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t hi per exto Online: http://eusoufamecos.pucrs.br Porto Alegre, Junho 2011, Ano 13 – Nº 87 – Jornalismo 5 estrelas Páginas 8 e 9 PUCRS, o legado de Rauch Arquivo Ascom Chineses estudam na Famecos Duas repórteres do Hipertexto acompanharam dois dias de visita feminina no Presídio Central Meu amor está preso Em apenas um mês, o Presídio Central registrou 18 mil entradas de mulheres nos dias de visitas. Cada uma pode ver seu amor preso duas vezes por semana Lívia Stumpf/ Hiper Página 2 Página 3 O desafio do mundo descartável Páginas 5, 6 e 7 Página 10 Fotografia vista como obra de arte

Hipertexto Junho 2011

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Edição de Maio de 2011 do jornal Hipertexto, produzido pelos alunos de Jornalismo da Famecos (Faculdade de Comunicação Social - PUCRS).

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Page 1: Hipertexto Junho 2011

thiperextoOnline: http://eusoufamecos.pucrs.br

Porto Alegre, Junho 2011, Ano 13 – Nº 87 – Jornalismo 5 estrelas

Páginas 8 e 9

PUCRS, o legado de Rauch

Arquivo Ascom

Chinesesestudamna Famecos

Duas repórteres do Hipertexto acompanharam dois dias de visita feminina no Presídio Central

Meu amor está preso

Em apenas um mês, o Presídio Central registrou 18 mil entradas de mulheres nos dias de visitas. Cada uma pode ver seu amor preso duas vezes por semana

Lívia Stumpf/ Hiper

Página 2 Página 3

O desafio do mundo descartávelPáginas 5, 6 e 7 Página 10

Fotografia vista como obra de arte

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abertura

2 Porto Alegre, junho 2011hiperextot

hipersiderPor Camila Paier e Morgana Laux

Museu de Ciências apresentatécnicas de desvendar crimes

Por Morgana Laux

Desde maio, o Museu de Ciên-cias e Tecnologia da PUCRS exibe a amostra CSI – A Ciência Contra o Crime. A exposição foi montada para explicar ao público a importân-cia da ciência no combate ao crime. Painéis revelam diferentes técnicas utilizadas por peritos e equipamen-tos empregados no trabalho.

Localizada no terceiro pavimen-to do Museu, a exposição está dis-ponível aos visitantes. As crianças ficam encantadas com os objetos expostos, como lupa, pincel, fita métrica, pó revelador e luvas, um

arsenal utilizado para desvendar mistérios. “Tem muita coisa pa-recida com o seriado de televisão, realmente estou gostando”, conta a estudante Priscila Oliveira Nunes, durante visita ao Museu promovida pelo seu colégio.

Algumas pessoas acreditam que a descoberta dos responsáveis por crimes usando técnicas apoiadas em conhecimento científico acon-tece apenas nas telas do cinema. A professora Samira Goulart revela surpresa. “Não costumo assistir com frequência aos seriados. Os materiais utilizados neles parecem fictícios. Observando a exposição,

percebi que a parte das digitais é bem real (referindo-se à papilos-copia) e o uso dos instrumentos”.

São explicadas aos visitantes as diferenças entre vestígios, evidên-cias e indícios encontrados em uma cena de crime. As técnicas de papi-loscopia, a ciência balística e ana-tomia forense também são citadas. Em um monitor, as crianças podem brincar e descobrir o perfil de quem é responsável por um determinado crime. Curiosidades sobre o tema também são mostradas, além do alerta de que nem sempre os crimes são desvendados tão rapidamente como nas séries policiais.

Dos seriados à realidade, crimes são desvendados e fascinam o público na exposição

Trânsito conturbado

O trânsito na Avenida Ipiranga continua conturbado. A alteração feita no início do semestre resultou na construção de um refúgio próximo ao pórtico de entrada da Universidade. No lugar onde carros largavam estudantes, agora mais táxis ficam estacionados e o desem-barque foi empurrado para mais adiante. A briga agora é entre taxista e motorista particular.

Dica

Apesar de não autuar o motorista que espera no refúgio, a EPTC orienta para utilizar o espaço apenas para embarque/desembarque. Uma solução para quem vem à Universidade buscar um familiar é o motorista se dirigir ao estacionamento da PUCRS que oferece 30 minutos gratuitos.

Inscrições SET Universitário

A data do 24º SET Universitário se aproxima. Desde 1988, o evento proporciona a troca de experiência dos alunos com professores, pesqui-sadores e profissionais que atuam no mercado. Previsto para ocorrer entre os dias 12 e 14 de setembro na PUCRS, esta edição promete em termos de inovação. A Mostra Competitiva do evento está com suas inscrições abertas, que podem ser realizadas pelo site: http://www.pucrs.br/famecos/set2011

Perguntas para Hiltor Mombach, jornalista do Correio do Povo:

Quais as principais dificuldades do jornalista esportivo?

Com 35 anos de carreira, minhas difi-culdades não são as mesmas de quem está começando. Mas uma dificuldade acom-panha o jornalista toda a vida, o filtro da informação. Você tem uma informação e começa a checagem. Bate quase sempre com várias versões. Quem diz a verdade? Como colocar isto no papel? Será que estou sendo usado? Este trabalho é facilitado quando há documentos. Mesmo assim, no caso de constar assinatura no documento, é necessário ir ao cartório e confirmar a veracidade. Para quem tem coluna diária, como eu, e investiga informações de bastidores, essa é uma dificuldade.

O que é fundamental para ter sucesso nessa área?Comece aos poucos. Não faça sensacionalismo. Suba degrau por

degrau, com a marca da credibilidade. Cheque a informação. Cheque outra vez, ouça mais pessoas. Não tire conclusões. Registre o fato e deixe o leitor tirar as conclusões. Não pratique achômetro. Como isto é quase impossível, pratique o quanto menos o achômetro. Quando uma informação chega até você, há um interesse por trás. Muitas vezes, é apenas o bem do clube do coração, outras vezes político, há também as que visam prejudicar. Faça o filtro. Não julgue. Cheque à informação mesmo que ela esteja em algum site ou blog. A tua inter-pretação do fato pode ser outra ao ouvir a pessoa. Só confie em áudios não editados. Respeite tua fonte.

Qual o fato mais inusitado da tua carreira?Em 26 de julho de 1996, estou no metrô de Atlanta para ir ao Cen-

tro de Imprensa, na cobertura dos Jogos Olímpicos. Sinto uma dor horrível, tenho a impressão de ter rompido tíbia e perônio. Mesmo assim, trabalho. À noite, sou levado ao hospital Georgia Baptist. Fico no térreo, numa cama destas com rodinhas. Aplicam-me uma agulha em cada braço. Em menos de 5min, alguém retira as agulhas e sai em disparada pelo corredor gritando ‘uma bomba, uma bomba’. Entra com minha cama no elevador e eu, desesperado, mando que ele saia do hospital. Com uma bomba ali, o melhor lugar é lá fora. Ele me ex-plica que a bomba explodiu no Centennial Park e 57 das mais de 100 vítimas seriam conduzidas ao Georgia Baptist.

Sou instalado no quinto andar, num quarto envidraçado. Ali vejo a movimentação dos helicópteros e sou informado pelos enfermeiros do estado das vítimas. Entro no ar na Rádio Guaíba, onde falo das 2h até 7h. Fiquei hospitalizado cinco dias.

Bruno Todeschini/Hiper

Fabiano do Amaral/CP

Considerado o decano dos rei-tores brasileiros, Norberto Rauch dirigiu a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) durante 26 anos, de 1978 a 2004. Morreu na madrugada de 27 de junho, aos 82 anos. Empreen-dedor, com visão de futuro e obsti-nado, o irmão marista transformou a Universidade num centro de excelência no ensino, pesquisa e ex-tensão. Com base no impulso inicial dado por Ir. José Otão na Reitoria, com quem conviveu e trabalhou por 20 anos, Rauch foi o idealizador e, com suas equipes, iniciou obras como o Museu de Ciências e Tecno-logia (MCT), o Parque Científico e Tecnológico (Tecnopuc), hoje reu-nindo 60 empresas que geram três mil empregos, e o Parque Esportivo, do qual fazem parte o Estádio Uni-versitário, de dimensões oficiais, e piscina olímpica.

