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UNISALESIANO - CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM CURSO DE DIREITO HIAGO LEONARDO CIONI MIOTELLO AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SUA LIBERDADE DE CRENÇA LINS SP 2016

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UNISALESIANO - CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM

CURSO DE DIREITO

HIAGO LEONARDO CIONI MIOTELLO

AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SUA LIBERDADE DE CRENÇA

LINS – SP

2016

HIAGO LEONARDO CIONI MIOTELLO

AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SUA LIBERDADE DE CRENÇA

Monografia apresentada ao curso de

Direito do UniSALESIANO, Centro

Universitário Católico Salesiano Auxilium,

sob a orientação do Professor Me.

Vinicius Roberto Prioli de Souza como um

dos requisitos para obtenção do título de

bacharel em Direito.

LINS - SP

2016

HIAGO LEONARDO CIONI MIOTELLO

AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SUA LIBERDADE DE CRENÇA

Monografia apresentada ao curso de Direito do

UniSALESIANO, Centro Universitário Católico

Salesiano Auxilium, sob a orientação do

Professor Mestre Vinícius Roberto Prioli de Souza

Juliano Napoleão Barros como um dos requisitos

para obtenção do título de bacharel em Direito.

Lins, 16 de junho de 2016.

Professor Mestre Vinicius Roberto Prioli de Souza

Professor Mestre Cristian de Sales Von Rondow

Professora Doutora Ivone Yared

RESUMO

O presente trabalho analisa a problemática que envolve a colisão entre os direitos

fundamentais da vida e da liberdade religiosa diante da recusa às transfusões de

sangue por Testemunhas de Jeová. O mencionado conflito gera diversas dúvidas

nos profissionais médicos, bem como nos aplicadores do direito, devendo ser

analisado cada caso concreto a fim de buscar uma solução eficiente para este

entrave jurídico. Serão expostos, para tanto, preceitos constitucionais e suas

modificações ao longo dos anos, retratando também a história e os fundamentos

bíblicos das Testemunhas de Jeová; far-se-á, da mesma forma, uma breve

explanação em relação aos métodos alternativos à transfusão, além analisar as

responsabilidades dos profissionais e dos estabelecimentos de saúde, do paciente e

de seus representantes legais quando instaurada entre eles uma relação jurídica de

origem profissional, bem como as consequências jurídicas possíveis diante da

recusa em realizar o tratamento vital. No decorrer do trabalho foram utilizados

diversos arquivos da própria organização das Testemunhas de Jeová, visando

retratar fielmente a versão dos adeptos acerca do tema, bem como doutrinas,

jurisprudências, livros e artigos científicos que discorrem sobre a polêmica. Exigiu-

se, mais especificamente, uma avaliação da legislação constitucional,

infraconstitucional e ética, bem como do entendimento dos Conselhos de Medicina e

dos Tribunais. Vale ressaltar que foram criados vários métodos eficientes que

podem substituir a transfusão de sangue, sendo que a escolha por um meio

alternativo está dentro dos parâmetros legais, respeitando-se a liberdade de crença

e o direito à vida. O direito do adepto à religião em não se sujeitar a qualquer

procedimento sem sua concordância está previsto no Código Civil. Porém, em caso

de eminente risco de morte, o Estado autoriza o médico a realizar a transfusão

mesmo contra a vontade do paciente, pois o bem violado (liberdade de religiosa) é

considerado menor do que o bem que poderia perder (a vida). Conclui-se com o

presente trabalho que as Testemunhas de Jeová ao se negar a transfusão de

sangue não violam o direito à vida, pois não desejam morrer, apenas querem um

tratamento que não entre em confronto com seus ensinamentos, encontrando

respaldo na Constituição Federal e no Código Civil para sua decisão, não podendo o

Estado intervir em suas crenças.

PALAVRAS-CHAVE: Código Civil. Constituição Federal. Direitos fundamentais.

Medicina. Religião.

ABSTRACT

This undergraduate thesis analyzes the issues surrounding the collision between the

fundamental rights of life and religious freedom in face of refusal to blood

transfusions by Jehovah's Witnesses. The aforementioned conflict raises several

doubts in the medical professionals as well as the law professionals, should be

examined each case in order to seek an effective solution to this legal obstacle. Will

be exposed, therefore, constitutional provisions and their changes over the years,

also depicting the history and the biblical foundations of Jehovah's Witnesses; far It

will, likewise, a brief explanation regarding alternative methods for transfusion, in

addition to analyzing the responsibilities of professionals and healthcare facilities, the

patients and their legal representatives when established between them a legal

relationship of occupational origin as well as the possible legal consequences on the

refusal to carry out the vital treatment. During the work they were used several files of

own organization of Jehovah's Witnesses, seeking to faithfully portray the version of

the fans on the subject, as well as doctrines, jurisprudence, books and scientific

articles that discuss the controversy. Demanded is, more specifically, an assessment

of the constitutional law, infra and ethics as well as the understanding of the Medical

Council and the Courts. It is noteworthy that were created several effective methods

that can replace blood transfusion, and the choice of an alternative means is within

legal parameters, respecting the freedom of belief and the right to life. The right of

the fan to religion not to be subjected to any procedure without their consent is

provided for in the Civil Code. However, in case of imminent risk of death, the State

authorizes the doctor to perform the transfusion against the will of the patient,

because the violated right (freedom of religion) is considered lower than the good

that could lose (life). It concludes with this work that Jehovah's Witnesses to refuse

blood transfusion does not violate the right to life, because do not want to die, they

just want a treatment that does not come into conflict with his teachings, is supported

by the Federal Constitution and the Civil Code for its decision, can’t the State

intervene in their beliefs.

KEY-WORDS: Civil Code. Federal Constitution. Fundamental rights. Medicine.

Religion.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9

2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ............................................................ 11

2.1 Laicidade do Estado Brasileiro .................................................................... 11

2.2 Escusa de consciência ................................................................................. 15

2.2.1 Liberdade de crença....................................................................................... 18

2.2.2 Direito à vida ................................................................................................... 22

2.2.3 Princípio da dignidade da pessoa humana .................................................. 24

3 DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SEUS PRINCÍPIOS ................................. 27

3.1 O início da Organização das Testemunhas de Jeová ................................ 27

3.1.1 Fundamentos bíblicos para negar a transfusão de sangue,

posicionamento contrário e possível solução ...................................................... 30

3.1.2 Riscos inerentes à transfusão de sangue ............................................ 34

3.1.3 Métodos eficientes que podem substituir a transfusão de sangue.... 38

4 LIBERDADE RELIGIOSA É DIREITO INDISPONÍVEL ..................................... 44

4.1 Normas que asseguram ao médico realizar a transfusão de sangue sem o

consentimento do paciente .................................................................................... 44

4.2 Responsabilidade civil em caso de recusa de tratamento vital ................ 49

4.3 Entendimento dos Tribunais ........................................................................ 55

4.3.1 Responsabilidade civil do médico ........................................................ 57

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 64

ANEXOS ................................................................................................................... 70

ANEXO A – Apelação cível AC 70020868161 (TJ-RS) .......................................... 70

ANEXO B – Apelação cível AC 155 RS 2003.71.02.000155-6 (TRF-4) .................. 70

ANEXO C – Mandado de segurança MS 8881 MS 2004.008881-7 (TJ-MS) ......... 72

ANEXO D – Apelação cível AC 595000373 RS (TJ-RS) ........................................ 72

ANEXO E – Apelação Cível AC 179395 SC 2009.017939-5 (TJ-SC) ..................... 74

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1 INTRODUÇÃO

O presente tema tem por objetivo expor informações sobre a polêmica da

recusa à transfusão de sangue pelas Testemunhas de Jeová, sendo que esse

pensamento é questionado há anos, suscitando inúmeros conflitos que são levados

aos Tribunais.

O Estado Brasileiro é laico, ou seja, não possui uma religião oficial,

englobando e amparando todas as religiões sem distinção. A liberdade de crença

pode ser exercida livremente pelos adeptos, desde que em consonância com as

normas legais, não podendo oferecer risco à vida ou afetar o direito de terceiros.

O direito à vida detém suma importância, pois sem ele não seria possível

exercer os demais direitos. Desse modo, no que tange aos métodos abordados pela

medicina que podem oferecer riscos à integridade do paciente, o Estado fica

obrigado a fiscalizar tais práticas, porém, pode acabar adentrando no mérito do

direito à liberdade religiosa das pessoas, o que resulta, obviamente, em muitas

discussões.

Diante das controvérsias envolvendo tanto o lado do paciente quanto o do

médico, surgem prós e contras acerca da utilização do sangue em cirurgias e outros

procedimentos. O presente trabalho abordará de maneira ampla ambos os lados,

seja analisando os fundamentos das Testemunhas de Jeová, seja observando as

normas constitucionais e a medicina, preocupando-se em esclarecer alguns mitos e

sanar eventuais dúvidas sobre o tema.

Com o passar do tempo, devido à intensa procura por métodos alternativos,

surgiram procedimentos eficientes que beneficiaram os fiéis, consequentemente

revolucionando a medicina por serem voltados a não utilização do sangue. Mesmo

com essas inovações, ainda se discute muito sobre a crença escolhida pelas

Testemunhas de Jeová, virando alvo de acusações muitas vezes falsas.

Tal opção vem fundamentada na bíblia, a qual seguem fielmente. Por essa

razão, fazem algumas escolhas terapêuticas de certo risco, mesmo quando há o

envolvimento de menores de idade – questão ainda mais polêmica, uma vez que a

10

corrente contrária alega que não podem ser submetidos a técnicas que envolvam o

risco de morte, porque ainda não se decidiram sobre a religião que irão seguir na

vida adulta.

Quanto aos riscos supracitados, são rebatidos por muitos especialistas que

defendem a não utilização do sangue, pois afirmam que resulta em uma

recuperação mais rápida do que o enfermo que recebe a transfusão. Além de

englobar preceitos constitucionais e princípios que dão amparo a tal opção, neste

trabalho também serão abordadas opiniões contrárias, explanando o ponto de vista

de doutrinadores e também de médicos especializados na área.

No primeiro capítulo será exposto os preceitos constitucionais e suas

modificações ao longo dos anos; no segundo capítulo será retratada a história e os

fundamentos bíblicos das Testemunhas de Jeová, incluindo métodos alternativos à

transfusão; e por fim, no terceiro capítulo, abordar-se-ão casos constatados e

passíveis de responsabilidade dos médicos ou pais que se omitirem ao

procedimento, resultando na morte do paciente.

No decorrer do trabalho foram utilizados diversos arquivos da própria

organização das Testemunhas de Jeová, visando retratar fielmente a versão de tais

adeptos acerca do tema, além de diversas doutrinas, jurisprudências, livros e artigos

científicos que discorrem sobre a polêmica.

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2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

2.1 Laicidade do Estado Brasileiro

A Constituição do Império editada em 1824, outorgada em nome da

“Santíssima Trindade”, trazia a religião católica romana como a oficial. Segundo

Teraoka (2010, p. 110) e Bastos (2000, p. 191), nessa época, era permitida a

liberdade de crença, porém só podendo exercê-la nos lares, sendo vedada qualquer

forma exterior de templo.

Após a Proclamação da República de 1889, Ruy Barbosa redigiu o Decreto n°

119-A de 7 de janeiro de 1890, separando definitivamente o Estado e a Igreja; até

então não havia menção de Deus no preâmbulo da Constituição (TERAOKA, 2010,

p. 111).

Com a criação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil em

1934, houve a primeira menção à figura de Deus no preâmbulo, também sendo

reconhecida a liberdade de culto, com a ressalva de que não contrariasse a ordem

pública e os bons costumes. Em 1937 a Constituição estabeleceu que o Estado não

estabelecerá, subvencionará ou embaraçará o exercício dos cultos religiosos

(TERAOKA, 2010, p. 115-117).

A Constituição de 1946 inovou na época ao prever a imunidade tributária

para as associações religiosas, sendo que não possuíam fonte de renda para arcar

com os impostos. Houve também a previsão da “escusa de consciência”, a qual a lei

estabelecia prestações alternativas para aqueles que recusassem, por motivos

religiosos, a cumprir obrigações impostas a todos; assim, o Estado reconheceu

descansos remunerados em dias de feriados religiosos, bem como conferiu efeitos

civis ao casamento religioso e o facultou o aprendizado de ensino religioso

(TERAOKA, 2010, p. 118-119).

A escusa de consciência foi vedada pela Constituição de 1967, deste modo,

se alguém se recusasse a cumprir as obrigações impostas durante sua vigência,

perderia consequentemente seus direitos políticos.

12

Na referida Constituição havia também clara menção de que era assegurada

a liberdade de consciência e o exercício de cultos religiosos, desde que não

contrariassem a ordem pública e os bons costumes e, no Capítulo “Dos Direitos e

Garantias Individuais”, estava disposta a afirmação de que todos são iguais perante

a lei, sem distinção de credo religioso (TERAOKA, 2010, p. 120-121).

Após diversas modificações em relação à liberdade religiosa, a atual

Constituição de 1988 em seu preâmbulo faz menção à proteção de Deus. Neste

sentido, Teraoka ministra:

Na mesma linha das anteriores, a Constituição de 1988 não consagra a expressão “liberdade religiosa”. Porém, em passagens de seu texto, a Constituição faz referência a “culto”, “religião” e “crença”. (2010, p. 122-123).

A primeira referência sobre a liberdade religiosa feita pela Constituição

Federal de 1988 está prevista no art. 5º, VI, que dispõe ser “inviolável a liberdade de

consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e

garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.

Segundo Queiroz1, preâmbulo é o enunciado que antecede o texto

constitucional. Nem todas as constituições possuem, porém nas constituições

brasileiras o preâmbulo esteve sempre presente. A Constituição da República do

Brasil de 1988 foi promulgada com a expressão “sob a proteção de Deus”. Nas

palavras de Teraoka, “isso não significa que a Constituição resolveu obedecer a

determinada doutrina religiosa.” (2010, p. 229).

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República do

Brasil, adota a tese da “irrelevância jurídica”, ou seja, considera que o preâmbulo

não tem força cogente e sim caráter político-ideológico, não podendo ser invocado

1 QUEIROZ, F. F. Brasil: Estado laico e a inconstitucionalidade da existência de símbolos religiosos

em prédios públicos. Teresina: Jus Navigandi, 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8519>. Acesso em: 19 out. 2011.

13

para o controle de constitucionalidade. Portanto, referida designação representa

uma força simbólica do Brasil, sem ter influência em decisões do Estado.2

Conclui-se que, com o passar do tempo, a Constituição Federal foi se

adequando a fim de atender às necessidades das pessoas, visando maior amparo

para que a liberdade de crença possa ser exercida de maneira regular.

Scherkerkewitz apud Soriano ensina que:

A liberdade religiosa é o princípio jurídico fundamental que regula as relações entre o Estado e a Igreja em consonância com o direito fundamental dos indivíduos e dos grupos a sustentar, defender e propagar suas crenças religiosas, sendo o restante dos princípios, direitos e liberdades, em matéria religiosa, apenas coadjuvantes e solidários do princípio básico da liberdade religiosa

3.

Nesse mesmo sentido, Silva (1999, p. 251) afirma que a liberdade de religião

engloba três tipos distintos relacionados de forma interna, quais sejam: a liberdade

de crença a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa.

Liberdade de crença significa que o cidadão tem a liberdade de escolher

determinada religião, assim como mudar para outra se quiser, ou, se preferir, não se

submeter a nenhuma crença, podendo inclusive optar pelo ateísmo (ou seja, não

acreditar em Deus), não havendo qualquer forma de discriminação. Porém, da

mesma forma, não poderá embaraçar o exercício de qualquer religião.

