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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL - TURMA I HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA: PERSPECTIVAS DE UMA COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1988 MARLO ALMEIDA SALVADOR São José , abril de 2015

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL - TURMA I

HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO

GARANTISTA: PERSPECTIVAS DE UMA COMPREENSÃO

AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DO

BRASIL DE 1988

MARLO ALMEIDA SALVADOR

São José , abril de 2015

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL - TURMA I

HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO

GARANTISTA: PERSPECTIVAS DE UMA COMPREENSÃO

AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DO

BRASIL DE 1988

MARLO ALMEIDA SALVADOR

Monografia submetida à

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI,

como requisito à obtenção do grau de

Especialista em Direito Constitucional

Orientador: Professor Dr. Alexandre Morais da Rosa

São José, abril de 2015

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AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus, sem o qual as maravilhas do universo que operam nosso

ser não existiriam para nos motivar. Agradeço à minha vó Maria, a qual sempre

acreditou em mim depositando toda sua confiança e seu amor de mãe insubstituível.

À minha querida e amada namorada Angélica, a qual teve junto durante todo

o período desta pesquisa, sempre ajudando e incentivando. Te amo, minha menina.

Por fim, ao meu orientador Dr. Alexandre Morais da Rosa, que mais do que

um orientador foi um colaborador na elaboração deste trabalho. Sinto-me

imensamente honrado pela confiança depositada, grande mestre. Obrigado!

Ninguém aprende se não se renova a linguagem. É

preciso romper a linguagem para tocar a vida.”

(Luiz Alberto Warat)

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Dedico este trabalho à memória do querido amigo

Florindo Testoni Filho.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização em Direito Constitucional e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José , 13 de abril de 2015

MARLO ALMEIDA SALVADOR

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito

Constitucional da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo aluno

Marlo Almeida Salvador, sob o título Hermenêutica Filosófica e Constituiconalismo

Garantista: Perspectivas para uma compreensão autêntica dos princípios na

Constituição do Brasil de 1988, foi submetida em 13 de abril de 2015 à avaliação

pelo Professor Orientador e pela Coordenação do Curso de Especialização em

Direito Constitucional, e aprovada.

São José , 13 de abril de 2015

DR. ALEXANDRE MORAIS DA ROSA Orientador

Msc. ALCEU DE OLIVEIRA PINTO JUNIOR Coordenador do Curso de Especialização em Direito

Constitucional

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................. 8

RESUMEN .......................................................................................... 9

INTRODUÇÃO .................................................................................. 10

CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 12

DO POSITIVISMO JURÍDICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO:

UMA CONTEXTUALIZAÇÃO ENTRE O CÍRCULO DE VIENA

E A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA ......................................... 12

1.1. A DIFERENÇA ONTOLÓGICA ENTRE LEITURA ANALÍTICA

E HERMENÊUTICA DO DIREITO ............................................. 19

1.2. O CONCEITO (IN)CERTO DE PRINCÍPIO À LUZ DAS

LEITURAS ANALÍTICA E HERMENÊUTICA DO DIREITO ....... 25

CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 32

CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA E DEMOCRACIA

SUBSTANCIAL: UMA REFLEXÃO À LUZ DA TEORIA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS ..................................................... 32

2.1. O CONCEITO ANALÍTICO DE NORMA JURÍDICA ................... 37

2.2. UMA INTRODUÇÃO À TEORIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS ....................................................................... 40

CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 44

HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E AS PERSPECTIVAS DE UMA

COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS NA

CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1988 ..................................... 44

3.1. BREVE HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE

1988 ........................................................................................... 46

3.2. O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

SUBSTANCIAL .......................................................................... 52

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3.3. ÓBICES PARA A COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS

PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1988: AS

RECEPÇÕES TEÓRICAS EQUIVOCADAS .............................. 56

3.3.1. A JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES................................... 57

3.3.2. A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E O

PROBLEMA DA PONDERAÇÃO .............................................. 60

3.3.3. O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL ...................................... 65

3.4. PERSPECTIVAS DE UMA LEITURA AUTÊNTICA DOS

PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1988

MEDIANTE A RESPOSTA CORRETA OU ADEQUADA NA

TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL DE LENIO STRECK ............ 69

CONCLUSÃO ................................................................................... 74

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 77

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Resumo

O presente trabalho tem como objetivo geral entender até que ponto a

hermenêutica filosófica pode ajudar a compreender de maneira adequada a noção

de princípio no sistema constitucional brasileiro. Para entender a referida questão,

primeiramente partir-se-á de uma abordagem acerca da diferença ontológica entre

as leituras analítica dedutiva e hermenêutica do direito, a fim de se delimitar as

premissas metodológicas acerca do que será abordado nos seguintes itens. No

capítulo segundo, serão abordados alguns aspectos do constitucionalismo

garantista, especialmente a partir de um debate realizado entre Luigi Ferrajoli e

juristas brasileiros, buscando responder qual a sua contribuição para uma

compreensão dos princípios na Constituição do Brasil de 1988 à luz do que foi

identificado no capítulo primeiro e, por fim, no terceiro e último capítulo, se buscará

responder qual a resposta mais adequada para uma compreensão autêntica dos

princípios na Constituição do Brasil de 1988, concluindo-se a pesquisa com o

resultado do que fora estudado com base nas indagações apresentadas. A diferença

ontológica entre leitura analítica e hermenêutica filosófica consiste basicamente nas

suas premissas teórico-interpretativas, pois enquanto a primeira chancela a

possibilidade de se admitir uma convicção da consciência individual a partir do

método dualista e lógico dedutivo, tendo como paradigma a filosofia da consciência,

a segunda pressupõe uma leitura hermenêutica através da filosofia da linguagem, a

qual propõe uma cisão com o primeiro paradigma, liberal-individualista, sustentada

numa compreensão do texto em conformidade com todo o contexto histórico e

cultural que envolve os entes. O garantismo jurídico se traduz numa doutrina calcada

numa leitura restrita acerca do legalismo e da própria noção de princípio, a qual

acaba por se mostrar como uma solução adequada para uma compreensão

autêntica dos princípios. Para se ter uma leitura autêntica dos princípios

constitucionais, todavia, é necessário se superar o ativismo judicial, a teoria da

argumentação e a jurisprudência dos valores. O garantismo jurídico nos parece uma

alternativa viável para a leitura autêntica dos princípios, contudo, parte de uma

premissa equivocada na medida em que se mostra inautêntico em razão de que

adota pressupostos de uma leitura analítica dos princípios, de modo que a leitura

hermenêutica se mostra mais adequada para uma compreensão autêntica destes na

Constituição do Brasil de 1988.

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9

Resumen

El presente trabajo tiene como objetivo general entender hasta que punto

la hermenéutica filosófica puede ayudar a comprender de manera adecuada la

noción de principio en el sistema constitucional brasileño. Para entender la referida

cuestión, primeramente se partirá de una abordaje acerca de la diferencia ontológica

entre las lecturas analítica deductiva y hermenéutica del derecho, con el fin de

delimitar las premisas metodológicas acerca de lo que será abordado en los

siguientes puntos. En el segundo capítulo, serán abordados algunos aspectos del

constitucionalismo garantista, especialmente a partir de un debate realizado entre

Luigi Ferrajoli y juristas brasileños, buscando contestar cual su contribución para una

comprensión de los principios en la Constitución de Brasil de 1988 la luz de lo que

fui identificado en el primer capítulo y, por fin, el tercer y último capítulo, se buscará

contestar cual la respuesta más adecuada para una comprensión auténtica de los

principios de la Constitución Brasilera de 1988, concluyendo la investigación con el

resultado de lo que fuera estudiado con base en las indagaciones presentadas. La

diferencia ontológica entre lectura analítica y hermenéutica filosófica consiste

básicamente en sus premisas teórico-interpretativas, pues mientras la primera sella

la posibilidad de admitirse una convicción de la consciencia individual a partir del

método dualista y lógico deductivo, teniendo como paradigma la filosofía de la

consciencia, la segunda presupone una lectura hermenéutica a través de la filosofía

del lenguaje, a la cual propone una escisión con el primero paradigma, liberal-

individualista, sostenida en una comprensión de texto en conformidad con todo el

contexto histórico y cultural que envuelve los entes. El garantizador jurídico se

traduce en una máxima sostenida en una lectura restricta acerca del legalismo y de

la propia noción de principio, la cual acaba por mostrarse como una solución

adecuada para una comprensión auténtica de los principios. Para que se tenga una

lectura auténtica de los principios constitucionales, no obstante, es necesario

superarse el activismo judicial, la teoría de la argumentación y la jurisprudencia de

los valores. El garantizador jurídico nos parece una alternativa posible para la lectura

auténtica de los principios, con todo, parte de una premisa equivocada en la medida

en que se muestra inauténtico en razón de que adopta presupuestos de una lectura

analítica de los principios, de modo que la lectura hermenéutica si muestra más

adecuada para una comprensión auténtica de estos en la Constitución de Brasil.

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10

Introdução

Esta monografia foi escrita com base na continuidade ao trabalho

desenvolvido na graduação intitulado “O positivismo jurídico e a ascensão pós

positivista: Aspectos Hermenêuticos na ADPF n. 132 do Supremo Tribunal Federal”,

trabalho este em que se buscou demonstrar os aspectos hermenêuticos tanto do

positivismo jurídico quanto do denominado pós positivismo, tendo como objeto o

julgamento da emblemática ADPF 132 do Supremo Tribunal Federal que julgou a

constitucionalidade da união homoafetiva no Brasil.

Naquela oportunidade, partiu-se de duas premissas essenciais a fim

de se responder no que consistiu o estudo do direito segundo o positivismo jurídico e

o pós positivismo e o que estas doutrinas representavam para o direito

contemporâneo, para então, saber se era possível identificar aspectos

hermenêuticos de ambos os movimentos no âmbito da arguição de descumprimento

de preceito fundamental 132 daquela Corte.

E dentre os aspectos destacados no desenvolvimento daquela

pesquisa, observou-se que um dos grandes problemas na interpretação e aplicação

do direito, ao menos no julgamento da ação objeto daquele trabalho, girava em torno

dos próprios critérios de aplicação da norma constitucional, seja como regra ou

princípio, em um campo do direito o qual, ao que parecia, restava muito bem

abrangido pelos limites semânticos do texto do art. 226, § 3º1 da Constituição de

1988 e por isso prescindia de uma interpretação construtiva e evolutiva mediante

invocação de razoabilidade, proporcionalidade, dentre outros “métodos”

interpretativos entendidos pela Corte.

Com o resultado de tal pesquisa surgiu a preocupação em se

aprofundar o estudo da norma constitucional, mediante o presente trabalho, a partir

de perspectivas para uma compreensão autêntica dos princípios na Constituição do

Brasil de 1988.

No primeiro capítulo, além de um breve histórico do que fora

abordado no trabalho de graduação, será abordada a distinção ontológica entre

1 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como

entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

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11

círculo de Viena e hermenêutica filosófica a fim de se assentar as premissas teóricas

objeto dos demais capítulos.

No segundo capítulo serão abordados alguns aspectos do

garantismo jurídico e qual a sua contribuição para uma compreensão dos princípios

na Constituição de 1988, tendo como marco de pesquisa o debate realizado entre

Luigi Ferrajoli e juristas brasileiros acerca do constitucionalismo principialista, para

então, no terceiro e último capítulo, se buscar compreender qual a resposta mais

adequada para uma compreensão autêntica dos princípios na Constituição do Brasil

de 1988.

A partir do denominado giro linguístico, a hermenêutica filosófica

vem ganhando destaque no estudo e na compreensão do direito, pois no âmbito da

linguagem, buscou romper com o paradigma da filosofia da consciência, esta muito

bem representada pela doutrina de Kelsen.

Em Ferrajoli, a partir do constitucionalismo garantista, se verifca uma

porposta adequada a partir de um verdadeiro endurecimento dos princípios, por sua

vez, corrompidos a partir do período denominado pós guerra, quando então se

buscou superar o positivismo a partir de uma interpretação pretensamente ética e

valorativa do direito, o que no Brasil veio a se instalar a partir de recepções teóricas

equivocadas, a exemplo da teoria da argumentação jurídica, da jurisprudência dos

valores e do ativismo judicial, cuja premissa ontológica é a mesma verificada no

garantismo juridico, conforme melhor se verá adiante.

Para a compreensão autêntica dos princípios na Constituição do

Brasil de 1988, portanto, é necessário se superar algumas premissas

equivocadamente compreendidas, de modo que a leitura hermenêutica dos

princípios com suas novas categorias nos parece ser o caminho adequado para uma

compreensão autêntica dos princípios na Constituição de 1988.

No decorrer da pesquisa, utilizou-se o método dedutivo, por meio

das técnicas do Referente, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

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12

CAPÍTULO 1

DO POSITIVISMO JURÍDICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO: UMA

CONTEXTUALIZAÇÃO ENTRE O CÍRCULO DE VIENA E A

HERMENÊUTICA FILOSÓFICA

O estudo realizado no trabalho de conclusão do curso de graduação

buscou traçar um paralelo entre as denominadas escolas positivista e pós positivista,

destacando-se primeiramente as características principais do denominado

positivismo exegético, passando pelo normativo, para então, a partir de um

verdadeiro aporte teórico e histórico, demonstrar como que se deu a denominada

viragem interpretativa do direito a partir do período denominado de segundo pós

guerra e como se deu a ascensão da denominada escola pós positivista a partir do

declínio daquele.

Com a ascensão pós-positivista, se verificou juntamente o fenômeno

do neoconstitucionalismo2, cuja implicação teórica consistiu numa verdadeira fusão

de horizontes que buscou unir princípios às regras dentro de uma

constitucionalização do direito, configurando uma miscelânea de elementos tanto

deontológico quanto axiológico dentro de um só sistema3, tendo como epicentro

dessa nova sistemática a proteção dos direitos fundamentais.

Com vistas a proteger a integridade moral e a dignidade da pessoa

humana, até então em segundo plano dentro da teoria positivista, o

neoconstitucionalismo propôs uma nova dinâmica interpretativa, onde princípios

deixariam de ser meros colmatadores de lacunas secundários e adquiririam uma

normatividade de vanguarda, na medida em que a nova sistemática jurídica deixou

2 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 61 e 29: “O neoconstitucionalismo - cunhado por um grupo de constitucionalistas espanhóis e italianos - , embora tenha representado um importante passos para a afirmação da força normativa da Constituição na Europa Continental, no Brasil, acabou por incentivar/institucionalizar uma recepção acrítica da jurisprudência dos valores, da teoria da argumentação de Robert Alexy (que cunhou o procedimento da ponderação com instrumento pretensamente racionalizador da decisão judicial) e do ativismo judicial norte-americano.”

3 DO ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas. O Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético-moral do Direito. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 47,abril-junho de 2010, n. 186. p. 246.

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13

de ser vista somente por parâmetros formais de validade ou exclusivamente pela

mera técnica subsuntiva, típica do positivismo4.

Com efeito, a pesquisa demonstrou que o positivismo jurídico, como

método científico à luz do cartesianismo5, teve como pretensão conduzir o estudo da

Ciência do Direito a uma sistematização dedutiva pretensamente perfeita, a partir de

premissas tidas como verdadeiras e evidentes sob influência do paradigma moderno

de ciência6, induzindo todos os ramos do saber a adotar um único método como

verdadeiro método científico, fazendo com que todos os demais ramos do

conhecimento que ousassem questionar este método perdessem sua credibilidade,

uma vez que o conhecimento rigoroso que efetivamente conduziria à verdade seria

apenas o científico7.

Esse modo de conceber este pensamento para o âmbito do direito

consistiu numa pretensão de alcançar-se uma filosofia social cientificamente

fundamentada, cujo necessário consistiu na elaboração metodologicamente

calculada de regras de condutas humanas8.

No final do século XIX e início do século XX, Kelsen reivindicou para

a ciência jurídica a semelhança da lógica e da matemática alhures mencionada,

mediante um objeto puramente ideal, restringindo-a ao simples campo do

racionalmente necessário9, onde buscou atribuir ao direito um status puramente

científico e apartado de todo e qualquer outro ramo do conhecimento10.

O positivismo jurídico como ramo do conhecimento científico,

portanto, foi levado a um status de verdadeira e adequada ciência, com as mesmas

características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais, donde decorreu

como uma das principais características a avaloratividade, que na distinção entre

4 DO ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas. O Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético-moral do Direito. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 47,abril-junho de 2010, n. 186. p. 246.

5 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 13: A filosofia cartesiana foi, antes de tudo, uma grande ambição de estender ao conhecimento universal o método matemático mediante o uso da razão na busca da verdade, pois através de regras metodológicas teve por finalidade descrever o pensamento matemático a partir do espírito humano

6 ROESLER, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciências humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc

7 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 45. 8 ROESLER, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciência humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para

pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc. 9 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 48. 10 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

XI p.

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14

juízos de fato e juízos de valor, este ultimo deveria ser rigorosamente banido do

campo científico, posto que a ciência consistiria somente em juízos de fato11

Esta pretensa ciência, portanto, buscou excluir do seu próprio âmbito

os juízos de valor com vistas a se tornar um conhecimento puramente objetivo, uma

vez que valores não passavam de meros juízos subjetivos e pessoais e

consequentemente contrários à exigência da objetividade científica12.

A concepção formal define portanto o direito exclusivamente em

função da sua estrutura formal, prescindindo completamente do seu conteúdo, ou

seja, considera somente o que é produzido e não o que ele estabelece13.

Para que um sistema axiomático formalizado fosse definitivamente

isento de qualquer ambiguidade, ou seja, coerente, a linguagem artificial elaborada

em lógica formal exigiria uma certa univocidade de seus signos, bem como de seus

processos, posto que se o sistema efetivamente fosse completo, ele deveria oferecer

condições de formular cada proposição em sua linguagem e se fosse coerente,

deveria ser impossível demonstrar dentro dele a negação de uma proposição14.

O critério de validade da norma se traduz por ser um dos principais

aspectos do positivismo jurídico, de modo que a partir dele foi que se buscou

determinar os limites do direito em relação à moral e à política15.

Ou seja, o que dá validade à norma jurídica é a relação de criação

entre a norma superior e a norma inferior, esta regulada diretamente por intermédio

daquela mediante uma relação de hierarquia, o que constitui unidade ao sistema

mediante o processo de criação, cujo caráter Kelsen definiu como sendo de caráter

dinâmico, sendo este finalizado por uma norma fundamental e mais superior, cuja

supremacia do fundamento de validade da ordem jurídica integral constitui sua

unidade16.

