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História da Medicina Tradicional Chinesa 中医ZhōngYī Lìshǐ João Sampaio 2002

História da Medicina Tradicional Chinesa

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História da Medicina Tradicional Chinesa 中医历史

ZhōngYī Lìshǐ

João Sampaio 2002

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“toda a teoria é falsa […]; a grande ciência consiste em abraçar[…]; analisar é uma ciência inferior”

Dao de jing de老子 Laozi (Séc VI a.C.)

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Índice

I Introdução 4 II Do Homem primitivo à dinastia Shāng-Yīn (até 1027) 14 Descoberta de plantas e substâncias medicinais 19 Origem de tratamentos externos, acupunctura e moxibustão 21 Primórdios da actividade médica e protecção da Saúde 24

III Desenvolvimento da Medicina e Farmacopeia Chinesa desde a dinastia Zhōu época dos Sān Guó(três reinos) (1027 a.C – 265 d.C.)

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Início da compreensão das doenças 37 Os séculos VI e V a.C. Ocidentais 39 Invenção dos vinhos medicamentosos e decoções 41 Génese na protecção da saúde 45 Criação de um Sistema de Serviço Médico 48 Formação de um sistema teórico médico 49

IV O pleno desenvolvimento da Medicina e Farmacopeia Chinesa (desde as Dinastias Xī Jìn, (anterior) e Hòu Jín, (posterior) até às Dinastias 隋 Sui, 唐 Tang e Wǔdaì (Cinco Dinastias), (265d.C. – 960d.C.)

59 Cronologia de 220 a 960 60 Sistematização da palpação do pulso 63 Desenvolvimento nos factores patogénicos e sintomatologia 65 Progresso da Matéria Médica e da Medicina 65 Sumário de preparações medicinais 69 O grande desenvolvimento da Medicina Clínica 72 Cirurgia 73 Traumatologia 73 Obstetrícia 74 Pediatria 75 A educação médica e o sistema administrativo 76 As trocas médicas entre a China e os Países estrangeiros 78

V Sistematização Médica, Desenvolvimento e Debates de Aprendizagem (Dinastias Song e Ming 960 – 1368 D. C.)

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Cronologia de 895 a 1644 82 Desenvolvimento da Educação Médica 86 Fórmulas 87 Acupunctura e moxibustão 90 Ginecologia 92 Pediatria 92 Cirurgia e Traumatologia 93 Medicina Forense 94 Debates Médicos durante as dinastias Jin e Yuan 94 Trocas entre a China e países estrangeiros 97

VI Novos desenvolvimentos na teoria médica e prática (Ming e Qing – 1368-1840)

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Farmacologia Tradicional Chinesa 104 Desenvolvimento Sem Precedentes e Popularização das

Fórmulas de Farmacologia da Medicina Tradicional Chinesa

107 Especialidade de medicina interna 109

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Cirurgia e traumatologia 110 Obstetricia e ginecologia 110 Pediatria 111 Especialidade de oftalmologia, estomatologia e dentista e

laringologia

111 Acupunctura 112 Terapia Popular 113 Investigação Efectuada sobre os Clássicos Médicos e

Compilação de Diversos Trabalhos Médicos

114 VII Fim do império 120 VIII Bibliografia 123 IX Anexo 128

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Introdução

“Um verdadeiro móbil de forças que trabalham contra nós hoje em dia na Ásia e em África é no ódio milenar mantido pelo orientalismo asiático contra as últimas réstia da era da civilização ocidental que ainda ardem nessas regiões. O que o Oriente não pode suportar, é a luz potente e redentora numa cultura que proclama a liberdade civil e moral do homem contra essa tirania da casta que é a tirania de base de todas as filosofias orientais. É o que explica que a maravilhosa tecnologia da civilização ocidental tenha sido totalmente assimilada, desde as fronteiras da Ásia até aos confins do Japão, sem ter sido sujeita, junto dos povos, a qualquer modificação das suas concessões filosóficas e religiosas da vida humana. É como se a China, a Rússia, a Índia e o Japão, para apenas nomear os maiores países, tivessem tirado partido unicamente das ciências experimentais da nossa civilização de forma a armar-se e equipar-se para destruir finalmente tudo o que é mais profundo e essencial, o seu espírito e a sua moral”1 Este texto, escrito por Costa Brochado em 1964, atesta bem a posição da Europa como a única depositária da verdade factual dāngrán. Aliás, “a verdade é uma noção muito europeia” 2. Assim, não cabe aos portugueses a exclusividade chauvinista em relação aos povos orientais, encontrando-se isso em textos semelhantes nos variados livros de história dos diversos países europeus3. “A insaciada intolerância à alteridade – paixão de que se alimenta o nosso pensamento – levou-nos a ver vácuo naquilo que não nos reflecte, a classificar de incompleto o que de nós difere”.4 A posição antropológica europeia, na interpretação do mundo oriental utilizando princípios desenraizados e mentalidades completamente desfasadas, continuamente atingem conclusões destituídas de qualquer fundamento, tornando-se na sua maioria completamente ridículas. “Não há ninguém no mundo com uma visão pura de preconceitos. […] A história da vida individual de cada pessoa é acima de tudo uma acomodação aos padrões de forma e de medida tradicionalmente transmitidos na sua comunidade de geração em geração. […] Todo aquele que nasça no seu grupo delas partilhará com ele, e todo aquele que nasça do lado oposto do globo adquirirá a milésima parte dessa herança”5 De facto estes princípios “são o produto de processos mentais, culturalmente pré-determinados, pelo conjunto dos factores constitutivos duma civilização. Eles influenciam e modelam o julgamento, em todas as relações que o espírito mantém com o real. É o olhar que nós temos acerca das outras culturas e os conhecimentos que os acompanham, que agem então como um verdadeiro prisma deformante. As diferentes facetas deste prisma são de ordem ideológica, linguistica, e histórica. Se nós não tivermos consciência destas deformações, a compreensão que nós temos dos termos e

1 Brochado, Costa – Henrique o Navegador, Lisboa, 1964 2 Julien, François – Le detour d’un Grec par la Chine. In http://www.twics.com/~berlol/foire/fle98ju.htm, p. 2 (Retirado da Web em 27.11.2000) 3 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973 4 Moscovici, Serge – A sociedade contranatura. Teorema, Livraria Bertrand. 1977. p. 35 5 Benedict, Ruth – Padrões de cultura. Edição «Livros do Brasil». Lisboa, s/d, pp.14 – 15

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dos conceitos desenvolvidos por outra cultura, faz-se através dos critérios próprios da nossa, e, deste facto, incapazes de os integrar”6 Ao falarmos da História da Medicina Chinesa não podemos deixar de pensar que a sua análise é sempre vista, por nós, numa lógica indutiva, i.e., do particular para o geral, e numa perspectiva antropológica ocidental, e que a mesma contém erros nomeadamente, como a que já vimos acima, e que dizem respeito a uma incapacidade de penetrar na mentalidade oriental, cuja lógica essencialmente dedutiva se movimenta do geral para o particular. […]Todas as parteiras chinas e canarias (da raça canarim7) curam de medicina e de quantas enfermidades há, sem ninguém saber o que elas sabem. E como as mulheres dos portugueses, as mais delas, são chinas ou têm parte disso, são mais afeiçoadas a este modo de cura, por ser o seu natural e, pelo contrário, estranham muito as curas ao modo português. De maravilha consentem que seus maridos façam uma cura perfeita ao nosso modo - como muitas vezes aconteceu - que, ordenando eu tal ou tal coisa ao enfermo, ou não lhe aplicar o que se lhe mandou fazer, ou acabam com ele que não faça. Estando actualmente curando, ao presente, dois portugueses, sem minha ordem chamou-se a cada um deles a sua parteira, com as quais se curavam e por esta desordem se foram para a outra vida8. Tentando sobrepor o poder curativo do Ocidente ao homónimo chinês, o texto mostra ainda mais um pequeno pormenor, que, no nosso caso, se torna, não só sintomático como importantíssimo “curam de medicina e de quantas enfermidades há, sem ninguém saber o que elas sabem”. A ignorância acerca do Mundo Asiático, especialmente o Chinês era uma realidade, exceptuando-se alguma acção no tempo da missionação jesuítica. Aliás, em 1877, o explorador Barão de Richthofen afirmava: “Em nenhuma região alargaram mais seus horizontes os missionários da fé cristã, nem fizeram mais importantes conquistas para a ciência do que na China. À frente de todos se nos deparam os jesuítas do século XVII e XVIII, sem cuja actividade tão vasta e profunda, a China, se exceptuarmos a costa, ainda hoje seria para nós uma terra desconhecida”9. Excepções havia acerca do saber milenar chinês, porém, a perspectiva era maioritariamente tendenciosa no sentido de serem os Ocidentais a levar o saber ao Oriente do que o inverso, e nem sempre com objectivos altruístas: “de todas as matemáticas [os chineses] são muito curiosos”10ou ainda “de todas as nações é a China a que mais aprecia a Matemática e Astronomia com tal excesso que parece faz depender destas ciências a conservação da monarquia e o bom governo do Estado”11.

6 Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène de la plume au pinceau, de Alpha à Wen”. Revue Française de Médecine Traditionnelle Chinoise. Em publicação.” 7 “habitante do Canará” – “era o nome duma vasta região no planalto dos Gates”[...]”abrangida actualmente por Maiçor e pelos distritos ocidentais de Hidrabad”. In Dalgado, Sebastião Rodolfo - «Glossário Luso-Asiático». Asian Educational Services. New Delhi. 1988 8 “Representação” enviada de Macau em 21 de Dezembro de 1625, in J. Caetano Soares, «Macau e a Assistência», Macau, 1950 9 Richthofen, Ferdinand von – China. Berlim, 1877, I, p. 653 10 Semedo, Padre Álvaro – Imperio de la China. Lisboa, 1731, p. 53 11 Bosmans – Documents relatifs à Ferdinan Verbiest. Bruges, 1912, p.12

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Consequentemente, será o Padre Matheus Ricci, apelidado de “primeiro sinólogo”12que irá explorar esta situação, pedindo e conseguindo junto do Geral da Companhia de Jesus “huomini de buono ingegno e letterati”13 “capaz de emendar com segurança os erros da Astronomia sínica e granjear para os missionários a autoridade necessária ao seu ministério de mestres da Religião”14, o que, em alguns momentos, foi conseguido com êxito, corroborando-se uma vez mais o Europocentrismo de imposição. Não deixa de ser curioso que“[…] todo o estudo científico exige a ausência de tratamento preferencial de um ou de outro dos termos da série escolhida para ser estudada. […] Só no estudo do próprio homem é que as mais importantes ciências sociais substituíram aquele método pelo estudo de uma variação local – a civilização Ocidental.”15 O próprio nome China, provavelmente deriva de Qín 16 nome de um dos reinos que existiram entre 453 e 222 a.C., localizado na zona montanhosa de Shensi, no extremo NE do mundo chinês de então, e que após unificar os seus rivais fundou uma dinastia imperial homónima. Este nome, era o que era dado à China pelos habitantes da Ásia Central, e que se supõe ser a origem do nome sânscrito Cîna (c = tx), e que estará na origem do malaio e javanês Cina (c = tx) e de elementos correspondestes na Índia moderna, onde o português China terá a sua origem que, por sua vez terá influenciado o mundo linguístico ocidental17. Daqui podemos observar que a denominação 中国 Zhōngguó (País do Centro), que os chineses atribuem ao seu país, não foi adoptada por nenhuma das línguas ocidentais, perdendo-se, até na denominação China, o conteúdo da sua essência. Os milhares de ciclos chineses (60 anos cada) tiveram em si a transformação constante, helicoidal (preconizado segundo o ciclo cosmológico do Yìjīng), e o progresso auto-regulador, como um “organismo vivo que muda lentamente de equilíbrio, ou como um termostato – vemos que os conceitos da cibernética poderiam muito bem ser aplicados a uma civilização que se soube manter numa trajectória segura, em cada momento, como se estivesse equipada com um piloto automático, usando uma série de «feed-backs», permitindo restabelecer o «statu quo» a seguir a todas as perturbações”18, i.e. Zhì («colocar em ordem»)19. Uma sociedade que tinha normas muito estáveis e que tinha como “virtude não se deixar entravar: ela tem logicamente como condição a atitude de permanecer, em qualquer ocasião, na posição central (zhong) que só permite reagir à totalidade da situação, de evitar tanto o excesso como o defeito e de promover a capacidade de «fazer acontecer» (cheng) na

12 Atti del IV Congresso Internazionale degli Orientalisti, II, p. 273 13 Venturi, Tacchi, Opere Storiche del P. Matteo Ricci. Macerata, 1913, II, ; carta de Pequim de 22 de Agosto de 1608 14 Rodrigues, Francisco – Jesuítas portugueses astrónomos na China- 1583-1805. Instituto Cultural de Macau, 1990 15 Benedict, Ruth – Padrões de cultura. Edição «Livros do Brasil». Lisboa, s/d, pp.15 - 16 16 Ideograma [955] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p. 172 17 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994 18 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973, p.103 19 Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon des choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions de Minuit (44) Dec. 1994, p. 55

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sua integralidade” 20. «País do Centro» que “indica a temperança duma civilização em oposição aos costumes dos «Outros», […],do país onde reina a justa moderação da civilização no meio dos bárbaros.”21. Conforme elogia Fernão Mendes Pinto: […] Há também outras embarcações em que vem grande soma de mulheres velhas, que servem de parteiras e dão mezinhas para botarem as crianças, e fazerem parir ou não parir. Há outras embarcações em que vem grande soma de amas para criarem enjeitados e outras crianças, pelo tempo que cada um quiser. […] Destas grandezas que se acham em cidades particulares deste império da China, se pode bem coligir qual será a grandeza dele todo junto, mas para que ela fique ainda mais clara, não deixarei de dizer (se o meu testemunho é digno de fé) que nos vinte e um anos que duraram os meus infortúnios, em que por vários acidentes de trabalhos que me sucediam, atravessei muita parte da Ásia, como nesta minha peregrinação se pode bem ver, em algumas partes vi grandíssimas abundâncias de diversíssimos mantimentos que não há nesta nossa Europa, mas em verdade afirmo que não digo eu o que há em cada uma delas, mas nem o que há em todas juntas vem a comparação com o que há disto na China somente. E a este modo são todas as mais cousas de que a natureza a dotou, assim na salubridade e temperamento dos ares, como na polícia, na riqueza, no estado, nos aparatos, e nas grandezas das suas cousas; e para dar lustro a tudo isto, há também nela uma tamanha observância da justiça, e um governo tão igual e tão excelente, que a todas as outras terras pode fazer inveja, e a terra a que faltar esta parte, todas as outras que tiver, por mais alevantadas e grandiosas que sejam, ficam escuras e sem lustro.22 Mas se esta visão do Oriente nos parece estranha, observe-se como Zhang Ting-you, no tempo dos Ming via os portugueses: […] pode dizer-se que o objectivo primeiro a vinda de Fu-lang-chi23 para a China foi o comércio e que não havia quaisquer más intenções, pelo menos no princípio. Embora suspeitouso dos seus motivos e, por conseguinte recusando-lhe o direito de pagar tributo (de Comércio), o governo Ming não teve, contudo, nem o poder nem a vontade para fazer cumprir a interdição. O resultado foi um debate constante e uma confusão sem fim. As gentes de Fu-lang-chi são altas e têm grandes narizes. Os olhos são como os do gato e a forma da boca como a da águia. O pelo cresce-lhes até nas costas das mãos e as suas barbas são vermelhas. Amam o comércio e, apoiados no seu poder militar, têm o hábito de invadir e oprimir os países mais pequenos. Vão a qualquer sitio onde haja lucro. O seu país, algumas vezes referido como reino Kan-la-hsi, produz coisas valiosas como chifres de rinoceronte, presas de elefante, pérolas e conchas raras. Usam roupas limpas e bonitas. Os toucados dos ricos são muito elegantes, mas as pessoas vulgares têm que se satisfazer com um chapéu de palha ou de bambu. Um homem de posição inferior, quando vê o seu superior, geralmente, afasta-se. Ao principio os de Fu-lang-chi eram devotos budistas; somente mais tarde mudaram a sua religião para o catolicismo. Utilizam os dedos para indicar a quantidade de dinheiro que tencionam pagar pela

20 Jullien, François – Éloge de la fadeur. Éditions Philippe Picquier. 1991, pp. 42-43 21 Ryjik, Kyril – L’idiot chinois. Payot, 1983, pp. 287-288 22 Pinto, Fernão Mendes – Peregrinação. Edição cotejada com a 1ª edição de 1614. Europa-América. Mem Martins. 1988, Capº. 99 23 Fólángjī (francos) – Durante a dinastia Ming, designa também os portugueses e os espanhóis. - Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 393

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mercadoria; não costumam escrever os contratos, mesmo quando as transacções envolvem milhares de taels24 de prata. Sempre que surge uma disputa, as partes envolvidas apontam para o céu e juram dizer a verdade. Normalmente não se enganam uns aos outros. Depois da conquista de Malaca, Pacem25 e Luzon26, nenhum dos outros países oceânicos ousou desafiar a sua autoridade.27 De facto, a Europa baseia todo o seu pensamento na filosofia greco-romana, onde o princípio da ordem das coisas joga um papel fundamental na causa e efeito, onde as relações são pobres no que respeita às referências como um todo. Para o ocidental a verdade factual em cada momento é o elemento mais importante. Esta verdade baseia-se no conceito de realidade cujo conceito etimológico deriva da palavra real que por sua vez deriva do latim res28, objecto, matéria, coisa palpável, isto é, coisa detectável pelos sentidos. A verdade torna-se estática, justificável por si própria, e portanto imutável e/ou definitiva. Assim, o ocidente apenas acredita na existência do que é detectado pelos sentidos ou pelos instrumentos concebidos pelo seu racionalismo. Para os chineses, porém, a verdade é uma verdade moral isto é, a verdade tem como base a maneira justa (道 Dào)29 de fazer as coisas, o que faz desabrochar toda uma mentalidade dos valores do pensamento chinês como um pensamento cosmológico, que tem, como referimos, por base encontrar as chaves inteligíveis do mundo, isto é, as suas leis, as inter-relações dependentes do lugar e do momento, i.e., da circunstância. De facto, há que “descobrir outros modos de inteligibilidade” para além da que a Europa detém 30. “O pensamento chinês é um pensamento essencialmente relacional. Para se dizer paisagem, diz-se «montanha e água» [山水] shānshǔi” 31. Talvez por isso ao ler-se Confucius ou Chouangzen, “não há a noção de verdade. O sábio chinês é autêntico, [ ] zhēnrén, mas é autêntico, não é verdadeiro. […] portanto, a noção de verdade é ela própria uma noção particular”. É preferível falar de “inteligibilidade de coerência” 32 Para a China a eficácia da acção humana encontra-se na harmonia com o processo natural: existe uma relação de arranjo e a organização que estão inseridas em sistemas 24 “Peso e moeda de conta no Extremo Oriente, equivalente à 16ª parte do cati ou a uma onça.«O tael não tem existência real. Representa um certo peso de prata pura que varia conforme as localidades». (Marques Pereira, Ta-ssi- yáng-kuó, Outubro de 1899).”. In Dalgado, Sebastião Rodolfo - «Glossário Luso-Asiático». Asian Educational Services. New Delhi. 1988 25 “Antigo reino do noroeste da ilha Samatra ou Sumatra”. In Visconde de Lagoa - «Glossário Toponímico da antiga historiografia portuguesa ultramarina». Junta da Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar. Lisboa. 1950 26 “Ilha filipina de Lução ou Luzon”. In Visconde de Lagoa - «Glossário Toponímico da antiga historiografia portuguesa ultramarina». Junta da Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar. Lisboa. 1950

27 Zhang Ting-you – 明史-Míng Shǐ (História dos Ming) 28 Torrinha, Francisco – Dicionário Latino-Português. Edições Marânus, Porto. 1945 29 Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon des choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions de Minuit (44) Dec. 1994, p. 52 30 Julien, François – Le detour d’un Grec par la Chine. In http://www.twics.com/~berlol/foire/ fle98ju.htm, p. 2 (Retirado da Web em 27.11.2000) 31 Idem, p.3 32 Idem, p. 16

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múltiplos e hierárquicos, orientados e multifacetados que se sobrepõem e se reorganizam de múltiplas formas, mas mantendo-se a responder a uma identidade estrutural reveladora da unidade ordenada do universo. Tal vivência poderemos chamar de acção do homem no seu ecossistema. Se, como refere Hofstadter, “o que caracteriza o pensamento é […] uma representação flexível, intencional, do mundo”33, existem, porém, grandes diferenças na estrutura mental ocidental e oriental. Na lógica do ocidental, os elementos são linearmente concatenados, ao passo que no Oriente a estrutura mental funciona em rede, ou melhor, a sua aprendizagem funciona em espiral, onde os fenómenos aparecem como sinais uns em relação aos outros, a que não será estranha a sua forma de representar o pensamento, i.e., a escrita ideográfica, “que após 4 milhares de anos, a sua evolução interna e a sua evolução gráfica são praticamente imperceptíveis”34. Melhor dizendo, o pensador ocidental compara-se a um oleiro que trabalha o barro a seu belo prazer, sem quaisquer tipos de limitações, sem se preocupar com o mundo real que o cerca, dando largas à sua imaginação criadora, muitas vezes filha exclusivamente da sua própria abstracção teórica limite, i.e., do tempo sem espaço ou, estaticamente, do espaço sem tempo35. Em contrapartida, o pensador chinês é como um lapidador, onde os veios naturais do jade são estudados para encontrar a ordem da Natureza, o que caracteriza a mentalidade chinesa por um gosto pronunciado por esta ordem, onde todo o ser deve ser objecto de uma estimulação segundo as tendências naturais36. Nada pode escapar à tríade 天地人 tiān dì rén – céu terra homem; “O céu envolve, contém e alimenta a terra com a sua energia, a qual produz, realiza e transforma. Produto e testemunho do céu e da terra, o homem é formado pelas mesmas substâncias, regido no interior do seu corpo pelas mesmas leis. A vida não é senão a resultante das suas mudanças permanentes e inelutáveis. Alimentar-se, respirar, participam desta fisiologia cósmica”37, isto é, o universo fornece as próprias linhas da inteligibilidade, o sentido e a coerência não advêm do espírito humano em si, mas da análise paciente e perspicaz do mundo envolvente: o “microcosmos” é o espelho do “macrocosmos”. É curioso como este conceito também existiu na Grécia antiga, com Demócrito (cerca de 460-370 a.C.), uma vez que este “ensinava que o ser humano era um mundo em miniatura, um microcosmos, que reflectia todo o universo, o macrocosmos. Como um reflexo do macrocosmos, o microcosmos continha átomos de todo o tipo. Assim, até o pensamento, consciência, sono, doença, e morte podiam ser explicados em termos da qualidade dos átomos ou perda de átomos. Ele interessou-se especialmente pela natureza da respiração porque «pneuma», ou «sopro vital», composto de luz, átomos-alma altamente móveis, serviam como o veículo da vida” 38

33 Hofstadter, Douglas R. – Gödel, Escher, Bach: Laços Eternos. Gradiva. 2000, p.358 34 Higounet, Charles – L’écriture. Que sai-je? – PUF. 1976, p. 30 35 A institucionalização da ideia no ocidente pode dar-se como exemplo, a noção de cidadão. Ninguém, até hoje, viu o cidadão, de facto há cidadãos, o cidadão A, o cidadão B, mas o cidadão em si não tem correspondência com o universo sensível. 36 Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon des choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions de Minuit (44) Dec. 1994, p. 53 37 Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Médecines Chinoises», Indigène Éditions, 2001, p.11 38 Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 25

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Aliás, "organização social e modo de pensar, estão intimamente imbricados num sistema de inter-génese, e de inter-justificação recíprocas, que formam o cadinho das ideologias. Na civilização chinesa, mais, talvez, que em qualquer outra, a simbiose entre pensamento e sociedade, foi levada ao seu nível de manifestação mais perfeito. Assim a referência simbólica à estrutura social, é extremamente frequente, no sistema conceptual da medicina chinesa tradicional. O conhecimento das características elementares dos sistemas sociais e ideológicos da civilização chinesa, e igualmente importante, para afinar a sua compreensão no estudo da medicina chinesa. Isto joga, com efeito, um papel primordial nos sistemas de representação, e as construções intelectuais, na base de numerosos processos de abstracção do pensamento chinês. A redução do conhecimento à única expressão científica, o condicionamento linguistico, e o molde sócio-ideológico, são os três grandes amortecedores dos «pressupostos antropológicos ".39 O Taoísta, aliás, considerava necessário observar uma via, um 道 (Dào)40, o que ele considerava ser a “ordem da natureza”. É como se o taoísmo pressentisse que o Homem só se conseguia socialmente organizar de uma forma correcta, integrado na natureza. Os ermitas taoístas, retiravam-se da sociedade humana a fim de contemplar a natureza, tentando compreendê-la através da intuição e da observação, o que os levou à ideia de que “todo o movimento pode ser exactamente previsto, dadas as leis do movimento e as condições iniciais em que se encontravam os objectos”. Ora isto não é senão o princípio do “determinismo causal” de “Newton e dos seus herdeiros através do Séc. XVIII”.41 Não podemos deixar de notar a correlação entre isto e o facto de ter sido na China que se iniciaram a química, a astronomia e a anatomia, que podemos considerar como os primeiros passos do que veio a ser o “método científico”. Ora, como refere Hawking: “Tem sido certamente verdade no passado que aquilo a que chamamos inteligência e descobertas científicas têm acarretado uma vantagem de sobrevivência. Já não é tão claro que isto se mantenha: as nossas descobertas científicas podem perfeitamente acabar por nos destruir a todos” 42. Por outro lado, existe a "convicção que o pensamento científico, não é o único método que permite ao espírito humano um autêntico acesso ao conhecimento real; […] existem, para o conhecimento, outras vias, diferentes, mas não menos justificáveis, que o método científico". 43 “Não é por acaso que a China pensa menos [na] linearidade entre início e fim do que num retorno circular das Estações, […] porque calmamente, simplesmente, a vida não

39 Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène de la plume au pinceau, de Alpha à Wen”. Revue Française de Médecine Traditionnelle Chinoise. Em publicação.” 40 “(1) Estrada, via, caminho. […] (3) (derivação metafísica na decadência do taoismo) realidade e movimento espontâneo do que existe.” – In Ryjik, Kyril – L’idiot chinois. Payot, 1983, p. 320 41 Goswami, Amit – O Universo autoconsciente – como a consciência cria o mundo material. Editora Rosa dos tempos. Rio de Janeiro. 1998, p. 36 42 Hawking, Stephen W. – Uma breve História do tempo. Circulo de Leitores.1988, p.29 43 Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène de la plume au pinceau, de Alpha à Wen”. Revue Française de Médecine Traditionnelle Chinoise. Em publicação.