Ao deixar a Reitoria, muito mais do que as grandiosas iniciativas que concretizou, Rauch destacou

a política de recursos humanos. Uma das marcas de sua gestão foi o Programa Mil para o Ano 2000, que pretendia formar mil mestres e doutores, uma exigência do Mi-nistério da Educação, visando à qualificação do corpo docente. A meta foi plenamente atingida. O Reitor buscou aumentar o número de professores em regime de tempo integral e incentivar a qualificação

dos técnicos administrativos. Tam-bém foram oferecidos planos de saúde e benefícios previdenciários.

Natural de Santa Cruz do Sul, Rauch ingressou no Instituto dos Irmãos Maristas na adolescência. Viu a Universidade nascer (foi alu-no do Bacharelado em Matemática e da Licenciatura em Física, nos anos 1950). Foi diretor da Física durante seis anos e presidente da União Sul Brasileira de Educação e Ensino, mantenedora da PUCRS. Assumiu a Reitoria em 1978.

Premiações e distinções re-cebidas demonstram o apreço da sociedade por seu trabalho. O ex-reitor foi agraciado com a Medalha do Conhecimento, oferecida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O governo do Estado conferiu-lhe a Medalha Negrinho do Pastoreio. Da Assembleia Legislativa, recebeu a Medalha Mérito Farroupilha. Tor-cedor do Grêmio, apreciava livros, cinema e música, tocava órgão.

Adeus a Norberto Rauch, reitor durante 26 anos

Norberto Rauch

Arquivo Ascom

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universidade

3Porto Alegre, junho 2011 hiperextot

A presença de rostos com tra-ços orientais pelos corredores das Faculdades de Comunicação Social (Famecos) e de Letras (Fale) já não causa estranhamento aos demais alunos. Desde 2005, um convênio firmado entre a Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Communication University of China (CUNC) têm oportunizado o intercâmbio entre alunos chineses e universitários da PUCRS. Em agosto do ano passado, uma nova turma composta por 25 estudantes chegou a Porto Alegre para frequentar aulas na Fale e na Famecos.

Este é o terceiro grupo da CUNC na PUCRS. Em contraponto, de acordo com o Núcleo de Mobilidade Acadêmica, até hoje somente dois alunos da Faculdade de Comu-nicação Social foram estudar na China, em 2006, André Fraga e Rafael Codonho. “Esperamos que com a consolidação e o novo acordo com a Harbin Normal University, também da China, eles comecem a procurar mais por esta opção de intercâmbio”, afirma Leonardo Jacobi, da Coordenadoria de Apoio à Formação Acadêmica.

A matriz curricular, predefinida em conjunto com a universidade da China, é formada por disciplinas voltadas à área linguística e de jor-nalismo. No primeiro semestre, os intercambistas aprendem conceitos de língua portuguesa e gramática e no segundo, são apresentados às teorias e atividades práticas de jornalismo.

Para Amanda Shan e Clara Lang, ambas com 20 anos, a prin-cipal dificuldade foi a adaptação à língua portuguesa. “Nós estudamos português em nossa universidade, mas lá aprendemos o idioma que se fala e escreve em Portugal. Foi bem complicado aprender gramática”, comentam. A diferença entre as cul-turas também impressionou no iní-

cio, mas agora o churrasco e a pizza são alguns dos pratos preferidos. Com volta marcada para a China no final do ano, elas já escolheram a profissão que pretendem seguir. “Quero continuar no jornalismo, é meu grande sonho”, diz Amanda. Clara deseja continuar investindo em cursos de línguas.

O estreitamento das relações

entre Brasil e China tem propor-cionado boas oportunidades de trabalho, principalmente na área de interpretação. “Lá na China, saber falar português é fundamental para quem espera conseguir um bom emprego”, salienta Samara, de 22 anos. Apesar de considerar a gra-mática e o vocabulário português bem difícil, ela diz que gosta do idioma, mas muitas vezes é neces-sário decorar algumas regras.

As aulas de jornalismo são as preferidas dos estudantes chineses, principalmente quando envolvem prática nas áreas de televisão, jornal impresso, rádio, jornalismo online e fotografia. Entre os profes-sores estão Fábio Canatta, de novas tecnologias, e Marcos Villalobos, de Telejornalismo. Marquinhos, que passou as férias de verão na China e voltou encantado, diz que suas aulas de TV são focadas, principalmente, na comunicação, no entendimento e no diálogo.

“Fazemos tudo dentro do formato de um jornal, mas queremos que eles consigam se comunicar bem”, explica. Rafael, de 23 anos, diz que o mercado de trabalho para jorna-listas na China não oferece muitas opções, por isso a importância deste intercâmbio. “Lá o jornalismo inter-nacional tem mais espaço do que o local”, ressalta.

PUCRS recebe grupo de alunos chineses

A população brasileira na China também cresce consideravelmente nos últimos anos. São pessoas que buscam por uma nova opção de vida, além de outras oportunidades de trabalho. Formada em 2007 pela Famecos, a jornalista Fernanda Mo-reno é uma das gaúchas que mora em Beijing há quatro anos. O inte-resse em aprender mandarim sur-giu ainda na faculdade. Em 2006, ela viajou pela primeira vez à China para estudar o idioma em Shanghai e fazer um estágio no jornal Hoje Macau, que resultou na pesquisa de sua monografia. “Eu comecei a aprender mandarim quando entrei para a faculdade de jornalismo e decidi que precisaria ir à China para me aperfeiçoar”, comenta.

Depois de concluir o curso na Famecos, Fernanda foi para Beijing para estudar e logo foi contratada como correspondente do jornal Correio do Povo e nunca mais vol-tou para o Brasil. Há dois meses, a jornalista e outras três amigas

fundaram o Radar China, um site voltado especialmente para em-presários e profissionais da mídia com interesse em comunicação e mercado corporativo. “Acho que existe uma lacuna nos serviços já oferecidos aqui na China por outras empresas brasileiras e nos aprovei-tamos disso. Agora é uma questão de nos tornarmos conhecidas para que a empresa possa realmente crescer”, explica. A proposta é apre-sentar a China numa linguagem simples e objetiva. “Elaboramos relatórios que servem de apoio ao planejamento estratégico de empresas que buscam entrar no mercado chinês”, salienta. O Radar China também produz análises setoriais que mapeiam a realidade político-econômica chinesa e avalia os possíveis impactos no mercado brasileiro.

Fernanda destaca que a empre-sa conta com o apoio da Embaixada do Brasil e da Agência Brasileira de Promoção e Exportação (Apex), e é

a única a oferecer este serviço, que abrange todo o processo de inserção de uma empresa brasileira na Chi-na. “É chocante o fato de o Brasil ter apenas dois correspondentes de mídia tradicional aqui (Cláudia Trevisan, do Estadão, e Fabiano Maisonnave, da Folha de São Pau-lo). Pelas relações que temos com a China, e devido à importância que o país tem para o nosso próprio crescimento, seria fundamental ter mais profissionais aqui que procurassem essa especialização”, acrescenta.

Em relação ao mercado da co-municação no país, Fernanda expli-ca que a profissionalização na área é algo muito recente, com pouco mais de dez anos. “É um mercado ainda dominado por não-jornalistas, mas bastante promissor. Empresas de comunicação integrada estão che-gando por aqui, e a tendência é que se desenvolva mais e mais ao adotar práticas estrangeiras dos serviços em comunicação”, diz.

DA PUCRS PARA A CHINA

Estreitamento da relação Brasil-China desperta interesse de chineses na língua portuguesa

As aulas práticas são as preferidas dos alunos chineses

Fotos Felipe Martini/ Hiper

O professor Fábio Canatta dá aula de jornalismo observado pelo grupo de chineses

Por Daiane Pajares

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4 Porto Alegre, junho 2011hiperextot

Opinião

Jornal mensal dos alunos do Curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).Avenida Ipiranga 6681, Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, Brasil. Site: http:// www.pucrs.br/ famecos/ hipertexto/ 045/ index.php

Reitor: Ir. Joaquim ClotetVice-reitor: Ir. Evilázio TeixeiraDiretora da Famecos: Mágda CunhaCoordenador de Jornalismo: Vitor NecchiProdução dos Laboratórios de Jornalismo Gráfico e de Fotografia.Professores Responsáveis: Celso Schröder, Elson Sempé Pedroso, Ivone Cassol, Luiz Adolfo Lino de Souza e Tibério Vargas

Ramos.Estagiários matriculados e voluntáriosEditoras: Morgana Laux (Texto e Diagramação), Lívia Stumpf e Mariana Fontoura (Fotografia)Repórteres: Amanda Schnor, Camila Paier, Daiane S. Pajares, Juliane Guez, Luna Pizzato, Mariana de Ávila, Morgana Laux e Sabrina Ribas.