O debate colocado em xeque por Kelsen consistiu na possibilidade

de se obter uma teoria cientifica da interpretação jurídica que permitiria falar

11 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 135. 12 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 135-136. 13 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 145. 14 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 33. 15 BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart.

São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 21. 16 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado e do Direito. 4. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins

Fontes, 2005. p. 181.

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15

essencialmente em verdade, não em fantasia ou falácia, pois ao emitir uma

sentença, afirmou, o juiz deveria determinar o sentido e o alcance da norma jurídica

e assim produzir um enunciado normativo mediante o ato de decidir a ser emanado

do órgão competente17 a partir de um ato de vontade.

E aqui se inicia um dos pontos centrais do presente trabalho, pois

diferentemente do que muito se afirma, o positivismo jurídico sob influência

kelseniana não buscou afastar a discricionariedade do juiz mediante a mera e

simples aplicação mecânica da lei, mas sim reconheceu o caráter discricionário do

julgador ao se deparar com os denominados casos difíceis naquilo que o autor

definiu como sendo um verdadeiro ato de vontade do juiz na escolha das hipóteses

apresentadas.

Neste ponto, portanto, é que a questão consistia em determinar o

sentido e o correto significado dos seus textos e intenções, tendo como finalidade a

decidibilidade prática dos conflitos no sentido de não apenas conhecer o texto, mas

também definir-lhe a força e o seu alcance em conformidade com os dados atuais do

problema com base na norma enquanto diretivo para o comportamento18.

Kelsen, portanto, buscou descrever a natureza do direito dentro das

suas condições de operabilidade, desenvolvendo uma verdadeira pirâmide

normativa estabelecida a partir de rigorosos critérios metodológicos entre ciência do

direito e teoria da decisão, onde a primeira se caracterizou como sendo a

metodologia aplicada mediante ato de conhecimento do direito através do cientista,

ao passo que a segunda, como sendo justamente o ato de vontade a ser

desenvolvido pelo aplicador do direito19.

Pelo ato de conhecimento, segundo o autor, não existem critérios

exatos para se estabelecer qual a exegese dentro de uma moldura normativa deve

preferir a outra, ao passo que no ato de aplicação do direito, mediante a teoria da

decisão, o intérprete estaria autorizado a se socorrer a outras soluções

17 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 227-228.

18 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 221.

19 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 391

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16

argumentativas, inclusive extrajurídicas, a exemplo de princípios morais, para se

resolver um caso difícil20.

E é neste ponto que o positivismo jurídico, especialmente o

ancorado em Kelsen, admitiu a possibilidade, dentro da teoria da decisão, de que a

discricionariedade do julgador mediante a solução do caso era perfeitamente viável,

desde que precedida de uma sequência metodologicamente ineficaz para a solução

do respectivo caso.

A teoria pura do direito, portanto, demonstrou-se incapaz de fornecer

qualquer diretriz no sentido de orientar o intérprete no momento de escolha do

sentido a ser dado à norma na aplicação ao caso particular, porquanto foi acusada

de ignorar a razão prática ao se limitar a um processo decisório por meio do qual o

intérprete, mediante um ato de vontade, escolhe os sentidos possíveis conforme o

texto normativo21.

E como contraofensiva a este método estritamente formal é que a

partir da Segunda Grande Guerra Mundial os sistemas jurídicos modernos passaram

a apresentar como característica uma grande e crescente luta contra o formalismo

jurídico, pois a partir de um repúdio às soluções puramente abstratas, a tendência

que se percebeu cada vez mais foi a de correlacionar as soluções jurídicas com a

realidade social concreta22, conforme destacou Miguel Reale23:

Não resta dúvida que, enquanto perdurou o primado da filosofia positiva, como atitude geral englobante de várias orientações afins, como as de Comte, Spence ou Stuart Mill, houve certa correlação ou correspondência entre as idéias dominantes e a atitude do jurista, o qual, na esfera particular de sua ciência, procurava obedecer aos critérios metodológicos vigentes nos demais ramos do conhecimento; mas não é menos certo que a atividade positivista, no seu afã de objetividade estrita, levava o jurista a exacerbar o culto dos textos legais, com progressiva perda de contato com a realidade e os valores ideais.

Segundo Perelman, as concepções modernas do direito e do

raciocínio judiciário desenvolvidas após o contexto da última guerra mundial,

constituíram uma forte reação contra o positivismo jurídico, principalmente pelos

20 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 391

21 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais. ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100.

22 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. XVIII. 23 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. 2-3.

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17

aspectos ainda relacionados à escola da exegese24, que interpretava os textos legais

consoante a vontade do legislador, e da concepção analítica dedutiva do direito25.

E é esta concepção analítica dedutiva do direito, atrelada ao Círculo

de Viena, que provocará uma verdadeira confusão metodológica na aplicação do

direito, especialmente no ordenamento jurídico brasileiro pós constituição de 1988,

conforme se verá adiante.

Segundo reiterou Chain Perelman, os fatos que sucederam na

Alemanha a partir de 1933, demonstraram que não há como identificar o direito com

a lei, vez que certos princípios, ainda que não positivados formalmente, não

poderiam ser desprezados pelo aplicador do direito, impondo-se assim uma

compreensão do direito por intermédio de uma expressão de valores, dentre os

quais figura o primeiro como plano de justiça26.

O movimento que se inicia a partir de tal contexto, explicitamente

como forma de repudiar as meras técnicas de resultados científicos para o direito,

mostrou-se necessário como forma de resgatar a substância da lei e a razão prática,

bem como encontrar instrumentos capazes de permitir sua limitação e conformação

aos princípios de justiça e mais do que isso, colocar esta lei substancial num

patamar hierárquico superior, a teor do que passaram a ocupar as constituições do

período pós-guerra27.

A partir de então, com o advento do paradigma do estado

democrático de direito por força da constitucionalização do direito, é que Konrad

Hesse muito bem discorreu acerca do critério de validade substancial da constituição

a partir deste novo paradigma através da sua obra A foça Normativa da Constituição.

Segundo o autor, entender a força normativa da Constituição significa

emprestar-lhe uma visão ampla da realidade político-social e suas inevitáveis

interferências na produção legislativa28.

24 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 83: “A escola da exegese deve seu nome à técnica adotada pelos seus primeiros

expoentes no estudo e exposição do código de Napoleão, técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo por artigo, do próprio Código.”

25 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 91. 26 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 95. 27 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 46. 28 LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a

aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 26.

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18

O paradigma do Estado Democrático de direito, portanto, destinou-

se a assegurar o exercício de determinados valores supremos no sentido funcional a

partir de uma garantia dogmático-constitucional, de seu pleno exercício,

desempenho este que corresponde à função pragmática, pois como objetivo de

“assegurar” tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da

efetiva realização dos ditos valores em direção (função diretiva) de destinatários das

normas constitucionais que dão a esses valores conteúdos específicos29.

Desde o surgimento das primeiras constituições escritas em meados

do século XVIII, a interpretação atribuída à constituição era a mesma dada aos

demais ramos do direito. A partir do século XX, após o declínio do positivismo

legalista, a interpretação constitucional viu-se na contingência de adotar novos

métodos hermenêuticos em face da sua posição hierárquica assumida em razão de

sua supremacia, bem como em face da posição a qual os direitos fundamentais

passaram a assumir dentro do contexto constitucional, onde adquiriram status

normativo30.

O princípio da supremacia da Constituição, por sua vez, além de

corresponder a um princípio instrumental de interpretação constitucional, se traduz

na ideia de que as normas constitucionais, em especial aquelas que trazem em seu

bojo direitos fundamentais, se coloquem no topo hierárquico em relação a toda e

qualquer outra norma infraconstitucional, de maneira que todos os demais

seguimentos do direito devem se conformar com os comandos constitucionais31.

Dito isso, é possível afirmar que o novo paradigma do estado

democrático de direito que emergiu do segundo pós guerra, com reflexos nas

constituições de Portugal, Itália, Espanha, Alemanha e Brasil, buscou afirmar,

através da efetividade dos direitos fundamentais, a cristalização de certos princípios

como forma de se garantir a efetividade da democracia substancial.

Com efeito, pode se dizer que disso resultou o deslocamento do eixo

político do parlamento para o Judiciário, que aliado à polifonia de vozes que existem

acerca de determinados conceitos, no Brasil, como o de ativismo judicial e

29 SILVA, José Afonso da, Comentário Contextual à Constituição. 4ª Ed. Malheiros. São Paulo : 2007. p. 23. 30 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 151. 31 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 215.

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ponderação, nos permite concluir que o Poder Judiciário acabou por se tornar um

verdadeiro poder político32, o que será retomado mais adiante.

Tecidas estas breves considerações acerca do que fora abordado no

trabalho de conclusão de curso da graduação, a fim de contextualizar o debate

acerca do desenvolvimento dos paradigmas que influenciaram, principalmente, a

dogmática hermenêutica, passemos a contextualizar a aludida viragem interpretativa

e por consequência a compreensão dos princípios, objeto do trabalho, com a leitura

analítica, vinculada ao Círculo de Viena, e bem assim com a leitura hermenêutica a

partir da diferença ontológica entre ambas.

1.1. A DIFERENÇA ONTOLÓGICA ENTRE LEITURA ANALÍTICA E

HERMENÊUTICA DO DIREITO

A partir do que foi apresentado no item anterior no que corresponde

ao problema do desenvolvimento na interpretação do direito desde o positivismo

jurídico até os dias atuais, se buscará a partir de agora contextualizar os referidos

movimentos brevemente lembrados com as leituras analítica e hermenêutica do

direito, e também demonstrar a diferença ontológica entre esta e aquela, longe de

pretender esgotar a questão, para então prosseguirmos.

Uma questão fundamental atinente ao que será verificado neste

item, muito embora não se perceba com tanta facilidade, está relacionado

diretamente com o problema que envolve o acolhimento da democracia substancial

pelo ordenamento jurídico brasileiro naquele denominado por Lenio Streck de baixa

constitucionalidade33, que como se buscará demonstrar, tem relação direta com a

referida diferença ontológica entre as leituras analítica e hermenêutica.

O debate é de profunda importância para a compreensão autêntica

dos princípios na Constituição do Brasil de 1988, pois inúmeras são as vozes que

32 Neste sentido, TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

33 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 52-53: “Uma questão que denuncia aquilo que mais adiante chamarei de “baixa constitucionalidade”, e que contribui(u) para a ineficácia da Constituição, foi a falta de uma teoria do Estado e u a teoria constitucional, com as quais se construiriam as condições de possibilidade para a implementação da nova Constituição. Trata-se, fundamentalmente, de uma crise de paradigmas, isto é, uma crise no âmbito filosófico e no âmbito do modelo de direito. São, enfim, as crises que sustentam o próprio positivismo jurídico”.

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20

buscam dar um sentido ao direito por intermédio da Constituição sem ao menos

perceber tal diferença.

A respeito, afirmou Lenio Streck34:

A discussão acerca do constitucionalismo contemporâneo é tarefa que se impõe. O constitucionalismo não morreu! As noções de Constituição dirigente, da força normativa da Constituição, de Constituição compromissória, não podem ser relegadas a um plano secundário, mormente em um país como o Brasil, onde as promessas da modernidade, contempladas no texto constitucional de 1988, longe estão de ser efetivadas. Há que se detectar os problemas que fizeram com que parcela dos dispositivos da CF/1988 não obtivesse efetivação: a prevalência/dominância dos paradigmas aristotélico-tomistas (objetivismo) e o paradigma da filosofia da consciência (subjetivista-solipscista), refretários à guinada linguístico-hermenêutica. [grifei]

Segundo o autor, um dos grandes problemas na efetivação da

jurisdição constitucional e até mesmo da adesão substancial ao estado democrático

de direito, em países de modernidade tardia como o Brasil, se justifica em razão de

que, para se efetivar os direitos fundamentais, se faz necessário superar o modo de

se pensar o direito ainda sob uma visão do século XIX sob prevalência do modelo

sustentado pelo positivismo jurídico e seus métodos35.

E sob este enfoque do positivismo jurídico, é que a leitura analítica

do direito se desenvolveu com maior intensidade a partir do Círculo de Viena, o qual

se encontrava aprisionada pelo paradigma formalista dedutivo influenciado pela

lógica cartesiana cujo esquema sujeito-objeto era a principal âncora desta leitura

como ciência do dever ser.

Neste passo, o cartesianismo, que considerava a verdade a ser

alcançada mediante um único método, induziu todos os ramos do saber a adotá-lo

como verdadeiro método científico, fazendo com que todos os demais ramos do

conhecimento que ousassem questionar este método perdessem sua credibilidade,

uma vez que o conhecimento rigoroso que efetivamente conduziria à verdade seria

apenas o científico36.

As longas cadeias de razões dedutivas que os geômetras se

utilizavam para chegar às difíceis conclusões levaram os precursores do

34 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 29.

35 STRECK, Lenio. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p .64.

36 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 45.

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cartesianismo a crer que todas as coisas que pudessem incidir no conhecimento

humano poderiam ser deduzidos da mesma maneira, uma vez que fazia-se

fundamental observar a ordem necessária das coisas para deduzi-las umas das

outras37.

O conhecimento geométrico calcado no paradigma cartesiano

mostrava que era possível se chegar a conhecimentos mais úteis à vida, uma vez

que permitiria se encontrar, mediante o rigoroso conhecimento dos elementos

naturais, uma filosofia prática que poderia ser empregada aos demais ramos do

saber capazes de tornar o homem senhor e possessor da natureza38.

Neste contexto, ganha relevo o denominado Círculo de Viena, cuja

pretensão maior consistia na elaboração de uma filosofia científica com um duplo

sentido, sendo o primeiro a ser estudado a partir de uma análise lógica da

linguagem, como ciência, e um segundo sentido como partidor de uma maior

classificação de significantes de conceitos incertos os quais serviriam como

instrumento para a elaboração de uma maior clareza científica39.

E é a partir das críticas feitas ao Círculo de Viena que emergirá o

solo fértil para o surgimento do denominado giro linguístico, o qual passou a assumir

o centro das atenções dos filósofos na temática relacionada à linguagem, pois a

principal inspiração dos estudiosos vinculados ao Círculo de Viena estava na

revelação, que pretendiam fazer da verdade, por intermédio de métodos linguísticos

calcados na lógica formal pretensamente universais para compreensão do discurso

em geral, porém, numa dinâmica manifestamente divorciada da busca de uma

melhor compreensão histórica acerca do próprio desenvolvimento da linguagem,

numa tendência marcadamente inspirada por uma negação da filosofia40.

Discordando desta metódica proposta pelo Círculo de Viena,

Wittgenstein se contrapôs a esta filosofia analítica tradicional ao sustentar a

possibilidade do estudo da linguagem também por intermédio da sua historicização,

e não somente por intermédio da busca de uma precisão lógica, o que acabou por

37 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 36.

38 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 103-104

39 ARAÚJO COSTA, Alexandre. Direito e Método: Diálogos entre a hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica. Brasília: UNB, 2008. p.134/135.

40 ARAÚJO COSTA, Alexandre. Direito e Método: Diálogos entre a hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica. Brasília: UNB, 2008. p. 135.

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22

abrir um novo campo voltado para uma verdadeira filosofia da linguagem, cuja maior

preocupação era a de se estabelecer uma compreensão acerca do modo pelo qual

as linguagens naturais efetivamente funcionam, e não somente com a forma41.

Dentro deste contexto, é que Gadamer buscou integrar todos os

elementos relevantes para a composição do sentido dentro de um mesmo processo

interpretativo, afirmando a impossibilidade de cisão entre os elementos cognitivos,

relacionados ao sentido verdadeiro, e elementos dogmáticos, relacionados à

aplicação correta, repudiando as tentativas ou pretensões de isolamento da

hermenêutica jurídica de outras disciplinas interpretativas e bem assim a negação do

aspecto cognitivo numa verdadeira fusão entre interpretação jurídica e verdade42,

causando assim uma considerável ruptura com o até então paradigma analítico.

Ou seja, a partir de uma viragem paradigmática na compreensão da

linguagem, em Wittgenstein e Gadamer se têm uma verdadeira fusão de horizontes

na busca do sentido a ser dado no processo interpretativo, a qual buscou rejeitar

toda e qualquer dicotomização ou dualismo43 na busca da compreensão dos

sentidos durante o processo interpretativo em razão da denominada coisa mesma.

A respeito, oportuna é a reflexão de Alexandre Morais da Rosa44:

A tensão entre texto e o sentido resultante da norma esteve banhada pela cisão entre sujeito e objeto. De um lado o sujeito universal, capaz de obter a mesma resposta via o método adequado, por outro, um objeto provido de essência. O observador poderia, assim, pelo método, reconfortar-se com a verdade. A estrutura era metafísica e herdada da escolástica. A superação do esquema sujeito-objeto procura aterrar esta distinção para os colocar num campo único: a linguagem. A extração da essência do texto desliza para o registro do imaginário, contracenando com uma certa ausência de mediação simbólica decorrente de (de)formação filosófica dos atores jurídicos. É impossível a existência de um método universal. Por isso manipula-se (este é o termo) o método conforme as necessidades prévias do sentido, a saber, os métodos servem de argumento manifesto do processo de compreensão latente, existente desde sempre, e rejeitado por uma tradição inautêntica do direito.

41 ARAÚJO COSTA, Alexandre. Direito e Método: Diálogos entre a hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica. Brasília: UNB, 2008. p. 136.

42 ARAÚJO COSTA, Alexandre. Direito e Método: Diálogos entre a hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica. Brasília: UNB, 2008. p. 144.

43 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 63: É por intermédio do dualismo kantiano, segundo Lênio Streck, que fomos introduzidos na modernidade numa separação entre consciência e mundo, entre palavras e coisas, entre linguagem e objeto, entre sentido e percepção, entre determinante e determinado, entre teoria e prática. [...] É essa relação sujeito-objeto que sustenta as dicotomias ou os dualismos que povoam o imaginário dos juristas.

44 MORAIS DA ROSA, Alexandre: Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade material: Aportes Hermenêuticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 91/92

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23

Compreender a diferença ontológica entre a leitura analítica e

hermenêutica do direito se monstra de suma importância nesta quadra interpretativa,

haja vista que a partir do denominado giro linguístico se tornou necessário sua

inserção no direito em razão de que o método dogmático-positivista, sob influência

do Círculo de Viena, por se mostrar objetificador e predominantemente formal

acabava por mascarar o próprio caso concreto em nome da manutenção de sua

exigência lógico formal, corrompendo a própria noção de interpretação jurídica,

exigindo-se assim, a partir da inserção da diferença ontológica, todo um trabalho de

desconstrução do paradigma dogmático objetificador do direito45.