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para de se renovar fazendo-o no desaparecimento. Mas sem angústia, porque se sabe que tudo volta um dia na altura própria. Que a única arte, a única validade é de tudo fazer no momento certo. A estação serve de facto de base. De base à vida, ao nascimento. O homem deve harmonizar-se com as mutações do Céu e da Terra”.44 Extraído do Daò Dé Jīng poderemos referir:

“O Homem tomará portanto modelo na Terra A Terra tomará modelo no Céu O Céu tomará o modelo da via A via modela-se no natural”45

Ao contrário do ocidente, a "adivinhação" chinesa não procura os presságios, isto é, não há uma interpretação do homem. O que existe é o decifrar do decorrer dos acontecimentos. O seu fim é a explicação do sentido conjuntural escondido dos elementos procurados e não a identificação dos sinais singulares da boa ou má sorte46. A corroborar tal facto, podemos referir como um primeiro exemplo deste facto, a utilização prática dos ritmos bioenergéticos, presentes na confluência dos troncos celestes e ramos terrestres nos ciclos Jǐazǐ, que os leva a conseguir prever, não só as tendências das condições climatéricas para cada ano, como ainda o pendor patológico previsível e as fragilidades energéticas de acordo com estes ciclos. “Não há o absoluto, uma coisa não existe senão pelas relações que ela detém. A sua existência é a consequência das suas relações, do mesmo modo que o inverso. Existe aqui uma ligação dialéctica”. 47O segundo exemplo faz parte dos cinco clássicos da tradição confuciana, o Yìjīng (o livro das mutações)48, que contém 64 hexagramas, cada um dos quais evidencia o binómio espaço-temporal, onde cada momento (tempo) e cada posição ( espaço), identificam a ordem, e cada elemento em concreto.49 Para a 44 Julien, François – Le «bon moment». In «La recherché» Hors-serie nº 5 Avr 2000, pp. 60-61 45 Dao De Jing – Extracto do Capítulo 25 46 Vandermeersch, Léon – Ecriture et divination en Chine. In «Espaces de la lecture», Anne-Marie Christin (Ed.), Bibliothèque publique d’information du Centre Pompidou, Editions Retz. 1988, pp. 66-67 47 Van Nghi, Nguyen; Bijaoui, André – Les Bases fondamentales de l’acupuncture/moxibustion – Zhēn Jiǔ . Editions Autres Temps. 2000, p.9 48 Como veremos um pouco mais à frente, “se pudermos supor que as formas mais antigas da história no mundo chinês são como o prolongamento dos arquivos divinatórios em osso e em carapaça de tartaruga, a própria adivinhação desenvolveu-se de forma autónoma na época dos primeiros reis de Zhou. Paralelamente à adivinhação pelo fogo que subsistirá durante muito tempo por causa do seu carácter venerável, um novo procedimento por sua vez mais cómodo e mais complexo viu nascer o dia. Consiste na manipulação de leves varas feitas de caule de aquileia em que os números pares ou impares permitem construir desenhos compostas de seis linhas contínuas (números ímpares) ou interrompidos (números pares. Estes hexagramas num conjunto de 64 traduzem e realizam todas as estruturas possíveis do universo e são dotadas duma força dinâmica por causa das possibilidades de mutações de cada uma das linhas, masculinas ( yáng) ou femininas ( yīn), no seu impulso ou no seu declínio. Continuando a tradição dos adivinhos da época dos yīn, os especialistas da adivinhação por aquileia (shi) haviam de fazer nascer os primeiros elementos duma concepção do mundo, como um conjunto formado por forças e pelas suas origens opostas e complementares, e contribuíram para os primeiros desenvolvimentos das matemáticas. Os seus reflexos foram, no mundo chinês, a origem das ciências e da filosofia”. - Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 83 49 “O significado da mudança está ligado ao significado do tempo […], uma ausência de mudança é uma ausência de tempo, e o tempo, mais que uma mudança é dependente da mente. A mudança é o que

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mentalidade chinesa a ordem zhì e o caos luàn são fundamentais. Em cada momento de um novo pensamento, o livro das mutações torna-se uma fonte renovada do pensamento chinês onde existe uma identidade entre a estrutura (em forma de ordem) o 阴 yīn, e a mutação 阳 yáng, já que o caos é considerado como uma desordem, isto é, uma forma de ordem. O 道 Dào aparece como a estruturação do modo na totalidade bem ordenada, onde “cada hexagrama descreve assim um aspecto da vivência” 50. “O corpo humano[…] aparece como que percorrido pelo [ 51] Qì,52 i.e., o sopro. Etimologicamente falando, este Qì” [parece não estar] “muito longe da noção de pneuma dos Gregos[…]. A combinação dos ideogramas «vapor» e «alimento» evocam a fórmula hipocrática:” [Φυσαι ′εκ των περριττων µαντων 53]- «os humores brotam do alimento». 54 “A medicina Chinesa está baseada na ciência da compreensão do processo funcional da natureza como ela existe dentro do ser humano” 55. A O Nèi Jǐng Su Wen afirma “seguir as leis do yin e do yang significa vida; actuar contrariamente às leis do yin e do yang significa morte. Seguir estas leis resulta na ordem (zhì: ); actuar contrariamente a elas resulta no caos (luàn: )”56. “Quando a doença se instala, ela leva à desordem e perturba o Qì. O remédio prioritário” levará a colocar o Qì em equilíbrio de forma a favorecer o “«retorno da Primavera»” 57.

acontece actualmente, na actualização de uma dada entidade. O tempo é a emergência de uma série de actualizações logo que esteja estabelecida uma sequência de fases dentro da actualização.” – Brown, Jason W. – Mind and Nature – Essais on time and subjectivity. Whurr Publishers, London, 2000, p. 11 50 Vinogradoff, Michel – Yì Jīng ou la marche du Destin. Éditions Dervy, Paris, 1996 51 Ideograma [485] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.87 52 O que hoje os neurobiólogos identificam como sendo o Biomagnetismo, através de magnetómetros como o SQUID – Superconducting Quantum Interference Device – Oschman, James L. (PhD) – Energy Medicine – The Scientific Basis. Churchill Livinstone, London, 2000, p.30 e p.80 53 physai ek ton perittomanton 54 Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Médecines Chinoises», Indigène Éditions, 2001, p.11 55 Jarrett, Lonny S. – Nourishing destiny. Spirit Path Press, Stockbridge, 2000, p.23 56 Idem, Ibidem 57 Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Médecines Chinoises», Indigène Éditions, 2001, p.11

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Do Homem primitivo à dinastia Shāng-Yīn (até 1027)

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Quando caminhamos para as origens do tempo, cada povo insere na História dos tempos mais remotos um conjunto de elementos pertencentes ao limiar do possível, résteas e interpretações de transmissões consecutivas, cuja mutação conjuntural em nada diminui a estrutura da memória social que pretende preservar, transformando-se as mais das vezes em mito, lenda ou rito. Deste modo devemos considerá-los válidos nas nossas observações, não obstante a sua transmissão veicular aparentes fantasias, porque “os mitos e os ritos oferecem como valor principal a preservação até aos nossos dias, de uma forma residual, modos de observação, e de reflexão que foram (e permanecem sem dúvida) exactamente adaptados a descobertas de um determinado tipo: aquelas que autorizavam a natureza, a partir da organização e da exploração especulativa do mundo sensível em termos do sensível. Esta ciência do concreto devia ser, pela essência, limitada a outros resultados do que os prometidos às ciências exactas e naturais, mas ela não foi menos científica, e os seus resultados não foram menos reais. Assegurados dez mil anos antes das outras, ela são sempre o substracto da nossa civilização”58 É habitual considerar que alguns testemunhos ósseos fragmentários pertenceram aos pré-hominídeos do género Australopithecus, que existiram há cerca de 5 milhões de anos na Terra. Diversos cientistas consideraram que vestígio humano encontrado em Olduvai (Tanzânia) terá vivido há cerca de 1.500.000 anos, onde parecia ter existido a génese da fabricação de utensílios, o que veio etimologicamente a nomear os representantes desta espécie: Homo habilis, não, ainda um Homo sapiens, mas um intermédio entre os australopitecídeos e o primeiro homem. Porém, coexistindo com o Homo habilis, foi encontrado na China, na província de Yúnnán e mais evoluído, o Homem de Yuánmóu, , cuja datação ascende a 1.700.000 anos. A existência de cinzas e de ossos carbonizados perto do local onde foram desenterrados os dentes do Homem de Yuanmou sugere o possível uso do fogo59. A esta espécie encontrada na China, cujo representante mais antigo foi encontrado em Java (chamaram-lhe, inicialmente, Pithecanthropus) foi dado o nome de Homo erectus, e é considerado o primeiro homem. (Entre a maior parte da comunidade científica, as características que “podía caminar erguido, era capaz de producir y utilizar instrumentos simples, sabía hacer uso del fuego y conservarlo[…]” 60, reuniu as condições fundamentais para garantir estar-se em presença do homem e não de um pré-hominídio). Para além do encontrado em Yuánmóu, conhecem-se, entre outros desta espécie, o Homem de 蓝田 Lántián, com cerca de 800.000 anos, que detém uma caixa craneana de 780 cm3 contra os 656 cm3 do Homo habilis, mas com um aspecto ainda primitivo, onde se sobressai um crânio espesso com mandíbulas salientes. Mas o mais conhecido foi descoberto em 周口店 Zhōukǒudiàn,perto de Pequim, cujos 58 Levi-Strauss, Claude, La pensée sauvage. Librairie Plon, Paris. 1962, pp. 29-30 59 Cotterell, Arthur – China – uma História cultural. Instituto Cultural de Macau. Gradiva. 1999, p.26 60 La Historia – Coleccion China. Ediciones e lenguas extrangeras. Beijing. 1984, p. 6

Fig.1 - “Homem de Pequim” 北京人, c. de 500.000,

encontrado em 周口店

Zhōukǒudiàn, em Dezembro de

1929, conhecido também por

Sinanthropus

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exemplares mostraram caixas cranianas entre 850 e 1300 cm3. Além de fragmentos de quartzo talhados também se encontraram, mais uma vez, vestígios do uso do fogo. Com uma idade de 500.000 anos (ou mesmo 690.00061), ainda pertencendo ao Paleolítico inferior (que termina cerca 50.000 a.C.). Os seus descobridores vieram a chamar-lhe Sinanthropus ou Homem de Pequim62 北京人, Fig. 1. A vida deste homem primitivo chinês não terá sido diferente de outros elementos contemporâneos em outras partes do globo. A sua dependência da natureza era fundamental, movendo-se no acompanhamento das mudanças sazonais de recursos naturais, para não falar das dificuldades que viveram na adaptação às glaciações por que passava (entre as quais se contam as de Günz, Mindel, Riss e Würm), com tempo ora frio e seco, ora húmido e quente. Tudo indica que a descoberta do fogo esteja associada à origem dos primeiros cuidados de saúde dos homens pré-históricos. Nos primeiros tempos a sua utilização era efectuada com o fogo criado por fenómenos naturais, transportando-o às suas cavernas e aí tendo o cuidado de o preservar. Posteriormente, aprenderam a obtê-lo por fricção. A actividade destes povos primitivos foi encontrada perto de Pequim nas províncias de 山西 Shānxī, 陕西 Shǎnxī, 何南 Hénán, e Yúnnán, Fig. 2. Os estudos arqueológicos, como vimos, mostraram que estas cavernas contêm cinzas, restos de ossos de animais, provavelmente, na sua utilização para a sua alimentação. O fogo, nestes tempos, terá dado luz, calor e protecção contra o frio bem como contra o ataque de animais selvagens ou de outros humanos. Os hábitos alimentares destes homens primitivos verificaram-se através do fogo, com a introdução da comida cozinhada na sua dieta. Tal facto levou ao aumento da diversidade alimentar, diminuindo o tempo do processo digestivo, para além de ter levado o seu corpo a passar a ter uma maior capacidade de absorção nutritiva, diminuindo a incidência de algumas doenças e reforçando a sua constituição física. Podemos afirmar que o fogo aumentou a sua capacidade de se integrar na natureza, paradoxalmente, e expandir a sua capacidade de se libertar dela. 61 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999 62 Leroy, Pierre – Petite histoire de l’homme de Pékin. In “Le Courier” - «Les origins de l’homme». Unesco, (XXV) Ago-Set , 1972

Fig.2 – Estações Paleolíticas chinesas × Paleolítico Inferior (600 000 – 50 000 a.C.) Paleolítico Médio (50 000 – 25 000 a.C.) n Paleolítico Superior ( 25 000 – 10.000 a.C.)

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Na investigação levada a cabo acerca destes primeiros habitantes da China, encontraram-se provas de que se alimentavam da caça e de actividades recolectoras, que já tinham uma comunicação pela fala, talvez em consequência de uma actividade colectiva, desenvolvendo-se de grupos primitivos a comunidades em clã, e o sistema de casamentos endogâmicos dava lugar ao exogâmico interclãs, com o consequente benefício na constituição física63 . Mas a sua vida terá sido tão difícil que a sua esperança de vida não terá ultrapassado os 14 anos de idade. Há cerca de 40.000 anos, durante o Paleolítico médio, surgem nesta região, os primeiros homens modernos, cuja cultura começa a desenvolver-se rapidamente, substituindo os hábitos anteriores, nomeadamente nas técnicas de caça e pesca, constituindo-se uma comunidade matriarcal . Um dos exemplos a referir acerca desta cultura é o Homem de 柳江 Liǔjiáng.

A sua expansão alimentar foi aumentando com o desenvolvimento de utensílios de caça e pesca, dando o seu salto qualitativo no início do Neolítico com a Revolução Agrícola, onde

se começaram a produzir cereais e vegetais como se pode comprovar pelos achados nas cavernas dos povos primitivos das províncias de 陕西 Shǎnxī e 浙江 Zhèjiāng. O constante alargamento das fontes de alimento e da sua variedade promoveram uma melhoria da sociedade primitiva. Estes povos antigos adquiriram a capacidade de manufactura de vestuário, factor que contribuiu para uma protecção acrescida da saúde. Numa primeira fase este vestuário era constituído por peles de animais que os protegiam contra o frio. Com o andar dos tempos, a sua habilidade levou-os a uma diversidade enorme de instrumentos, entre os quais se destacam agulhas feitas de osso que serviam, entre outros fins, para construir e reparar redes de pesca e vestuário. Diversas culturas se foram desenvolvendo ao longo dos tempos, mas ainda podemos referir a cultura do Homem de 周口店

Zhōukǒudiàn, i.e. perto do homónimo já referido, mas numa gruta superior, cujos restos revelaram que o homem aí descoberto tinha a constituição do homem actual – Homo Sapiens, e revelando já os primeiros traços mongóis. A sua utensilagem revelou o uso do polimento nos objectos trabalhados. Um dos exemplares

63 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999

Fig.3 – Agulha do Homem da gruta superior de 周口店 Zhōukǒudiàn. (adapt. Shouyi (Dir.), 1988)

Fig. 4 – Aldeia de Bànpō (adapt. Cotterell, 1999)

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encontrado na gruta superior de 周口店 Zhōukǒudiàn, perto de Pequim, é uma agulha de formato redondo, polida, com a ponta afiada, com um pequeno orifício na extremidade oposta, medindo 88 mm de comprimento por 3.3 mm de diâmetro, Fig. 3. Para se conseguir construir uma agulha com tais características, o homem primitivo teve que aprender a trabalhar o osso em perfeição, sem o qual não seria possível elaborar o pequeno orifício aberto de um dos lados da agulha, o que não permitiria o seu uso para a confecção de vestuário. Este, para além de beneficiar uma protecção da saúde, começava a colocar em evidência o desenvolvimento de uma civilização. De facto, estes povos que de uma forma natural habitavam em cavernas, após uma vivência em clã, começaram gradualmente a aprender a construir casas. O estabelecimento comunal, na sociedade matriarcal, levou inicialmente à construção simples de casas, com o correspondente abandono das respectivas cavernas, como se pode verificar nas províncias de Hénán, 陕西 Shǎnxī e Gānsù. Entre estas, destaca-se a aldeia, tipicamente matriarcal, de Bànpō , Figs. 4 e 5, na província de Shǎnxī, com uma área total de cerca de cinquenta mil metros quadrados, onde se incluem quarteirões, lojas de cerâmica, e uma área cultivada comunal. Pode ainda referir-se a existência de 40 a 50 casas contíguas, entre as quais se destaca uma casa rectangular de maior tamanho, e se supõe ter servido de praça pública para actividades do clã. A maior parte destas casas era arredondado, construída ao nível do solo, com telhados pontiagudos. Na sua evolução estes povos foram alargando a sua cultura, ao nível artístico e ao nível espiritual, expresso na pintura, música e dança, bem como no uso de ornamentos, o que atesta também o incremento da sua actividade laboral. De facto, associado às expedições de caça, ou outras actividades laborais, estes povos primitivos da China, passaram a espontaneamente celebrarem cerimónias evocativas dessas actividades, tendo-se apercebido que tais actos, lhes conferiam uma restauração da fadiga, o relaxamento muscular, tudo contribuindo para uma melhor saúde. Na obra 吕氏春秋 Lushìchūnqiū -

Fig. 5 – Pormenor de casa de Bànpō (adapt. Shouyi (Dir.), 1988)

Fig. 6 – Exercícios de 道引Dàoyǐn, encontrados nas tumbas de Mawngdui

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Anais de Primavera e Outono de Lu, conta-se ainda que durante os tempos das inundações, “o moral do povo era baixo, a energia vital estagnava e os músculos e ossos contraíam-se. Para curar isto as pessoas tentavam minimizá-lo dançando”64, o que nos leva à descrição viva de situações reumáticas e da dança como um dos remédios. Com estas actividades, os antigos chinesas foram desenvolvendo o método de prevenção da saúde conhecido por 道引Dàoyǐn (Fig.6), que pode ser considerado como a forma mais arcaica de exercício terapêutico. Resumindo, o incremento relativo de alimentos, como resultado de uma melhor caça e de instrumentos de cultivo mais desenvolvidos, uma capacidade para confeccionar vestuário e construir casas, e o uso do Dàoyǐn, ajudaram o homem primitivo a iniciar a protecção da sua saúde.

Descoberta de plantas e substâncias medicinais

Ainda não é totalmente bem conhecida a época que, cerca de 8000 a.C., fez aparecer uma economia agrícola ainda rudimentar. Porém, não faltam os testemunhos arqueológicos dos milénios seguintes, através dos vestígios no vale do rio Wèi 谓, actual Shǎnxī 陕西, e na zona mediana do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé, revelando já uma

agricultura bem desenvolvida (Setaria Italica e Panicum miliaceum), a domesticação do porco e do cão, e talvez já a galinha, usando utensílios variados tanto em pedra como em osso. As cerâmicas ainda são bastante grosseiras. Porém, no Sul da China os vestígios mais antigos têm motivos cordados. Estes factos, vêm provar a existência de uma tradição o Neolítico anterior a 5000 anos antes de Cristo, Fig. 7. Relativamente épocas posteriores esta data, foram até hoje descobertas diversas culturas distintas umas das outras e repartidas por territórios diferentes: 1. A cultura 仰 Yǎngshào, datada de 5150 a 2690 a.C., que abarca desde Gānsù à

planície central e engloba as regiões meridionais de 西 Shānxī, e de Hébĕi; 2. A cultura Dàwēnkǒu, de 4746 a 3655 a.C., na península de Shāndòng e uma parte da bacia do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé; 3. Quatro culturas mais, nos vales do Yángzǐ, onde se distingue a cultura do arroz, nas espécies Oryza sativa japonica e 64 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 8

Fig. 7 – Estações Neolíticas chinesas � Neolítico Inferior l Neolítico Superior

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Oryza sativa indica, que constituem o principal cereal desde cerca de 5000 a.C.; 4. Diversas outras culturas mais a sul, mas não tão precoces, no que respeita ao desenvolvimento agrícola.65 Na sua actividade recolectora, os povos primitivos, continuando essa actividade num período que oscila entre os 10.000-6000 anos a.C., (o que as lendas chinesas apelidam de Idade Pastoral) apanhavam e comiam frutas selvagens e sementes, bem como raízes de plantas, de forma a aplacar a sua fome. Como resultado desta actividade, ao contrário de permanecerem de boa saúde, muitas vezes vomitavam, ficavam de diarreia, chegando ao coma e por vezes à morte, resultado de ingerirem plantas venenosas. Estas experiências funestas foram levando à aprendizagem na identificação das plantas e elementos que lhes eram nefastos, bem como daqueles alimentos que lhes eram benéficos para o corpo; para além disto, tudo indica que também iam aprendendo quais as plantas e substâncias que o os aliviavam dos diversos mal-estares, quando eram ingeridas. É, pois, possível, que todo este saber tenha sido uma acumulação ao longo dos anos, numa primeira fase no conhecimento de plantas selvagens, tais como o heléboro (Rhizoma e Radix Veratri - 藜芦 Lí Lú) e o ruibarbo (Radix e Rhizoma Rhei - 大黄 Dà Huáng) e mais tarde, como vimos no Neolítico médio, num período que oscila entre os 6000-3000 anos a.C., o desenvolvimento da Agricultura primitiva, naquilo que o mundo da lenda apelida de Idade Agrícola. “De acordo com a tradição oral, três imperadores que reinaram do séc. XXIX ao séc. XXVII a.C., estabeleceram as fundações da Medicina Chinesa”66. Cronologicamente, 伏羲 Fúxī, “autor da doutrina yin-yang”, Shén Nóng, “o primeiro herbicista”, Huáng-dì, “que escreveu o mais antigo livro conhecido de Medicina Chinesa”67, Shén Nóng o divino trabalhador, o imperador lendário passa, também, por ter ensinado a agricultura à China primitiva. Aliás, até cerca de 2207 a.C., consideram outros historiadores chineses estar-se na época dita wǔ dì jì - dos cinco imperadores, período lendário em que Shén Nóng terá sido o segundo monarca68. Neste período de remota antiguidade, vivendo a comunidade em clã, a pouco e pouco foram descobrindo os efeitos medicinais de troncos, raízes, folhas, flores, frutos e sementes, conhecidos pelo nome genérico de 本草 Běn Cǎo ou ervas, atendendo a que a maior parte destas substâncias medicinais eram ervas.69 Na província de Zhèjiāng, no Oriente chinês, em 1973 70, encontraram-se restos de pevides de cabaça com pelo menos 6000 anos, o que prova que esta já era cultivada nesta região. Os elementos históricos de que se dispõe mostram que esta espécie vegetal era usada com fins terapêuticos correntes. De facto conhece-se o seu efeito 65 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp.42-43 66 Swerdlow, Joel L. (PhD) – Nature’s Medicine – Plants that heal. Washington, National Geographic Society, 2000, p. 36 67 Idem, Ibidem. 68 Ideograma [4317] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.814 69 Segundo a cronologia tradicional, durante a idade do bronze, terão existido 3 dinastias: a dos Xia (2207-1766 a.C.); Shang (1766-1122 a.C.); Zhou (1121-256 a.C.). A maioria dos arqueólogos consideram estas datas demasiado elevadas, e quanto à existência da 1ª dinastia, muitos investigadores duvidam da sua veracidade, uma vez que não existem provas científicas anteriores a cerca de 1700 a.C. Cf. c/ Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 45 70 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.65

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diurético bem como na redução do inchaço. A precocidade do seu emprego medicinal talvez justifique a antiga palavra xuánhú71 que se refere à “tabuleta” identificadora da venda de drogas e/ou de se exercer MTC, utilizada nos últimos 1000 anos, com uma cabaça pendurada à porta das farmácias ou de determinadas clínicas de MTC. Na Hòu Hàn Shū – História (dinástica) dos Hàn posteriores (25-220 d.C), redigido por Fàn Yè72, refere-se uma pequena história fantasiada acerca de um idoso que abriu uma farmácia numa feira, colocando à porta uma cabaça. Cada vez que a feira fechava, o farmacêutico saltava para dentro da cabaça e desaparecia. Esta história fantasiosa terá dado origem à expressão: “Que medicamentos há numa cabaça?” 73. Aliás, ainda hoje na China, a cabaça é identificadora da farmácia. Porém, a alimentação dos povos primitivos incluía a carne o que os levou a conhecerem, do mesmo modo, outras drogas de origem animal. Assim, terão tido conhecimento dos efeitos terapêuticos da gordura animal, sangue, medula óssea, miudezas, no tratamento de doenças. Numa fase mais avançadas da sociedade primitiva, entra-se na Idade do bronze, onde, para além de toda a panóplia de instrumentos metálicos, o homem foi conhecendo, do mesmo modo, qual o efeito dos elementos minerais sobre a sua saúde. Através do exposto, podemos concluir que o descobrimento de substâncias medicinais levou um tempo histórico considerável, consubstanciado numa lenda referida no “Livro do Príncipe de HuáiNán 淮南子(Huái Nán Zǐ)”74, (talvez escrito há cerca de 2000 anos), cuja interpretação representa o conjunto dos Chineses da Antiguidade, que pela sua longa prática, fizeram nascer a medicina e a farmacopeia chinesas: "Shen Nong […75]bebeu alguma centena de ervas e as águas de numerosas fontes para ensinar às pessoas o que era comestível e o que não era. Durante as suas investigações, chegava a ingerir 70 plantas tóxicas num único dia".76

Origem de tratamentos externos, acupunctura e moxibustão

Na sociedade primitiva, as pessoas não podiam proteger-se convenientemente contra animais selvagens, a fome e as doenças. A esperança de vida do homem primitivo era muito baixa devido a numerosas doenças, e a taxa de mortalidade ser extremamente 71Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.65 72 Ideograma [1768] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.339 73 No Ocidente a expressão “aqui há tudo como na botica (farmácia)” não parece estar muito longe da mesma ideia… 74 “[…] compilação filosófica de tendência taoísta e sincrética composta sob a direcção de Liú Ǎn, Prícipe de Huái-nán (morto em 122 A..C.)” - Ideograma [2187] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.418 75 Provavelmente o já referido e lendário “divino trabalhador”. 76 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.7

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alta, era um fenómeno comum. De facto, o habitat deste homem primitivo inclui “condições climáticas difíceis influenciam a sua constituição física: desidratação durante o verão, chuvas abundantes e frio intenso no inverno, dos quais não consegue defender-se no seu «habitat» rudimentar. Além disso, coabitam com ele bactérias e parasitas, impondo-lhe uma vasta gama de doenças contra as quais não sabe lutar”77. Os estudos efectuados sobre a comunidade do 北京人 Homem de Pequim, com 40 esqueletos fossilizados levaram a concluir que mais de um terço das pessoas morreram em idades compreendidas entre os 14 e os 15 anos, e apenas: 6% conseguiram viver entre 50 e os 60 anos de Idade. Na província de Shāndòng, em Dàwēnkǒu, foram encontradas mais de 10 tumbas de crianças, das quais a mais velha morreu com a idade de 15 anos, sendo a média de idade de cerca de dez anos, algumas das quais apenas tinham alguns meses de idade. As parcas condições de vida e as epidemias das doenças causavam a morte prematura de muitas crianças. Epidemias, infecções e feridas ocorriam com frequência, sendo estas últimas as maiores responsáveis pelas causas das mortes da espécie humana, como atestam os achados encontrados na maioria das escavações arqueológicas. O homem primitivo foi aprendendo a usar a lama, a escolher determinadas folhas e ervas à medida que ficava envenenado pelos diversos animais, ou com feridas abertas por animais selvagens, ou até como resultado de lutas tribais. Como vimos, o uso do fogo terá sido uma descoberta com utilização polivalente, entre as quais se conta o conforto do seu calor, mas também o alívio da dor com aplicação localizada de calor. Para este fim, usavam pedras e areia aquecidas nas zonas dolorosas do corpo, cuja inércia térmica retinha o calor durante mais tempo, aliviando a dor provocada pela humidade e pelo frio. Ao longo dos tempos, as pedras passaram a ser substituídas por compressas, numa acção progressivamente melhorada. O uso da moxibustão começou, então, a ser usada com ramos, ervas ou plantas, de modo a estimular termicamente determinados pontos do corpo. O seu uso foi levando, progressivamente, à aprendizagem de novas curas e aplicações. Na obra 素问异法方医论 sù wèn yì fǎ fāng yī lùn, - tratado acerca de questões simples sobre diferentes terapias, refere que “as pessoas do Norte que viviam nas terras altas expostas às condições atmosféricas frias onde era hábito comerem a céu aberto, sofriam de distensões abdominais devido ao frio que se arrastava nas vísceras e intestinos, que podiam ser devidamente tratadas através de moxibustão. Por isso, a moxibustão é originária do Norte”78. Quem fala de moxibustão fala de artemísia hāo – artemisia vulgaris; esta na China tem uma longa tradição medicamentosa: o processo terapêutico dura até aos dias de hoje, queimando folhas da planta, para actuarem como há mais de 5000 anos se fazia.

77 Sournia, Jean-Charles – História da Medicina. Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p.11 78 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, pp. 6-7

Fig.8 – Pormenor de um biān shí (adapt. Hoizey, 1988)

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O uso da Acupunctura está directamente correlacionado com a maior habilidade que o homem primitivo foi adquirindo no fabrico de utensílios ora líticos, ora de madeira ou de osso. Estes eram fabricados utilizando enxós, machados e facas, que, para além de servirem de elementos de fabricação de outros instrumentos, também eram usados para fins terapêuticos. Não era raro o seu uso para abrir feridas mal cicatrizadas a fim de expurgar o pus ou para fazer sangrar. Na sua evolução pragmática de construção de instrumentos, a diversificação dos mesmos foi aumentando de acordo com os fins a que se destinavam. Um dos instrumentos que os arqueólogos chamaram biān shí (agulha de pedra para acupunctura) é uma pedra afiada que eles acreditam ter servido como instrumento terapêutico, Fig. 8. De um lado, por ser afiada e ter um perfil semi-circular e achatado, podia ser utilizado para cortar a pele ou a carne. Do outro lado a sua forma indicia o seu uso em acupunctura. A zona intermédia tem a forma quadrada, facilitando a sua manipulação. Na província de Shāndòng, foram encontrados 2 biān shí deste tipo mas com a forma cónica, e outro de forma oval de um lado e piramidal do outro, encontrado na província de Hébĕi. Como se referiu acima, os instrumentos líticos começaram a ser acompanhados de instrumentos de osso, tendo-se encontrado agulhas de osso gǔ zhēn em variadas escavações arqueológicas, cujo fim curativo se torna indubitável, uma vez que de um lado encontramos uma ponta aguçada de forma cónica, ao passo que a outra extremidade é cega (sem orifício algum), de forma oval. Só mais tardiamente se desenvolveram as agulhas metálicas com base nestas de pedra e osso.

