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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE DIREITO NÚCLEO DE FILOSOFIA E TGD HERMENÊUTICA JURÍDICA PROF. DR. LUÍS RODOLFO SOUZA DANTAS

Hermenêutica Jurídica

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE DIREITO

NÚCLEO DE FILOSOFIA E TGD

HERMENÊUTICA JURÍDICAPROF. DR. LUÍS RODOLFO SOUZA DANTAS

1) EMENTA/OBJETIVOS

Hermenêutica e Interpretação: Noções Propedêuticas. Percurso Histórico da Hermenêutica. Da Hermenêutica Jurídica. Da Interpretação Jurídica. Espécies e Métodos de Interpretação Jurídica. Interpretação Político-Legislativa, Jurisdicional, Administrativa e Doutrinária. Métodos Tradicionais de Interpretação Jurídica: Literal ou Gramatical, Histórico, Lógico-Sistemático, Sociológico ou Teleológico. O Método de Interpretação da Lógica do Razoável. Hermenêutica Plural. Algumas Escolas de Pensamento Jurídico e suas Relações com a Hermenêutica Jurídica: Exegese, Pandectista, Histórica, Analítica, do Direito Livre, da Livre Pesquisa Científica, do Positivismo Kelseniano, Vitalista, Tridimensional. Hermenêutica Constitucional.

I) APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

2) CONTEÚDO PROGRAMÁTICO/PLANO DE AULA 

Hermenêutica. Interpretação. Hermenêutica Jurídica. Interpretação Jurídica: Definições e Distinções.

Elementos históricos. Métodos Hermenêuticos (Espécies e Métodos de

Interpretação Jurídica. Interpretação Político-Legislativa, Jurisdicional, Administrativa e Doutrinária. Métodos Tradicionais de Interpretação Jurídica: Literal ou Gramatical, Histórico, Lógico-Sistemático, Sociológico. A Lógica do Razoável. Interpretação Extensiva, Restritiva e Estrita.

Escolas Científicas de Interpretação (Algumas Escolas de Pensamento Jurídico e suas Relações com a Hermenêutica Jurídica).

Questões Hermenêuticas no Contexto Brasileiro da Atualidade (Súmula Vinculante. Hermenêutica Constitucional e a Importância da Interpretação Jurídica em Decisões do STF). 

3) BIBLIOGRAFIA

3.1) BÁSICA

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

STRECK, Lenio Luis. Hermenêutica jurídica em crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

3.2) COMPLEMENTAR

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3. ed. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002.

BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu Boucault; RODRIGUES, José Rodrigo Rodrigues (orgs.). Hermenêutica plural. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A argumentação nas decisões judiciais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

PALMER, Richard. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1997. RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo:

RT, 1999. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São

Paulo: Saraiva, 2005.

4) METODOLOGIA (ESTRATÉGIAS DE ENSINO)

Aulas expositivas. Exercícios. Leituras programadas. Trabalhos em grupo. Trabalhos individuais. Trabalho de pesquisa teórico-bibliográfica.

Espera-se ao final do curso o

aprimoramento dos fundamentos teóricos e práticos da interpretação jurídica e da função argumentativa dos alunos por meio da investigação das situações jurídicas de interpretação, aplicação e integração dos direitos em geral.

5) AVALIAÇÃO

A avaliação do rendimento escolar é realizada por via de aferição contínua e composta por: a) avaliação intermediária constituída por prova escrita; b) prova de avaliação final escrita, sendo o seu cronograma de aplicação elaborado pela Direção da Faculdade.

A média final (MF), que define a promoção do aluno, é composta pela síntese da avaliação intermediária e pela nota da avaliação final escrita, atendendo-se para o seu cálculo critério homologado pela Reitoria. A nota de participação consiste no acréscimo de até um ponto na média final, levando-se em consideração critérios diversos.

O conceito (ou idéia, definida por David Hume como “imagem apagada”), é operação do pensamento comunicada pela linguagem. Mais precisamente, as idéias, ou simples representações intelectuais, são pensamentos incompletos destinados a constituírem a matéria dos juízos.

A expressão verbal (ou sinal) da idéia denomina-se termo, sendo que este, em Lógica, não se confunde com a palavra (sinais convencionais, e não naturais) pois o termo pode ter muitas palavras. Por exemplo: Constituição Federal, instrumento de marcar horas (relógio), animal racional (homem). Por outro lado, o juízo é o ato pelo qual o espírito, por exemplo, afirma ou nega um termo (sujeito) de outro (predicado).

O juízo relaciona conceitos. Exemplos: “Paulo é aluno”; “Paulo não é médico”; “a norma jurídica possui coercibilidade”; “o direito não elimina a liberdade, protege-a”. A representação oral ou escrita do juízo denomina-se proposição.

O raciocínio é uma relação entre juízos de caráter inferencial (conclusivo). A expressão verbal do raciocínio, por outro lado, chama-se argumento.

Das categorias básicas de raciocínios/argumentos, indico ao menos a indução e a dedução como diretamente relacionadas às atividades jurídicas de interpretar, aplicar e integrar o Direito.

1) Hermenêutica e Interpretação (Definições e Distinções)

O sentido mais adequado é tecnicamente relevante da palavra “hermenêutica”, nos dias correntes, é “Ciência da Interpretação”. Registro, portanto, a existência de confusão semântica acentuada pelo fato da palavra "hermenêutica" ser de origem grega, significando interpretação. Segundo alguns, a sua origem é o nome do deus da mitologia grega HERMES, a quem era atribuído o dom de interpretar a linguagem dos deuses.

 

II) Definições Fundamentais: Hermenêutica. Interpretação. Hermenêutica Jurídica. Interpretação Jurídica

As raízes da palavra “hermenêutica” provêm do verbo grego hermeneuein e do substantivo hermeneia, ambas relacionadas com o mito do deus grego, Hermes (Mercúrio na tradição romana). De acordo com a mitologia, Hermes era o filho de Zeus incumbido de levar a mensagem dos deuses do Olimpo aos homens, utilizando-se de suas velozes asas para realizar tal tarefa.

O mais interessante, entretanto, era que o deus mensageiro deveria “traduzir” e “interpretar” as mensagens dos deuses para os mortais, uma vez que a língua de um era inacessível ao outro. Sendo assim, Hermes acabou por inventar a escrita e a linguagem para aperfeiçoar a comunicação entre eles.

A mitologia grega é extremamente simbólica para revelar-nos a semântica originária do vernáculo que estudamos. Ao deus Hermes não cabia a tarefa pura e simples de “transmitir” ou “re-passar” a mensagem divina, ao contrário, deveria ele realizar um papel ativo em sua tarefa, devendo transformar algo ininteligível em inteligível, compreensível.

De acordo com Richard E. Palmer, dita “transformação” ocorreria em três dimensões: na “enunciação”, na “explicação” e na “tradução”. Vejamos: 

 

Uma mensagem, quando emitida, está assentada em um meio e exigirá do receptor uma percepção tal que recepcione dito conteúdo da melhor forma possível. Quer dizer, aquilo que foi expresso exigirá do receptor uma verdadeira “tradução” da mensagem para que este possa captar o conteúdo daquilo que se declarou. Neste caso, a “tradução” não se refere especificamente a uma atividade de cognição de uma língua estrangeira como se utiliza corriqueiramente o termo. Antes, refere-se à transferência, à trasladação do conteúdo de algo que foi manifestado em um medium e ali está sedimentado, para a esfera de conhecimento do receptor, utilizando-se dos códigos de linguagem que sua inteligência alcança.

Além disso, tal conteúdo, deverá ser “explicado” na medida em que a compreensão do sentido não se dá de forma direta e clara. Ainda que a linguagem parta de uma convenção de sentidos entre homens, o fato é que diversos sentidos são ambíguos, dúbios e tal convenção se faz apenas de modo superficial, já que não há um acordo absoluto do sentido específico de todos os termos e orações. Se isto ocorresse, seríamos hábeis a elaborar um dicionário preciso e perfeito que dispensaria definitivamente a interpretação.

Neil MacCormick lembra interessante situação em que a mensagem e os símbolos utilizados são claros e precisos tanto para emissor quanto receptor. Todavia, o próprio contexto da mensagem provoca a dúvida.

“Se eu vejo um sinal de ‘não fumar’ na sala em que estou entrando e apago o meu cigarro antes de entrar nessa sala, eu demonstro compreender o sinal e agir de acordo com ele. Sem qualquer elemento de dúvida ou tentativa de resolver essa dúvida, eu imediatamente apreendo o que é necessário. (...)

(...) pode haver uma ocasião particular em um encontro no qual se falem muitas línguas em que eu esteja trajado formalmente (usando um smoking, como se fale em francês). E o sinal de não fumar pode estar escrito em inglês (no smoking). Então, eu poderia parar por um momento para me perguntar se o sinal exige que eu mude de roupa e vista algo menos formal, em vez de me abster de fumar. Pensar acerca dessa dúvida e resolvê-la optando de forma razoável por uma das visões do que o texto exige é ‘interpretar’ (...)

Em outro aspecto, quando se transmite uma mensagem, pode-se interpretá-la de modo a conferir uma “performance” à enunciação da mesma, recheando-a de estilizações particulares, como um músico faz diante de uma partitura.

Alcança-se assim, três dimensões fundamentais e estruturais da palavra hermeneia conforme Palmer. Vamos analisá-las separadamente.

1.1) HERMENÊUTICA COMO “DIZER” 

O primeiro sentido de hermeneuein é “exprimir”, “afirmar” ou “dizer”. Tal função está estritamente relacionada com a tarefa de Hermes em “dizer” aos homens as mensagens do Olimpo.

Interessante constatar que o vocábulo grego está próximo da forma latina sermo (dizer), e que ambas as expressões foram largamente utilizadas pela Igreja Católica na Idade Média. A função maior do sacerdote sempre foi a de “anunciar” as Escrituras Sagradas, “proclamar” a palavra de Deus a todos os homens e convertê-los ao catolicismo.

Note-se que “dizer” uma palavra não é o mesmo que “explicar” ou “debater” a mesma. A tarefa sacerdotal era nitidamente a de se utilizar da vivacidade da linguagem oral para proferir belos e emocionados sermões, a fim de provocar a adesão das massas aos dogmas da fé cristã. Não se deve olvidar que segundo os ditames da Igreja Católica, a própria razão divina era vista como inacessível aos olhos dos mortais, cabendo a estes o papel de meros ouvintes dos sermões proferidos pelos homens “legitimados por Deus”.