Acerca desta viragem paradigma, pontuou Lenio Streck46:

Ora, se interpretar é aplicar, não há um pensamento teórico que “flutua” sobre os objetos do mundo, apto a dar sentido ao “mundo sensível”. O sentido de algo se dá, ele acontece. Na verdade, o pensamento dogmático do direito não conseguiu escapar ainda do elemento central da tradição kantiana: o dualismo. É por ele que fomos introduzidos na modernidade numa separação entre consciência e mundo, entre palavras e coisas, entre linguagem e objeto, entre sentido e percepção, entre determinante e determinado, entre teoria e prática. Heidegger vai dizer que esses dualismos somente puderam ser instalados através do esquecimento do ser, através da introdução de um universo de fundamentação filosófica conduzida apenas pelo esquema da relação sujeito-objeto. É essa relação sujeito-objeto que sustenta as dicotomias ou os dualismos que povoam o imaginário dos juristas.

Ao criticar a ontologia tradicional, Heidegger irá afirmar que seus

institutos se preocupam demasiadamente com os entes, em formatar verdadeiras

categorias numa pretensa exatidão hierárquica que não condiz com os verdadeiros

sentidos de uma interpretação de matriz fundamental, a qual se caracterizou por ser

um verdadeiro divisor de águas na superação da ontologia tradicional por intermédio

do questionamento do seu “fundamento”, que consistia na outra face da diferença

ontológica mediante a existência do ser, o qual passa a ser projetado como entidade

para a sua verdade47

Ao permanecer escrava de uma cultura estandardizada em razão do

pensamento predominantemente metafísico, a dogmática jurídica acaba por

45 STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 33.

46 STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 63.

47 DO NASCIMENTO, Valéria Ribas. A filosofia Hermenêutica para uma jurisdição constitucional democrática: Fundamentação, aplicação/aplicação da norma juridica na contemporaneidade. São Paulo: Revista de Direito GV p. 147/148. apud, INWOOD, 2002, p.132 INWOOD, Michael. Dicionário Heidegger. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

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24

abandonar elementos fundamentais da hermenêutica e por consequência a própria

diferença ontológica, permitindo com isso, um verdadeiro distanciamento entre

direito e sociedade em face do formalismo tecnicista que se construiu ao longo das

décadas48, e que definitivamente encontra-se enraizado e tido como absoluto no

pensamento do direito.

Ou seja: A revolução copernicana provocada pela viragem

linguística-hermenêutica tem o principal mérito de deslocar o locus da problemática

relacionada à “fundamentação” do processo compreensivo interpretativo do

procedimento para o “modo de ser”49.

Não há como compreender a verdadeira linguagem sem

contextualizá-la com as suas proposições, que por sua vez dependem da fusão de

horizontes entre o subjetivismo, historicismo e outros fatores culturais50.

Segundo Heidegger, trata-se de um verdadeiro dar-se conta do ser-

no-mundo, ou ser-aí (Dasein), de modo a estabelecer, o ser humano, a sua própria

cadeia de preconceitos num nível de initude como estrutura positiva e ontológica na

busca da compreensão, de modo a perceber as suas próprias possibilidades dentro

da situação existencial51.

O denominado método fenomenológico52, portanto, deve ser

compreendido dentro da dinâmica entre ser e ser sentido na análise do objeto

(Dasein), numa intrínseca circularidade de modo a compor o método interpretativo

dentro de uma perspectiva da constituição fundamental do objeto e o modo de ser

do ente tematizado, supondo-se o método a partir da denominada coisa mesma

dentro de uma mesmo contexto existencial, num verdadeiro processo de

retroalimentação interpretativo entre os ente tematizado e tematizante53.

48 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 65.

49 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 67.

50 DO NASCIMENTO, Valéria Ribas. A filosofia Hermenêutica para uma jurisdição constitucional democrática: Fundamentação, aplicação/aplicação da norma jurídica na contemporaneidade. São Paulo: Revista de Direito GV p. 153.

51 DO NASCIMENTO, Valéria Ribas. A filosofia Hermenêutica para uma jurisdição constitucional democrática: Fundamentação, aplicação/aplicação da norma jurídica na contemporaneidade. São Paulo: Revista de Direito GV p. 153.

52 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 38.

53 STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 31.

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25

Considerando, portanto, essa revolução interpretativa a partir desta

perspectiva ontológica, não há como tratar o constitucionalismo contemporâneo

ainda sob uma visão estritamente analítica. A respeito:

[...] não é possível tratar do assunto sem levar em conta as respectivas rupturas paradigmáticas ocorridas no século XX: do modelo de constituição formal, no interior da qual o direito assumia um papel de ordenação, passa-se à revalorização deste, que agora possui um papel de transformação da sociedade, superando, inclusive, o modelo de estado social54.

A busca pelo conhecimento não pode se dar de uma forma

desfragmentada, pois é necessário se dar conta do ser no mundo, a partir de uma

conexão entre o sujeito que interpreta e toda a globalidade de pré-compreensões

que envolvem a sua formação histórica e cultural por intermédio do seu lugar no

mundo e como ser em transformação, tendo como ponto de partida o próprio objeto

a ser interpretado, de modo que a diferença ontológica entre ambas as leituras se

mostra fundamental para a compreensão autêntica dos princípios na Constituição do

Brasil de 1988.

1.2. O CONCEITO (IN)CERTO DE PRINCÍPIO À LUZ DAS LEITURAS

ANALÍTICA E HERMENÊUTICA DO DIREITO

Antes de se determinar a relação dos princípios com as leituras

vistas no item anterior, necessário se faz uma breve digressão acerca de alguns

conceitos incertos de norma que melhor serão retomadas adiante, dentre os quais

encontra-se a categoria objeto do trabalho que é a norma como princípio.

Ronald Dworkin já havia assinalado que a distinção entre regras e

princípios nem sempre é tão clara, posto que muitas das vezes, em face de

conceitos vagos e indeterminados de uma norma, a aplicação das regras estará

intrinsecamente vinculada a fins encontrados somente nos princípios, o que acaba

por tornar muito tênue a linha entre regra e princípio55.

E a partir de Ronald Dworkin, é que no Brasil tomarão impulso

alguns movimentos preocupados com a erosão que já se sinalizava no sistema com

54 STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 38. 55 AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. In Revista de

informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 130.

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26

a possiblidade de os magistrados exercerem o espaço público e democrático, que é

o Poder Judiciário, para fazerem verdadeiros manifestos de suas morais privadas no

processo com a vara mágica56 que lhes era dada pela teoria da argumentação e a

vulgata57 da ponderação.

Segundo Gomes Canotilho, na linha de uma perspectiva normativo

estrutural, o neoconstitucionalismo principialista pressupõe uma teoria normativo-

estruturante firmada na premissa de que qualquer norma jurídica ou é uma regra ou

é um princípio, sendo certo que a posição metodológica, dentro destes contexto,

também conduz a uma diferenciação no processo de compreensão e aplicação da

norma, pois aplicar regras exige um esquema de subsunção, ao passo que a

concretização dos princípios se dá por meio da ponderação, de modo que este

último modelo é que vem dominando uma significativa parte da jurisprudencia

brasileira58.

Em minucioso estudo sobre o conceito de princípio, Rafael Tomaz

de Oliveira, partindo da análise hermenêutica fenomenológica, afirmou que os

princípios representam a “institucionalização” do saber prático, da racionalidade

prática, no direito que havia sido expurgada pelo positivismo jurídico de tradição

kantiana que, por meio de uma supervalorização da investigação teórica, levou ao

ponto de supressão a diferença entre prática e teoria59.

Além disso, o autor pontua que só há sentido em falar de princípios

quando estes se apresentam como verdadeiros fechamento hermenêutico do

sistema, no sentido de evitar as discricionariedades judiciais, uma vez que se

situam, na matriz positivista, exatamente no ponto o qual o próprio positivismo

56 SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudo de direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 199-200: Neste sentido, diz o autor: “E a outra face da moeda [do uso desmesurado dos princípios] é o lado do decisiocismo e do ‘oba-oba’. Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibi-lidade de, atráves deles, buscarem justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar a racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso de seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, convertem-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador consegue fazer quase tudo o que quiser”.

57 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 74: Neste sentido, Lenio Streck: “Importante anotar que no Brasil, os tribunais, no uso descriterioso da teoria alexyana, transformaram a regra da ponderação em um princípio (sic). Com efeito, se, na formatação proposta por Alexy , a ponderação conduz à formação de uma regra – que será aplicada ao caso por subsunção -, os tribunais brasileiros passaram a utilizar esse conceito como se fosse um enunciado performático, uma espécie de álibi teórico capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos.

58 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 49.

59 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 24

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27

buscava afastar de sua esfera de reflexão, que é o âmbito interpretativo/aplicativo do

direito, o que leva à conclusão de que não há uma distinção entre regras e

princípios, mas apenas uma diferença ontológica a qual o autor situa entre

Heidegger e Streck60.

Oliveira irá sustentar a ocorrência de inúmeros mau entendidos

acerca do conceito de princípio e que para sua compreensão é fundamental situá-los

no âmbito dos princípios gerais do direito, dos princípios pragmático-problemático, e

princípios epistemológicos, para então investigar suas conceituações.

Os princípios gerais do direito são compreendidos, segundo a

investigação do autor, como verdadeiros axiomas de justiça necessários a partir dos

quais se realiza a dedução, funcionando de maneira meramente teórica e

metodológica na busca dos fins racionais almejados pela matriz positivista na sua

pretensa plenitude normativa, como forma de se colmatar os espaços vazios do

sistema, e em reduzir consideravelmente as suas próprias contradições61.

Por sua vez, os princípios epistemológicos podem ser descritos em

dois níveis correlatos que se distinguem apenas pelo grau de especialização, pois se

qualificam por serem princípios estruturantes de um determinado ramo do

conhecimento jurídico, aptos a organizar linhas de estudos e de pesquisas através

do devido campo específico62, conceituação esta que novamente é criticada pelo

autor como sendo reflexo dos standards matemáticos influenciados pela lógica

cartesiana.

Finalmente, os princípios pragmático-problemático possuem

aspectos notadamente substanciais, na medida em que se traduzem na tentativa de

afastar do direito as pretensões sistematizantes que o colocavam, juntamente com a

sua complexidade normativa, divorciados dos fatos sociais, situando a partir de

então, os debates teóricos e os problemas jurídicos como forma de se buscar uma

maior essência no exercício da jurisdição, o que pode ser exemplificado

60 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 24

61 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 50-51

62 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 53-54

Page 29: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO …³s.pdf · HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA: PERSPECTIVAS DE UMA COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS

28

adequadamente pela formatação da jurisprudência dos valores63, a qual será melhor

estudada no capitulo terceiro.

Além disso, Oliveira procura situar o conceito de princípio dentro do

panorama linguístico hermenêutico desenvolvido a partir de Heidegger com suas

críticas ao Círculo de Viena, contextualizando-o nos problemas causados a partir da

influência da lógica no direito, os quais, na visão do autor, ainda se manifestam nas

tentativas de racionalização da aplicação dos princípios em uma conceituação

visivelmente aritmética, mormente a partir da teoria dos direitos fundamentais de

Robert Alexy, na linha da seguinte afirmação:

Nossa investigação procura problematizar esse naturalismo presente nas concepções alexyanas e na sua fórmula da ponderação a partir das conquistas da fenomenologia hermenêutica, oferecendo como contraponto as posições de Dworkin a respeito do conceito de princípio. É preciso encontrar e articular um espaço em que o conceito de racionalidade se dê de um modo “alargado”, de forma a comportar um modelo histórico-concreto de pensamento, em detrimento do modelo matemático-abstrato que tradicionalmente se impõe à reflexão jurídica. Desse modo, procuramos pensar os princípios não como estruturas ou enunciados previamente dados e interpretados pelos diversos setores do campo jurídico, mas sim como significados conceituais que acontecem num horizonte de sentido dado pela história. Ou seja, o conceito de princípio com o qual “antecipadamente” operamos (em sentido fenomenológico) é sempre uma possibilidade que nunca chega a se efetivar por inteiro. Isso representa uma relevante diferença com relação aos modos matemáticos de se trabalhar com o conceito de princípios, nos quais a antecipação já é propriamente a realidade do conceito (ou pretende ser)64.

É a partir de Ronald Dworkin que a proposta de interpretação

construtiva do princípio da integridade em cadeia65 que se irá afirmar que um grande

problema que se observa no Direito é que seus operadores estão constantemente

divergindo das próprias fontes e seus fundamentos, pois a partir do momento em

que o juiz decide, o problema será saber quando a declaração do direito é inventada

ou descoberta66.

63 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 59-60.

64 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 35.

65 COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworkin. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 93.

66 DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 8-9.

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A preocupação de Dworkin era justamente afastar as amarras

estritamente formais do positivismo e, de igual modo, limitar a atuação do juiz no seu

contexto decisório, o que nos leva a compreender que o poder político não será a

célula criadora dos princípios e da moralidade, mas sim tem o dever de assumi-los

por intermédio da positivação, uma vez que em face do poder discricionário do juiz

deve haver uma função garantidora do órgão jurisdicional67.

Segundo o autor, não deve haver criação do direito por parte dos

magistrados, mas tão somente declaração a partir dos conflitos e interesses

mediante princípios em jogo, teoria esta totalmente divorciada das perspectivas

teóricas, técnicas e conceituais das regras defendidas pelo positivismo jurídico68, o

que acaba, também por outros fatores, por aproximá-lo mais de uma leitura

hermenêutica na linha do que desenvolvido por Lênio Streck na busca de uma

interpretação correta, neste caso, da compreensão autêntica dos princípios

Dworkin acredita que a integridade na legislação e na aplicação do

direito são mecanismos que fundamentam e limitam a atuação do estado em uma

determinada sociedade e por isso entende que a comunidade ideal é a comunidade

formada por princípios69, na linha da seguinte reflexão:

A comunidade de princípios coaduna com a sociedade pluralista esculpida pelo paradigma do Estado democrático de Direito em que cada cidadão respeita os princípios vigentes na sua comunidade. Na política estamos juntos para melhor ou pior, ou seja, a política é mantida pela legislação que rege a prestação jurisdicional e sua aplicação.

Por sua vez, ao procurar assentar a distinção entre regras e

princípios, Luigi Ferrajoli pontuou que tal diferença foi associada a uma dimensão

empírica e explicativa, uma vez que extravasante das meras conceituações

tradicionais, subdividindo-a, dentro do constitucionalismo, entre a definição da

“distinção forte” e “distinção fraca”70.

Pela “distinção forte”, do tipo exclusivo e exaustivo, a premissa seria

a diferença inerente ao ponto reiteradamente apontado neste trabalho que é a

67 MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin. In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 99.

68 COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworkin. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 93.

69 COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworkin. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 96.

70 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 35-36.

Page 31: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO …³s.pdf · HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA: PERSPECTIVAS DE UMA COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS

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natureza ontológica entre regras e princípios, estrutural, qualitativa, ou seja,

substanciosa, ao passo que a denominada “distinção fraca” apenas ilustra o caráter

quantitativo relativo ao grau pelo qual são discernidas e aplicadas em concreto a

partir da premissa pré-estabelecida dentro da sua hipótese de incidência71 ou

meramente instrumental.

Para o autor a diferença entre regras e princípios reside no seu

caráter meramente de estilo, e não estrutural, pois a complexidade normativa que

envolve a constituição, mormente aquelas com caráter forte de direito fundamental,

enunciam uma fusão de horizontes éticos políticos que erradia de sua essência,

fazendo com que uma série de regras decorram da força normativa a qual deve ter a

constituição, com uma constante interação entre os princípios e regras, pela

recíproca implicação que liga as expectativas nas quais os direitos consistem e as

obrigações e proibições correlatas, equivale à regra consistente na obrigação ou na

proibição correspondente72, conforme melhor trascrição de Ferrajoli73:

Compreende-se, assim, que não existe uma diferença real de estatuto entre maior parte dos princípios e as regras: a violação de um princípio sempre faz deste uma regra que enuncia as proibições ou as obrigações correspondentes. Por isto, a Constituição é definida, na sua parte substancial, não só como um conjunto de direitos fundamentais das pessoas, isto é, de princípios, mas também como um sistema de limites e de vínculos, isto é, de regras destinadas aos titulares dos poderes. Precisamente, aos princípios consistentes em direitos de liberdade (universais ou omniun) correspondem as regras consistentes em limites ou proibições (absolutos ou erga omnes); aos princípios consistentes em direitos sociais (universais) correspondem as regras consistentes em vínculos ou obrigações (absolutos ou erga omnes). Direitos e deveres, expectativas e garantias, princípios em matéria de direitos e regras em matéria de deveres são, em suma, uns em face dos outros, equivalendo a violação dos primeiros, seja ela por comissão ou por omissão, à violação das segundas.

Luigi Ferrajoli também atribui aos direitos fundamentais o caráter

principiológico o qual a sucessão de subregras deve obedecer, não admitindo em

hipótese alguma o sincretismo entre a moral e o direito.

71 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 35-36.

72 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 40.

73 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 41.

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31

Na verdade, é Necessário superar-se a noção diferenciadora e

simplista da distinção da norma jurídica entre princípios e regras para se demonstrar

que os princípios devem fechar as regras do jogo processual, ainda que se

fundamentem, todos, no “devido processo legal substancial74.

É aqui que pode se falar em aplicação mais correta ou adequada

dos princípios plasmados na Constituição, pois assim como a proposta do

garantismo a ser vista no próximo capítulo pode auxiliar em uma interpretação mais

adequada dos princípios com a constituição de 1988, algumas considerações

também merecem ser feitas acerca da relação destas escolas com as leituras

analítica e hermenêutica, aqui já vistas.

74 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 48, apud Ferrajoli.

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32

CAPÍTULO 2

CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA E DEMOCRACIA

SUBSTANCIAL: UMA REFLEXÃO À LUZ DA TEORIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

A partir do que foi visto no capítulo primeiro no que tange à distinção

ontológica entre a leitura analítica e hermenêutica do direito, o conceito incerto de

princípio e alguns pontos de transformações relevantes nos paradigmas

interpretativo e epistemológico do direito, neste capítulo se fará uma breve análise

acerca do garantismo jurídico buscando identificar alguns elementos e buscar

responder qual a sua contribuição para uma compreensão dos princípios na

Constituição 1988, longe, evidentemente, de pretender esgotar a questão, mas

somente introduzi-la a partir de uma compreensão preliminar acerca deste tão

valioso pensamento do direito e do constitucionalismo modernos.