Fotógrafos: Bolívar Abascal Oberto, Bruno Todeschini, Camila G. Cunha, Caroline Witczak da Silva, Felipe Dalla Valle, Fernanda Becker Ribeiro, Guilherme Santos, Jonathan Heckler, Júlia Merker, Lisiane Ledesma Dutra, Lívia Stumpf, Maria Helena Sponchiado, Mariana Fontoura, Mauricio Lopes Krahn, Nicole Pandolfo, Rodrigo Ourique Naumczyk, Samuel Maciel e Shariane Gaiatto Kozak .

hiper extot Apoio cultural: Zero Hora. Impressão: Pioneiro, Caxias do Sul. Tiragem 5.000Versão online: http://eusoufamecos.pucrs.br

O trânsito em Porto Alegre

está um caos! A exclamação é uma das mais repetidas nos últimos meses. Andar de ônibus alguma vezes ajuda, mas daí se esbarra em “trechos em obra”, que significa nas entrelinhas que se ficará muito tempo parado neste local, e chegará atrasado com certeza.

Na hora de atravessar a rua, o pedestre se sente em uma cor-rida de obstáculos. Quando não tem sinaleira, a situação se as-semelha a uma roleta russa. Um “novo sinal” foi inventado para os pedestres usarem quando de-sejam atravessar. Mas, usando a lógica, o que uma pessoa estaria fazendo ali que no meio da rua em cima de uma faixa de pedes-tres senão atravessar a rua? Na realidade, independente de fazer ou não um sinal, todo mundo sabe o que ela deseja. Ninguém pensa, “adoro tomar sol no meio da rua”. E quem passa de carro por ali também sabe disso, mas acha mais prático deixar que outro pare.

Situação contrária também existe, há locais onde o carro é obrigado a se submeter à dita-dura dos pedestres. Isso acon-tece no centro histórico. Quem deseja fazer alguma coisa no centro, em qualquer hipótese, deve ir a pé. A quantidade de pessoas que circula diariamente pelas ruas centrais, mesmo nos horários de expediente, impos-sibilita que carros tenham livre acesso. Adoro andar de carro, é muito mais prático. Gosto também do deslocamento de ônibus. Mas confesso que adoro

a sensação de me sentir “dona da rua”, que acontece quando se circula a pé. Quando se atraves-sa a rua, com certeza, não se é a única pessoa que tenta passar naquele momento. Sendo assim, independente da cor da sina-leira, quando a massa resolve atravessar ... Não importam os carros. Em qualquer lugar de Porto Alegre a história seria diferente, mas não no centro, os pedestres se vigam.

Sou contra essa rixa de pe-destres, motoristas de carro e motoqueiros. Acho que se todos tivessem respeito no trânsito, seria mais fácil. O número de acidentes e mortes seria menor, as pessoas chegariam menos estressadas ao trabalho. Sei que é utópica a ideia de um trânsito tranquilo. O buraco é bem mais em baixo, e não adianta falar em educação agora. Mas uma coisa é fato. Parar para analisar o comportamento dos pedes-tres pelas ruas do centro é no mínimo interessante. É curioso ver como um comportamento é adotado seguindo a maioria. Muitas pessoas nem olham para a sinaleira, apenas atravessam imitando as outras. Parece uma espécie de suicídio coletivo, o que custa olhar para o semáforo!

Os finais de semana são bons para observar estes com-portamentos. Domingo é o dia mundial de sair para “dar uma volta” a pé. O número de pes-soas circulando pelas ruas au-menta significativamente. Por ser dia de folga, parece que as regras afrouxam, mas isso não é possível no trânsito. Os riscos são os mesmos, ou melhor, até aumentam justamente porque se acredita que não é preciso manter os cuidados.

EDITORIAL CRÔNICA

Por Amanda Schnor

A vingança dos pedestresno centro de Porto Alegre

Século XXI. Redes sociais, smartphones e informações em alta velocidade. Não é possível esperar até o dia seguinte para que aquela matéria seja publi-cada no jornal. A notícia voa e o bom jornalista tem que estar preparado para fazer de tudo um pouco e, ainda por cima, ao mesmo tempo.

Dizem que as mulheres, por não disporem de testosterona correndo por suas veias, têm a capacidade de fazer diversas coisas simultaneamente. Fotos,

textos, entrevistas e filmagens, o que for preciso para que a infor-mação chegue o mais completa possível na mente de todos os mortais.

Eu tive uma experiência como essa durante a criação da edição do mês de junho do Hipertexto. A visita ao Presí-dio Central de Porto Alegre, matéria que ilustra a capa do jornal, foi o que mais consumiu o meu tempo nesse mês. Junto comigo nas duas visitas à peni-tenciária, a repórter fotográfica Lívia Stumpf foi peça chave para que pudéssemos contar uma história que impressiona a todos. Além de fazer as fotos,

Lívia conversou com muitas das mulheres que visitavam o presídio, fez perguntas, contra-argumentou e contribuiu inten-samente para o andamento da reportagem. Além da matéria do presídio, reportei fotografi-camente as dezenas de teclados, mouses e telas de computador que enchem os depósitos da IZN Recicle Brasil, fotos essas que ilustram uma das reportagens sobre a cultura do descartável.

No contexto atual, não é possível que um profissional se contente em fazer uma coisa só. A palavra da vez é “multimídia” e de futuros jornalistas assim o Hipertexto está repleto.

A penitenciária e a tecnologia Por Fernanda Becker

Mulheres de presos se amontoam no guichê à espera da devolução das sacolas revistadas

Lívia Stumpf/ Hiper

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especial/ editorial J

5Porto Alegre, junho 2011 hiperextot

A cultura do descartável

Vive-se a cultura do descartável. Repensar a relação com o lixo não é uma utopia ambiental, mas sim uma necessidade urgente. Após a Segunda Guerra Mundial, avanços técnicos e científicos alavancaram a vida e o conhecimento humano a patamares jamais imaginados. Uma infinidade de aparatos tecnológicos passou a fazer parte do cotidiano das pessoas. Hoje, há conforto material e agilidade para os afazeres diários. O aumento da produção de bens gera um maior descarte de resíduos sólidos. “A par-cela que é consumidora tem que con-sumir compulsivamente. Para isso, é necessário que essa mercadoria tenha uma obsolescência gigantesca”, reflete a socióloga e professora da PUCRS Ruth Ignácio.

O último 5 de junho marcou o Dia Mundial do Meio Ambiente. Em um pronunciamento em cadeia de TV, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, convidou a população a re-fletir sobre a questão do lixo. Os brasi-leiros produzem 183 mil toneladas de detritos urbanos diariamente e mais de um milhão de pessoas trabalham e sobrevivem da reciclagem desse mate-rial. Apesar disso, o País perde quando objetos com possibilidade de recicla-gem são descartados incorretamente: “O Brasil deixa de ganhar 8 bilhões de reais por ano por não reciclar tudo que pode. A simples atitude de separar o lixo facilita o serviço dos catadores”, alerta Izabella.

A reciclagem se legitima ao preser-var recursos naturais não renováveis e ao possibilitar que pessoas que vivem à margem da sociedade possam recupe-rar sua dignidade. O Movimento Na-cional dos Catadores estima que 800

mil brasileiros exerçam a profissão. David Amorim, assessor de imprensa do órgão, afirma que a Política Na-cional de Resíduos Sólidos (PNRS) é mais um incentivo para a formalização do trabalho em cooperativas e socie-dades, além de agregar qualidade de vida a quem sobrevive desta função: “Políticas públicas retiram o catador da invisibilidade social para lhe dar papel de protagonista no processo de gestão dos resíduos”.

Após quase 20 anos de tramitação no Congresso Brasileiro, a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi san-cionada em agosto de 2010 pelo pre-sidente da República. O texto prevê, entre outras diretrizes, que empresas se encarreguem pelo destino final do seu lixo eletrônico. Um destaque da lei é a logística reversa, que compartilha a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos entre consumidores, produtores, fabricantes, importado-res, distribuidores e comerciantes. Assim, todos são responsáveis pelo descarte correto de seus detritos. O professor de Engenharia Química Cláudio Frankemberg aponta que não há um processo de reciclagem ideal para todos os materiais: “Cada equipamento tem uma composição distinta e, conseqüentemente, um destino diferente”. A PNRS também institui que até 2014 os lixões a céu aberto devem ser banidos ou subs-tituídos por aterros sanitários e que os municípios segreguem os resíduos para descartá-los de maneira ambien-talmente correta.