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O uso destes instrumentos, biān shí e gǔ zhēn, não nos aparece descrito como era executado, porém, através de uma lenda chinesa poderemos ter uma ideia mais objectiva: 羲 Fúxī 79 “provou ervas e construiu biān[s] de pedra de forma a curar as pessoas das doenças”80. Os dicionários de caracteres chineses, indicam, habitualmente, que “biān significa a cura de doenças picando com uma pedra“81, de facto o ideograma biān, no “Dicionário Ricci”, é referido como “1 - agulha de pedra para acupunctura; 2 – picar com uma agulha de pedra” 82. 皇甫谧

Huángfǔ Mì (215-282 d.C.), autor da obra 针灸甲已经 zhēn jiǔ jiǎ yǐ jīng – clássico de acupunctura e moxibustão83, primeira obra sistemática de acupunctura e moxibustão84, diz que 伏羲 Fúxī criou os caracteres escritos para substituir os registos feitos de nós, desenhou os oito trigramas de modo a explicar a criação de todas as coisas do mundo, afirmando, ainda, a tradição que FúXī terá criado as 9 agulhas (Fig.9) com as quais terá fundado a acupunctura. A lenda que nos refere esta figura mítica, corresponderá ao espaço e tempo da manufactura de agulhas de pedra em forma de sovela, datadas de há cerca de 5500- 4000. Mas o maior esclarecimento acerca destas biān shí, aparece-nos no “primeiro tratado médico conhecido pela história da humanidade […] o primeiro clássico, bem conhecido da

79 “[…] personagem lendária tido como o primeiro soberano da China e o inventor dos Trigramas; ensinava ao povo a agricultura, a pesca e a pecuária” - Ideograma [1602] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.306 80 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.14 (tradução livre do inglês) 81 Idem, Ibidem 82 Ideograma [4032] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.755 83 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 257 84 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, pp.103-104

Fig.9 – As 9 agulhas de 伏羲 Fúxī

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Medicina Interna”85, o Neì Jīng (tratado do interno), cuja autoria se atribui ao “Imperador Amarelo, o lendário HUÁNG-DÌ [ ] que supostamente terá vivido por volta do ano 2800 (a.C.)” 86. Na parte da obra acerca de “Questões Básicas”, refere que “as doenças nas terras de Leste são todas carbúnculos87, pelo que devem ser tratadas com a pedra «bian», que então é originária do Leste. As doenças nas terras do Sul são espasmos com entorpecimento que devem ser tratados com finas agulhas. Assim as nove formas de agulhas foram desenvolvidas no Sul”88. Daqui podemos concluir que a pedra biān foi de facto o início da Acupunctura na China. A obra ainda refere que as “nove antigas agulhas são: 1. agulhas redondas (o corpo é um cilindro e a ponta tem a forma oval) usadas para massajem dos pontos de acupunctura; 2. agulhas de ponta afiada (o corpo é redondo e a ponta é um prisma com três gumes afiados) usadas para extrair sangue; 3. agulhas redondas e afiadas (o corpo é ligeiramente grosso e a ponta é redonda e afiada) usadas para puncturas rápidas; 4. agulhas «chān» [ - espalmadas] (a cabeça é grande e larga, mas a ponta é afiada, parecida com a ponta de uma seta), boa para penetração superficial no corpo humano; 5. agulhas capilares (o corpo extremamente fino), largamente usadas para diversos fins; 6. agulhas «dǐ» [ - rombas] (o corpo é grande e larga, mas a ponta é ligeiramente embotada) usada para pressionar; 7. agulhas espada (o corpo parece-se com uma espada com lâminas de ambos os lados) usadas para cortar e libertar pus; 8. agulhas grandes (o corpo é bastante grosso mas a ponta ligeiramente arredondada), algumas vezes usadas para pontos articulares; 9. agulhas compridas (o corpo é o mais comprido das nove, cerca de 20 cm) usadas para punctuar músculos grossos. […] a invenção destas nove agulhas tornou-se o símbolo do progresso tanto na manipulação como na teoria da acupunctura”89.

Primórdios da actividade médica e protecção da Saúde

O período histórico que se iniciou cerca do século XXI a.C., na China, tem sido considerado como o início da dinastia 夏 Xià que, segundo a tradição teria sido fundada por 大禹 Dà yǔ (2207-2198 a.C), sedentarizada ao longo do rio Amarelo黄河 Huáng-hé, com base económica esclavagista, com produções em pedra, mas também com o

85 Choy, Pedro – Fitoterapia Tradicional Chinesa – Generalidades. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p.2 86 Idem, Ibidem 87 Manuila, L. et alli – Dicionário Médico. Climepsi Editores.Lisboa, 2000, p. 118 : carbúnculo - Doença infecciosa contagiosa, comum ao homem e ao gado, devida a bactéria carbunculosa (Bacillus anthracis), cujos esporos, muito resistentes, contaminam o solo e diversos produtos de origem animal. Distingue-se uma forma externa, por penetração dos bacilos ao nível de uma ferida (pústula maligna) e uma forma interna (carbúnculo gastrintestinal ou carbúnculo pulmonar). O carbúnculo tornou-se numa doença rara graças às medidas sanitárias que protegem os indivíduos expostos à infecção e graças à vacinação do gado. O tratamento pelos antibióticos, por vezes associado à seroterapia, reduziu consideravelmente a mortalidade. O termo neste contexto, porém, parece significar, genericamente, infecção. 88 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.14 (tradução livre do inglês) 89 Jingfeng, Bai – Episodes in Traditional Chinese Medicine. Chinese Literature Press, Beijing, 1998, pp. 26-28

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início da idade do bronze, sendo a sua cultura conhecida por uma cerâmica preta. Durante o séc. XVIII a.C., surge, também ao longo do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé, na secção Norte da actual província de 何南 Hénán, uma cultura e uma sociedade apelidadas de dinastia Shāng (conhecida também por dinastia Yīn, depois do reinado de Pán-gēng, i.e., após a instalação da sua capital em Ānyáng 90 . A sua a área geográfica de actuação era bastante grande, e os seus vestígios revelam uma civilização já bastante evoluída, detendo todo um conjunto de conhecimentos e técnicas, cujos antecedentes nos são bastante obscuros, aparecendo-nos, de uma forma bastante elaborada, a escrita, a fusão do bronze, os carros de guerra, as técnicas de arquitectura, as práticas divinitórias, os diversos tipos de vasos de sacrifício, os motivos de decoração, etc.. A sua cultura baseava-se na agricultura e pastorícia, em que parte da população vivia em pequenas cidades, onde o estrato mais elevado da nobreza empregava numerosos artesãos, mas a grande massa da população ainda vivia como camponeses em condições às da Idade da Pedra. Aliás, esta e a dinastia seguinte constituem-se o período apelidado por diversos historiadores “a sociedade dos escravos”. De facto, este estrato nobre, dedicava-se aos sacrifícios humanos e a animais como o cão, e à guerra. Em diversos lugares aparecem homens decapitados ou cabeças sem corpo, não sendo estranho a esta prática o uso de prisioneiros de guerra. A sua actividade é simultaneamente religiosa, guerreira, política, administrativa e económica. A linha real é a cabeça duma organização onde os chefes de linhagens são simultaneamente chefes do culto familiar que veremos um pouco mais à frente. Esta dinastia durou até ao século XI a.C. utilizando uma sofisticada forma de escrita ideográfica que perdura até aos dias de hoje. Grande parte dos ideogramas sobreviveram até aos nossos dias na sua forma e com o significado que detinham então. Outros, porém, caíram em desuso e na obscuridade, pelo que se torna difícil ou impossível a sua compreensão. Esta escrita foi preferencialmente usada em ossos e carapaças de tartaruga, os jiǎ gǔ wén, escritos durante o séc. XIII a.C., para serem usados nos oráculos, o que permitiu um estudo razoável acerca da sua cultura. Simultaneamente, as inscrições em bronze 金文 jīn wén, apareciam, bem como a sua variante zhōng dǐng wén - inscrições em sinos e vasos rituais. Porém, deve-se a esta época, a criação de um calendário cujos “anos e meses eram representados nas inscrições oraculares em osso por números cardinais, enquanto que dez ideogramas representavam os «troncos celestes» e outros doze designavam os «ramos terrestres», tendo sido empregues para nomear os dias dum ciclo sexagesimal.[…] Se bem que o calendário foi sujeito ao longo dos séculos por numerosas modificações e que o cálculo foi sempre sendo melhorado em precisão, o ano lunar e os ciclos de 60 dias deviam permanecer em uso por mais de 3000 anos. O uso de um calendário revestia-se de uma importância significativa para o desenvolvimento dos anais da história”91.

90 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 46 91 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 68. Nota do autor: de origem tipicamente divinatória, viriam a ser, em época mais tardia estudados de uma forma sistemática e objectiva, vindo a constituir um método verdadeiramente científico.

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Quanto ao comportamento desta dinastia relativamente à saúde, temos de ter presente o carácter altamente supersticioso desta cultura e que as informações de que se dispõe visam apenas a vida dos reis e dos elementos a ele mais chegados, não havendo, até ao momento, qualquer forma de determinar as medidas que eram tomadas pelos estratos mais baixos da Sociedade Shāng (Fig.10). Aliás, Oliveira et alii (1996)92, distingue, na evolução da medicina, quatro fases: “fase mágica, fase sacerdotal ou religiosa, fase empírica e fase científica”. Exemplo de medicina de carácter mágico encontramos entre os Impérios Babilónico, Caldeico-Assírio, no vale do Eufrates, bem como a Egípcia, ao passo que a sociedade Hebraica era de carácter sacerdotal. No período Védico93, a medicina Indiana era mágica ou mágico-sacerdotal, e no período Bramânico94, o conhecimento médico é maior a nível anatómico, mas sempre submetido à religião95. Sournia (1995) afirma que na Mesopotâmia antiga “a doença é […] vivida como um castigo ou um pecado: «A impuresa atingiu-me. Julga a minha causa, toma uma decisão a meu respeito; extirpa do meu corpo a doença má, destroi todo o mal da minha carne e dos meus músculos deixar-me hoje, e possa eu ver a luz» (retirado de tábuas de prognósticos médicos, cerca de 2000 a.C.). […] Utilizam-se diversos tipos de diagnóstico de natureza divinatória: sonhos, voos de aves, data de uma cheia, cor e direcção do fumo sobre uma chaminé, forma de uma mancha de óleo, etc. A hepatoscopia, dado que o fígado era considerado o órgão essencial do pensamento e dos sentimentos, devia conhecer o maior sucesso, […] pois este tipo de mântica visceral praticar-se-á mais tarde correntemente entre etruscos e os hititas. Estudava-se, assim, a profundidade dos sulcos do fígado e a configuração dos seus lobos para estabelecer o prognóstico da doença”96. Conhecida como mais desenvolvida, a medicina egípcia, tem Imotep como tendo sido o médico mais conhecido (ano 2800 a.C), dado que era

92 Oliveira, L. N. Ferraz de; Dória, José Luís – História da Medicina, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 3 93 período dos livros sanscritos ou Veda estende-se até cerca de 2500 a.C. 94 período Bramânico cobre o último milénio a.C. 95Oliveira, L. N. Ferraz de; Dória, José Luís – História da Medicina, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 31 96 Sournia, Jean-Charles – História da Medicina. Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp.24-25

Fig.10 – A China dos Primeiros Tempos (adapt. Cotterell, 1999)

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primeiro ministro do faraó Djeser, da 3ª dinastia menfita, porém, “segundo todas as probabilidades, a patologia egípcia pouco difere da mesopotâmica” (Sournia, 1995) 97. Os Shāng já tinham desenvolvido a noção de doença. A enfermidade é definida aqui como a primeira experiência, isto é, a percepção subjectiva de sensação de indisposição que pode ser sentida, na alteração do comportamento. A doença, pelo contrário é um produto socialmente determinado, um conceito reformulado da primeira abordagem e experiência de enfermidade. Contudo, é possível caracterizar doença como um desvio definidamente claro, dentro de um conjunto específico de ideias no que diz respeito às causas e características e tratamento da enfermidade, tendo como referencial o estado normal da saúde do ser humano. Daqui, algumas manifestações de enfermidades podem, em sociedades diferentes, ser compreendidas como sendo doenças completamente diferentes. Os Shāng tinham uma familiaridade com muitos espécies diferentes de enfermidades, porém, apenas reconheciam o número limitado de doenças. Por exemplo, dores de dentes, e dores na cabeça, balonamento abdominal, e dores nas pernas eram apenas diferentes sintomas da mesma doença. Como se afirmou mais acima, esta era ainda uma sociedade em que a superstição detinha bastante influência. Nela fluía a preponderância da “maldição de um antepassado”; estes dominavam o mundo dos vivos, mas, em contrapartida, estavam dependentes destes para lhes levarem provisões98. Os antepassados desejavam, por exemplo, que os seus ossos repousassem, na sua tumba, em boas influências de fēng shǔi (ventos e águas), obtendo a reciprocidade de prosperidade e saúde para todos os descendentes.99 Se os vivos falhassem no cumprimento destas obrigações, as reacções dos antepassados não se faziam esperar. A eles se tentava chegar através de intermediários, daí a importância de se recorrer aos oráculos acerca do tempo, da guerra, pagamento de tributos, caça, sonhos, planos de viagem, alianças políticas e enfermidades. Com esta mentalidade, muitas doenças tinham a sua força causal na vontade dos antepassados. O ideograma 疾 jí (enfermidade) é muito comum nos jiǎ gǔ wén, perante o oráculo. Nestes textos, jí aparece em conjunção com partes do corpo humano ou de funções corporais; neste “figurava um homem tocado por uma flecha 97 Idem, ibidem 98 Cf. c/ Coulanges, Fustel de – La cité antique. Librairie Hachette.s/d. pp. 34-35 : (obra escrita acerca dos usos, costumes e tradições mais remotas greco-romanas) – “Havia uma troca perpétua de bons ofícios entre os vivos e os mortos de cada família. O antepassado recebia dos seus descendentes a série de refeições fúnebres[…]. O descendente recebia do antepassado a ajuda e a força de que tinha necessidade. O vivo não podia passar sem o morto , nem o morto sem o vivo. Por este meio uma ligação potente se estabelecia entre todas as gerações duma mesma família e fazia um corpo eternamente inseparável. Cada família tinha o seu túmulo, onde os seus mortos vinham repousar um ao pé do outro, sempre juntos. Todos os que tinham o mesmo sangue deviam aí estar enterrados e nenhum homem doutra família poderia ser admitido. Aí se celebravam as cerimónias e os aniversários. Aí cada família acreditava ver os seus antepassados sagrados. Em tempos muito antigos, o túmulo estava dentro da própria propriedade da família, no meio da habitação, não longe da porta, «a fim, diz um ancião, que os filhos, entrando ou saindo de suas moradas, encontrassem de cada vez os seus pais e cada vez lhes dirigissem uma invocação». Assim, o antepassado permanecia no meio dos seus; invisível, mas sempre presente, ele continuava a fazer parte da família e a ser o pai. Ele imortal, ele feliz, ele divino, ele interessava-se acerca do que tinha deixado de mortal na terra. […] O gerador parecia-lhes um ser divino, e eles adoravam o seu antepassado […] É necessário que este sentimento tenha sido muito natural e muito forte, uma vez que ele aparece como princípio duma religião na origem de quase todas as sociedades humanas; encontramos nos Chineses […]”. 99 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of Ideas. Univerty of California Press, Ltd, London, 1985, p. 27

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sofrendo de dor” 100. Das 200.000 inscrições encontradas distinguiram-se 14 combinações diferentes onde se incluem ideogramas de olhos, cabeça, ouvidos, nariz, boca, dentes, pescoço, abdómen, pé, calcanhar, bem como voz, urina e parturiente. A acção dos “espíritos do vento” também eles tinham aqui o seu lugar, falando-se de “vento maligno”, juntamente com a “neve”, que constituíam as duas causas mais comuns das doenças de acção místico-mágica, cuja solução passava frequentemente pelo shī (“shaman”- representante dos mortos) ou pelo wú (feiticeiro).101 “Mas havia tratamentos na época Shāng. A arqueologia atesta-o.[…] no lugar Shang de Taixi, perto de Gaocheng, cidade de Hubei”102 foram encontradas cerca de trinta sementes de fruta com caroço, entre as quais a 郁李 yù lǐ – Prunus Japonica e táo – Prunus Persica. Ambas com propriedades terapêuticas apreciadas desde há muito, o caroço de pêssego é mencionado na bibliografia como recomendado“«para matar os pequenos vermes». Nos dias que hoje, a medicina tradicional emprega-os em ginecologia”103.Quanto ao yù lǐ, o seu caroço lubrifica os intestinos e relaxa-os sendo empregue na obstipação devida à desidratação intestinal; do mesmo modo pode ser empregue para promover o metabolismo hídrico104. Durante este período, as pessoas começaram a adquirir alguma compreensão acerca das doenças. Os nomes de mais de vinte tipos de doenças, incluindo doenças da cabeça, ouvidos, nariz, dentes, abdómen e pés, e desordens pediátricas, ginecológicas, e obstétricas, foram gravadas, como referimos, na mais antiga forma escrita descoberta da China - ideogramas e registados em ossos e carapaças de tartaruga. Enquanto grande parte destas doenças foram diferenciadas de acordo com as diversas partes do corpo humano, algumas eram referidas depois das características das doenças, tais como malária, sarna, timpanismo105 e cáries106. Por exemplo, o ideograma para timpanismo parece-se com lombrigas num recipiente indicando que existem parasitas no abdómen, e o ideograma para as cáries indica que os orifícios nos dentes são causados por “vermes”

107. O registo das cáries dentária nos ideogramas chineses gravados nos jiǎ gǔ wén, são o registo mais antigo deste tipo na história mundial da medicina, 700 - 1000 anos mais cedo que os registos semelhantes em outras sociedades antigas 100 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.13. Cf. também com: Ideograma [404] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.74 101 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 52 102 Hoizey, Dominique – Histoire de la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, p. 29 103 Idem, Ibidem 104 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.72 105 Manuila, L. et alli – Dicionário Médico. Climepsi Editores. Lisboa, 2000, p.590 timpanismo, - Sonoridade particular obtida à percussão de um órgão distendido por gases, e mais especialmente em caso de distensão do abdómen devida à presença de gás ou de ar em quantidade excessiva nos intestinos ou na cavidade peritoneal. 106 Idem, p.119 - cárie dentária - Destruição localizada e progressiva dos dentes. A cárie dentária atinge em primeiro lugar o esmalte (cárie do primeiro grau), em seguida a dentina que é atacada pelas bactérias (cárie do segundo grau) e pode chegar à necrose da polpa dentária (cárie do terceiro grau). 107 Note-se que hoje em dia se utilizam dois ideogramas para a ideia de cárie dentária: yá fēng. O primeiro ideograma [nº 5616] significa dente; o segundo ideograma [nº 1587] significa loucura, demência. -- Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p. 1068 e p. 300, respectivamente.

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encontradas no Egipto, Índia e Grécia. Outras palavras relacionadas com doenças escritas em ideogramas nos jiǎ gǔ wén dizem respeito a desordens fisiológicas. Por exemplo, “desordens orais afectando a voz” indica doenças da boca e faringe com perda da capacidade de falar, e “perda da vista” significa cegueira, zumbidos, insónia, etc. Particularmente, o registo que “há uma epidemia este ano”, mostra que as pessoas já compreendiam que havia anos em que determinadas doenças prevaleciam. Segundo o 周礼 Zhōulǐ – Rituais dos Zhōu (séc. IV-III a.C) “a dor de cabeça aparece mais frequentemente na primavera, a sarna e outras doenças cutâneas no verão, a malária no outono e a bronquite no inverno”108. Isto mostra que se conhecia a relação estreita entre as condições climatéricas e o aparecimento das doenças. Comparando as repetições das condições climatéricas anuais todos os 60 anos, com registos anteriores de epidemias, não terá sido difícil correlacioná-los com o referido calendário Jǐazǐ. No ocidente, “a ideia de que as doenças são consequência do mau funcionamento dos órgãos e não da intervenção de espíritos malignos encontra-se nos tratados de Ywti, que foi médico de Ramsés I e de Seti II [(primeira metade do séc. XIV a.C.)], ou seja, oitocentos anos antes de Hipócrates a formular”109. Do séc. XX a.C. ao séc. VII a.C., a população chinesa foi aprendendo acerca de maior número de doenças. Mais de 20 doenças estão registadas em trabalhos antigos, com nomes constantes baseados nas características das mesmas, por exemplo: papos, disenteria, peste, hemorróidas, carbúnculos110, inchaços, malária, úlceras, sarna, surdez, mania, massas abdominal, “vento mau”, doenças epidémicas, demência, verrugas, e fistulas. Isto representa um desenvolvimento na taxonomia das doenças das partes do corpo nas inscrições nos jiǎ gǔ wén. Não será despropositado aqui referir que, relativamente ao estudo da medicina chinesa, têm existido diversas abordagens, entre as quais a de Erwin Ackerkneckt, em 1940, onde os conceitos médicos devem ser compreendidos como integrados em aspectos culturais, em vez de observados como elementos absolutos independentes 111. Aliás, no que diz respeito, à origem da medicina, o estudiosos criaram dois pontos de vista completamente diferentes durante bastante tempo. Por um lado, continuam em discussão permanente acerca dos sistemas místico-mágicos como génese da tentativa do homem combater as doenças. Desta forma se criaram santos, feiticeiros, ou justificações no instinto animal para este fim. Esta é uma manifestação de duas visões do mundo, diametralmente opostas - o materialismo contra o idealismo, ou dialéctica contra metafísica. Na fase posterior da sociedade, co-existiram dois conceitos “médicos” conflituosos e de exclusividade mútua - ou as pessoas usavam a medicina para tratar as doenças ou acreditavam na força da magia. Este foi um fenómeno histórico universal que, alguns autores aproveitam para tentar querer fazer acreditar que “o povo Chinês

108 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.13. 109 Tubiana, Prof. Maurice – História da Medicina e do pensamento médico. Editorial Teorema, Lisboa, 2000, p.32 110 Vide nota 87 111 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of Ideas. Univerty of California Press, Ltd, London, 1985, p. 3

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nunca estabeleceu uma separação clara dos mundos do mito [112]e a realidade”, chegando a reafirmar que “estão tão imbuídos um no outro que dificilmente se pode dizer onde começa um e acaba o outro”113. Não nos encontramos a afirmar se o povo chinês é ou não, religioso, muito menos se o foi no passado ou não. Há é necessidade de não se generalizar, à boa maneira Ocidental, o que no Oriente se foi desenvolvendo, sincrónica e diacronicamente. De facto, há que notar que, a partir de determinado momento, a medicina chinesa desenvolveu um processo contínuo de depuração das influências idealistas tendo-se norteado este processo segundo os princípios do que Joseph Needham chamou de “materialismo orgânico”114, formando gradualmente seu próprio sistema teórico global.

112 Quanto à sua importância vide nota 58 113 Chinese Gods and Myths – Grange Books, Rochester, 1998, p. 7 114 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973, p.14

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Desenvolvimento da Medicina e Farmacopeia Chinesa desde a dinastia Zhōu época dos Sān Guó(três reinos) (1027 a.C – 265 d.C.)

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Foi numa cidade de nome Zhōu, estabelecida em 陕西 Shǎnxī, que foi posto termo à dinastia dos - Shāng-Yīn. Tal mutação parece ter acontecido cerca de 1050 ou 1025 a.C. Esta cidade, exterior ao domínio Shāng, encontrava-se em contacto e com relações com as populações bárbaras das Regiões ocidentais, onde foi tirado partido da utilização do cavalo. Os Zhōu, de costumes mais guerreiros que a Dinastia anterior, parecem ter feito um maior uso do carro de guerra e ter inventado um novo tipo de atrelagem com quatro cavalos na frente. Conduzidos por aquele que a história posterior será conhecido sobre o nome de rei Wén, a população de Zhōu, marchou sobre Hénán no momento em que o último soberano da Dinastia anterior se encontrava ocupado com uma guerra contra os bárbaros de Huai dão curso ao avanço vitorioso dos Zhōu, o rei Wén morre em combate e o rei Wǔ sucede-lhe. Os Yīn são definitivamente vencidos na batalha de Mùyĕ. Tudo indica que este período do início do séc. X a.C. se caracterize por um início expansionista, com a respectiva colonização, tendo-se atingido a actual Bĕijíng – Pequim. A sociedade nobre do séc XI ao séc VII a.C., encontra-se na continuidade da estrutura da dinastia Shāng, sendo a agricultura bafejada pelo progresso dos sistemas de irrigação. Uma vez mais a sociedade encontra-se enraizada nos domínios e nos cultos familiares hierarquicamente organizada, tendo no topo o domínio real e o culto dos antepassados dos Zhōu. O rei detém o título de tiānzǐ – “filho do Céu”, sendo suposto ter o fardo do shàngdì – “Senhor do alto”, ao qual é o único a ter o direito de sacrificar. A sua capital é Zhōuzōng, centro cultural de toda a comunidade das cidades Zhōu, local onde se encontra o templo dos reis defuntos. O poder é detido em cada cidade por famílias, cujo valor depende do número de carros de guerra, privilégios religiosos, antiguidade das suas tradições, e proximidade na ligação à casa real, posse de emblemas e de tesouros, etc. A meio do séc. X a.C., o rei Mù, impôs a inscrição nos vasos de bronze que serviam ao culto ancestral o processo verbal das cerimónias de investidura ou de doação, a fim de perpetuar (e porque não controlar) a lembrança dos direitos adquiridos. Os seus poderes territoriais detinham um fēng – limite; a coesão interna é assegurada pela ordem dos cultos familiares, mas com ramos principais e ramos secundários, numa complexidade bastante superior ao do tempo dos Shāng. Os cargos e privilégios conferidos pelo rei eram em princípio revogados, mas o desenvolvimento dos principados e o reforço das famílias grandes dignatárias pretenderam torná-los cargos hereditários, criando um estado menos centralizado. Os acontecimentos precipitaram-se, na primeira metade do séc. VII a.C., pelos ataques das populações de 陕西 Shǎnxī e a redução do domínio real. O desenvolvimento destes principados criou uma sociedade nova, com novos usos e costumes, com a diminuição do poder real, aumentando-se uma nobreza ávida de prerrogativas e atenta às questões de protocolo, um ideal de nobreza guerreira, uma moral de honra e prestígio. Tal estado sócio-político-religioso, iria diminuir consideravelmente o sistema de hierarquias culturais e de ritos que asseguravam a coesão da proeminência à linhagem real, com toda a panóplia de consequências associadas.115

115 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp. 53-60

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Na época Chūnqiū 116, desenhou-se uma oposição entre as antigas cidades da planície Central, cujas linhas principescas remontavam à fundação de Zhōu – os «principados do Centro»,中国 Zhōngguó, termo que, tal como foi explicado na Introdução, mais tarde será aplicado ao que nós apelidamos de China – e as cidades periféricas que começavam a formar unidades políticas mais alargadas e poderosas. Entre eles encontramos Jìn, no vale do rio Fén, em 西 Shānxī; Qí, a NW de Shāndòng, país enriquecido pelo comércio do sal, peixe, seda e metais; Chǔ, na região de Yángzǐ e os vales de Húbĕi. As alianças não se farão esperar, com a hegemonia dos Qí de Shāndòng , dos Qín de 陕西 Shǎnxī, e os Jìn, de 西 Shānxī, num aumento progressivo das suas oposições, tendo passado para plano secundário as tradições comuns e o mesmo tipo de cultura. Será esta luta crescentemente agressiva entre os 七雄 qī xióng – sete potências que vai caracterizar o período de guerras da época dos zhànguó - Reinos Combatentes, desde o séc. V-III a.C (Fig.11). Eles irão anunciar as transformações que se irão seguir: a concentração do poder nas mãos de um só, e a formação do Estado centralizado, em 221 a.C. Mas esse período será uma época de profundas modificações na sociedade, nos usos e costumes.117 Esta situação caótica era exacerbada por casos de parricídios, uxoricídios e fratricídio, perpetrados nas famílias com o poder, revelando uma quebra moral da 116 Chunqiu. Obra elaborada ao longo de séculos, parece ter tomado a sequência dos arquivos divinatórios da época de Ānyáng e teve por objecto a constituição duma ciência dos precedentes diplomáticos e religiosos, astronómicos e naturais. Os anais mais antigos parece remontarem ao séc. XI a.C.. Os “Anais de Outono e Primavera de Lu”, ainda mantém originais, cujas datas de elaboração se encontram entre 722 – 481 a.C. - Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp. 82-83. De facto esta época, que trata a homónima Crónica “Primavera e Outono”(722-481 a.C.), extraído dos arquivos oficiais do Ducado de Lu, é apresentado com um fundo moral, incluindo julgamentos críticos atribuídos a Confúcio. Ideograma [1258] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.234 117 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 61

Fig. 11 – Os reinos combatentes (482-221 a.C.) (adapt. Cotterell, 1999)

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sociedade. Porém, esta dinastia viu desenvolver-se novas tecnologias, a produção do ferro e do sal, com um incremento da economia monetária, e uma maior mobilidade popular. Serão os Qín (Fig.12) que irão sobrepor-se aos outros estados, na data já referida. Para tal, uma mudança de actuação foi praticada na arte da guerra, não importava mais a obediência aos princípios antigos, apenas o sucesso era importante, e uns atrás dos outros, os reinos caíram sob a sua dominação.118 O seu 王政 wáng [rei] Zhèng, em 221 a.C., no 26º ano do seu reinado, após ter unificado a China, tomando o título de 始 Shǐ Huáng -Primeiro Imperador, passou a chamar-se 始 Shǐ Huáng-dì.

Não obstante a unificação do império ter levado à destruição dos outros estados, os conselheiros Shǐ Huáng-dì, levaram-no a utilizar um programa de reformas bastante profundas, cuja posta em prática necessitou de uma determinada agressividade de forma a tentar eliminar todos os vestígios dos paticularismos do período “feudal”, o que levou a uma série de acções bastante radicais: os propritários das terras ficaram sem elas, tendo as suas administrações cabido a oficiais superiores; a nobreza passou a ser obrigada a viver na cidade; houve uma reorganização administrativa e militar completa; deu-se uma normalização cultural na escrita; da mesma forma foram normalizados os pesos e medidas, incluindo a largura das estradas, o que permitiu uma integração económica dos diversos particularismos regionais; recolha e destruição pelo fogo de todas as obras escritas, excepto as ligadas a tratamentos médicos, drogas, oraclos, agricultura e florestas. Tais medidas talvez tenham tido o objectivo acrescido de nada se opor à nova acção governativa.