A sacralidade das palavras do Senhor não era acessível aos ouvidos dos mortais, singelos pecadores que lhe deviam submissão. Somente os sacerdotes, representantes do Senhor na terra, conseguem alcançar os ditames sublimes dos Céus através das Escrituras e da oração, podendo assim, comunicar aos homens a Sua vontade.

A posição de passividade absoluta do receptor aqui é clara e manifesta, não havendo espaço para indagação, dúvida ou suspeições. Aquilo que era dito deveria ser encarada como verdade incontestável e absoluta, já que aquele que “dizia” era o Deus Todo-Poderoso.

 

Por sua vez, as artes humanas, em especial a música e as artes cênicas, sempre se utilizaram da hermenêutica para o fim de “interpretar” um texto e conferir-lhe uma “performance”, um “estilo”.

Quando um maestro se depara com uma sinfonia de Mozart obviamente não a executará de forma mecânica, lendo a partitura como quem lê números. O uso de diversas técnicas musicais permitirá ao maestro intensificar determinado trecho, relevar outros e exaltar a qualidade de certas harmonias que conferirá à execução um estilo próprio.

O mesmo se poderá dizer de um ator que tem em sua frente uma peça de Shakespeare. Como “dizer” todas aquelas palavras mortas em uma folha de papel? Somente o recurso à interpretação o permitirá escolher uma forma de atuar e não outra.

Isto nos remete a uma questão interessante: não é verdade que enquanto lemos parece que ouvimos vozes interiores? E quando lemos um romance policial não nos parece que a voz nos guia de forma diferente de quando lemos um jornal? E a leitura de um diálogo? As vozes dos que dialogam não são distintas?

Isto nos remete à questão da inseparabilidade do sentido de um texto das entoações auditivas conferidas pela sua leitura. Ler e ouvir provocam sensações extremamente diferentes.

De acordo com Palmer, enquanto que a escrita imortaliza uma obra e lhe confere estabilidade para as gerações vindouras, “expressar” uma obra confere ao intérprete um espaço aberto de infinitas possibilidades de “atuação” que atribuem vida ao texto, provocando sensações distintas nos ouvintes conforme a “performance” realizada.

Pode-se ler a Odisséia de Homero com grande exaltação e orgulho, como pode se chorar constantemente os infortúnios aos quais o herói se submete. O certo é que ler a Odisséia nunca será igual a ouvir a Odisséia.

Segundo o autor em análise “escrever uma língua é ‘uma alienação da língua’ relativamente à sua vivacidade – é um Selbstentfremdung der Sprache – um autodistanciamento da fala”.O recurso à escrita é carente em termos de expressão emocional, por isso, toda vez que se lê, utilizamos as vozes interiores para recuperarmos aquela força perdida da expressão oral.    

Para os juristas, tal aferição é verificada cotidianamente nos fóruns ao se defender uma causa. A distância que existe em termos de “expressividade” e “vivacidade” entre um recurso de apelação escrito e uma sustentação oral é enorme, mesmo que não levemos em consideração os recursos retóricos de cada um deles, o que agravaria esta distância.

Sendo assim, o mundo da escrita e o mundo da fala encontram seus limites e suas qualidades próprias que não podem ser ignoradas. A “performance” de um discurso pode revelar muito mais do que o texto o faria. Ou não será assim que os políticos conseguem convencer o eleitor mesmo quando se utilizam unicamente de ‘lugares-comuns’?

1.2) HERMENÊUTICA COMO ‘EXPLICAR’

   Esta é a utilização moderna mais usual da

palavra hermeneuein, que se refere ao ato de “determinar” e “clarificar” o sentido de algo.

Segundo alguns autores, encontramos o primeiro uso da palavra “hermenêutica” na obra de J. C. Danhauer “Hermenêutica sacre sive methodus exponemdarum sacrarum litterarum” publicada em 1654. O teor da obra se referia aos métodos de interpretação da Bíblia que, como veremos posteriormente, foi a forma precursora da Hermenêutica.

É sabido que antigamente, a Igreja Católica, para bem organizar e auxiliar na difusão do Texto Sagrado, escrevia obras de exegese bíblica nas quais se inseriam comentários sobre suas passagens, determinando explicitamente quais eram as verdades divinas de cada uma delas.

Este modelo exegético aos poucos foi dando espaço a métodos que privilegiavam formas mais racionais de interpretação de textos, com critério determinados (filológicos, históricos, etc...), que surgiram principalmente com os filósofos protestantes e com o Aufklärung (iluminismo) alemão.

Embora a exegese bíblica estivesse vinculada a uma interpretação orientada à afirmação de dogmas religiosos, importa destacar a necessidade de se pensar e refletir sobre um texto, de modo a perceber-lhe o real conteúdo.

A compreensão de uma obra nunca se dá de modo evidente. Apreender uma mensagem denota um esforço de lapidação das palavras e suas articulações que envolve o autor do texto (com suas intenções e sentidos originários), o contexto em que se dá a comunicação (“como” e “onde” se compreende) e o próprio intérprete, com toda sua carga cultural de pré-conceitos e expectativas já formuladas em seu pensamento antes mesmo da leitura.

A busca do sentido, aliás, é algo que sempre inquietou a mente dos hermeneutas. Qual o sentido que se busca: aquele que o autor quis imprimir? O sentido que a força do texto possui em si? Ou o sentido da verdade que o texto proporciona?

É importante verificar que encontrar o sentido não é o mesmo que encontrar a verdade. Na maioria dos casos, estamos a procurar o sensus orationum e não a veritas dos textos. Isto porque quem transmite uma mensagem pode estar cometendo um equívoco, contando uma mentira ou apenas realçando um estilo. Senão vejamos:

   

O poeta é um fingidor.Finge tão completamenteQue chega a fingir que é dorA dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve,Na dor lida sentem bem,Não as duas que ele teve,Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de rodaGira, a entreter a razão,Esse comboio de cordaQue se chama o coração. 

Em seu poema, Fernando Pessoa nos descreve de forma magistral o espírito e as dores que movem os poetas em seus labores literários. Mas seriam mesmo os poetas fingidores? Estariam os mesmo fingindo ao escrever? Ao ser poeta, Fernando Pessoa não estaria fingindo o próprio fingimento? Ou o sabor e deleite que os versos nos provocam estão no encontro de sentimentos com o Belo, mais do que com a veracidade do descrito?

Embora o campo das artes seja mais aberto e interpretativo que os demais, a mesma questão se apresenta naqueles campos do conhecimento onde a verdade é o seu próprio escopo, mas que em seu sentido absoluto (da verdade), talvez nunca se alcance. Isto nos relembra a dicotomia filosófica entre o “aparente” e o “verdadeiro” que é sempre utilizada para justificar um pensamento em detrimento dos demais.

As próprias escolas hermenêuticas que se formaram ao longo dos séculos incutiram aos métodos pregressos o caráter de “aparência” do sentido que aquele poderia alcançar, ao passo que o novo método criado tinha ao lado de si a verdade.

Não cabe à hermenêutica determinar o que é a verdade e o que é equívoco. O sentido encontrado deve ser justificado ora pela intenção do autor, ora pela forma como o intérprete analisa e “enxerga” o conteúdo. Há quem se refira ainda à força própria do texto, como se esse possuísse vida autônoma face aos sujeitos criadores e interpretativos, conferindo significado a si mesmo.

A investigação dos sentidos de um texto significa incursionar em esferas subjetivistas mais do que em estruturas objetivas como se poderia supor. O encontro de dois mundos (autor e intérprete) proporciona um ambiente de “descoberta” extremamente frutífero do qual surgiria o novo ou um re-encontro revelador com o velho, de modo a contribuir para o caráter humano e dinâmico de nosso aprendizado.

1.3 ) HERMENÊUTICA COMO “TRADUZIR” 

A função de “traduzir” um texto torna-se explícita quando se trata da compreensão de uma língua estrangeira. É o que Hermes fazia quando “traduzia” as mensagens divinas para a linguagem dos homens.

Entretanto, pode-se dizer que há “tradução” mesmo quando texto e intérprete dominam o mesmo idioma.

Não há diferença estrutural de apreensão do conteúdo de um discurso quando ele é escrito na língua materna ou estrangeira. Todo idioma, independente de sua denominação, é um repositório cultural que nos remete a certas qualificações, por exemplo, históricas e regionais. Entender o substrato de determinado idioma, seus vocábulos e expressões próprias, é essencial na tarefa da compreensão.

Em “Memórias do Subsolo” de Dostoiévski, o personagem principal nos diz em suas tortuosas e ásperas elucubrações que: “na terra russa não existem imbecis, isto é notório; é nisso que nos distinguimos de todas as demais terras alemãs.”

Neste caso, o termo “terras alemãs” deve ser entendido a partir de seu uso popular na Rússia oitocentista, cujo significado seria o de “terras estrangeiras”, como nos relata o tradutor em nota de rodapé. Grave equívoco seria o de considerar o texto em sua literalidade, sem considerar as peculiaridades da linguagem utilizada pelo autor.

 

As questões da tradução, vistas nos exemplos acima, nos fornecem elementos extremamente ricos para a compreensão de um discurso, seja ele estrangeiro ou não, atendo-se sempre às significações que o uso de uma língua pode possuir dentro de seu amplo universo de comunicação.  

(V. “As Escolas Hermenêuticas e os Métodos de Interpretação das Leis”,de Marcelo Mazotti e “Hermenêutica”, de Richard Palmer)     

2) Hermenêutica Jurídica

Quanto à “Hermenêutica Jurídica", o termo é usado com diferentes conotações pelos autores. MIGUEL REALE, por exemplo, emprega "hermenêutica” como expressão sinônima de “interpretação do Direito", em suas Lições Preliminares de Direito.

CARLOS MAXIMILIANO, por sua vez, distingue "hermenêutica" e "interpretação"; aquela seria a teoria científica da arte de interpretar; esta seria a aplicação da hermenêutica; em suma, a hermenêutica seria teórica e a interpretação seria de cunho prático, aplicando os ensinamentos da hermenêutica.

A Hermenêutica Jurídica também pode ser definida como arte de interpretar, aplicar e integrar o direito.