No âmbito municipal, a prefei-tura de Porto Alegre disponibiliza três pontos para a coleta de material eletrônico. Diferentemente dos lixos

orgânico e seco, recolhidos semanal-mente em todos os bairros da Capital, o tecnológico não possui esta deman-da ostensiva, garante a engenheira química e coordenadora do Núcleo de Reaproveitamento do Departa-mento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), Mariza Reis. Ela afirma que o porto-alegrense descarta, em média, um quilo de lixo por dia. “Vivemos a compulsividade e a efemeridade do consumo”, enfatiza Ruth.

A prefeitura da Capital recolhe cerca de 1,6 mil toneladas de resíduos diariamente mas apenas 10% são reaproveitadas: 100 toneladas de lixo seco são encaminhadas para triagem antes de serem recicladas e o restante é material orgânico, que vai para com-postagem e vira adubo. O que não é aproveitado segue em caminhões para o aterro do Recreio, no município de Minas do Leão.

Sucata tecnológicaEm uma área equivalente a

dois campos de futebol, 1,5 mil toneladas de lixo eletrônico exalam um odor impregnante, semelhante ao da ferrugem, característico de componentes metálicos. Milhares de monitores, impressoras, televi-sores, processadores, teclados de computador e um emaranhado de fios empilhados minam os 18,2 mil metros quadrados dos cinco galpões da IZN Recicle Brasil, única empresa que realiza a coleta desse tipo de material no Rio Grande do Sul. Nos

depósitos localizados na Região Metropolitana de Porto Alegre, o que antes era usado em residências e escritórios é amontoado por 65 funcionários que se dedicam ao des-manche de eletroeletrônicos.

Cada tonelada de lixo eletrôni-co vale, aproximadamente, R$ 1,6 mil. Isso significa que mil quilos de computadores, com média de cinco anos de uso, geram receita suficiente para comprar uma única máquina. Além da obsolescência e baixa vida útil dos materiais, o comportamento humano catalisa o fenômeno. “As pessoas descartam um produto que funciona, que ainda tem vida útil e que não está em fase de descarte fi-nal. Elas descartam porque simples-mente não o querem mais”, explica o professor de engenharia química da PUCRS Cláudio Frankenberg.

As peças internas das máquinas são vendidas separadamente para países como Paquistão e Taiwan, garantindo lucro à IZN, à medida que a produção de eletrônicos se tornou crescente. O revestimento externo, constituído basicamente por metal e plástico, é revendido e reaproveitado em novos equipa-mentos, por grupos que têm parce-ria com a empresa, como Gerdau, Tramontina e Zaffari. Mesmo com a demanda em alta, não há mão-de-obra suficiente para reciclar todo lixo produzido no Estado. “Hoje nós temos 65 funcionários, incluindo os 17 presos do regime semi-aberto que trabalham na área de desmanche e separação. Oferecemos cem vagas para presidiários, mas nunca foram preenchidas. Assim, não consegui-mos suprir a demanda na reciclagem do lixo eletrônico”, revela o diretor administrativo, Giovane Nardini.

A produção brasileira de lixo eletrônico é de cerca de 95 mil toneladas anuais. Não se deve dar outro destino ao resíduo, senão o reaproveitamento. Esse processo é projetado pelas grandes empresas, pois é viável economicamente e bom para a imagem institucional. A socióloga Ruth Ignácio revela essa disparidade entre as duas preocupações: “Existe uma questão de marketing muito grande e, por mais que mesmo conscientemente a parte administrativa não tenha consciência ambiental, ela vai ter essa preocupação por uma questão financeira”. Ruth acredita que o con-sumo desenfreado de eletrônicos e seu descarte incorreto ocasionariam o fim da espécie e menciona a preo-

cupação ambiental como prioritária no ciclo da reciclagem: “Há quem não faz por consciência ambiental, mas meramente por uma questão econômica. Do ponto de vista am-biental, isso é ótimo”, conclui.

Economia recicladaAo mesmo tempo em que a

cultura do descarte gera um nú-mero elevado de resíduos, ativistas formam uma rede de solidarieda-de que se preocupa em agir com consciência ambiental e social. O Mensageiro da Caridade, braço assistencial que segue a filosofia de trabalho humanista da Arquidioce-se de Porto Alegre, recebe doações dos mais diversos tipos de bens materiais. A maioria são objetos usados, consertados caso haja ne-cessidade, que acabam revendidos por um preço simbólico. Os núme-ros comprovam a função cumprida pelo Mensageiro: são mais de 225 mil doadores cadastrados, cerca de 100 jovens carentes empregados com carteira assinada em oficinas-escolas e uma média de 800 doações diárias. O dinheiro arrecadado serve para manter a estrutura e alimentar outras ações sociais.

Fotos: Fernanda Becker/Hiper

por André Pasquali Igor Grossmann

Trabalhadores separam materiais em galpão da IZN

Em uma sociedade pautada pelo consumo, o lixo deixou de ser mera consequência do luxo e tornou-se um dos maiores

problemas ambientais do século

Page 6: Hipertexto Junho 2011

6 Porto Alegre, junho 2011hiperextot

especial, editorial J

Natural de Tramandaí, “mas por-to-alegrense desde sempre”, Mário Morganti vive conectado ao mundo virtual sem se desconectar do mundo real. É ortodontista por profissão e apaixonado por novidades por voca-ção. No início dos anos 1990, quando conheceu a mulher, ainda na escola, já era apaixonado por tecnologias, mesmo que fossem bastante limitadas. “No colégio, tínhamos aula de progra-mação e isso era bastante moderno”, lembra. Saiu do Ensino Médio, casou aos 20 anos e cursou odontologia na Ulbra. No dia da formatura, enquanto vestia o terno e se preparava para a cerimônia, recebeu a notícia de que tinha sido aceito para um curso de pós-graduação nos Estados Unidos, para onde se mudou com a esposa. Já nos anos 2000, entre livros e cabos que

permitiam a conexão discada à inter-net, crescia não apenas o interesse pelo mundo virtual, mas também a família Morganti. Paula, a esposa, descobriu que estava grávida e voltou para Porto Alegre, onde deu à luz Francisco, o primogênito.

Terminado o curso nos EUA, voltou em definitivo para o Brasil e se instalou na casa onde Mário cresceu e onde nasceu Giovana, a segunda filha do casal. Hoje, os dois pequenos Morganti estão quase tão habituados quanto o pai às tecnologias que os cercam. Aos 11 anos, Francisco tem o próprio iPhone. Giovanna, aos quatro, navega na internet com intimidade de dar inveja a muito adulto. Paula é a menos conectada dos quatro. “Se ela lembrar de levar o celular quando sai de casa já é uma vitória”, brinca o marido. Aos poucos, os apetrechos tecnológicos que são ignorados por

muitos tornaram a vida de Mário e de sua família mais simples e divertida.

A confortável casa na Avenida Protásio Alves onde Mário vive com a família é um ninho tecnológico. Além da esposa e dos filhos Francisco e Giovanna, vivem ali dois iMacs (ambos de três anos), dois iPhones (o mais novo de dois meses e o mais velho de três anos), um iPad (um ano), um MacBook (um ano), um Xbox360 (um ano), uma AppleTv (um ano), uma televisão de LCD (três anos) e uma cadela Boxer (três anos). À exceção da esposa, todos juntos somam 34 anos, exatamente as idades de Paula e Mário.

Quando senta à mesa do café da manhã com a família reunida, não são mais as folhas ásperas e cinzentas do tradicional jornal impresso que as mãos de Mário tateiam em busca da notícia. Desde o ano passado, a tela lisa, brilhante e colorida do iPad exibe

os periódicos em formato PDF de três jornais diferentes. Além das versões na íntegra, ele recebe as atualizações da madrugada e início da manhã. “Continuamos assinando o jornal, mas eu acabo lendo todas as notícias direto no iPad”, conta.

Ao longo do dia de trabalho, seja no consultório que divide com a mãe, seja na Santa Casa de Porto Alegre, o celular entra em ação, e o ortodontista se mantém conectado o dia inteiro. “Quando tenho uma pausa, ainda que sejam cinco minutos para tomar um café, consigo checar meus e-mails e ver se há alguma coisa de muito importante”, revela. Mesmo longe do computador, Mário vive online.