118 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of Ideas. Univerty of California Press, Ltd, London, 1985, p. 31

Fig.12 – Os Impérios Qín (221-207 a.C.) e Xī Hàn (Ocidentais – 206a.C. – 9 d.C.) (adapt. Cotterell, 1999)

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Onze anos após a criação do império, Shǐ Huáng-dì morre sem que os seus dois sucessores tivessem conseguido opor-se à acção dos antigos elementos vencidos, tendo os nobres por um lado e pelo outro os trabalhadores rurais do império. A guerra civil instala-se mas, em 202 a.C., um simples polícia citadino, Liú Bāng, vence a facção da nobreza. Será ele que sob o nome de Gāo-Zǔ ou Gāo-dì irá fundar a dinastia dos Qián Hàn (anteriores) ou Xī Hàn (Ocidentais), que perdurará até ao ano 9 a.C. Este período foi, pela primeira vez na história da China, um período de paz e estabilidade interna. Dos imperadores desta dinastia, o que viveu entre 141-87 a.C., o imperador Wǔ-dì, desenvolveu um sistema político que permaneceu a característica da China durante os subsequentes 2000 anos.119 Aliás, entre muitas outras iniciativas estruturais, por sugestão de Dong Zhongshu, Wǔ-dì, em 136 a.C., proclamou o confucionismo doutrina oficial do estado.120 Do ano 9 a 23 d.C., parte da China será governada por 王莽 Wang Mang que, não obstante a usurpação do trono que cometeu, criando a dinastia 薪 Xin, tentou “limitar a riqueza das famílias poderosas […] e aliviar a miséria dos camponeses-agricultores”121. A resistência a reformas e as rebeliões motivadas por fomes na sequência do rebentamento dos diques do rio Amarelo, levaram à sua deposição e morte. Em 25 d.C., dá-se em Luoyang a entronização de Guangwudi, membro do clã imperial Hàn, criando a dinastia Hoù Hàn (25-220d.C.), mas cujo lugar se deveu ao apoio de grandes latifundiários, com a

119 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of Ideas. Univerty of California Press, Ltd, London, 1985, p. 33 120Cotterell, Arthur – China – uma História cultural. Instituto Cultural de Macau. Gradiva. 1999, p.116 121 Cotterell, Arthur – China – uma História cultural. Instituto Cultural de Macau. Gradiva. 1999, p.127

Fig.13 – época dos Sān Guó(três reinos): Wei (220-265); Shu (221-263); Wu (222-280) (adapt. Cotterell, 1999)

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resultante fragilidade de poder. As lutas com os povos do Norte, os Xiōngnú (populações de origem paléo-siberiana que ocupavam a Mongólia122), continuaram sem progressos, desgastando o Império. Desde o ano de 107 até 184, as revoltas e tumultos virão a ser uma constante que irá desaguar numa grande revolta dos “turbantes amarelos”, em 184. Mesmo vencidos, a sua acção levará, junto com a prepotência do imperador Xiandi, a que um senhor da guerra, Cao Cao o substitua, dando lugar à época dos Sān Guó(três reinos): Wei (220-265); Shu (221-263); Wu (222-280) (Fig.13)

Início da compreensão das doenças

A compreensão das doenças inclui, também, um entendimento acerca das suas causas, levando à progressiva diminuição na crença da influência de espíritos demoníacos e de deuses, de feiticeiros e superstições como causadores de doenças, ao longo deste vasto período de tempo. Com base em trabalhos mais antigos não médicos, tais como 吕氏春秋 Lushìchūnqiū - Anais de Primavera e Outono de Lu123, 周礼 Zhōulǐ – Rituais dos Zhōu (séc. IV-III a.C), 礼记 lǐjì - Memórias dos Ritos (séc. IV-III a.C), Gōngyáng zhuàn - A interpretação de Zuo dos anais de Outono e Primavera”124 e, pode observar-se que, em cada um desses momentos, já se conhecia que as causas das doenças se encontravam estreitamente ligadas à comida, clima, ecossistema envolvente, factores mentais, mudança das estações e do clima e a especificidades de determinadas regiões. Da mesma forma se observou que variações climáticas anormais podiam ser acompanhadas de epidemias, e que as doenças epidémicas eram infecciosas. A farmácia e Medicina Tradicional Chinesa, no seu longo curso evolutivo, viu emergir profissionais que se distinguiram pela sua acção no seu tempo. No séc. VI a.C., a maioria dos povos, no mundo inteiro ainda acreditava, como vimos, que as doenças eram devidas a espíritos malignos, surge o médico famoso 医 Yī Hé125 do reino Qín, da era da “Primavera e Outono”. Segundo os registos históricos, quando fez o diagnóstico do marquês do reino de Jìn, afirmou que as doenças não eram causadas por espíritos ou deuses, mas por anormalidades de seis tipos de factores126. Este médico desenvolve um conceito objectivo de patogénese, onde a doença é devida ao desequilíbrio dos 6 factores: 阴yīn, 阳 yáng, fēng (vento), 雨 yǔ (chuva), 夜 yè (noite), 日 rī (dia). Referiu que o cansaço demasiado, a variação climática das 4

122 Ideograma [2042] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.392 123vide referência 116 124 Comentário aos anais anteriores, elaborados no séc. IV-III a.C., por Gong- yáng Gao*, mas onde se incluem outros textos mais substanciais, escritos numa época de declínio. Agarrando-se às tradições mais antigas, reconhece-lhes a influência das teorias e das concepções morais da época. Deste modo, incluem-se as teorias classificadoras dos especialistas do yīn e do yáng e dos cinco movimentos. - Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 84. (* Vide ideograma [2871] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.551) 125 Elementos referidos no Prefácio da obra de Huangfu Mi – 针灸甲已经 zhēn jiǔ jiǎ yǐ jīng - A-B Classico de Acupunctura e Moxibustão, elaborado entre 215-282 da nossa Era 126 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.485

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estações, os cinco períodos do ano, e os 6 factores constituíam a maior causa das doenças. Não obstante podermos considerar demasiado ingénuas e simplistas, estas teorias não só tiveram uma grande influência no desenvolvimento da etiologia em tempos mais tardios mas, de igual modo, mostraram que se começava a abandonar a crença em que as doenças eram causadas por espíritos. No século seguinte, na época dos zhànguó - Reinos Combatentes (desde o séc. V-III a.C.), surge 秦越人 Qín Yuèrèn, nascido na zona de Hébĕi, mais tarde conhecido por Biǎn Què. O seu gosto pela medicina fê-lo enveredar por este ramo do saber, ligando-se a um médico que lhe transmitiu tudo quanto conhecia. Porém Biǎn Què, cerca de dez anos mais tarde, ultrapassava o seu mestre, tornando-se um virtuoso nesta matéria. Opondo-se tenazmente às superstições que, como vimos, grassavam pelo mundo terapêutico de então. Na época dos 吕氏春秋 Lushìchūnqiū - Anais de Primavera e Outono de Lu, apesar duma melhoria da produtividade e dum enriquecimento dos conhecimentos, a feitiçaria e a superstição continuavam a exercer uma grande influência na sociedade e a entravar os progressos da medicina. Neste sentido, Biǎn Què iniciou uma luta renhida contra esta situação. Para tanto, propôs os seus seis princípios de tratamento médico e aconselhava aos seus pacientes para desconfiar da feitiçaria. Segundo ele, aqueles que acreditavam no poder da magia dos feiticeiros e não na medicina teriam dificuldade de se curar. Biǎn Què adoptou sempre uma atitude séria nos seus estudos, uma vez que, graças à sua prática clínica, ele compreendeu perfeitamente o que preocupava os médicos: era a falta de procedimentos terapêuticos, enquanto o que inquietava a população era a ameaça de inúmeras enfermidades. Para tratar uma variedade tão grande de doenças, ele utilizava as técnicas de massagem, de acupunctura e a aplicação de compressas quentes, e combinava decoções com outros tratamentos. A sua acção não só apontava para a medicina na generalidade, como foi um especialista em ginecologia, pediatria, oftalmologia e otorrinolaringologia. Com toda esta experiência e saber, criou os quatro métodos de diagnóstico, que constituem uma diagnose fundamental, progressivamente formada durante o decurso da prática clínica. Através destes quatro métodos, percebe-se a espectação (observação da expressão, da face, do revestimento lingual e do aspecto físico do paciente), a percepção (escutar a voz do paciente e cheirar o odor do seu corpo), o interrogatório (questões acerca do estado e da evolução da enfermidade), a palpação (tomar os pulsos de forma a conhecer a força, a velocidade e a cadência, e a palpação do corpo no seu conjunto). Si O historiador Sī Mǎqiān (145-186), da Dinastia Hàn disse uma vez: “Biǎn Què foi o primeiro desde sempre a efectuar a palpação do pulso”. Existem diversas histórias acerca da sua actividade terapêutica. Conta-se que quando se encontrava no Estado de Qí , conheceu as dificuldades de saúde do Duque de Huan. Este não ligou aos diversos conselhos que o médico lhe ía dando, à medida que a doença prosperava, recusando-se a tratar-se. Quando a doença se tornou dolorosa, o duque mandou chamar o médico que lhe respondeu que quando a doença se encontra entre a pele e a carne, pode ser tratada por meio de decoções; quando ela penetra nos vasos sanguíneos, pode ser tratada por meio de acupunctura e moxibustão; quando invade o estomago e os intestinos, pode usar-se medicamentos alcoolizados que ainda se obtém efeito terapêutico, mas quando os factores patogénicos atingem a medula óssea,

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nada pode ser feito. A história afirma que Biǎn Què abandonou o país, e pouco depois o duque morreu. Recorrendo aos quatro métodos de diagnóstico e aos tratamentos diversos, Biǎn Què conseguiu tratar o príncipe do rei de Guó que se encontrava num estado de morte aparente. Eis a história: Um dia, à sua chegada com os seus discípulos aquele reino, Biǎn Què soube que o príncipe ficou subitamente em coma, havia já um bom meio dia e que todos os membros da corte o julgavam morto. Como Biǎn Què tinha as suas dúvidas, dirigiu-se imediatamente à corte, acompanhado da sua comitiva. Um exame minucioso permitiu-lhe aperceber-se que as fossas nasais do doente ainda se moviam ligeiramente, o que significava que a respiração não tinha parado por completo. Tocando no corpo do doente, constatou que as pernas não se encontravam ainda arrefecidas. Por estas razões, concluiu que o príncipe não se encontrava realmente morto mas somente em estado de morte aparente. Ele e os seus auxiliares praticaram então acupunctura, introduzindo uma agulha no ponto 百会 Bǎihuì (20VG)127 e outra no 人中 Rénzhōng (26VG) ao doente que acordou, pouco depois; em seguida, mandou aplicar-lhe uma compressa quente e levou-o a tomar tisana. Assim, numa vintena de dias, o príncipe restabeleceu-se totalmente. Esta novidade, uma vez divulgada, satisfez todo o reino. Muitas pessoas elogiaram Biǎn Què , chegando a dizer que era capaz de ressuscitar os mortos. A estes cumprimentos, ele respondia modesta e seriamente que se ele tinha podido curar o príncipe, é porque ele estava ainda vivo, e não que ele possuísse a arte mágica de ressuscitar os mortos. A sua modéstia e o seu alto nível médico valeram-lhe o respeito do povo, mas em contrapartida, ele foi objecto do ciúme do médico real do reino de Qín, que acabou por assassiná-lo.

Os séculos VI e V a.C. Ocidentais

Enquanto estes acontecimentos tinham lugar, na China, onde se acreditava que “o mundo era constituído de yin-yang e dos cinco movimentos […] os filósofos Gregos construiram um mundo de terra, ar, água, e fogo.”128 A Europa via desenrolar-se uma cultura diferente na Grécia, onde as escolas filosóficas tentavam compreender e conceber o Universo, e onde se destacam ideias que viriam a ter grande influência a nível da medicina. “Empédocles entendeu conciliar as ideias de Parménides e de Eraclito com a sua teoria dos quatro elementos primordiais: - Água, Ar, Fogo e Terra. Esses quatro elementos seriam os princípios estáveis (Parménides) cujas combinações se fazem e desfazem (Heraclito) variando sem cessar, sob a acção antagonista da atracção e da repulsão. Os fenómenos biológicos eram explicados por Empédocles, de acordo com esta doutrina, que reforça a teoria humoral”129 . De facto, este filósofo, 127 Suoying, Wang – Língua Chinesa - Seminário, in Choy, Dr. Pedro (Dir.) «Curso de Acupunctura e Fitoterapia Tradicional Chinesa», Lisboa, APA-DA, 2000, p.30 128 Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 11 129 Oliveira, L. N. Ferraz de; Dória, José Luís – História da Medicina, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 61

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considerava que “a carne é uma mistura dos quatro elementos; se formos dividindo em partículas até à mais pequena parte, continua a ser carne, qualquer divisão que se faça para além disto, obtêm-se os quatro elementos separados.”130 Será no séc. V a.C., um século após 医 Yī Hé afirmar que as doenças não eram causadas por espíritos ou deuses, mas por anormalidades de seis tipos de factores, que na Grécia, surge Hipócrates, “nascido em Cós por volta de 460 a.C., era filho de Asclepíada: foi criado e educado no seio [de uma] seita de sacerdotes médicos que celebravam o culto de Esculápio e cuja prática se baseava no sobrenatural131. Porém, será ele que afirmará: “não é preciso invocar os deuses para explicar a saúde e a doença”132. Também Hipócrates acreditava na doutrina humoral, segundo a qual “o homem era formado por partes sólidas e partes líquidas, aliás como toda a natureza, partes ligadas entre si por algo de imaterial, espécie de fogo imperceptível, de ar quente, de espírito, o «pneuma» força invisível que o coração envia a todo o organismo, no qual os diversos órgãos possuem uma força própria de impulsão, que permite a vida. Nas partes líquidas distinguia-se ainda aquilo a que chamaram humores e é neles que assenta a dita Doutrina Humoral, o humoralismo.[…] Segundo Hipócrates a doença evoluía em três fases: - a inicial, a que deu o nome de pepsis, fase em que a doença ainda está crua – a segunda fase, ou de cocção, em que a doença está a coser. – a terceira, ou de crisis é a fase em que a doença costuma desaparecer de um momento para o outro. Por vezes tal não acontecia havendo até a tendência para o desaparecimento ser gradual – é a lisis. 133. Hipócrates não se interessava muito pelo diagnóstico em si, não obstante servir-se de alguns deles para tentar prever a evolução da doença. Relativamente a outros elementos clínicos, considerava que o cérebro era a sede do pensamento considerando-o como uma glândula que absorvia o excesso dos humores. A traqueia, os brônquios e as artérias, tinham como função servir para a circulação da pneuma. O princípio do médico hipocrático era a da observação do doente, mas ele considerava existirem dias críticos, deixando à natureza o poder medicamentoso. No que respeita à sua intervenção, o

130 Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 23 131 Tubiana, Prof. Maurice – História da Medicina e do pensamento médico. Editorial Teorema, Lisboa, 2000, p.37 132 Idem, ibidem 133 Esta teoria que pode ser considerada simplista face aos fenómenos fisiológicos e patológicos, analisados hoje à luz da ciência ocidental, teve um êxito enorme, sendo subtil, infinitamente flexível e capaz de incorporar e resolver uma variedade múltipla de problemas na época. Para os cépticos, acerca da racionalidade da sua lógica, os médicos justificavam-na com base nas observações comuns: A fleuma podia ser relacionada aos mucus, a bilis amarela ao fluido amargo contido na visícula biliar, e a bilis preta às matérias negras por vezes encontradas nos vómitos, urinas e fezes. A análise às exceções, secreções e fluidos eram analizados através dos sentidos.“Os humores, eram em número de quatro: - sangue, fleuma ou pituita, bílis amarela, e bilis negra ou atrabilis. O primeiro, proveniente do coração, era o elemento quente; o segundo, segregado pelo cérebro, o elemento frio; o terceiro, o seco, pelo fígado; e o quarto, vindo do baço era o elemento húmido. Estes humores estavam representados sob uma certa relação de força, temperatura e quantidade. Esse equilíbrio era designado por crase. Se o equilíbrio é normal diz-se haver eucrasia, e estado de saúde. Se o equilíbrio está perturbado diz-se haver discrasia, e a doença. Mas nem sempre, o predomínio de um humor, sobre os outros, traduz doença. Essa condição pode verificar-se em condições normais originando o temperamento. E assim encontramos quatro temperamentos diferentes: - sanguíneo, fleumático, biliar ou bilioso e o atrabiliar. Nestes diversos temperamentos, por seu turno, tinham manifesta influência o clima e o ambiente, com todas as suas facetas. - Oliveira, L. N. Ferraz de; Dória, José Luís – História da Medicina, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, 1996, pp. 69-71

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Corpus Hippocraticum refere o princípio do Contraria Contrariis: “As doenças que provêm da plenitude são tratadas por evacuações, as que provêm da vacuidade, por repleção e em geral os contrários pelos contrários”, como exemplo podemos referir “as doenças que provocam febre, instituía-se dieta líquida; àquelas que eram devidas a resfriamento, opunha-se o calor; nas que determinavam repleção excessiva, aplicavam-se purgativos”134. Neste tempo era hábito o uso de ventosas, e a farmacopeia incluía extractos de plantas (ópio, beladona, mandrágora, heléboro-branco, raiz de tapsia, etc,) bem como elementos minerais (sais de chumbo, de arsénio, de cobre), e de origem animal (gordura). Finalmente, a ética terá sido um dos elementos mais importantes para Hipócrates, que podemos rever, através de uma pequena passagem do juramento que é conhecido com o seu nome: “[…] dirigirei o regime dos doentes em seu benefício, na medida das minhas forças e de acordo com o meu julgamento, abstendo-me de toda a espécie de mal e de injustiça. Não administrarei veneno a ninguém, mesmo que mo peçam, nem tomarei a iniciativa de semelhante sugestão; da mesma forma, não fornecerei qualquer remédio abortivo a nenhuma mulher. Despenderei a minha vida e exercerei a minha arte na inocência e na pureza. […] Em qualquer casa que entre, fá-lo-ei para utilidade dos doentes, impedindo-me de qualquer malefício voluntário e corruptor e, sobretudo, de sedução das mulheres e das crianças, livres ou escravas, Seja o que for que veja ou ouça na sociedade, durante o exercício da minha profissão ou mesmo fora dele, calarei aquilo que não precisa ser divulgado nunca, considerando a discrição como um dever em casos semelhantes […]”135

Invenção dos vinhos medicamentosos e decoções

Durante todo este tempo, na China, a experiência da população com substâncias medicamentosas aumentava de dia para dia. A acumulação do conhecimento farmacêutico expandiu o campo do uso de substancias medicamentosas resultando na invenção de vinhos medicamentosos, prescrição de componentes, e decoções. Os trabalhos chineses mais antigos nos quais se encontram registadas substâncias medicamentosas incluem o shījīng - “Livro das Odes ou Clássico da Poesia” e o shānhǎijīng - “Livro das Montanhas e dos Mares”. O shījīng é da colecção mais antiga de poemas da China e foi sempre o favorito do povo chinês. Contém 74 pequenas Odes, 31 grandes Odes e 31 odes rituais dos Zhōu 136, todas elas passadas oralmente de boca em boca através de gerações. Originário de vários períodos, os versos reflectem a vida do povo chinês e a estrutura social antes do séc.V a.C., reflectindo os factos históricos mais antigos da China Shāng-Yīn e Zhōu. Deste livro podemos retirar que a prática de recolha de ervas era já uma realidade. Há 134 Oliveira, L. N. Ferraz de; Dória, José Luís – História da Medicina, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 71 135 Sournia, Jean-Charles – História da Medicina. Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 48 136 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 71

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descrições de pessoas para recolher ervas, e algumas das músicas eram cantadas durante a recolha das mesmas, como por exemplo “Fuyi” e “juan ‘er”, onde as canções eram cantadas pelas mulheres quando recolhiam as duas ervas. Existem cerca de 50 tipos de ervas frequentemente registadas no shījīng, tais como a folha da 叶 (aì ye - Folium Artemisiae Argyi), o bolbo da 贝母 (beì mǔ -Bulbus Fritillariae Thunbergii),o fruto da 枸杞子(gou qǐ zǐ - Fructus Lycii), erva da 青蒿 (qīng hāo - Herba Artemisiae Annuae), a raiz da 黄芩 (huáng qin - Radix Scutellariae), a raiz da 药 (sháo yào - Radix Paeoniae Lactiflorae), o fruto da 木瓜 (mù guā - Fructus Chaenomelis), a raiz da 葛根 (gé gēn - Radix Puerariae),a raiz licorosa da 甘草 (gān cǎo - Radix Glycyrrhizae), o caroço do pêssego 桃仁 (táo rén - Semen Persicae), e da tâmara chinesa 大枣 (dà zǎo - Fructus Jujubae)137. shānhǎijīng – livro das montanhas e dos mares é um trabalho geográfico famoso da antiga China. Baseado em lendas orais, provavelmente terá sido começado a ser elaborado cerca o séc. XI a.C. e compilado durante o século V a.C., é celebre pelos mitos que contém, reflectindo o conhecimento da época dos Hàn (206 a.C – 220 d.C.), e, segundo Hoizey (1988), parece-se com uma enciclopédia nos domínios da “botânica, da zoologia, da geologia e da medicina.138 Aproveitamos retranscrever aqui, alguns extractos que este autor coloca à disposição, na sua obra: “oitenta «li» mais a oeste está o monte Fuyu; na encosta sul existe muito cobre, na encosta norte muito ferro; no seu cume há uma árvore chamada wenheng, os seus frutos parecem a do jujube e serve para combater a surdez. Como plantas, há imensas toranjeiras; fazem lembrar as malvas mas tinham flores vermelhas e frutos amarelos, as suas folhas são parecidas com uma língua de criança. Quando se comem, evitam-se as confusões mentais” […] “como plantas vemos figueiras anãs … que comendo curam-se os problemas cardíacos” […] trezentos e sessenta «li» para sudoeste está o monte Yanzi; no seu cume há quantidades de árvores vermelhas cor de cinabre, as suas folhas parecem as da amoreira-preta da China, os seus frutos são gordos como abóboras; estes têm uma cauda vermelha e veios negros, quem a comer cura a icterícia”.139 Mas podemos dar, ainda, mais exemplos, e de uma forma mais objectiva: a Scopolia tangutica é recomendada no livro para “curar os males do ventre”, tal como nos dias de hoje, bem como a Metaplexis japonica, usada hoje contra a astenia e impotência sexual, bem como se refere no shānhǎijīng em aplicação externa para furúnculos140. Elaborado ao longo de um longo espaço de tempo, contém suplementos escritos por diversas gerações. Consiste principalmente em conhecimentos geográficos referentes a elementos etnográficos e também inclui alguns conhecimentos farmacêuticos. No seu todo, encontram-se neste livro, relativamente a substâncias medicinais, referências a 63 animais, 52 elementos vegetais e 4 elementos minerais. O registo relativo aos elementos minerais é o mais antigo no mundo. Estas substâncias medicinais referidas no livro podiam tratar dezenas de doenças no campo da medicina interna, cirúrgica, ginecológica e dermatológica, tal como os órgãos dos 5 sentidos. Existem relatos das suas

137 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995 138 Hoizey, Dominique – Histoire de la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, p. 20 139 Hoizey, Dominique – Histoire de la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, pp. 20-21 140 Idem, p.22 – Hoje, a Scopolia tangutica é recomendada no tratamento das gastrites e problemas intestinais.

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classificações, morfologia, origem, efeitos, características, propriedades e indicações. Os métodos de administração estão divididos em per os e aplicação tópica. O trabalho é uma manifestação da riqueza do conhecimento farmacêutico do momento e abriu caminho para desenvolvimentos farmacêuticos posteriores por gerações subsequentes. O folclore chinês, nomeadamente aquele que representa as minorias étnicas, é rica em lendas que testemunham a inquietude do homem face à doença, bem como o conhecimento das plantas que fazem parte da sua ecúmena. No Sul da China, entre os Bai, conta-se a origem extraordinária de uma planta benfazeja e «vivificante»: “havia dois irmãos oriundos duma família muito pobre. A preguiça do primogénito não se comparava com a diligência do mais novo. Depois da morte dos pais, o mais velho colocou o mais novo fora da porta de casa. O mais velho ficou com todos os bens só para si, não deixando ao mais novo senão o arco e as flechas que o pai usava para caçar. A partir deste momento o mais novo passou os dias a caçar, transportando às costas o arco e as flechas. Um dia, o mais novo viu um falcão que repousava num grande castanheiro. Ele esticou o seu arco e visou o falcão. Este que falava a linguagem dos homens, diz ao mais novo: Caçador de bom coração, não me mates. A minha mãe, que está cega, tem necessidade minha para a alimentar. Se tu me deixares viver, dou-te os grãos de uma erva medicinal. O mais novo guardou o seu arco e diz ao falcão: pobre falcão, não te matarei, mas não tenho necessidade do teu presente. Vai depressa procurar comida para a tua mãe! Face a isto, o falcão cuspiu um coágulo de sangue contendo grãos de erva medicinal, indo-se voando, em seguida. O mais novo escolheu alguns grãos e voltou à sua choupana. Semeou os grãos num terreno ensolarado que se encontrava à frente da sua casa. Três dias mais tarde, os jovens rebentos apareceram. Após mais três dias, os jovens rebentos tornaram-se sólidos caules. Mais tarde, pequenas flores vermelhas como o sangue desabrocharam. Ele desenterrou uma raiz e comeu-a. A sua face tornou-se imediatamente brilhante. Todo o seu corpo se revigorou. Ele deu raízes a todos os aldeãos que as comeram. Aqueles que se encontravam doentes rapidamente se curaram e os que não estavam doentes reconstituíram as suas forças. Nesse dia, os passarinhos de plumagem vermelha e bico amarelo cor de ouro voaram à volta da choupana do mais novo gritando sem parar: “Danggui! Danggui!” 141 Eis porque se chama a esta planta 当归 dāng guī (Angelicæ Sinensis). Na sua acção “alimenta o sangue […] regula as menstruações […] activa a circulação do sangue” 142, tirando as dores, entre outras. Com base na acumulação contínua de conhecimento farmacêuticos e experiências no uso das 本草 Běn Cǎo, foram inventados o jiǔ – vinho medicamentoso, e a tāng 143 - decoção. A China tem uma longa história de fazer vinho, cuja origem pode ser seguida até à sociedade primitiva. Aliás, o vinho encontrava-se na natureza, mesmo antes de ter sido descoberto pelo homem. Nos vales e florestas virgens, os frutos maduros de certas plantas podem fermentar e transformar-se no “álcool dos frutos”. Talvez por isso o homem primitivo terá provado este tipo de álcool quando se alimentava de frutos 141 Hoizey, Dominique – Histoire de la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, pp. 20-21 142 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, pp. 208-209 143 Também se usa tāng yào

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selvagens, para enganar a fome. Com o desenvolvimento da agricultura primitiva, os grãos nos celeiros, por vezes, começavam a rebentar e a ficar com mofo, causando assim a sacarificação e fermentação 酒母 jiǔmǔ , resultando na formação alcoólica do «vinho natural». As pessoas aperceberam-se que, bebendo este «vinho natural» ficavam com o corpo todo com uma sensação de calor criando uma excitação mental, i.e., ao beber-se um pouco de álcool o homem sentia-se estimulado, enquanto que se abusasse, ficaria atordoado, por vezes com vómitos, dores de cabeça e até coma. Ou seja, o álcool foi descoberto na antiguidade como uma espécie de estimulante ou de estupefaciente.144 A indústria de vinho na China já se encontrava bem desenvolvida cerca do século XI a.C., sendo nessa altura uma prática usual a sua bebida. As jiǎ gǔ wén indicam-nos que, nesses tempos, o vinho era usado em grandes quantidades quando se faziam oferendas aos deuses e antepassados, atestando o seu desenvolvimento. Segundo o 说文解子 Shuo Wen Jie Zi - Dicionário etimológico dos caracteres, o mais antigo dicionário da língua chinesa, redigido no séc. II, o ideograma 医 Yī – (medicina), escrevia-se originalmente como na Fig. 14. Este, ampliado para melhor se verificar o seu estudo, repare-se que na parte superior encontramos dois ideogramas, à esquerda, o ideograma acima identificado 医 Yī 146– (tratar um doente, curar uma doença, médico); à direita, o ideograma 疫 Yì 147- (epidemia); em baixo yǔ 148 radical principal de jiǔ 149 – (vinho, álcool), para tratar a 疾 jí (enfermidade). Daqui podemos ver a importância e a precocidade do elemento etílico para fins terapêuticos. O esclarecimento do passo dado na direcção da elaboração de jiǔ terapêutico não é tarefa fácil, com as fontes de que se dispõe. As jiǎ gǔ wén continuam a ser uma fonte excepcional para continuarmos a penetrar na evolução da cultura, conhecimento e mentalidade chinesas, nestes tempos mais antigos, e nelas encontram-se referências a um monarca que fazia um vinho muito perfumado, através da mistura de diversas ervas aromáticas, o que atesta a sua antiguidade na utilização medicinal. No 汉书 hànshù – livro da dinastia Hàn, do séc. I, está escrito: “O álcool é o mais importante dos medicamentos”. Aliás, para alguns autores, a Medicina Tradicional Chinesa considera 144 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.14 145 Vide ideograma [2402] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.460 146 Vide ideograma [2327] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.449 147 Vide ideograma [2364] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.454 148 Representação um tipo de jarra servindo particularmente para fazer fermentar líquidos. Ryjik, Kyril – L’idiot chinois. Payot, 1983, p. 257. Tornou-se actualmente signo cíclico, o 10º dos 12 ramos terrestres dos ciclos Jǐazǐ, desgnando a hora da maturidade, do dia (das 17-19 h). - Vide ideograma [5857] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise . Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.1109 149 Recategorização do ideograma yǔ – (referência nº 148), para álcool, bebida fermentada, bebida alcoolizada, vinho, licor, após ter-lhe sido acrescentado o ideograma – shǔi – (líquido) - Ryjik, Kyril – L’idiot chinois. Payot, 1983, p. 257. Vide ideograma [1029] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.191

Fig.14 – Yī (ant.)145

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que uma dose conveniente de álcool ajuda a activar a circulação do sangue e a reforçar os efeitos dos medicamentos150. Na China antiga, quando se executava uma anestesia geral, habitualmente dava-se a beber ao paciente anestésico diluído em álcool aquecido. Aliás, na Antiguidade, a produção de medicamentos alcoolizados ou de álcool medicamentoso era variado: fazia-se macerar as plantas medicinais no álcool, tais como «vinho» de osso de tigre, «vinho» de ginseng, etc. Porém, na maceração das plantas medicinais, o álcool preenchia inesperadamente uma função particular: certas plantas são previamente lavadas ou molhadas com álcool; outras são cozidas ao fogo vivo ou estufadas com álcool. Com este procedimento, em determinados casos conseguia-se reduzir os efeitos secundários dos medicamentos, intensificar o seu efeito terapêutico ou assegurar uma conservação mais prolongada dos medicamentos. As tāng yào, ou simplesmente tāng – decoções, elaboradas fervendo 本草 Běn Cǎo, em água, é uma das formas mais usadas para administrar fitoterapia medicinal Diz-se que as decoções foram inventadas por Yī Yǐn, um escravo com habilidade para cozinhar que fazia parte do dote da mulher do rei Chēng Tāng fundador da dinastia Shāng (meados do séc. XVIII a.C.). Devido aos seus excepcionais talentos, foi, mais tarde promovido para o gabinete do primeiro ministro. Tinha alguns conhecimentos médicos, e enquanto preparava as refeições, descobriu o efeito de alguns condimentos, tais com gengibre, canela e tâmaras. Combinando esta experiência na altura em que usava ervas, aplicou os métodos de culinária na preparação destas ervas, cozendo-as em água de forma a produzir um líquido. Contudo, o aparecimento do método da decoção está relacionado com o avanço das técnicas na preparação de alimentos. Com a decoção, a administração de ervas não cozinhadas era substituída pelas ervas cozinhadas, tendo-se passado de receitas de um ingrediente simples, para prescrições de compostos. Desta forma, o efeito terapêutico foi intensificado, os efeitos secundários das ervas eram reduzidos, e os resultados finais muito melhorados. Podemos, ainda, acrescentar que com o uso das tāng yào a administração das Běn Cǎo tornou-se mais simples.