Com efeito, necessário se faz uma breve consideração acerca dos

principais aspectos da sua matriz garantista, buscando contextualizar o raciocínio do

autor dentro do constitucionalismo, já que o foco do trabalho consiste na

compreensão autêntica dos princípios na constituição do Brasil de 1988.

Deste modo, o garantismo entendido no seu sentido amplo pode ser

compreendido como sendo o fortalecimento dos direitos e garantias tanto sob o

aspecto da pessoa humana, quanto na qualidade de cidadão, dotado de

prerrogativas universais oponíveis ao estado, mediante o fortalecimento de

prestações positivas, estas entendidas como sendo o amplo direito subjetivo do

indivíduo, ou da coletividade, de exigirem do estado o cumprimento de direitos

mínimos, ou mediante prestações negativas, entendidas naquelas as quais o Estado

deve se abster de invadir abusivamente a esfera do indivíduo ou da coletividade e

assim violar seus direitos.

Já no início da sua obra intitulada “Direito e Razão: Teoria do

garantismo penal”, verifica-se que Ferrajoli procura indicar, como tema principal e

fragmento de um vasto programa de uma teoria do direito, o nexo caracterizante do

Estado de Direito entre garantias jurídicas e legitimação política e entre formas

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33

legais e democracia substantiva, consoante, aliás, vale transcrever sua proporia

reflexão75:

Indicarei o principal destes temas: o nexo, que caracteriza o estado de direito, entre garantias jurídicas e legitimação política, e por outro lado, entre formas legais e democracia substantiva. As garantias – não só penais - são vínculos normativos idôneos a assegurar efetividade aos direitos subjetivos e em geral aos princípios axiológicos sancionados pelas leis. No direito penal, onde se tutela a liberdade do cidadão contra as proibições indeterminadas e as condenações arbitrárias, eles consistem essencialmente, como se verá, na estrita legalidade dos crimes e na verdade formal de sua investigação processual. Mas é claro que, com a mutação dos direitos fundamentais objetos de tutela, mudam também as técnicas normativas agendadas como sua garantia: se os direitos de liberdade (ou “direitos de” ou “da”) correspondem garantias negativas consistentes em limites ou impedimentos de fazer, aos direitos sociais (ou direitos “a”) correspondem garantias positivas consistentes em obrigações de prestações individuais ou sociais. Em todos os casos, as garantias consistem em mecanismos que, porquanto a sua vez normativos, são direcionadas a assegurar a máxima correspondência entre normatividade e efetividade da tutela dos direitos. Entende-se que, nesse sentido, o “garantismo” não tem nada a ver com o mero legalismo, ou formalismo ou processualismo. Aquele consiste sim na satisfação dos direitos fundamentais: os quais – da vida à liberdade pessoal, da liberdade civil e política às expectativas sociais de subsistência, dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses, materiais e pré-políticos, que fundam e justificam a existência daqueles “artifícios” – como os chamou Hobbes – que são o direito e o Estado, e cujo gozo por todos forma a base substancial da democracia.

Como pode se ver, a teoria do garantismo jurídico corresponde a um

verdadeiro complexo tanto processual quanto substancial no que tange aos direitos

e garantias mínimas universalmente pretendidos a todos enquanto dotados do status

de pessoa, especialmente no âmbito penal, onde denominou-se de garantismo o

modelo teórico caracterizado por salvaguardar os direitos fundamentais, entendidos

como sendo “[...] todos os direitos subjetivos que correspondam universalmente a

todos os seres humanos enquanto dotados de status de pessoa76, tendo como

objetivo essencial a restrição do exercício do poder punitivo estatal por meio da

denominada radicalização dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da

humanidade das penas e da jurisdicionalidade dos órgãos de decisão77, se

75 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 21/22.

76 MORAIS DA ROSA, Alexandre: Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade material: Aportes Hermenêuticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 7

77 CARVALHO. Salo de. Antimanual de criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 107

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34

configurando por ser uma verdadeira pretensão de enrijecimento do sistema a ser

democraticamente compreendida dentro do constitucionalismo.

Segundo Alexandre Moraes da Rosa, a tese de Ferrajoli se difundiu

no Brasil justamente a partir do direito penal, impulsionando, em razão disso, uma

reconstrução da teoria do direito a ser realizada em quatro frentes, onde a primeira

estabelece a revisão da teoria da validade no sentido de diferenciar

validade/material e vigência/formal das normas jurídicas, a segunda, que aponta

para a distinção entre as dimensões substancial e formal da democracia; a terceira,

como sendo a ratificação do lugar de garante do magistrado numa democracia

mediante a sujeição do juiz à lei, não mais pela mera legalidade, mas da estrita

legalidade, na qual a validade da norma (princípio e regra) devem guardar

pertinência material e formal com a constituição da república; e, finalmente, pela

revisão do papel crítico da ciência jurídica e seus contornos e de projeção ao

futuro78.

A tese do garantismo jurídico, portanto, se ramifica para bem além

dos conceitos aqui citados, de modo que a partir do que assentado sobre a teoria do

garantismo, podemos ainda exemplifica-lo como sendo um modelo de direito

fundado no respeito à dignidade da pessoa humana e seus direitos fundamentais,

com sujeição formal e substancial das práticas jurídicas aos conteúdos

constitucionais, especialmente no que concerne ao respeito, garantia e efetivação

dos direitos fundamentais como forma de legitimar a própria democracia substancial

por intermédio da supremacia da constituição79.

E em se tratando de democracia substancial e supremacia da

constituição, intrinsecamente relacionados, aliás, com o objeto da pesquisa e,

evidentemente, com o próprio constitucionalismo garantista, é que Ferrajoli afirmou

que como sistema jurídico o constitucionalismo equivale a um conjunto de limites e

de vínculo substanciais, além de formais, rigidamente impostos a todas as fontes

normativas pelas normas supramencionadas; e, como teoria do direito, a uma

concepção de validade das leis que não está ancorada apenas na conformidade das

suas formas de produção a normas procedimentais sobre a sua elaboração, mas

78 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 33.

79 MORAIS DA ROSA, Alexandre: Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade material: Aportes Hermenêuticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 5.

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35

também na coerência dos seus conteúdos com os princípios de justiça

constitucionalmente estabelecidos80.

A respeito do denominado e incerto neoconstitucionalismo, ao

qualificá-lo de “constitucionalismo principialista”, Ferrajoli irá afirmar que este

constitucionalismo possui nítida matriz anglo-saxônica, tendo como principais

características: a) o ataque ao positivismo jurídico e à tese da separação entre

direito e moral, b) pelo papel central associado à argumentação a partir da tese de

que os direitos constitucionalmente estabelecidos não são regras, mas princípios,

entre eles em virtual conflito, que são objetos de ponderação e não de subsunção; e

c) pela consequente concepção de direito “como uma prática jurídica”, confiada,

sobretudo, à atividade dos juízes81.

E aqui cabe uma provocação acerca da afirmação feita pelo autor no

que tange ao constitucionalismo principialista, de que este possui nítida matriz anglo-

saxônica, pois ao tecer tal afirmação poderíamos indagar se esta aproximação

anglo-saxônica, especialmente no Brasil, não seria uma das portas de entrada para

a prática do ativismo judicial? Essa questão será melhor retomada no próximo

capitulo.

Segundo André Karam Trindade e Lenio Streck, as premissas

condutoras das críticas de Ferrajoli feitas ao constitucionalismo principialista partem

de três teses consideradas centrais, que são: (i) A conexão entre direito e moral; (ii)

a diferença qualitativa entre regras e princípios; e (iii) o ativismo judicial reforçado

pelo uso da técnica da ponderação82.

A partir destas três premissas teóricas é que o autor desenvolverá

suas críticas ao constitucionalismo principialista, afirmando, inclusive no que

interessa ao trabalho, que no Brasil surgirá uma verdadeira bolha principiológica em

razão das equivocadas conceituações e interpretações destes institutos83, o que será

melhor visto no terceiro capítulo.

80 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 13.

81 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 21.

82 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 9.

83 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 44: A referida crítica é feita pelo autor no sentido de que: “[...] A ideia de que as normas constitucionais não são normas rigidamente vinculantes - em que a jurisdição e a legislação se encontram submetidas porque em grau subordinado a elas -, mas sim princípios ético-políticos, fruto de

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O constitucionalismo garantista, portanto, se configura por ser um

reforço ao positivismo jurídico, ampliado por sua própria escolha por intermédio dos

direitos fundamentais positivados nas normas constitucionais, as quais devem servir

de balisa para toda a produção normativa do direito, representando uma verdadeira

mudança paradigmática do velho positivismo, o qual passou também a admitir a

substancia do direito por intermédio da norma fundamental de modo a positivar não

só o dever ser, mas também e essencialmente, o ser dentro do direito e do próprio

estado democrático de direito84.

O constitucionalismo garantista configura-se como um novo

paradigma juspositivista do direito e da democracia que completa – enquanto

positivamente normativo nos confrontos da própria normatividade positiva e

enquanto sistema de limitações e de vínculos substanciais, relativos ao “que”, em

acréscimo àqueles somente formais, relativos ao “quem” e ao “como” das decisões –

o velho modelo paleo-jus-positivista85.

Ou seja, o próprio garantismo jurídico se auto reconhece como

sendo um “neopositivismo”, de modo que ao se auto reconhecer como tal,

inevitavelmente acaba por nos induzir à indagação acerca de qual seria a

semelhança entre as premissas ontológicas do positivismo e do garantismo, de

acordo com o que foi visto no capítulo anterior.

Muito embora o constitucionalismo garantista se apresente como

proposta de enrijecimento dos princípios dentro do ordenamento jurídico, o problema

acerca da separação entre o direito e a moral, defendida por Ferrajoli, continuará

fazendo com que nos indaguemos até que ponto a sua tese, especialmente no que

tange ao aspecto do positivismo exegético acerca do fator decisionista analítico do

ato de vontade, se diferencia ontologicamente da escola analítica e da influência do

Círculo de Viena.

argumentações morais, favoreceu o desenvolvimento de uma inventiva jurisprudência - onde o debate infelizmente não permaneceu limitado à academia, entre os filósofos do direito -, que se manifestou através da criação de princípios que não tem nenhum fundamento no texto da Constituição. Foi o que ocorreu no Brasil, onde Lenio Luiz Streck ilustra esta degeneração “panprincipialista” do direito brasileiro, fornecendo um incrível elenco de princípios inventados pela jurisprudência e privados de qualquer base, nem mesmo implícita ou indireta, no texto constitucional.”

84 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 23.

85 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 21.

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37

No que tange à clássica separação entre direito e moral, uma das

bases do garantismo, Lenio Streck irá refutá-la, parcialmente, indagando se ainda há

espaço para separação entre o direito e a moral, pois se o garantismo se pretende

ser um superador do positivismo exegético, onde estaria a diferença na estrutura

entre ambos?86

Não se trata, portanto, de uma superação do paleopositivismo, mas

sim de um endurecimento substancialmente alargado para os direitos fundamentais

a serem postos nas normas constitucionais, a fim de que estas correspondam aos

parâmetros de toda a produção e interpretação normativa tanto constitucional,

quanto infraconstitucional87, induzindo inclusive, a semelhança da denominada

norma hipotética fundamental desenvolvida na matriz analítica de Kelsen.

Ou seja, No constitucionalismo garantista, os juízes encontram-se

vinculados à lei e, sobretudo, à Constituição, de maneira que sua tarefa é garantir e

concretizar os direitos positivados, respeitando o princípio da separação dos

poderes88.

De qualquer forma, a contribuição do garantismo jurídico para uma

compreensão autêntica dos princípios se apresenta com salutar importância, de

modo que, com exceção da sua premissa ontológica firmada na escola analítica,

para a compreensão dos princípios na Constituição do Brasil de 1988, o garantismo

em determinados aspectos nos parece ser uma importante teoria como forma de

compreender e interpretar os princípios na Constituição do Brasil de 1988.

2.1. O CONCEITO ANALÍTICO DE NORMA JURÍDICA

Partindo-se do que já visto até aqui no que tange ao conceito de

princípio, da diferença ontológica entre filosofia analítica e filosofia da linguagem,

oportuno destacar a referência feita por Kelsen em relação ao imperativo que se

deve observar como dever jurídico de obediência à norma, de modo que, sob a

influência do paradigma analítico do Círculo de Viena a ordem jurídica positiva não

86 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 75.

87 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 23.

88 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 129.

Page 39: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO …³s.pdf · HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA: PERSPECTIVAS DE UMA COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS

38

teria qualquer explicação moral89 no que considerada dentro da teoria pura do direito,

o que inclusive a aproxima do garantismo, conforme mencionado no item anterior.

A contraofensiva metodológica ao método estritamente formal, tanto

pelo enfoque da diferença ontológica entre leitura analítica e hermenêutica ou pelo

surgimento do movimento denominado pós-positivismo, como antes já se disse,

causou uma verdadeira viragem interpretativa no direito no decorrer da segunda

metade do século XX, com impacto significativo no constitucionalismo

contemporâneo, inaugurada, no Brasil, somente a partir de 1988.

Dentre as várias tentativas empreendidas no sentido de caracterizar

o direito por meio de um elemento jurídico normativista, Norberto Bobbio considerou

quatro critérios essenciais para tanto, que foram o critério formal, material, critério do

sujeito que põe a norma e por fim, o critério do sujeito ao qual a norma se destina90.

A questão da estrutura da norma jurídica está diretamente

relacionada com a função do direito, que é ordenar a vida em sociedade e assim

orientar a conduta de seus membros e o funcionamento de suas instituições e é por

intermédio da norma que procura garantir-lhe eficácia ao atribuir consequências

negativas ou punitivas à sua violação ou, ainda, positivas com relação a seu

cumprimento91.

Neste sentido, Bobbio irá afirmar que a teoria imperativista da norma

está estreitamente vinculada à concepção legalista estatal do direito, cuja expressão

maior é a que considera o estado como única fonte do direito por intermédio do

poder normativo da lei como única expressão do direito, esta por sua vez, positivada

mediante a estrutura de um comando92. No entanto, Bobbio foi um entusiasta da

defesa das regras do jogo constitucional, reconhecendo haver forças ocultas para

além do complexo normativo imposto pelo Estado93.

Na visão do autor, o imperativismo da norma se subdivide em

positivo mediante comando e negativo mediante proibição, porquanto, ambos

89 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 131.

90 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. São Paulo: Edipro, 2011. p. 22. 91 MONTORO, André Franco, Estudos de filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 206. 92 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37. 93 Neste sentido, ver a obra: O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo, de Norberto Bobbio.

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39

relacionam-se diretamente com a razão de obedecer ao comando pelo seu valor

formal como manifestação da vontade do estado94.

Para Bobbio, os destinatários da norma podem ser denominados de

sujeitos passivos, o que implica logicamente em afirmar a existência de um sujeito

ativo, sendo o ativo aquele que dá o comando por intermédio da autoridade, que lhe

é delegada, a constranger o sujeito passivo à obediência, ao passo que este

consiste no sujeito destinatário da norma, que encontra-se em posição de obrigação

em relação ao comando normativo, cuja razão de obedecer decorre estritamente do

seu valor formal imanente da manifestação da vontade do superior95.

Neste ponto, Tércio Sampaio Ferraz Junior afirma que do ponto de

vista prescritivo, as normas são imperativos ou comandos de uma vontade

institucionalizada apta a comandar, pois encontra-se numa relação de vontades no

sentido de obrigar ou proibir através do poder coercitivo daquela que é vontade mais

forte96.

Com efeito, comandar é caracteristicamente exercer autoridade

sobre pessoas mediante o respeito pela autoridade por parte dos destinatários da

norma, pois sempre que houver um sistema jurídico, deverá haver pessoas ou um

corpo de pessoas que emitam essas ordens, cuja obediência deverá ser observada

coercitivamente97.

Neste sentido, o conceito de dever jurídico refere-se exclusivamente

a uma ordem jurídica positiva e não tem qualquer espécie de implicação moral98.

Não obstante, as normas não só prescrevem ou proíbem uma

determinada conduta, não só a autorizam, como também atribuem resposanbilidade

mediante delegação ao emprestar competência a um determinado órgão ou

indivíduo para produzir o direito99, dentre outras ramificações deônticas que formam

o sistema e que podem ser compreendidas a partir de um caráter mais formalista e

analítico na leitura do direito.

94 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 184-187. 95 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 183-184. 96 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 74-75. 97 HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 4. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005. p. 31. 98 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

p. 131. 99 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

p. 132.

Page 41: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO …³s.pdf · HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA: PERSPECTIVAS DE UMA COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS

40

Para Bobbio, na atividade relativa ao direito podem ser distinguidas

duas etapas, quais sejam, um momento ativo ou criativo do direito e um momento

teórico ou cognoscitivo, tendo este último sua principal manifestação na própria

ciência do direito ou jurisprudência, e a primeira tipicamente na legislação 100.

Contudo, cabe salientar que as normas constitucionais, dentro do

paradigma do Estado Democrático de direito, segundo compreende o

constitucionalismo principialista, formulam objetivos políticos e/ou valores morais

e/ou direitos fundamentais mediante a forma dos princípios, pois geralmente se

caracterizam por uma maior indeterminação e generalidade além de uma maior

importância, se respeitando e se ponderando mutuamente, mormente quando se

mostram conflitantes, ao passo que as regras se aplicam aos casos por elas

previstos, o que para Luigi Ferrajoli se mostra como uma distinção manifestamente

incerta e heterogênea em face de sua associação à uma dimensão empírico

explicativa que vai muito além do seu fundamento teórico e problemático101.

As referidas conceituações de norma foram destacadas apenas em

caráter exemplificativo, pois conforme a evolução do direito nas suas mais

complexas ramificações normativas, seja em qual for a matriz estudada, haverá

sempre expectativas genéricas e indeterminadas, de modo que os critérios de

vigência e validade representam a consequência de toda essa dinâmica normativa

no que tange à sua produção e aspecto formal, diferentemente do aspecto

substancial o qual deve ser observado num enunciado principiológico.

2.2. UMA INTRODUÇÃO À TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O estudo acerca dos direitos fundamentais é de pontual importância

para o trabalho, na medida em que grande parte da teoria dos princípios está

diretamente relacionada com os direitos fundamentais, conforme se viu em Ferrajoli,

mas que também restou desenvolvida por Alexy concomitante à teoria da

argumentação, a qual será alvo de críticas conforme melhor abordaremos no

próximo capitulo.

100 Aqui, o conceito de jurisprudência deve ser entendida como sinônimo de ciência do direito, decorrem de uma assimilação historicamente produzida e refletem uma generalizada aceitação da ideia de que aquilo que o jurista faz é ciência [...] [ROESLER, 2004]

101 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 23.

