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16 | REVISTA ABCFARMA | SETEMBRO / 2011 TEXTO: CELSO ARNALDO ARAUJO FOTOS: CELSO ARNALDO E DIVULGAÇÃO Hipertensão O BEM e o MAL do SAL Q uantas pessoas você conhece que, diante um prato colocado à sua frente, já o pulveriza com sal mesmo antes de prová-lo? Não há dúvida: por uma questão de hábito, que passa de pai para filho, o brasileiro usa sal demais – às vezes, mais do dobro da porção diária recomendada. E qual é o mal do sal? Para a maior parte das pessoas, o excesso de sal – mais exatamente de sódio – faz elevar a pressão arterial, um dos fatores de risco para doenças cardiovasculares, aliás o mais silencioso de todos. Por isso, reduzir o consumo de sal é uma das medidas mais benéficas em termos de mudança de estilo de vida. Tanto que o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Supermercados acabam de firmar acordo para conduzir uma campanha de conscientização sobre os males do sal – alertando os consumidores. Nesta matéria, a Dra. Frida Plavinik, nefrologista da Sociedade Brasileira de Hipertensão, disseca esse inimigo insidioso e dá dicas de como lidar com o sal Dra. Frida Plavinik, da Sociedade Brasileira de Hipertensão

Hipertensão: O bem e o mal do sal

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Matéria da Revista ABCFARMA sobre Hipertensão: O bem e o mal do sal

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Page 1: Hipertensão: O bem e o mal do sal

16 | Revista ABCFARMA | seteMBRO / 2011

textO: celsO aRnaldO aRaujOfOtOs: celsO aRnaldO e divulgaçãO

Hipertensão

O bem e o mal do SalQ uantas pessoas você conhece que, diante um prato colocado à sua frente,

já o pulveriza com sal mesmo antes de prová-lo? Não há dúvida: por uma questão de hábito, que passa de pai para filho, o brasileiro usa sal demais – às vezes, mais do dobro da porção diária recomendada. E qual

é o mal do sal? Para a maior parte das pessoas, o excesso de sal – mais exatamente de sódio – faz elevar a pressão arterial, um dos fatores de risco para doenças cardiovasculares, aliás o mais silencioso de todos. Por isso, reduzir o consumo de sal é uma das medidas mais benéficas em termos de mudança de estilo de vida. Tanto que o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Supermercados acabam de firmar acordo para conduzir uma campanha de conscientização sobre os males do sal – alertando os consumidores. Nesta matéria, a Dra. Frida Plavinik, nefrologista da Sociedade Brasileira de Hipertensão, disseca esse inimigo insidioso e dá dicas de como lidar com o sal

Dra. Frida Plavinik, da Sociedade Brasileira de Hipertensão

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Ao falar de sal e sódio, estamos falando da mesma coisa?

O sal de cozinha é cloreto de sódio – e é a principal fonte de sódio de nossa alimentação. Mas há outras, entre as quais, alguns adoçantes, como o ciclamato de sódio. De qualquer forma, quando se fala que o sal está envolvido em doenças cardiovascu-lares, estamos falando do sódio – não do sal propriamente dito, que é a con-cepção de dois elementos, o cloreto e o sódio. Não importa que o sódio esteja ligado ao cloreto ou ao ciclamato, como nesses dois casos – ele é o vilão. Há inúmeros estudos comprovando que, quando se reduz o sal da alimentação, há uma redução de pelo menos 15% no risco dessas doenças.

Essas versões de “sal light” têm menos sódio?

Sim. O sal light é formulado a uma razão de 50% de cloreto de sódio, 50% de cloreto de potássio – elemento que tem um papel exatamente contrário ao do sódio. O potássio, que é encontrado em frutas e verduras, tem um papel vasodilatador e, portanto, baixa a pres-são. É, portanto, um antídoto do sódio. Mas há um problema: pessoas com doença renal crônica não podem aumentar seu consumo de potássio e portanto o uso de sal light está con-traidicado para esses pacientes. Eu só posso recomendar esse produto a um paciente conhecendo sua função renal, porque, nos estágios iniciais da doença, pode não haver sintomas.

O sal light salga tanto quanto o normal?

Alguns usuários se queixam de que ele é mais amargo, o que os faz du-plicar a quantidade colocada na comida para manter o sabor. Mas é uma boa opção – com a exceção dos pacientes renais que mencionei.

Diversos estudos recentes tentam desmistificar o papel do sal como fator de risco para as artérias. O que há de verdade nisso?