A religião é exteriorizada com a prática dos ritos, cultos, cerimônias ou

reuniões, ou seja, exercendo-se as tradições e hábitos de acordo com a

particularidade de cada seita, não sendo, portanto, realizada com a simples

contemplação ou adoração a Deus (SILVA, 1999, p. 252).

2 OLIVEIRA, F. D. Aspectos da liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro. Teresina:

Revista Jus Navigandi, 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19770/aspectos-da-liberdade-religiosa-no-ordenamento-juridico-brasileiro>. Acesso em: 5 jun. 2016. 3 SCHERKERKEWITZ, I. C. O Direito de Religião no Brasil. Disponível em

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em: 6 jun. 2016.

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Essa liberdade de culto vem prevista na Constituição Federal, em seu art. 5º,

VI, que assegura o livre exercício dos cultos religiosos. Sobre o referido tema, Silva

(1999, p. 252) doutrina que o dispositivo que trata sobre a liberdade de culto divide-

se em duas partes.

A primeira parte visa a proteção ao exercício dos cultos religiosos na forma da

lei, sendo as próprias pessoas que escolhem os locais onde serão praticados os

cultos, respeitados alguns lugares públicos – pois são de uso comum do povo e não

para um grupo específico.

A lei poderá estabelecer locais próprios para a prática religiosa, impondo

alguns critérios para a associação que consequentemente farão jus a alguns

benefícios, dentre eles a imunidade fiscal, prevista no art. 150, VI da Constituição

Federal.

A segunda parte preconiza que os poderes públicos não poderão embaraçar

os exercícios dos cultos religiosos (art. 19, I da Constituição Federal), mas sim

possuem o dever protege-los, impedindo que terceiros os obstruam.

Com relação à liberdade de organização religiosa, Silva doutrina que “essa

liberdade diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas

e suas relações com o Estado”. (1999, p. 253).

Para melhor entender o critério para saber se o Estado irá dar amparo aos

ritos, aos costumes e às tradições de determinada religião, deve-se atentar aos

objetivos da religião em questão, sendo beneficiada com a proteção do Estado,

quando esta tem por objetivo o engrandecimento do indivíduo em prol do

aperfeiçoamento para com a sociedade.4

De acordo com o magistério de Silva:

Pontes de Miranda esclareceu bem o sentido das várias prescrições nucleadas nos verbos do dispositivo: “estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo: criar religiões ou seitas, ou fazer igrejas ou quaisquer postos

4 SCHERKERKEWITZ, I. C. O Direito de Religião no Brasil. Disponível em

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em: 6 jun. 2016.

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de prática religiosa, ou propaganda. Subvencionar cultos religiosos está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens da entidade estatal, para que se exerça a atividade religiosa. Embaraçar o exercício dos cultos religiosos significa vedar, ou dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material, de atos religiosos ou manifestações de pensamento religioso”. Para evitar qualquer forma de embaraços por via tributária, a Constituição estatui imunidade dos templos de qualquer culto (art. 150, VI, b). Não se admitem também relações de dependência ou de aliança com qualquer culto, igreja ou seus representantes, mas isso não impede as relações diplomáticas com o Estado do Vaticano, porque aí ocorre relação de direito internacional entre dois Estados soberanos, não de dependência ou de aliança, que não pode ser feita. (1999, p. 254-255).

Um Estado laico é um Estado neutro. No escólio de Lafer:

O modo de pensar laico teve o seu desdobramento nas concepções do Estado. O Estado laico é diferente do Estado teocrático e do Estado confessional. No Estado teocrático, o poder religioso e o poder político se fundem (exemplo: Irã), enquanto no Estado confessional existem vínculos jurídicos entre o Poder Político e uma Religião (exemplo: Brasil-Império, cuja religião oficial era a católica). O Estado laico, por sua vez, “é o que estabelece a mais completa separação entre a Igreja e o Estado, vedando qualquer tipo de aliança entre ambos.” (2009, p. 227).

O Estado teocrático é aquele em que há a predominância do poder da religião

sobre o poder político, sendo praticamente inseparáveis; o Vaticano é um exemplo

de Estado teocrático, pois é governado pelo Sumo Pontífice da Igreja Católica (o

papa).

No Estado confessional predomina o poder político sobre o religioso,

também sendo adotada uma religião oficial. O Brasil era um Estado confessional até

a vigência do Decreto n° 119-A, de 7 de janeiro de 1890, de Ruy Barbosa.

Para finalizar, no Estado ateu há a negação da esfera espiritual, instaurando-

se a oposição a qualquer religião.

2.2 Escusa de consciência

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Com a vigência da Constituição Federal de 1946, foi implantado no

ordenamento jurídico Brasileiro em seu art. 5º, VIII, a possibilidade da escusa de

consciência. Com esse direito fundamental, serão atribuídas prestações alternativas

ao escusante (pessoa que se nega a prestar exigência imposta a todos pelo Estado

por motivos religiosos).

Ninguém poderá ser privado de seus direitos se houver recusa em cumprir os

seus deveres, seja por motivos religiosos, filosóficos ou políticos. Conquanto, para

que isso seja possível, o escusante terá que prestar outros tipos de obrigações

fixadas previamente para substituir as que contrariem as suas crenças e convicções,

como por exemplo, a suspensão ou perda dos direitos políticos, ou prestação

alternativa aplicada a quem se recusar a cumprir obrigação a todos impostas.

Cunha Júnior preleciona com muita propriedade sobre o tema em questão:

Mas é importante ressaltar que o cumprimento da prestação alternativa depende de sua previsão legal, só estando a pessoa obrigada ao seu cumprimento quando fixada por lei. Não é correto dizer que a escusa de consciência depende de lei, sobretudo em face da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º). O que depende de lei é a fixação da prestação alternativa, não o exercício da escusa de consciência. Assim, fundada em suas crenças ou convicções, pode uma pessoa deixar de cumprir uma obrigação legal a todos imposta, sem, no entanto, se sujeitar a uma prestação alternativa, quando esta não estiver prevista em lei. (2008, p. 652).

Desse modo, percebe-se que não será obrigatória a prestação alternativa se

essa não vier previamente tipificada.

Segundo Ferreira Filho (2007, p. 299), a escusa de consciência vem ligada à

liberdade de pensamento, consistindo no direito de exprimir de qualquer forma o

intelecto humano. No mesmo sentido, Karam (2009, p. 3) diz que se trata do direito à

exteriorização ou não do pensamento, não havendo qualquer restrição,

possibilitando que o indivíduo adote a atitude intelectual de sua escolha, ou seja, a

liberdade de dizer o que acredita ser verdadeiro.

A preocupação com a exteriorização do pensamento foi tratada na

Declaração de Direitos do Homem de 1789, que expõe: “ninguém pode ser

17

perturbado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a sua manifestação não

inquiete a ordem pública estabelecida pela lei”. (SILVA, 2002, p. 240).

Nesta área, surgem diferenças entre a liberdade de consciência e a de

pensamento. A primeira diferença é o mandamento nuclear da liberdade de

pensamento, pois o pensamento é a exteriorização da consciência humana,

possibilitando a formulação de juízos de valor sem se vincular aos preceitos

estabelecidos por entes estatais, morais e pela sociedade (BASTOS, 2004, p. 44).

O direito à liberdade de pensamento poderá ser manifestado de inúmeras

formas, como por exemplo pela fala, pela escrita, ou por imagens (RIBEIRO, 2009,

p. 49); conforme reza Bulos (2003, p. 129), foi prescrito este direito pelo legislador

constituinte pois houve necessidade de tipifica-lo na Constituição Federal, a fim de

preservar a liberdade e evitar fatos traumáticos, como os que ocorreram pela

censura militar.

A Constituição da República revelou hostilidade extrema a quaisquer práticas estatais tendentes a restringir ou a reprimir o legítimo exercício da liberdade de expressão e de comunicação de idéias e de pensamento. Essa repulsa constitucional bem traduziu o compromisso da Assembléia Nacional Constituinte de dar expressão às liberdades do pensamento. Estas são expressivas prerrogativas constitucionais cujo integral e efetivo respeito, pelo Estado, qualifica-se como pressuposto essencial e necessário à prática do regime democrático. A livre expressão e manifestação de idéias, pensamentos e convicções não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público nem submetida a ilícitas interferências do Estado. (STF, Pet 3486/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 22/06/2005).

O gênero liberdade é considerado um direito fundamental, sendo uma

liberdade positiva, já que retira as impossibilidades de autorrealização da pessoa.

Carvalho discorre sobre o tema o seguinte:

A liberdade, como núcleo dos direitos humanos fundamentais, não é apenas negativa, ou seja, liberdade de fazer o que a lei não proíbe nem obriga, mas liberdade positiva, que consiste na remoção dos impedimentos (econômicos, sociais e políticos) que possam obstruir a auto-realização da personalidade humana, o que implica na obrigação do Estado, de assegurar os direitos sociais através de prestações positivas a proporcionar as bases materiais para efetivação daqueles direitos (2009, p. 765).

18

Moraes preleciona sobre a liberdade de pensamento (disposta no art. 5º, IV,

da Constituição de 1988) o seguinte:

[A liberdade de pensamento] engloba não só o direito de expressar-se, oralmente, ou por escrito, mas também o direito de ouvir, assistir e ler. Consequentemente, será inconstitucional a lei ou ato normativo que proibir a aquisição ou o recebimento de jornal, livros, periódicos, a transmissão de notícias e informações seja pela imprensa falada, seja pela imprensa televisiva. Proibir a manifestação de pensamento é pretender alcançar a proibição ao pensamento e, conseqüentemente, obter a unanimidade autoritária, arbitrária e irreal. Como proclamou Kant, citado por Jorge Miranda, “há quem diga: a liberdade de falar ou de escrever pode-nos ser tirada por uma ordem superior, mas não a liberdade de pensar. Mas quanto e com que correção pensaríamos nós se não pensássemos em comunhão com os outros, a quem comunicamos nossos pensamentos, e eles nos comunicam os seus!” (1998, p. 111).

Assim, pode-se dizer que, se a liberdade de comunicar o pensamento for

limitada ou proibida, pode-se afirmar que foi roubada também a liberdade de pensar.

2.2.1 Liberdade de crença

A liberdade de crença foi inserida no âmbito jurídico por meio da Declaração

de Direitos da Virgínia, editada em 1776. Referido dispositivo mencionava que

“todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião, segundo os ditames

da consciência”. Com o passar do tempo, foram surgindo diversas modificações com

relação ao tema, conforme o exposto a seguir.

Com a vigência da primeira emenda à Constituição americana de 1789, houve

a expressa proibição do livre exercício dos cultos, não se permitindo que o

Congresso passasse leis que visassem estabelecer determinada religião (MORAES,

1998, p. 126).

Conforme entendimento de Ferreira (1998, p. 102), a França editou a

Declaração de Direitos do Homem em 1789, estabelecendo no art. 10 do referido

19

dispositivo que “ninguém deve ser inquietado por suas opiniões mesmo religiosas,

desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”.

Com a Convenção Nacional ocorrida em 1795, ordenou-se a separação da

igreja do Estado. Em 1802 foi assinada por Napoleão uma concordata com a igreja

católica, tornando-a a igreja oficial, posteriormente confraternizando a mesma com

as igrejas protestantes em 1803. Em 1905 foi novamente votada a separação entre

Igreja e Estado.

O regime da concordata instaurou-se em 1801, com acordo entre Bonaparte e

o Papa Pio VII. O objetivo do documento era fixar o estatuto da igreja católica na

França pós-revolucionária. Com o passar do tempo, as leis posteriores transferiram

esse regime para as Igrejas protestantes e para o culto israelita (RIVERO, 2006, p.

528).

Em relação à Constituição soviética de 1936, Ferreira elucida:

[o art. 124 da Constituição soviética de 1936 previa]: “A fim de assegurar a liberdade de consciência ao cidadão, a Igreja na URSS está separada do Estado e a escola da Igreja”. Lenin, em seu trabalho Socialismo e religião, afirma que “a religião é uma das formas daquele jogo espiritual que sempre e em toda a parte, foi imposto às massas populares pela miséria” A religião é o ópio do povo, disse ele, uma espécie de aguardente espiritual que visa manter os escravos do capitalismo. Na atualidade, depois de uma intensa luta religiosa, a própria União Soviética (hoje extinta) assegurava não só a liberdade de crença como a de culto [...]. (1998, p. 103).

Com o advento da Constituição Brasileira de 1824, previu-se que a religião

católica iria continuar sendo a religião oficial do império, porém era autorizado o

culto das demais religiões desde que fossem praticados no âmbito dos lares

(CARVALHO, 2009, p. 783).

Professa Karam (2009, p. 4-6) que o catolicismo foi retirado do status de

religião oficial com a Proclamação da República em 1891, tornando o Brasil um

Estado neutro (ou laico), permitindo o indivíduo adotar ou não determinada religião.

20

Após diversas transformações em todas as partes do mundo e ao longo das

décadas, a liberdade de crença foi se estruturando de acordo com as necessidades

dos indivíduos, que cultuavam religiões não consideradas oficiais pelo Estado.

Cavalcanti apud Ferraz (2008, p. 58-9) descreve o valor normativo-social do §3º do

art. 72 da Constituição de 1891:

A fé e piedade religiosa, apanágio da consciência individual, escapa inteiramente à ingerência do Estado. Em nome de princípio algum pode a autoridade pública impor ou proibir crenças e práticas relativas a este objeto. Fôra violentar a liberdade espiritual; e o protegê-la, bem como às outras liberdades, está a missão dele. Leis que restrinjam, estão fora de sua competência e são sempre parciais e danosos. É certo que nenhuma poderá jamais invadir o domínio do pensamento; este libra-se acima de todos os obstáculos com que se pretenda tolhê-lo. Mas as religiões não são coisas meramente especulativas e, se seu assento e refugia é o recinto íntimo da consciência, têm também regras a crença de que são resultado, ou a quem andam anexos. E – se ao Estado não toca fazer-se pontifique, sacerdote nem sacristão, e tampouco dominar a religião e constituí-la instrumento de governo, [...] sendo exato que o Estado nada tem a ver com a fiel, com o crente, mas só em todas as relações, do poder público é dever assegurar aos membros da comunhão política, que ele preside, a livre prática do culto de cada um e impedir quaisquer embaraços que o dificultem ou impeçam, procedendo nisso de modo igual para com todas as crenças e confissões religiosas [...].

Entende-se, portanto, que o dever do Estado deverá ser apenas de ente

fiscalizador das atividades religiosas, não permitindo que sejam desrespeitadas por

qualquer indivíduo e devendo ser exercidas nos limites da ordem pública. Para

Moraes (1998, p. 127), a neutralidade estatal inserida na Constituição prevê

intrinsecamente o direito à liberdade de pensamento, pois permite que o indivíduo

escolha livremente a religião que lhe é mais conveniente, sendo também respeitado

o ateísmo.

No mesmo sentido, Miranda (2000, p. 409) menciona que não haverá

liberdade religiosa se o Estado permite que os cidadãos escolham determinada

religião, mas ao mesmo tempo restringe essa prática de alguma forma. Nessa seara,

Silva afirma:

Na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de

21

religião, mas também compreende a liberdade de não aderir à religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o livre agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, pois também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade dos outros. (2002, p. 248).