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41

Para Gilmar Ferreira Mendes, antes de se querer criar um status

normativo aos direitos fundamentais é necessário identificar seus contornos e limites

e a verdadeira dimensão do seu âmbito de proteção, pois não somente ao

legislador, mas também aos demais órgãos com poderes normativos, sejam judiciais

ou administrativos, cumpre a tarefa de realizar os direitos fundamentais102.

Os direitos fundamentais são, portanto, a um só tempo, direitos

subjetivos e objetivos, pois enquanto subjetivos outorgam a seu titular um direito de

exigir do soberano seu cumprimento na maior medida possível, ao passo que em

seu caráter objetivo representam um elemento fundamental da ordem constitucional

objetiva, elementos estes que, agregados às garantias individuais de ordem

subjetiva, formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de

Direito103.

Analisado, portanto, sob o seu prisma jurídico como instrumento

para resolver conflitos, o estudo dos direitos fundamentais pode ser divido em três

partes, quais sejam, da dogmática geral, a qual define os conceitos básicos e a

elaboração de métodos de harmonização dos direitos conflitantes, da dogmática

especial, que por sua vez analisa as dimensões de cada direito constitucionalmente

garantido, e por fim, da própria teoria dos direitos fundamentais104.

Por sua vez, Luigi Ferrajoli irá propor uma definição teórico-estrutural

acerca dos direitos fundamentais, conceituando-os como sendo todos aqueles

direitos subjetivos que dizem respeito universalmente a “todos” os seres humanos

enquanto dotados do status de pessoa, ou de cidadão ou de pessoa capaz de agir105.

Por direito subjetivo, segundo o autor, pode ser compreendido como

sendo qualquer expectativa positiva (a prestação) ou negativa (a não lesão)

vinculada a um sujeito por uma norma jurídica, e por status a condição de um sujeito

prevista também esta por uma norma jurídica positiva qual pressuposto de sua

102 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.

103 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 3.

104 DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In Jurisdição e Direitos Fundamentais: Escola Superior da Magistratura, ano 2004/2005, vol I. . Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 71-2.

105 FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos bens fundamentais. Trad. Alexandre Salim e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 9.

Page 43: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO …³s.pdf · HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA: PERSPECTIVAS DE UMA COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS

42

idoneidade a ser titular de situações jurídicas e/ou autor dos atos que estão em

exercício106.

Ferrajoli irá propor, ademais, a cidadania e a capacidade de agir

como únicas diferenças de status remanescentes como delimitadoras da igualdade

das pessoas, podendo ser assumida como parâmetros superáveis e insuperáveis,

sobre os quais derivam duas pontuais divisões entre os direitos fundamentais que

são os direitos de personalidade e de cidadania, que condizem, respectivamente, a

todos ou somente aos cidadãos, e aquela entre direitos primários (ou substanciais) e

os direitos secundários (ou instrumentais de autonomia), que dizem respeito, nessa

ordem, a todos ou somente às pessoas capazes de agir107.

A partir destas duas distinções, emergem mais quatro classes de

direito, os quais se subdividem em direitos humanos108, direitos públicos109, direitos

civis110 e direitos políticos111, os quais se subdividem em mais uma série de outros

direitos que compõem a base estrutural dos direitos fundamentais dentro do seu

aspecto formal112.

A teoria dos direitos fundamentais se ramifica por meio de várias

espécies de direitos subjetivos, a exemplo dos direitos de defesa, que visam

106 FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos bens fundamentais. Trad. Alexandre Salim e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 9.

107 FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos bens fundamentais. Trad. Alexandre Salim e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 12

108 FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos bens fundamentais, p. 12/13: Segundo o autor, tendo como paradigma a Constituição da Itália, os direitos humanos consistem por serem aqueles direitos primários das pessoas, que dizem respeito indistintamente a todos os seres humanos o direito à vida e à integridade da pessoa, a liberdade pessoal, a liberdade de consciência e de manifestação do pensamento, o direito à saúde e aquele à instrução.

109 FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos bens fundamentais, p. 12/13: Segundo o autor, tendo como paradigma a Constituição da Itália, os direitos públicos podem ser compreendidos como sendo direitos primários reconhecidos somente aos cidadãos, como o direito de residência e de circulação no território nacional, os direitos de reunião e associação, o direito ao trabalho e aquele à subsistência e previdência daqueles que são inabilitados ao trabalho.

110 FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos bens fundamentais, p. 12/13: Segundo o autor, tendo como paradigma a Constituição da Itália, os direitos civis são direitos secundários destinados a todas as pessoas humanas capazes de agir, como o poder negocial, a liberdade contratual, a liberdade de escolha e de mudança de trabalho, a liberdade do empreendimento, o direito de agir em juízo e, em geral, tosos os direitos potestativos nos quais se manifesta a autonomia privada e sobre os quais se funda o mercado.

fundamentais, p. 12/13: Segundo o autor, tendo como paradigma a Constituição da Itália, os direitos políticos são direitos secundários reservados somente aos cidadãos capazes de agir, como o direito de voto, o eleitorado passivo, o direito de acesso às funções públicas e, em geral, todos os direitos potestativos nos quais se manifesta a autonomia política e sobre os quais se fundam a representação e a democracia política.

111 FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos bens fundamentais, p. 12/13: Segundo o autor, tendo como paradigma a Constituição da Itália, direitos políticos são direitos secundários reservados somente aos cidadãos capazes de agir, como o direito de voto, o eleitorado passivo, o direito de acesso às funções públicas e, em geral, todos os direitos potestativos nos quais se manifesta a autonomia política e sobre os quais se fundam a representação e a democracia política.

112 FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos bens fundamentais. Trad. Alexandre Salim e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 12-13

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43

assegurar a esfera de liberdade individual do cidadão contra interferência ilegítima

ou ilegal por parte do Estado por intermédio de normas de proteção de institutos

jurídicos como a liberdade, a propriedade, a herança, o casamento, a igualdade,

ambos institutos, dentre muitos outros tutelados, por exemplo, pela Constituição

Brasileira de 1988113, ou ainda mediante ações positivas, categoria esta que engloba

direitos que permitem ao indivíduo exigir do Estado sua atuação visando melhorar a

sua condição de vida114, por exemplo.

Como se pode concluir desta breve reflexão, os direitos

fundamentais têm a um só tempo caráter formal e substancial, onde o primeiro se

traduz no seu reconhecimento dentro do constitucionalismo moderno, seja por meio

do denominado neoconstitucionalismo ou constitucionalismo principialista, seja na

tese do garantismo jurídico, ao passo que o seu caráter substancial se traduz na sua

esfera fundamental de efetividade e de conteúdo.

113 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 3-5

114 DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In Jurisdição e Direitos

Fundamentais: Escola Superior da Magistratura, ano 2004/2005, vol I. . Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 74.

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44

CAPÍTULO 3

HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E AS PERSPECTIVAS DE UMA

COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO

DO BRASIL DE 1988

O presente capítulo, como proposta já introduzida inicialmente,

buscará encerrar o trabalho, dentro do que já assentado nos capítulos anteriores,

apontando perspectivas de uma compreensão autêntica dos princípios na

Constituição do Brasil de 1988 mediante a resposta correta ou adequada, partindo-

se, primeiramente, de um breve histórico e contextualização da Constituição do

Brasil de 1988 com o que até aqui fora estudado, para então, tecer algumas críticas

aos considerados óbices para esta compreensão, demonstrando, finalmente, qual a

seria a leitura mais adequada dos princípios na Constituição do Brasil de 1988.

Para se entender o papel que a Constituição exerce dentro do

sistema jurídico contemporâneo, é de salutar importância compreender o raciocínio

de Konrad Hesse no que tange, principalmente, ao critério de validade da

constituição dentro dos sistemas constitucionais modernos, para então se

compreender, a partir desse critério, a gênese do princípio da supremacia da

Constituição, já verificado brevemente nos itens anteriores.

Segundo Hesse, a força normativa da Constituição é verificada a

partir de uma identificação entre a Constituição e os seus destinatários, pois uma

Constituição que é divorciada da realidade cultural, econômica e política da

sociedade, anda na contramão da sua finalidade e não pode ser considerada

efetiva115.

Para o autor, todas as diretrizes racionais estabelecidas e

positivadas na Constituição devem ter conexão com a cultura e identidade do povo,

pois a mola de propulsão e efetividade da constituição decorrem do amadurecimento

histórico do povo, o qual cria a constituição a partir de um contexto de necessidade

histórica, donde decorre sua maior rigidez116.

115 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.

116 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.

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45

Logo, entender a força normativa da Constituição significa

emprestar-lhe uma visão ampla da realidade político-social e suas inevitáveis

interferências na produção legislativa117.

Deste modo, não há como compreender de forma isolada os

fenômenos entre Constituição e realidade, pois, segundo Hesse, admitir este

raciocínio seria limitar a vigência e a efetividade da Constituição, bem como sua

resposta e significado em torno do ordenamento jurídico118, que pode ser

compreendido como uma miscelânea de ser e dever ser119, consoante leciona o

autor120:

A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia (geltungsanspruch) não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem se desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômicas, e sociais. A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas condições. Há de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas.

A importância da obra de Konrad Hesse para o constitucionalismo

contemporâneo se mostra de fundamental importância, pois revela o

comprometimento político o qual os constitucionalistas e demais operadores

jurídicos devem ter com este instrumento de outorga do poder constituinte, seja na

edição de Leis que visam efetivar a Constituição, seja na interpretação dada pelos

tribunais na busca da sua efetivação e compreensão autêntica dos princípios na

Constituição do Brasil de 1988.

É a partir das reflexões de Konrad Hesse que se buscará tecer este

capítulo a fim de se saber qual a força normativa da Constituição do Brasil de 1988,

especialmente no que concerne à compreensão autêntica dos princípios por ela

enunciados, quais os óbices para uma verdadeira compreensão destes princípios e

117 LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 26.

118 LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 26.

119 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.

120 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.

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46

o que é possível fazer para se ter uma resposta mais adequada na busca do seu

sentido normativo.

3.1. BREVE HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1988

A Constituição do Brasil de 1988 sem dúvidas inaugurou bem mais

do que uma nova ordem democrática no país, pois além de romper com uma ordem

autoritária estabeleceu um novo paradigma político e jurídico dentro do que já vinha

se desenvolvendo no constitucionalismo do segundo pós guerra, na linha do que já

visto nos capítulos anteriores.

Ou seja, a Constituição do Brasil de 1988 conseguiu elevar-se ao

papel de norma jurídica fundamental, segundo afirmou Gomes Canotilho121, se

configurando por ser um dos últimos grandes fôlegos de modernidade política e

constitucional, correspondente, a certo modo, a uma visão iluminista conservadora e

construtiva, na medida em que procurou resgatar a legitimidade do político, este a

ser entendido como sendo o modo e o lugar específico da constituição de condições

fundamentais da existência individual e coletiva122.

Segundo Ferrajoli, a Constituição do Brasil de 1988 inaugurou, em

face das suas extraordinárias inovações introduzidas por intermédio de seu texto,

aquele denominado de constitucionalismo de terceira geração, o que impôs novas

reflexões acerca do paradigma constitucional, sendo certo que a partir de sua

promulgação novos caminhos foram abertos em decorrência do seu modelo

normativo de uma maneira mais avançada, promovendo, todavia, uma maior

expansão do judiciário, que sem o reforço de uma sólida cultura garantista, advertiu,

poderia culminar numa séria distorção do que inicialmente fora pretendido no que

tange à jurisdição123.

A Constituição do Brasil de 1988, portanto, foi promulgada num

ambiente de promessa de modernidade trazida pelos ventos do pós-segunda guerra

mundial, que como vimos nos capítulos anteriores, buscou instituir no direito, além

121 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 45.

122 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 46.

123 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 245.

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47

da migração do estado legalista para o estado constitucional124, o paradigma da

democracia substancial por intermédio de consagradas teorias, a exemplo do que

fora desenvolvido em Portugal a partir do aprofundamento da tese do jurista alemão

Peter Lerche (1961), denominada de constitucionalismo dirigente, cuja proposta,

muito bem descrita e aprimorada por Canotilho, buscava demonstrar o papel

estratégico assumido pelas constituições de modo a compreender o seu sentido

dirigente125 como sendo a afirmação do direito constitucional, agregando, à

concepção de Estado de Direito, um conteúdo extraído do próprio texto

constitucional, o qual atribuiu à Constituição o papel diretivo como projeto social e

como forma racionalizada de politica126

Ou seja, a Constituição do Brasil de 1988 foi a que mais avançou,

por intermédio de sua positividade normativa, na direção do estado social em razão

de ter sido a primeira, após inúmeros períodos constitucionais incertos, a acolher e

admitir abertamente os vínculos estabelecidos com os direitos fundamentais em sua

dimensão objetiva, ensejando naquele que Paulo Bonavides definiu como sendo o

maior período democrático já atravessado pelo país, mediante uma carta

verdadeiramente principiológica, inclusive princípios normativos, fulminando com

uma sucessão de períodos sombrios marcados por golpes127 e, acrescento,

autoritarismo legítimo por parte do Estado.

No entanto, alertou Paulo Bonavides, na introdução da obra

Comentários à Constituição do Brasil de 1988, teve-se de um lado o espelho de

significativos avanços, doutro lado repositório de contradições, de fragilidades, de

superficialidades, de casuísmos, de imperfeições, de obscuridades; assim foi a Carta

da Nova República128.

124 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 40. Apud Ferrajoli, Luigi. Sobre os Drechos Fundamentais. Tradução de Miguel Carbonell. In: CARBBONELL, Miguel (org). Teoria del neoconstitucionalismo: Ensaios escogidos. Madrid: Trotta, 2007, p. 72-72

125 Sobre Constituição dirigente, interessante o debate realizado entre Gomes Canotilho e juristas brasileiros na Obra intitulada Canotilho e a Constituição Dirigente, sob coordenação de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Renovar: 2003

126 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 41. Apud CANOTILHO, José Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2.ed. Coimbra: Coimbra, p. 27.

127 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 59.

128 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 58.

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48

Isso significa dizer que, apesar de a Carta Republicana de 1988

chancelar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana como epicentro

da ordem democrática, inúmeras são as críticas feitas ao seu texto normativo, pois

se por um lado a nova ordem democrática simbolizou um verdadeiro rompimento

com o período ditatorial, por outro abriu campo para novos desafios principalmente

no campo da hermenêutica e, por consequência, na efetividade das disposições

constitucionais positivadas no seu texto.

Conforme muito bem enfatizou Luiz Roberto Barroso no que tange

ao problema hermenêutico, no quadro da dogmática tradicional já haviam sido

sistematizados diversos princípios específicos de interpretação constitucional, aptos

a superar as limitações da interpretação jurídica convencional, concebida, sobretudo,

em função da legislação infraconstitucional, e mais especialmente do direito civil129.

Com base nestes problemas apresentados no campo hermenêutico

no que tange às normas constitucionais, mais precisamente quanto aos princípios, é

que Paulo Bonavides irá afirmar que cabe ao poder constituinte derivado, bem como

ao corpo de interpretes como juristas, juízes e demais operadores jurídicos, o papel

de remover as deficiências apontadas no texto constitucional mediante um contínuo

aprimoramento das técnicas de interpretação mais apropriadas, mais profundas e

mais acuradas do texto constitucional por intermédio da utilização dos princípios,

cuja superioridade e força normativa, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já

reconhecem, admitem, e consagram enquanto cume hierárquico de toda a

normatividade constitucional130.

Antes de se adentrar, portanto, nas críticas a serem feitas ao

problema da leitura hermenêutica dos princípios no que tange à compreensão

autêntica destes na constituição do Brasil de 1988 e considerando o que já

desenvolvido neste item, importante trazer à baila alguns fundamentos da ordem

democrática brasileira insculpidos na Constituição de 1988, bem como, em caráter

introdutório e exemplificativo, alguns princípios explicitamente positivados já nos

primeiros dispositivos da Carta Cidadã, vejamos:

129 BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 331 p.

130 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 58.

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Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Dos Princípios Fundamentais Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. [grifou-se]

Sem embargo de outras críticas a serem feitas às referidas

disposições, até porque de cada qual mencionada é possível se extrair os mais

variados estudos sobre os diversos temas, de início já é possível se verificar que as

referidas disposições de plano já mencionam por duas vezes os princípios,

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primeiramente como visto no art. 1º como sendo “princípios fundamentais”, e logo

em seguida ao regular as relações internacionais do Brasil por intermédio dos

“seguintes princípios”, conforme transcrito acima a título de exemplo.

E na linha do que desenvolvido no item 1.2, qual o sentido poderia

ser atribuído a estes princípios131 e bem assim aos demais princípios positivados no

decorrer do texto magno de 1988?

Na verdade, sobre a Constituição de 1988, Lenio Streck irá chamar a

atenção para a necessidade de se superar certos cânones interpretativos em razão

de um déficit hermenêutico que acaba por deixar a mercê de efetividade o texto

constitucional de 1988, pois a revolução copernicana, mencionada no primeiro

capitulo no que tange ao giro linguístico, não conseguiu superar o imaginário no

interior do qual doutrina e jurisprudência ainda se sustentam na ideia da

indispensabilidade do método ou do procedimento para alcançar a “vontade da

norma”, o espírito de (sic) legislador, padecendo, neste sentido, da consolidação de

uma metodologia capaz de proporcionar uma aplicação coerente de alguns do

cânones ou regras procedurais132, na linha da seguinte reflexão133:

A sobrevinda da Constituição de 1988 apenas acirrou o problema, sendo possível perceber a continuidade da convicção de que a ausência de critérios acerca da supremacia ou hierarquia entre os princípios deveria - e deve - ser solucionada pelo juiz, a partir de uma pretensa “compreensão teleológico-social do direito”. Isto é, embora ciente da ruptura paradigmática que uma constituição nos moldes da brasileira provoca, parcela considerável dos teóricos do direito continuou a insistir e apostar nas “virtudes” do sujeito (solipsista) da modernidade: para eles, mudou apenas “o objeto a ser interpretado”,

131 Neste sentido, importante reflexão de Lenio Streck: CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p fl. 88: Tais princípios, não exaustivos - e que são padrões, e não regras ou metaregras -, apontam para além dos tradicionais princípios (gerais do direito ou jurídico-constitucionais entendidos como meros critérios ou standarts) e para além dos contemporâneos métodos de interpretação, que, embora preocupados com a efetividade/concretização da Constituição, guardam filiação à dicotomia “método-aplicação” e, em alguns casos não superam o problema do paradigma representacional. O caráter deontológico dos princípios afasta, do mesmo modo, critérios, standarts e prêt-à-porters travestidos de princípios, como, por todos, os “da confiança no juiz da causa”, “da circularidade”, “do fato consumado”, “da efetividade”, “da benignidade”, “da instrumentalidade”, “da tempestividade”, “da delação impositiva” e “da cooperação processual”, para citar apenas alguns, que representam invenções ad hoc e fragilizam a força normativa do direito produzido democraticamente. Esses standarts, na verdade, permanecem na superficialidade das posturas analíticas presas ao “aguilhão semântico” ou no entremeio de teorias que buscam deslocar o polo central da interpretação em direção ao um conjunto de procedimentos argumentativos, terminando, ao fim e ao cabo, por servir de propósitos de discursos “substitutivos/corretivos” do direito, com o sacrifício do caráter normativo dos próprios princípios, duramente conquistado no paradigma do Estado Democrático de Direito.