No fim do dia, volta para casa tranquilo, sem nenhuma pendência para verificar no computador de mesa, que antes era o protagonista da vida virtual. As duas horas que costumava

ficar sentado em frente à tela foram convertidas em momentos de convi-vência familiar. “Eu chego em casa e vou conversar com a minha esposa ou brincar com meus filhos”, conta.

Hoje, Mário e sua família estão mais perto dos Jetsons do que dos Flintstones, desenhos animados que, nos anos 1960, eram referências de uma família do futuro e do passado, respectivamente. Em pouco tempo, todos os apetrechos que facilitam e fazem parte da vida dos Morganti não terão mais uso e serão descar-tados. Ao mesmo tempo em que o homem se aproxima de tecnologias que pareciam improváveis há algum tempo, a quantidade de mercadorias descartadas se aproxima do absurdo. A produção, o consumo e o descarte de tecnologias fazem parte uma equa-ção complexa que, por enquanto, não tem resultado previsível.

“Promovemos a caridade de for-ma organizada e com responsabilida-de ambiental. Começamos com esse trabalho há 55 anos, muito antes de a sociedade pensar sobre isso”, afirma Elton Bozzetto, assessor de comuni-cação da instituição.

Professor de Física aposentado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rolando Axt, 68 anos, há 10 usufrui do serviço prestado pelo Mensageiro. Desde que parou de lecionar, há três anos, frequenta quase que diariamente o prédio localizado na Avenida Ipiranga. Ele acredita que a solidariedade pode ajudar as pessoas a darem um melhor destino a algo que iria ser jogado fora, além de auxiliar os beneficiados. “O futuro do computador é o lixo e o fu-turo do lixo é computador”, dispara ao ressaltar a necessidade da reciclagem. Axt tem por hábito comprar vitrolas e presentear quem ele julga que irá fazer bom uso do equipamento. Acredita que já comprou mais de 200 apare-lhos sonoros, dos quais ainda restam

cerca de 50 empilhados por diversos cômodos da casa. “É como pescar, tem dias que é bom, tem outros que não”, brinca.

O estudante universitário Paulo Guilherme Alves, 22 anos, conheceu o trabalho do Mensageiro da Caridade após mudar-se do apartamento que dividia com um colega. “Estava difícil comprar móveis. Até em mercados de rua o preço era alto”, conta. Um amigo lhe indicou a instituição e Paulo mobiliou metade do seu novo lar. Sofá, mesa, raque, bidê, luminária, armá-rio, microondas e fogão custaram, juntos, 350 reais. “Estas organizações solidárias rompem com a lógica mer-cantilizada do produto ao procurar ser ambiental e socialmente corretas. Além disso, criam o princípio da so-lidariedade”, sustenta Ruth Ignácio.

O admirável homem contemporâneopor Marcelo Sarkis

Quer saber mais? Confira a galeria de fotos e o debate com quatro especialistas sobre a

cultura do descartável no site http://cyberfam.pucrs.br/

- Av. Ipiranga, 1.200 (3289 6163)- R. Voluntários da Pátria, 2987 (3061 9101)

-Av. João Goulart, 158 (3289 6941) - Travessa Carmen, 111 (3289 6958)

- BR-116, ao lado do pórtico de Sapucaia do Sul (3452 4000)

- Av. Alberto Bins, 629 (3013 8333)

Para onde encaminhar seu lixo eletrônico:

Felipe Dalla Valle/Hiper

Mensagem na parede da IZN Brasil

Em seu escritório, Mário trabalha com celular, tablet e computador de mesa simultaneamente

Fotos: Fernanda Becker/Hiper

Page 7: Hipertexto Junho 2011

hiperextotPorto Alegre, junho 2011 7

especial/ editorial J

Uma vez por semana, Ruth Ré-gio, 85 anos, dedica um dia inteiro à limpeza de sua louçaria. Dentro de um armário envidraçado na sala de estar do apartamento onde vive em Porto Alegre estão cuidadosamente dispostos objetos de mais de cem anos. A coleção de utensílios de chá que ganhou no dia de seu ca-samento, no início dos anos 1950, permanece intacta. Em um lugar de destaque é possível ver uma única xícara rosa com detalhes em bran-co. Herança das bodas da mãe, que casou há mais de um século.

Quando Ruth passa o pano com tanto cuidado pela preciosa louça, não é apenas das xícaras e taças que ela tira o pó. É de seu próprio pas-sado, que ela revive todos os dias. “Estar rodeada das coisas antigas me faz pensar que estou mais perto das lembranças”, explica. Pedaços de vida expostos, ao alcance da mão. Assim parece a casa de Ruth: um santuário de memórias. No hall de entrada, movéis também da época do casamento dos pais dividem o espaço com inúmeros quadros, de cartões postais que a sobrinha enviou da Espanha a uma pintura da antiga casa onde morava.

Natural de Pelotas, mudou-se para a Capital em meados dos anos 1960. Cercada de todos os seus an-tigos pertences, Ruth transformou em lar um pequeno apartamento na Cidade Baixa. A casa parece uma colorida confusão de retra-tos, miniaturas, cristais, flores e quadros, mas Ruth garante: tudo é minuciosamente organizado por ela. “Encontro tudo até no escuro”, brinca.

Na sala de estar, o conjunto de moveis de 60 anos abriga a louça-

ria e sustenta a pequena televisão. “Meu pai me deu essa mobília de presente de casamento”, conta Ruth. “Ele mandou fazer na melhor marcenaria de Pelotas. Na época não existiam móveis prontos. Hoje têm, mas são horríveis, não duram nem cinco anos”, reclama. Sobre a estante, mal se enxerga o pequeno televisor, rodeado por bibelôs e muitos porta-retratos. “Não gosto de televisão”, conta a aposentada. “Até gostava, mas hoje em dia só passa baixaria e crime.”

Na casa de Ruth, a TV é substi-tuída pela música. A vitrola intacta – também presente de casamento – ainda toca seus tangos favoritos, gosto herdado da mãe uruguaia. “Gosto de coisas que digam algu-ma coisa, que tenham uma letra ou uma melodia bonita”, conta. Sobre as músicas contemporâneas, é categórica: “Tudo barulho”. Na verdade, são muitos os hábitos modernos que ela não incorporou. Celular? “Tenho sim”, afirma. “Só não sei onde está. Deixei dentro de uma bolsa qualquer e agora não encontro.”, diz, rindo.

No antiquário que é seu aparta-mento, os eletrodomésticos novos da cozinha destoam do resto do ambiente, mas Ruth explica, com pesar: “Levei meus eletrodomés-ticos antigos para a casa da praia, em Atlântida Sul, e comprei novos para a casa de Porto Alegre. A pior coisa que fiz!”. Os antigos utensílios – ainda presentes de matrimônio – funcionam perfeitamente, ela garante. A geladeira de apenas cin-co anos, no entanto, “não vale um sabugo”. Ruth já está no segundo liquidificador – para ela, um ab-surdo. “Os jovens estão roubados”, adverte.

Ruth dorme há 60 anos na

mesma cama, arruma-se na mesma penteadeira, guarda as roupas e os incontáveis chapéus no mesmo armário. Há 45 anos, faz tudo isso sozinha. Em 1966, perdeu o marido, Galba Vieiro Régio, para um câncer. O quarto do casal permanece intac-to desde então.

Um espelho de mão repousa sobre a penteadeira – foi presente do aniversário de 15 anos. “São 70 anos refletidos neste espelhinho”, emociona-se a aposentada. Ao lado dele, um pequeníssimo armário envi-draçado abriga bibelôs de diferentes épocas e lugares. “Gosto de guardar lembranças. Quando viajo, como não posso comprar coisas muito grandes, compro as miniaturas”, explica.

Não apenas na casa de Ruth estão acumuladas memórias. Ao re-dor de seu pescoço, os pingentes no colar revivem lugares e relembram pessoas. As fotos das duas netas dividem o espaço com adereços de várias cidades do mundo. Na vida desta mulher, as memórias são sólidas – feitas de madeira, de prata, guardadas em um armário ou em uma corrente perto do coração. “Depois de um tempo, acabamos não guardando mais as coisas pre-sentes”, reflete Ruth. “Ficamos só com as coisas passadas.”