Desse modo, é possível observar que a liberdade de crença é a possibilidade

de acreditar naquilo que se deseja ou até mesmo a possibilidade de não acreditar

em Deus. Não pode essa liberdade ser desrespeitada por ente Estadual ou adeptos

de outras religiões, sob pena de violar direito fundamental, sendo de suma

importância o respeito mútuo por indivíduos que têm diferentes convicções

filosóficas (KARAM, 2009, p. 3).

A existência de uma crença religiosa sempre foi importante para a sociedade,

não se esquecendo de que a liberdade em relação ao ateísmo também é

assegurada nas diversas legislações que tratam do tema, como a Constituição

Federal. Monteiro realiza a seguinte análise sobre a laicidade do Estado Brasileiro:

A laicidade não é apenas uma questão afeta às religiões. O Estado não assume qualquer tipo de religião ou crença filosófica, sem embargo de optar por valores éticos considerados juridicamente protegidos. Na ciência do direito, por exemplo, há uma séria disputa entre uma visão jurídica “positiva” e uma visão jurídica “jusnaturalismo”. Não caberia ao Estado posicionar-se por esta ou aquela tendência. Do mesmo modo, não cabe ao Estado ser “socialista” ou “liberal”, ou então “marxista-leninista”, como na velha União Soviética. Pode, no entanto, o Estado, mediante métodos democráticos, optar, por exemplo, por uma lei que discipline a repartição dos lucros entre os empregados (uma ideia que alguém poderia julgar socialista) ou uma lei que transfira à iniciativa privada serviços públicos essenciais (algo que seria ligado à visão liberal). O mesmo se diga em relação a determinados valores sociais, que acabam se tornando valores juridicamente protegidos, sem embargos de serem dedutíveis de uma visão proveniente desta ou daquela religião. É natural que as ideologias e as crenças influam na sociedade e na elaboração das leis; mas não cabe ao poder públicos assumir este ou aquele conjunto de ideias ou crenças religiosas, de modo direto e explícito. (2008, p. 92).

Nessa toada, Karam (2009, p. 6) elucida que a Constituição Federal prevê em

seu art. 19, I, que o Estado não poderá adotar determinada religião como oficial,

nem impor qualquer crença, devendo respeitar e tratar igualmente todos os tipos de

credos.

22

Portanto, a laicidade do Estado não significa ir contra a fé e também não

impede que o poder público colabore com determinada práticas, como no caso de

conferir efeitos civis ao casamento religioso, com a Igreja visando o bem integral do

indivíduo (MENDES, 2008, p. 409).

2.2.2 Direito à vida

Os direitos fundamentais encontram-se dispostos no art. 5º da Constituição

Federal. Tais direitos são considerados direitos humanos, ao longo do tempo sendo

transformados em direito positivo, pois são exteriorizados com a prática individual de

cada pessoa – motivo pelo qual se utiliza a denominação “direitos individuais”,

encontrando-se dentre eles o da vida (TUCCI, 2004, p. 21).

O direito à vida é resguardado pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos de 1966, adotado pela Resolução nº 2.200-A da Assembleia Geral das

Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 e aprovado pelo Decreto Legislativo nº

226 de 11 de novembro de 1991. Foi ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992,

estando em vigor desde 24 de abril de 1992, sendo promulgado pelo Decreto nº 592

de 6 de julho de 1992.

Segundo Moraes, o direito à vida “é o mais fundamental de todos os direitos,

já que se constitui em pré-requisito a existência e exercício de todos os demais

direitos” (2000, p. 61). Sendo assim, a Constituição Federal protege a vida de forma

geral, inclusive a vida uterina.

O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto ‘erga omnes’, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer. Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea, que é intangível, pois

23

contra ela nem mesmo há o poder de emendar [...] tem eficácia positiva e negativa [...]. A vida é um bem jurídico de tal grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que preconiza a legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas impeditivas da prática de crueldades inúteis e degradantes [...]. Estamos no limiar de um grande desafio do século XXI, qual seja, manter o respeito à dignidade humana. (DINIZ, 2001, p. 22-24).

Desse modo, entende-se que o direito em tela não poderá ser violado em

hipótese alguma, pois se trata de bem indisponível tutelado pela Constituição

Federal e configurado como cláusula pétrea, ou seja, não sendo passível de

modificação.

Como já mencionado, a Constituição Federal declara a inviolabilidade do

direito à vida desde a concepção do indivíduo, assegurando-se, por consequência, a

inviolabilidade deste direito também ao nascituro.

Objetivando reforçar essa ideia, o Brasil assinou acordos internacionais que

versam sobre Direitos Humanos. O principal deles é o Pacto de São José da Costa

Rica, que em seu art. 4º prevê que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua

vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da

concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. O Pacto de São

José da Costa Rica entrou para o ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto

nº 678 de 1992.

Existem algumas teorias que defendem tais direitos. Sobre a primeira delas, a

teoria concepcionista, Rocha disserta:

A teoria concepcionista, considerando a primeira etapa do desenvolvimento embrionário humano, entende que o embrião possui um estatuto moral semelhante ao de um ser humano adulto, o que equivale a afirmar que a vida humana inicia-se, para os concepcionistas, com a fertilização do ovócito secundário pelo espermatozoide. A partir desse evento, o embrião já possui a condição plena da pessoa, compreendendo, essa condição, a complexidade de valores inerentes ao ente em desenvolvimento. (2008, p. 75).

Portanto, compreende-se que a vida se inicia desde sua concepção,

disposição essa prevista no Pacto de São José da Costa Rica e no Código Civil

24

Brasileiro, sendo que este último codex reza em seu art. 2º que a personalidade civil

da pessoa começa com o nascimento com vida, entrementes, ressalva também que

serão resguardados os direitos do nascituro.

Por outro lado, existe a segunda teoria, a natalista, a qual defende que o

indivíduo só adquire personalidade jurídica após o nascimento com vida, podendo

ser sujeito ativo e passivo de direitos.

2.2.3 Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal

de 1988, em seu art. 1º, III, é considerado fundamento do Estado Democrático de

Direito, pois visa resguardar os direitos individuais de cada pessoa diante a

sociedade. Sarlet aborda o seguinte sobre o assunto em comento:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (2001, p. 60).

A dignidade assegurada em tal princípio é indispensável por se tratar de

direito da personalidade, tendo como perspectiva garantir a felicidade e bem-estar

das pessoas. Para que isso ocorra, deverá ser permitido que o indivíduo tenha plena

fruição dos direitos fundamentais, em consonância com a razoabilidade (SARLET,

2010, p. 311).

Para se caracterizar uma vida digna é necessário estar presentes os valores

essenciais, nos quais irão satisfazer as necessidades de acordo com cada pessoa,

respeitando as características de cada um.

25

Faz-se mister a compreensão de que a pessoa humana não deve ser tratada

apenas como sujeito de direitos, mas sim um sujeito com necessidades e

particularidades, variando de cidadão para cidadão. Segundo Costa, “as pessoas

concretas, os seres humanos de carne e osso, tão fundamentalmente desiguais em

suas possibilidades, aptidões e necessidades quanto são singulares em sua

personalidade, em seu ‘modo de ser’ peculiar.” (2010, p. 83).

Os seres humanos são diferentes uns dos outros, possuindo necessidades,

direitos e escolhas diversas, sendo importante o respeito à diversidade nos limites

da ordem pública, objetivando o bem comum e principalmente o bem-estar do

indivíduo e da coletividade.

Há uma grande dificuldade em se conceituar o princípio da dignidade da

pessoa humana. Nessa toada, Canotilho entende que:

O significado da dignidade da pessoa humana deve levar em consideração a ideia do indivíduo formador de si próprio e de sua vida segundo o seu projeto espiritual. Esta autonomia pode ser considerada como a capacidade potencial do ser humano de autodeterminar sua conduta. (2001, p. 44-45).

No mesmo sentido, Moraes (2000, p. 60-61) afirma que a dignidade da

pessoa humana assegura os direitos fundamentais, se manifestando de maneira

particular para cada indivíduo, englobando valores espirituais e morais.

Para Piovesan (2003, p. 382-398), além de ser um verdadeiro princípio

fundamental, deve-se conceder a máxima eficiência. Semelhante é o pensamento

de Silva apud Sarlet (2001, p. 87), preconizando que a dignidade da pessoa humana

“atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, inclusive do direito à

vida”, alegando-se que o Tribunal Constitucional da Espanha “reconheceu a íntima

vinculação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida,

considerando ambos como essenciais para a existência e especificação dos demais

direitos”.

Diante o exposto, compreende-se que independentemente do conceito

atribuído ao princípio da dignidade da pessoa humana, o mesmo assegurará os

26

direitos fundamentais de cada indivíduo, respeitando as particularidades de cada um

e apresentando suma importância na concretização dos demais direitos, pois está

diretamente ligado ao direito à vida (lembrando que ambos são invioláveis e

protegidos pela Constituição Federal).

27

3 DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SEUS PRINCÍPIOS

3.1 O início da Organização das Testemunhas de Jeová

Em 1845, Joseph e Ann Eliza Russell, um casal de imigrantes Irlandeses

chegaram à Pensilvânia, Estados Unidos, e tiveram cinco filhos – dentre eles,

Charles Taze Russell. A família enfrentou um turbulento período de guerra civil em

1861, cujo confronto ceifou a vida de 618 mil homens, sendo que os campos de

batalha ficavam próximos da casa onde a família vivia e trabalhava. 5

Charles Russell perdeu três irmãos, um aos cinco anos de idade e outros dois

antes de completarem nove anos. Pouco tempo depois, sua mãe também faleceu.

Desde então, o jovem se encontrava cheio de dúvidas, pois sua crença religiosa e

sua fé encontravam-se abaladas. Tornou-se comerciante e sócio de seu pai numa

crescente cadeia de lojas de roupas e gostava de ajudar as pessoas por meio de

obras de caridade.

Aos 25 anos, Russell possuía mais de 300 mil dólares, o equivalente hoje a 7

milhões de dólares. Mesmo com um patrimônio invejável, o jovem ainda procurava

sanar suas dúvidas religiosas e encontrar a verdade. 6

Em 1869, Russell ouviu pela primeira vez os conceitos dos adventistas

através do pregador Jonas Wendell, tendo sua fé fortemente restaurada. Após o

ocorrido, juntamente com seu pai (Joseph Russell) e alguns conhecidos em

Pittsburgh e Allegheny, formou um grupo para estudar a bíblia, baseando-se no

seguinte método: escolhiam um assunto, consultavam uma concordância bíblica,

examinavam todos os textos ligados a ele e anotavam suas conclusões.

Após cinco anos de estudo, o conhecimento que adquiriram fez com que

chegassem a algumas conclusões que desafiavam os conceitos religiosos da época.

Russell obteve a ajuda de alguns homens, dentre eles Jonas Wendell, Georg Storrs

5 TESTEMUNHAS de Jeová, fé em ação, parte 1: Da escuridão para a luz. Produção: Watchtower

Bible e Tract Society of New York. Brooklyn: Inc. 25 Columbia Heights, c. 2010. 1 DVD (62 min). 6 TESTEMUNHAS de Jeová, fé em ação, parte 1: Da escuridão para a luz. Produção: Watchtower

Bible e Tract Society of New York. Brooklyn: Inc. 25 Columbia Heights, c. 2010. 1 DVD (62 min).

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e Nelson Barbour, sendo este último o editor da revista “Herald Of The Morning”.

Numa viagem de negócios, Russell recebeu um exemplar da revista, ficando

surpreso que as ideias de Barbour eram compatíveis com as dele, não demorando

muito para que se unissem.7

Russell então passou a contribuir financeiramente para a impressão da

“Herald Of The Morning”, sendo que nessa mesma época vendeu sua parte nos

negócios para se dedicar integralmente à pregação. Aos 25 anos, já viajava de

cidade em cidade para falar com as pessoas em locais públicos, nas ruas e em

igrejas protestantes, inclusive pregando aos seus líderes.

Depois de 2 anos de parceria com Nelson Barbour, surgiu uma controvérsia:

Barbour escreveu um artigo para a revista o qual ia contra os ensinamentos da

bíblia. Russell, na qualidade de seu coeditor, não concordou, defendendo por meio

das páginas da referida publicação o seu ponto de vista. Decepcionado por Barbour

não aceitar o ensino bíblico, Russell pediu-lhe em particular que se demitisse ou lhe

vendesse sua parte da revista; depois de alguns meses, o grupo de Russell se

separou do de Barbour, cortando todos seus vínculos com a “Herald Of The

Morning”.8

Pouco tempo depois, Russell criou a revista “A Torre de Vigia de Sião e

Arauto da Presença de Cristo”, tendo seu primeiro número em inglês em julho de

1879. Desde seus primórdios, a publicação sempre promoveu os verdadeiros

ensinamentos bíblicos, fazendo com que muitos associados de Nelson Barbour

tomassem o lado de Russell. Entre 1879 e 1880, Russell e os leitores da Torre de

Vigia de Sião formaram 30 congregações, passando a ser chamados de “estudantes

da bíblia”.

Posteriormente, Russell e alguns cristãos dedicados fundaram uma sociedade

bíblica sem fins lucrativos, visando uma distribuição mais ampla de publicações da

bíblia em vários idiomas. Desde o início, eles decidiram que nunca pediriam dinheiro

em suas reuniões, sendo a obra sempre mantida por donativos. Russell começou a

7 TESTEMUNHAS de Jeová, fé em ação, parte 1: Da escuridão para a luz. Produção: Watchtower

Bible e Tract Society of New York. Brooklyn: Inc. 25 Columbia Heights, c. 2010. 1 DVD (62 min). 8 TESTEMUNHAS de Jeová, fé em ação, parte 1: Da escuridão para a luz. Produção: Watchtower

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publicar livros com os resultados de suas pesquisas bíblicas, contabilizando no total

seis volumes, recebendo a denominação de “Estudos das Escrituras”.9

Em 1881, o artigo “precisa-se de mil pregadores” convidou os leitores da

Torre de Vigia de Sião a participar na distribuição de publicações bíblicas, pregando

de casa em casa e levando a mensagem aos lares das pessoas.

Em 1903, o Carnegie Hall, localizado em Pittsburgh, foi o palco de um debate

de seis dias: Ephraim Eaton, pastor de uma igreja metodista episcopal e

representante de uma aliança de clérigos protestantes, estava determinado a acabar

com a influência de Russell, mostrando a todos que ele desconhecia a bíblia e não

estava qualificado para ir à tribuna para fazer pregações. No entanto, Russell se saiu

muito bem em sua apresentação, ganhando ainda mais influência, inclusive

passando a publicar um sermão por semana nos jornais dos Estados Unidos,

Canadá e alguns países da Europa.10

Os sermões de Russell saíam em 2 mil jornais, alcançando 15 milhões de

leitores. A mensagem estava se espalhando rapidamente, mas os estudantes da

bíblia estavam decididos a leva-la a toda parte do mundo. Para isso Russell planejou

uma campanha ainda mais intensiva. Até 1908, a obra tinha sido organizada na

cidade natal de Russell, Allegheny, que hoje faz parte de Pittsburgh, Pensilvânia; no

entanto para realizar um trabalho mais extenso e de alcance internacional, a sede

conhecida como “casa da bíblia” era pequena demais. 11

Naquele ano, Russell enviou Joseph Rutherford e outros irmãos a Nova York,

para adquirir um local mais adequado para a sede. Quando encontraram, o local

recebeu o nome de Betel, que significa “Casa de Deus”, sendo que os voluntários

que moravam ali passaram a ser chamados de “família de Betel”.