Génese na protecção da saúde

A palavra 卫生 weìshēng – higiene, aparece pela primeira vez no zhuāng zǐ151,elaborada provavelmente no séc. IV a.C. Composto de dois ideogramas, 卫 weì 152 – protecção e 生 shēng – viver, o que significará em sentido lato a conservação da saúde e da integridade. Segundo as inscrições encontradas nos jiǎ gǔ wén (aprox. séc. XIII a.C.), já encontramos referências a termos descrevendo doenças, sintomas, e registos de se

150 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.15 151 Obra também conhecida por nan hua zhen jing – Clássico do Mestre transcendente de Nan-hua, parcialmente elaborada por zhuāng zǐ ou zhuāng zhou, filósofo taoista do séc. IV a.C. - Vide ideograma [1227] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.228 152 Em vez de 卫 hoje usa-se weì - Vide ideograma [5521] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.1048

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retirarem parasitas, bem como princípios de higiene diária, tais como lavarem a cara153 , aparecendo inscrições como a que se segue, cujo significado é auto-sugestivo - 浴 yù - banharem-se. Nas diversas escavações foram encontrados artigos de higiene, tais como chaleiras, bacias, conchas, panelas e um pente. No 礼记 lǐjì - Memórias dos Ritos (séc. IV-III a.C) pode ler-se: “ao canto do galo, levantem-se e arranjem-se”, “ao canto do galo, arrumem o vosso quarto” 154Já havia, portanto, a noção da importância do banho tomado a intervalos regulares e a compreensão do significado terapêutico de “tomar banho quando se têm feridas na cabeça e no corpo”. Existem ainda registos de “bochechar a boca com água salgada quando o galo canta ao amanhecer”, e registos contra comer-se comida em putrefacção155. Na obra 备 Beì Jí Qiān Jīn Yaò Fāng – Disposições preciosas para os casos de urgência, diz-se: “depois de uma refeição, é necessário gargarejar [bochechar] para conservar os dentes em bom estado e a boca fresca”156. Aliás, o regime alimentar tinha um papel bastante importante na saúde. Os 吕氏春秋 Lushìchūnqiū - Anais de Primavera e Outono de Lu, que como vimos são da época dos zhànguó - Reinos Combatentes (desde o séc. V-III a.C.), refere-nos que “os alimentos devem ser limpos”; e a obra 论衡 Lùnhéng, considera que “o vinho poluido pelos insectos e os alimentos sujos pelos ratos deviam ser deitados fora” 157. O médico chinês 张仲景 Zhāng Zhòngjǐng , considerava que os animais que morriam de doença eram tóxicos e impróprios para o consumo, e sublinhava que “O homem não deve comer, em absoluto, a fruta que, caída no solo, tenha sido mordida por insectos e formigas” 158. No Ocidente, o povo judaico “demonstra igualmente uma superioridade notória no campo da higiene social”, relativamente aos outros povos ocidentais contemporâneos, considerando-se que a medicina hebraica foi pioneira neste campo, onde “os hábitos alimentares eram cuidadosamente determinados, tal como os alimentos seleccionados e os animais com lesões no fígado ou nos pulmões eram rejeitados” 159. Há cerca de 3760 anos, o povo judaico abastecia-se de água através de poços160. Porém, a China parece ter sido o primeiro país do mundo a abrir poços para obter água para beber, pelo que já era considerado mais saudável que beber água de rios, ribeiras, lagos e pântanos. A atestá-lo, foram encontrados dois poços secos com 4000 anos na província de Hébĕi, com 2 metros de diâmetro, sete metros de profundidade, e com a forma setas verticais ou porões. Entre os objectos descobertos na China, os anéis e balustrada dos poços em cerâmica ocupava um lugar importante. Em 1972, numa tumba 153 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 137 154Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.74 155 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 18 156 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.73 157 Idem, p. 74 158 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.74 159 Oliveira, L. N. Ferraz de; Dória, José Luís – História da Medicina, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 16 160 Nahon, Gérard – Les Hebreux, Éditions du Seuil, Paris, 1963, p. 90

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dos – Hàn, situada perto de 峪 Jiāyùguān, na província de Gānsù, encontraram dois tijolos pintados. Num, encontram-se representadas duas mulheres transportando uma jarra para ir buscar água aos poços; no outro estão gravados dois ideogramas vermelhos 饮 jǐngyǐn – poço potável (poço de água potável)161, o que testemunha a precocidade do uso de poços de água na China. A fim de manter a água dos poços em condições e proteger a vida dos que utilizavam a sua água, os antigos construíam balustradas e fabricavam coberturas. Na obra 管子 Guǎnzǐ elaborada por 管仲

Guǎn Zhòng – (?–645 a. C.), estão descritos os procedimentos para limpar o fundo dos poços. A partir da dinastia – Hàn, cada ano, era necessário, em data fixa, a esvaziar as águas dos poços e renová-la. Aliás, atestando que já conheciam a influência da topografia na escolha das fontes de água, podemos referir um texto do séc. I, a obra 论衡 Lùnhéng – Ensaios críticos, onde se afirma que “a água nas aglomerações é poluída e a do campo pura. Mas, todas as águas correm duma mesma fonte”. O que as diferencia, é a sua posição” 162, relativamente aos outros povos ocidentais contemporâneos, considerando-se que a medicina hebraica foi pioneira neste campo, onde “os hábitos alimentares eram cuidadosamente determinados, tal como os alimentos seleccionados e os animais com lesões no fígado ou nos pulmões eram rejeitados” . Relativamente à vida sanitária, as populações viviam à parte do gado, tendo este locais próprios para se desenvolver. Existem exemplos relativos ao porco e ao gado bovino. Há cerca de 2000 anos, a população chinesa tomava precauções contra os cães com raiva. Nos 春秋左传 chūn qīu zǔo zhuàn – Anais da Primavera e do Outono de Zǔo Qīumíng 163, está escrito que, em 556 a.C.164, 17º ano do reinado do príncipe Xianggong do Reino de Lǔ, “os habitantes procuram os cães loucos”165 Também o uso de esgotos era uma realidade já durante a dinastia Shāng (meados do séc. XVIII a.C.). Na obra Trabalhos de Guan Zi, e Gōngyáng zhuàn - A interpretação de Zuo dos anais de Outono e Primavera”, referem que todas as Primaveras, havia o cuidado de limpeza dos esgotos, não só da sujidade como do barro aí acumulado, sendo cheio com água fresca, sendo os canais de irrigação e fossos dragados para drenar a água acumulada. A China é também um dos primeiros países a praticar limpezas gerais. Nestas acções se inclui arranjar as paredes, tapar orifícios, fumigação com ervas, etc. Existem registos do uso de vassouras e de objectos para limpar o pó. Tais práticas vêm mostrar a existência de uma praxis de higiene e protecção sanitária há 4000 anos, que criaram os rudimentos da medicina preventiva na China.

161 Hoje os ideogramas seriam - [959] e [5795] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.174 e p. 1097 162 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.73 163 左丘明 –Zǔo Qīumíng – historiador do principado de Lu - Vide ideograma [5156] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.978 164 Nota do autor: é lógico que esta data não se encontra na obra, apenas a correspondência cronológica! 165 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, p.71

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De facto, há cerca de 2000 anos, os chineses compreendiam que melhorar a constituição física e as funções fisiológicas contribuíam para reforçar a resistência do homem às afecções e constataram a necessidade de praticar actividades desportivas. Não podemos deixar de referir a importância que detinha a gastronomia na saúde. Nas dietas “que os achados de Mawangdui sugerem é a antiquíssima afinidade que há na China entre comida e saúde. A comida nunca foi um simples meio de matar a fome; sempre foi considerado um contributo para a boa saúde e um tratamento preventivo, e é por isso que ainda hoje a dona de casa chinesa cozinha em função da condição física da família e do tempo que faz”166

Criação de um Sistema de Serviço Médico

De acordo com 周礼 Zhōu Lì - os Ritos dos Zhōu, já havia médicos profissionais na China, e tinha sido estabelecido a génese do sistema médico durante a dinastia Zhōu (séc. XI a 221 a.C.). O trabalho do médico estava muito bem diferenciado na corte. Médicos Dietistas 食医 shí yī eram responsáveis pelo controlo da nutrição e higiene alimentar; os Internistas 疾医 jí yī tinham a seu cargo o tratamento das doenças internas; os Traumáticos 医 yáng yī tomavam a seu cargo os casos tais como feridas e fracturas; os Veterinários 医shou yī tratavam as doenças do gado. Simultaneamente, era estabelecida uma organização médica completa e um rígido sistema de avaliação para resultados terapêuticos. No fim de cada ano, era efectuada uma avaliação ao trabalho de cada médico, de acordo com o seu grau e salário. Também eram produzidas normas: “De acordo com a qualidade dos resultados obtidos, dez curas em dez doentes é o melhor resultado; nove em dez é o segundo lugar; oito em dez é o terceiro lugar; sete em dez é o quarto lugar; e seis em dez é um resultado pobre”167. Esta actuação certamente contribuiu para elevar a qualidade da actividade médica de então. Já nessa época existiam médicos chefes, nas organizações médicas, com uma posição superior a todos os outros médicos, sendo responsáveis pelo implemento das políticas médicas, recolhendo informações acerca de epidemias, tomando medidas preventivas e controlando-as. Sob a sua orientação, existia outro pessoal médico, incluindo médicos, recepcionistas, secretários e aprendizes; o recepcionista era responsável pelo equipamento e pelos assuntos financeiros; o secretário tratava do registo clínico e documentos; e o aprendiz observava os doentes e fazia todos os tipos de trabalhos diversificados. Todos os registos eram efectuados no momento, incluindo as causas de morte. Tudo isto contribuiu para um maior desenvolvimento da medicina, incluindo a partilha das diversas experiências.

Formação de um sistema teórico médico

166 Cotterell, Arthur – China – uma História cultural. Instituto Cultural de Macau. Gradiva. 1999, p.113 167 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 19

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Um sistema teórico da Medicina Tradicional Chinesa foi criado ao longo pelos 700 anos que decorreram desde a segunda metade do século V a.C. e meados do século III d.C.. Na segunda metade do século V a.C., a sociedade feudal começou a tomar forma na China. As mudanças do sistema social promoveram o desenvolvimento económico e trouxeram mudanças a nível ideológico, científico e cultural. O estabelecimento do sistema feudal induziu, inevitavelmente, vários reacções entre o povo nas suas diferentes ordens sociais. Para além disso, ideologias antigas e pontos de vista académicos não desapareceriam com a destruição do sistema esclavagista. O processo de desintegração e reorganização das ordens sociais deu lugar ao estrato intelectual, cujos membros não provinham do meio agrícola ou comercial, mas de trabalhadores dos departamentos governamentais ou de residências privadas, vivendo da transmissão do conhecimento. Os governos dos vários e diversos estados preocuparam-se em usar pessoas de talento e apoiaram o desenvolvimento de várias escolas de pensamento, o que encorajou intelectuais a representar os interesses das diferentes ordens sociais a escreveu livros e estabelecer escolas com o fim de propagandear as suas ideias. Estas escolas receberam bastante número de discípulos, dando continuidade aos seus próprios mestres, criando os próprios sucessores. Os seus contactos inter pessoais deram lugar a uma situação caracterizada por pensamentos activos e prosperidade académica na qual diversos mestres apareceram sustentando centenas de escolas de pensamento. As mais importantes escolas incluem Confucionistas, Taoistas, legalistas, lógicos, adeptos dos princípios yīn/yáng, estrategas políticos, novelistas e eclécticos. Os principais momentos de contencioso reflectiram os conflitos do sistema esclavagista e o sistema feudal. Estes contenciosos promoveram o desenvolvimento da ciência e cultura e tiveram um impacto profundo no desenvolvimento da medicina. Os longos anos de acumulação de experiência e de testes repetidos culminaram no estabelecimento dos quatro componentes mais importantes da teorização do sistema de Medicina Tradicional Chinesa - Teoria, Metodologia, Prescrição, e Farmácia. Aliás, 孔丘 Kong qiu (Confucio-Mestre Kong) (551-479 a.C.), considerava que a sociedade deveria ser estruturada, numa organização bem hierarquizada, em que a base da sociedade é a família168. O veículo para este fim, deveria assentar no uso de um código de ética, liderado por um governo bom e justo, cuja actuação deveria ser harmoniosa, através do cumprimento de cada um na sua tarefa social. Cada posição social era confirmada através de um ritual169. A sua ideologia não foi logo bem aceite, mas os seus seguidores e discípulos conseguiram, posteriormente a sua praxis tendo sido uma ideologia dominante entre 206 a.C e 220 d.C. Para o confucionista, ocupar-se dos assuntos da sociedade era necessária para o desenvolvimento da personalidade em direcção à sapiência e ao equilíbrio170.

168 Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire de la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail, 1992, p. 40 169 Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire de la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail, 1992, pp. 76-77 170 Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire de la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail, 1992, pp. 31-32

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老子 Laozi (Velho Mestre), de nome Li171, terá nascido no ano 604 a.C.., sendo o presumível autor da obra cheia de aforismos Dao de jing – O livro da via e da virtude172, é considerado como o pai do taoismo, se bem que tudo indica que a filosofia taoista tenha origem muito mais antiga173. Ao contrário dos confucionistas, não é numa acção colectiva, mas no retiro e na prática de procedimentos que permitem abstrair-se do mundo e de atingir o sublime174. Na sua clausura, a observação paciente da natureza levou-o a ir descobrindo as leis do Universo, i.e., os “veios de Jade”, o que corresponde a ir “colocando a pergunta à natureza”175, semelhante ao que Francis Bacon (1561-1626 d.C), viria a preconisar cerca de 2000 anos mais tarde, referindo que é necessário partir da experimentação para compreender a natureza e chegar às causas176. No seu limite encontram 道 Dao, a via, o princípio regulador do Universo. Na sua observação da diversidade não deixam, porém, de manter o conceito que existe uma unidade em tudo, no Universo. O taoismo serve de base à ciência chinesa. Construído nas fundações de experiências muito ricas, e de conhecimentos teóricos acumulados através dos anos, os cientistas/médicos do tempo fizeram uso dos conhecimentos em Filosofia e outras Ciências Naturais para levar a cabo a síntese criativa, transformando os conhecimentos experimentais, pragmáticos e intuitivos, ao nível da teoria177. Já nos referimos à acção do médico Biǎn Què cuja actuação terá existido na época dos zhànguó - Reinos Combatentes (desde o séc. V-III a.C.). 医 Chúnyú Yī 医 Chúnyú Yī (215 a.C. – 150 a.C.), nasceu em Linzi, província de Shāndòng e era um médico famoso tendo assumido o cargo de “Chefe do entreposto Imperial”. Quando criança, Chúnyú Yī era um entusiasta da medicina e começou por aprender com Gongsun Guang. Após 3 anos de estudos fez enormes progressos nas seus conhecimentos médicos. Conseguia na maior parte das vezes determinar a vida ou morte dos pacientes, o que o tornou famoso mundialmente. Ao mandar chamar Chúnyú Yī, o imperador Wén Dì dignou-se a questioná-lo com grande minúcia acerca da sua formação médica, da sua experiência clínica e de detalhes concretos quanto a tomar a seu cargo um aprendiz. A estas questões Chúnyú Yī, respondeu com grande pormenor, onde incluiu uma descrição detalhada de 25 pacientes: os seus nomes, sexo, profissão, naturalidade, causa da doença, patogenias, diagnósticos, tratamentos, eficácia e prognóstico, descrição essa que, em forma de livro, foi denominada “ Zhĕn Jì (história clínica)” e constitui o primeiro registo clínico escrito que pode ser encontrado na história da MTC. Foi a Zhĕn Jì que forneceu os exemplos típicos para a escrita das histórias clínicas nas gerações posteriores. 171 Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire de la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail, 1992, p. 110 172 Há autores que traduzem “poder” em vez de “virtude” 173 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 90 174 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 90 175 Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 135 176 Nas suas obras Instauratio magna (1623) e Novum Organum (1620) que constituem a base do método científico. 177 Hoizey, Dominique – Histoire de la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, pp. 38-39

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Tal como Biǎn Què, Chúnyú Yī era também um adepto dos quatro métodos de diagnóstico: observação, auscultação e olfacto, interrogatório e palpação do pulso, em particular no tocante à palpação e diagnóstico através do pulso. Quanto à palpação do pulso, ele registou cerca de 20 pulsos diferentes: pulso superficial, profundo, rápido, tenso, esticado, escorregadio, irregular e fraco, a maior parte dos quais continuamos a usar actualmente. Foi com base nos seus registos que mais tarde foram estabelecidos 28 tipos diferentes de pulso. Sempre que tratava um paciente, Chúnyú Yī procedia invariavelmente à palpação do pulso em primeiro lugar, sendo o primeiro registo de um médico que baseava o diagnóstico na palpação do pulso. De 25 casos, 10 deles foram classificados como fatais ou sobreviventes com base unicamente na palpação do pulso. Também nas doenças crónicas ou nos casos graves, Chúnyú Yī conseguia precisar o diagnóstico através da condição do pulso. Ele dava ênfase ao facto do médico, ao diagnosticar, dever ser extremamente cuidadoso e fazer uma análise intensiva dos dados recolhidos através dos 4 métodos de diagnóstico, de modo a evitar a parcialidade. Os meios de medicação eram vastos. Para além das drogas a serem tomadas por via oral tais como decocções, comprimidos, pós e licores medicados, havia também collutorium, medicamentos galactagogos, pessários e medicamentos para aplicação externa. A partir daqui podemos observar que nos primeiros anos da Dinastia Xi Hàn (Ocidental), os medicamentos desempenharam um papel fundamental no tratamento das doenças e experiências enriquecedoras foram sendo acumuladas. Na sequência de saltos qualitativos no desenvolvimento da MTC, ao longo do tempo, como constitui o exemplo de Biǎn Què, foram criados alguns trabalhos de sistematização teórica correspondentes aos quatro aspectos referidos: teoria, metodologia, prescrição, e farmácia:

1. 黄帝内经 Huáng Dì Nèi Jǐng (Tratado de Medicina Interna do Imperador Amarelo) escrito178 no início dos Xī Hàn (Hàn Ocidentais – 206 a.C. – 9 d.C.), “trata sob a forma de perguntas e respostas os fenómenos fisiológicos e das modificações patológicas do corpo humano, descrevendo pela primeira vez a circulação sanguínea e sublinha a importância do pulso no diagnóstico. Indicando os métodos de tratamento para 311 afecções e doenças relevando 44 categorias diferentes, o livro insiste na necessidade de prevenir as doenças tratando-as através da fonte do mal”179. Tal obra estabeleceu o fundamento teórico da Medicina Tradicional Chinesa:

a. De facto, a obra refere que todas as partes do corpo humano se encontram interrelacionadas numa estrutura, podendo este facto verificar-se ao nível fisiológico, patológico, nos 脏府 zàng/fǔ 180, e nos meridianos. Não obstante os 5 脏 zàng e os 6 府 fǔ desempenhem

178 Os historiadores não estão de acordo com a data em que a obra terá sido compilada, acreditando-se, porém, que é fruto de um conjunto de médicos que viveram do século V a.C. ao século III a.C., que recolheram e sistematizaram diversos trabalhos médicos. 179 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 176. 180 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.745

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papeis diferentes, todos eles trabalham em conjunto. Um desequilíbrio numa parte do corpo afecta a saúde de todo o corpo que, por sua vez tem influência nas afecções locais. Do mesmo modo, o homem e a natureza, i.e., o homem e o seu ambiente, representados pela trilogia céu, homem, terra, são representados como uma um conjunto unitário, o que explica que a rotação das estações e o clima afectam a saúde humana. O conceito de que o corpo é um todo orgânico, é um princípio fundamental em MTC;

b. A referência já efectuada à circulação sanguínea pode verificar-se quando a obra refere que “que o coração controla os vasos sanguíneos no corpo”181;

c. A obra desenvolve a relação entre as vísceras e os diversos tipos de meridianos na dialéctica dos princípios interior/exterior, incluindo o ponto de vista terapêutico a efectuar;

d. No desenvolvimento dos princípios agora referidos, o tratado integra a teoria 阴/阳 yīn/yáng 182 bem como a teoria dos 5 movimentos183. Ambas constituindo conceitos filosóficos da China Antiga.

e. Uma atenção muito particular à prevenção da doença, leva esta obra a uma permanente actualidade, numa acção precoce por parte do médico, advertindo contra a bruxaria, considerando que as doenças são curáveis, dependendo da competência do clínico.

181 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 23 182 Originalmente, os termos阴 / 阳 yīn/yáng foram usados para indicar a relação de um objecto com o Sol, onde o elemento sob o Sol é o yáng e à sombra o yīn, símbolos estes que vieram a simplificar-se com o tempo. A Teoria yīn/yáng e dos Cinco Movimentos era utilizada como dialéctica. Servia como puro e simples materialismo através do qual os antigos tentavam compreender o mundo e a filosofia da natureza. Esta dialéctica tomou forma na Dinastia Zhou Ocidental e tornou-se corrente nos períodos da Primavera e no Outono e do zhànguó - Reinos Combatentes. O termo yīn/ yáng surge primordialmente no Zhou Yi (Livro das Mudanças). Ao observarem a natureza, os antigos verificaram que todas as coisas tinham dois aspectos antagónicos (positivo e negativo), nomeadamente, yīn/ yáng. A interacção e a dialéctica entre estes dois princípios impulsiona a criação e desenvolvimento de todas as coisas. Utilizando a teoria do yīn/yáng, o Nèi Jǐng lidou essencialmente com a constituição do corpo humano dizendo: “O ser humano é formado naturalmente integrando o yīn e o yáng”; fisiologicamente “O yáng existe como Qi, enquanto o yīn assume formas”; patologicamente “o excesso de yáng conduz à doença do fluido yīn e vice-versa”. 183 Os Cinco Movimentos, que inicialmente surgiram no Shi Ji (O livro da História) deixaram a ideia de que a natureza consiste em 5 objectos básicos: Madeira, Fogo; Terra; Metal e Água. Até aos últimos anos do zhànguó - Reinos Combatentes, de acordo com as suas observações da natureza, e da interdependência e interacção entre os Cinco Movimentos, foi formada uma teoria de ordem sistemática. A teoria dos 5 elementos julga-se que se referia às substâncias indispensáveis à vida do homem, a saber: água, madeira, fogo, terra, metal. Mais tarde, juntaram-se-lhes os 5 sabores, 5 cores, 5 sons, com origem nas características daqueles e cuja inter-relação é que promove a interacção mútua entre os 5 elementos. Desta ideia, nasceu a preponderância da dinâmica sobre os próprios elementos, o que deu lugar à teoria dos 5 movimentos. Através da utilização da teoria dos Cinco Movimentos, o Nèi Jǐng explicou principalmente a relação de inter propagação e inter inibição entre os mecanismos do corpo humano, tecidos e órgãos. Em circunstâncias normais, eles mantêm-se em homeostase através de uma mútua promoção, controlo, inibição e transformação das funções viscerais, nem excessiva nem inadequadamente, dando lugar às suas funções harmoniosas. O conceito holístico estabelecido no Nèi Jǐng é uma das características básicas da MTC. Nèi Jǐng considera que o corpo humano é um todo orgânico, ou seja, que o Homem e a Natureza, e o próprio corpo humano, assim como o Homem e o ambiente social constituem-se como partes de um todo. Esta ideia é transmitida ao longo de todo o livro.

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f. O seu impacto na estruturação e desenvolvimento da MTC foi enorme, tendo sido estudada, desenvolvida e completada, e servido de incentivo e de base para as obras que se lhe seguiram.

g. A sua influência operou-se a nível filosófico, e sintetiza não só a experiência clínica mas também o conhecimento teórico antes das dinastias Hàn e Qín, onde se destacam ainda “pensamentos dialécticos e organicistas” tais como a origem da vida, a causa das doenças e a “relação entre aspectos espirituais e semânticos”184, base do pensamento científico desenvolvido mais tarde.

184 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 25

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Analisando as relações entre as emoções e o funcionamento do todo185, o Nèi Jǐng defendia que as actividades emocionais do Homem são fenómenos normais, mas muitas delas lesarão o organismo e conduzirão à doença. Assim, o ajuste deve ser feito praticando o conceito holístico, substituindo uma condição emocional anormal por uma normal, fazendo com que regresse ao normal. O Nèi Jǐng sintetizou de forma inteligível os conhecimentos médicos adquiridos antes das dinastias Hàn e Qín, tendo sido a primeira antologia médica na China. Esta possui duas características principais: o conceito holístico e o diagnóstico e tratamento baseados numa análise global dos sintomas e sinais, os quais encontraram total expressão no Nèi Jǐng. Teorias do Nèi Jǐng tais como a relação entre Homem, Céu, Terra e natureza; víscera, meridianos principais e secundários; fisiologia e patologia; diagnóstico e tratamento; prevenção das doenças e preservação da saúde, entre outras, estabeleceram uma base teórica para a MTC.