De fato, há uma íntima correlação entre essas três operações, embora sejam três conceitos distintos. O Direito existe para ser aplicado. Antes, porém, é preciso interpretá‑lo; só aplica bem o Direito quem o interpreta bem (mas o que é interpretar e aplicar bem o Direito? Registro que cada escola de pensamento jurídico oferecerá suas respostas). Por outro lado, como a lei pode apresentar lacunas (lacunas no texto da lei: lacuna parcial) ou inexiste lei para solucionar determinado conflito de interesses (lacuna completa), é necessário preencher ou comatar tais lacunas, a fim de que se possa dar sempre uma resposta jurídica, favorável ou contrária, a quem provoca a tutela jurisdicional (v. art. 5º, XXXV, CF/88). Esse processo de preenchimento das lacunas legais é denominado ‘integração do Direito’.

3) INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

3.1)  "Interpretar" o Direito é ação hermenêutica que apresenta uma gama de definições doutrinais adequadas. Por exemplo: fixar o sentido (s) e o alcance (s) de uma expressão jurídica (por exemplo, de uma lei, que per si é um vocábulo que encerra algumas problemáticas semânticas). Ou: "é apreender ou compreender os sentidos implícitos das normas jurídicas" (LUIS EDUARDO NIERTA ARTETA); “é indagar a vontade atual da norma e determinar seu campo de incidência” (JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF); "interpretar a lei é revelar o pensamento que anima as suas palavras"(CLÓVIS BEVILAQUA).

3.2)  Como todo objeto cultural, o direito encerra significados e é objeto que se compreende (não se explica); interpretá-lo representa revelar o seu conteúdo e alcance. Temos, assim, três elementos que integram o conceito de interpretação:

a) Revelar o (s) seu (s) sentido (s): isso não significa somente conhecer o significado das palavras, mas, sobretudo descobrir a finalidade da norma jurídica.

Com outras palavras, interpretar é "compreender"; as normas jurídicas são parte do universo cultural e a cultura, como vimos, não se explica, se compreende em função do sentido que os objetos culturais encerram. E compreender é justamente conhecer o sentido, entender os fenômenos em razão dos fins para os quais foram produzidos.

Importante diferenciar enunciado normativo de norma (proposição). O que extraímos do texto jurídico? Normas (O,V, P+, P-,ORG), fato (s), valor (es)...

De grande significado é o pensamento de CELSO: "saber as leis não é conhecer-lhes as palavras, mas sim, conhecer a sua força e o seu poder" ("scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem" D.L. XXVI). Portanto, é sempre necessário ir além da superfície das palavras, a fim de conhecer a força e o poder que delas dimanam. Por exemplo, a lei que concede férias anuais ao trabalhador tem o significado de proteger e de beneficiar sua saúde física e mental.

b) Fixar o seu alcance (várias acepções): significa delimitar o seu campo de incidência; é conhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação, estabelecer destinatários dos comandos jurídicos, reconhecer os limites e possibilidades da exegese...

Por exemplo, as normas trabalhistas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) se aplicam apenas aos trabalhadores assalariados, isto é, que participam em uma relação de emprego; as normas contidas no Estatuto dos Funcionários Públicos da União têm o seu campo de incidência limitado a estes funcionários.

c) Norma jurídica: falamos de "norma jurídica" como gênero, uma vez que não são apenas as leis, ou normas jurídicas legais que precisam ser interpretadas, embora sejam elas referências destacadas da interpretação jurídica. Assim, todas as normas jurídicas podem ser objeto de interpretação: as legais, as jurisdicionais (sentenças judiciais), as costumeiras , os negócios jurídicos,... Relacionamos também ao âmbito da interpretação jurídica a compreensão doutrinal bem como o entendimento dos fatos e das provas judiciais, entre outros.

UM CASO CONCRETO  Tomemos, como amostra, o caso simples de uma

decisão em pedido de pensão especial. Eis os seus termos:

"Trata, este processo de concessão de pensão especial a Maria Pereira, viúva de João Pereira, servidor público falecido em acidente de ônibus de empresa particular, ao regressar de seu serviço. O Parecer do procurador considera ilegal a concessão de pensão, por não caracterizada a hipótese prevista no art. 242 da Lei 1.711/52, isto é, a seu juízo, o falecimento do servidor não se verificou em consequéncia de acidente ocorrido no desempenho de suas funções.

De nossa parte, considerando a insignificância do valor da pensão especial, considerando que não há razão lógica nem humana para que se adote um critério em relação aos empregados sujeitos à legislação trabalhista (Lei 5.316/67) e outro relativamente ao servidor público, considerando que a matéria não está regulamentada e que o princípio da analogia pode e deve ser adotado no caso presente, como tem sido decidido em diversos casos precedentes, e considerando, afinal, os termos do art. 3o da citada Lei 5.316, inclinamo-nos por solução de equidade, e, assim, somos por que se tenha por legal a concessão. Pague-se a pensão especial".

 

Os artigos da legislação citada têm a seguinte redação: Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União

- Lei 1.711/52. "Art. 242 - É assegurada pensão na base do

vencimento ou remuneração do servidor, à família do mesmo quando o falecimento se verificar em consequência de acidente no desempenho de suas funções".

Lei de Acidentes de Trabalho - Lei 5.316/67 "Art. 3o - Será também considerado acidente do

trabalho: II - o acidente sofrido pelo empregado, ainda que fora

do local e horário de trabalho;d) no percurso da residência para o trabalho ou desta para ela".

 

Temos nesse caso duas modalidades de pensamento ou raciocínio: o de Procurador e o de Julgador.

Qual a espécie de raciocínio utilizado pelo Procurador? Qual o seu conceito do "acidente do trabalho"? Como interpretou a disposição do art. 242 do Estatuto dos Funcionários?

Trata-se de um raciocínio dedutivo (silogismo condicional), em que a premissa maior limita-se a interpretar restritivamente as palavras da lei.

É patente que ele se ateve ao sentido literal das palavras da lei e formulou um raciocínio dedutivo, que assim se poderia resumir:

Se o falecimento do funcionário não decorrer de acidente ocorrido no execício de suas funções, a viúva M.P. não deve receber pensão especial.

Ora, o falecimento do funcionário não decorreu de acidente ocorrido no exercício de suas funções.

Logo, a viúva M.P. não deve receber pensão especial.

O raciocínio e demais processos de conhecimento utilizados pelo Julgador foram mais complexos e o levaram a uma interpretação mais ampla do conceito de acidente de trabalho.

Para isso, ele utilizou, entre outras, as seguintes espécies de argumentação ou raciocínio:

1. um raciocínio analógico, fundado na semelhança de situações do servidor público e do empregado sujeito à Legislação do Trabalho (CLT);

2. um raciocínio indutivo generalizador, claramente indicado na referência aos diversos casos precedentes;

3. um raciocínio dedutivo, que é, de certa forma, síntese do julgamento e que poderia ser assim resumido:

Toda viúva de funcionário falecido no percurso para o seu serviço, deve receber pensão especial.

Ora, Maria Pereira é viúva de um funcionário falecido no percurso para o seu serviço.

Logo, Maria Pereira deve receber pensão especial.

4. Mas, acima de tudo, esteve presente na decisão outro tipo de conhecimento, não mediato ou raciocinado, mas imediato e Direto: a intuição de valores ou sentimento de justiça, revelado em diversas considerações, como "a insignificância do valor da pensão", "não há razão lógica nem humana", "inclinamo-nos por uma solução de equidade".

4) ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

A interpretação jurídica pode ser classificada segundo estes critérios: origem, natureza e resultados.

4.1)  Quanto à origem ou fonte de que emana, a interpretação pode ser:

a) Autêntica: a que emana do próprio poder que produziu o ato normativo cujo sentido e alcance esta forma de interpretação declara (normativamente). O Regulamento pode esclarecer o sentido da lei e completá-lo, mas não tem o valor de interpretação autêntica a expressa pelo Regulamento - por qualquer outro ato – p.ex.: portaria - uma vez que não decorrem do mesmo

poder.

MIGUEL REALE entende que a interpretação autêntica é somente aquela que se opera por meio de outro ato normativo: a interpretação não retroage pois disciplina a matéria tal como nela foi esclarecido, tão-somente a partir de sua vigência (v. efeitos ex tunc e ex nunc)

Lei de Diretrizes e Bases - Lei 9394/96 | Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996

   Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional.  O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o

Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão a transferência de alunos regulares, para cursos afins, na hipótese de existência de vagas, e mediante processo seletivo. 

Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão na forma da lei.

Lei 9536/97 | Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997 Regulamenta o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394, de

20 de dezembro de 1996.  O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional

decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do

art. 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situe a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta. (Vide ADIN 3324-7)

Parágrafo único. A regra do caput não se aplica quando o interessado na transferência se deslocar para assumir cargo efetivo em razão de concurso público, cargo comissionado ou função de confiança. 

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 12.12.1997

b) Judicial: interpretação jurídica manifesta sobretudo nas decisões prolatadas pela Justiça. Realizada pelos magistrados – e outros operadores do Direito - por exemplo, ao sentenciar. Pode ser relacionada a sentenças, acórdãos, súmulas – vinculantes ou não - dos Tribunais (interpretação judicial imparcial), entre outros (decisões interlocutórias, v.g.).

* Acusação e defesa: interpretação judicial parcial. *E como enquadrar a atividade hermenêutica no

âmbito da arbitragem e mediação?

c) Administrativa: aquela cuja fonte elaboradora é a própria Administração Pública, através de seus órgãos e mediante pareceres, despachos, decisões, circulares, portarias etc.

* Adm. Pública Brasileira: Direta/Indireta. Ex.: Interpretação pela administração paulistana da Lei Cidade Limpa.

d) Doutrinária (Doutrinal): vem a ser a realizada cientificamente pelos doutrinadores e juristas e expressas em obras, pareceres, entre outros. Há livros especializados de Direito, que comentam artigo por artigo de uma lei, código ou consolidação, oferecendo sentido (ou sentidos) do texto comentado, com base em critérios científicos.

e) Aberta: espécie de interpretação jurídica pautada no reconhecimento de que não apenas técnicos em leis interpretam o Direito.