Em uma casa onde imperam as lembranças, o descarte dificilmente ganha espaço. A lógica é simples: Ruth compra pouco e guarda muito. Raramente seus pertences vão para o lixo. Em 2011 um celular compra-do em 2009 pode até ser jogado fora, mas os móveis e utensílios de outro século que sustentam a vida da senhora octogenária são peças a serem mantidas. Se a cultura do descartável é lei no nosso tempo, Ruth é uma pessoa que pode se orgulhar de viver no passado.

O relicário de Ruth

Maldito foi o homem que pediu ao inventor King Camp Gillette, em 1901, que criasse algo que fosse usado apenas uma vez para que o cliente com-prasse mais produtos. Assim surgiram as lâminas de barbear descartáveis. Esta inovação, no começo, não fez muito sentido para a maioria das pessoas, que só compreendiam a existência de objetos duráveis, como uma na-valha. Naquele contexto, Camp

não criou apenas um produto prático de higiene pessoal, mas foi ele o primeiro a materializar um conceito fundamental do sistema capitalista: a cultura do descartável.

A consolidação dos descar-táveis trouxe conforto, mas com ele veio atrelado um dos maiores problemas da sociedade contem-porânea: as toneladas de detritos produzidos diariamente. Lixo não é algo novo, ele tem uma longa

história, possuindo muitos sig-nificados que revelam valores de diversas culturas. Na China anti-ga, qualquer pedaço de papel com algo escrito possuía valor e não deveria ser jogado fora, embora pudesse ser queimado, através de um ritual. Na Itália, uma das regiões mais urbanizadas no fim da Idade Média, o controle de lixo já tinha grande importância. Em Siena, a municipalidade alugava porcos para comer os detritos e manter as ruas relativamente limpas. Entretanto os padrões de higiene urbana, incluindo a questão do lixo declinaram sig-

nificativamente após 1800 com o crescimento das primeiras cidades industriais

A efemeridade imposta pela pós-modernidade e a baixa vida útil dos aparelhos tecnológicos catalisam o caos da situação. Vivemos num período em que tudo fica rapidamente obsoleto. É uma crise da relação entre homem e objeto, quebrando-se a ligação afetiva e sentimental. Infelizmente descartar tornou-se um hábito contemporâneo. É difícil ir contra a corrente quando o baixo custo dos pro-dutos derivados de plásticos

atrai o consumidor e a indústria desenvolve artigos que tenham prazo diminuto de validade, de forma proposital, para manter a economia aquecida. A cultura do descartável não engloba ape-nas essa condição material da produção e lógica de mercado, ela consolidou-se como compor-tamento quase intrínseco do ser humano. É agora, momento em que o homem está mais sapiens do que em qualquer momento da história, que devemos nos perguntar: o que faremos quan-do acabar o “fio da navalha” de nossos recursos naturais?

APELO À SAPIÊNCIAPor Felipe Martini

por Natália Otto

Felipe Dalla Valle/Hiper

A aposentada se orgulha de sua louçaria centenária

Page 8: Hipertexto Junho 2011

8 Porto Alegre, junho 2011hiperextot

reportagem

Qualquer forma de amor vale a pena, já dizia Manuel Bandeira. Amor materno, amor fraterno, amor platônico, amor bandido. Inspirado nas datas românticas do mês de junho, duas repórteres do Hipertexto, recebidas pelo diretor geral, tenente-coronel Leandro Santini Santiago, entraram no Pre-sídio Central de Porto Alegre para relatar como é a rotina de milhares de mulheres que desprendem tem-po e esforço visitando filhos, ma-ridos, namorados, companheiros apenados na penitenciária.

Olhos pintados, batom e blush como se fossem a uma festa. Cabelos escova-dos e muito perfume. É assim que a maioria das mulheres visita os presos no maior presídio do estado. A superlotação é visível. Localizado na Avenida Coronel Aparício Bor-ges, o presídio mantem uma média 4.800 presos, enquanto a capacidade máxima seria de 1.600 apenados. Mas elas não se impor-tam com isso. Duas visitas semanais são permitidas, das 8h até as 17h. As visitas são dividas em dois grupos, o primeiro nas terças e sábados, e o segundo nas quartas e domingos.

Carolina, nome fictício de uma jovem de 19 anos, frequenta o pre-sídio religiosamente duas vezes por semana para visitar o namorado preso. A família dela não aprova, relata uma amiga e a visitante con-firma. “Meu pai diz que eu não acor-do às 4h da manhã para ir trabalhar, mas para vir ao presídio venho bem disposta.” No dia da entrevista ao Hipertexto, Carolina havia che-gado durante a madrugada na fila da penitenciária, mas esse foi dia excepcional, ela costuma chegar por volta das 22h do dia anterior para conseguir entrar cedo nas galerias. Ela namora há quatro meses com Luiz, nome fictício do presidiário que cumpre pena por tráfico de drogas. Carolina é mais uma das que repete a mesma frase “essa é a última chance dele”, sonhando com a libertação do amado e o abandono da vida do crime.

A rotina de visitas movimenta todos os arredores do Presídio

Central. Minimercados e pequenas casas de comércio trabalham para atender as necessidades das pessoas que visitam seus entes criminosos. Tudo é comercializado, desde gar-rafas d’água e bolachas, até espaços em pequenos armários que guar-dam pertences proibidos de entrar nas dependências da penitenciária. Há uma preocupação em vender tudo aquilo que é permitido. Não é por menos, todo agrado aos homens presos é bem-vindo. Muitas mu-lheres reclamam de uma proibição que recentemente foi colocada em vigor – os potes de comida. Antes possibilitadas de levar grandes quantidades de alimento, agora elas têm de se contentar com volumes menores e potes que abriguem

porções individuais. Todos os recipientes ti-veram que ser trocados por novos tamanhos. O comércio, é claro, não perderia o lucro com mais esse produto.

O processo da visi-ta no Presídio Central é complexo. Sacolas, pertences e roupas

são minuciosamente revistados para assegurar o conceito de “se-gurança máxima” do complexo penitenciário. Algumas pessoas são selecionadas para passar pela revista íntima minuciosa e é aí que ocorrem os maiores conflitos entre a polícia e os visitantes. As mulheres dizem que o exame é abusivo, a polícia, que não passa de uma ação rotineira. Mostrar as partes íntimas para a verificação de um possível esconderijo de drogas, armas ou telefones celulares causa um constrangimento sem tamanho para aquelas que se submetem às exigências da visita. Muitas não querem nem ser identificadas, o preconceito cai até mesmo sobre elas por se relacionarem com resi-dentes do Presídio Central.

Nas sacolas, elas trazem pães, bolachas, materiais de higiene e cobertores. Esses são os principais itens que entram no presídio, mas as restrições são cada vez maiores. “Nós pagamos pelos outros”, disse uma visitante. Semanas antes uma mulher foi pega com uma faca escondida dentro da comida. Para ela, prisão em flagrante, para as outras, as consequências de um ato irresponsável de quem só alimenta o crime.

Amor entre quatro grades A história de mulheres que não medem esforços para visitar seus amores encarcerados

Dia de visita feminina no Presídio Central

Por Fernanda Becker

As mulheres dizem que a

revista íntima é abusiva, a

polícia, que não passa de uma ação rotineira.

Mulheres se submetem a revistas constrangedoras para reverem o amado na cadeia

Page 9: Hipertexto Junho 2011

reportagem

9Porto Alegre, junho 2011 hiperextot

Todos os presos têm direito a visitas íntimas. A organização da duração desses encontros e como eles ocorrerão é de responsabilida-de dos apenados. Existe uma hie-rarquia interna – que passa longe do poder dos policiais – que regula e controla, entre outras coisas, as visitas de cunho sexual. Pergunta-das se são respeitadas pelos colegas de cela de seus companheiros no momento da visita íntima, muitas mulheres disseram que o respeito é até maior do que por parte da Bri-gada. “Quando eu passo, os outros até abaixam a cabeça”, disse uma visitante. Em média, cada visita ín-tima dura 20 minutos. Não poderia ser diferente, o espaço é pequeno e o rodízio, grande.

O entra e sai dos furgões da Susepe é constante, assim como o movimento de pessoas que passam por lá diariamente. Mas não são só mulheres que visitam a cadeia. Famílias inteiras se deslocam para ter um momento de convivência com os seus familiares. No dia 8 de junho, uma imagem chocou especialmente quem aguardava o acesso à cadeia. Duas crianças, um casal de irmãos, ela com apro-ximadamente 13 anos e ele 11. Ela carregava consigo uma cartinha, um bilhete que seria entregue ao pai apenado. Ele olhava tudo com cara de espantado. Ambos eram acompanhados por uma assistente social e uma psicóloga.