185 A título de exemplo, citarei, primeiramente, alguns Prémios Nobel da Física Quântica, dos dias de hoje, que vêem corroborar uma obra como o Nèi Jǐng: “partículas isoladas de matéria são abstracções, as suas propriedades são definíveis e observáveis apenas através da sua interacção com outros sistemas” (Niels Bohr, “Atomic Physics and the Description of Nature”, p 57); “a teoria quântica revela assim a interconecção essencial que rege o universo. Mostra que não podemos decompor o mundo em pequenas unidades que existem independentemente”(Fritjof Capra, “O Tao da Física”, p.113, ); “uma partícula elementar não é uma entidade que exista independentemente. É, em essência, um conjunto de relações que abrange externamente outras coisas” (H. Stapp, “S-matrix interpretation of quantum theory”, p. 1310); “[…] dizemos que a iniludível interacção quântica de todo o universo é a realidade fundamental e que partes que se comportam de uma forma relativamente independente são meras particularidades e formas contingentes dentro do todo”, (David Bohm & B.Hiley, “On the intuitive understanding of nonlocality as implied by quantum theory”, «Foundations of Physics», vol 5 (1975)); “o Universo TGD [topológico-geometrodinâmico] é um sistema quântico crítico: isto significa que as correlações quânticas de longo alcance e, por isso, os sistemas quânticos macroscópicos também são possíveis em todas as amplitudes de escalas”, (M. Pitkänen, “Spectroscopy of Consciousness”, p. 7 – http://www.physics.helsinki.fi/~matpitka/). Na área da Biologia: “Agora consideramos a vibração molecular no contexto do corpo no seu todo regulação sistémica, […] todos os sistemas estão interligados por um grande número de interacções e caminhos entrecruzados” James L. Oschman – “Energy Medicine”, 2000, p. 132. Na área da Fisiologia: “o corpo humano integrado é a soma de milhares de processos e traços trabalhando em conjunto. Cada movimento respiratório e cada bater do coração envolve o trabalho conjunto de acontecimentos sem fim. Um número imenso de funções são efectuadas em simultâneo. As partes e processos num organismo são traçados em conjunto de uma forma muito intricada. A coordenação ocorre em milhares de pontos. Se não houvesse uma integração das actividades, a vida seria um caos aleatório de acontecimentos físicos e químicos que chegariam a um fim desconhecido. Na realidade, cada processo é a consequência do todo” – (E.F. Adolph – “Physiological Integrations in Action”, Physiologist 25(2) (April) Supplement; Mas ousando ir um pouco mais além o黄帝内经 Huáng Dì Nèi Jǐng contém conceitos que talvez só possam vir a ser compreendidos no Ocidente, no futuro: “As experiências recentes do prof. John Ecclès, Prémio Nóbel de Neurophysiologia, mostra-nos que logo que um neurónio é afectado no cérebro, todos os outros o são instantaneamente, a uma velocidade que ultrapassa de longe a da circulação do influxo nervoso e a da luz […] força-nos a reconhecer a base comum subjacente duma realidade multidimensional ultrapassando e englobando as nossas condições de tempo, de espaço, de causalidade […] o professor Wigner, Prémio Nobel da Física, considera que a consciência se comporta como uma função de onda da mecânica quântica e declara que «o verdadeiro estudo do mundo físico conduz à conclusão que o conteúdo da consciência é uma realidade última». Noutros termos, declara o Dr. Brosse, a dinâmica quântica é uma dinâmica de estados de conhecimento, de excitações da consciência do que uma dinâmica de objectos físicos.” (R. Linssen – “Science et Conscience revolution interieure”, Etre Libre, nº 286 (jan-mar-1981). Tais referências vêm confirmar o que, em 1931, já afirmava o cientista matemático e astrónomo Sir James Jeans: “O universo mais se parecia com um grande pensamento do que com uma grande máquina. Pode ser até que o que nós pensamos que seja real e universo físico não passe de um modelo de interferência (um pequeno flash de luz impertinente) no mundo do pensamento” (Sir James Jeans – “The Mysterious Universe”, 1933).

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A China teve um desenvolvimento precoce em Matéria Médica. Desde as dinastias Hàn e Qín, o crescimento das trocas comerciais dentro do país e no estrangeiro provocou um aumento contínuo de novas variedades de plantas medicinais. Até aos primeiros anos da dinastia Hàn ocidental, existiam já diversos trabalhos em matéria médica que se distribuíram pela população. Os registos do livro da seda intitulado “ Wu Shi Er Bing Fang” (Cinquenta e duas doenças e fórmulas), desenterrado dos túmulos Mawangdui, mencionam cerca de 247 tipos de produtos farmacêuticos. A primeira monografia existente sobre a ciência da matéria médica chinesa foi Shén Nóng Bĕn Cǎo Jing o qual surgiu aproximadamente na transição do primeiro para o segundo século e que pode ser classificado como o primeiro sumário da ciência da matéria médica chinesa.

2. 农本草经 Shén Nóng Bĕn Cǎo Jing “A matéria médica do imperador Shén Nóng”, “uma farmacopeia dos Han de Leste [ Dōng Hàn - Hàn Orientais – 25 – 220 d.C.)186], descreve as propriedades, o tempo e o método de colheita, a virtude terapêutica e a aplicação combinada de 365 elementos medicinais dos quais 252 de origem vegetal, 67 de origem animal e 46 de origem mineral”187.

a. Os elementos encontram-se classificados em três categorias, de acordo com a mais antiga caracterização dos elementos farmacológicos com base nos seus efeitos e aplicações188:

i. shàng pǐn (qualidade superior de elementos medicinais) – a maior parte do tipo alimentício, tonificante e fortificante, não tóxicos e preparados para administração a longo prazo, tais como: Radix Ginseng, Frutus Jujubæ e Fructus Lycii;

ii. zhōng pǐn (qualidade intermédia de elementos medicinais) – inclui tanto elementos tóxicos com não tóxicos, tais como Radix Astragali, Bulbus Lilii, Radix Adenophoræ, Rizoma Coptidis, Frutus Schisandræ e Herba Ephedræ, que, usados correctamente, têm um efeito curativo e podem fortalecer um corpo enfraquecido;

iii. xià pǐn (qualidade inferior de elementos medicinais) – elementos potentes, tóxicos que podem ser usados para tratar casos graves, entre os quais se encontra a Radix Euphoriæ Pekinensis, Flos Genkwa, Radix Kansui, Radix Aconiti e Radix Aconiti Lateralis Preparata.

186 Fruto do trabalho de diversos médicos (físicos), escrito e compilado durante um período de tempo bastante extenso, só nesta época estava concluído, constituíndo-se como a acumulação do saber farmacológico anterior à dinastia Hàn. 187 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 176 188 É curioso notar que esta classificação é a que é, ainda hoje, seguida pela Fitoterapia Ocidental – Llopis, Prof. Doutor Carlos – Fitoterapia Tradicional Chinesa - Seminário, in Choy, Dr. Pedro (Dir.) «Curso de Acupunctura e Fitoterapia Tradicional Chinesa», Lisboa, APA-DA, 2002, s.p.

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b. Inclui um breve resumo de teorias farmacêuticas. O princípio da sua elaboração estipula que uma fórmula deverá incluir quatro tipos diferentes de elementos, o imperador jun , o 1º ministro chen , o assistente zuo e o embaixador shi de acordo com os papéis diferentes que eles jogam na fórmula fitoterápica; a harmonia entre os sete tipos de emoções; e as quatro propriedades e cinco sabores dos elementos fitoterápicos simples;

c. Dá uma descrição das funções, indicações e administração dos elementos medicinais, para o tratamento de mais de 170 doenças diferentes onde se inclui medicina interna, cirurgia, ginecologia, pediatria, e os órgãos dos cinco sentidos;

d. Descrição das propriedades, lugares de origem, momento de recolha, meios de preparação e métodos para determinar o controlo de qualidade da medicina;

e. Não obstante ser um salto qualitativo imenso, na teoria farmacêutica, relativamente a obras anteriores em que se inclui o próprio 黄帝内经 Huáng Dì Nèi Jǐng (Tratado de Medicina Interna do Imperador Amarelo), esta obra ainda contém algumas superstições que se podem avaliar por frases como “a administração por tempo prolongado torna a pessoa imortal”189. Porém, a obra permaneceu popular por mais de 500 anos.

3. Shāng hán lún "Tratado das doenças do frio e de desordens diversas"190

elaborado (196-204 d.C.) por 张仲景 Zhāng Zhòngjǐng, grande médico da época Sān Guó (Três Reinos)191, integrando a base teórica do 黄帝内经 Huáng Dì Nèi Jǐng e na sua experiência clínica, estabeleceu o princípio terapêutico na prestação de tratamento de acordo com a diferenciação dos sintomas e sinais, com base na criação do princípio científico, ainda hoje em uso, que orienta a prática clinica da MTC:

a. “descreve os métodos de tratamento de diferentes tipos de febres”192. “Este livro conta com 113 prescrições baseadas em 100 «matérias –primas»; 10 são de origem animal, 7 de origem mineral e todas as restantes são plantas”193.

b. O autor usa a sua experiência clínica e observações meticulosas para obter um estudo compreensivo dos modelos patogénicos das doenças febris, formulando um conjunto de novas abordagens aos métodos

189 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology . Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 27 190 O termo “doenças febris” é um termo genérico usado para descrever um grupo de doenças em que a febre é o principal sintoma. Nele se incluem algumas das doenças consideradas hoje como infecções agudas. Atendendo a que a obra 黄帝内经 Huáng Dì Nèi Jǐng considerava que a etiologia destas doenças se encontrava shāng hán (sendo afectada pelo frio), 张仲景 Zhāng Zhòngjǐng nomeou estas doenças de shāng hán. 191 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 256 192 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 256 193 Choy, Pedro – Fitoterapia Tradicional Chinesa – Generalidades. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p. 3

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terapêuticos tendo em consideração o processo de como a doença causada por factores patogénicos exógenos desenvolvem e alteram os 脏府 zàng/fǔ, a intensidade da energia 卫气 wèiqì 194, a particularidade dos sintomas manifestados de acordo com os seis níveis energéticos. O autor salienta que todos os sinais e sintomas devem ser tomados em consideração e que a natureza da doença deve ser estudada com base nas inter-relações existentes entre os sinais e sintomas;

c. Sintetiza os i. sì zhĕn - quatro métodos de diagnóstico da MTC195:

observação, auscultação e cheiro, interrogatório e palpação; ii. bā gāng – as oito noções fundamentais196: yīn/yáng,

exterior/interior, frio/calor, vazio/plenitude; iii. bā fǎ – as oito técnicas terapêuticas197: sudorificação,

purgação, calorificação, purificação, dispersão, tonificação, regulação, tonificação da via digestiva.

d. Integra a teoria com a prática em MTC, envolvendo metodologia, fórmulas e farmacopeia;

e. Inclui a introdução aos métodos clínicos para o tratamento de urgências, tais como a reanimação de pacientes soprando para as narinas de forma a causar espirro; tratamento de intoxicação alimentar através de purgação ou vómito; respiração artificial em casos de sufoco;

f. Em etiologia foi o primeiro a avançar com a ideia que todas as doenças podem incluir-se nas sān yīn zhī bìng - três categorias etiológicas:

i. Factores patogénicos invadindo os 脏府zàng/fǔ através dos meridianos, surgindo do interior do corpo;

ii. Obstrução dos vasos que ligam os quatro membros e os nove orifícios do corpo, causada por ataque de Xié198;

iii. Injúria devido a abuso de equilíbrio sexual, trauma ou feridas traumáticas.

g. Desenvolvimento da ciência da prescrição com a criação de diversas fórmulas fitoterápicas: se o 农本草经 Shén Nóng Bĕn Cǎo Jing inclui cerca de uma trintena de prescrições, o Shāng hán lún apresenta 375 prescrições, envolvendo 214 elementos medicinais.

华佗 Huà Tuó

194 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.678 195 Choy, Dr. Pedro (Dir.) - Manual do Curso de Acupunctura e Fitoterapia Chinesa Tradicional . 2º Ano, vol. 1, Lisboa, Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas, Ciclostilado, s/d, p.35 196 Choy, Dr. Pedro (Dir.) - Manual do Curso de Acupunctura e Fitoterapia Chinesa Tradicional . 2º Ano, vol. 1, Lisboa, Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas, Ciclostilado, s/d, pp.137-138 197 Choy, Dr. Pedro (Dir.) - Manual do Curso de Acupunctura e Fitoterapia Chinesa Tradicional . 2º Ano, vol. 2, Lisboa, Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas, Ciclostilado, s/d, p.8 198 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.701

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No século II da nossa era, na época dos Dōng Hàn – Hàn Orientais (25-220 d.C.), viveu um proeminente médico-cirurgião e investigador, nascido em 谯 Qiáo (141-208 d.C.), no estado de 沛 Pèi, de nome 华佗 Huà Tuó199. Enquanto jovem, o seu interesse na leitura abrangia astronomia, geografia, literatura, história, medicina e agricultura. Ainda como estudante, leu as duas primeiras obras que referimos acima, e praticou medicina, tendo-se tornado conhecedor de medicina interna, cirurgia, ginecologia, pediatria, acupunctura e moxibustão, sendo conhecido pela sua perícia como cirurgião. Da sua acção podemos distinguir:

a. De acordo com os registos históricos foi a primeira pessoa na China e no mundo que usou anestesia. Quando surgia um caso cirúrgico que não podia ser resolvido com fitoterapia, acupunctura ou moxibustão, ele dava ao paciente uma mistura de vinho com mǎ feī – morfina, que lhe dava a beber, fazendo a operação após o paciente perder todas as sensações. Com esta praxis, realizou inúmeras operações abdominais, dizendo-se que teria incluído operações a apendicite aguda, conseguindo recuperações ao fim de um mês. A prática da anestesia chinesa com base em ervas, ainda hoje em uso, baseia-se no método inventado por 华佗 Huà Tuó.

b. Outra realização de Huà Tuó foi a criação do 禽戏 wǔ qín xì – jogo dos cinco animais (Fig.15). Nele é desenvolvida a ideia que a actividade de exercícios físicos regulares e com perseverança são a base de um cuidado de saúde. Huà Tuó considerava que “o corpo necessita exercício, mas sem haver excesso. O movimento consome energia produzida pelo alimento e promove a circulação sanguínea levando o corpo a estar livre de doenças como uma dobradiça de porta nunca tem caruncho”200. A observação do movimento dos animais induziu nele a criação de um conjunto de exercícios imitando aqueles, nomeadamente, o tigre a saltar, o cervo a correr, urso escalando uma montanha, macaco pendurado na árvore, e o pássaro espraiando as suas asas para voar, desenvolvendo o sistema antigo de ginástica 禽戏 wǔ qín xì.

199 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.374 200 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 33

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c. Em acupunctura e moxibustão descobriu os pontos 华佗夹 Huà Tuó Jiā Jǐ - Paravertebrais de Huà Tuó 201, conhecidos, também, por HM21202 ou ainda por 85PC203, consistem em 34 pontos situados a meio cùn para fora da extremidade inferior da apófise espinhosa de cada vértebra, 17 para cada lado. São pontos de inserção do vaso 络 luò do 督脉 dū mài, porém, à luz da medicina ocidental, a sua acção não deverá ser estranha ao conceito de dermátomo204. A sua acção tanto é eficaz localmente, por exemplo em mielites, como a sua estimulação é igualmente eficaz em determinadas afecções dos órgãos internos. “Se se produzem modificações patológicas ao nível de um determinado órgão, aparece um ponto sensível ao nível correspondente da coluna vertebral. Pode obter-se resultados aplicando o tratamento a estes pontos correspondentes”205

201 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.499 202 Académie de médicine traditionnelle chinoise (Pékin) – Précis d’acupuncture chinoise. St-Jean-de-Braye, Éditions Dangles, 1977, p.240 203 Bijaoui, André – Pontos curiosos e Massagem energética chinesa - Seminário , in Choy, Dr. Pedro (Dir.) «Curso de Acupunctura e Fitoterapia Tradicional Chinesa», Lisboa, APA-DA, 2000, p.30 204 Wynsberghe, Donna Van et alli- Human Anatomy & Physiology. 3ª ed. McGraw-Hill, Inc., 1995, pp.469-474 205 Académie de médicine traditionnelle chinoise (Pékin) – Précis d’acupuncture chinoise. St-Jean-de-Braye, Éditions Dangles, 1977, p.240

Fig.15 – 禽戏 wǔ qín xì – jogo dos cinco animais, inventado por 华佗 Huà Tuó

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O pleno desenvolvimento da Medicina e Farmacopeia Chinesa (desde as Dinastias Xī Jìn, (anterior) e Hòu Jín, (posterior) até às Dinastias 隋

Sui, 唐 Tang e Wǔdaì (Cinco Dinastias), (265d.C. – 960d.C.)

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Cronologia de 220 a 960

China do Norte Sichuan China do Yangzi e do Sul

Sān Guó (três reinos)(220–280)

Wei em Luoyang (220-265)

Shu em Chengdu (221-263)

Wu em Nankin (222-280)

Englobam Shu em 263 ⇒

Xī Jìn (anteriores) em Luoyang (265-316)

• Sucedem aos Wei em 265 • Aglutinam Wu em 280 • Recuam em Nankin em 317

Nanbeichao (Dinastias do Norte e do Sul) (317-589)

LiuChao (Seis dinastias)

ChengHan, em Chengdu (304-347)

Hòu Jín (posteriores) em Nankin (317-420)

⇐ em 347 englobam o Sichuan

Shiliu Guo (dezasseis reinos) (304-439) BeiWei (do Norte) (386-535) unificam a China do Norte em 439, c/ capital em Luoyang

LiuSong (420-479) Nan Qi (Sul)(479-502)

China do Nordeste China do Noroeste

DongWei (Oriental), em Ye (534-550)

XiWei (Ocidental), em Chang An (535-557), que englobam o Sichuan em 553

Nan Liang (Sul)(502-557)

Bei Qi (Norte), em Ye (550-577)

BeiZhou (Norte), em Chang An (557-581)

⇐ Englobam os Bei Qi , 577

Chen (557-589)

Sui (581-618) sucedem aos BeiZhou em Chang An (581) englobam os Chen (China do Sul) em 589 ⇒

(Unificação entre o Norte e Sul) Tang (618-907) por LiYuan

Período em que o Norte e o Sul se separam novamente

WuDai (5 dinastias – 907-960) Norte

ShiGuo (10 reinos – 902- 979) Sul

As duas Dinastias Jìn e as Dinastias do Norte e do Sul (265–581) foram um dos períodos mais caóticos da história Chinesa: conflitos entre as classes e de âmbito nacional, assim como desordem entre a própria classe governante, foram terrivelmente

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incisivos e complicados, cujo resumo esquemático tenta elucidar duma forma simplista a evolução diacrónica e sincrónica do中国 Zhōngguó, de 220-589 d.C. Em 265, Sima Yan aboliu o Reinado de Wei (220–265) e estabeleceu a Dinastia Jìn anteriores com Luoyang como capital. Porém, a desunião dos Três Estados Sān Guó (três reinos)(220–280): Xī Jìn; Shu; Wu conduziu a um desfecho e deu lugar a uma China unida em 280. Porém, a China voltou a ter nova guerra entre as classes governantes, levando à separação da China em duas regiões distintas: a do Norte e a do Sul, em 317, situação que se manteve até à dinastia Sui , em 581. A cronologia acima exposta mostra mais em pormenor os acontecimentos dinásticos, de 220 a 960. Em 386 foi fundada a Dinastia Bei Wei (do Norte) (386-535), dando continuidade à separação da China entre o Norte e o Sul. No Sul da China, depois de terminada a Dinastia Xī Jìn (anteriores), em 317, é edificada a Dinastia Hòu Jín (posterior), a qual após exercer a soberania durante aproximadamente um século foi substituída pelas Dinastias LiuSong, Qi (479-502), Liang e Chen, conhecidas como as Dinastias do Sul (420–589). . Em 581 Yang Jian, o Primeiro Ministro da BeiZhou (Norte) (557 – 581 ) usurpou o poder estatal e deu o nome de Sui (581-618) à nova dinastia. Em 589 os exércitos Sui marcharam em direcção ao Sul para aniquilar os Chen (557-589) e terminar com a divisão entre Norte e Sul, que havia durado cerca de trezentos anos. Em 618 Li Yuan, que se auto intitulava “ 祖 Gao Zu Fundador do Tang”, estabeleceu a sua posição como Imperador, formando assim a Dinastia Tang. Os regentes feudais Tang reforçaram a centralização do poder estatal e deram mais importância à prossecução e desenvolvimento da produção agrícola, área onde fizeram enormes progressos.

Fig.16 – A fragmentação da China política durante a época das WuDai (Cinco Dinastias) (adapt. Gernet, 1999)

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Assim, emergiu a chamada “Ordem grandiosa durante os anos de Zhen Guan”206 (627-650), seguida pelo “Apogeu de Kaiyuan” (713-742)207, que foram os tempos mais brilhantes da sociedade Chinesa feudal. Em 907 a China mergulhou mais uma vez no caos através, no Norte, das WuDai (Cinco Dinastias) e, no Sul, dos ShiGuo (Dez Reinos) (Fig.16). Até 960, após mudanças sucessivas por cinco Dinastias, nomeadamente as HouLiang, HouTang, HouJin, HouHan e HouZhou, a China foi novamente unida por Zhao Kuangyin (927-976), fundador da Dinastia BeiSong (do Norte). Na consequência da unificação do país, no princípio e a meio da Dinastia Tang, as forças produtivas, as comunicações com outros países, a economia e a ciência tiveram avanços prósperos e sem precedentes. A China tornou-se num dos países mais poderosos do mundo, tendo sido sob esta dinastia que se deu a grande expansão dos Chineses na Ásia Central. O sistema legal do governo assegurou o desenvolvimento da medicina e da formação médica, registando-se avanços proeminentes no estudo clínico. Ao longo do período desde as Dinastias Jin a Sui, Tang e Cinco Dinastias, as três principais escolas de pensamento chinesas: Confucionismo, Taoismo e Budismo, formaram um confronto tripartido. O pensamento religioso prevaleceu e teve uma influência directa sobre a teoria e a prática clínica. A escola de Confúcio havia sido, desde a Dinastia Han, o sustentáculo espiritual do domínio feudal chinês208, e as suas éticas afectaram a formação da ideologia da MTC. Templos budistas foram construídos por toda a China, estátuas de Buda foram esculpidas, as escrituras Budistas foram traduzidas e as doutrinas budistas foram disseminadas. E mais ainda, o Budismo tornou-se moda e ideias tais como transmigração e retribuição criaram raízes profundas entre as multidões. Porém, “podemos assinalar aqui que os termos «budismo chinês» e «budismo na China» não são necessariamente sinónimos […] o «budismo chinês» é a forma de budismo que entrou em contacto com o pensamento chinês e que se desenvolveu assim em correlação com a tradição filosófica chinesa, […] a escola búdica do Caminho médio comporta determinadas parecenças com o taoísmo filosófico”209 Em conjunto com o Budismo, os conhecimentos médicos árabes foram levados para a China, enriquecendo a MTC. Provas deste facto podem ser apreciadas em livros médicos representativos da Dinastia 唐Tang. Porém, obviamente as ideias de teísmo e fatalismo constituíam influências que alteravam o desenvolvimento da MTC. 206 Nome dado ao período do reinado (627-650) do imperador TaiZong da dinastia Tang. Vide ideograma [285] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.49 207 Nome dado ao período do reinado (713-742) do imperador XuanZong da dinastia Tang. Vide ideograma [2524] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.484 208 Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire de la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail, 1992, p. 203 209 Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire de la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail, 1992, p. 252

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Contudo, ao longo deste período, a influência Taoísta predominou. O lendário fundador do Taoísmo, Lao Zi (Velho Mestre), cujo nome verdadeiro era Li Dan210, foi postumamente confirmado como um ancestral remoto da família Li pelos dirigentes Tang para colocar as forças taoístas numa posição favorável. Primeiramente, o Taoísmo defendia ideais de paz, deixando as coisas percorrer o seu próprio destino sem interferências, como caminho para atingir a imortalidade, o que promovia a manutenção de um bom estado de saúde. Neste período, as três escolas de pensamento trabalhavam ao mesmo tempo coniventes entre si mas também em conflito umas com as outras. No que respeita a trabalhos médicos, as ideias destas três escolas expressavam-se em conformidade. A título de exemplo, Sun Simiao, um notável cientista médico da dinastia Tang era intitulado respeitosamente como “ Sun Zhen Ren” (homem verdadeiro). Os seus trabalhos estão incluídos num aglomerado de trabalhos clássicos taoistas. Além do mais, avanços das forças produtivas e o bom desenvolvimento dos meios de transporte promoveram o intercâmbio médico entre as diversas nacionalidades chinesas. Uma menção especial deve ser feita à Medicina Tibetana. Esta absorveu conhecimentos e experiências clínicas do interior da China e desenvolveu-as de tal forma que, como resultado, criaram o seu próprio sistema teórico. Durante a época das Dinastias Sui e Tang a prosperidade e força da nação, assim como o desenvolvimentos das vias de comunicação e transporte permitiram intercâmbios mais frequentes entre a China e países estrangeiros. A MTC foi amplamente difundida pelo Japão, Coreia, Vietname, India, Arábia e outros países e regiões, afectando favoravelmente o desenvolvimento das suas próprias medicinas. Ao mesmo tempo, a MTC incorporou diversos conhecimentos médicos estrangeiros, agregando-os e infiltrando-os no seu próprio sistema teórico, enriquecendo assim a MTC.

Sistematização da palpação do pulso O 脉经 Mai Jing (Clássico do Pulso) 211 é a primeira monografia em esfigmologia existente no mundo e teve um grande efeito sobre esta temática. Praticamente todas as esfigmologias posteriores foram baseadas no Mai Jing. 王叔和 Wang Shuhe, viveu por volta do século III (280d.C.) e nasceu em Gao Ping (actualmente Jining, Província de Shandong). Ele foi o médico imperial. O importante contributo dado por Wang à medicina foi a sistematização e desenvolvimento da esfigmologia. A palpação do pulso é um dos quatro métodos de 210 Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire de la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail, 1992, p. 110 211 Choy, Dr. Pedro – Método diagnóstico: palpação. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2002, p.6

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diagnóstico tal como a inspecção, auscultação e interrogatório, e desempenha um papel fundamental no diagnóstico da MTC. Apesar de outros médicos anteriores à Dinastia Jin, tais como Bian Que (sec. V a.C.), 华佗 Hua Tuo (? – 208) e 张仲景 Zhang Zhongjing (cerca de 150-219)212 tivessem já realizado estudos consideráveis em esfigmologia, ainda lhes faltava um ajustamento preciso e sistemático. Na sua prática clínica, Wang Shuhe conseguiu aperceber-se da importância e da complexidade da palpação do pulso. Wang Shuhe descobriu e definiu 24 tipos de pulso: flutuante; profundo; cheio; escorregadio; rápido; apressado; tenso; oco; esticado; firme; timpânico; repleto; indistinto; variável; em corda; leve; débil; fraco; disperso; moderado; lento; enredado; intermitente e trémulo. Estes incluem praticamente todas as categorias de pulso que podem ser encontradas em prática clínica. Porém, nas gerações seguintes as categorias de pulso foram classificadas em mais tipos, mantendo-se estes 24 como sendo os básicos. O Nan Jing (Clássico de dificuldades) refere posteriormente a ideia da “Palpação do pulso só no Cùnkǒu”. Cunkou situa-se no pulso sobre a artéria radial, na zona circundante do Tàiyuān (9P). De acordo com a teoria da MTC, o sangue circula através do Pulmão e todos os meridianos se encontram no Taiyuan (9P).O Mai Jing (clássico do Pulso) explorou depois a palpação do pulso referida no Nan Jing (Clássico de dificuldades). Em complemento, as 3 áreas de Cun, Guan e Chi são combinadas com os respectivos Zangfu: nomeadamente, no Cunkou da mão esquerda, o Cun representa o Coração e o Intestino Delgado; o Guan representa o Fígado e Vesícula Biliar. No Cunkou da mão direita, Cun é responsável pelo Pulmão e Grosso Intestino; e Guan pelo Estômago e Baço. Os pontos Chi de ambos os pulsos são responsáveis pelo Rim e Bexiga213. Assim, o problema-chave para a palpação do pulso no Cunkou foi resolvido tornando-se adequado para a prática clínica. Apesar do facto do actual sistema Cunkou de palpação do pulso ter sido reajustado e complementado por posteriores médicos de acordo com a sua prática clínica, este método de diagnóstico implementado inicialmente por Wang Shuhe desempenhou um papel de grande relevo na história da MTC. Wanh Shuhe também prestou atenção à prática clínica clarificando teorias tais como esfigmologia, diagnóstico à luz da condição do pulso; sintomas; tratamento; prognóstico, entre outros aspectos, e mais tarde corrigiu a tendência para dissociar a esfigmologia da prática clínica ou a mistificação da palpação do pulso. Mai Jing (Clássico do Pulso) teve um influência por todo o mundo. Diversos materiais do livro de Wang acerca da esfigmologia estão incluídos no (Cannon de

212 Médico da dinastia Han Oriental, também conhecido por 张机 Zhang Ji, que, com base na experiência de alguns médicos de dinastias anteriores e da sua própria experiência, escreveu o livro 伤寒论 Shang Han Lun (tratado das doenças febris). Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, pp. 32-36 213 Conf. com Choy, Dr. Pedro – Método diagnóstico: palpação. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2002, p.7

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Medicina) de Avicenna, aliás, (Abu ‘Ali al-Hussayn ibn ‘Abd-Allah ibn Sina), que viveu entre 980 e 1037 d.C. Ao logo do século XVII, o Mai Jing (Clássico do Pulso) foi traduzido para várias línguas, e as suas versões difundiram-se amplamente na Europa.