V. texto “Hermenêutica Constitucional e Transponibilidade das Cláusulas Pétreas”.

“Amicus Curiae” e Audiência Pública. Encontramos, com mais visibilidade, a atuação do amigo da corte

nas ações de controle abstrato de inconstitucionalidade (ADIN) e de constitucionalidade (ADECON), com embasamento constitucional e regulamentadas pela Lei 9.868/99, pois, esta Lei, em seu art. 7º "caput", expressamente veda a intervenção de terceiros no processo que regulamenta, porém, no §2º do mesmo, admite que, o Relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

A Lei 9.882/99, que regulamente o procedimento para Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em seu art. 6º, § 1º, também prevê a participação do amigo da corte, pois assim reza:

            

"§1º - Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou, ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria".(grifo nosso).

A admissão do "Amicus Curiae" no processo que visa o controle de concentrado de constitucionalidade por via de ação qualifica-se, de certa forma, como fator de legitimação social extraordinária, viabilizando, em prol dos preceitos democráticos, a participação de entidades e instituições que representem de forma efetiva os interesses difusos e coletivos da sociedade e que expressem os valores essenciais e relevantes de classes e grupos.

4.2) Quanto  a natureza (ou método de interpretação ou momento), a interpretação pode ser:

a) Literal (também conhecida como "gramatical", ou "literal-gramatical" ou "filológica"): pauta-se no exame do significado e alcance de cada uma das palavras da norma jurídica; ela se baseia na letra da norma jurídica.

V. “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, tópicos 114-116 (requisitos e preceitos orientadores da exegese literal).

b) Lógico-Sistemática: busca descobrir o sentido e alcance da norma, situando-a no conjunto do sistema jurídico; busca compreendê-la como parte integrante de um todo, em conexão com as demais normas jurídicas que com ela se articulam logicamente. Não se concebe o dispositivo como um todo isolado em si mesmo, auto-suficiente.

V. “ratio legis”.

c) Histórica:

- c.1) Dogmática: indaga das condições de meio e momento da elaboração da norma jurídica, bem como das causas pretéritas da solução dada pelo legislador (v. "origo legis" e "occasio legis").

– c.2) Evolutiva: espécie de interpretação que busca descobrir o sentido e o alcance das expressões de Direito à luz do momento histórico em que, por exemplo, a norma jurídica será aplicada (registro que nesta hipótese, a expressão jurídica descola-se da vontade do legislador, para que seja valorizada a vontade da lei, pelo fato desta abranger hipóteses que o legislador não previu: 'a lei é mais sábia do que o legislador'). 

d)Teleológica: busca o fim (ou fins) que a norma jurídica tenciona servir ou tutelar (valor ou valores, sobretudo). V. art. 5º da LINDB

e) Sociológica: Fatores Sociais – Vide “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, de Carlos Maximiliano.

“O julgador hodierno preocupa-se com o bem e o mal resultantes do seu veredictum. Se é certo que o juiz deve buscar o verdadeiro sentido e alcance do texto; todavia este alcance e aquele sentido não podem estar em desacordo com o fim colimado pela legislação – o bem social. Toda ciência que se limita aos textos de um livro e despreza as realidades é ferida de esterilidade. Cumpre ao magistrado ter em mira um ideal superior de justiça, condicionado por todos os elementos que informam a vida do homem em comunidade. Não se pode conceber o Direito a não ser no seu momento dinâmico, isto é, como desdobramento constante da vida dos povos.

A própria evolução desta ciência realiza-se no sentido de fazer prevalecer o interesse coletivo, embora timbre a magistratura em o conciliar com o indivíduo. Até mesmo relativamente ao domínio sobre imóveis a doutrina mudou: hoje o considera fundado mais no interesse social do que no individual; o direito de cada homem é assegurado em proveito comum e condicionado pelo bem de todos. Eis porque os fatores sociais passaram a ter grande valor para a Hermenêutica, e atende o intérprete hodierno, com especial cuidado, às conseqüências prováveis de uma ou outra exegese.”

f) Analógica: não faz sentido falar de interpretação analógica, por se tratar de mais um caso de analogia. Isto não quer dizer que o raciocínio por analogia não seja empregado em processos hermenêuticos (muito pelo contrário).

Analogia = Espécie de raciocínio indutivo (palavra chave: probabilidade).

V. Observações de Paulo de Souza Queiroz (“Curso de D. Penal”):

“Como é sabido, a doutrina sói distinguir analogia de interpretação analógica, afirmando, como faz Damásio, que “a diferença entre interpretação analógica e analogia reside na voluntas legis: na primeira, pretende a vontade da norma abranger os casos semelhantes por ela regulados; na segunda, ocorre o inverso: não é pretensão da lei aplicar o seu conteúdo aos casos análogos, tanto que silencia a respeito, mas o intérprete assim o faz, suprindo a lacuna” (Direito Penal. Parte Geral. S. Paulo: Saraiva, 2003, p. 46).

De acordo com esse entendimento, haveria interpretação analógica, por exemplo, no art. 28, II, do CP, quando se utiliza da expressão “substância de efeitos análogos”; no art. 71, caput, quando refere “e outras semelhantes” etc. Diferentemente, haveria analogia, quando, não havendo previsão legal expressa, pudesse o intérprete aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante. Exemplo: prevê o art. 128, II, do CP, que não se pune o aborto praticado por médico, se a gravidez resulta de “estupro”. Então, se se entender que também na hipótese de “atentado violento ao pudor” (CP, art. 214) seria possível aplicar esse dispositivo legal, por ser também crime contra a liberdade sexual, castigado com a mesma pena do estupro, o caso não seria de interpretação analógica, mas de analogia, pois a lei se referiu especificamente ao estupro e não a este e ao atentado violento ao pudor. Só haveria interpretação analógica, e não analogia, se o Código dissesse, v.g., “se a gravidez resulta de estupro ou crime similar”.

Semelhante dicotomia, já se vê, não existe, por pretender distinguir onde há identidade. Sim, porque, tanto num como noutro caso, trata-se de fazer um juízo analógico simplesmente. A diferença consiste unicamente nisto: se a lei expressamente permitir o uso da analogia, haveria interpretação analógica; se não o fizer, o caso seria de analogia. O que ocorre, portanto, em ambos os casos, é sempre analogia, ora expressa, ora tácita, mas analogia sempre, isto é, um juízo comparativo entre duas ou mais situações semelhantes (análogas) para se extrair uma determinada conclusão.

      

Uma tal distinção é falsa, portanto, afinal interpretar analogicamente e fazer analogia são, assim, uma só e mesma coisa, uma vez que se está, em ambos os casos, a interpretar por meio de comparações.

Mas não é só isso. Tal distinção parte do pressuposto de que a interpretação jurídica é, como regra, um ato lógico e não ana-lógico. Ocorre, porém, que a analogia (comparação), um modo de inferência misto dedutivo-indutivo, constitui o próprio critério de determinação do direito. Sim, porque o fato e a norma (o ser e o dever ser), que têm de ser postos em relação recíproca no processo de determinação do direito, nunca são iguais, mas apenas mais ou menos semelhantes, uma vez que nunca existe uma absoluta igualdade ou uma absoluta desigualdade, porque qualquer ente é igual a todos os outros pelo menos no fato de ser, e distingue-se ao menos pelo fato de estar numa diferente posição espacial (Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 119/120).

Assim, a pretexto de fazer subsunção (lógica) do fato ao tipo legal de crime, o juiz faz, em realidade, analogia, pois entre as previsões legais abstratas (normas jurídicas) e as ocorrências humanas (fatos) sempre novas há relação apenas de aproximação, de semelhança, de correspondência. Mais concretamente: não existe um crime absolutamente igual a outro crime, isto é, um furto igual a outro furto, um homicídio igual a outro homicídio, uma estupro absolutamente igual a outro estupro, pois as múltiplas variáveis, de tempo e espaço, inclusive, que sempre envolvem tais atos tornam cada ação humana singularíssima.

Além disso, tal distinção parte da premissa – superada – de que quando da interpretação/aplicação, o direito já está previamente dado, cabendo ao intérprete a cômoda tarefa de descobrir uma suposta vontade da lei ou do legislador preexistente à interpretação, ignorando que, em verdade, o crime (e o próprio direito) não existe materialmente, que é socialmente construído, a depender dos processos de criminalização (primária e secundária), motivo pelo qual o juiz não descobre um sentido prévio à interpretação, mas o cria, por meio dela. Não é mais, portanto, a interpretação que depende da verdade, mas a verdade que depende da interpretação (Gunter Abel), afinal não existem fenômenos jurídicos, mas só interpretação jurídica dos fenômenos (Nietzsche).

    

É impossível, assim, estabelecer uma diferenciação entre analogia e interpretação analógica, porque é impossível pensar que uma palavra descreva uma gama limitada de fatos, ficando outras, embora semelhantes, fora dela (Andrei Schmidt. O Princípio da legalidade penal no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2001, p. 189).

Portanto, a questão fundamental reside no particular em saber quando a analogia deve ser ou não tolerada, quando é ou não compatível com um direito penal de garantais, constitucionalmente fundado, e não apregoar falsas distinções.

4.3)  Quanto a seus efeitos ou resultados, a interpretação pode ser:

a) Extensiva: quando o intérprete conclui que a abrangência semântica da norma é mais ampla do que indicam suas palavras (v. termo, conceito, palavra). Nesse caso, afirma-se que o legislador escreveu menos do que queria dizer, e o intérprete, alargando o campo de sentido e/ou incidência da norma, recepciona determinadas situações não previstas expressamente em sua letra, mas que nela se encontram, virtualmente, incluídas.

Às vezes, o legislador pode formular para um caso singular um conceito que deve valer para toda uma categoria ou usar um elemento que designa espécie, quando queria aludir ao gênero.

Por exemplo, a lei diz "filho", quando na realidade queria dizer "descendente". Ou ainda, a Lei do Inquilinato dispõe que: "o proprietário tem direito de pedir o prédio para seu uso"; a interpretação que conclui por incluir o "usufrutuário" entre os que podem pedir o prédio para uso próprio, por entender que a intenção da lei é a de abranger também aquele que tem sobre o prédio um direito real de usufruto, é uma interpretação extensiva.

b) Restritiva: quando o intérprete restringe o sentido da norma ou limita sua incidência, concluindo que o legislador escreveu mais do que realmente pretendia dizer e assim o intérprete elimina a amplitude das palavras.