Em 1891, Russell e alguns associados já haviam viajado a outros países para

ajudar as pessoas espiritualmente. Numa viagem de mais de 27 mil quilômetros

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foram à Europa, Ásia e África, surgiu a necessidade de produzir publicações em

vários idiomas, logo tornando a obra conhecida internacionalmente. De 1909 a 1912,

Russel se empenhou ainda mais, viajando pela Europa, Oriente Médio e ao redor do

mundo.

Charles Taze Russell morreu aos 64 anos de idade durante uma viagem em

1916. Embora tenha tomado a dianteira na obra educativa bíblica naquela época,

Russell não foi o fundador de uma nova religião. O objetivo dele e dos outros

estudantes da bíblia, como o grupo era então conhecido, era divulgar os

ensinamentos de Jesus Cristo e seguir o modelo deixado pelos cristãos do primeiro

século.12

3.1.1 Fundamentos bíblicos para negar a transfusão de sangue,

posicionamento contrário e possível solução

Segundo as Testemunhas de Jeová, o sangue é considerado “líquido que

circula no sistema vascular dos humanos e da maioria dos animais multicelulares,

suprindo nutrientes e oxigênio de todas as partes do organismo”.

Consequentemente, tem objetivo de levar embora resíduos e desempenha função

de proteção contra infecções. É considerado uma composição química

extremamente complexa, tendo diversas características que os cientistas ainda

desconhecem.

A bíblia diz que a alma (a vida que uma pessoa ou um animal possui) está no

sangue, pois este está intimamente envolvido nos processos vitais. Em Levíticos

17:11 está explicito: “A alma da carne está no sangue, e eu mesmo o pus para vós

sobre o altar para fazer expiação pelas vossas almas, porque é o sangue que faz

expiação pela alma nele.”

12

TESTEMUNHAS de Jeová, fé em ação, parte 1: Da escuridão para a luz. Produção: Watchtower

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No mesmo sentido, em Levíticos 17:14: “Pois a alma de todo tipo de carne é

seu sangue.” Já em Gênesis 9:4: “Somente não comam a carne de um animal com

seu sangue, que é a sua vida”. Novamente, em Levítico 17:10: “Se algum homem

da casa de Israel ou algum estrangeiro que mora entre vocês comer o sangue de

qualquer criatura, eu certamente me voltarei contra aquele que comer o sangue, e o

eliminarei dentre seu povo”.

Também prega Deuteronômio 12:23: “Apenas esteja firmemente decidido a

não comer o sangue, porque o sangue é a vida; não coma a vida junto com a carne”.

Diante tais considerações é evidente que tanto a vida como o sangue são

considerados extremamente sagrados.

Dentro do tema existem diversos mitos sobre as Testemunhas de Jeová,

como por exemplo a alegação de que não utilizam nenhum tipo de remédio ou

tratamento médico, uma vez que acreditam que a fé pode curar doenças, evitando

assim as transfusões, pois são muito caras, consequentemente havendo muitas

mortes – incluindo as de crianças.

Tais afirmações não condizem com a natureza dessa religião, já que as

Testemunhas de Jeová sempre procuram o melhor tratamento possível, buscando

médicos especializados em realizar tratamentos e cirurgias sem utilizar sangue.

Com o passar do tempo, houveram inúmeros avanços na medicina em

relação ao tratamento sem sangue, que na maioria das vezes ocorreram em prol das

Testemunhas de Jeová, hoje sendo utilizadas em pessoas que não querem se

submeter ao risco de serem, por exemplo, contaminadas por doenças transmitidas

pelo sangue, ou desencadear reações do sistema imunológico ou sofrerem com erro

humano.

Nos dias atuais é comum médicos realizarem procedimentos cirúrgicos

complexos, como operações cardíacas, cirurgias ortopédicas e transplante de

órgãos sem o uso da transfusão de sangue. Pessoas que se submetem ao

procedimento sem o uso de sangue se recuperam tão bem ou até melhor do que

aqueles que aceitam a transfusão, sendo, portanto, incerto alegar que ao negar a

32

transfusão de sangue o paciente virá a óbito ou se aceitar o procedimento irá

sobreviver.

Para as Testemunhas de Jeová a questão do sangue é de ordem bíblica,

tendo em vista que acreditam que Deus entende melhor o funcionamento do corpo

humano, sabendo o que é melhor para as pessoas.

Para a corrente contrária a recusa da transfusão de sangue por motivos

religiosos, argumenta-se que o direito à vida é irrenunciável sob qualquer aspecto,

pois é considerado base para a existência de todos outros direitos. Como menciona

Moraes, “[...] o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se

constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.”

(2005, p. 31).

No mesmo sentido Silva (2005, p. 198), afirma que a vida é fonte primária de

todos os outros direitos. Mendes, Coelho e Branco (2009, p. 398) afirmam que se

trata de um direito e não uma mera liberdade, sendo que não se inclui a opção de

não viver. Desse modo, os poderes públicos deverão proteger o bem da vida mesmo

com a oposição de seu titular.

Os mesmos autores concluem que nos casos em que a vida estiver

correndo risco de ser violada, o Estado deverá defendê-la se utilizando das medidas

necessárias, mesmo que as ações supracitadas atinjam os direitos fundamentais e a

liberdade dos indivíduos (BRANCO; COELHO; MENDES, 2009, p. 400). Segundo o

Código Penal, no art. 146, §3º, I, não configura crime de constrangimento ilegal a

intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou seu

representante legal, se neste caso for justificada por eminente perigo de vida.

Nesse sentido, doutrina Lenza:

[...] se estiver o médico diante de urgência ou perigo iminente, ou se o paciente for menor de idade, pois, fazendo uma ponderação de interesses, não pode o direito à vida ser suplantado diante da liberdade de crença, até porque, a Constituição não ampara ou incentiva atos contrários à vida. (2009, p. 01).

33

Com relação à postura do médico, se esse não prestar a devida assistência

poderá configurar omissão de socorro, descrito no art. 135 do Código Penal.

O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução 1.931/2009, veda ao médico (art. 22) deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte, além de (Art. 31) desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. (2009, p. 173).

Diante de tais considerações acerca dos dois posicionamentos, resta saber

qual deles prevalecerá, sendo que nenhum direito é considerado absoluto. A solução

varia conforme cada caso concreto, devendo-se adotar o princípio que irá trazer

mais benefícios ou causar menos danos ao paciente. Portanto, o intérprete deverá

fazer escolhas fundamentadas, devendo aplicar os princípios de forma ponderada

(BARROSO, 2006, p. 346-347).

A ponderação é uma técnica de decisão jurídica aplicável aos casos difíceis,

que consiste em, quando a norma legal não for o suficiente, utilizar as normas da

mesma hierarquia quando presentes, como direito à vida e à liberdade de crença,

mas que indicam soluções diferentes ao caso: “o raciocínio ponderativo está sempre

associado às noções difusas de balanceamento e sopesamento de interesses, bens,

valores ou normas” (BARROSO, 2006, p. 347).

O procedimento de ponderação é composto por três etapas; a primeira etapa

identifica as normas aplicáveis, a segunda etapa compreende os fatos relevantes, ao

passo que a terceira etapa visa uma conclusão (BARROSO, 2006, p. 346-347).

Dessa forma, para solucionar o conflito da recusa à transfusão de sangue, o

intérprete fará jus a técnica de ponderação na qual leva-se em consideração o

princípio da proporcionalidade e razoabilidade, tendo como objetivo o sacrifício

mínimo dos direitos presentes no caso concreto.

Novelino dispõe que em grande parte da doutrina e da jurisprudência

brasileira “os termos proporcionalidade e razoabilidade são tratados como

equivalentes”. (2009, p. 170). Ainda sobre o assunto:

34

O princípio da proporcionalidade pode ser melhor compreendido pela análise de três requisitos: a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Adequação significa que as medidas tomadas sejam aptas a atingir o fim desejado. Necessidade significa verificar, se a medida tomada é a menos gravosa para alcançar os fins desejados, e a proporcionalidade em sentido estrito é a análise se as vantagens superam as desvantagens, [...] aferida por meio de uma ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. (NOVELINO, 2009, p. 174).

Diante do exposto, fica evidente a complexidade do tema em questão.

Segundo o parecer 1.931 de 2009 do Conselho Federal de Medicina, é concedido o

direito ao paciente da liberdade de escolha, manifestado pessoalmente sua

preferência ou por meio de seu representante legal, desde que não esteja em

eminente perigo de vida. Frisa-se que se aplica este posicionamento quando o

agente for absolutamente capaz, estando apto para manifestar a sua decisão,

existindo também tratamentos alternativos para o seu caso.

Para o autor Novelino (2009, p. 180), quando houver eminente risco de morte,

após esgotados todos os meios alternativos e restar apenas a transfusão de sangue

como meio de salvação, esta deverá ser efetuada mesmo contra a vontade do

paciente. Dessa forma, o médico não é passível de punição, pois sua conduta tem

respaldo no ordenamento jurídico.

Quando se tratar de pessoa incapaz ou inconsciente, os pais ou responsáveis

não poderão substitui-la na manifestação de vontade, pois nesse caso a vida do

incapaz deve ser protegida até o momento em que possa exercer seus direitos

individuais conscientemente, incluindo o direito à liberdade religiosa.

O médico deverá agir em caso de eminente perigo de vida, mesmo se houver

possíveis divergências inerentes ao procedimento, sob pena de responsabilização

no caso de omissão e o paciente vier a falecer.

3.1.2 Riscos inerentes à transfusão de sangue

35

No início do século XX, os cientistas se aprofundaram no estudo da

complexidade do sangue, descobrindo que há diferentes tipos sanguíneos e que

havia necessidade de compatibilizar o sangue do doador com o sangue do paciente,

visto que, se alguém com o sangue do tipo A receber o sangue do tipo B, poderia

apresentar reação hemolítica, consequentemente destruindo muitas hemácias e

levando o paciente à morte. 13

Nos dias atuais, a classificação do tipo sanguíneo e os testes de

compatibilização são rotineiros, mas há casos em que ainda acontecem erros,

resultando na morte dos pacientes por reações hemolíticas.

Os fatos mostram que a questão da incompatibilidade vai muito além dos relativamente poucos tipos sanguíneos que os hospitais procuram compatibilizar. Por quê? Bem, o Dr. Douglas H. Posey Jr., em seu artigo “Transfusão de Sangue: Usos, Abusos e Riscos”, declara: “Há cerca de 30 anos, Sampson descreveu a transfusão de sangue como um procedimento relativamente perigoso […] [Desde então] pelo menos 400 antígenos adicionais das hemácias foram identificados e caracterizados. Não resta dúvida de que tal número continuará a aumentar, porque a membrana da hemácia é tremendamente complexa.”

14

Em um determinado procedimento cirúrgico, existe a possibilidade do sistema

imunológico da pessoa que recebe a doação detectar a presença de tecido estranho

e rejeitá-lo, mesmo quando há a devida compatibilização. 15

Uma das funções do sistema imunológico é a de detectar e destruir as células

do câncer. Assim, surge a seguinte dúvida: se a imunidade for suprimida, o indivíduo

pode desenvolver câncer ou até mesmo ser levado a óbito? Nesse sentido, há os

seguintes comunicados:

13

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 14

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em: <https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 15

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016.

36

O periódico Cancer (15 de fevereiro de 1987) forneceu os resultados dum estudo realizado nos Países-Baixos: “Em pacientes com câncer do cólon, notou-se significativo efeito adverso da transfusão sobre a sobrevida a longo termo. Neste grupo havia uma sobrevida cumulativa geral de 5 anos de 48% dos pacientes transfundidos e de 74% para os não-transfundidos. ” Médicos da Universidade do Sul da Califórnia, EUA, fizeram o acompanhamento de cem pacientes submetidos à cirurgia de câncer. “A taxa de recidiva para todos os casos de câncer da laringe era de 14% para os que não receberam sangue, e de 65% para os que receberam. Para o câncer na cavidade oral, da faringe, e do nariz ou sinus, a taxa de recidiva era de 31% sem as transfusões, e de 71% com as transfusões.”

16

Especialistas realizaram um estudo que envolvia cirurgias colorretais, sendo

constatado que os pacientes que receberam transfusão de sangue, 25% contraíram

infecções em comparação com 4% dos que não receberam transfusão. Acrescenta

ainda que as transfusões estão ligadas às infecções quando o método é aplicado na

fase pré, intra ou pós-operatória, sendo que pós-operatória o risco de infecção

aumentava progressivamente na medida em que era utilizado mais sangue. 17

Em 1989 houve uma reunião da Associação Americana dos Bancos de

Sangue, na qual foi divulgado que 23% dos pacientes que receberam sangue

durante uma operação de substituição de quadril, contraíram infecções e os que não

receberam sangue, não tiveram nenhuma infecção.18

Algumas infecções e doenças ocasionadas pela transfusão de sangue são:

sífilis, infecção por citomegalovírus, malária, herpes, mononucleose infecciosa (vírus

de Epstein-barr), toxoplasmose, tripanossomíase, doença do sono africana, doença

de chagas, leishmaniose, brucelose (febre ondulante), tifo, filariose, sarampo,

salmonelose e a febre de carrapatos do Colorado.

Um grande número de pessoas já ficou muito doente e morreu devido a esse tipo de hepatite, que não possui um tratamento específico. De acordo com a revista U.S.News & World Report (1.° de maio de 1989), cerca de 5

16

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em: <https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 17

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 18

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016.

37

por cento dos que recebem sangue, nos Estados Unidos, contraem hepatite — 175.000 pessoas por ano. Cerca da metade delas tornam-se portadores crônicos, e, pelo menos,1 de cada 5 manifesta a cirrose hepática, ou o câncer do fígado. Calcula-se que 4.000 delas morrem.

19

Os médicos consideram que a forma mais branda de hepatite é a do tipo A, a

qual é transmitida por alimentos ou águas contaminadas. Também perceberam que

o tipo mais grave de hepatite se espalhava por meio do sangue, mas, na época, não

possuíam nenhum meio de detectá-la.

Com o tempo alguns cientistas aprenderam a identificar “pegadas” do vírus da

hepatite do tipo B, sendo que no início da década de 70 alguns países passaram a

realizar testes sanguíneos preventivos. Dessa forma os estoques de sangue

pareciam seguros. Não demorou muito tempo para ficar constatado que milhares de

pessoas que tinham recebido o sangue aprovado nos testes, foram contaminados

pela hepatite. Houve uma indagação entre os médicos, sendo que o sangue foi

devidamente testado e ainda possuía o vírus. 20

Foi encontrada outra forma de hepatite chamada de não-A, não-B (sigla em

inglês, NANB). Tal modalidade do vírus durou por uma década oscilando nas

transfusões de sangue. O índice de contaminação era entre 8% e 17% dos

transfundidos na Espanha, Estados Unidos, Israel, Itália e Suécia.21

Em abril de 1989, foi disponibilizado um teste para a NANB, que passou a ser

chamada de hepatite C.

Com efeito, pesquisadores italianos comunicaram ter encontrado outro vírus da hepatite, um mutante, que poderia ser responsável por um terço dos casos. “Algumas autoridades”, comentou o boletim Harvard Medical School Health Letter (de novembro de 1989), “preocupam-se de que o A, o B, o C, e o D não sejam todo o alfabeto dos vírus da hepatite; ainda podem aflorar

19

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 20

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 21

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016.

