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A Força Normativa da Constituição: um cotejo entre as idéias de Ferdinand Lassale e Konrad Hesse Flávia Moreira Guimarães Pessoa 1 Sumário 1- Introdução. 2 – A Concepção de Ferdinand Lassale Sobre a Constituição 3 -Konrad Hesse e a Força Normativa da Constituição 3.1 - Conceito, Estrutura e Função da Constituição segundo o Pensamento Konrad Hesse 3.2 -Konrad Hesse e a Hermenêutica constitucional Concretizadora 4- Hesse X Lassale: Posições Antinômicas? 5 – Considerações Finais 6 – Referências Bibliográficas Resumo O artigo analisa o embate entre os pensamentos de Konrad Hesse e Ferdinand Lassale sobre o conceito e a importância da constituição. Analisa as obras dos dois autores, procurando estabelecer seus pontos divergentes e convergentes. Abstract The article analyzes the shock between the thoughts of Konrad Hesse and Ferdinand Lassale on the concept and the importance of the constitution. It analyzes the thoughts of the two authors, looking for to establish the divergent and convergent points of view of both. 1 Juíza do Trabalho (TRT 20ª Região), Coordenadora e Professora da Pós- Graduação em Direito do Trabalho (TRT 20ª Região/UFS), Especialista em Direito Processual pela UFSC, Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela UGF, Doutora em Direito Público pela UFBA.

Hesse e Lassale

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O presente trabalho

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A Fora Normativa da Constituio: um cotejo entre as idias de Ferdinand Lassale e Konrad Hesse

Flvia Moreira Guimares Pessoa

Sumrio

1- Introduo. 2 A Concepo de Ferdinand Lassale Sobre a Constituio 3 -Konrad Hesse e a Fora Normativa da Constituio afirma que considerada em suas consequindicando que tal concepes reais de poder dentro do paui

3.1 - Conceito, Estrutura e Funo da Constituio segundo o Pensamento Konrad Hesse 3.2 -Konrad Hesse e a Hermenutica constitucional Concretizadora 4- Hesse X Lassale: Posies Antinmicas? 5 Consideraes Finais 6 Referncias Bibliogrficas

ResumoO artigo analisa o embate entre os pensamentos de Konrad Hesse e Ferdinand Lassale sobre o conceito e a importncia da constituio. Analisa as obras dos dois autores, procurando estabelecer seus pontos divergentes e convergentes.AbstractThe article analyzes the shock between the thoughts of Konrad Hesse and Ferdinand Lassale on the concept and the importance of the constitution. It analyzes the thoughts of the two authors, looking for to establish the divergent and convergent points of view of both.Palavras chave: Ferdinad Lassale. Konrad Hesse. Concepo sociolgica de Constituio. Fora Normativa da Constituio.

Key Words: Ferdinad Lassale. Konrad Hesse .Sociological conception of Constitution. Normative force of the Constitution.1- INTRODUO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o embate dos raciocnios jurdicos de Lassale e Konrad Hesse. Para a elaborao do estudo, tomou-se como base a anlise do trabalhos dos autores analisados, ao tempo em que utilizou-se a obra de autores que comentam os estudos de Hesse e Lassale, tudo com o objetivo de melhor fixar a correlao entre os pensamentos dos dois autores citados.2 A CONCEPO DE FERDINAND LASSALE SOBRE A CONSTITUIO Nascido em Breslau, em 1825, Lassale foi um precursor da social-democracia alem. Entre suas obras, podem ser destacadas duas particularmente relevantes. Uma - ber die Verfassung A essncia da Constituio - a contribuio ao pensamento jurdico clssico que o consagrou nos domnios do Direito Constitucional. A outra o Arbeiter Program Programa dos Operrios .Segundo Aurlio Wander Bastos (2001, p. xii), Lassale precursor da sociologia jurdica, enquanto teoria crtica da ordem jurdica e a sua obra a essncia da constituio um dos nicos trabalhos constitucionais ou sobre a sociologia das constituies de alcance acadmico e popular, que estuda os fundamentos, no formais, mas como ele denomina, essenciais sociais e polticos de uma Constituio.