Por exemplo, a lei diz "descendente", quando na realidade queria dizer "filho". A mesma norma da Lei do Inquilinato, acima mencionada, serve também para modelo de uma interpretação restritiva, no caso do "nu proprietário", isto é, daquele que tem apenas a nua propriedade, mas não o direito de uso e gozo do prédio; este não poderia pedir o mesmo para seu uso.

c) Estrita, Declarativa ou Especificadora: quando se limita a declarar ou especificar o pensamento expresso na norma jurídica, sem ter necessidade de estendê-la a casos não previstos ou restringi-la mediante a exclusão de casos inadmissíveis. Nela o intérprete chega à constatação de que as palavras expressam, com medida exata, o espírito da lei, cabendo-lhe apenas constatar esta coincidência.

5) Jurisprudência, Regras e Métodos de Interpretação

Jurídica

5.1) AS REGRAS LEGAIS DE INTERPRETAÇÃO

Encontram-se distribuídas pelo ordenamento jurídico e em especial – ao menos pela importância histórica das prescrições hermenêuticas contidas nesta Lei - nos art. 4º. e 5º. da antiga Lei de Introdução ao Código Civil (atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB). Indiquemos as expressões das quais podemos extrair regras voltadas sobretudo à atuação hermenêutico-decisória do magistrado mas com projeções compreensivas para todo o Direito:

Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com aanalogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Além desses dois artigos da LINDB para interpretar uma expressão jurídica para poder buscar o sentido correto – ao menos para o caso concreto – do enunciado normativo necessitamos verificar o resultado da interpretação ao levar em consideração, entre tantos outros dispositivos legais de interpretação (v.g. Código Tributário Nacional, artigos 107 a 110; 8° da Consolidação das Leis do Trabalho, o art. 3° do Código de Processo Penal...) a nossa Lei Maior, a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 3º estabelece que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Neste sentido detectamos uma teleologia que inevitavelmente repercute no campo da aplicação do método teleológico de interpretação jurídica.

5.2) REGRAS CIENTÍFICAS DE INTERPRETAÇÃO

As regras científicas são enunciados construídos pelos sábios, desde a antiguidade, como os brocardos e a regras insculpidas no Digesto, de Justiniano, até as reflexões mais atuais. Justiniano compilou dezoito regras especificamente de interpretação, das quais derivam quase todas as outras regras pragmáticas mais atuais, valendo citar:

Regras clássicas de interpretação jurídica oriundas do Direito Romano: Exemplos

DIGESTO – JUSTINIANO:

“Quem quer que seja que tenha a ousadia de aditar algum comentário a esta nossa coleção de leis... seja cientificado de que não só pelas leis seja considerado réu futuro de crime de falso, como também de que o que tenha escrito se apreenda e de todos os modos se destrua" (De confirmatione digestorum, in Corpus Juris Civilis, par. 21).

1) Benignius leges interpretandae sunt, quo voluntas earum conservetur (As leis devem ser interpretadas mais benignamente, para que se conserve a sua vontade. (Celso, Dig., L. 1, 18, De legibus, 1, 3).

2) Favorabilia sunt aplianda, odiosa sunt restringenda (As coisas favoráveis devem ser ampliadas; as odiosas restritas).

3) Fiat iustitia, pereat mundus (Faça-se justiça, ainda que pereça o mundo).

4) In claris cessat interpretatio (nas coisas claras cessa a interpretação) ...

5) Scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem (saber as leis não é conhecer suas palavras, mas sim, conhecer a sua força e o seu poder" Celso, Dig., L. XXVI).

(Outros exemplos: Latim no Direito, de Ronaldo Caldeira Xavier, Editora Forense, 1999).

 

a) Em toda disposição de direito, o gênero é revogado pela espécie;

b) Nas coisas obscuras, seguimos o mínimo;

c) Quando houver duplicidade de regras sobre a liberdade, interpreta-se em favor desta;

  d) Em caso de dúvida, interpreta-se pela solução mais

benigna;  e) No todo está contida a parte.   

Limongi França inclui entre as regras científicas o catálogo elaborado por Carlos de Carvalho, na sua Consolidação das Leis Civis:

  Caput - A ementa da lei facilita sua inteligência. 

§ 1o No texto da lei se entende não haver frase ou palavra inútil, supérflua ou sem efeito.

  § 2o Se as palavras da lei são conformes com a razão devem ser

tomadas no sentido literal e as referentes não dão mais direito do que aquelas a que se referem.

  § 3o Deve-se evitar a supersticiosa observância da lei que,

olhando só a letra dela, destrói a sua intenção. 

§ 4o O que é conforme ao espírito e letra da lei se compreende na sua disposição.

 

§ 5o Os textos da mesma lei devem-se entender uns pelos outros; as palavras antecedentes e subsequentes declaram o seu espírito.

  § 6o Devem concordar os textos da lei, de modo a torná-los

conformes, e não contraditórios, não sendo admissível a contradição ou incompatibilidade neles.

  § 7o As proposições enunciativas ou incidentes da lei não têm a

mesma força que as suas decisões. 

§ 8o Os casos compreendidos na lei estão sujeitos à sua disposição, ainda que os especifique, devendo proceder-se de semelhante a semelhante e dar igual inteligência às disposições conexas.

  § 9o O caso omisso na letra da lei se compreende na disposição

quando há razão mais forte. 

§ 10. A identidade de razão corresponde à mesma disposição de direito.

 

§ 11. Pelo espírito de umas se declara o das outras, tratando-se de leis análogas.

  § 12. As leis conformes no seu fim devem ter idêntica

execução e não podem ser entendidas de modo a produzir decisões diferentes sobre o mesmo objeto.

  § 13. Quando a lei não fez distinção, o intérprete não

deve fazê-la, cumprindo entender geralmente toda a lei geral.

  § 14. A eqüidade é de direito natural e não permite que

alguém se locuplete com a jactura alheia. 

§ 15. Violentas interpretações constituem fraude da lei. 

O citado jurista propõe ainda dez regras de interpretação, ao que parece, de caráter histórico-evolutivo, das quais é oportuno transcrever as seguintes:

  "I - O ponto de partida da interpretação será sempre a exegese pura e

simples da lei. 

II - Num segundo momento, de posse do resultado dessa indagação, o intérprete deverá reconstruir o pensamento do legislador, servindo-se dos elementos lógico, histórico e sistemático.

  III - Num terceiro momento, cumprir-lhe-á aquinhoar a coincidência

entre a expressão da lei e a descoberta auferida, da intenção do legislador.

  IV - Verificada a coincidência, estará concluído o trabalho

interpretativo, passando-se desde logo à aplicação da lei. 

V - Averiguada, porém, desconexão entre a letra da lei e a mens legislatoris devidamente comprovada, o intérprete aplicará esta, e não aquela".

Pasqualini também elabora sete regras hermenêuticas, estas, sim, pautadas nos estudos mais atuais da hermenêutica filosófica, que podem assim ser resumidas:

  I - A hermenêutica tem o dom da ubiqüidade. É a realidade da realidade. "Não

há interpretação que não se estribe em uma experiência, e nenhuma experiência que não tenha por antecedente o legado hermenêutico da pré-compreensão".

  II - Os intérpretes fazem o sistema sistematizar e o significado significar, razão

pela qual interpretar é interpretar-se. 

III - O Direito e a hermenêutica apresentam-se cognitivamente indissociáveis, razão por que a jurisprudência integra, lógica e epistemologicamente, as fontes do Direito. "O Sistema jurídico, em última análise, não é apenas a totalidade das normas, dos princípios e dos valores, mas, acima de tudo, a totalidade hermenêutica do que tais normas, princípios e valores, como conexões de sentido, podem significar".

  IV - As possibilidades de interpretação são infinitas, porém conservam a justa

reserva para com o arbitrário e a irracionalidade. "A hermenêutica acha-se, pois, em dupla oposição, por um lado, ao ceticismo e, por outro, ao dogmatismo. A sua resposta é uma só: busca da melhor exegese".

 

V - Interpretar é hierarquizar. "A hierarquização axiológica constitui-se, ao que tudo leva a crer, na mais autêntica condição de possibilidade do agir hermenêutico".

  VI - A busca das melhores exegeses revela-se espiraliforme. Girando

em torno do seu núcleo principiológico, o sistema se expande a cada releitura. "o juiz não aplica a lei apenas in concreto, mas colabora ele mesmo, através da sua sentença, para o desenvolvimento do direito...", segundo Gadamer.

  VII - A ronda infindável das interpretações rejeita os extremos

absolutos do subjetivismo e do objetivismo, pois o sistema jurídico não é tanto nem tão pouco. A hermenêutica jurídica é indissociável da vinculação e da discricionariedade, ou seja, opera num sistema ao mesmo tempo em que o expande: "somente a elasticidade produz verdadeira resistência“. (V. FRANÇA, R. Limongi, Hermenêutica jurídica e PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e Sistema Jurídico: Uma Introdução à Hermenêutica Sistemática do Direito, pp. 54-6)

REGRAS DA JURISPRUDÊNCIA PARA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

Um dos juristas mais preocupados com a compilação das regras de jurisprudência foi Washington de Barros Monteiro, que entre outras apresentou as seguintes regras:

a) Na interpretação deve-se sempre preferir a inteligência que faz sentidoà que não faz.b) deve-se preferir a inteligência que melhor atenda à tradição do Direito.c) deve ser afastada a exegese que conduz ao vago, ao inexplicável, aocontraditório e ao absurdo.d) há que se ter em vista o eo quod plerumque fit, isto é, o queordinariamente sucede no meio social.e) Onde a lei não distingue, o intérprete não deve igualmente distinguir.f) todas as leis excepcionais ou especiais devem ser interpretadasrestritivamente.g) tratando-se porém, de interpretar leis sociais, preciso será temperar oespírito do jurista, adicionando-lhe certa dose de espírito social, sob pena desacrificar-se a verdade à lógica.h) em matéria fiscal, a interpretação se fará restritivamente.i) deve ser considerado o lugar onde será colocado o dispositivo, cujosentido deve ser fixado

Interpretação absurda, significa:

a) que leva a ineficácia ou inaplicabilidade da norma, tornando-a sem efeito

b) conduz a uma injustiça ou iniqüidade.

c) contradiz a finalidade da norma ou do sistema;

d) conduz a um resultado impossível, ou contrário à lógica;

e) conduz a uma contradição com princípios constitucionais ou do sub-sistema a que se refere a norma.

f) conduz a uma contradição com normas de hierarquia superior, ou com normas do mesmo texto legal, ou a situações onde não pode haver contradição;

g) conduz a uma fórmula incompreensível, inaplicável na prática. 

