafa. A filosofia entre os árabes. São Paulo: Palas Athena, 2002.

BRITO, Ênio José da Costa. Tradições religiosas entre a oralidade e o conhecimento do letramen-to. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank (org.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, pp. 485-498.

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JOSGRILBERG, Rui de Souza. Hermenêutica fenomenológica e a tematização do sagrado. In: NO-GUEIRA, Paulo Augusto de Souza. linguagens da religião. Desafios, métodos e conceitos cen-trais. São Paulo: Paulinas; ANPTECRE, 2012, p. 31-67.

JUNG, Carl Gustav. o homem e seus símbolos. Rio Janeiro: Nova fronteira, 2004.

KÖRTNER, Ulrich H.J. introdução à Hermenêutica Teológica. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2009

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LEWGOY, Bernardo. os espíritos e as letras: um estudo antropológico sobre cultura escrita e oralidade no espiritismo kardecista. 2000. 352 p. Tese. (Doutorado em Antropologia Social). Uni-versidade de São Paulo.

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UAB/Unimontes - 4º Período

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VASCONCELLOS, Pedro Lima. Estudos de “escrituras” e a ciência da religião: da hermenêutica de textos à percepção de sujeitos religiosos em ação significativa e produção de sentidos. In: NO-GUEIRA, Paulo Augusto de Souza (org.). linguagens da religião: desafios, métodos e conceitos centrais. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 135-164.

VASCONCELLOS, Pedro Lima. Fundamentalismos: matrizes, presenças e inquietações. São Pau-lo: Paulinas, 2008.

WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Paulus, 1998.

ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. Hermenêutica fundamentalista: uma estética do interpretar. Es-tudos de religião, Ano XXII, n. 35, 14-27, jul/dez. 2008.

Suplementares

HOCK, Klaus. introdução à ciência da religião. São Paulo: Loyola, 2010.

HIGUET, Etienne Alfred. Interpretação das imagens na teologia e nas ciências da religião. In: NO-GUEIRA, Paulo Augusto de Souza. linguagens da religião. Desafios, métodos e conceitos cen-trais. São Paulo: Paulinas; ANPTECRE, 2012, p. 69-106.

NALLI, Marcos. Paul Ricoeur leitor de Husserl. Trans/Forma/Ação. São Paulo, 29(2): p. 155-160, 2006.

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Atividades de Aprendizagem - AA1) A partir da figura mítica de Hermes, explicite o primeiro significado atribuído ao termo “her-menêutica”.

2) Compare os significados dos termos exegese e hermenêutica.

3) Comente as contribuições de Scheleiermacher e de Dilthey ao desenvolvimento da herme-nêutica.

4) Como Heidegger relaciona a existência humana e a hermenêutica?

5) Dê um exemplo da contribuição da hermenêutica para os estudos sobre religião e comente-o.Apresente a classificação das escrituras sagradas elaborada por Hock.

7) De que maneira o estudo dos textos religiosos pode colaborar para uma compreensão mais completa das tradições religiosas e das transformações que estas sofrem?

8) Como se pode relacionar cânone e doutrina religiosa?

9) O estudo dos textos religiosos pode colaborar para superar preconceitos existentes em rela-ção a algumas tradições religiosas? Justifique.

10) Faça um breve comentário sobre a recepção da moral cristã nos escritos do Espiritismo kar-decista.

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