Manoel Jorge e Silva Neto (2006, p. 26), por seu turno, alm de referir que Ferdinand Lassale se tornou o maior expoente do sociologismo no campo constitucional, destaca, ainda, que o pensamento de Lassale essencialista, tendo em vista a sequiosa busca pela essncia da constituio.

A obra ber die Verfassung (A essncia da Constituio) retrata a concepo sociolgica da constituio. Lassale formula, logo no incio da obra, o questionamento sobre o que uma Constituio e qual a verdadeira essncia da mesma. Afirma ento Lassale (2001, p. 5) que as respostas jurdicas no explicam cabalmente as perguntas. Pergunta Lassale qual a diferena entre e lei e Constituio e afirma que ambas tm uma essncia genrica comum. Uma Constituio tem tambm que ser lei, mas uma Constituio uma lei bsica, que constitui o verdadeiro fundamento de outras leis e que existem porque necessariamente devem existir. Afirma Lassale (2001, p. 9) que a Constituio seria uma fora ativa que faz, por uma exigncia de necessidade, que todas as outras leis e instituies jurdicas vigentes no pas sejam o que realmente so, mas pergunta se existiria em algum pas alguma fora ativa que possa influir de tal forma em toda as leis do mesmo que as obrigue a ser necessariamente, at certo ponto, o que so e como so, sem poderem ser de outro modo.

Os fatores reais do poder que atuam no seio de cada sociedade so para Lassale (2001, p. 10) essa fora ativa e eficaz que informa todas as leis e instituies jurdicas vigentes, determinando que no possam ser, em substncia, a no ser tal como elas so.Para Lassale (2001, p. 12-17) a monarquia, a aristocracia, a grande burguesia, os banqueiros, e, nos casos extremos tambm o povo so uma parte integrante da Constituio. Segundo Lassale (2001, p. 17) a essncia da Constituio de um pas a soma dos fatores reais do poder que regem uma nao. Pergunta ento qual a relao que existe entre essa Constituio real e a jurdica. Responde que se juntam os fatores reais de poder, os escrevemos e eles adquirem expresso escrita, transformando-se em instituies jurdicas.Como lder sindical, Lassale (2001, p. 22) exorta a populao organizao. Afirma que o instrumento do poder poltico do rei, o exrcito, est organizado e pode ser utilizado a qualquer momento que dele se necessite. O poder da nao, contudo, embora seja maior, no est organizado. Por tal motivo, as fora organizada pode sustentar-se por anos a fio e sufocar um poder muito maior.

Lassale (2001, p. 23) indica que a Constituio real e efetiva aquela integralizada pelos fatores reais de poder que regem a sociedade, enquanto a outra Constituio escrita pode ser denominada folha de papel. O autor (2001, p. 25) menciona que uma Constituio real e efetiva a possuram e possuiro sempre todos os pases, pois no possvel imaginar uma nao onde no existam os fatores reais de poder, quaisquer que sejam. A diferena dos tempos modernos, segundo o autor, so as Constituies escritas nas folhas de papel.

Pergunta de onde provm a aspirao, prpria dos tempos modernos, de possuir uma Constituio escrita e responde que somente pode ter origem no fato de que se tenha operado uma transformao nos elementos reais de poder imperantes dentro do pas. Pergunta, ento, como podem se dar essas transformaes que afetam os fatores reais do poder de uma sociedade, apontando as mudanas histricas nos fatores reais de poder que mudam o contedo da legislao nacional. Quando num pas irrompe uma revoluo, o direito privado continua valendo, mas o direito pblico desmorona. Pergunta, ento, quando a Constituio escrita boa e duradoura e responde que quando essa Constituio escrita corresponder Constituio real e tiver suas razes nos fatores reais de poder que regem o pas (LASSALE, 2001, p. 38).