132 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 75.

133 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 75.

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uma vez que o protagonista continuou sendo o mesmo. No decorrer dos anos, esse protagonismo vem sendo sustentado/justificado por uma produção “metodológica de resultados”, bastando, para tal constatação, o exame da jurisprudência dos tribunais brasileiros e da produção doutrinária predominantemente em uma pluralidade de métodos escolhidos ad hoc

Sobre esta quadra metodológica veementemente criticada por

Streck, é que assume relevo a proposta de Peter Häberle, que, de forma radical e

dissolvente, acentua que a doutrina tradicional padece de um grande déficit134.

Em apertada síntese: Lenio Streck irá criticar essencialmente a

postura da doutrina e da jurisprudência no que tange à metodologia aplicada na

intepretação da Constituição, pois ao sustentar a necessidade de se superar os

cânones interpretativos ainda enraizados na filosofia da consciência atrelada ao

círculo de Viena, que como vimos, tem como ponto fulcral o esquema sujeito-objeto,

o autor irá sustentar a necessidade de, mediante uma teoria da decisão judicial,

considerar imprescindível a observância de princípios conformadores da

hermenêutica no Estado Democrático de Direito como a preservação da autonomia

do direito, do controle hermenêutico da interpretação constitucional (ratio final, a

imposição de limites às decisões judiciais – o problema da discricionariedade); o

respeito à integridade e à coerência do direito; o dever fundamental de justificar as

decisões; o direito fundamental a uma resposta constitucionalmente adequada por

intermédio de padrões principiológicos.

Mesmo com os consideráveis avanços trazidos pela Constituição do

Brasil de 1988, grande parte dos operadores do direito, incluindo os tribunais e

parcela da doutrina, não conseguiu se libertar do esquema sujeito-objeto o qual a

doutrina tradicional se encontra ancorada, de modo que mesmo com os mais de

vinte e cinco anos de promulgação da Constituição do Brasil de 1988, muito ainda

há de se fazer no campo hermenêutico como forma de se compreender, de uma

forma autêntica, os princípios positivados na Constituição na busca de uma efetiva

eficácia substancial do texto normativo.

Neste contexto, importante se fazer uma breve reflexão acerca da

importância do devido processo legal substancial, também definido como princípio,

como forma de melhor compreensão não só dos direitos fundamentais, mas também

134 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 463.

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do devido processo de aplicação sob uma visão não somente formalista, mais

também substancial como procedimento de efetivação da democracia.

3.2. O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANCIAL

A propósito do que explanado até aqui na presente pesquisa,

necessário se dar um breve destaque para a importância, haja vista os elementos

concernentes à democracia substancial e aos princípios, que o devido processo

legal substancial representa como forma de observância ao caráter fundamental de

uma leitura hermenêutica destes princípios.

Sobre o surgimento do devido processo legal, importante se

destacar que a questão remonta o ano de 1.215135, quando então, na Inglaterra, a

Carta Magna passou a dispor, em seu artigo 39, que nenhum homem livre será

detido ou sujeito a prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei ou

exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos ou mandaremos

proceder contra ele, se não mediante um julgamento regular pelos seus pares e de

harmonia com a lei do país, com sua origem histórica diretamente associada à

proteção da liberdade e conformidade com a noção de legalidade136.

A Constituição do Brasil de 1988 albergou, em seu art. 5º inciso LIV,

no rol dos direitos e garantias fundamentais o princípio do devido processo legal,

cuja redação dispõe que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal.

O devido processo legal, como instituto democrático positivado e

reconhecido por quase toda a comunidade jurídica internacional ocidental137,

135 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. P.55-56: Segundo o autor, desde o período aludido de 1215 o conteúdo do devido processo legal é discutível, na medida em que representou um pacto entre burgueses da época, na Inglaterra de Ricardo I, com vistas a fazer com que o rei João, deslocado na herança de seu pai Henrique II, cedesse à uma série de direitos exigidos pela burguesia em troca da sua manutenção no trono.

136 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 429.

137 No Brasil, em voto emblemático proferido na ação penal n. 307-3/DF, o Ministro Celso de Mello assim se referiu à cláusula do devido processo legal: Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=1130: A cláusula Constitucional do due processo of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do poder público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.

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presente, portanto, na maioria das constituições, se caracteriza por ser uma das

maiores representações de respeito à dignidade da pessoa humana existente no

Estado de Direito138, cujo âmbito de proteção há de ser observado à luz do

procedimento, seja ele judicial ou administrativo, onde seja assegurado ao indivíduo

outras garantias a serem interpretadas no mesmo contexto de liberdades

individuais139.

Ou seja, como forma de se assegurar que as leis sejam aplicadas de

forma imparcial e equânime, é que a compreensão do devido processo legal impõe

uma complementação mutua, a partir do seu caráter instrumental, com reflexos nos

mais diversos aspectos que o tornam uma garantia central da democracia140, donde

decorre uma série de outros princípios e garantias.

Com efeito, é preciso se ter uma mínima noção de direitos

fundamentais para que se possa compreender a dimensão do devido processo legal

tanto no seu caráter instrumental, quanto no caráter substancial141, pois conforme

bem advertiu Alexandre Moraes da Rosa142, alicerçado em Bonato, É preciso certa

tolerância para que se perceba a dimensão da cláusula do devido processo legal,

especialmente o qualificado de substantivo, construída em mais de 800 anos

(substantive due process of law). Há trajetória de coerência na sua construção, não

sendo fórmula desprovida de conteúdo democrático, nem muito menos mera

formalidade procedimental. Hoje em dia em face dos ativismos discutidos, bem como

as novas formas de controle de constitucionalidade, parece alienado desconsiderar

essa contribuição.

138 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 429.

139 Esta reflexão, é feita por Gilmar Mendes: CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 431: Assim, cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório e à ampla defesa, (2) direito ao juiz natural, (3) direito a não ser processado e condenado com base em prova ilícita, (4) direito a não ser preso senão por determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica, etc. Daí ter Lauria Tucci afirmado que a incorporação da garantia do devido processo legal, de forma expressa no texto constitucional de 1988, juntamente com outras garantias específicas, acabou por criar uma situação de superafetação.

140 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 429.

141 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 430: Segundo Gilmar Mendes: “É provável que o devido processo legal configure uma das mais amplas e relevantes garantias do direito constitucional, se considerarmos a sua aplicação não apenas nas relações de caráter processual, mas também nas relações de caráter material. Tradicionalmente, é reconhecida na cláusula do devido processo legal tanto uma faceta processual, como uma vertente material ou substantiva.

142 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 56

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No que tange ao controle de constitucionalidade, na linha do que

afirmou Paulo Bonavides nesta dinâmica empreendida pelo Estado Democrático de

Direito, o órgão judiciário é quem passa a tutelar o próprio Estado mediante uma

posição eminencialmente política mediante o alicerce firmado no formalismo

hierárquico das leis, sustentado pelo controle jurisdicional de constitucionalidade143.

Para José Afonso da Silva, o controle jurisdicional, generalizado hoje

em dia e denominado judicial review nos Estados Unidos da América do Norte, é a

faculdade que as constituições outorgam ao Poder Judiciário de declarar a

inconstitucionalidade de Lei ou de outros atos do Poder Público que contrariem,

formal ou materialmente, preceitos144 ou princípios constitucionais145.

Ou seja, o Poder Legislativo, por ter sua competência decorrente da

Lei Maior, não pode criar leis contrárias à Constituição, pois assim sendo estas

seriam nulas, sem validade, inaplicáveis146.

Segundo Gilmar Mendes, a clausula do devido processo legal

prevista no art. 5º, inciso LIV da Constituição do Brasil de 1988 se traduz também

como um dos fundamentos dogmáticos do princípio da proporcionalidade,

porquanto, uma vez essencial à racionalidade do sistema Democrático e

imprescindível à tutela das liberdades fundamentais mediante proibição de excesso

e arbítrio de poder, deve também englobar, dentro da sua noção conceitual, o fator

decisivo inerente ao óbice no que tange à edição de normas revestidas de conteúdo

irrazoável e arbitrário, com a observância do que estabelecido na Constituição de

forma adequada e razoável para a consecução de sua finalidade primordial no

Estado Democrático de Direito, que é a garantia e proteção dos direitos

fundamentais147, pressupondo assim a existência de um processo justo.

143 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 300. 144 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1.127.: Sobre o descumprimento de preceito fundamental, como sendo um mecanismo de controle de constitucionalidade, a previsão normativa encontra guarida tanto na Constituição Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 102 § 1°, quanto na Lei n. 9.882 de 3 de dezembro de 1999, cujo condão fundamental visa conferir um maior controle de constitucionalidade às leis ou atos normativos decorrentes do poder público, possuindo relevante função diante do direito pré-constitucional de forma a adequar as normas estaduais ou municipais por ventura editadas antes da promulgação da Constituição de 1988, em conformidade com o direito nesta positivado.

145 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, 51 p. 146 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 296-297 147 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz:

Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 430-431

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E para aplicação do princípio da proporcionalidade é necessário se

observar a necessidade148 a adequação149 e a proporcionalidade (em sentido

estrito)150, sendo certo que no desenvolvimento da conceituação de devido processo

legal substancial, a discussão acaba por girar em torno da garantia da vida, da

propriedade e liberdade em oponibilidade aos abusos do poder público151, modulados

a partir do Garantismo (Ferrajoli) e vinculados à tradição democrática152 por

decorrência da compreensão autêntica do devido processo legal substancial153.

Finalmente, é importante que se diga que todos estes elementos

inerentes ao devido processo legal substancial padecem de pouca efetividade na

prática forense brasileira, mesmo após mais de 25 anos de promulgação da

Constituição, pois o que se vê no dia-a-dia forense é um manifesto desprezo pelas

regras do jogo constitucionalmente estabelecidas, com atuações jurisdicionais, não

raras vezes, ainda aprisionadas ao velhos paradigmas interpretativos que acabam

por deturpar a normatividade constitucional com decisionismos mediante a

invocação de princípios ad hoc, dentre outras formas de compreensão equivocada

dos princípios constitucionais.

148 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 62: “Por necessidade, a partir da intervenção mínima do Estado na esfera privada, proibindo o excesso e privilegiando a alternativa menos gravosa, a qual menos violará os Direitos Fundamentais do afetado (especialmente liberdade e intimidade) e poderá gerar efeitos equivalentes.”

149 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 62: “Já adequação significa a relação positiva (apta) entre o meio e o fim da medida, ou seja, o meio em pregado deve facilitar a obtenção do fim almejado. Não há sentido em se manter alguém preso cautelarmente se a pena a ser aplicada, ao final, não significar a privação da liberdade: o meio não se relaciona com o fim.”

150 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 62: “proporcionalidade em sentido estrito implica em juízo acerca do custo-benefício da medida imposta, isto é, quais os princípios em jogo. Não se trata, como já visto, de mera ponderação. A prevalência dos Direitos Fundamentais, no campo do processo e direito penal, impede juízos em favor da coletividade, dado que invertem a lógica do Estado Democrático de Direito. Assim, não se pode em nome da dita Segurança Coletiva, flexionar de forma excessiva e desproporcional, os Direitos Fundamentais.”

151 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 59.

152 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 59.

153 MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 60.

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3.3. ÓBICES PARA A COMPREENSÃO AUTÊNTICA DOS

PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1988: AS

RECEPÇÕES TEÓRICAS EQUIVOCADAS

A Constituição do Brasil de 1988, sem prejuízo dos notáveis avanços

que já conseguiu implementar, já sofreu inúmeras alterações mediante quase

noventa emendas propostas e aprovadas pelo constituinte derivado154, afora

inúmeros projetos que encontram-se em andamento nas casas legislativas, que no

contexto da pesquisa podem ser consideradas alterações que obedeceram o devido

processo legal (legislativo) para a implementação de sua alteração (formalmente),

bem como pressupôs o respeito ao conteúdo substancial (controle de

constitucionalidade material preventivo) para a implementação de qualquer

modificação, incluindo aquelas inerentes à legislação infraconstitucional.

No processo constitucional brasileiro, o legislador desenvolveu

mecanismos destinados ao controle dos atos normativos para verificar não somente

a proteção dos direitos fundamentais, mas, sobretudo, a própria força normativa do

texto constitucional, o que faz garantir, em tese, a supremacia da Constituição,

orientando a construção e a efetividade de todo o ordenamento jurídico brasileiro155

mediante os mecanismos de controle de constitucionalidade difuso e concentrado.

Contudo, não obstante os mecanismos de controle de

constitucionalidade que a Carta Cidadã dispõe tanto para efetivação dos direitos e

garantias, quanto para a limitação do poder jurídico e político, no campo da

interpretação e compreensão dos princípios, a leitura da Constituição ainda padece

de um grande déficit que pode ser traduzido a partir de uma polifonia de vozes

inautênticas que buscam atribuir um sentido à Constituição, considerando tudo que

até aqui foi dito, com reflexos perniciosos na sua efetividade.

Sem embargo de outras críticas a serem feitas aos métodos

empreendidos na leitura dos princípios no ordenamento jurídico brasileiro, e com

vistas a manter a proposta inicial do trabalho, é que nos próximos itens se buscara

154 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 197-198: Para

Paulo Bonavides, o Poder Constituinte derivado, pela sua própria natureza jurídica está contido num quadro de limitações explicitas e implícitas decorrentes da Constituição, a cujos princípios se sujeita, em seu exercício, o órgão revisor, porquanto mediante Limitações explícitas ou expressas, formalmente postas na Constituição, lhe conferem estabilidade ou tolhem a quebra de princípios básicos, cuja permanência ou preservação se busca assegurar, retirando-os do alcance do poder constituinte derivado.

155 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.12ª ed. São Paulo : Saraiva, 2008.

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57

demonstrar os principais óbices156, com alicerce nos estudos desenvolvidos pelo

professor Lenio Streck, sobre teoria da decisão judicial, para esta compreensão.

E na linha das críticas desenvolvidas pelo autor brasileiro, uma das

principais causas da crise instalada através de uma verdadeira epidemia

principiológica foi a interpretação equivocada de institutos do direito, cuja ascensão

fora impulsionada no período do segundo pós guerra, dentre outros, como a

jurisprudência dos valores, da teoria da argumentação e do ativismo judicial, que

com uma introdução acrítica no ordenamento jurídico brasileiro, acabou por

ocasionar uma verdadeira anarquia principiológica157.

3.3.1. A JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES

Conforme se verificou brevemente no capítulo primeiro, após os

fatos que sucederam na Alemanha a partir de 1933, restou demonstrado, em tese,

que não havia mais como identificar o direito exclusivamente com a lei, pois não

haveria como desprezar certos princípios que, muito embora não se encontrassem

explicitamente positivados na lei, impunham-se a todos aqueles de modo a

compreender que o direito também poderia/deveria ser manifestado mediante a

expressão de valores, dentre os quais figurava o primeiro plano de justiça158.

Pois bem, os movimentos que se iniciam a partir de tal contexto

como forma de repudiar as meras técnicas de resultados científicos para o direito,

serão fundamentais para o direito e para as teorias jurídicas emergentes a partir de

então, porquanto a propositura de soluções para todos estes problemas passava

156 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 113.: “[...] o ativismo norte americano, juntamente com a jurisprudência dos valores e a ponderação alexyana, é uma das três recepções teóricas equivocadas que ocorreram no Brasil. Ou seja, o direito brasileiro revelou-se como um campo fértil para a proliferação de posicionamentos derivados de outras culturas jurídicas. Para além disso, esta recepção ocorreu de modo acrítico e equivocado, provocando, inclusive, mixagens entre estas teorias.”

157 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 60-61: Embora o termo neoconstitucionalismo possa nos levar a equívocos, segundo advertiu Lênio Streck, é possível afirmar que na linha do que desenvolvido pela sua influência, o caminho percorrido acabou por desembocar na “jurisprudência da valoração” com suas derivações axiologistas, requentada, entretanto, por elementos analítico-conceituais oriundos da ponderação e que embora tenha representado salutar importância para a consolidação da força normativa da Constituição na Europa Continental, no Brasil, acabou por incentivar/institucionalizar uma recepção acrítica da jurisprudência dos valores, da teoria da argumentação de Robert Alexy (que cunhou o procedimento da ponderação com instrumento pretensamente racionalizador da decisão judicial) e do ativismo judicial norte-americano.

158 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 95.

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pela revisão do modelo de direito até então praticado e essa revisão implicava,

inexoravelmente, novas perspectivas teórico-metodológicas159.

E neste contexto, segundo afirmou André Karam Trindade,

buscando superar os impasses da legislação nacional socialista e romper com o

positivismo legalista, a jurisprudência dos valores se vê obrigada a recorrer a

alternativas metodológicas – muitas vezes se invocou um direito supralegal –

capazes de evitar o formalismo que caracterizava a tradição jurídica alemã160.

Com efeito, ao fundamentar suas decisões neste período de

reconstrução, pode-se dizer, do direito, o Tribunal Constitucional Alemão passou a

estabelecer uma série de métodos interpretativos com vistas a superar os limites

estritamente formais, a exemplo das cláusulas gerais e enunciados abertos, e assim

construir argumentos abertamente lastreados em princípios161 numa exegese para

além do espólio normativo deixado pelo Terceiro Reich162.

Ao discorrer sobre a importância dos princípios pragmáticos ou

problemáticos, visto acima, Rafael Tomaz de Oliveira irá destacar a importância a

qual a jurisprudência dos valores teve na construção do referido significado de

princípio, pois a partir da implementação e atuação do Tribunal Constitucional

Alemão a preocupação maior passou a ser com a resolução dos casos práticos,

como já se disse, em manifesto repúdio às questões meramente abstratas, de modo

que essa postura adotada pelo Tribunal, até mesmo como forma de resgatar o

prestígio da Alemanha internacionalmente após ser arrasada pela Segunda Grande

Guerra, implicou numa verdadeira tomada de decisão extra legem e, em última

análise, até contra legem como forma de legitimar suas decisões por intermédio de

argumentações construídas com fundamento em princípios axiomáticos-materiais,

159 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 58.