38

outros”. O jornal The New York Times (13 de fevereiro de 1990) declarava: “Os peritos têm fortes suspeitas de que outros vírus possam causar a hepatite; se descobertos, eles serão designados hepatite E, e assim por diante. ”

22

Ao longo do tempo surgiram novas pesquisas com intuito de tornar mais

seguros os testes de constatação de possíveis doenças transmitidas pelo sangue.

Porém, ainda é motivo de alerta as coletas de sangue em países que têm a

proliferação de uma doença específica cujos estoques podem ser eventualmente

utilizados em locais distantes, onde os médicos não estão preparados para os seus

perigos.

Portanto, é de suma importância que sejam feitos testes de detecção, para

impedir a transmissão de várias moléstias que não eram, anteriormente,

consideradas infecciosas, inclusive a leucemia, o linfoma e a demência ou mal de

Alzheimer. 23 Segundo a Resolução-RDC/ANVISA nº 153 de 14 de junho de 2004:

Determina o Regulamento Técnico para os procedimentos hemoterápicos, incluindo a coleta, o processamento, a testagem, o armazenamento, o transporte, o controle de qualidade e o uso humano de sangue, e seus componentes, obtidos do sangue venoso, do cordão umbilical, da placenta e da medula óssea. REGULAMENTO TÉCNICO PARA PROCEDIMENTOS DE HEMOTERAPIA A - PRINCÍPIOS GERAIS A.1 - Toda transfusão de sangue traz em si um risco, seja imediato ou tardio, devendo, portanto, ser criteriosamente indicada.

Dessa forma, evidencia-se que o sangue poderá trazer riscos imediatos ou

tardios se não for devidamente submetido a testes de detecção de doenças.

3.1.3 Métodos eficientes que podem substituir a transfusão de sangue

22

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 23

AS transfusões de sangue: quão seguras são? Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/As-transfus%C3%B5es-de-sangue-qu%C3%A3o-seguras-s%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016.

39

Por muito tempo as Testemunhas de Jeová são criticadas pela recusa à

transfusão de sangue, pois tal conduta tem como fundamento a ordem bíblica de “se

abster de sangue”. Essa escolha gera muitos conflitos entre a crença das

Testemunhas de Jeová e o que os médicos acreditam ser mais benéfico para seus

pacientes.

Com o passar do tempo está aumentando o número de médicos que

aconselham a realização de métodos que não envolvam a transfusão de sangue por

razões clínicas24.

Em 2013, a revista Stanford Medicine Magazine, da Universidade de Medicina de Stanford, publicou uma série especial de reportagens sobre o sangue. Uma delas é intitulada “Contra a prática geral — Por que diminuíram as transfusões de sangue?” A autora dessa reportagem, Sarah C. P. Williams, declarou: “Durante os últimos dez anos, um número cada vez maior de pesquisas revelou que, no mundo todo, os hospitais fazem mais transfusões de sangue doado do que é realmente necessário para tratar os pacientes — tanto em salas de cirurgia como em enfermarias.” A autora cita a dr.ª Patricia Ford, fundadora e diretora do Centro de Medicina e Cirurgia sem Sangue do Hospital Pensilvânia. A dr.ª Ford disse: “Existe a ideia arraigada na cultura médica de que as pessoas irão morrer se o nível de sangue estiver baixo, de que o sangue é o salvador de vidas. Isso é verdade em algumas situações, * mas na maioria das vezes, e para a maioria dos pacientes, isso não é verdade.” A dr.ª Ford, que trata de umas 700 Testemunhas de Jeová por ano, acrescentou: “Muitos médicos com quem conversei [...] tinham a ideia errada de que muitos pacientes morreriam se não recebessem sangue. [...] eu mesma acreditava nisso. Mas o que eu logo aprendi é que você pode cuidar desses pacientes utilizando algumas estratégias simples”.

25

Uma pesquisa publicada em agosto de 2012 pela revista Archives Of Internal

Medicine, realizada durante 28 anos com pacientes que foram submetidos a cirurgia

cardíaca, mostra que os que são testemunhas de jeová tiveram melhores resultados

24

TRANSFUSÕES de sangue: o que muitos médicos dizem agora. Disponível em: <https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/atividades/principios-biblicos-em-acao/transfusoes-de-sangue/#?insight[search_id]=9575a171-47e4-4ef2-ba96-38e42f9ce505&insight[search_result_index]=2>. Acesso em: 5 jun. 2016. 25

TRANSFUSÕES de sangue: o que muitos médicos dizem agora. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/atividades/principios-biblicos-em-acao/transfusoes-de-sangue/#?insight[search_id]=9575a171-47e4-4ef2-ba96-38e42f9ce505&insight[search_result_index]=2>. Acesso em: 5 jun. 2016.

40

do que os pacientes que receberam transfusão de sangue. Dessa forma tiveram

menos complicações hospitalares e maior índice de sobrevida às cirurgias.26

The Wall Street Journal, publicou um artigo sobre o tema em 8 de abril de 2013, declarando: Cirurgias sem sangue [...] já são feitas há anos em pacientes que têm alguma objeção religiosa a transfusões. Agora, cada vez mais os hospitais estão adotando a prática. [...]. Os cirurgiões que defendem os procedimentos sem sangue dizem que, além de reduzir os custos envolvidos na compra, no armazenamento, no processamento, nos testes e nas transfusões de sangue, essas técnicas também reduzem o risco de infecções e complicações relacionadas à transfusão que mantêm os pacientes no hospital por ainda mais tempo.

27

As Testemunhas de Jeová visam obter um tratamento médico de qualidade e

que vá atender suas necessidades. São necessários dois elementos-chaves para

um tratamento médico de qualidade: a capacidade de alcançarem alvos médicos e

não-médicos legítimos. O os alvos não-médicos incluiriam não violar a ética ou a

consciência do paciente, baseada na bíblia.

Em alguns casos a transfusão de sangue é realizada desnecessariamente,

podendo causar efeitos colaterais, sendo que existem meios eficazes alternativos de

tratamento. A maioria dos cirurgiões afirma só usar a transfusão quando é

absolutamente necessária, sendo que diminuíram o uso deste método depois do

surgimento da epidemia da AIDS. 28

Quando uma pessoa perde muito sangue em um curto espaço de tempo, cai

a pressão arterial podendo entrar em choque hipovolêmico, sendo necessário cessar

a hemorragia e posteriormente restaurar o volume do sistema circulatório. Com tais

procedimentos alternativos será impedido o choque e irá manter em circulação as

26

TRANSFUSÕES de sangue: o que muitos médicos dizem agora. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/atividades/principios-biblicos-em-acao/transfusoes-de-sangue/#?insight[search_id]=9575a171-47e4-4ef2-ba96-38e42f9ce505&insight[search_result_index]=2>. Acesso em: 5 jun. 2016. 27

TRANSFUSÕES de sangue: o que muitos médicos dizem agora. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/atividades/principios-biblicos-em-acao/transfusoes-de-sangue/#?insight[search_id]=9575a171-47e4-4ef2-ba96-38e42f9ce505&insight[search_result_index]=2>. Acesso em: 5 jun. 2016. 28

TRANSFUSÕES de sangue: o que muitos médicos dizem agora. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/atividades/principios-biblicos-em-acao/transfusoes-de-sangue/#?insight[search_id]=9575a171-47e4-4ef2-ba96-38e42f9ce505&insight[search_result_index]=2>. Acesso em: 5 jun. 2016.

41

restantes hemácias e outros componentes do sangue. A reposição do volume do

plasma que foi perdido poderá ser recuperado sem utilizar sangue total ou plasma

sanguíneo.29

As Testemunhas de Jeová não aceitam também transfusões de hemácias,

leucócitos, plaquetas ou de plasma sanguíneo e frações menores como de

imunoglobinas. 30

Diversos líquidos que não contêm sangue constituem eficazes expansores do volume do plasma. O mais simples de todos é a solução salina, que é tanto barata como compatível com o nosso sangue. Existem também líquidos dotados de propriedades especiais, tais como a dextrana, o Haemaccel, e a solução de lactato de Ringer. A hidroxietila de amido (HES; amido-hidroxietil) é um mais recente expansor do volume do plasma e “pode ser seguramente recomendado para aqueles pacientes [queimados], que objetem a produtos de sangue”. (Journal of Burn Care & Rehabilitation, janeiro/fevereiro de 1989) Tais líquidos apresentam vantagens definitivas. “Soluções cristalóides [tais como a solução salina normal e o lactato de Ringer], o Dextran e o HES são relativamente atóxicos e baratos, prontamente disponíveis, podem ser estocados à temperatura ambiente, não exigem testes de compatibilidade e estão isentos do risco de doenças transmitidas pela transfusão. “

31

Quando o paciente tiver uma perda significativa de sangue, portanto

possuindo menos glóbulos vermelhos, os médicos podem restaurar o volume do

plasma, administrando o oxigênio em alta precisão. Tal prática tem gerado

resultados positivos.

Há também a possibilidade de os médicos ajudarem os pacientes a formar

mais glóbulos vermelhos, dando-lhes concentrados de ferro no músculo ou na veia,

29

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 30

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 31

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016.

42

ajudando a produzir glóbulos vermelhos três a quatro vezes mais rápido que o

normal.32

Outro método é a utilização do hormônio chamado de eritropoietina (EPO),

produzida pelos rins, tal hormônio estimula a medula óssea a produzir hemácias.

Para esse procedimento encontra-se disponível a EPO sintética, sendo aplicada em

pacientes anêmicos, para ajudar-lhes a produzir glóbulos vermelhos mais

rapidamente.

Cirurgiões e anestesiologistas, podem ajudar em técnicas para evitar a perda

de sangue, tais como o bisturi elétrico para minimizar a hemorragia, aspirar e filtrar o

sangue que flua em um ferimento, para posteriormente repor em circulação.33

O aparelho coração-pulmão tem como volume de escorva um líquido isento

de sangue, podendo beneficiar da hemodiluição, consequentemente perdendo

menos glóbulos vermelhos.

Existem vários outros meios de tratamentos alternativos, como resfriar um

paciente para reduzir o consumo de oxigênio durante uma cirurgia; anestesia

hipotensiva; terapia para melhorar a coagulação sanguínea; desmopressina para

abreviar o tempo de sangramaneto; bisturis a laser. 34

Muitas pessoas não aceitam a transfusão de sangue por motivo de saúde,

desse modo visam obter o mesmo tratamento de qualidade que as Testemunhas de

Jeová buscam, sendo possível a realização de cirurgias sem o uso de sangue.

Crianças pequenas também? Quarenta e oito operações pediátricas de coração aberto foram realizadas com técnicas que não utilizavam sangue, apesar de sua complexidade cirúrgica. Algumas crianças eram bem pequenas, chegando a pesar somente 4,7 quilos. Devido ao êxito contínuo em Testemunhas de Jeová, e ao fato de que transfusões de sangue

32

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 33

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 34

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em:

<https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016.

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envolvem o risco de graves complicações, nós estamos atualmente realizando a maioria de nossas operações cardíacas pediátricas sem transfusões. [...] O artigo “Grande Substituição Quádrupla da Articulação em Membro das Testemunhas de Jeová” (Orthopaedic Review, agosto de 1986) falou de um paciente anêmico em “adiantado estado de degeneração, tanto dos joelhos como dos quadris”. Utilizou-se a dextrana ferrosa antes e depois da cirurgia, feita por etapas, que teve êxito. A revista British Journal of Anaesthesia (1982) noticiou a respeito duma Testemunha de 52 anos, com taxa de hemoglobina inferior a 10. Empregando-se a anestesia hipotensiva para minimizar a perda de sangue, ela recebeu uma prótese total do quadril e do ombro. Uma equipe cirúrgica da Universidade de Arkansas (EUA) também empregou esse método em cem substituições do quadril de Testemunhas e todos os pacientes se recuperaram. [...] O transplante de órgãos poderá ser feito, desde que sem a utilização de sangue. Nesse sentido um informe sobre 13 transplantes de rins (Transplantation, junho de 1988) concluía: “Os resultados gerais sugerem que o transplante renal pode ser aplicado, segura e eficazmente, à maioria das Testemunhas de Jeová. ”35

A recusa da transfusão não teve eventuais problemas até mesmo para os

bem-sucedidos transplantes de coração, ou em grandes operações ginecológicas e

obstétricas em mulheres, não existindo maior número de óbitos ou complicações.

Na Alemanha, no hospital da Universidade de Göttingen, trinta pacientes

que negaram a transfusão de sangue foram submetidos à cirurgia geral, a qual não

resultou nenhuma complicação diferente dos que aceitaram o sangue.36 Empregou-

se da mesma forma o método até em neurocirurgias realizadas no Centro Médico da

Universidade de Nova Iorque, EUA, em 1989.37

Conclui-se desta forma que a atitude das Testemunhas de Jeová em evitar a

transfusão de sangue não significa que desejam assegurar o direito à morte, pelo

contrário, buscam apenas tratamentos médicos de qualidade no intuito de se

recuperarem, sem ir contra os seus preceitos religiosos.

35

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em: <https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 36

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em: <https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016. 37

ALTERNATIVAS de qualidade para a transfusão. Disponível em: <https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Alternativas-de-qualidade-para-a-transfus%C3%A3o/>. Acesso em: 5 jun. 2016.

44

4 LIBERDADE RELIGIOSA É DIREITO INDISPONÍVEL

4.1 Normas que asseguram ao médico realizar a transfusão de sangue sem o consentimento do paciente

A recusa de se submeter à transfusão de sangue das Testemunhas de Jeová

gera diversos litígios nas relações entre médicos e pacientes, ao passo que casos

que envolvem esse tema são cada vez mais comuns no dia a dia hospitalar.

Essa controvérsia pode ocorrer em uma situação de emergência em que haja

a necessidade da transfusão, estando, de um lado, o direito do paciente em recusar

o tratamento médico por motivo de crença religiosa e, do outro, a figura e a

autonomia do médico em atuar objetivando o zelo pela vida e pela saúde do

enfermo.

Presente tal situação, o médico deverá basear-se em dispositivos legais e

éticos vigentes no território brasileiro para tomar uma decisão consciente. Dentre os

dispositivos disponíveis, encontra-se o art. 5º da Constituição Federal, que trata dos

direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sendo o principal deles a vida (do

qual decorrem os demais direitos) e a liberdade de crença religiosa (faculdade do

indivíduo em orientar-se segundo suas posições religiosas).

Segundo Moraes (2007, p. 119), “a religião é um complexo de princípios que

dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por

compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto”.

Os pacientes e/ou seu representante legal, Testemunhas de Jeová, alegam a liberdade de crença e de consciência, o direito à intimidade e à privacidade, os princípios da legalidade e da dignidade da pessoa humana, questões bíblicas, bem como riscos da transfusão sanguínea.

38

38

BERRI, C. H. G. Conduta médica no atendimento a pacientes testemunhas de jeová. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12304>. Acesso em: 5 mai. 2016.

45

Dessa forma evidencia-se um conflito, estando de um lado o direito à vida e,

de outro, a liberdade religiosa. Como já suscitado, o direito à vida antecede os

demais direitos, pois sem a vida não seria possível resguardar os demais.

O art. 135 do Código Penal prevê o crime de omissão de socorro, que

consiste em deixar de prestar assistência quando possível fazê-lo sem risco pessoal,

à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao

desamparado ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro

para autoridade pública. A pena é a detenção de um a seis meses, ou multa, sendo

aumentada pela metade se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, ou

triplicada se tiver como resultado a morte.

O Código Penal ainda prevê em seu art. 146, §3º, I, o crime de

constrangimento ilegal, com ressalva nos casos de intervenção médica ou cirúrgica,

sem o consentimento do paciente ou do representante legal, se justificada por

iminente perigo de vida.