STJ RECURSO ESPECIAL 1998/0077951-5 DJ 16/05/2005 p. 275

ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. MOLÉSTIA GRAVE. CARDIOPATIA. ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 111, INCISO II, DO CTN. LEI N. 4.506/64 (ART. 17, INCISO III). DECRETO N. 85.450/80. PRECEDENTES.

1. O art. 111 do CTN, que prescreve a interpretação literal da norma, não pode levar o aplicador do direito à absurda conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de apreciar e aplicar as normas de direito, de valer-se de uma equilibrada ponderação dos elementos lógico-sistemático, histórico e finalístico ou teleológico, os quais integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas.

2. O STJ firmou o entendimento de que a cardiopatia grave, nos termos do art. 17, inciso III, da Lei n. 4.506/64, importa na exclusão dos proventos de aposentadoria da tributação pelo Imposto de Renda, mesmo que a moléstia tenha sido contraída depois do ato de aposentadoria por tempo de serviço.

3. Recurso especial conhecido e não-provido.

Lei Nº 4.506/1964. Código Tributário Nacional

Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

        I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

        II - outorga de isenção;

        III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

LEI Nº 4.506/1964

Dispõe sôbre o impôsto que recai sôbre as rendas e proventos de qualquer natureza.

Art. 17. Não serão incluídos entre os rendimentos tributados de que trata o artigo anterior:

I - As gratificações por quebra de caixa pagas aos tesoureiros e a outros empregados, enquanto manipularem efetivamente valores, desde que em limites razoáveis nessa espécie de trabalho;

II - A indenização por despedida ou rescisão de contrato de trabalho que não exceder os limites garantidos pela Lei;

III - Os proventos de aposentadoria ou reforma quando motivada peIas moléstias enumeradas no item III do artigo 178 da Lei número 1.711 de 28 de outubro de 1952;

Examinando o artigo anterior, citado no art.17.

LEI No 1.711, DE 28 DE OUTUBRO DE 1952.

Revogada pela Lei nº 8.112, de 1990- Estatuto do Servidor Público

Art. 178. O funcionário será aposentado com vencimento ou remuneração integral: I –... (omissis)...

II –... (omissis)...

III – quando acometido de tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia malíguina, cegueira, lepra, paralisia, cardiopatia grave e outras moléstias que a lei indicar, na base de conclusões da medicina especializada. 

LEI No 1.711, DE 28 DE OUTUBRO DE 1952.

Revogada pela Lei nº 8.112, de 1990- Estatuto do Servidor Público

Art. 178. O funcionário será aposentado com vencimento ou remuneração integral: I –... (omissis)...

II –... (omissis)...

III – quando acometido de tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia malíguina, cegueira, lepra, paralisia, cardiopatia grave e outras moléstias que a lei indicar, na base de conclusões da medicina especializada. 

Uma interpretação literal entende que a doença deve ser a causa da aposentadoria. Se aparecer depois, não cumpre a literalidade da lei.

LEI Nº 4.506/1964

Dispõe sôbre o impôsto que recai sôbre as rendas e proventos de qualquer natureza.

Art. 16. Serão classificados como rendimentos do trabalho assalariado tôdas as espécies de remuneração por trabalho ou serviços prestados no exercício dos empregos, cargos ou funções referidos no art. 5º do Decreto-lei nº 5.844/1943, e no art. 16 da Lei nº 4.357/1964, tais como:

I - Salários, ordenados, vencimentos, soldos, soldadas, vantagens, subsídios, honorários, diárias de comparecimento;

Il -...

XI - Pensões, civis ou militares de qualquer natureza, meios-soldos, e quaisquer outros proventos recebidos do antigo empregador de institutos, caixas de aposentadorias ou de entidades governamentais, em virtude de empregos, cargos ou funcões exercidas no passado, excluídas as correspendentes aos mutilados de guerra ex-integrantes da Fôrça Expedicionária Brasileira.

QUESTÃO PROPOSTA AO JULGADOR

DATA DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA

CARDIOPATIA DETECTADAANTES DA APOSENTADORIA

ENTENDIMENTO: TEM DIREITO A ISENÇÃO DE IR.

CARDIOPATIA DETECTADAAPÓS A APOSENTADORIAENTENDIMENTO: NÃO TEM DIREITO A ISENÇÃO DE IR.

QUESTÃO PROPOSTA AO JULGADOR

DATA DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA

CARDIOPATIA DETECTADAANTES DA APOSENTADORIA

ENTENDIMENTO: TEM DIREITO A ISENÇÃO DE IR.

CARDIOPATIA DETECTADAAPÓS A APOSENTADORIAENTENDIMENTO: NÃO TEM DIREITO A ISENÇÃO DE IR.

ABSURDO

INTERPRETAÇÃO STJ:TEM DIREITO A ISENÇÃO DE IR.

Recurso Ordinário Em Habeas Corpus 1994/0031877-4

ADVOGADO. INVIOLABILIDADE E IMUNIDADE JUDICIARIA (ART. 133 DA CF, 142, I, DO CP, E 7., PAR. 2., DO ESTATUTO DA OAB, LEI 8.906/94). O ADVOGADO QUE UTILIZA LINGUAGEM EXCESSIVA E DESNECESSARIA, FORA DE LIMITES RAZOAVEIS DA DISCUSSÃO DA CAUSA E DA DEFESA DE DIREITOS, CONTINUA RESPONSAVEL PENALMENTE. ALCANCE DO PAR. 2. DO ART. 7. DA LEI 8.906/94 FRENTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTS. 5., CAPUT, E 133). SUSPENSÃO PARCIAL DO PRECEITO PELO STF NA ADIN N. 1.127-8. JURISPRUDENCIA PREDOMINANTE NO STF E STJ, A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

(...)

Recurso Ordinário Em Habeas Corpus 1994/0031877-4

(...)

Seria odiosa qualquer interpretação da legislação vigente conducente a conclusão absurda de que o novo estatuto da OAB teria instituído, em favor da nobre classe dos advogados, imunidade penal ampla e absoluta, nos crimes contra a honra e ate no desacato, imunidade essa não conferida ao cidadão brasileiro, as partes litigantes, nem mesmo aos juízes e promotores. O nobre exercício da advocacia não se confunde com um ato de guerra em que todas as armas, por mais desleais que sejam, possam ser utilizadas. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento.

Interpretação sistemática. A unidade orgânica e os princípios informativos das normas

Processo civil. Execução para entrega de coisa. Mercadoria fungível. Sacas de soja.

Título extrajudicial. Arts. 585, II e 621, CPC.

HERMENÊUTICA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA.

I – Admissível que a execução para entrega de coisa(s) fungível(is), submetida a

disciplina prevista nos arts. 621 usque 628 do Estatuto Processual, seja fundada

em título executivo extrajudicial (art. 585, II, do mesmo diploma).

II – Sem embargo das respeitáveis posições em contrário, tenho que a interpretação

sistemática conferida pelo aresto recorrido ao art. 621, em face da regra do art.

585, II, é a que melhor reflete os princípios norteadores da hermenêutica, além de

apresentar-se mais razoável, guardando coerência com a atual tendência evolutiva

do direito processual, sob cuja inspiração foram elaborados os projetos de reforma

do Estatuto instrumental encaminhados ao Congresso Nacional, alguns deles hoje

já integrados a nossa ordem legal.

III – Segundo assinalado por Carlos Maximiliano em sua admirável Hermenêutica e Aplicação do Direito, citando o Digesto de Celso, "não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio” (STJ, REsp n. 52.052/RS, in DJU de 19/12/1994).

Interpretação teleológica ou finalística, construtiva e valorativa. Os fins sociais da lei e as exigências do bem comum (art. 5º da LICC)Processual civil. Lei 8.009/90. Bem de família. Hermenêutica. Freezer, máquina de lavar e

secar roupas e microondas. Impenhorabilidade. Teclado musical. Escopos político e social

do processo. Hermenêutica. Precedentes. Recurso provido.

I - Não obstante noticiem os autos não ser ele utilizado como atividade profissional, mas

apenas como instrumento de aprendizagem de uma das filhas do executado, parece-me

mais razoável que, em uma sociedade marcadamente violenta como a atual, seja

valorizada a conduta dos que se dedicam aos instrumentos musicais, sobretudo quando

sem o objetivo do lucro, por tudo que a música representa, notadamente em um lar e na

formação dos filhos, a dispensar maiores considerações. Ademais, não seria um mero

teclado musical que iria contribuir para o equilíbrio das finanças de um banco. O processo,

como cediço, não tem escopo apenas jurídico, mas também político (no seu sentido mais

alto) e social.

II - A Lei 8.009/90, ao dispor que são impenhoráveis os

equipamentos que guarnecem a residência, inclusive móveis, não

abarca tão-somente os indispensáveis à moradia, mas também

aqueles que usualmente a integram e que não se qualificam como

objetos de luxo ou adorno.

III -Ao juiz, em sua função de intérprete e aplicador da lei, em

atenção aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem

comum, como admiravelmente adverte o art. 5º, LICC, incumbe

dar exegese construtiva e valorativa, que se afeiçoe aos seus fins

teleológicos, sabido que ela deve refletir não só os valores que a

inspiraram mas também as transformações culturais e sócio-

políticas da sociedade a que se destina (STJ, REsp 218882/SP, in

DJU de 25/10/1999).

Interpretação evolutiva. As transformações

Processual civil. Execução fiscal. Adiantamento de despesas para o oficial

de justiça ou para o perito. Art. 27, CPC.

1. Se a interpretação por critérios tradicionais conduzir à injustiça,

incoerências ou contradição, recomenda-se buscar o sentido eqüitativo,

lógico e acorde com o sentimento geral.

2. Custas e emolumentos, quanto à natureza jurídica, não se confundem

com despesas para o custeio de atos decorrentes de caminhamento

processual.

3. O Oficial de Justiça ou Perito não estão obrigados a arcar, em favor da

Fazenda Pública, com as despesas necessárias para a execução de atos

judiciais.