Desenvolvimento nos factores patogénicos e sintomatologia Desde o Jin ocidental e oriental durante as Dinastias Sui e Tang, os médicos obtiveram grandes avanços no estudo tanto dos factores patogénicos da doença como na descrição dos sintomas, os quais foram totalmente expressos no livro intitulado 诸病源候论 Zhu Bing Yuan Hou Lun (Tratado geral dos factores patogénicos e sintomas da doença) compilado por 巢元方 Chao Yuanfang, que tinha sido encomendado pelo Imperador em 610. Yuanfang foi um conhecido médico da Dinastia Sui. Zhu Bing Yuan Hou Lun (Tratado geral dos factores patogénicos e sintomas da doença) totaliza 50 volumes compreendendo 67 capítulos em 1720 tópicos. Este livro apenas analisa os factores patogénicos e as apresentações das doenças sem discutir prescrições. A principal contribuição deste livro reside nas seguintes partes: 1 – Registos detalhados acerca das doenças, generalistas e concretas 2 – Ruptura das limitações da teoria etiológica criada por gerações anteriores 3 – Opiniões na classificação da doença

Progresso da Matéria Médica e da Medicina Desde o tempo da Dinastia Han, novos tipos de medicina eram constantemente inventados. Através de um longo período de prática clínica verificou-se um grande progresso no conhecimento das propriedades das drogas ou da farmacopeia e na preparação dos compostos. A popularidade da alquimia promoveu consequentemente o desenvolvimento da química farmacêutica. 1. Tao Hongjing (456–536) foi um exímio herbalista, médico e taoista das Dinastias orientais e ocidental, herdeiro do sábio taoista Ge Hong (283-343?), tinha um espírito enciclopedico “tendo absorvido todos os conhecimentos da época: matemáticas, teoria do yin e do yang, geografia, alquimia, farmacopeia … tradições letradas mas também búdicas”214 . Também conhecido pelo seu nome literário Tao Tongming, intitulou-se a si próprio como recluso de Huanyang. Aos 38 anos de idade, abandonou o seu emprego e isolou-se na montanha de Jurong. Adoptou um estilo de vida de padre taoista, visitando várias montanhas famosas e procurando o elixir da imortalidade. 214 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 187

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Porém o pensamento de Tao era uma mistura de Confucionismo, Budismo e Taoismo, sendo o último o mais predominante. Nos seus derradeiros anos converteu-se ao Budismo, defendendo que o Budismo e Taoismo deveriam unir-se num só, com o Taoismo como factor dominante. Aliás, o adágio chinês “Confucionista no escritório, Taoista no retiro e Budista perto da morte” 215, reflecte bem o ecletismo para que tenderá a cultura chinesa, não obstante todo o múltiplo encontrado no uno. Ele escreveu diversos trabalhos médicos. Para além de Ben Cao Jing Ji Zhu (Colecção de notas para a Matéria Médica), escreveu também Xiao Yan Fang (Receitas eficazes); Yao Zong Jue (Ervas Chinesas em verso); Bu Que Zhou Hou Bai Yi Fang (Suplemento de 100 fórmulas para se estar de saúde), Yang Sheng Yan Ming Lu (Fórmulas para manter a saúde e a longevidade) e Yang Sheng Jing (Clássico da longevidade). O livro de alquimia foi intitulado He Dan Fa Shi (Métodos de Alquimia). 本草经集注 Ben Cao Jing Ji Zhu (Colecção de notas para a Matéria Médica), um total de 7 volumes, foi um dos primeiros comentários acerca de 神农本草经 Shen Nong Ben Cao Jing (Clássico da Matéria Médica de Shen Nong). Com base na sistematização e reabastecimento, dos 365 tipos de drogas incluídas em Shen Nong Ben Cao Jing (Clássico da Matéria Médica de Shen Nong), outros 365 tipos foram adoptados a partir de Ming Yi Bie Lu (Registos de médicos famosos) para o Ben Cao Jing Ji Zhu (Colecção de notas para a Matéria Médica), aumentando assim para 730 o número tipos de drogas. Por outro lado, procedeu-se à classificação das drogas. A classificação adoptada em Shen Nong Ben Cao Jing (Clássico da Matéria Médica de Shen Nong) é um método primitivo denominado “San pǐn (Três classes)” enquanto que Tao Hongjing, de acordo com as propriedades de cada componente, dividiu-os em sete categorias:

1. jade e pedra; 2. planta; 3. insecto e animal; 4. fruto; 5. vegetal; 6. cereal; 7. outros aos quais foram atribuídos nomes mas que não eram usadas.

Cada uma destas categorias e depois subdividida em 3 classes: alta, média e baixa. Isto constitui uma inovação da antiga classificação das drogas segundo as suas propriedades:

shàng pǐn (qualidade superiorde elementos medicinais) – drogas não tóxicas que podem ser tomadas durante um longo período de tempo e em grandes quantidades;

215 Chinese Gods and Myths – Grange Books, Rochester, 1998, pp. 14-15

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zhōng pǐn (qualidade intermédia de elementos medicinais) – drogas não tóxicas ou com um grau de toxicidade muito baixo que podem ser usadas como tónicos; xià pǐn (qualidade inferior de elementos medicinais) – drogas tóxicas que podem ser usadas durante um curto período de tempo para remover o Frio e Calor patogénicos.

Esta tornou-se a origem da classificação do poder das propriedades das drogas e tem sido usada há mais de 1000 anos. Através do estudo de diversos vestígios em amostras de água e solo de todo o país, o homem moderno verificou que as diferentes regiões de crescimento das plantas de facto influenciam os seus efeitos terapêuticos e a sua eficácia. Relativamente à estação do ano para a sua colheita, Tao refere de um modo geral que a recolha devia ser feita durante o 2º e o 8º mês (do calendário lunar), e acrescenta que “as plantas medicinais em bruto devem ser colhidas no inicio da Primavera e no final do Outono porque nessa altura as flores, frutos, caules e folhas estarão num nível de maturação adequado.”216 2. 新修本草 Xin Xiu Ben Cao (Compendio de Matéria Médica revisto e actualizado): a primeira farmacopeia do mundo publicada pelo estado. Com a unidade nacional, em meados do séc. VII a economia recuperou e desenvolveu-se rapidamente. No 2º ano de Xianqing da Dinastia Tang (657), 苏敬 Su Jing, médico e herbalista, sentiu a necessidade profunda de uma nova farmacopeia em tratamentos medicinais e, através de um relatório escrito, pessoalmente submetido à aprovação de Li Zhi, Imperador Gaozong, avançou com a sua proposta para compilar um novo volume de Matéria Médica. Su Jing foi a pessoa que tomou a seu cargo este grandioso projecto. Entre estes compiladores encontravam-se o Ministro dos Assuntos Médicos Imperiais, médicos imperiais, oficiais de organizações médicas imperiais, estudantes que estavam familiarizados com documentos históricos e altos oficiais que conheciam a história pormenorizadamente. Durante a revisão da farmacopeia, assumiram uma atitude realística e científica dando relevo à pesquisa e investigação prática. De facto, livros históricos como 唐本草 Tang Ben Cao (Matéria Médica da Dinastia Tang) referem “que foram coligidos e ilustrados medicinas de todas as prefeituras e condados”217

216 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 109 217 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 111

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新修本草 Xin Xiu Ben Cao (Compendio de Matéria Médica revisto e actualizado) engloba 54 volumes divididos em 3 partes.

Ao compilar Xin Xiu Ben Cao (Compendio de Matéria Médica revisto e actualizado) foram eliminados e reorganizados elementos contidos em 本草经集注 Ben Cao Jing Ji Zhu (Recolha de notas do Clássico de Matéria Médica). Adicionalmente, ele complementou-o com 114 tipos de medicamentos. Nessa altura, atingiam, no seu conjunto, 844 tipos de medicamentos (outra fonte cita 850) da farmacopeia chinesa. Xin Xiu Ben Cao (Compêndio de Matéria Médica revisto e actualizado) soma de forma sistemática os avanços em matéria médica antes da Dinastia Tang. Copioso no seu conteúdo, incluindo excelentes fotos e relatórios, o livro é de um nível académico superior e de valor científico. Nele se refere o uso de amálgama de prata218 para preencher os dentes cariados. 3. Compilação de 食疗本草 Shi Liao Ben Cao (Compêndio de Matéria Médica para Tratamento Dietético). Medicamentos e alimentos provêm da mesma fonte. A população trabalhadora dos tempos antigos descobriu medicamentos no decurso da sua procura por alimentos, ao mesmo tempo que se aperceberam que muitos alimentos possuíam efeitos curativos. Assim, a terapia dietética desempenhou um papel deveras importante na MTC. Nos primeiros tempos desta, os dietéticos surgiam lado a lado com os médicos, cirurgiões e veterinários. Muitos dos medicamentos registados no primeiro compêndio de matéria médica, intitulado 农本草经 Shen Nong Ben Cao Jing (Clássico de matéria Médica de Shen Nong), tais como Yiyiren (Semen Coicis), 大枣 Dazao (fructus jujubae) e 葡萄 Putao (uvas) são também utilizados como alimento. Na Dinastia Tang, a terapia através dos alimentos havia-se já tornado numa área especializada. No seu 备急千金要房 Bei Ji Qian Jin Yao Fang (Mil fórmulas para emergências), 孙思邈 Sun Simiao escreveu um capítulo especificamente acerca da dietética, registando todo o tipo de alimentos com efeitos terapêuticos. Ele sugeriu que todos os distúrbios deveriam em primeiro lugar serem tratados através da dietética e posteriormente através do recurso à fitoterapia, no caso da primeira não resultar. Ele afirmou, também, que um médico que conseguisse tratar as doenças com alimentos, mereceria um título de “Excelência”. A antologia das receitas de dietética antes da Dinastia Tang foi o livro intitulado 食疗本草 Shi Liao Ben Cao (Compendio de Matéria Médica para Tratamentos Dietéticos) escrito por Meng Xian, um discípulo de 孙思邈 Sun Simiao. Seguidamente, até aos HouTang (934 ), durante o período WuDai (das Cinco Dinastias), Chen Shiliang, o famoso médico de Bianzhou (actualmente Kaifeng, província de Henan), compilou o livro intitulado 食性本草 Shi Xing Ben Cao

218 Liga de Mercúrio e Prata

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(Compendio de Matéria Médica Dietética) compreendendo 10 volumes. Este livro resumiu e sistematizou mais uma vez a dietética terapêutica.

Sumário de preparações medicinais A maioria da matéria médica apresenta-se sob uma forma “bruta”. Algumas não podem ser tomadas directamente devido às suas propriedades gravosas; algumas não podem ser armazenadas durante muito tempo porque se deterioram facilmente. Algumas necessitam que lhes sejam removidas partes impuras ou inúteis e algumas são desagradáveis porque cheiram mal. Desde o início, a preparação de medicamentos recebeu bastante atenção em MTC. O processo de preparação de matéria médica tinha por objectivo a melhoria das funções medicinais, o aumento das propriedades curativas e a redução da toxicidade e efeitos colaterais, assim como a aplicação e armazenamento adequados. A preparação de matéria médica é uma tecnologia farmacêutica exclusiva da MTC. Formou-se e desenvolveu-se com base numa escolha dialéctica em MTC. Os seus princípios estão também em concordância com a teoria base da MTC. Utilizando estes conceitos, a matéria médica pode atingir padrões de elevada qualidade e certificar a respectiva segurança e eficácia. A preparação tem pelo menos 2000 anos de história. 农本草经 Shen Nong Ben Cao Jing (Clássico de matéria Médica de Shen Nong), a primeira publicação sobre matéria médica, regista a preparação de matéria médica. Nas Dinastias do Sul, o livro 雷公炮炙论 Lei Gong Pao Zhi Lun (Tratado de preparação de matéria médica de Lei) de LeiXiao foi o primeiro trabalho que surgiu sobre preparação de matéria médica no Sul da China. Lei Gong Pao Zhi Lun (Tratado de preparação de matéria médica de Lei) consiste em 3 volumes que especificam cerca de 300 tipos de drogas. O autor Lei Xiao, foi um farmacêutico das Dinastias do Norte e do Sul cuja biografia difere com os autores. Uma das expressões concretas da prosperidade médica das Dinastias Jing e Tang reside nos seus famosos médicos e na publicação em grande escala de extensos trabalhos médicos, incluindo o aparecimento de livros de fórmulas. No séc. VII, surgiram as obras de fórmulas intituladas Si Hai Lei Ju Fang (Colecção de fórmulas chinesas e estrangeiras) e Si Hai Lei Ju Dan Fang (Colecção de receitas populares chinesas e estrangeiras). A primeira consiste em 2600 volumes e a segunda em 300 volumes, ambos numa escala sem precedentes. 孙思邈 Sun Simiao (581-682)219, nasceu em Hua Yuan, Jin Zhao na Dinastia Tang (província de Shanxi). Ele adquiriu um domínio excelente do Taoismo e dos princípios de 100 escolas de pensamento das épocas “春秋 Chūnqīu - Primavera e Outono” e zhànguó - Reinos Combatentes (770-22 a.C.) e foi um estudioso erudito do Budismo,

219 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.453

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Taoismo e Confucionismo. 孙思邈 Sun Simiao viveu num período de grande prosperidade. Assim, com base na sua síntese de conhecimentos médicos até às Dinastias Sui e Tang, fez uma recolha extensiva de prescrições e simplificou-as eliminando elementos supérfluos. Posteriormente escreveu 千金翼方 Qian Jin Yao Fang (Fórmulas de Mil Ducados) constituído por 30 volumes. Este foi denominado por um historiador médico moderno como “a primeira enciclopédia de medicina clínica na história da MTC”. 220 Sun atribuiu mais importância aos cuidados de saúde nas mulheres e crianças. Como médico experiente, Sun era esplêndido em vários ramos da medicina, com particular consideração pelo diagnóstico e tratamento de doenças em mulheres e crianças. Sentia-se profundamente preocupado com os escassos estudos em ginecologia, obstetrícia e pediatria. Sum era extremamente científico na sua relação com os recém nascidos. Por exemplo, imediatamente após o nascimento os dedos do bebé deviam ser envoltos em algodão e o sangue e mucosidades da sua boca eram prontamente removidos; depois de cortado o cordão umbilical, o umbigo devia ser coberto com um pedaço de algodão macio e limpo de aproximadamente 4 cun quadrados e 1 cun de espessura. Era também apologista de que a ferida do umbigo devia ser cauterizada pela moxibustão, uma prática de grande valor na prevenção do tétano e consequentemente muito louvável. Defendia que após o nascimento do feto, este devia ser lavado com bílis de porco, o que pode prevenir várias doenças, em particular dermatoses. Preconizava também que os bebés não deviam ficar tapados em berços com cortinas, mas sim ao ar livre em dias de sol e sem vento, tendo observado que o sol frequentemente dava vigor e durabilidade à sua pele, aumentando a sua resistência contra as gripes e outras doenças. Sun afirmou que todas as doenças deviam em primeiro lugar serem tratadas pela dietoterapia, e só se isto fosse ineficaz seriam prescritos medicamentos. Ele dizia que “a fundação da vida reside nos alimentos, enquanto a cura das doenças existia nos medicamentos”, e “os alimentos podem dissipar as influências nocivas do meio ambiente, acalmar as vísceras e incentivar a consciência do homem para desenvolver o seu fluido vital, Se o médico conseguir suprimir o sintoma, fazer o paciente sentir-se melhor e expulsar a doença com alimentos, este merece o nome de droga boa”. Afirmou também que “o médico deve em primeiro lugar entender a causa da doença e o tipo de ataque que o paciente sofreu, tratá-lo primeiro com alimentos e se não obtiver resultados, então deixá-lo tomar medicamentos”. 221

220 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 127 221 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 130

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孙思邈 Sun Simiao prestou um contributo notável para o entendimento da preservação da saúde. “A forma para manter o estado de saúde reside no facto de praticar exercício físico leve regularmente sem se cansar a fazer o que não se pode”. “A água corrente nunca é bafienta e a dobradiça de uma porta nunca é corroída por vermes porque nunca param de se movimentar”222, formavam o princípio dos seus cuidados de saúde. A sua teoria de cuidados de saúde tinha já começado a afastar-se dos pensamentos religiosos da longevidade e tornou-se científica. Em suma, tratamentos “nutritivos” preveniam as doenças. Um menção especial deve ser feita relativamente ao contributo de 孙思邈 Sun Simiao para a disciplina da ética médica. Preconizava que uma vez que a medicina era de enorme importância para a vida e saúde do Homem, um médico devia possuir um bom carácter moral assim como capacidades médicas. Os médicos das Dinastias Wei, Jin, Sui e Tang realçaram a importância da ética em artigos e livros, de entre as quais as de 孙思邈 Sun Simiao foram as mais notáveis. Sun defendia que a vida era mais valiosa do que mil ducados de ouro, daí o título dos seus livros, praticando o que ele defendia para estabelecer um exemplo nobre para os médicos que viriam a seguir. Sun escreveu dois ensaios denominados “Da Yi Xi Ye (Como estudar medicina)” e “Da Ye Jing Cheng (Ser um médico honesto e conscencioso). Sun dizia que um médico devia concentrar a sua energia sem qualquer desejo pessoal, aumentar incessantemente os seus conhecimentos e capacidades médicas e tratar todos os pacientes de forma igual sem discriminação entre nobres e humildes, ricos e pobres, jovens e idosos, bonitos e feios, sábios e ignorantes, parentes afastados e amigos íntimos, Han e minorias, o que significava que o médico deveria ser indulgente para com os seus pacientes e tratá-los com igualdade. Para além disso, um médico não deveria medir os seus passos pensando na sua própria sorte ou segurança, mas sim aliviar as dificuldades e perigos e não poupar esforços noite e dia para auxiliar os seus doentes, compreendendo os seus sofrimentos como se fosse o seu próprio. Avisava também os outros médicos de que ao chegarem a casa de um paciente deviam actuar com dignidade sem lançar olhares como que à procura de algo que lhes agradasse. Ser cuidadoso sem o intuito de bisbilhotar ou intrometer-se, troçar dos outros, fazer exclamações confusas, exibir a sua própria fama, dizer mal de outros médicos ou ser jactancioso. As recomendações de Sun para a conduta perante os doentes e seus familiares e nas costas dos seus colegas médicos reflecte as suas virtudes ideológicas nobres.

O grande desenvolvimento da Medicina Clínica

肘后备急方 Zhou Hou Bei Ji Fang (Fórmulas de emergência para se estar preparado) foi o primeiro manual de primeiros socorros em MTC escrito há cerca de

222 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 131

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1600 anos. Foi elaborado por 葛洪 GeHong (261-341)223, consistindo num manual apropriado para diagnosticar e tratar casos de emergência e desequilíbrios comuns, sendo semelhante a um manuam moderno de primeiros socorros. As drogas prescritas neste manual são fáceis de encontrar e baratas. Além disso contém, ainda, tratamentos por acupunctura e moxibustão, sendo uma obra pensada para utilização nas camadas sociais mais desfavorecidas. Porém, a obra é suficientemente completa, contendo tratamentos para AVC, comas, dores abdominais agudas, etc. Na sua panóplia de acções, inclui-se o tratamento de mordedura por cães raivosos. Deve-se a GeHong a descoberta da acção de 因尘 yīnchén (artemisiae capillaris herba)224 usada para fins terapeuticos contra a malária, conforme ele refere: “mergulha uma mão cheia de yīnchén em 2 litros de água, extrai o seu sumo e bebe”225. A prova científica da acção da artemisina só hoje em dia se verificou, porém, a sua acção em MTC tem 1600 anos. Na dinastia Jin houve um avanço marcado na ciência de acupunctura e da moxibustão. O trabalho mais importante e representativo em acupunctura nesta época foi escrito por 谧 Huangfu Mi226, cuja obra foi 针灸甲已经 Zhen Jiu Jia Yi Jing, ou seja, o (clássico A – B de acupunctura e moxibustão). Huangfu Mi viveu entre 215 e 282 d.C., também conhecido por Shi An ou por Xuan Yan, nasceu em Chaona na província de Gansu durante a dinastia Xi Jin (Jin Ocidental) Aos 40 anos de idade ele sofreu uma doença que o tornou surdo. Na sequência deste acontecimento, passou a considerar que a saúde era a base da vida do homem e segundo ele “se não se tiver um conhecimento bom de medicina mesmo que o seu monarca, o seu pai ou o seu filho esteja seriamente doente não se pode tratá-lo”. 针灸甲已经 Zhen Jiu Jia Yi Jing é um trabalho representativo de Huangfu Mi. O trabalho é uma absorção de conteúdos importantes relativos à acupunctura e moxibustão, tratados em Su Wen, por Ling Shu e por Ming Tang Kong Xue Zhen Jiu Zhi Yao, sendo um resumo de alcance em acupunctura e moxibustão desde épocas anteriores, tais como a época dos três estados. Para além de conter um estudo sistemático combinado com experiências clínicas feitas pelo próprio Huangfu Mi. A obra é composta por 12 volumes com 128 capítulos, que podemos dividir em duas partes. A primeira uma base teórica de Medicina Tradicional Chinesa e o conhecimento fundamental em Acupunctura e moxibustão, a outra constituída por tratamentos clínicos incluindo etiologias, patogenia, sintomatologia, e indicações para cada ponto. Um dos alcances deste livro é a grande sistematização teórica em acupunctura e moxibustão, discutindo as funções fisiológicas e as mudanças patogénicas e a circulação nos 12 meridianos principais e nos 8 meridianos curiosos. Outro dos alcances desta obra baseia-se na confirmação da existência de 348 pontos com a sua localização incluindo 49 pontos simples e 299 pontos bilaterais; além disso

223 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.921 224 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.731 225 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 139 226 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.921

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dá indicações da profundidade das agulhas, o número de cones de moxa a utilizar e as contra indicações de cada ponto; trata também da forma como manipular as agulhas. Esta obra teve uma grande influência durante muito tempo na acupunctura e moxibustão porque Huang “eliminou o supérfluo e as repetições desnecessárias retendo apenas o seu essencial”, o que torna este livro um elemento bastante prático e de fácil consulta e utilização.

Cirurgia É também desta época a primeira monografia acerca de cirurgia. A obra chama-se 刘涓子鬼遗方 Liu Juan Zi Gui Yi Fang, também conhecido por 鬼遗方 Gui Yi Fang, foi a primeira obra monográfica a cerca de cirurgia na China e foi escrito por 鬼遗方 Liu Juanzi, que viveu na Dinastia LiuSong (420-479) (do Sul). É interessante saber que nestas épocas tão recuadas esta obra já inclui o conhecimento de tratamento de diversas feridas, traumas, carbúnculos, celulites, soros, etc, com a inclusão de diversos tipos de pele. A obra contém 140 fórmulas tanto para uso oral como para uso tópico; suas terapias incluem hemostase, analgesia, sedação e desintoxicação. Nesta obra já se refere a utilização de plantas tal como 黄连 Huanglian (Rhizoma Coptidis)227 para o tratamento de feridas. Além da referência a terapias externas, este livro também inclui terapias internas segundo os síndromas identificados de acordo com o estado do desequilíbrio energético. Os princípios do tratamento para as terapias internas tais como a clarificação do calor e a eliminação de toxinas, promover a circulação do sangue e remover a estase sanguínea, dispersar patogenias Xié 228 e remover acumulações e promover a regeneração de tecidos e músculos em combinação com tratamentos externos, influenciarão a cirurgia em gerações posteriores.

Traumatologia

Data também deste período a obra monográfica acerca de traumatologia: 仙授理伤续断秘方 Xian Shou Li Shang Xu Duan Mi Fang (Fórmulas Secretas para tratar injúrias dadas pelos Celestiais). Esta obra foi escrita entre 841 e 846 d.C., por um Taoista de nome 林 Lin. A obra é a mais antiga monografia acerca de traumatologia já com valor científico e mostra como era desenvolvida esta temática durante as Dinastias Sui(589-618) e Tang (618-907). O seu autor viveu entre 790 e 850 d.C., tendo nascido na província de Shenxi. Seguindo os princípios Taoistas, Lin viveu em reclusão até que um dia o seu vizinho 彭 Peng caiu de uma montanha quando apanhava lenha ficando gravemente magoado numa vértebra e no úmero, causando-lhe dores intoleráveis deixando de poder trabalhar

227 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 43 228 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.701

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normalmente. Tal facto levou Lin a deixar a sua reclusão tratando pessoalmente de Peng até que este recuperou a sua saúde anterior. A partir desse momento Lin teve uma reputação extraordinariamente importante como terapeuta a nível ósseo; reputação essa que fez aumentar consideravelmente o seu número de doentes. A obra põe em evidência as rotinas utilizadas quando há fracturas e deslocamentos bem como a limpeza das zonas afectadas, a inspecção dos traumas após o diagnostico, redução por tracção e todo um conjunto de técnicas para tratar estes elementos traumáticos. Relutante à vida que levava anteriormente de reclusão, Lin ensinou a Peng todos os seus conhecimentos médicos, o que levou Peng, após a sua morte, a continuar o trabalho do seu antigo vizinho, tendo-se tornado num excelente terapeuta.

Obstetrícia Também neste período podemos citar a primeira obra monográfica obstetrícia: 经效产宝 Jing Xiao Chan Bao (prescrições testadas em Obstetrícia). A obra foi escrita por Zan Yin em 852, durante a dinastia Tang. 昝殷 Zan Yin 229 era um conhecido médico da província de Sichuan. O prefácio da obra refere que o seu autor foi levado a escrever a obra pelo primeiro ministro Bai Minzhong na sequência de excessivo número de dificuldades de parto que havia, o que levou o seu autor a compilar a sua obra em 3 volumes. Inclui 52 capitulos e 317 fórmulas. O primeiro volume apresenta fórmulas para tratar a amenoreia, leucorreia e as desordens durante a gravidez; o segundo volume trata das desordens que ocorrem durante cada mês de gravidez e as dificuldades do parto; o terceiro volume trata das desordens pós parto. Zan Yin refere ainda que os problemas durante o parto são causados tanto pela mulher que está gravida como pelo próprio feto; deste modo os tratamentos terão que estar de acordo para cada caso em si. Zan criou uma fórmula que inclui plantas como 续断 Xuduan ( Radix Dipsaci)230, 艾叶Aiye (Folium Artemisiae Argyi)231,当归Danggui (Radix Angelicae Sinensis)232, 地黄 Dihuang seca ( Radix Rehmanniae)233 e 阿胶 Ejiao (Colla Corri Asini) 234, entre outras. Todos estes ingredientes têm a função de tonificar o Rim, alimentando os fluidos do Yin e preservando a gravidez.

229 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.732 230Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology . Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 204 231 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 140 232 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 208 233 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 209 234 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 211

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Zan escreve com exactidão e brevidade as reacções da gravidez e recomenda três fórmulas nas quais se inclui 人参 Renshen (Radix Ginseng)235, 厚朴 Houpo (Cortex Magnoliae)236, 白术 Baizhu (Rhizoma Atractylodis Macrocephalae)237 e 茯苓 Fuling (Poria)238 que são usados para tonificar o Baço e induzir a diurese; além destes também o 橘皮 Jupi (Pericarpium Citri Reticulatae)239 e 竹茹 Zhuru (Caulis Bambusae in Taeniam)240 que são utilizados para eliminar as mucosidades e precaver os vómitos. Aliás estas fórmulas para tratar os vómitos, ou agonias durante a gravidez são largamente usadas nas clínicas ainda hoje em dia.

Pediatria Também é deste tempo a primeira monografia pediátrica: 颅囟经 Lu Xin Jing (Manual da fontanela e da cabeça). Talvez como uma consequência da especialização rápida de alguns médicos na área da pediatria, criaram-se monografias e formulários médicos dedicados, com discussões detalhadas acerca da infanticultura, enfermagem, tratamentos de saúde, factores patogénicos e manifestações patogénicas bem como os respectivos tratamentos. Segundo a obra 南史 Nan Shi o governador Ren Fang fez uma lei em que “se a puérpera dá à luz uma criança, mas se se recusa que ela fique viva, no sentido estrito da palavra, os pais têm a mesma culpa que um assassino”241. Aliás 孙思邈 Sun Simiao (581-682), médico242 da dinastia 唐 Tang também afirmou “que entre os meios de tratar com a vida no dia a dia, nada era mais importante que dar lugar ao nascimento de uma criança” 243. Tal era a importância da pediatria naqueles tempos, que dentro dos diversos departamentos do Instituto Médico Imperial na dinastia Tang, havia o departamento de pediatria. Se se quisesse ser pediatra teria que se estudar durante 5 anos e passar no exame respectivo. A obra Lu Xin Jing, conhecida como tendo sido a primeira monografia pediátrica na China, apareceu durante as dinastias Sui(589-618) e Tang (618-907). O livro inclui dois volumes, o primeiro trata das diferentes condições dos pulsos num adulto e nas desordens do adulto e da criança; o segundo volume, discute etiologias, patogenias e tratamentos correspondentes, tais como convulsões infantis, desinterias,

235 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 194 236 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 86 237 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 197 238 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 91 239 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 110 240 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 164 241 Conferir com Hipócrates, nota 131 242 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.453 243 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 147

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erisipelas assim como as respectivas fórmulas para tratamento fitoterápico. Além de um sem número de doenças nele inclusas, nas quais se trata o problema da má nutrição.