Os dois irmãos, residentes de um abrigo da capital, seriam en-

tregues à adoção e se preparavam para entrar e dar o último abraço no pai, já que a mãe também havia entrado para a vida do crime. Logo após a visita, no caminho da saída, pararam em frente à imagem de Virgem Maria Imaculada Concei-ção, fizeram uma pequena oração, secaram as lágrimas que caíam dos olhos e saíram dali. “Esse lugar não é para criança”, disse a sargento responsável pela portaria.

Carolina, aquela que sofre com a desaprovação da família, quando perguntada se o namorado a visi-taria se fosse ela a presa respondeu rapidamente “com certeza não”. No mês de maio, 18.636 mulheres en-traram no Presídio Central de Porto Alegre para visitar homens apena-dos, levaram milhares de sacolas e declarações de amor. Passaram por muitas humilhações para driblar a saudade e perguntadas se tudo isso vale a pena, a resposta é única, vale muito a pena.

- 18.636 visitas femininas- 2.414 visitas masculinas- 655 visitas de meninas- 622 visitas de meninos- 17.014 sacolas entraram- 358 correspondências re-

cebidas- 485 novos cadastros de

visitas

A revista é o momento que mais tenciona as visitantes. Entre as lendas que circulam sobre esse momento difícil há uma muito re-petida. Conta-se que numa revista de rotina teria sido descoberta um mulher que trazia um bebê de colo que carregava no seu corpo muitos pacotes de droga. Detalhe: a crian-ça estaria morta, teria tido seus órgãos retirados e substituídos pelas substâncias ilícitas.

FotosLívia Stumpf

Muitas lendas

Uma gruta na frente da cadeia para orações

Mulheres obstinadas: todo o sacrifício para rever o amado atrás das grades

VISITAS DE MAIONO CENTRAL

A fila das mulheres com sacolas de presentes na frente da Penitenciária Estadual nos dias de visitas, quatro vezes por semana

Page 10: Hipertexto Junho 2011

10 Porto Alegre, junho 2011hiperextot

A cada dia, mais gente quer saber fotografar e não apenas registrar momentos. O aumento na oferta de cursos e a consolidação de escolas de fotografia em Porto Alegre são provas disto. Um exemplo é a escola Câmera Viajante, criada em 1999, para cursos de fotojornalismo, casa-mento, evento, fashion, photoshop, retrato, entre outros. Todos são reeditados semestralmente.

De acordo com o professor e um dos diretores da escola, Gerson Turelly, desde 2005 se constata a duplicação anual no número de ins-critos. Segundo ele, nos primeiros anos, quase a totalidade dos alunos era amador. Hoje, os inscritos são tanto amadores, quanto pessoas que exercem a foto como atividade profissional.

Para Turelly, isso se deve a al-guns motivos relativamente visíveis: a redução no preço dos equipamen-tos, desde os mais simples até os mais sofisticados e ao aumento nos recursos disponíveis nas câmeras mais baratas. Isso ampliou a possi-bilidade de se capturarem boas fotos. Há também a crescente facilidade no

manuseio. “A tecnologia digital está mais auto-explicativa e proporciona a observação imediata dos resulta-dos, diferentemente do que era a fotografia em película”, compara.

Na Casa de Cultura Mario Quin-tana, em Porto Alegre, dois fatos também indicam o interesse pela fotografia. O Instituto Estadual de Artes Visuais, que coordena uma galeria na Casa reabriu as portas nesse ano, depois de ter ficado fe-chado entre 2006 a 2010. O instituto reabriu com a proposta de exaltar a arte contemporânea, incluindo com destaque a fotografia “não só como um produto final, mas en-quanto um processo”, esclarece a assessora Thaís dos Santos Leite. Em março, o instituto promoveu a exposição Ensolarado 16, resultado de uma oficina para construção de câmeras artesanais. O resultado, visto por cerca de 730 pessoas, foi considerado positivo e instigante, por remontar aos primórdios da captação fotográfica.

Em maio, a Casa de Cultura recebeu duas exposições somente com reproduções de fotos feitas por profissionais de renome: Guy Bordin, precursor da fotografia de moda no mundo, e Sebastião Salgado, brasileiro reconhecido

internacionalmente por suas ima-gens impactantes. Mas, mediante a facilidade de se observarem cópias com uma qualidade muito parecida da original em um computador, por exemplo, fica a dúvida, por que uma mostra fotográfica chama a aten-ção das pessoas? Ulisses Carrilho, integrante da equipe do Museu de Arte Contemporânea, que recebeu a mostra Guy Bordin, diz que própria exposição é um atrativo. “Esta aqui foi cuidadosamente planejada, e a curadora Shelly Verthime, além do herdeiro, Samuel Bordin, estiveram em Porto Alegre na inauguração, divulgando a obra deste artista que para nós, até então, não era bem conhecida”.

Guy Bordin, que iniciou sua carreira na década de 50, utilizava técnica analógica, assim como toda a geração de profissionais da época. Estes “antigos” já viram seu arsenal de trabalho se tornar praticamente artigo de museu, mas o ensinamento persiste fazendo sentido, à medida que a essência da arte permanece, como diz WinWenders no filme Palermo Shooting.

Uma foto é artística quando é feita com técnica, conhecimento e muita prática, ensinam os mestres de fotografia. O difícil é encontrar

arte em tantas imagens divulgadas nas páginas pessoais das redes so-ciais, na internet. Poucas revelam qualidade técnica, como o respeito à “regra dos terços” (forma de se pensar a imagem de acordo com o olhar). “A foto é uma forma de congelar o momento que nenhuma outra arte pode superar”, esclarece o professor de fotografia da Famecos, Elson Sempé Pedroso. Ele e outros apaixonados pela fotografia obser-vam que no momento em que se debate a extinção de algumas mídias, a foto nunca entrou na discussão.

Para Gerson Turelly, a populari-zação da imagem fotográfica é irrefu-tável. “Quanto mais somos atingidos por imagens, mais queremos produ-zir novas, tanto no âmbito domésti-co, fotos de viagens, por exemplo, quanto comercialmente, pelo uso ostensivo na área da comunicação. Em nossa escola, os investimentos em pesquisa e qualificação contínua dos professores, com a ampliação da infra-estrutura, são determinantes para que nos mantermos firmes no mercado.” O que comprova que está cada vez mais fácil e, parado-xalmente, mais difícil fazer algo de significativo neste mundo saturado de informações, mas sedento de conhecimento e criatividade.

CulturaFotografia em ascensão como arte

Clicar é uma habilidade hoje mais acessível, mas exige conhecimento para ter qualidade

O cineasta alemão Win Wen-ders alerta, no filme Palermo Shooting, para a perda da essência na digitalização completa das téc-nicas. O aclamado diretor do docu-mentário Pina foi massacrado pela crítica em sua nova obra, quando de seu lançamento em Cannes.

A história, cujo “herói” é um fotógrafo, trata, entre outros te-mas, da imagem como reveladora do homem e da sua vida. Wenders questiona a perda da essência humana a partir do momento em que não há mais tempo para se pensar, de se digerir fatos, no caso imagens, que são tiradas aos montes sem serem reveladas, ou impressas, permanecendo apenas no ambiente digital.

Reproduções das fotos de Sebastião Salgado ficaram expostas na Casa de Cultura Mário Quintana

O alerta do filmede Win Wenders

A Casa de Cultura Mário Quin-tana, reduto das artes na cidade, possui um laboratório fotográfico destinado à realização de cursos e oficinas. A estrutura, devido à falta de recursos, ainda é totalmente analógica.

Por Caroline Witczak

Laboratório obsoleto

As fotos sensuais no mundo da Guy Bourdin desperta-

ram a atenção

Fotos Caroline Witczak/Hiper

Page 11: Hipertexto Junho 2011

11Porto Alegre, junho 2011 hiperextot

A admiração por um ídolo ou

por uma história é comum, porém formar um fã clube com essa paixão é diferente e exige bastante. Não basta seguir o personagem admira-do, é preciso tempo para cuidar das tarefas como atualizar sites, ir aos encontros, shows, lançamentos de músicas ou às novas edições da saga literária. Tudo isso é o alimentado pelos fãs para outros fãs.