Lassale (2001, p. 39) defende que onde a Constituio reflete os fatores reais de poder, no pode existir um partido poltico que tenha por lema o respeito Constituio, porque ela j respeitada, mas quando tal grito de defesa repercute no pas porque a Constituio escrita no reflete a real, os fatores reais de poder.

O autor conclui a obra afirmando que os problemas constitucionais no so problemas de direito, mas de poder. A verdadeira constituio de um pas somente tem por base os fatores reais de poder que naquele pas vigem e somente so durveis se exprimirem tais fatores (LASSALE, 2001, p. 40).O trabalho de Lassale at hoje bastante referido no mbito da Teoria da Constituio porque um marco divisor das posturas tericas a respeito da eficcia da constituio. Com efeito, consoante ressalta Manoel Jorge e Silva Neto (2006, p. 124) tudo o que se tem dito a respeito de eficcia constitucional busca o fundamento na defesa ou na crtica teoria sociolgica de Ferdinand Lassale. Nesse aspecto, aduz o autor que ao examinarmos as diversas tendncias na cincia da constituio vamos encontrar dois blocos: um representado por aqueles que entendem estar a Constituio jungida a fatores extranormativos no que se refere produo de efeitos que lhe so prprios e o outro grupo consubstanciado por aqueles que defendem a idia de que a Constituio retira dela prpria os instrumentos conducentes sua plena efetividade, no devendo curvar-se a condicionantes meta-jurdicas.

Nesse sentido, o item que se segue busca analisar o trabalho de um representante desse segundo bloco de tericos do Direito Constitucional, especificamente analisar-se- a vida e obra Konrad Hesse, especialmente no que tange ao seu pensamento sobre a eficcia constitucional exposta na Fora Normativa da Constituio.3 -KONRAD HESSE E A FORA NORMATIVA DA CONSTITUIO A obra A fora Normativa da Constituio de Konrad Hesse situa-se no contexto de anlise do problema da crise da constituio. Com efeito, consoante ressalta Pedro Cruz Villalon (1992, p. XXII), a idia de crise da constituio no unvoca, relacionando-se a diversos problemas que so abarcados pela mesma expresso, questes estas em torno das quais se relacionam as anlises empreendidas na Fora Normativa da Constituio de Konrad Hesse. A obra inicia resumindo a obra de Lassale, indicando que sua concepo continua presente, mas afirma que considerada em suas conseqncias, a concepo da fora determinante das relaes fticas significa que a condio de eficcia da constituio jurdica, ou seja, a coincidncia entre realidade e norma constitui apenas um limite hipottico extremo. Menciona assim, Hesse (1991, p.10) que a idia de um efeito determinante exclusivo da constituio real no significa outra coisa seno a prpria negao da constituio jurdica.

Hesse (1991, p. 11) pergunta se existira, ao lado do poder determinante pelas relaes fticas, tambm uma fora determinante do direito constitucional, bem como qual o fundamento e o alcance dessa fora do direito constitucional e se no seria essa fora uma fico necessria para o constitucionalista, que tenta criar a suposio de que o direito domina a vida do Estado, quando na realidade, outras foras mostram-se determinantes. Indica que o conceito de constituio jurdica e a prpria definio da cincia do direito constitucional enquanto cincia normativa dependem da resposta a essas indagaes.

Hesse (1991, p. 13) indica que uma tentativa de resposta deve ter como ponto de partida o condicionamento recproco existente entre a constituio jurdica e a realidade poltico social. Devem, ainda, ser considerados, nesse contexto, os limites e as possibilidades de atuao da Constituio Jurdica e finalmente, ho se ser investigados os pressupostos de eficcia da constituio.