Os menores de idade são incluídos nessas normas: o Estatuto da Criança e

Adolescente estabelece o dever de proteção à vida e a integridade do menor. Já no

âmbito ético da medicina, que tem seu sistema baseado no Código de Ética Médica,

é reforçada a ideia de que o paciente deve estar ciente dos procedimentos a serem

realizados, conferindo mais autonomia ao mesmo.39

Quando não há risco iminente, poderá o paciente ou representante legal

escolher o tratamento médico de sua escolha, devendo o médico respeitar tais

decisões. Assim dispõe o Código de Ética Médica (CEM):

Capítulo III – Responsabilidade Profissional É vedado ao médico: Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência [...] Capitulo IV - Dos Direitos Humanos É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte [...]

39

BERRI, C. H. G. Conduta médica no atendimento a pacientes testemunhas de jeová. Rio

Grande: Âmbito Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12304>. Acesso em: 5 mai. 2016.

46

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo [...] Capitulo V - Relação com pacientes e familiares É vedado ao médico: Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Também no codex em comento, estão presentes os princípios fundamentais

norteadores dos profissionais médicos:

Capitulo I - Princípios Fundamentais [...] II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

Os dispositivos mencionados visam resguardar o direito à vida do paciente,

sendo o dever do médico zelar pela sua preservação, deixando claro que a opção de

tratamento do paciente ou de seu representante legal não será válido em casos de

iminente perigo de morte.

De acordo com os incisos VII e VIII do Capítulo I do CEM, é garantido ao

médico a autonomia e liberdade profissional, por conseguinte, não sendo obrigado a

prestar serviços que contrariem seus princípios e sua consciência, salvo em

situações de ausência de outro médico, de emergência, ou quando sua recusa

possa trazer danos à saúde do paciente.

Sendo assim, se ocorrer qualquer fato que, a critério do médico, prejudique o

bom relacionamento com o paciente ou o pleno desenvolvimento profissional, tem o

direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente

ou seu representante legal, assegurando a continuidade dos cuidados e fornecendo

47

todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder (art. 36, §1º, do

CEM).40

Dessa forma compreende-se com base na legislação mencionada que

mesmo havendo uma colisão entre os dois princípios fundamentais tipificados na

Constituição Federal, em casos de iminente risco de morte, prevalece resguardada a

inviolabilidade do direito à vida, tendo como objetivo evitar um dano irreparável ao

paciente.41

Nesta área, interessante analisar as seguintes decisões judiciais a respeito do

tema:

TJ-RS. APELAÇÃO CÍVEL: AC 70020868162 RS. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. RECUSA DE TRATAMENTO. INTERESSE EM AGIR. Carece de interesse processual o hospital ao ajuizar demanda no intuito de obter provimento jurisdicional que determine à paciente que se submeta à transfusão de sangue. Não há necessidade de intervenção judicial, pois o profissional de saúde tem o dever de, havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligências necessárias ao tratamento da paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus familiares. Recurso desprovido.

No mesmo sentido:

TRF-4. APELAÇÃO CIVEL: AC 155 RS 2003.71.02.000155-6. DIREITO À VIDA. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE INDEFERIDA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA E DIREITO À VIDA. IMPOSSIBILIDADE DE RECUSA DE TRATAMENTO MÉDICO QUANDO HÁ RISCO DE VIDA DE MENOR. VONTADE DOS PAIS SUBSTITUÍDA PELA MANIFESTAÇÃO JUDICIAL. O recurso de agravo deve ser improvido porquanto à denunciação da lide se presta para a possibilidade de ação regressiva e, no caso, o que se verifica é a responsabilidade solidária dos entes federais, em face da competência comum estabelecida no art. 23 da Constituição federal, nas ações de saúde. A legitimidade passiva da União é indiscutível diante do art. 196 da Carta Constitucional. O fato de a autora ter omitido que a necessidade da medicação se deu em face da recusa à

40

BERRI, C. H. G. Conduta médica no atendimento a pacientes testemunhas de jeová. Rio

Grande: Âmbito Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12304>. Acesso em: 5 mai. 2016. 41

BERRI, C. H. G. Conduta médica no atendimento a pacientes testemunhas de jeová. Rio

Grande: Âmbito Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12304>. Acesso em: 5 mai. 2016.

48

transfusão de sangue, não afasta que esta seja a causa de pedir, principalmente se foi também o fundamento da defesa das partes requeridas. A prova produzida demonstrou que a medicação cujo fornecimento foi requerido não constitui o meio mais eficaz da proteção do direito à vida da requerida, menor hoje constando com dez anos de idade. Conflito no caso concreto dois princípios fundamentais consagrados em nosso ordenamento jurídico-constitucional: de um lado o direito à vida e de outro, a liberdade de crença religiosa. A liberdade de crença abrange não apenas a liberdade de cultos, mas também a possibilidade de o indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas. No caso concreto, a menor autora não detém capacidade civil para expressar sua vontade. A menor não possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação pata decidir conforme sua vontade. Esta é substituída pela de seus pais que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue. Os pais podem ter sua vontade substituída em prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio direito à vida. A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada a preservar à saúde da autora: é necessária porque em face do risco de vida a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim ponderando-se entre vida e liberdade de crença, pesa mais o direito à vida, principalmente em se tratando não da vida de filha menor impúbere. Em consequência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte. Logo, tendo em vista o pedido formulado na inicial, limitado ao fornecimento de medicamentos, e o princípio da congruência, deve a ação ser julgada improcedente. Contudo, ressalva-se o ponto de vista ora exposto, no que tange ao direito à vida da menor.

Por fim:

TJ-RS. APELAÇÃO CIVEL: AC 595000373. CAUTELAR. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. NÃO CABE AO PODER JUDICIÁRIO, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, AUTORIZAR OU ORDENAR TRATAMENTO MÉDICO-CIRÚRGICOS E/OU HOSPITALARES, SALVO CASOS EXCEPCIONALÍSSIMOS E SALVO QUANDO ENVOLVIDOS OS INTERESSES DE MENORES. SE IMINENTE O PERIGO DE VIDA, É DIREITO E DEVER DO MÉDICO EMPREGAR TODOS OS TRATAMENTOS, INCLUSIVE CIRÚRGICOS, PARA SALVAR O PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DESTE, E DE SEUS FAMILIARES E DE QUEM QUER QUE SEJA, AINDA QUE A OPOSIÇÃO SEJA DITADA POR MOTIVOS RELIGIOSOS. IMPORTA AO MÉDICO E AO HOSPITAL E DEMONSTRAR QUE UTILIZARAM A CIÊNCIA E A TÉCNICA APOIADAS EM SÉRIA LITERATURA MÉDICA, MESMO QUE HAJA DIVERGÊNCIAS QUANTO AO MELHOR TRATAMENTO. O JUDICIÁRIO NÃO SERVE PARA DIMINUIR OS RISCOS DA PROFISSÃO MÉDICA OU DA ATIVIDADE HOSPITALAR. SE TRANSFUSÃO DE SANGUE FOR TIDA COMO IMPRESCINDÍVEL, CONFORME SÓLIDA LITERATURA MÉDICO-CIENTÍFICA (NÃO IMPORTANDO NATURAIS DIVERGÊNCIAS), DEVE SER CONCRETIZADA, SE PARA SALVAR A VIDA DO PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ, MAS DESDE QUE HAJA URGÊNCIA E PERIGO IMINENTE DE VIDA (ART. 146, § 3º, INC. I, DO CÓDIGO PENAL). CASO CONCRETO EM QUE NÃO SE VERIFICAVA TAL URGÊNCIA. O DIREITO À VIDA ANTECEDE O DIREITO À LIBERDADE, AQUI INCLUÍDA A LIBERDADE DE RELIGIÃO; É FALÁCIA

49

ARGUMENTAR COM OS QUE MORREM PELA LIBERDADE POIS, AÍ SE TRATA DE CONTEXTO FÁTICO TOTALMENTE DIVERSO. NÃO CONSTA QUE MORTO POSSA SER LIVRE OU LUTAR POR SUA LIBERDADE. HÁ PRINCÍPIOS GERAIS DE ÉTICA E DE DIREITO, QUE ALIÁS NORTEIAM A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, QUE PRECISAM SE SOBREPOR AS ESPECIFICIDADES CULTURAIS E RELIGIOSAS; SOB PENA DE SE HOMOLOGAREM AS MAIORES BRUTALIDADES; ENTRE ELES ESTÃO OS PRINCÍPIOS QUE RESGUARDAM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS COM A VIDA E A DIGNIDADE HUMANAS. RELIGIÕES DEVEM PRESERVAR A VIDA E NÃO EXTERMINÁ-LA.

Diante o exposto, conclui-se que ao analisar a situação clínica do paciente,

não havendo perigo de vida, deverá o médico respeitar suas convicções religiosas,

não o submetendo à transfusão de sangue; caso houver iminente risco de morte,

deverá realizar o procedimento necessário para resguardar a vida do paciente,

devendo utilizar o sangue de forma moderada e com bom senso, apenas para tirar o

enfermo da zona de risco e não para conduzi-lo a níveis hematimétricos tradicionais.

O médico sempre terá como objetivo proteger e zelar pela saúde e a vida das

pessoas, independentemente de crença, sendo que a vida é o direito mais

importante que existe, pois sem ela não é possível exercer os demais.42

4.2 Responsabilidade civil em caso de recusa de tratamento vital

Como já visto, é “vedado ao médico efetuar qualquer procedimento sem o

esclarecimento e o consentimento prévio do paciente ou de seu representante legal”

(art. 46 do CEM). Por sua vez, o art. 48 do CEM prevê a impossibilidade de o

“médico exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir

livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar”.

Desse modo, o paciente que não aceita a transfusão proposta pelo médico,

estará exercendo seu direito com base nos princípios da dignidade da pessoa

humana e da liberdade de crença religiosa. No mesmo sentido, o art. 15 do Código

42

BERRI, C. H. G. Conduta médica no atendimento a pacientes testemunhas de jeová. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12304>. Acesso em: 5 mai. 2016.

50

Civil e 5º da Constituição Federal, preveem o direito de o paciente recusar

determinado tratamento médico, mesmo se viabilizar o salvamento de sua vida.43

A Constituição Federal não trata apenas do direito à vida (que consiste

apenas em viver), mas traz em seu bojo também a proteção à vida digna, ou seja, o

direito de viver com dignidade. O citado princípio engloba sentimentos pessoais,

culturais, morais e emocionais os quais podem ser feridos caso haja o procedimento

do tratamento sem o consentimento do paciente.

Portando não é possível falar em dignidade quando tais valores mencionados

são desrespeitados, sendo que não haveria liberdade de crença por não poder

exercer seus valores perante a sociedade. O princípio da bioética da autonomia

reconhece o direito de escolha do paciente referente a tratamentos ou intervenção

cirúrgica na qual ferem suas convicções religiosas. 44 Segundo Ronald Dworkin:

A autonomia da vontade está frequentemente em jogo, sendo que um paciente pode se recusar a receber tratamento, cirurgia ou transfusão sanguínea necessária para salvar sua vida, se estes procedimentos ofenderem suas convicções religiosas ou até sob outro fundamento plausível. (2003, p. 319).

Os que são contrários a esta linha de raciocínio defendem a tese de que a

conduta do médico ao realizar o procedimento forçado estará protegendo um bem

maior, qual seja, a vida. Tal argumento encobre abusos e discriminação contra

algumas religiões, pois numa democracia a liberdade religiosa e as opções de

terceiros devem ser respeitadas.45

43

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016. 44

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016. 45

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016.

51

Os doutrinadores entendem ser legítima e legal a postura das Testemunhas

de Jeová ao se absterem de tratamentos que envolvam o sangue, tendo o médico

uma postura ética ao respeitar a escolha do paciente, caso contrário, a dignidade e a

autonomia dessa pessoa será violada.

Ao que parece, o direito de recusa à intervenção médica fundado na liberdade e integridade da pessoa humana, em suas convicções religiosas ou filosóficas ou sob outro fundamento ponderoso há de prevalecer, não havendo, portanto, conflito entre o direito à vida, privacidade e liberdade, pois todos esses direitos devem ser compreendidos em conjunto. O direito à vida é dirigido contra a sociedade e contra o Estado, ou seja, inviolável contra terceiros, sendo este seu correto alcance. No mais, vige a ampla liberdade e o direito à integridade da pessoa humana.

46

Nesse mesmo raciocínio, os pais ou os responsáveis têm a legitimidade para

escolher se aceitam ou negam a submissão de determinado tratamento médico para

seus filhos menores ou pessoas incapazes que não podem expressar seu

consentimento. Bittar (2008, p. 72-73) acrescenta que se o ato médico não necessita

de urgência, nenhum profissional deverá coagir o paciente a receber qualquer tipo

de intervenção, sob pena de responsabilidade civil.

Em sentido contrário ao exposto, há autores que defendem ser possível uma

intervenção médica de maneira forçada em determinados casos, visando proteger a

vida do paciente.

Quando está presente iminente perigo de morte, como já abordado, o médico

estará autorizado a realizar o procedimento essencial para a conservação da

integridade física do indivíduo, não estando passível de punição, uma vez que sua

conduta é lícita e tipificada. Decorre-se desse entendimento que seu ato não é

legitimado pelo consentimento do paciente ou de seu representante legal, mas sim

pela indiscutível necessidade e urgência.47

46

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016. 47

FRANÇA, G. V. Tratamento arbitrário. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/Regional/crmpb/artigos/trat_arbt.htm>. Acesso em: 5 jun. 2016.

52

A autorização do responsável, em regra, deverá ser expressa e escrita, após

o médico prestar devidamente esclarecimentos sobre o procedimento a ser adotado

– caso contrário, será considerado um ato omissivo culposo (SOUZA, p. 43).

A liberdade não pode ser tolerada de forma irresponsável, indo contra o

interesse comum; ela existe para estabelecer harmonia entre os indivíduos, havendo

uma atitude proporcional do Estado ao violar um direito à liberdade para salvar um

bem maior que é a vida, pois ninguém pode dispor desta.48

Assim, o direito à vida antecede o direito à liberdade, existindo princípios

gerais éticos e de direito que se sobrepõem às especificidades culturais e

religiosas.49 Pereira ainda acrescenta:

[...] o direito ao próprio corpo é um complemento do poder sobre si mesmo, mas só pode ser exercido ao limite da manutenção de sua integridade. Todo ato que implique atentado contra esta integridade é repelido por injurídico (2001, p. 340).

Sob a luz do art. 15 do Código Civil, combinado com o art. 5º, VI, da

Constituição Federal, faz-se uma interpretação puramente literal, concluindo-se que

o direito de recusa do paciente é absoluto, ou seja, não é permitido qualquer tipo de

intervenção no corpo do enfermo sem o seu consentimento.

Mas tal interpretação não pode ocorrer de forma isolada: como nenhum direito

é absoluto, poderá o paciente exercer seu direito nos casos já mencionados se

estiver em pleno gozo de suas faculdades mentais e não estiver em iminente perigo

de morte.50 Caso ocorrer o contrário, o médico é obrigado a realizar o procedimento,

agindo de acordo com o exercício regular de direito, tendo em vista que é seu dever

48

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016. 49

MOTA, S. Princípio da dignidade da pessoa humana e manipulações genéticas. Disponível em: <http://www.silviamota.com.br/enciclopediabiobio/artigosbiobio/principio-dignidadehumana.htm>. Acesso em: 5 jun. 2016. 50

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016.