4. Recurso conhecido e improvido.

(STJ, REsp 154682/SP, in DJU de 02/03/1998).

Interpretação estrita, restritiva e não-extensiva. Exceções, punições, privilégios, limitações de direitos, prescrições de ordem pública e atos benéficos

PROCESSUAL CIVIL. VISTA DE AUTOS. SEGREDO DE JUSTIÇA. ESTAGIÁRIO NÃO INSCRITO

NA OAB. IMPOSSIBILIDADE. EXEGESE DO ART. 154 DO CPC C/C OS ARTS. 1º E 3º, §2º, DA

LEI N. 8906/94.

Frente à redação dos dispositivos legais referidos, inexiste qualquer dúvida acerca da

impossibilidade de se conceder vista dos autos, protegidos pelo segredo de justiça, a

estagiário não inscrito na OAB, porque tal se revela em atividade inerente ao exercício da

advocacia, não podendo ser provocada por quem não satisfaz a condição prevista no art.

3º, §2º, do Estatuto do Advogado.

Demais disso, a ciência hermenêutica não socorre o recorrente, quanto à alegativa de que

a expressão “procuradores” do art. 155 do Código de Processo Civil deva ser interpretada

amplamente, de forma a abranger todo e qualquer estagiário substabelecido no processo.

As prescrições de ordem pública, quando ordenadoras ou vedantes, visam a proteger o

interesse da coletividade, motivo porque se sujeitam à interpretação estrita,

impossibilitada, assim, a extensiva e o aplicar da analogia.

Recurso conhecido, porém desprovido.

(STJ, ROMS 14697/SP, in DJU de 16/12/2002).

Contradições e antinomias aparentes da lei: serão hipóteses diferentes ou serão regras e exceção?

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. SERVIDOR MUNICIPAL.

PROFESSOR. DIRETOR DE ESCOLA. FUNÇÃO GRATIFICADA. INCORPORAÇÃO. LEI.

ANTINOMIA APARENTE. A antinomia entre dispositivos de lei é apenas aparente e ocorre

por insuficiência do intérprete. No sistema do Direito não há antinomias, pois as aparentes

contradições legais são solvidas por técnicas ofertadas pela ciência jurídica e pela

hermenêutica. Se a lei em um dispositivo estabelece que a gratificação em nenhuma

hipótese e para nenhum fim incorpora-se ao vencimento e, noutro dispositivo, estabelece

que a gratificação se incorpora ao vencimento com o exercício ininterrupto por cinco anos

ou por dez anos intercalados, então impõe-se entender que a incorporação jamais ocorre,

exceto na precisa hipótese do exercício contínuo por cinco anos ou por dez intercalados.

Provado o exercício contínuo da função por cinco anos, a incorporação é de rigor. Apelo

improvido. Sentença confirmada em reexame. (Apelação e Reexame Necessário

Nº 70002091734, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Julgado em

24/04/2002).

Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir

PROCESSUAL CIVIL. AJUIZAMENTO DE AÇÃO MONITÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.

POSSIBILIDADE. ART. 1.102A, 'B' E 'C', E PARÁGRAFOS, DO CPC.

1. A norma que introduziu a ação monitória no Código Processual Civil (art. 1.102a, 'b' e

'c', e parágrafos) revelou-se absolutamente omissa quanto à possibilidade de ser utilizada

frente à Fazenda Pública, ou por ela. Pelo fato do regime brasileiro de execução contra o

Estado possuir características especiais, conferindo-lhe privilégios materiais e processuais

que são indiscutíveis, evidencia-se, inobstante tais peculiaridades, que os preceitos legais

instituidores do procedimento monitório não comportam uma leitura isolada, necessitando

que sejam cotejados com os demais comandos do nosso ordenamento jurídico a fim de

que se torne viável a aplicação do mesmo em face dos entes públicos.

2. Não havendo óbice legal expresso contra a sua utilização perante a Fazenda, não cabe

ao intérprete fazê-lo, face ao entendimento de que é regra de hermenêutica jurídica,

consagrada na doutrina e na jurisprudência, a assertiva de que ao intérprete não cabe

distinguir quando a norma não o fez, sendo inconcebível interpretação restritiva na

hipótese.

(STJ, REsp 281483/RJ, in DJU de07/10/2002).

Os objetivos e os limites da interpretação

Direito Processual Civil. Preclusão. Coisa julgada formal. Lei 8.009/1990. Decisão anterior

irrecorrida. Impossibilidade de reexaminar-se a espécie. Hermenêutica. Recurso

desacolhido.

I – Existindo decisão denegatória anterior irrecorrida, não se cuidando dos requisitos de

admissibilidade de tutela jurisdicional (condições da ação e pressupostos processuais,

nem de instrução probatória, não é dado ao judiciário, sob pena de vulneração do instituto

da preclusão, proferir nova decisão sobre a mesma matéria.

II – Embora deva o juiz dar à lei interpretação construtiva, valorativa, teleológica, exegese

inteligente, útil e conveniente, não lhe é lícito tomar liberdades inadmissíveis com a lei.

(STJ, REsp. n. 93296, in DJU de 24.02.1997).

Interpretação razoável não constitui violação de literal disposição de lei

Rescisória de acórdão. Fundamento. Literal disposição de lei. Interpretação razoável da

Câmara julgadora. Violação. Inocorrência. Descabimento.

Se a interpretação eleita pelo acórdão, dentre outras cabíveis, não destoa da literalidade

do texto legal, nem conduz ao absurdo ou à teratologia, o julgado não pode ser

considerado violador de dispositivo de lei e, por conseqüência, passível de rescisão nos

termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil.

(TASP, R. Ac. 684.047-00/7, julgada em 11.03.2002).

A rescisória sob o fundamento de violação literal de dispositivo de lei somente é cabível se

a interpretação dada pelo decisum rescindendo for de tal modo aberrante e teratológica

que viole dispositivo legal em sua literalidade. Não sendo recurso a rescisória não se

presta ao reexame de fatos e provas, mormente quando não questionados no momento

oportuno.

(TASP, R. Ac. 775.628-00/1, julgada em 11.02.2003).

Interpretação dos atos segundo a boa-fé de comportamento

Dá como violado o art. 120 do CC e sustenta que o aresto impugnado dissente daquele

proferido por esta Corte no RE 11.421, de 05.12.1949, que guarda a ementa seguinte:

O princípio da inviolabilidade dos contratos cede às imposições da boa-fé, que domina a

interpretação das convenções. A atitude do locador de requerer o despejo por falta de

pagamento em dia, quando vinha concordando em recebê-lo com atraso, e sem que antes

cientifique o inquilino de sai disposição de não mais tolerar qualquer atraso, constitui

abuso de direito.

O recurso foi admitido pelo dissídio.

Certo a tolerância constante, reiterada quebra do rigor do contrato, dispondo de forma

diferente no que tange a era do pagamento. Esta é a orientação dominante desta Corte.

Tenho mesmo sido relator de mais de um caso no qual fiz aplicação do princípio, assente

na doutrina.

(STF, 2ªT., RE n 66493, conhecido e provido por acórdão de 13.03.1969).

ESCOLAS HERMENÊUTICAS

• Partem de concepções distintas acerca da ordem jurídica e do sentido do labor hermenêutico

Três grupos:

a) Escolas de estrito legalismo ou dogmatismo;

b) Escolas de reação ao estrito legalismo ou dogmatismo;

c) Escolas que se abrem a uma interpretação mais livre.

A – Escolas de estrito legalismo ou dogmatismo

A.1 – Escola da Exegese França, séc. XIX

A.2 – Escola dos PandectistasAlemanha, séc. XIX

A.3 – Escola Analítica de JurisprudênciaInglaterra, séc. XIX

A.1 – Escola da Exegese

- Perdurou durante grande parte do século XIX- Comentadores dos Códigos de Napoleão- Sistema normativo perfeito, legislação completa- Solução para todas as demandas- Lei escrita: a única fonte do Direito, expressão do Direito Natural- Método de interpretação: literal, orientado para encontrar no texto a vontade ou intenção do legislador (mens legislatoris)- Nenhum valor aos costumes e repúdio à atividade criativa da jurisprudência

- Mais extremados: em face de lacuna, o juiz deveria abster-se de julgar - Menos radicais: possibilidade do uso da analogia como mecanismo de integração do Direito- Características da escola: Positivismo avalorativo, estatal e legalista- Razões históricas, políticas, econômicas e psicológicas:

- produto da burguesia, recém chegada ao poder

- legislação napoleônica: obra completa e acabada

- racionalismo do século XVIII (simetria, lógica)

- doutrina da irrestrita separação de Poderes (Montesquieu)

(Escola da Exegese)

Principais representantes da Escola da Exegese:

Franceses:- Jean Charles Demolombe (1804-1887)- Raymond Troplong (1795- 1869)- Victor Napoleón Marcadé (1810-1854)- Charles Antoin Marie Barbe Aubry (1803-1883)- Charles Fréderic Rau (1803-1877)- Marie Pierre Gabriel Baury-Lacantinerie (1837-

1913)Belga- François Laurent (1810-1887)Alemão- Karl Salomone Zachariae (1769-1843)

(Escola da Exegese)

A.2 – Escola dos Pandectistas- Como a Escola da Exegese, manifestação do positivismo jurídico do século XIX- Direito: um corpo de normas positivas, sem fundamento absoluto ou abstrato- Sistema dogmático de normas. Modelo: as instituições de Direito Romano- Corpus Juris Civilis, de Justiniano, especialmente as Pandectas- Valorização dos costumes jurídicos formados pela tradição- Windscheid: “Intenção possível do legislador”, não no seu tempo, mas na época em que se processasse o trabalho interpretativo

Principais representantes da Escola dos Pandectistas:

- Bernhard Windscheid (1871-1892)- Christian Friedrich Von Glück (1755-1831)- Alöis Von Brinz (1820-1887)- Heinrich Dernburg (1829-1907)- Ernst Immanuel Von Bekker (1827-1916)

(Escola dos Pandectistas)