160 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 113.

161 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 113.

162 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 113: “Na verdade, a jurisprudência dos valores é o movimento impulsionado a partir da atividade exercida pelo tribunal constitucional que alça o protagonismo judicial no cenário alemão, cujo objetivo era romper com o modelo jurídico vigente à época do nazismo e, paralelamente, legitimar as decisões tomadas com base na Constituição outorgada, em 1949, pelos aliados”

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justificados, sobretudo, mediante a remissão a axiomas como “cláusulas gerais”,

“enunciados abertos” e princípios163.

Num segundo momento da jurisprudência dos valores, afora as

fundamentações filosóficas mediante relativismo interpretativo-decisório, ganha

especial folego a pretensão de se estabelecer parâmetros de justificação, a partir de

procedimentos, de não relativismo de valores através de mecanismos discricionários

da atividade do tribunal, donde emerge um elemento fundamental para o significado

do conceito de princípio no âmbito da teoria do direito que é a ponderação, cuja

importância será crucial no desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais e

com o conceito de princípio que será o fio condutor da obra de Robert Alexy,

ferrenho defensor da jurisprudência dos valores164.

Em síntese: na tentativa de aniquilar com a herança formalista

dedutiva deixada pelos nazistas, o Tribunal Constitucional Alemão passou a

implementar métodos de interpretação calcados nos princípios, de modo que a partir

de então a jurisprudência dos valores atraiu críticas, que como a de Robert Alexy,

um dos expoentes do denominado neoconstitucionalismo, buscou na teoria da

argumentação jurídica enfrentar, mediante: um modo de racionalizar o modelo de

interpretação e aplicação do direito, imaginado pelos seus adeptos como o

adequado para os novos textos constitucionais na busca de uma maior

racionalização da jurisprudência dos valores, tida como raiz do problema165

No Brasil, vale lembrar, não há dúvidas de que os teóricos do

neoconstitucionalismo trataram de tomar emprestado, da tese alemã da

jurisprudência dos valores, sua tese fundante de que a Constituição é uma ordem

concreta de valores, sendo o papel dos interpretes o de encontrar e revelar esses

interesses ou valores166.

E como resultado desta recepção equivocada, parafraseando Lenio

Streck, é que mesmo após mais de duas décadas de promulgação da Constituição

do Brasil de 1988, considerando as peculiaridades do direito brasileiro, tem se

163 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 60.

164 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 61.

165 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 71-72.

166 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 72.

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60

verificado uma verdadeira multiplicação de pseudo teorias interpretativas, mormente

aquelas concernente a ponderação de “valores” (sic) ou até mesmo criação ad hoc

de princípios, o que certamente contribui para uma verdadeiro esvaziamento do

próprio texto constitucional167 e, por consequência, da força normativa da

Constituição.

3.3.2. A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E O PROBLEMA

DA PONDERAÇÃO

A propósito do que foi estudado nos itens anteriores, verificou-se

que a partir do contexto do pós-segunda guerra buscou-se atribuir ao pensamento

do direito um caráter mais aberto, no que desembocou no paradigma incerto do

neoconstitucionalismo com suas sub teorias.

Dentro deste contexto, ainda que criticando a jurisprudência dos

valores, é que Roberto Alexy irá se declarar um partidário da valoração, criando uma

estrutura procedimental, firmada no discurso racional prático, para a ponderação,

com a finalidade de se dar freio aos equívocos observados na jurisprudência dos

valores, afirmando categoricamente, no desenvolvimento da sua tese, que o

elemento discricionário no ato de julgar será inevitável, já que os princípios

funcionarão como cláusula aberta para o julgador no momento da decisão168.

O ponto de partida da teoria da argumentação jurídica pode ser

definido como o tratamento dado às questões práticas pela ciência do direito, o que

permite enquadrá-la como uma espécie do gênero argumentação prática geral169.

Para Atienza, a teoria da argumentação jurídica tem como objeto de

reflexão as argumentações produzidas em contextos jurídicos, os quais podem ser

distinguidos em três diferentes Campos, quais sejam, o da produção ou

167 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 60-62.

168 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. P. 61-62.

169 CEZNE, Andréa Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: Uma análise comparativa das perspectivas de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 66.

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estabelecimento de normas jurídicas, o da aplicação das normas jurídicas e o da

dogmática jurídica170.

O primeiro de tais campos acontece numa fase pré-legislativa e

outra no momento propriamente legislativo, ao passo que o segundo campo

mencionado é levada a cabo pelos próprios juízes em sentido estrito ou, ainda, por

órgãos administrativos em sentido mais amplo numa espécie de eficácia horizontal,

entre particulares171.

Já o terceiro de tais campos, o da dogmática, sem dúvida resume-se

como sendo a atividade mais complexa do direito, uma vez que busca distinguir as

funções essenciais como: fornecer critérios para a produção do direito nas diversas

instâncias em que ele ocorre; oferecer critérios para sua aplicação; ordenar e

sistematizar um setor do ordenamento jurídico, sendo que a teoria comum da

argumentação se ocupa igualmente das argumentações que a dogmática

desenvolve para cumprir a aplicação do direito172.

Trata-se de sistema de controle da decisão judicial, cuja produção

decorre do meio circundante da aplicação do direito e de qualquer forma repercute

no sistema173.

Dentre as teorias da argumentação que mais foram difundidas nas

últimas décadas estão as de Neil MacCormick e Robert Alexy, e, embora

MacCormick provenha do padrão jurídico anglo saxão, a sua teoria guarda

semelhança com a de Alexy, já que ambas, de certo modo, ficaram conhecidas

como teoria padrão da argumentação174.

Para MacCormick, a argumentação prática em geral, bem como

argumentação jurídica em particular, guardam uma função de justificação, inclusive

quando se fala em persuasão, ou seja, a questão é saber se os fatos em exame

estão em conformidade com as normas vigentes, pois pelo menos algumas

justificações que os juízes articulam são de caráter estritamente dedutivos e esta

decisão prática terá que está sempre referida à premissas normativas, não

170 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 18-19.

171 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 18-19.

172 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 19 173 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. 298 p. 174 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118.

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necessariamente que estas premissas estejam vinculadas tão somente a uma

cadeia de raciocínio lógico, mas também à norma como princípio175.

Já a diferença entre regras e princípios mostra-se com maior clareza

nos casos de colisões entre princípios e de conflitos entre regras176, na medida em

que estes respectivos conflitos levariam a resultados contraditórios entre si, ao

passo que a distinção somente será observada pela forma de solução do conflito177.

Segundo Alexy, o conflito entre regras pode ser solucionado

mediante a introdução de uma cláusula de exceção em uma das regras, a fim de

eliminar o conflito, de modo a tornar somente uma válida, o que remete à uma

decisão acerca do critério de validade formal no que tange à permanência daquela

norma no sistema178.

Já no caso de colisão de princípios, e ai é que está o problema

objeto das críticas, um deles deverá ceder ao outro, todavia, sem que o princípio

afastado seja declarado inválido ou tenha de ser criada uma cláusula de exceção179.

O problema da colisão de princípios, com efeito, há de ser verificado

mediante as circunstâncias de cada caso concreto, pois poderá vir a prevalecer um

ou outro princípio e vice-versa, ou seja, os conflitos não se dão diretamente na

dimensão do peso, mas mediante o método da ponderação é que se verificará o

peso dos princípios em conflito, o que resultará numa regra a partir da otimização e

condições de prioridade para a resolução daquele caso concreto180.

Em regra, os princípios têm o mesmo valor e peso e somente a partir

do caso concreto é que se determinará qual princípio irá prevalecer naquela

hipótese, o que resulta na denominada lei de colisão que pode ser enunciada da

seguinte forma: as condições das quais um princípio precede a outro constituem um

175 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118. 176 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 91. 177 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 92. 178 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 92-93. 179 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 92-93. 180 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das

críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83.

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suposto de fato de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio

precedente181.

Na ponderação entre dois princípios, de mesma categoria abstrata,

deve-se observar qual dos princípios possui maior peso no caso concreto, não

necessariamente que um principio terá uma prioridade absoluta182

De acordo com Alexy, os direitos fundamentais têm a estrutura de

mandados de otimização, o que o leva a colocar o princípio da proporcionalidade “no

centro da dogmática dos direitos fundamentais”183.

A máxima jurídico-metodológica da proporcionalidade, portanto,

estaria implícita na própria definição de princípio, a qual trás em seu bojo mais dois

subprincípios, já vistos neste trabalho, que são o da adequação e o da

proporcionalidade, os quais orbitam paralelamente a máxima da proporcionalidade e

referem-se, estes dois, à otimização do faticamente possível, ao passo que a

proporcionalidade, aqui entendida como subprincípio, qualifica-se como um medidor

que irá ponderar as possibilidades jurídicas de cada caso, sendo que o princípio da

adequação irá excluir qualquer medida que eventualmente obste a realização de

pelo menos um princípio sem promover ao menos um dos fins ao qual foi adotado184.

Não obstante a necessidade de se observar o conceito de princípios

dentro de uma teoria dos direitos fundamentais, Alexy menciona a importância de

três objeções frequentemente levantadas à teoria dos princípios, quais sejam, a

primeira que sustenta que na hipótese de colisão de princípios um deles pode ser

declarado inválido, a segunda de que existem princípios absolutos que não podem

ser colocados em relação de preferência numa eventual colisão e, por fim, a terceira,

que afirma ser o conceito de princípio muito amplo e inútil, na medida em que

181 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83.

182 AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 127.

183 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de (apud Alexy). Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembr0o de 2005, n. 171. p. 83.

184 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de (apud Alexy). Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83.

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representaria uma carta em branco para o preenchimento de qualquer interesse

introduzido (valores) num processo de ponderação185.

O problema surge quando este caráter teleológico das normas como

princípios extrapola a fronteira do universal e objetivamente desejável nas decisões,

uma vez que ao manejar-se os princípios acaba-se por adentrar num inevitável “jogo

valorativo” onde a validade originalmente incondicional destes princípios acaba por

ser usurpada por uma incontrolável relação de preferência, a qual não é limitada por

nenhuma premissa que venha a estabelecer limites para os critérios de uma

esperada escolha racional186, o que inevitavelmente acaba por deslocar a decisão

final para a discricionariedade do julgador mediante a sua vontade.

A tese de Alexy vem sofrendo duras críticas no ordenamento jurídico

brasileiro, especialmente naquelas dirigidas por Lenio Streck no que tange à

ponderação e à recepçõa de forma equivocada e acrítica desta tese, de modo que

decisões que lançam mão de álibis teóricos como “razoabilidade” (com ou sem

ponderação de valores), argumentação a qual se transformou em autêntica “pedra

filosofal da hermenêutica” a partir desse caráter performativo, o que, na visão de

Lenio Streck, faz com que se observe, na maior parte das decisões judiciais, a

utilização destes argumentos para o exercício da mais ampla discricionariedade e o

livre cometimento de ativismos e, pois por mais paradoxal que possa parecer, a

ponderação é um procedimento que busca resolver casos em abstrato, do qual,

quando adequadamente realizada, emerge uma regra de direito fundamental que

será aplicada mediante subsunção ao caso concreto187.

Ou seja, no fundo Alexy não conseguiu se livrar dos grilhões

analitico dedutivos inerentes ao Círculo de Viena, na medida em que, com a sua

pretensão de criar uma racionalidade ao sistema mediante o método da ponderação,

ao final e ao cabo acaba por se assumir um cultuador do método matemático e do

dualismo “sujeito-objeto” inerente ao método analítico.

185 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 109-110.

186 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 84.

187 STRECK, Lenio. O que é isto – decido conforme minha consciência?. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 50-52

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65

Portanto, a crítica que se faz à teoria da argumentação jurídica e a

aplicação da ponderação no Brasil se deve à sua recepção equivocada e aplicação

desenfreada, o que acaba por causar uma verdadeira bolha principiológica a partir

de uma equivocada ponderação de valores, sem qualquer critério e manifestamente

contrária à uma leitura adequada dos princípios.

3.3.3. O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL

Diretamente relacionado com o problema da compreensão dos

princípios na Constituição do Brasil de 1988, como sendo uma daquelas referidas

importações equivocadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme denunciado

por Lênio Streck, o ativismo judicial se revela como um das facetas do decisionismo

e do protagonismo judicial por intermédio do Poder Judiciário.

Em minucioso estudo acerca do tema, em sua tese intitulada:

“Jurisdição e Ativismo Judicial: Limites da atuação do Judiciário”, que aliás, será o fio

condutor deste item, é que Clarissa Tassinari irá ressaltar a importância, antes de

mais nada, de se diferenciar o próprio ativismo judicial da denominada judicialização

da política, uma vez ser muito comum se verificar a confusão feita entre ambos

quando na verdade é a diferença entre um e outro que é a chave para compreensão

do próprio ativismo judicial.

Com efeito, trata-se de mais uma importação equivocada e acrítica

de teoria feita para o ordenamento jurídico brasileiro, pois a referida tese, que

ganhou papel de destaque no cenário jurídico brasileiro, se desenvolveu

equivocadamente nas entranhas do Judiciário sem qualquer debate acadêmico sério

ou críticas hermenêuticas mediante problematização da questão em face da

peculiaridade do próprio país, que com uma nova Constituição, só teve alavancado,

do ativismo judicial, a intensificação na atuação dos Juízes sobre questões que, em

tese, deveriam ser debatidas no âmbito da política, introduzindo um imaginário

jurídico no qual o direito brasileiro fez-se dependente das decisões judiciais188.

A partir da promulgação da Constituição de 1988, é que as duas

expressões, as quais inúmeras confusões são geradas em torno, ganharam força e

188 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 26.

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66

passaram a ser diretamente vinculadas à atividade jurisdicional, que são o ativismo

judicial e a judicialização da política189.

Segundo Tassinari, a judicialização da política primeiramente deve

ser compreendida dentro do contexto do constitucionalismo, pois como sendo uma

tentativa jurídica de se estabelecer limites ao poder político por intermédio das

Constituições, o constitucionalismo representa uma marca indelével entre direito

constitucional e política, o que não significa dizer que tal relação esteja

necessariamente vinculada a um decisionismo190.

Deste modo, a judicialização da política, como sendo uma questão

essencialmente social, representa de certa forma um efeito indesejado decorrente do

não cumprimento ou efetivação de políticas positivadas e previstas na constituição,

seja por omissão do Legislativo ou do Executivo, e que, por consequência, acaba

por desaguar no Poder Judiciário mediante cobrança dos cidadãos191 por uma

atuação do Poder Judiciário192 na busca da efetivação das promessas descumpridas,

se caracterizando por ser um pressuposto para uma postura ativista dos juízes e

tribunais.

Isso significa dizer que A diminuição da judicialização não depende,

portanto, apenas de medidas realizadas pelo Poder Judiciário, mas, sim, de uma

plêiade de medidas que envolvem um comprometimento de todos os poderes

constituídos193.

Por sua vez, o ativismo judicial emerge no cenário brasileiro a partir

de experiências vivenciadas no constitucionalismo norte-americano, como sendo um

fenômeno típico da jurisdição constitucional, e que por vezes permeia o sistema

189 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 27.

190 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 28.

191 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 44: Neste sentido, no que tange à complexidade das sociedades modernas e seu caráter plural, Marinoni irá pontuar que uma peculiaridade singular a ser destacada na denominada era pós positivista, é justamente os crescentes movimentos sociais de camadas mais abastadas da sociedade, porquanto sindicatos, associações, dentre outros seguimentos passaram igualmente a reivindicar direitos daqueles que, de certa forma, vinham sendo renegados pela sistemática liberal positivista, culminando num pluralismo de forças sociais que passaram a integrar as fontes da produção normativa, seja por intermédio de seus representantes nos parlamentos, seja até mesmo por movimentos extra parlamentares, o que pode ser compreendido, e ai digo eu, o que pode ser compreendido, inclusive, como direito de terceira dimensão segundo definição de Bobbio.

192 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 32.

193 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 32.

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67

constitucional brasileiro acompanhado ou não de aportes teóricos norte-

americanos194, na medida em que, consoante muito bem destacou Tassinari com

base nas afirmações de Elival da Silva Ramos, pelo menos três questões serão

identificadas neste problema do ativismo judcial, a saber: o exercício do controle de

constitucionalidade, a existência de omissões legislativas e o caráter da vagueza e

ambiguidade do Direito195.

Um dos pontos fulcrais da presente questão emerge do fato de que

nos Estados Unidos o problema do ativismo judicial se justificou em razão até

mesmo da concisão do texto constitucional norte-americano, o que acabou por

impulsionar a atividade dos juízes de forma essencialmente hermenêutica, porém,

precedida de um amplo debate acadêmico e discussão dentro da comunidade

jurídica daquele país há pelo menos dois séculos a partir do emblemático episódio

Marbury vs Madson, em 1803196, ao passo que no Brasil se promulgou, em 1988,

uma Constituição inversamente prolixa e pretensamente abrangedora de inúmeros

campos políticos, jurídicos e sociais, o que acabaria,também por isso, por dispensar

qualquer tentação ativista.

Sob esta perspectiva, o ativismo judicial brasileiro repristina a tese

da discricionariedade, na medida em que é produto de uma aposta no protagonismo

dos juízes, que devem atentar para os valores constitucionais e, a partir da técnica

da ponderação, fundamentar suas decisões através de uma argumentação

racional197.

O ativismo judicial, portanto, pode ser sintetizado através de uma

postura adotada e caracterizada por um Poder Judiciário revestido de supremacia,

com competências que não lhe são reconhecidas constitucionalmente198.

Conforme afirmou André Karam Trindade, a título de

contextualização das teses aqui estudadas como objeto de “importações

194 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 66.

195 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 33-34.

196 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 72. : “De fato, a decisão proferida no julgamento do caso Marbury v. Madson justamente estabelecia limites ao agir governamental a partir do que estava previsto no texto constitucional, especialmente: a) no art. III, que coloca o Poder Judiciário como um dos subordinados à Constituição; e b) No art. VI, que garante a supremacia da Constituição.”

197 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 118.

198 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 36

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equivocadas”, é que o ativismo judicial impulsionado pela jurisprudência dos valores

foi uma das primeiras respostas jurídicas à crise de paradigma inaugurada após a

queda do Terceiro Reich, sendo certo que a sua consolidação para os demais

países do mundo, especialmente América Latina, ocorreu carregada de

discricionariedade judicial e umbilicalmente relacionada com a técnica da

ponderação sob às perspectivas teóricas de uma maior racionalidade do discurso

jurídico199, o que na verdade não passa de álibi teórico para maior exercício da

discricionariedade, o que para Ferrajoli, representa o enfraquecimento da submissão

dos juízes à lei e da certeza do direito, que colocam em xeque, por sua vez, as

fontes de legitimação da jurisdição200.