Eles encaram tudo o que for necessário para ver o ídolo ou para ter um exemplar do tão sonhado livro. Não apenas esperaram mais uma apresentação e fazem cartazes para demonstrar seu entusiasmo. A fã de Anahí, Kerllin Pereira, estudante de 18 anos, definiu essa ligação com uma interpretação da cantora: “Ser fã é dar sem esperar nada em troca, é algo que poucos podem sentir e, por isso, somos úni-cos.” Os participantes de fãs clubes mantêm as redes sociais atualizadas para que não recebam críticas dos seguidores.

Kerllin, além de participar do fã clube “Anahí Rocks” com mais de 10 mil membros, faz parte da equipe do maior fansite da cantora no Brasil, o Oh-Anahi.org. Ela con-sidera que o mais surpreendente do site é receber visitas de jovens de muitos países, como Polônia e Rússia. Kerllin conta que, por esse motivo, “faremos versões em espa-nhol e inglês, visando um melhor entendimento a todos e quem sabe torná-lo oficial”.

A ex-dona de fã clube Fran-

cielle Bittencourt, 17 anos, explica que é muito difícil conciliar tudo. É indispensável fazer as atualiza-ções. A busca pelo apoio da banda é complicada, porque depende do número de pessoas, do tempo de site e outros critérios. Na maioria das vezes, a gravadora dá um auxílio ao fã clube, mas demoram meses até dar uma resposta. Por isso, ela decidiu largar a atividade porque está se dedicando ao estudo para

prestar vestibular em Porto Alegre e não tem mais tempo dis-ponível.

Os seguidores li-dam também com as mudanças dos ídolos devido ao seu cres-cimento e mudan-ças profissionais. No caso de uma saga literária, essas trans-formações levam uma geração junto. Guilherme Meira, vestibulando de 17 anos, é fã de Harry Potter desde os nove anos. “Para quem leu ou assistiu a saga desde o começo, é

demais, pois você cresceu junto com Harry e sua turma”. Maria Eduarda, estudante de 15 anos, fã do Mcfly, que se apresentou em Porto Alegre recentemente, disse que não pode se chatear pelos integrantes da banca terem crescido e mudado. É natural que eles queiram inovar, fazer coisa diferente, mas ela ainda prefere as músicas do estilo inicial da banda.

Tudo pela paixãoFã de Simple Plan, Francielle

Bittencourt reconhece que já passou por muitas experiências por causa banda. Ela já ficou uma semana na fila em frente ao Pepsi on Stage para ver o Simple Plan em 2009. Para homenageá-los, tatuou SP no pescoço no dia do seu aniversário.

Isso não foi pouco, outras ad-versidades ela enfrentou por seus ídolos. Francielle já ficou de plantão na rua, fora de hotéis, se hospedou e ficou dias sem dormir. Apesar disso, ela não perde o entusiasmo. “Quando tu percebes que tudo deu certo, tu nem lembra mais de como foi difícil conseguir tudo.”

O mesmo acontece com admi-radores de sagas literárias. Gui-lherme Meira, fã de Harry Potter de Porto Alegre, já foi em algumas

pré-estréias, eventos dedicados à saga, encontro de fãs-clubes e lan-çamentos dos livros. Na estréia da sétima edição da saga, as caixas com os livros foram abertas. As pessoas começaram a se jogar em direção aos livros. Segundo ele, foi muito assustador perceber o quanto uma série pode significar para alguns.

Guilherme se sente uma espécie de figurante do filme nos eventos dedicados a sua divulgação, pois as pessoas estão fantasiadas e usam apetrechos de bruxos que ele até

desconhecia existirem para venda. Ele destacou o encontro anual que acontece na Usina do Gasômetro com peças de teatro, desfiles, mu-sicais e competições.

Para descrever o seu sentimento por Harry Potter, Guilherme diz que “a grandiosidade de Harry Potter vai muito além da ficção, pois, trata-se de uma história sobre bruxos, que tornou seus leitores, muitos mais humanos”. Enquanto isso, Francielle alega que “cada pessoa tem um vício, eu gosto de bandas”.

Fãs levam a vida pelos ídolos Clubes de fãs não têm só paixão, são necessários compromisso e responsabilidade

Por Juliane Guez

Fã que é fâ não perde shows de seus ídolos, chegam a fazer viagens, a alegria de garantir o ingresso

Participantes de fãs clubes mantêm redes sociaisEstá na cara o entusiasmo das garotas

Fotos Fernanda Becker/ |Hiper

Page 12: Hipertexto Junho 2011

Porto Alegre, junho 201112 ponto final hipertexto

Ensaio

Que consentimento carrega uma saia mais justa ou blusa decota-da para um desconhecido infringir meu corpo, se achar capaz de passar por cima das minhas próprias regras? É a vaidade

feminina que indica se a jovem está pronta e a fim de ceder ao sexo, justo naquele momento, sem conversa ou permissão? A roupa, o estado alcoólico, a caminhada sozinha em horário tardio são algumas das des-culpas esfarrapadas que a sociedade retrógrada expõe para os estupros. Essa mesma sociedade tolera e se diverte com o humorista que declara: “homem que estupra mulher feia não merece cadeia, e sim, um abraço”.

É por essas e inúmeras outras questões que mulheres, esguias ou fora dos tão exigentes padrões, realmente vadias ou pudicas (por que não frígi-das?), solteiras, casadas, mães, homossexuais e de todas as mais diversas características têm se unido com trajes provocantes e alguns cartazes igualmente apimentados e questionadores mundo a fora. São manifes-tações que defendem o direito das mulheres de livremente se produzirem como bem entender, sem serem codificadas por machos sedentos e ina-propriados como um convite silencioso e obrigatório para o que deveria ser “o amor em sua forma prática”, ou “reprodução de vida”. Quando, na verdade, muitas se vão nesse atentado agressivo a qualquer pudor feminino, que é o estupro silencioso a que muitas vítimas se submetem.

O movimento inicou em 3 de abril de 2011, em Toronto, no Canadá, e foi batizado ironicamente de Marcha das Vagabundas (em inglês: slutwalk), numa revolta ao comentário de um policial que, ao orientar universitárias, disse que “se a mulher não se vestisse como uma vadia, reduziria o risco de sofrer um estupro”. A visão machista e errônea foi exposta a uma plateia composta por jovens que desde pequenas viram suas mães chefiar lares e cozinhas e descobrir a capacidade também de pilotar carros e grandes empresas, não só panelas e fogões.

Depois de sutiãs queimados e das voltas que o mundo deu, a igualdade foi adquirida a duras penas por figuras corajosas que se impuseram e deram as caras a tapa para, com traços delicados e cabelos compridos, ter os mesmos direitos dos seres do sexo masculino. Apesar das conquistas, hoje ainda as mulheres são obrigadas a escutar palavras impublicáveis, sussurros de tarados e olhares maliciosos que se acham e se supõem cheios de razão. Mulher que revida a agressão é tida como ultrajante, inconsequente, mal amada, feminista, “sapatona”.

Soma-se a isso o desgosto de ter que andar olhando para o chão e com a maior discrição possível para não chamar atenção do macho que pensa que mulher produzida ou bem arrumada deseja um “elogio” grosseiro e mal colocado. Devemos ter o direito de dizer um “não” que soe e seja realmente uma negativa aceita. É intolerável o cárcere de não poder escolher, de ter, mesmo, quantos parceiros bem desejar. Queremos ser

valorizadas como um corpo com vontades e impulsos, e não apenas como uma vagabunda, sem direitos e, muito menos, compreensão.

Por que rotular e seccionar mulheres entre “vadias” e “santas”, quan-do deixá-las livres é melhor negócio tanto para sua própria expressão (e não repressão) sexual e emocional? É ganho tanto para as moças de saia, quanto para o lado masculino da população. Quer relaxar? Beba uma cerveja, procure os amigos, vá jogar sinuca ou ao sagrado futebol de quarta-feira à noite. Anda precisando de sexo? Caso não tenha parcei-ra, companheira, ou alguém disponível, desembolse, pague. Agora não pense que apenas por ser vaidosa toda mulher é fútil ou idiota e merece ser forçada ao sexo.

Nem vadia, nem santa, apenas livre

Camila Paier João Veppo Neto

A Marcha das Vagabundas, que corre o mundo, chega a Porto Alegre misturada com o apelo a favor da maconha

Crônica