O autor explicita que o pensamento constitucional do passado recente est marcado pelo isolamento entre norma e realidade. Tal separao pode levar a uma confirmao da tese que atribui exclusiva fora determinante s relaes fticas. Entretanto, faz-se mister encontrar um caminho entre o abandono da normatividade em favor do domnio das relaes fticas, de um lado, e a normatividade despida de qualquer elemento de realidade, de outro (HESSE, 1991, p. 14).

Hesse (1991, p. 15) expe que a constituio determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relao a ela, de forma que no se pode definir como fundamental nem a pura normatividade nem a simples eficcia das condies scio-polticas e econmicas. A fora condicionante da realidade e a normatividade podem ser diferenadas, mas no podem ser definitivamente separadas ou confundidas.

Constituio real e jurdica, consoante leciona Hesse (1991, p. 15), esto em relao de coordenao, condicionando-se mutuamente, mas no dependendo pura e simplesmente uma da outra. A constituio adquire fora normativa na medida em que logra realizar essa pretenso de eficcia. Essa constatao leva a indagao concernente a quais so os limites e possibilidades de sua realizao no contexto amplo de interdependncia, no qual essa pretenso de eficcia encontra-se inserida. Citando Humboldt, aponta os limites da fora normativa da constituio: a constituio no deve procurar construir o estado de forma abstrata e terica e no logra produzir nada que j no esteja assente na natureza singular do presente. Se as leis culturais, sociais, polticas e econmicas so ignoradas pela constituio, a disciplina normativa da constituio no logra concretizar-se.

Indica Hesse (1991, p. 18) que a fora vital e a eficcia da Constituio assentam-se na sua vinculao s foras espontneas e s tendncias dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenao objetiva. Adverte, porm, que a Constituio Jurdica logra converter-se, ela mesma, em fora ativa se se fizerem presentes, na conscincia geral e particularmente na conscincia dos principais responsveis pela ordem constitucional: no s a vontade do poder, mas tambm a vontade de constituio. Essa vontade de constituio, segundo Hesse (1991, p. 19) origina-se de trs vertentes diversas: a) compreenso da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantvel, que proteja o Estado contra o arbtrio; b) compreenso de que a ordem constituda mais do que uma ordem legitimada pelos fatos; c) conscincia de que essa ordem no logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana.

Os pressupostos que permitem constituio desenvolver-se de forma tima so assim indicados por Hesse (1991, p. 21): a) quanto mais o contedo de uma constituio lograr corresponder natureza singular do presente, tanto mais segura h de ser o desenvolvimento de sua fora normativa; b) um timo desenvolvimento da fora normativa da constituio depende no apenas do seu contedo, mas tambm de sua prxis, ou seja, todos os partcipes devem partilhar da vontade da constituio. A vontade da constituio tem que ser preservada a todo custo. Aponta que igualmente perigosa para a fora normativa da constituio a tendncia de freqente reviso, pois abala a confiana na sua inquebrantabilidade, debilitando sua fora normativa. Finalmente, a interpretao tem significado decisivo para a fora normativa da constituio e deve estar submetida ao princpio da tima concretizao da norma. A interpretao adequada aquela que consegue concretizar de forma excelente o sentido da proposio normativa dentro das condies reais dominantes numa determinada situao.