Na verdade, o ativismo judicial, como sendo uma consequência da

judicialização da política, acaba por causar enormes impactos na democracia

substancial, na medida em que por força da relação entre direito e política, acabou

por se criar um certo comodismo cívico, onde os cidadãos deixam de ser parte ativa

no processo democrático para se tornarem expectadores de um Judiciário cada vez

mais protagonista e gestor dos problemas sociais e políticos por intermédio dos

juízes, causando uma verdadeira inversão no pacto federativo201, porém, revelando-

se como sendo um problema exclusivamente jurídico.

E, no questionamento de como pode ser compreendida a

manifestação judiciária, é possível encontrar posicionamentos que retratam a

indexação da decisão judicial a um ato de vontade daquele que julga202, sendo certo

que como ato de aplicação do direito mediante a teoria da decisão, à luz do que se

verificou no capítulo oitavo da Teoria Pura do Direito de Kelsen no que tange ao ato

de vontade do julgador, é que o ativismo judicial irá encontra solo fértil, a partir da

doutrina norte-americana, para a sua expansão na contemporaneidade, se

configurando por ser um problema dentro da teoria da interpretação203, na medida em

que, segundo Kelsen, a interpretação dos órgãos judiciários é um ato de vontade,

199 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 114.

200 Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: Um debate com Luigi Ferrajoli e outros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 27.

201 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 53

202 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 56

203 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 56

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cujo caráter discricionário decorre exatamente do ato de aplicar o direito,

evidenciando assim a relação entre vontade e discricionariedade, questões que,

conforme já se viu, se mostram tão perniciosas para o constitucionalismo

democrático204.

O ativismo judicial ainda precisa ser levado a sério no Brasil, pois a

forma com a qual foi implementado, conforme se demonstrou, a partir da doutrina

norte-americana e de uma forma acrítica, acabou por comprometer, e o pior, sem

que a maior parte da comunidade jurídica, mormente a ancorada no senso comum

teórico (Warat), se desse conta de quão perniciosa se tornou a atividade dos juízes

quando então são instados a avançar sobre um campo o qual, via de regra, não lhes

é terreno apropriado para as suas atuações, cujo agravamento se dá pela

discricionariedade a qual acaba por rebocar o sentido da Constituição, quando, na

verdade, o caminho legitimo seria, evidentemente, a atuação jurisdicional vir a

reboque da Constituição mediante uma leitura hermenêutica desta.

3.4. PERSPECTIVAS DE UMA LEITURA AUTÊNTICA DOS

PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1988 MEDIANTE A

RESPOSTA CORRETA OU ADEQUADA NA TEORIA DA DECISÃO

JUDICIAL DE LENIO STRECK

Finalmente, antes de se demonstrar as principais características da

proposta de Lenio Streck mediante a sua teoria da decisão judicial, mediante a

melhor ou mais adequada leitura dos princípios205 na Constituição do Brasil de 1988,

necessário se chamar a atenção para as referidas recepções teóricas equivocadas

que o autor tanto crítica, das quais apenas três, a título de provocação, foram

demonstradas nos itens anteriores como a jurisprudência dos valores, a teoria da

argumentação e o ativismo judicial, uma vez que além destas, também os métodos

204 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 59.

205 STRECK, Lenio. Verdade e Consenso. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 175: “Os princípios

(constitucionais) possuem um profundo enraizamento ontológico (no sentido da fenomenologia hermenêutica), porque essa perspectiva ontológica está voltada para o homem, para o modo de esse homem ser-no-mundo, na facticidade. O fio condutor desses princípios é a diferença ontológica (ontologische Differentz). É por ela que o positivismo é invadido pelo mundo prático. É nesse contexto que deve ser entendida a relação da fenomenologia hermenêutica com o direito, isto é, do mesmo modo como o mundo prático é introduzido na filosofia (esse é o papel da viragem linguística-ontológica), também o direito sofre uma viravolta.”

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clássicos206 de interpretação e o solipsismo, este por sua vez decorrente da própria

atividade do interprete como consequência do ativismo e do ato de vontade, se

fazem importantes no desenvolvimento das críticas feitas pelo autor.

Todavia, se entendeu por bem destacar apenas as três já

mencionadas em razão de que nos parecem mais, a princípio, abrangentes com o

objetivo do trabalho, de modo que o solipsismo já encontra-se implicitamente

abordado no problema da discricionariedade e por isso não teve destaque em item

próprio.

De qualquer forma, sugerimos para uma leitura mais abrangente e

completa acerca das referidas “recepções equivocadas”, o capítulo 6, mais

precisamente no item 6.3, da obra de Lênio Streck intitulada Jurisdição

Constitucional e Decisão jurídica, 3ª edição da Editora Revista dos Tribunais, cujas

críticas são desenvolvidas uma à uma pelo autor brasileiro e de uma forma bem

mais detalhada.

Dito isso, e longe de querer esgotar a questão ante a complexidade

e detalhamento com os quais o autor aborda o problema da teoria da decisão

judicial, neste último item será verificada qual seria uma resposta correta ou mais

adequada dos princípios com base no estudo aqui proposto e no material

pesquisado.

Antes de mais nada, é importante se lembrar que Lenio Streck foi

um dos primeiros autores a demonstrar criticamente a dualidade no pensamento de

Kelsen com suas perniciosas consequências para o direito, demonstrando, a partir

de suas obras, a vinculação existente entre ato de vontade207 e bem assim suas

consequências para o problema da decisão judicial no Brasil.

A respeito das críticas sobre as compreensões inautênticas dos

princípios e do direito na Constituição do Brasil de 1988, Lênio Streck irá construir

sua argumentação a partir do que fora mencionado no capítulo primeiro no que

tange à diferença ontológica entre as leituras analítica e hermenêutica, criticando, de

forme veemente, o imaginário no interior do qual tanto doutrina quanto jurisprudência

206 Sobre os denominados métodos clássicos de interpretação, esta herança do positivismo exegético ainda se encontra presente no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio da Lei n. 4.657/1942, denominada inicialmente de Lei de Introdução ao Código Civil com definição jurídica modificada, pela Lei n. 12.376/2010, para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a qual em seu art. 4º dispõe que: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

207 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 56

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brasileiras não conseguiram se libertar dos velhos dogmas interpretativos firmados

na “vontade da norma” ou “espírito do legislador”, o que acabou por acirrar o

problema da interpretação em terra brasilis, na medida em que a ausência de

critérios acerca da supremacia ou hierarquia entre os princípios acabou por abrir

margem para uma solução discricionária do juiz através do velho olhar

compreensivo-teleológico do direito208.

Aliás, é sobre o velho esquema sujeito-objeto, que Lenio Streck irá

afirmar que à teoria da argumentação jurídica, de Robert Alexy, é filiada ao

paradigma da filosofia da consciência, pois em razão da sua não superação deste

esquema, pois ao proceder a distinções do tipo direito e fato, casos fáceis e casos

difíceis, acaba por se confessar adepto do método lógico dedutivo mediante a égide

das teorias sintático-semânticas de interpretação, construída ainda no século IXX209.

Ou seja, embora cientes da ruptura a qual a Constituição do Brasil

implementou com a velha sistemática lógico dedutiva ainda viciada na interpretação

codificada do direito, parcela considerável dos teóricos brasileiros insistiram, e

insistem, digo eu, em manter a crença nas “virtudes” do sujeito (solipsista) da

modernidade, uma vez que, segundo acreditavam/acreditam, apenas o objeto210 a

ser interpretado é que sofreu modificação, permanecendo, portanto, o velho

protagonismo interpretativo211.

A solução verificada, portanto, para o problema das “mixagens

teóricas” feitas acriticamente no Brasil, foi o fortalecimento de um proposta que

considerasse as peculiaridades da realidade jurídica brasileira mediante uma defesa

intransigente da constituição por intermédio da crítica hermenêutica do Direito, como

forma de se atribuir respostas aos denominados predadores do direito, buscando

208 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 75.

209 DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão Judicial e o conceito de princípio: A hermenêutica e a indecisão do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 199.

210 A esse respeito, importante foi a observação feita pelo articulista do trabalho no julgamento da Ação Penal originária n. 470 do Supremo Tribunal Federal, quando na oportunidade se discutia a admissibilidade ou não dos embargos infringentes, cuja previsão regimental fora colocada em xeque pelo relator da ação penal ao afirmar que a referida norma não havia sido recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, gerando um intenso debate. Ao proferir o seu voto, o Ministro Teori Zavascki, mesmo sendo membro de um Tribunal Constitucional, cuja competência é a guarda da Constituição segundo esta, foi buscar subsídio para proferir seu voto Lei n. 4.657/1942, denominada inicialmente de Lei de Introdução ao Código Civil com definição jurídica modificada, pela Lei n. 12.376/2010, para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, nos métodos de interpretação previstos no seu artigo 4º, em uma exegese manifestamente vinculada à uma leitura analítica.

211 CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 75.

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assim a sua autonomia por intermédio do constitucionalismo contemporâneo como

transformador do modo de conceber o direito e moral, redefinindo assim o papel dos

princípios212.

Como pode se ver, a necessidade de se criar uma teoria da decisão

judicial, mormente em se tratando de Brasil, mediante um reposta adequada,

certamente parte da indagação acerca de como devemos enfrentar o problema da

discricionariedade judicial?

Deste modo, o primeiro passo a ser verificado e observado pelo

interprete na busca de uma resposta adequadamente correta, constitucionalmente

falando, será se dar conta de que o resultado de sua interpretação não se dá por

intermédio de escolhas, mas sim por intermédio da intersubjetividade na e pela

linguagem, para além do esquema sujeito-objeto213, ou seja, mediante dar-se conta

do ser-no-mundo, ou ser-aí (Dasein).

Com efeito, a proposta hermenêutica de Lenio Streck como forma de

se possibilitar uma resposta adequada e hermeneuticamente correta se estrutura

basicamente a partir de quatro pilares, quais sejam, mediante um novo modo de

conceber o ato interpretativo; mediante a responsabilidade política dos juízes;

mediante o dever de fundamentar as decisões justamente por intermédio de

repostas constitucionalmente adequadas214, na medida em que:

Em outras palavras, o interprete não pode por exemplo, atribuir sentidos despistadores da função social da propriedade, do direito dos trabalhadores à participação nos lucros da empresa, etc. Tampouco pode ignorar aquilo que se pode denominar de “limites semânticos da lei” ou “sentidos que exsurgem do uso pragmático da linguagem”.215

Ademais, é sobre a produção democrática do direito que o autor irá

se debruçar como forma de encontrar uma solução adequada para o problema da

discricionariedade dos juízes, conforme descrito nos três últimos itens, pois no Brasil

o problema do protagonismo judicial tem se mostrado bastante comprometedor para

a democracia na medida em que os juízes dizem o que querem e da forma que

212 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 141.

213 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 311.

214 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 145.

215 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 311.

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querem216, sob um tímido constrangimento epistemológico da comunidade jurídica

em relação a isso.

É a partir da tese de Ronald Dworkin da integridade que Lenio

Streck irá propor uma maior responsabilidade política mediante a necessidade de se

fundamentar as decisões judiciais, na medida em que a discricionariedade se mostra

como a possibilidade de o intérprete atribuir multifacetadas respostas, e ai se cai no

ato de vontade, sendo certo que sua eliminação se dará através do processo unitário

de compreensão217, a partir da integridade do direito por intermédio da sua

comunidade de princípios que constitui a sociedade democrática218.

Na verdade, quando Lenio Streck fala em resposta

constitucionalmente adequada o autor a propõe como um princípio de direito

fundamental, cujo imbricamento encontra-se diretamente relacionado com o efeito

integrador do direito, da concordância prática, como sendo um princípio instituidor da

relação jurisdição democracia cujo objetivo fundamental visa preservar a força

normativa da constituição de modo a efetivamente concretizar o projeto

constitucional mediante obediência aos princípios e assim preservar a autonomia do

direito, a qual só é possível mediante a superação do esquema sujeito-objeto, que

só pode ser alcançando mediante uma leitura hermenêutica219.

Evidentemente, que a proposta de Lenio Streck vai muito além do

que aqui foi abordado, no entanto, as principais preocupações do autor com a

necessidade de se ter uma resposta constitucional adequada foram contextualizadas

no trabalho, sendo certo que a proposta do autor certamente abre um novo campo

de investigação e bem assim oferece para o jurista ferramentas necessárias para se

atacar, de uma forma integra e coerente, o problema do decisionismo que tanto se

proliferou no Brasil pós 1988.

216 STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 311.

217 STRECK, Lenio. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p .323.

218 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 140.

219CANOTILHO, J.J Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 87.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho que ora se conclui é fruto da continuidade de

uma pesquisa que iniciou em abril de 2011, portanto há quatro anos, a qual resultou

no trabalhou de graduação, cuja problematização do direito constitucional girou em

torno da exgese de um dispositivo, que a princípio “fechado” semanticamente, teve

a sua compreensão e aplicação extendida para além destes limites semânticos sem

qualquer deliberação democrática por intermédio de métodos interpretativos,

especialmente calcados em aplicação de princípiois constitucionais, pouco

questionados pela comunidade juridica.

De qualquer forma, a partir daquela pesquisa é que o presente

trabalho ganhou fôlego, ne medida em que surgiu a necessida de se aprofundar o

connhecimento acerca da problematização dos princípios, e bem assim da sua

compreensão na Constituição do Brasil de 1988.

E para a compreensão autêntica destes princípios na Constituição

do Brasil de 1988, se fez necessário partir de uma investigação na origem deste

problema, buscando-se entender a dualidade que há quase dois séculos se faz

presente no Direito por intermédio de uma noção codificada, para então se buscar

compreender a diferença ontológica entre a leitura analítica e hermeneutica do

direito.

E dentro do que se pôde perceber na referida diferença, que se

mostrou de salutar importância para a compreensão não só dos princípios, mas

também como gênese ebrionária para o estudo de diversos campos do direito a

partir da linguagem, verificou-se que não há mais como reduzir a solução dos

problemas sociais, por intermédio do Direito, a métodos estritamente matemáticos,

que embora mascarados de segurança juridica, ao final e ao cabo, acabam por

revelar a fragilidade do Direito quando exclusivamente calcados em métodos

interpretativos divorciados da essencia da vida.

A partir do segundo pós-guerra, verificou-se uma tentativa de libertar

o direito das suas amarras estritamente formais, donde surgiram inumeros

movimentos a fim de atribuir substancia ao sentido normativo do direito, o que

acabou por desembocar, parafraseando Streck, no constitucionalismo

contemporâneo.

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A tese do garantismo jurídico, desenvolvida por Luigi Ferrajoli, se

mostra como sendo um dos maiores avanços democráticos desde o segundo pós

guerra, na medida em que propõe, pode-se assim dizer, um verdadeiro

“endurecimento dos princípios” a partir da sua normatividade, e bem assim a

exigência de um compromisso do Judiciário com o princípio da estrita legalidade, de

modo a impor uma modalidade de fechamento do sistema através dos princípios.

No Brasil, a tese do ilustre professor ganhou notoridade a partir do

direito penal, campo este que pode muito bem relfetir as preocupações de Ferrajoli

no sentido de se garantir o exercício da democracia através de um processo penal

democrático e garantidor da proteção do indivíduo, seja como pessoa ou cidadão,

contra as investidas abusivas e autoritárias do Estado em seu desfavor.

Contudo, em que pese os notórios avanços da teoria do garantismo

juridico, é de se apontar, sem qualquer hesitação, que a gênese do Garantismo

jurídico encontra guarida no tecnicismo do Círculo de Viena, na medida em que

admite, no ponto de embricamento entre ser e dever ser, que na verdade se mostra

como sendo o ponto mais tenso de toda essa dinamica ontólogica, a

discricionariedade dos juizes e dos tribunais como ratio final e derradeira da decisão

judicial.

Como sendo o epicentro desta nova ordem constitucional, os direitos

fudnamentais se mostram como um dos principais vetores de resolução das

questões inerentes ao constitucionalismo contemporaneo, na medida em que se

mostra como um consenso em todas as teorias aqui estudas, embora sob

abordagens distintas.

E como sendo o epicentro dos debates constitucionais

contemporaneos, é que os direitos fundamentais devem ser levados a sério dentro

do constitucionalismo contemporâneo, na medida em que se mostram como

garantias mais adequadas contra os abusos por ventura cometidos pelo poder

estatal, o que pode ser compreendido através do devido processo legal substancial.

Quanto à teoria da argumentação de Robert Alexy, verifca-se que

esta, embora tenha se demonstrado pretensamente lógica e conceitual por

intermedio dos conceitos da ponderação de princípios, se mostrou defensora dos

direitos fundamentais ao afirmar que o juiz nunca poderá decidir contrariamente a

estes, em que pese não demonstrar por interméido de quais critérios.

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Sendo assim, o contexto constitucional brasileiro pós 1988 se

mostrou como deveras inovador não só para o direito brasileiro, mas também para a

história do país, que marcada por uma sucessão de episódios autoritários ousou

romper, ao menos formalmente falando, com a história de um ordenamento fundado

em autoritarismo, cujos reflexos sempre se deram também nas academias juridicas

do país.

Tanto é, que a dificuldade em reconhecer o novo paradigma

constitucional com suas novas categorias é constatado diariamente na prática

forense, de modo que as consequências desta resistencia são verificadas também

naquelas denominadas por Lenio Streck de recepções teóricas equivocadas, a

exemplo da jurisprudêcia dos valores, do ativismo judicial e da teoria da

argumentação jurídica, vistas acima, que acriticamente recepcionadas e reproduidas

no Brasil causaram uma verdadeira confusão interpretativa por se carctaerizarem,

ao final, como um requentamento, atravéz da discricionariedade, de velhas teorias

que só servem ao autoritarismo discricionário, o que deve ser combatido pela

comunidade juridica.

É por isso, que a leitura hermenêutica dos princípios, considerando o

contexto constitucional brasileiro pós 1988, a partir das novas categorias propostas

por Lenio Streck no terceiro capítulo, se mostra mais adequada para o direito, na

medida em que propõe a busca da decisão mais correta com a Constituição através

de um dar-se conta do ser-no mundo (Wittgenstein), a partir da integridade e

coerência do direito por intermédio da observancia à comunidade de princípios.

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Referência das Fontes Citadas

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