A.3 – Escola Analítica de Jurisprudência

- Como a Escola da Exegese e a Escola dos Pandectistas, manifestação do positivismo jurídico- O Direito tem por objeto apenas as leis positivas e os costumes recepcionados pelos tribunais- Não interessam ao Direito os valores ou conteúdo ético das normas legais- Fundador: John Austin (1790-1859)- Fundamento na análise conceitual: o conceito nada mais é que a representação intelectual da realidade- Única fonte do Direito: os costumes acolhidos e chancelados pelos tribunais- Tentou sistematizar e unificar o direito consuetudinário (olhos postos na realidade inglesa)

- Três campos distintos de problemas relacionados com o Direito:

a) jurisprudência geral ou filosofia do direito positivo: exposição dos princípios gerais comuns aos diversos sistemas jurídicos positivos

b) a jurisprudência particular: estudo das leis vigentes num determinado país

c) ciência da legislação: situada nos domínios da Ética, que abrange os princípios que o legislador deve ter em conta para elaborar leis justas e adequadas- Direito completamente separado da Ética- O jurista ocupa-se das leis positivas, sejam as leis particulares de um Estado, sejam os princípios gerais comuns aos diversos sistemas jurídicos

(Escola Analítica de Jurisprudência)

B – ESCOLAS DE REAÇÃO AO ESTRITO LEGALISMO OU DOGMATISMO

B.1 – Escola Histórica do Direito-B.1.1 – Escola Histórico-Dogmática-B.1.2 – Escola Histórico-Evolutiva

B.2 – Escola Teleológica

B.1 – Escola Histórica do Direito

- Surgiu na Alemanha, em princípios do séc. XIX, no apogeu do neo-humanismo, quando o Direito era tido como pura criação racional- Contribuiu para retirar o Direito da perspectiva abstrata do racionalismo, fundada em exercícios de lógica e dialética, para uma perspectiva histórica, rente à vida real- Nega a existência de um Direito Natural com pressupostos racionais e universalmente válidos- Historicidade do Direito, cuja origem e fundamento repousa na consciência nacional e nos costumes jurídicos oriundos da tradição

- Postulados básicos:O Direito...

a) é um produto históricob) surge do espírito do povoc) forma-se e desenvolve-se

espontaneamente, como a linguagem; não pode ser imposto em nome de princípios racionais e abstratos

d) encontra sua expressão inconsciente no costume, que é sua fonte principal

e) é criado pelo povo – entendido como povo não somente a geração presente, mas as gerações que se sucedem. O legislador deve ser o intérprete das regras consuetudinárias, completando-as e garantindo-as através das leis

(Escola Histórica do Direito)

Principais representantes da Escola Histórica do Direito:

- Gustav von Hugo (1764-1844), seu iniciador- Friedrich Karl von Savigny (1779-1861)- Georg Friedrich Puchta (1798-1846)- Johann Friedrich Göschen (1778-1837)- Karl Friedrich Eichhorn (1781-1854)- Joseph Köhler (1849-1919) – inglês- Henry Raymond Saleilles (1855-1912) – francês,

incluído por alguns na Escola do Direito Livre

(Escola Histórica do Direito)

B.1.1 – Escola Histórico-Dogmática

- Também conhecida como Escola Histórica Alemã- Principais representantes: Savigny, Puchta, Hugo,

Göschen, Eichhorn e Henry Maine- O intérprete não se deve ater à letra da lei,

usando o processo meramente lógico: também o elemento sistemático deve ser utilizado

- Reconstrução do sistema orgânico do Direito, do qual a lei mostra apenas uma face

- Quando o pensamento da lei aparecer em contraste com o que o intérprete considere expressão da consciência coletiva do povo, no momento de ser aplicada a lei, deve optar pela revelação direta dessa fonte mais profunda do Direito

B.1.2 – Escola Histórico-Evolutiva

- Também conhecida como Escola Atualizadora do Direito

- Principais representantes: Salleiles e Köhler- Superação dos métodos de pesquisa a posteriori

do sentido da lei, da Escola Histórico-Dogmática- Função criadora do Direito, de modo que possa

acompanhar as transformações sociais. Não obstante, deve o intérprete ou aplicador manter-se no âmbito da lei

- A lei considerada como portadora de vida própria

- O intérprete deve observar não apenas o que o legislador quis, porém o que quereria se vivesse à época da aplicação da lei

- Adaptação da velha lei aos tempos novos, dando vida aos códigos. Leis jurídicas sujeitas à lei geral da evolução

B.2 – Escola Teleológica

- Fundador: o alemão Rudolf Von Ihering (1818-1892)- O Direito, como organismo vivo, é produto de luta, e

não de um processo natural, segundo pretendia Savigny

- O Direito supõe luta, quer para sua criação, quer para sua defesa – “O fim do direito é a paz, o meio de atingi-lo, a luta”

- O método próprio do direito é o teleológico, uma vez que a missão do Direito é adaptar os meios às concepções dos fins, na realização dos interesses sociais

- Introdução da ideia de finalidade prática e social

C – Escolas que se abrem a uma interpretação mais livreC.1 – Escola da Livre Pesquisa Científica

C.2 – Escola do Direito Livre

C.3 – Escola Sociológica Americana

C.4 – Escola da Jurisprudência de interesses

C.5 – Escola Realista Americana

C.6 – Escola Egológica

C.7 – Escola Vitalista do Direito

C.1 – Escola da Livre Pesquisa Científica

- França: François Geny (1861 – 1959)- Lei: insuficiente para coibir todos os fatos

sociais- O intérprete não deve procurar a intenção

possível do legislador, como se este vivesse na época da aplicação da lei

- O Direito não está contido na lei (mais importante fonte do Direito, mas não única)

Direito: duas séries de elementos:

- dados

- construídos

C.2 – Escola do Direito Livre

- Alemanha: Hermann Kantorowicz (1877-1940)- Precursores: especialmente Rudolf Stammler (“direito

justo”; deduções jurídicas) e Paul Magnaud (O bom juiz)

- Reação contra o princípio da plenitude lógica ou orgânica do Direito Positivo.

- Juiz mais importante que a lei.- O Direito não é, nem deve ser, criação exclusiva do

Estado- Duas correntes:

- Moderada: Eugen Ehrlich (1862-1922) – direito da sociedade; Gustav Radbruch (1878-1949)

- Radical: Kantorowicz (decisões contra legem: um mal, mas inevitável); Ernst Fuchs

C.3 – Escola Sociológica Americana

- Estados Unidos da América (primeira metade do séc. XX)

- Roscoe Pound; Oliver Wendel Holmes; Banjamim Nathan Cardozo; Louis Brandeis; John Dewey (filósofo pragmatista)

- Paralela às Escolas da Livre Pesquisa Científica (França) e do Direito Livre (Alemanha)

- O Direito é mutável. Variações da vida social.- Direito: instrumento de civilização. Serve à melhoria

da ordem social e econômica

- Ponderação valorativa prevalece sobre a lógica

- Considerações de justiça e bem-estar social

- Prática do Direito: mais experiência que lógica

- Presença de processos subconscientes na tarefa judicial

C.4 – Escola da Jurisprudência de Interesses

- Alemanha (primeiro quartel do séc. XX)- Philipp Heck, Max Rümelin, Paulo Oertman e

Stampe- A investigação dos interesses, e não a lógica, é que

deve presidir o trabalho hermenêutico- O juiz está obrigado a obedecer ao Direito Positivo- O juiz deve proteger a totalidade dos interesses que

o legislador considerou dignos de proteção; e protegê-los, em grau e hierarquia, segundo a estimativa do legislador

- Mostra a supremacia do interesse sobre os conceitos jurídicos

- Mais importante do que obter uma suposta interpretação autêntica da lei é preocupar-se com as conseqüências sociais

C.5 – Escola Realista Americana

- Estados Unidos da América (primeira metade do séc. XX)

- Ala extremada da Escola Sociológica Americana- Jerome New Frank; Karl Nickerson Llwellyn; John

Chipman Gray; Underhill Moore; Herman Oliphant; Walter W. Cook; Charles E. Clark

- A sentença judicial não segue o processo lógico (das premissas à conclusão), mas o processo psicológico (da conclusão à procura de premissas convenientes

- O Direito é mutável; daí o juiz ter que formular a norma, ainda que comumente sob a aparência de interpretar velhas normas

- O juiz cria o Direito efetivo, ainda que haja normas gerais preexistentes

C.6 – Escola Egológica- Argentina: Carlos Cossio- O objeto a ser conhecido pelo jurista não são as

normas, porém a conduta humana focalizada a partir de certo ângulo particular

- O Direito é um objeto natural egológico (e não mundano) por ter sempre, em seu substrato, uma conduta

- Deve ser estudado com o método das ciências culturais, o empírico-dialético, fundado em um ato de compreensão

- A norma estabelece o sentido jurídico da conduta

As sentenças integram a criação normativa em que consiste o ordenamento jurídico; logo, o juiz, como criador da sentença, está dentro, e não fora, do ordenamento

- O juiz vê o Direito como algo que se está fazendo constantemente, não como algo concluído e feito

- Não é a lei que se interpreta, mas a conduta humana

- Não se trata de uma interpretação livremente valorativa (o que conduziria ao subjetivismo), mas de uma interpretação conceitualmente valorativa

- O juiz interpreta a lei segundo sua ciência e sua consciência

- Seguidores: Enrique Aftalión, Fernando Garcia Olano, Luís Eduardo Nieto Arteta, José Vilanova e A. L. Machado Neto

(Escola Egológica)

C.7 – Escola Vitalista do Direito

- Luis Recaséns Siches (1903-1977): Teoria Vitalista do Direito

- O Direito não é fenômeno da natureza física ou psíquica, nem puro valor, mas fato histórico.

- O Direito é forma de vida humana objetivada- A “vida autência” objetiva-se em atos, obras, objetos a

“vida humana objetivada”- A norma deve ser interpretada e aplicada

circunstancialmente, ou seja, considerando a variação da circunstância (razão histórica), desde quando a norma foi criada até quando venha a ser aplicada

- Na aplicação do Direito, não há a uniformidade lógica do raciocínio matemático, porém flexibilidade há para o entendimento razoável do preceito

- Tudo o que pertence à existência humana (a prática do Direito, inclusive) reclama a lógica do humano e do razoável, impregnada de critérios valorativos (lógica material).

Direito alternativo

- Não é escola hermenêutica- É melhor designado como “Movimento do Direito

Alternativo”- Adota uma posição dialética- Não “é” uma visão do Direito, no sentido estático. É,

sendo.