A Constituio jurdica, segundo defende Konrad Hesse, est condicionada pela realidade histrica, mas no configura apenas a expresso de uma dada realidade, pois, graas ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade poltica e social, logrando despertar a fora que reside na natureza das coisas, tornando-a ativa. Ela prpria converte-se em fora ativa que influi e determina a realidade poltica e social. Essa fora impe-se de forma tanto mais efetiva quanto mais ampla for a convico sobre a inviolabilidade da Constituio, quanto mais forte mostrar-se essa convico entre os principais responsveis pela vida constitucional.A intensidade da fora normativa da constituio apresenta-se, em primeiro plano, como uma questo de vontade da constituio. Quanto mais intensa for a vontade da constituio, menos significativas ho de ser as restries e os limites impostos fora normativa da constituio. A fora normativa da constituio, porm, no capaz de suprimir os limites. Para Hesse (1991, p.25) existem pressupostos realizveis a serem levados em considerao em caso de confronto da constituio jurdica com a realidade. Somente quando esses pressupostos no puderem ser satisfeitos que se d a converso dos problemas constitucionais enquanto questes jurdicas em questes de poder, caso em que a constituio jurdica sucumbir em relao real.Assim, segundo Hesse (1991, p. 26) o Direito Constitucional deve preservar a conscincia dos seus limites, mas deve almejar a concretizao da plena fora normativa da constituio, devendo explicitar as condies sob as quais a constituio pode adquirir a maior eficcia possvel, possibilitando, assim, o desenvolvimento da dogmtica e interpretao constitucional. Compete, assim, ao direito constitucional, preservar, realar e despertar a vontade da constituio.

Finaliza indicando que a resposta indagao sobre se o futuro do nosso Estado uma questo de poder ou um problema jurdico depende da preservao e do fortalecimento da fora normativa da constituio, bem como de seu pressuposto fundamental, a vontade da constituio.afirma que considerada em suas consequindicando que tal concepes reais de poder dentro do paui

4- HESSE X LASSALE: POSIES ANTINMICAS?

Grande a polmica suscitada entre o pensamento de Ferdinand Lassale e Konrad Hesse. Com efeito, o prprio fato de a obra A fora normativa da Constituio comear referindo a obra de Lassale j demonstra a clara ligao entre elas.

Inicialmente, h que se destacar, que as concepes sobre Constituio so distintas nos autores, uma vez que Lassale adota uma concepo sociolgica ou essencialista de constituio, enquanto Hesse expresso ao mencionar que a Constituio a ordem fundamental jurdica da coletividade. (HESSE, 1998, p. 37).

Porm, a anlise das obras de Lassale e Hesse permite concluir que as posies dos autores no so completamente antinmicas, representando Hesse um ponto adiante no pensamento de Lassale.

V-se, assim, a importncia conferida por Hesse ao substrato sociolgico da constituio. Porm, embora confirme a importncia do fator sociolgico, Hesse claro ao afirmar que no seria esse o nico ponto importante na discusso da questo, porque se assim fosse, estar-se-ia reduzindo o direito sociologia: A idia de um efeito determinante exclusivo da Constituio real no significa outra coisa seno a prpria negao da Constituio jurdica. (...)Essa negao do direito constitucional importa na negao do seu valor enquanto cincia jurdica (HESSE, 1991, p. 11).

Hesse afirma que essa noo, que limita a Constituio aos fatores reais de poder, somente se justifica se a Constituio jurdica expressa uma momentnea constelao de poder (HESSE, 1991, p. 11). Ao contrrio, afirma Hesse que essa doutrina afigura-se desprovida de fundamento se se puder admitir que a Constituio contm, ainda que de forma limitada, uma fora prpria, motivadora e ordenadora da vida do Estado (HESSE, 1991, p. 11).

A perspectiva de Hesse era, assim, procurar superar a dicotomia entre privilegiar o texto constitucional ou privilegiar a realidade. Defendia, dessa forma, que no se pode deixar de levar em considerao a normatividade constitucional em benefcio da realidade. Ao mesmo tempo, rejeitava a idia de privilegiar a norma em detrimento da realidade. A proposta do autor , assim, uma via de meio termo, onde se reconhece que toda norma constitucional possui uma pretenso eficcia e esta, por sua vez, no pode ser separada das condies histricas de sua realizao.Hesse defende que a norma constitucional no tem existncia autnoma em face da realidade, de forma que a sua essncia reside na sua vigncia, ou seja, a situao por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretenso de eficcia, segundo Hesse (1991, p. 15) pode ser separada das condies histricas de sua realizao. Porm, adverte o autor que a pretenso de eficcia de uma norma constitucional no se confunde com as condies de sua realizao; a pretenso de eficcia associa-se a essas condies como elemento autnomo (HESSE, 1991, p. 15).Expe o autor que a fora normativa da Constituio no reside, to somente, na adaptao da realidade ftica. Ao contrrio, a Constituio jurdica logra converter-se, ela mesma, em fora ativa, que se assenta na natureza singular do presente (HESSE, 1991, p. 19).Assim, Hesse procura maximizar a fora ativa da constituio, o que se faz, segundo o autor, com a presena dos principais responsveis pela ordem constitucional ou seja, a fora de poder e a vontade da constituio.