São estudos acadêmicos que, mes-mo corretos, levam anos para chegar ao dia a dia dos centros médicos. Até

o momento, o sal é um fator de risco bem demonstrado para aumento de pressão e, consequentemente, doenças cardiovasculares, além de aumentar a incidência de câncer de estômago, pela irritação gástrica, e de cálculos renais. Sabemos, porém, que o risco vascular

não é universal. As pessoas são divi-didas em dois grupos: os salssensíveis e os salrresistentes. Para estes, o sal pode não ter impacto no aumento da pressão. Mas não existe nenhum mé-todo para se apontar quem faz parte de um grupo ou de outro. Seria preciso

Produtos industrializados, como macarrão instantâneo, têm sódio em sua composição. Por isso, para não “estourar” a cota diária de sal, o ideal é não levar o saleiro à mesa

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internar todos os pacientes para estu-dar minuciosamente a relação de cada um com o sal. Na pratica, isso evidente-mente é inviável. Daí a recomendação genérica de se reduzir a ingestão de sal. Na pior das hipóteses, um terço dos indivíduos vão se beneficiar da redução – e com uma atitude não-farmacológica, sem remédios.

Eu sou hipertenso, gosto de sal, mas minha pressão é muito bem controlada com medicamentos. Isso significa que o sal nunca me fará mal?

Provavelmente, você está na cate-goria dos salrresistentes.

E o brasileiro come sal demais?Isso é plena verdade. Dados es-

tatísticos mostram que, por um hábito arraigado entre nós, se consome de duas vezes a duas vezes e meia a quantidade de sal recomendável, que é de 5 g por dia. O problema é que a maior parte do sal está embutida em produtos industriali-zados. O pãozinho de padaria, por exem-plo, tem muito sódio. Tanto que, em abril, houve uma reunião no Ministério da Saú-de em que representantes da indústria, inclusive do setor de panificação, assi-naram acordo para reduzir a quantidade de sódio em 16 categorias de alimentos – como massas instantâneas e pães, que terão redução de 30% até 2014. Aliás, já existem padarias que fazem pães com menos sal e menos gordura. De qualquer forma, esse sal embutido ainda é o maior entrave na vida de uma pessoa que deci-de reduzir o sal de sua dieta. É possível controlar e reduzir o sal que você mes-mo coloca nos alimentos, na cozinha ou à mesa – mas não esse que já vem com os alimentos. A saída é reduzir o consumo de embutidos, enlatados, salgadinhos e refrigerantes diet – que, justamente por causa do ciclamato de sódio do adoçante, têm mais sal.

A redução deve ser feita de uma vez só?

Não, não é do dia para a noite. O médico e o paciente podem traçar um plano de redução paulatina do sódio na comida, de 10 a 15% ao mês, de forma a que, no período de um ano,

se faça a redução desejada. E, parado-xalmente, não é recomendável cortar radicalmente o sódio dos alimentos – a consequência seria o aumento da por-ção ruim do colesterol.

O que a gente ouve é que, em casa de hipertenso, não deve haver saleiro à mesa. Isso tem fundamento?

Sim, com o sal que é colocado no preparo da comida em casa, mais o dos alimentos industrializados que vão à mesa, é muito provável que o sal do saleiro estoure a cota diária. E para quem é hipertenso e tem excesso de peso, um fator de risco adicional, a re-comendação é bem clara: não colocar o saleiro à mesa. Como temperar a sala-da? Azeite, vinagre, etc.

Shoyu (tempero de soja) não?Não. Mesmo a versão light tem

uma quantidade absurda de sal.

Entre os fatores de risco da hipertensão, e daí para as doenças cardiovasculares, que peso tem o sal?

É um elemento tão importante quanto os outros fatores ambientais, como inatividade física, excesso de

peso, etc. Além do aspecto genético, que é imutável, essas variáveis têm um peso semelhante – e estão ao al-cance das pessoas. Infelizmente, na prática, não é o que se vê. A maioria das pessoas com esses fatores de risco até se dispõe a dar o primeiro passo. O grande problema é a manutenção. Os pacientes costumam mudar de es-tilo de vida por seis meses: motivados, melhoram a alimentação, emagrecem, reduzem a pressão arterial e a glicemia, fazem exercícios. Depois, começam a “escapar”, como se costuma dizer. “Escapar” tem de ser, pela vida toda, a exceção à regra – a dieta é a regra. Sair da linha deve ser a exceção.

Nos primeiros estágios da hipertensão, mudanças no estilo de vida podem normalizar a pressão?

Sem dúvida, mas não é preciso esperar a pressão subir para começar uma vida saudável. Sabe-se hoje que pessoas com pressão arterial normal, filhos de hipertensos, mesmo jovens, já podem ter alterações nas paredes dos vasos, que dilatam menos que o nor-mal. Adotar e manter uma vida saudá-vel substitui até medicamentos. A redu-ção do sal, por exemplo, pode equivaler ao uso de um diurético. n

Medir a pressão: um ato que, realizado pelo menos uma vez por ano, pode prevenir doenças cardiovasculares. Quando a pressão está apenas um pouco elevada, a redução do sal equivale à ação de um diurético