53

salvar vidas, sob pena de ser enquadrado na responsabilidade civil prevista nos arts.

186 e 951 do Código Civil, no art. 5º, X da Constituição Federal e, no âmbito penal,

nos arts. 121, 129, 132 e 135, todos do Código Penal.51

Diante desta situação, se o médico agir sem o consentimento do paciente,

não incorrerá no crime de constrangimento ilegal previsto no art. 146, §3º, I, do

Código Penal.

A colisão de direitos presente no caso concreto deverá ser analisada com

ponderação e proporcionalidade, sendo observado o direito à vida com o mínimo de

sacrifício do direito à liberdade e autonomia de escolha.52

Os motivos que levam o paciente a recusar a transfusão de sangue por vezes

não se baseiam na opção religiosa, mas podem ocorrer por receio dos efeitos

colaterais ou qualquer outro motivo pessoal, não devendo as outras pessoas

julgarem tal atitude. Nesse sentido, no escólio de Ronald Dworkin:

[...] não pressupõe que as pessoas competentes tenham valores coerentes, ou que sempre façam as melhores escolhas, ou que sempre levem vidas estruturadas e reflexivas. Reconhece que as pessoas frequentemente fazem escolhas que refletem fraqueza, indecisão, capricho ou simples irracionalidade. (2003, p. 319).

Dessa forma, deduz-se que se houver negativa do paciente ao tratamento

indispensável à manutenção da sua vida não haverá punição, sendo que o

ordenamento jurídico não pune o suicídio ou a tentativa de retirar a própria vida. 53

Já os representantes legais, como pais, tutores e curadores, podem ser

responsabilizados civilmente caso proíbam o tratamento médico aos seus

51

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016. 52

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016. 53

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016.

54

representados, sobretudo se estes forem prejudicados devido tal decisão, mesmo

que a escolha seja baseada em suas convicções e opções pessoais.54

O que irá determinar a aplicação de sanções ou não, dependerá do caso

concreto a ser analisado. A representação não deixa de ser legítima, mas essa se

submete as mesmas regras quando paciente se encontra em iminente perigo de

morte.

O dano causado ao nascituro ante a recusa a transfusão de sangue por motivo de crença religiosa de seus pais dá ensejo a responsabilidade civil dos genitores pelo dano sofrido pelo nascituro em razão dessa recusa, pois os direitos à vida e à saúde pesam mais do que o direito à liberdade de crença. (DINIZ, 2002, p. 119).

Nesse sentido, Sebastião reforça:

Invariavelmente os pais discordam da transfusão, mas suas vontades não têm amparo legal. A criança não é propriedade dos pais. Ao contrário, o menor é pessoa de direito, integrante da humanidade e com interesses distintos, cuja vida, na sua inteireza e com saúde, deve ser preservada pelo Estado. Os pais (biológicos ou adotivos, dentro ou fora da instituição social da família, com ou sem religião) apenas exercem o pátrio poder que o Estado de Direito lhes outorga, para os efeitos de bem educar, formar e transformar a criança em cidadão prestante (útil à sociedade como um todo). Por essa razão, se os pais não cumprirem esses deveres, deles poderá ser retirado o Pátrio Poder, pela iniciativa de qualquer interessado e sob fiscalização do Ministério Público, com assento no art. 229 da CF/88, art. 1365, V do Código Civil, e dispositivos aplicáveis do Estatuto da Criança e do Adolescente. (1998, p. 75).

Por fim, entende-se que os médicos deverão realizar o procedimento

necessário para suprir as necessidades do paciente, sempre que este estiver em

iminente perigo de morte, dispensando-se o consentimento dos representantes. No

caso em que houver a negação por parte dos representantes do paciente e essa

54

CONSALTER, Z. M. Das possíveis responsabilidades havidas em caso de recusa a tratamento

vital. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7337#_ftn40>. Acesso em: 5 jun. 2016.

55

decisão resulte em dano para o representado, aqueles serão responsabilizados pela

escolha (BITTAR, 2008, p. 499-500).

4.3 Entendimento dos Tribunais

Para iniciar será exposto um caso clínico ocorrido no Estado do Ceará:

Fulano de tal, de 38 anos, natural de Cabobró – CE, residente na cidade de Recanto das Emas, foi admitido no SPA do HUB com quadro de dor em hipocôndrio esquerdo e cefaléia frontal há 13 dias. Posteriormente, associou-se febre e calafrios e em um dia antes de sua internação, apresentou epistaxe volumosa, necessitando de tamponamento nasal, além de dor em 1/3 superior do hemotórax esquerdo, ventilatório-dependente. Ao exame físico apresentava-se lúcido, orientado, hipocorado, taquicárdico, porém hemodinamicamente estável, levemente dispnéico, ansioso. Os exames laboratoriais foram compatíveis com o diagnóstico de leucemia aguda. Foi ainda solicitada transfusão de sangue total e concentrado de plaquetas. Após a admissão ao hospital, o paciente comunicou á equipe médica que era Testemunha de Jeová e, por isso, recusava-se terminantemente a receber o tratamento com base de sangue humano, tendo sua posição apoiada por sua esposa, mas seus demais familiares não aceitavam a sua decisão e então resolveram recorre à justiça e conseguiram um despacho judicial autorizando o hospital a realizar a hemotransfusão e quaisquer outros procedimentos que fossem necessários, tendo o hospital também solicitado liminar judicial para a realização dos procedimentos. A transfusão se deu conforme a decisão judicial e o posicionamento da família, mas a despeito das hemotransfusões realizadas, houve uma considerável piora no quadro clínico e o paciente evoluiu para o óbito um dia após o início da quimioterapia.

55

José Eberienos Assad, ex-conselheiro do CREMERJ, dispõe que em tal caso

houve o diagnóstico correto e que o paciente era maior de idade e capaz de lutar por

seus direitos perante a justiça. Os médicos presenciaram certa tensão entre o

55

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016.

56

paciente e seus familiares, sendo que eles eram contra a escolha dele e de sua

esposa, ambos Testemunhas de Jeová. 56

O Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina do

Estado do Rio de Janeiro têm disposições acerca desses casos, indo a favor de

jurisprudência já existente, afirmando em suas resoluções que em iminente perigo

de morte, o médico deverá utilizar todos os meios terapêuticos a seu alcance,

independente da vontade do paciente.

Fatos ocorridos recentemente, no Hospital Universitário de Brasília, envolvendo um paciente pertencente ao grupo religioso Testemunhas de Jeová, converteram-se em outro exemplo cada vez mais inafastável papel da bioética como instrumento capaz de orientar a conduta dos profissionais da área médicos, pesquisadores e cientistas tanto na definição de suas ações, em certas circunstâncias, quanto na solução de possíveis conflitos que têm como objeto à própria vida.

57

O paciente no caso exposto no início encontrava-se com leucemia aguda, na

qual precisava receber transfusão de sangue, método que negou ser submetido

devido a sua crença religiosa. O paciente estava lúcido no momento da recusa,

explicando ao médico que o fato de não aceitar não significaria que ele queria

morrer, sendo que preferia ser tratado por outros meios que não utilizassem o

sangue.58

Diante da complexidade do caso, os médicos sentiram-se pressionados a

levar o caso ao poder judiciário para poder solucionar esse conflito da melhor

maneira possível, a justiça deferiu alvará judicial autorizando a equipe médica a

realizar a transfusão de sangue no paciente, sob a alegação de proteger e preservar

o bem supremo que é a vida. 59

56

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 57

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica.

Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 58

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 59

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica.

Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016.

57

Se a transfusão não tivesse sido realizada, os médicos estariam isentos da

responsabilidade civil, pois o princípio da autonomia estava caracterizado pelo fato

do paciente ser maior, capaz de estar lúcido no momento da negativa. Os médicos

poderiam ter solicitado que o paciente assinasse um termo de declaração perante a

instituição e o médico, para isentar ambos das possíveis consequências. Assim

sendo, compreende-se que as Testemunhas de Jeová têm amparo legal na

Constituição Federal em seu art. 5º, VI, garantindo a sua liberdade de consciência,

crença e direito aos cultos religiosos.60

Tal direito também é amparado na Declaração Universal dos Direitos do

Homem, escrita em dezembro de 1948, além de que o Código de Ética Médica no

art. 46, explicita que “é vedado ao médico: efetuar qualquer procedimento médico

sem o esclarecimento e o consentimento prévio do paciente ou de seu representante

legal, salvo em iminente perigo de vida”.

De todas as formas, os médicos sempre tentam alegar o estado de

necessidade de terceiro com o intuito de realizar o procedimento que eles acreditam

ser úteis, tratando-se da única brecha legal possível para burlar o direito do paciente

em negar determinado procedimento.61

4.3.1 Responsabilidade civil do médico

A responsabilidade é a “obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o

prejuízo causado a outra, por fato próprio ou por fato de pessoas ou coisas que dela

dependam”62, aplicando-se os arts. 948, 951, 949 e 950 do Código Civil em casos de

indenização.

60

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica.

Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 61

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica.

Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 62

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica.

Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016.

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Tais artigos estão sempre presentes quando os profissionais, no exercício de

suas funções, causam algum dano a outrem por motivos de imperícia, negligência

ou imprudência, independentemente se esses danos são momentâneos ou

permanentes, impedindo o lesado de exercer suas funções habituais.63

A natureza jurídica da responsabilidade médica é considerada contratual,

sendo uma obrigação de meio, pois o médico não pode fazer nada além do que a

medicina moderna permite para salvar a vida do paciente. Há casos em que o

médico deve atingir um resultado anteriormente discutido, tais como medicina

estética, cirurgia plástica, etc. 64

Existem duas teorias acerca da responsabilidade médica, quais sejam, a

teoria objetiva e a subjetiva.

A teoria subjetivista visa analisar se está presente o elemento da culpa, ou

seja, se houve um fato ilícito realizado por meio da imprudência, negligência ou

imperícia. Já a teoria objetivista exige que haja a existência do nexo de causalidade

entre o ato ou a omissão e o dano, gerando a obrigação de reparar o prejuízo

causado. 65

Há divergências sobre a teoria objetivista, pois muitos doutrinadores dizem

que seria uma forma injusta de reparar o dano, sendo até mesmo comparada à Lei

de Talião (“olho por olho e dente por dente”). No entanto, para outros doutrinadores,

tal teoria não visa causar os mesmos danos nos culpados, mas sim reprimir e

reparar tais condutas, a fim de evitar que voltem a acontecer.

Quando a paciente contrata com o médico, uma consulta, tratamento, terapia ou cirurgia, o negócio jurídico é meramente contratual de caráter oneroso e comutativo. Já o paciente que contrata o médico para uma cirurgia plástica estética enseja na mesma forma, mas a obrigação passa a

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BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica.

Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 64

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ser de resultado. Quando o médico agir por sua iniciativa (em casos de emergência) ou ainda contra a vontade do paciente, o contrato passa a ser unilateral, onde a responsabilidade emergirá da conduta e não do contrato.

66

Dessa forma, quando não é demonstrada a ocorrência de negligência,

imprudência ou imperícia, não haverá base para haver a responsabilização civil,

mesmo se o paciente vir a óbito, pois como já dito, o médico exerce uma profissão

de meio. Portanto, só será responsabilizado o médico caso seja comprovada a sua

culpa. Provado o erro, através de perícia, este responderá não só civilmente como

também penalmente por ato que se presume danoso ou culposo, lesando o bem

alheio.67

O erro médico não é evidenciado apenas nos procedimentos cirúrgicos, mas

também em determinada prescrição de um medicamento, orientações, etc.

Muitos doutrinadores entendem que o direito à indenização ao paciente

configura-se apenas quando há incapacidade permanente para o trabalho, sendo

incoerente tal afirmação, sendo que com a tecnologia dos dias atuais é intolerável o

erro médico em certos aspectos.68

Nesse campo, o correto seria que o paciente fosse indenizado no momento

que sentir as consequências do descuido médico, seja permanente ou não. O

Código de Ética Médico é um complemento para ajudar a direcionar as atitudes dos

profissionais em comento, visando um bom relacionamento com os pacientes.

Com o surgimento de novas técnicas da medicina, é de suma importância que

se realize a devida fiscalização, com intuito de cumprirem as suas funções,

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BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica.

Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 67

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Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 68

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contribuindo para o desenvolvimento da assistência da saúde e objetivando a função

social.69

No âmbito da bioética, relevantes são os conceitos de utilidade, equidade,

autonomia e risco: a utilidade de certos atos médicos é questionável, pois certos

procedimentos muitas vezes colocam em risco a vida do paciente; na equidade

encontra-se o problema de que no Brasil há muitas diferenças entre as classes

sociais, sendo que os membros das classes mais baixas apenas têm acesso ao

Sistema Único de Saúde (SUS), tendo certa limitação e demora nos atendimentos –

os mais favorecidos frequentam o sistema privado, usufruindo de mais tecnologia e

atendimento de qualidade.70

Quanto à autonomia do paciente, pode ser considerada uma extensão da

equidade, tendo relação com o respeito ao próximo. Tal conduta poderá

proporcionar harmonia ente o paciente e o médico, fazendo com que busque outros

meios para solucionar o problema sem ferir os direitos do paciente, informando-o,

também, sobre os riscos de certos procedimentos.71

Para finalizar, o sigilo é dever do médico, pois algumas informações do

paciente não podem ser reveladas, correndo o risco de constrangê-lo. O respeito à

vida é um dos maiores princípios da ética médica, devendo se moldar às condições

sociais e estando em constante transformação.72

69

BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica.

Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016. 70

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BONFIM, R. Transfusão de sangue: liberdade de consciência versus responsabilidade médica. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=334>. Acesso em: 5 jun. 2016.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente estudo foi possível ter ideia do quão discutido é o

assunto relativo a recusa de se submeter à transfusão de sangue. O objetivo foi

expor as opiniões de ambos os lados, os prós e contras referentes à transfusão de

sangue. Na maioria das vezes, as Testemunhas de Jeová são criticadas pelo

procedimento escolhido, sendo que não raro são críticas infundadas ou até mesmo

ocasionadas por falta de conhecimento.

Com o passar dos anos, a Constituição foi se adequando às transformações

da sociedade, tendo acolhido a liberdade de crença, que pode ser exercida por

qualquer pessoa, desde que em consonância com as normas legais e que não

violem direitos de outrem.

As Testemunhas de Jeová, ao se absterem da transfusão, não significa que

querem correr o risco de falecer, mas sim buscar meios alternativos de tratamento

de qualidade, mantendo a dignidade destas pessoas. Nesse sentido, foram criados

vários métodos eficientes que podem substituir o procedimento em comento, sendo

que se feita tal escolha, ela estará dentro dos parâmetros legais, respeitando-se a

liberdade de crença e o direito à vida.

Quando tal decisão envolve riscos à saúde ou à vida, que são direitos

invioláveis, pode-se estar diante de uma afronta à Constituição Federal, devendo o

Estado zelar pela proteção destes bens.

Vários especialistas e médicos da área afirmam que, ao negar a transfusão

de sangue, o paciente tem mais chances de se recuperar comparado aos que

aceitaram o procedimento; decorre-se desta afirmação que o sangue tem muitas

propriedades ainda desconhecidas, podendo posteriormente causar até mesmo

infecções se não for submetido a uma análise rigorosa.

O direito do adepto à religião em não se sujeitar a qualquer procedimento sem

sua expressa concordância vem previsto no Código Civil. Porém, em caso de

eminente risco de morte, o Estado autoriza o médico a realizar a transfusão mesmo

62

contra a vontade do paciente, pois o bem violado (liberdade de religiosa) é

considerado menor do que o bem que iria perder (a vida).