Hesse (1992, p. 27) declina que a fora normativa se acha condicionada, de uma parte, pela possibilidade de realizao dos contedos da constituio e, de outra parte, pela vontade constante dos implicados no processo constitucional de realizar o contedo da constituio.

Para Hesse (1992, p. 27) quanto maior seja a conexo de seus preceitos com as circunstncias da situao histrica procurando conservar e desenvolver o que se acha esboado na disposio individual do presente, tanto mais seus preceitos tero maior fora normativa. Assim, sua fora vital se baseia em sua capacidade para conectar com as foras espontneas e as tendncias vivas de cada poca, para ser, em razo do seu objeto, a ordem global especfica das relaes vitais concretas.Por outro lado, quanto vontade dos intrpretes da Constituio, Hesse (1992, p. 28) claro ao afirmar que a fora normativa depende da disposio para considerar como vinculantes os contedos da Constituio e da resoluo de realizar esses contedos mesmo frente a eventuais resistncias.

Em sntese, Hesse procura salientar os requisitos para que a fora normativa da Constituio manifeste-se na realidade. Assim, segundo o autor, o contedo da Constituio deve ser adequado s realidades social, poltica, econmica e espiritual dominantes. Por outro lado, a Constituio deve dispor de alguns princpios fundamentais em seu texto, tendo em vista que eles tendem a se adequar melhor s mudanas da sociedade, j que a consagrao de interesses momentneos ou particulares conduz reviso constitucional, prejudicando a fora normativa da Constituio. Alm disso, a Constituio no deve ter estrutura unilateral, ou seja, no deve consagrar princpios puros. Para Hesse, devem ser evitadas as reformas constitucionais sob pretexto de adaptao s circunstncias polticas e os partcipes da vida constitucional devem ter a vontade da constituio. Finalmente, como ltimo requisito para a manifestao da fora normativa da Constituio, Hesse aponta que deve haver uma interpretao submetida ao princpio da tima concretizao da norma. A interpretao das proposies normativas deve levar em conta a realidade; com a mudana da realidade, pode haver mudana de interpretao.Pode-se dizer que o pensamento de Hesse no completamente antinmico em relao ao de Lassale, embora seja expressa sua crtica ao autor, ao mencionar que a constituio jurdica no significa simples pedao de papel, tal como caracterizada por Lassale (HESSE, 1991, p. 25). Com efeito, enquanto Lassale vislumbrava a Constituio escrita como mero pedao de papel, Hesse entende que o efeito estabilizador da Constituio reforado quando a Constituio Constituio escrita (HESSE, 1998, p. 43).

Sobre a Constituio escrita, aduz Hesse (1992, p. 22) que quando o contedo da Constituio aparece exposto em um documento ele tem o mesmo sentido de qualquer outro documento e sobre o escrito deve existir clareza e certeza jurdicas, embora muitas das determinaes escritas possam dar margem a distintas possibilidades de interpretao. Porm, ressalta o autor que ao captar o contedo da Constituio em um texto que deve ser interpretado com os meios de interpretao de textos, a Constituio limita as possibilidades de entendimentos diferentes, dando a atuao e concretizao firmes pontos de referncia, com os quais se formam, no texto escrito, determinaes que elevam consideravelmente o efeito estabilizador, racionalizador e garantidor da liberdade que possui a Constituio.