Quando o paciente se recusa aceitar a transfusão, o médico pode buscar

inclusive autorização judicial para a realização do procedimento. Desse modo, é

possível observar que o Estado confere liberdade ao enfermo de escolher o

tratamento que lhe é mais conveniente, desde que não esteja sofrendo risco de

morte; caso contrário, o médico é obrigado a salvar sua vida, podendo recorrer ao

método que mais achar adequado.

Nessa seara, a maior parte dos conflitos judiciais são os que envolvem

menores de idade, visto que os pais têm o dever de zelar por sua integridade física

em primeiro lugar, não podendo submeter os filhos aos preceitos religiosos pré-

escolhidos. Além disso, os menores ainda não têm capacidade para exercer suas

escolhas religiosas, consequentemente, o risco de morte nesses casos deve ser

evitado o máximo possível.

A afirmação de que o paciente faleceu por não ter se submetido a transfusão

de sangue é considerada falsa por especialistas e médicos da área, pois a utilização

do sangue não garante a sobrevivência e, como já mencionado, pode até mesmo

agravar a situação do paciente em certos casos.

Os médicos devem respeitar as normas do Conselho Nacional de Medicina,

de modo que farão o que for necessário para salvar a vida do paciente em caso de

iminente risco de morte. Não menos importante, é preciso respeitar a vontade do

paciente quando esse se encontra consciente e sua integridade não esteja em risco,

caso contrário, o mesmo agirá em estado de necessidade de terceiros.

Diante tais conflitos, as Testemunhas de Jeová têm um grupo de apoio que

age para mediar possíveis controvérsias envolvendo médicos e pacientes, buscando

seus direitos perante a autoridade judiciária. Devido a busca incansável dos

membros da organização, foram surgindo diversos métodos antes desconhecidos

pela medicina, que hoje são utilizados até por pessoas que não seguem a religião

mas desejam ter um tratamento de qualidade e sem a utilização de sangue.

63

Desse modo, conclui-se que as Testemunhas de Jeová ao negar a transfusão

de sangue não estão violando direito à vida, pois não desejam morrer, mas sim

querem ter um tratamento digno e de qualidade que não entre em confronto com

seus ensinamentos, consequentemente evitando possíveis doenças advindas do

uso de sangue; para tanto, encontram respaldo na Constituição e no Código Civil,

não podendo o Estado intervir em suas crenças.

Mesmo com tais considerações, tem-se que respeitar as normas

estabelecidas pelo Estado no que tange à garantia da vida e a sua proteção.

O assunto abordado pode ser interpretado de várias maneiras, não tendo um

lado certo ou errado, pois ambos visam proteger os direitos à vida e à liberdade

religiosa das pessoas, devendo sempre perscrutar o equilíbrio a fim de garantir o

princípio da dignidade humana. Sobretudo, deve o aplicador do direito e o

profissional médico analisar cada caso concreto, agindo com razoabilidade e

respeitando as decisões de ordem religiosa dos cidadãos que vivem em

consonância com suas convicções.

64

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70

ANEXOS

ANEXO A – Apelação cível AC 70020868161 (TJ-RS)

Processo: AC 70020868162

RSRelator (a): Umberto Guaspari Sudbrack

Julgamento: 22/08/2007

Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível

Publicação: Diário da Justiça do dia 29/08/2007

Data de publicação: 29/08/2007

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHA

DEJEOVÁ. RECUSA DE TRATAMENTO. INTERESSE EM AGIR. Carece de

interesse processual o hospital ao ajuizar demanda no intuito de obter provimento

jurisdicional que determine à paciente que se submeta à transfusão de sangue. Não

há necessidade de intervenção judicial, pois o profissional de saúde tem o dever de,

havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligências necessárias ao

tratamento da paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus

familiares. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70020868162, Quinta Câmara

Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em

22/08/2007)

Encontrado em: Quinta Câmara Cível Diário da Justiça do dia 29/08/2007 -

29/8/2007 Testemunhas de Jeová Apelação

ANEXO B – Apelação cível AC 155 RS 2003.71.02.000155-6 (TRF-4)

Processo: AC 155 RS 2003.71.02.000155-6

Relator (a): Vânia Hack de Almeida

Julgamento: 24/10/2006

Órgão Julgador: Terceira Turma

Publicação: DJ 01/11/2006 Página: 686

Data de publicação: 01/11/2006

71

Ementa: DIREITO À VIDA. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS

DEJEOVÁ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE INDEFERIDA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA

UNIÃO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA E DIREITO À VIDA.

IMPOSSIBILIDADE DE RECUSA DE TRATAMENTO MÉDICO QUANDO HÁ RISCO

DE VIDA DE MENOR. VONTADE DOS PAIS SUBSTITUÍDA PELA

MANIFESTAÇÃO JUDICIAL. O recurso de agravo deve ser improvido porquanto à

denunciação da lide se presta para a possibilidade de ação regressiva e, no caso, o

que se verifica é a responsabilidade solidária dos entes federais, em face da

competência comum estabelecida no art. 23 da Constituição federal , nas ações de

saúde.A legitimidade passiva da União é indiscutível diante do art. 196 da Carta

Constitucional.O fato de a autora ter omitido que a necessidade da medicação se

deu em face da recusa à transfusão de sangue, não afasta que esta seja a causa de

pedir, principalmente se foi também o fundamento da defesa das partes requeridas.

A prova produzida demonstrou que a medicação cujo fornecimento foi requerido não

constitui o meio mais eficaz da proteção do direito à vida da requerida, menor hoje

constando com dez anos de idade. Conflito no caso concreto dois princípios

fundamentais consagrados em nosso ordenamento jurídico-constitucional: de um

lado o direito à vida e de outro, a liberdade de crença religiosa. A liberdade de

crença abrange não apenas a liberdade de cultos, mas também a possibilidade de o

indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas. No caso concreto, a

menor autora não detém capacidade civil para expressar sua vontade. A menor não

possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação pata

decidir conforme sua vontade. Esta é substituída pela de seus pais que recusam o

tratamento consistente em transfusões de sangue. Os pais podem ter sua vontade

substituída em prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio

direito à vida. A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no

princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada à preservar à saúde da

autora: é necessária porque em face do risco de vida a transfusão de sangue torna-

se exigível e, por fim ponderando-se entre vida e liberdade de crença, pesa mais o

direito à vida, principalmente em se tratando não da vida de filha menor impúbere.

Em consequência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos

enquanto não houver urgência ou real perigo de morte. Logo, tendo em vista o

pedido formulado na inicial, limitado ao fornecimento de medicamentos, e o princípio

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da congruência, deve a ação ser julgada improcedente. Contudo, ressalva-se o

ponto de vista ora exposto, no que tange ao direito à vida da menor....

ANEXO C – Mandado de segurança MS 8881 MS 2004.008881-7 (TJ-MS)

Processo: MS 8881 MS 2004.008881-7

Relator (a): Des. Josué de Oliveira

Julgamento: 04/04/2005

Órgão Julgador: 1ª Seção Cível

Publicação: 26/04/2005

Parte (s): Impetrante: Altemar Landgraf Fortes

Impetrado: Juiz de Direito de Plantão da Comarca de Campo Grande

Data de publicação: 26/04/2005

Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA - TRANSFUSÃO DE SANGUE -

TESTEMUNHA DE JEOVÁ - PACIENTE VÍTIMA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO -

MEDIDA AUTORIZADA PELO JUÍZO DIANTE DA SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA -

MEIO NÃO UTILIZADO NA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA POR DESNECESSIDADE

- FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL.

ANEXO D – Apelação cível AC 595000373 RS (TJ-RS)

Processo: AC 595000373 RS

Relator (a): Sérgio Gischkow Pereira

Julgamento: 28/03/1995

Órgão Julgador: Sexta Câmara Cível

Publicação: Diário da Justiça do dia

Data de publicação: 28/03/1995

Ementa: CAUTELAR. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.

NÃO CABE AO PODER JUDICIÁRIO, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO,

AUTORIZAR OU ORDENAR TRATAMENTO MÉDICO-CIRÚRGICOS E/OU

HOSPITALARES, SALVO CASOS EXCEPCIONALÍSSIMOS E SALVO QUANDO

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ENVOLVIDOS OS INTERESSES DE MENORES. SE IMINENTE O PERIGO DE

VIDA, É DIREITO E DEVER DO MÉDICO EMPREGAR TODOS OS

TRATAMENTOS, INCLUSIVE CIRÚRGICOS, PARA SALVAR O PACIENTE,

MESMO CONTRA A VONTADE DESTE, E DE SEUS FAMILIARES E DE QUEM

QUER QUE SEJA, AINDA QUE A OPOSIÇÃO SEJA DITADA POR MOTIVOS

RELIGIOSOS. IMPORTA AO MÉDICO E AO HOSPITAL E DEMONSTRAR QUE

UTILIZARAM A CIÊNCIA E A TÉCNICA APOIADAS EM SÉRIA LITERATURA

MÉDICA, MESMO QUE HAJA DIVERGÊNCIAS QUANTO AO MELHOR

TRATAMENTO. O JUDICIÁRIO NÃO SERVE PARA DIMINUIR OS RISCOS DA

PROFISSÃO MÉDICA OU DA ATIVIDADE HOSPITALAR. SE TRANSFUSÃO DE

SANGUE FOR TIDA COMO IMPRESCINDÍVEL, CONFORME SÓLIDA

LITERATURA MÉDICO-CIENTÍFICA (NÃO IMPORTANDO NATURAIS

DIVERGÊNCIAS), DEVE SER CONCRETIZADA, SE PARA SALVAR A VIDA DO

PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ,

MAS DESDE QUE HAJA URGÊNCIA E PERIGO IMINENTE DE VIDA (ART. 146, §

3º, INC. I, DO CÓDIGO PENAL). CASO CONCRETO EM QUE NÃO SE

VERIFICAVA TAL URGÊNCIA. O DIREITO À VIDA ANTECEDE O DIREITO À

LIBERDADE, AQUI INCLUÍDA A LIBERDADE DE RELIGIÃO; É FALÁCIA

ARGUMENTAR COM OS QUE MORREM PELA LIBERDADE POIS, AÍ SE TRATA

DE CONTEXTO FÁTICO TOTALMENTE DIVERSO. NÃO CONSTA QUE MORTO

POSSA SER LIVRE OU LUTAR POR SUA LIBERDADE. HÁ PRINCÍPIOS GERAIS

DE ÉTICA E DE DIREITO, QUE ALIÁS NORTEIAM A CARTA DAS NAÇÕES

UNIDAS, QUE PRECISAM SE SOBREPOR AS ESPECIFICIDADES CULTURAIS E

RELIGIOSAS; SOB PENA DE SE HOMOLOGAREM AS MAIORES

BRUTALIDADES; ENTRE ELES ESTÃO OS PRINCÍPIOS QUE RESGUARDAM OS

DIREITOS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS COM A VIDA E A DIGNIDADE

HUMANAS. RELIGIÕES DEVEM PRESERVAR A VIDA E NÃO EXTERMINÁ-LA.

(Apelação Cível Nº 595000373, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Sérgio Gischkow Pereira, Julgado em 28/03/1995) ...

Encontrado em: MÉDICO-HOSPITALAR. TRANSFUSÃO DE

SANGUE.TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. Apelação Cível AC 595000373 RS (TJ-RS)

Sérgio Gischkow Pereira... JUDICIÁRIO. - LIMITAÇÕES. - DESCABIMENTO. -

QUANDO CABE. - TRANSFUSÃO DE SANGUE. - TESTEMUNHAS... DE JEOVÁ. -

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URGÊNCIA E PERIGO IMINENTE DE VIDA. INCOMPROVADOS EFEITOS. -

INTERVENÇÃO MÉDICA OU CIRÚRGICA...

ANEXO E – Apelação Cível AC 179395 SC 2009.017939-5 (TJ-SC)

Data de publicação: 10/11/2011

Processo: AC 179395 SC 2009.017939-5

Relator (a): Gilberto Gomes de Oliveira

Julgamento: 10/11/2011

Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil

Publicação: Apelação Cível nº, de Joinville

Parte (s): Apelante: Hospital Bethesda

Apelante: Associação Beneficente Evangélica de Joinville

Apelado: Hermes Beilke

INDENIZATÓRIA. ABALO MORAL E MATERIAL. TRANSFUSÃO DE SANGUE.

CONTÁGIO DO VÍRUS DA HEPATITE 'C'. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

INSATISFAÇÃO DOS HOSPITAIS DEMANDADOS. RESPONSABILIDADE CIVIL

DO MÉDICO.

Aos atos dos médicos aplica-se a teoria clássica que instituiu no ordenamento

jurídico a responsabilidade civil subjetiva, o que torna imprescindível para haver

condenação a averiguação da seguinte trilogia: (1º) a ação ou omissão dolosa ou

culposa; (2º) o prejuízo; e, (3º) o liame de causalidade entre o dano e a conduta

ilícita. TRANSFUSÃO DE SANGUE. OBRIGAÇÃO DE MEIO. A obrigação do

médico, no que concerne às transfusões de sangue, é de meios, pois não pode ele

garantir que, com a realização de tal intervenção, o mal que acomete o seu paciente

chegará ao fim. Tampouco pode ele garantir que tal procedimento não desencadeie

uma reação anômala, como a rejeição do sangue pelo organismo do paciente,

porquanto cada indivíduo é dotado de fatores (múltiplos) únicos.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO HOSPITAL: POR ATO DO MÉDICO SUBJETIVA -

OBRIGAÇÃO DE MEIO - E, POR INFECÇÃO HOSPITALAR OU POR CONTÁGIO

DE DOENÇAS INFECCIOSAS ATRAVÉS DE TRANSFUSÃO DE SANGUE,

OBJETIVA - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. A responsabilidade civil do hospital é

subjetiva, assim como a do médico; entretanto, se o dano não for resultante de

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conduta médica, como a contaminação do paciente pelo vírus da hepatite do tipo 'C'

através de transfusão de sangue, responderá ele objetivamente, pois imperiosa a

manutenção da qualidade do material utilizado nos seus usuários. TRANSFUSÃO

DE SANGUE REALIZADA NO ANO DE 1983. MOLÉSTIA DESCOBERTA E

CATALOGADA TÃO-SOMENTE EM 1989. TESTES ANTI-HCV'S DISPONÍVEIS NO

MERCADO EM 1990. OBRIGATORIEDADE DE REALIZAÇÃO DESTES EXAMES

NOS RESPECTIVOS DOADORES APENAS A PARTIR DE 1993. AUSÊNCIA DE

NEXO DE CAUSA E EFEITO ENTRE A INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE 'C'

NO AUTOR E A CONDUTA DO HOSPITAL E DO FORNECEDOR DO MATERIAL

HEMOTERÁPICO. COMPROVAÇÃO, ADEMAIS, QUE UM DOS DOADORES NÃO

POSSUÍA HEPATITE. PRETENSÃO IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA.

Não se pode atribuir responsabilidade alguma ao hospital e ao fornecedor do

material hemoterápico se estes, quando da realização de uma transfusão de sangue

no ano de 1983, quando a hepatite 'C' nem sequer era conhecida (1989) e inexistiam

testes de detecção desta moléstia no mercado de consumo (1990), não tinham

quaisquer condições de garantir que o sangue estava isento deste vírus.

RECURSOS A QUE SE DÁ PROVIMENTO.