Ainda sobre a Constituio escrita, refere Hesse (1992, p. 23) que a vinculao a essa no exclui o direito constitucional no escrito. Porm, em razo de sua funo meramente complementadora, jamais o direito constitucional no escrito pode surgir ou manter-se desvinculado da Constituio escrita.

Hesse, assim, partiu da idia de Lassale e evoluiu no pensamento. Assim, a idia de Hesse um ponto a mais no raciocnio. Ao tempo em que ressalta a importncia da realidade histrica, Hesse destaca que a Constituio tambm conforma a realidade poltico social. (HESSE, 1991, p. 24).

Enquanto o pensamento de Lassale indica que os fatos condicionam a constituio, na concepo de Hesse existe uma retroalimentao, em que a Constituio jurdica est condicionada pela realidade histrica, mas, ao mesmo tempo, essa mesma Constituio tambm condiciona a realidade.

5 CONSIDERAES FINAISAps os estudos empreendidos, podem-se extrair as seguintes consideraes finais.

Ferdinand Lassale foi um precursor da social-democracia alem e se tornou o maior expoente do sociologismo no campo constitucional. Lassale indica que a Constituio real e efetiva aquela integralizada pelos fatores reais de poder que regem a sociedade, enquanto a outra Constituio escrita pode ser denominada folha de papel. Para Lassale, os problemas constitucionais no so problemas de direito, mas de poder. A verdadeira constituio de um pas somente tem por base os fatores reais de poder que naquele pas vigem e somente so durveis se exprimirem tais fatores.

Konrad Hesse explicita que o pensamento constitucional do passado recente est marcado pelo isolamento entre norma e realidade. Tal separao pode levar a uma confirmao da tese que atribui exclusiva fora determinante s relaes fticas. Entretanto, faz-se mister encontrar um caminho entre o abandono da normatividade em favor do domnio das relaes fticas, de um lado, e a normatividade despida de qualquer elemento de realidade, de outro.

Hesse expe que a constituio determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relao a ela, de forma que no se pode definir como fundamental nem a pura normatividade nem a simples eficcia das condies scio-polticas e econmicas. A fora condicionante da realidade e a normatividade podem ser diferenadas, mas no podem ser definitivamente separadas ou confundidas.

Indica Hesse que a fora vital e a eficcia da Constituio assentam-se na sua vinculao s foras espontneas e s tendncias dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenao objetiva. Adverte, porm, que a Constituio Jurdica logra converter-se, ela mesma, em fora ativa caso se fizerem presentes, na conscincia geral e particularmente na conscincia dos principais responsveis pela ordem constitucional: no s a vontade do poder, mas tambm a vontade de constituio. Afirma Hesse que a resposta indagao sobre se o futuro do nosso Estado uma questo de poder ou um problema jurdico depende da preservao e do fortalecimento da fora normativa da constituio, bem como de seu pressuposto fundamental, a vontade da constituio.afirma que considerada em suas consequindicando que tal concepes reais de poder dentro do paui

Grande a polmica suscitada entre o pensamento de Ferdinand Lassale e Konrad Hesse. Porm, as posies dos autores no so completamente antinmicas, representando Hesse um ponto adiante no pensamento de Lassale. O ponto em que Hesse efetivamente se contrape a Lassale aquele em que este ltimo determinista em relao importncia dos fatores sociais na Constituio, pois para Hesse, tal pensamento de Lassale a prpria negao da Constituio escrita e do Direito Constitucional.

Ao tempo em que ressalta a importncia da realidade histrica, Hesse destaca que a Constituio tambm conforma a realidade poltico social. Enquanto o pensamento de Lassale indica que os fatos condicionam a constituio, na concepo de Hesse existe uma retroalimentao, em que a Constituio jurdica est condicionada pela realidade histrica, mas, ao mesmo tempo, essa mesma Constituio tambm condiciona a realidade.6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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