A educação médica e o sistema administrativo Antes da dinastia Jin (265-420) não havia educação médica nacional. A produção de médicos fazia-se através do sistema de geração, ou seja pai/filho, ou através do sistema mestre/aprendiz. Esta situação durou centenas de anos até ao inicio do período das dinastias Liu Song (420-479), quando começou a educação médica académica em 443. Qin Chengzu, o presidente médico imperial, na altura sugeriu á corte a criação de uma educação médica nacional, infelizmente desconhece-se os pormenores de sua criação. Em 581, depois do estabelecimento da dinastia Sui, o instituto médico imperial já tinha sido fundado; tinha especialidades em medicina, massagem e magia. De acordo com o volume 28 da obra de Sui Shu, dentro da especialidade tinha dois médicos e professores. Os professores da especialidade de medicina e massagem ensinavam os conhecimentos da sua profissão e a parte tecnológica separadamente. Na especialidade de medicina havia também dois assistentes que ajudavam os professores no seu trabalho. O trabalho era praticado por cerca de 200 médicos, além disso também havia jardineiros que trabalhavam as ervas. Havia responsáveis pelo pessoal administrativo e pessoal médico. Julgando pelas suas obrigações, podemos ver que o Instituto Médico Imperial da dinastia Sui, já se tinha tornado o embrião do instituto médico nacional. Em 618, depois do estabelecimento da dinastia Tang, a maior parte dos sistemas médicos seguiram o que estava implementado na dinastia Sui, mas a escala da sua influência alargou-se consideravelmente a nível educacional, uma vez que não se restringia apenas à corte imperial, mas a todo o país. De acordo com os dados históricos o intituto médico imperial da dinastia Tang era uma escola médica estabelecida pelo governo nacional, tinha um presidente e dois vice-presidentes que estavam encarregados da sua administração. Tinha 4 médicos supervisores e 8 vice-supervisores que estavam encarregues da educação médica; 8 farmacêuticos e 24 assistentes de farmácia estavam encarregues de fazer os medicamentos. O intituto médico imperial incluía duas faculdades maiores de medicina e farmacologia. No inicio dividia-se em medicina, acupunctura, moxibustão e massagem. Havia professores encarregues de ensinar cada uma destas especialidades. Cada uma destas divisões também tinham o seu corpo de apoio, assim os professores de medicina tinham os assistentes de professor, os médicos e os assistentes de médicos, para a divisão de medicina; havia assistentes de professores acupunctores e assistentes de acupunctores para a divisão de acupunctura e moxibustão; e havia massagistas e assistentes de massagistas para a divisão de massagem. Este corpo de apoio médico tanto exercia clínica como acção docente médica, o que leva a pensar que o intituto médico imperial tanto ensinava como praticava medicina. De acordo com a especialização, o período de aprendizagem diferia entre as 5 especialidades em medicina: a medicina interna requeria 7 anos; a medicina externa 5 anos; a pediátrica, alias como já vimos, 5 anos; olhos, ouvidos, nariz e garganta 2 anos; ventosas 2 anos.

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Os primeiros textos que eram utilizados eram: o 素问 Su Wen, 农本草经 Shén Nóng Bĕn Cǎo Jing, o 脉经 Mai Jing e o 针灸甲已经 Zhen Jiu Jia Yi Jing. Os alunos podiam aprender o conhecimento e as técnicas das suas especializações mais tarde. Os cursos tirados para estas especialidades em acupunctura e moxibustão eram basicamente os mesmos que os da especialização em medicina. Os estudantes de massagem aprendiam sobretudo terapia através da massagem e exercícios respiratórios os quais eram usados para tratar tanto doenças internas como traumas e fracturas. Os alunos tinham exames mensais, sazonais e anuais relativos aos seus estudos; os exames eram muito estritos. Mensalmente era o professor de medicina que se encarregava dos exames, o presidente encarregava-se sazonalmente dos exames, o supervisor enviado pelo templo Tai Chang, que era equivalente ao ministro de educação nacional, era responsável pelo exame anual. A avaliação dos exames tanto era escrito como incluía perícia clínica. No momento da graduação, aqueles que tinham tido notas excelentes recebiam recomendações para posições importantes, aqueles que tinham estudado durante 9 anos e ainda não tinham passado no exame prescreviam. A faculdade de farmácia no Instituto Médico Imperial Tang tinha um jardim farmacêutico com cerca de 3 hectares, cujos jardineiros forneciam ervas frescas para usos clínicos; outras matérias médicas utilizadas no instituto eram medicinas nativas dirigidas de diferentes áreas. Sob a orientação dos seus professores, os estudantes de farmácia estudavam a variedade, a plantação, a colheita, os tratamentos, o armazenamento e as compatibilidades em fitoterapia. A educação oficial nos Tang era feita através do Intituto Nacional, o Intituto Imperial e o Instituto Médico Imperial. Entre eles o Instituto Nacional e o Instituto Imperial estavam a cargo da criação de oficiais, e abriam somente a elementos da família imperial, à aristocracia e a estudantes estrangeiros. Os estudantes da faculdade médica, responsável pela criação de médicos, eram também muitas vezes filhos de oficiais, mas muitos estudantes de farmacologia eram, a sua maior parte, estrangeiros. Não obstante o Instituto Médico Imperial ser estabelecido para necessidades das classes dirigentes, pela sua composição em faculdades, especialidades, estruturas de apoio, tempo de escolaridade, curriculum, número de estudantes, sistema e examinação, etc., podemos dizer que foi o primeiro Instituto Médico mais bem equipado do mundo; aliás basta referir que o primeiro sistema de ensino (a 1ª escola médica) europeu surgiu em Itália, em Salerno em 846, dois séculos mais tarde. A dinastia Tang, podemos dizer que foi um momento de grande desenvolvimento económico e literário. O Instituto Médico Imperial exerceu grande influencia nos países vizinhos. Nesta sequência o Japão no século VIII, seguiu o exemplo Chinês. Durante o período das dinastias Wei–Jin e Sui–Tang outros sistemas médicos apareceram. Na dinastia Jin aparece a clínica e a farmácia Imperial equivalente hoje em dia às lojas móveis e foram uniformizados os pesos e medidas médicos; aliás de acordo com registos do reino de 元康 Yuan Kang ( 291-299 d.C.) um médico eminente Fei Wei, fez um pedido ao Imperador para que fosse feita a reforma dos pesos e medidas médicas; esta é a referencia mais antiga de pedido de reforma das doses médicas. Nas dinastias do Norte e do Sul foi dada grande atenção aos problemas médicos. De acordo com os registos de Wei Shu, no 3º ano de 永平 Yong Ping (em 501), foi construída uma clínica para tratamentos, ensinamentos e também para investigação.

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Em 501, quando apareceu uma epidemia bastante grande, foi criada uma clínica para receber os doentes. Estes foram os primeiros hospitais de Medicina Tradicional Chinesa. Numa parte do Instituto Médico Imperial, na dinastia Sui, foi também estabelecida uma posição para Nutricionistas, Farmacêuticos e assistentes de médicos, bem como uma secretária de farmácia e outras organizações administrativas médicas por oficiais. Na dinastia Tang foi dada a atenção aos tratamentos de saúde pública e remédios, que eram dados as pessoas do povo, todos os anos para prevenir as epidemias. No 3º ano de Zhen Guan, cada prefeitura tinha indicação para criar centros médicos e de recuperação para tomar conta de pobres com doenças. Ao mesmo tempo eram feitas instalações para idosos e órfãos.

As trocas médicas entre a China e os Países estrangeiros No período das dinastias Sui – Tang desenvolveram-se uma prospera economia, uma unidade nacional e uma avançada comunicação promovida palas trocas comerciais internas e externas e tocas cientificas e culturais. A capital Chang’an, era a maior cidade do mundo daquela época e o centro económico e cultural internacional, conforme escreve o Dr. Joseph, famoso historiador Britânico “Na história da China houve duas atitudes em relação à Europa, ora de abertura e bem vinda aos estrangeiros, ora de fecho e recusa das ligações com o estrangeiro. A dinastia Tang foi o período em que os estrangeiros eram bem vindos à capital, levando a hospedarem-se uma Galáxia de figuras internacionais eminentes. Os árabes, os círios, e os persas chegaram a Chang’an vindos do oeste e encontraram-se com coreanos e japoneses” 244. A rota da seda, aberta no século II a.C., foi até à dinastia Tang a rota mais importante de ligação à China, à Ásia Central, Ásia Ocidental e ao Mediterrânico Ocidental via mar. O desenvolvimento médico da dinastia Tang encontrava-se no topo do mundo e as trocas de conhecimentos médicos nas dinastias Sui – Tang foram mais prósperas do que em qualquer outro período cronológico. A China teve ligações amistosas com a Índia, a Arábia, a Coreia, Japão e Vietname. Desde as dinastias Jin e Tang que houve trocas culturais entre a China e o Japão tendo aumentado, consideravelmente, a partir desta época. Os contactos entre a China e a Coreia também eles se foram fazendo ao longo do tempo muito antes das dinastias Jin–Tang; especialmente do século II d.C., começou, uma troca cultural mais sistemática, tendo-se incrementado ainda mais durante as dinastias Sui e Tang. Frequentemente os Coreanos iam para a China estudar Medicina Tradicional Chinesa; nesse tempo muitos conhecimentos de fitoterapia foram dando

244 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 151

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também entrada na China tais como 五味子Wuweizi ( fructus Schisandrae)245 e 昆布 Kunbu ( Thallus Laminaria)246. Enriquecendo desta forma a fitoterapia Chinesa. A estes dois juntamos também 白附子 Baifuzi ( Rhizoma Typhonii)247 e 人参 Renshen ( Radix Ginseng)248 que são claramente Coreanos. As trocas medicinais entre a China e a Índia também elas muito precocemente tiveram lugar nomeadamente a China muito cedo exportou drogas e matéria médica ou seja fitoterapia; estas incluíam 人参Renshen (Radix Ginseng), 茯苓Fuling (Poria), 当归Danggui (Radix Angelicae Sinensis), 远志Yuanzhi ( Radix Polygalae), 乌头Wutou (Radix Aconiti), 附子Fuzi (Radix Aconiti Praeparata), 麻黄Mahuang (Herba Ephedrae) e 细辛Xi Xin ( Herba Asari), etc. Ao contrário também se verificou nomeadamente da parte dos Budistas Indianos com a China, uma vez que muitos Budistas se dedicavam à medicina. Assim podemos dizer que quando o Budismo se desenvolveu na China, também a medicina indiana se desenvolveu neste País. Aliás, segundo as crónicas, houve mais de 11 tratados médicos indianos transcritos para Chinês; tendo estes trabalhos tido alguma influência na Medicina Tradicional Chinesa. Também os elementos fitoterápicos produzidos na Índia tais como 龙脑香 Lóngnǎoxiāng (Borneolum)249 e 郁金香Yùjīnxiāng (Radix Curcumae)250 passaram a ser usados na China. Muitos dos médicos Indianos que passaram a praticar na China eram Oftalmologistas. Em relação à Arábia havia frequentes trocas médicas. Como vimos, o estudo dos pulsos parece despertado no mundo Árabe bastante importância uma vez que Avicenna, aliás,

ÅÎm ÅI ɼ»Af J§ ÅI ÅÎn ‡A Ï ¼§ Ì IC (Abu ‘Ali al-Hussayn ibn ‘Abd-Allah ibn Sina), que

viveu entre 980 e 1037 depois de Cristo, escreveu o livro Canon - K ¡ »A Ï ̄ ÆÌ ÃB́»A

(Cannon de Medicina), tendo muitas explicações acerca das condições do pulso e eventualmente tirados do Mai Jing (Clássico dos Pulsos). Muitos outros conhecimentos da M.T.C. foram registados em livros Árabes, bem como o contrário também se verificou, que muitos conhecimentos médicos foram absorvidos pela M.T.C. As drogas introduzidas na M.T.C. originárias da Arábia, podemos referir:

245 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 224 246 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 166 247 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 483 248 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 194 249 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.550 250 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.741

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§ Olibano - ÆBJ» - cujo nome na China passou a 乳香 Rǔxiāng (Resina

Olibani)251,

§ Mirra - j ¿ - cujo nome na China passou a 没药 Mòyào (Myrrha)252,

§ Sangue de Dragão - ÅÍÌ aÞ Âe - cujo nome na China passou a 血竭 Xuèjié

(Resina Draconis) 253. “[…] actua no coração, fígado e a nível do sangue, é bom para remover a estase sanguínea. Se for usado para parar a dor e promover a regeneração dos tecidos, a droga pode para a dor activando o sangue e pode pode promover a regeneração do tecido removendo a estase de sangue”254

§ Bardana - ÆÌ Î¡ ³i C - cujo nome na China passou a 木香 Muxiang (Radix

Aucklandiae)255. Também algumas drogas foram introduzidas na China, mas tendo sido o mundo

Árabe apenas intermediário, nomeadamente o “Ferro Grego” - ÒοËi ÒJ¼U - cujo

nome na China passou a 胡庐巴 Húlúbā (Semen Trigonellae)256. 251 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.606 252 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.564 253 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.715; 254汪昂 WangAng - 本草备要 Bencaobeiyao (Essência de Matéria Médica), início da dinastia 清 Quing. 255 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.566 256 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.497 ; vide também Coutinho, A. X. Pereira – Flora de Portugal. Lehre, Verlac Von J. Cramer, 1974, p. 398

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Sistematização Médica, Desenvolvimento e Debates de Aprendizagem

(Dinastias Song e Ming 960 – 1368 D. C.)

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Cronologia de 895 a 1644

Mongólia exterior

Confins do NO Confins do NE China do Norte China do Sul

Shanxi

Reino de Jin (895-923)

Império dos Liao

( Qidan) (946-1125)

em YanJing

Reino dos BeiHan (951-979)

WuDai (5 din. – 907-960) (em Kaifeng) HouLiang (907-923) HouTang (923-936) HouJin (936-946) HouHan (947-950) HouZhou (951-960)

Reinos de

Shu (907-923) em Sichuan

Chu

(907-951) e

Jingnan (907-963)

em Hunan

NanHan (911-971)

em Guang

Zhou(Cantão)

Min (909-978)

em FuJian

WuYue

(907-978) em

ZheJiang

NanWu e

NanTang (902-975)

em JiangXi

BeiSong (960-1126)

⇐ Anexados pelos BeiJin em 1126

Império dos Mongóis, em 1206.

ChengJiSiHan

• anexa o

Império dos XiXia, em

1227; • anexa o Império dos BeiJin, em

1234; • adopta o

título dinástico dos Yuan, em

1271; • anexa o

Império dos NanSong, em

1276/9

NanSong

(1127-1279)

Mongóis são rechaçados

para a Mongólia

Império dos XiXia

(Ocidentais)257 (1038-1227)

em NingXia

Império dos BeiJin

( JuZhen)258 (1115-1234)

em ZhongDu e, em 1215,

em KaiFeng Nascimento em

Nanjing do Império Chinês dos

Ming (1368-1644)

257 Tribo tibetana dos 项族 DangXiangZu 258 Antigo povo da Manchúria

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Em 960, 赵匡胤 Zhao Kuangyin, (nome imperiar de 太祖 Taizu) praticou um golpe de estado, apoderando-se do poder da dinastia Hou Zhou, sendo a sua capital em 汴 Bianliang. Esta é conhecida pela Dinastia BeiSong (do Norte). Em 979, o Imperador 赵匡义 Zhao Kuangyi, irmão do anterior259, anexou o Reino dos BeiHan(do Norte), terminando a separação daquilo que é conhecido pelas WuDai (5 dinastias – 907-960) Norte e ShiGuo (10 reinos – 902- 979) Sul assim criando uma relativa unidade chinesa. “Quando o império se reunificou sob os [Song] (960-1279), já o interior da Ásia era dominado por tribos nómadas, que invadiram [a China]. Em 1004 já haviam conquistado as províncias setentrionais e em 1125 toda a bacia do rio Amarelo […] passou a estar sob a sua autoridade” 260. Contudo, a China nunca foi completamente unificada pelos Song do Norte. Em 1115, estabeleceu-se um novo Império BeiJin ( JuZhen) (no Norte). Em 1126 eles avançaram para Sul e capturaram Bianjing, forçando o governo Song a escapar para o Sul para Nanjing e mais tarde para Linan. Este período é referido como a Dinastia NanSong (do Sul). A Dinastia do Sul e a Dinastia Jin do Norte confrontaram-se cerca de de cem anos, tomando o Rio Yangzi e o Rio 淮Huai como fronteiras. Os imperadores trocaram então o comércio terrestre pelo marítimo e desenvolveram uma grande frota comercial, construindo, ao mesmo tempo, uma poderosa marinha de guerra capaz de suster as investidas dos inimigos estabelecidos a Norte. Os marinheiros chineses passaram então a frequentar os portos do Índico até regiões tão longínquas como Zanzibar, na costa oriental africana. A criação da nova rota comercial permitiu que aumentasse o volume de negócios e se diversificassem os produtos transaccionados; desenvolveu-se nessa época, por exemplo, a exportação de porcelanas. Os [Song] obtinham no comércio marítimo avultados lucros, que eram canalizados, todavia, para o pagamento de tributos às tribos que haviam conquistado a China Setentrional. Surgiram então cidades vocacionadas para o comércio marítimo intercontinental, entre as quais se salientou Ch'uan Chou. Nesta encontramos já o modelo de cidade mercantil que se difundiria mais tarde por várias regiões do oceano Índico. Viviam aí mercadores estrangeiros, agrupados em comunidades segundo a sua origem e a sua religião. A China estava nesta época ligada directamente à Índia, sendo Ch'uan Chou um dos «terminus» das rotas do tráfico intercontinental. Coulão, no extremo sudoeste da península indostânica, era o principal porto dos Chineses na Índia. A descoberta da bússola na época dos [Song] é como que paradigmática do crescimento da importância do mar na estratégia dos imperadores chineses”. 261 A certa altura os Mongóis levantaram-se do Norte aboliram a Dinastia Jin em 1234 e estabeleceram a dinastia Yuan em 1271, com a sua capital em Dadu, hoje em dia conhecida por Beijing. “O expansionismo mongol não se satisfez, contudo, com os avul-tados impostos com que os Sung pagavam a sua independência, pelo que prosseguiram as conquistas para sul, submetendo gradualmente toda a China. Em 1279, Kubilai Cã (1214-1294), neto de Gengis Cã, suprimiu os últimos [Song], colocando, assim, todo o 259 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, pp. 274-5 260 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994, p.245 261 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994, p.245

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Celeste Império sob a autoridade de uma dinastia estrangeira” 262. A Dinastia Yuan conquistou uma vasta área da Eurásia num período de tempo muito curto. voltando para trás com o seu exército em 1279 para novamente rechaçar a Dinastia Song do Sul. Nestas lutas, apenas a título de curiosidade, podemos referir a utilização do primeiro lança-chamas, Huoqiang263, a petróleo, com a utilização de um êmbolo com duplo efeito para se obter jacto contínuo264. “Com os Mongóis regressou-se a uma situação semelhante à da época T'ang: as estradas da Ásia Central, por onde passavam as caravanas da Rota da Seda, e a China estavam submetidas a uma mesma autoridade e esta possuía uma forte tradição terrestre. Poder-se-ia esperar que o comércio marítimo seria abandonado para se dar um regresso ao comércio caravaneiro, até porque este, beneficiando da pax mongolica, ganhava uma nova e maior dimensão. O que se passou foi, contudo, um fenómeno diferente: o comércio terrestre e o marítimo complementaram-se e Ch'uan Chou deixou de ser apenas o terminus das rotas navais para se transformar no nó de ligação entre as rotas terrestres e marítimas do grande comércio intercontinental. Nesta época os navegadores chineses frequentavam o Malabar, o Guzerate e também a África Oriental. Coulão continuava a ser o porto principal dos navegantes chineses. Alguns co-merciantes chinas eram muçulmanos, o que lhes facilitava os contactos nos portos do Índico, pois os islamitas desenvolviam aí, nessa altura, uma larga rede de interesses em que a religião era, sem dúvida, o factor de solidariedade mais importante. Os Mongóis foram os primeiros a tentar dominar todo o Extremo Oriente e a Ásia do Sueste. Lançaram ataques por terra contra a Birmânia, o Vietname e a Coreia. Em 1274 e 1281, duas armadas tentaram conquistar o Japão e em 1293 uma outra armada atacou a ilha de Java. As expedições navais contribuíram, certamente, para o desenvolvimento das técnicas de construção naval em larga escala; saldaram-se, porém, em sucessivos fracassos, e, no caso do Japão, contribuíram até para uma intensificação dos ataques da pirataria nipónica junto do litoral chinês. Em 1368, os Chineses conseguiram expulsar a dinastia mongol e o imperador voltou a ser um chinês; com o reinado de Hung Wu (1368-1403) iniciou-se a dinastia dos Ming (1368-1644)”. 265 Durante as Dinastias Song, Jin e Yuan, a economia social umas vezes foi bastante energética, outras vezes estagnante, flutuando de acordo com a situação política do momento. A paz criada pela Dinastia Song fez desenvolver uma economia cuidada e um desenvolvimento cultural com um grande incremento marcado na agricultura, no comércio e na manufactura. A sequência do desenvolvimento de forças produtivas e económicas criaram-se bem a nível científico e tecnológico, aliás o famoso cientista 沈括 Shen Kuo, (que viveu entre 1031 e 1094) descobriu a deflexão angular geomagnética266 no século XI, cuja aplicação prática se traduz na obra Wujing Zongyao (Princípios gerais das técnicas militares)267, de Zeng Gongliang, onde se

262 Idem, ibidem 263 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973, p. 63 264 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 273 265 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994, p.245 266 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973, p. 50 267 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp. 273-275

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descreve uma bússola elaborada com um peixe flutuante; em finais do séc. XI, era corrente na China encontrar uma agulha magnetizada suspensa por um fio de seda. O livro de 沈括 Shen Kuo, Meng Xi Bi Tan (Ensaios de torrentes de sonho), é conhecido hoje em dia pelos historiadores do desenvolvimento científico, no mundo, como uma obra prima chinesa da ciência e tecnologia, de então. Nesta época, por exemplo 郭守敬 Guo Shoujing (1231-1316)268, durante a dinastia Yuan, foi o mais conhecido astrónomo e engenheiro hidráulico deste período. Ele descobriu a chamada oblíquidade da eclíptica naquilo que hoje podemos chamar em astronomia moderna, bem como criou um calendário do tempo, tendo reinstalado o observatório de Beijing. Em engenharia hidráulica, quando desenhava o canal Tonghui ele fez medidas topográficas, criando com elevação topografia em cartas chinesas. Aliás foi também durante a Dinastia dos Song do Norte, que foram divulgadas as três principais ou mais importantes invenções que se conhece dos chineses nomeadamente, a pólvora, a bússola e a impressão chinesa, ou seja a tipografia. Há quem pense que a pólvora tenha sido inventada no século IX, uma vez que já foram usadas no século XI armas utilizando pólvora. Porém, o conhecimento da pólvora apenas foi divulgado no século XIII pelos árabes. No século XI já era habitual utilizar-se a bússola na navegação. Quanto à impressão269, tudo indica ter sido elaborada (1041–1048) por um artesão Bisheng, que veio criar uma nova era na história dos livros270. Durante a Dinastia Song houve um aumento importante das condições sociais dos homens letrados e intelectuais, o que levou os oficiais, a também eles terem uma importância política cada vez maior. Na capital a Escola Nacional e o Colégio Imperial foram estabelecidos para treinar oficiais e outras escolas foram também estabelecidas para treinar talentos na área do direito, da matemática e da medicina, tanto os imperadores como os oficiais, todos consideravam que o conhecimento da medicina era o seu ponto de honra. Durante a Dinastia Song o encontro entre confucianos e budistas levava a grandes debates entre ambos, crendo vários pensadores, que criavam um sincretismo entre ambas as ideologias. O oposto também se verificava, ou seja, havia também quem se opusesse ao confucionismo e outros se opusessem ao budismo, extremando posições, sistematicamente. Durante as Dinastias Jin e Yuan, a economia chinesa, bem como a sua cultura foram seriamente atingidas pelas constantes guerras. Portanto a medicina foi-se desenvolvendo progressivamente, uma vez que sistematicamente era necessária pela existência da própria guerra. Porém, a existência de várias reformas médicas face também aos diversos pensamentos teóricos deram lugar a diversas escolas filosofico-médicas o que caracterizou o período histórico das Dinastias Jin e Yuan.

268 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973, p. 71 269 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973, p. 61, nota 4 270 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 294

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Desenvolvimento da Educação Médica Durante a Dinastia Song, o governo deu atenção à preparação médica do pessoal.

Vimos o Secretariado Médico Imperial era gerido pelo Templo Tai Chang. Porém, o nível e a qualidade da educação, não eram suficientemente boas. Em 1076, depois da reforma efectuada pelo imperador, saiu um édito Imperial criando uma separação entre o Secretariado Médico Imperial e o Templo Tai Chang. Desta forma, foi estruturado, que havia um presidente e dois vice presidentes, que teriam de ser médicos especialistas de acordo com as regras, as leis do governo. Noutro tempo, este Secretariado Médico Imperial foi aumentado no famoso sistema Sān Shè Fǎ, ou seja no Sistema de Três Graus, que foi desenvolvido na educação médica. A publicidade efectuada aos exames de entrada, era emitida no Verão. O limite máximo de lugares para estudantes era de trezentos. Os estudantes eram classificados em diferentes “graus” de acordo com as suas classificações nos exames de entrada : 40 estudantes na situação Shàng, ou seja, superior Shàng Shè (no grau Shang), 60 no grau 内 Nèi, ou seja, intermédio e os restantes 200 no grau inferior (ou exterior) 外 Wài.

Havia três departamentos, o departamento de análise dos pulsos e prescrições, incluindo medicina interna, ginecologia e pediatria; o departamento de acupunctura e moxibustão e o departamento de medicina externa, incluindo cirurgia, traumatologia e terapia de ossos. Havia um professor estabelecido para cada departamento, que tinha de ser um membro da Academia Imperial, de um grau superior ou um praticante médico muito famoso.

No periodo Yuan Feng, ou seja entre 1058 e 1078 (dinastia BeiSong), os estudantes deste instituto, estudavam nove especialidades diferentes. Entre elas, temos novamente análise de pulsos e as prescrições para adultos, sentir os pulsos e as prescrições para crianças, doenças causadas pelo vento, medicina externa e traumatologia, obstetrícia, oftalmologia, estomatologia, dentistas e faringolaringologia, acupunctura e moxibustão, feridas de guerra e literatura médica. Os exames eram de acordo com o Secretariado Médico Imperial, isto é, testes mensais e exames abertos, etc. Os examinandos eram divididos em excelentes, passados ou reprovados. Cada dois anos, havia um exame para estudantes que se encontravam no grau mais baixo, Wai She, para o grau Nei She, ou seja para o grau intermédio e deste, Nei She para o grau superior Shang She. Os próprios alunos do nível Shang She, ou seja o superior, eram divididos em três níveis de acordo com os seus comportamentos e habilidades clinicas.

O Sistema dos Três graus, não só dava ênfase ao estudo teórico, mas também à prática clínica. Os estudantes eram obrigados a registar em pormenor as suas actividades médicas e os resultados dos tratamentos e diagnósticos, que tinham feito. No fim do ano recebiam uma avaliação da sua prática clínica. Os estudantes excelentes eram apontados como exemplo. Aqueles que curavam apenas 50% dos seus pacientes, eram convidados a sair do instituto. Os conhecimentos práticos clínicos e os conhecimentos médicos teóricos conjugados, mostra o progresso da China na sua educação médica de então.

Será interessante lembrar o que, sincronicamente, se passava na Europa. Lembremo-nos apenas, que no século XI, a Península Ibérica tinha sido, havia uns séculos, conquistada pelos árabes, só no século XII é que viria a ser reconquistada. A Europa, toda ela se encontrava retalhada por diversos reinos, cujo desenvolvimento médico deixava bastante a desejar.

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Na China, durante este período o evolução da farmacologia pode ser confirmada através da produção de livros, cujas obras contêm, acerca de fitoterapia, como que um resumo do desenvolvimento na investigação médica e nas experiências que se foi sendo feita a nível clínico. Houve grandes contribuições para a identificação, colecção, cultivo, preparação e aplicação de drogas, bem como a administração médica. Assim, a China vai manter-se numa posição avançada na matéria médica do seu tempo, influenciando grandemente o desenvolvimento a nível da fitoterapia e dos conhecimentos acerca de drogas e plantas, ou seja de matéria médica. Várias tarefas foram levadas a cabo, nomeadamente durante a Dinastia Song para desenhar e sistematizar os conhecimentos acerca de plantas e de drogas, relativamente, à época do ano em que deveriam ser colhidas, como deveriam ser tratadas, etc. Dos livros mais importantes, elaborado durante a Dinastia Song podemos referir 经史证类备急本草 Jing Shi Zheng Lei Bei Ji Ben Cao (Clássico e História da Matéria Médica Classificada para Emergências), escrito por 唐慎微 Tang Shenwei, que viveu entre 1056 e 1093, também foi conhecido por Sen Yuan, nasceu em Jinyuan, na Província de 四川 Sichuan, tendo praticado medicina em 成都 Chengdu. Características deste livro podem ser visualizadas em dois aspectos importantes: em primeiro lugar contém toda a matéria médica escrita nos livros anteriores, preservando todas as características acerca das drogas. Em segundo lugar, desenvolveu ou estabeleceu o desenvolvimento da compatibilidade entre as diversas drogas. Até à Dinastia Song, todos os livros acerca de matéria médica falavam relativamente às drogas em si, não as ligando às diversas fórmulas. Tang Shenwei, registou mais de três mil fórmulas e elementos de livros publicados anteriormente, incluindo também experiências rurais, caseiras e as suas experiências clínicas. Deste modo, ele fez a ligação entre as diferentes fórmulas e as respectivas drogas. Este método foi extremamente útil para a aprendizagem médica, no que diz respeito a farmacopeias posteriores. O livro Jing Zheng Lei Bei Ji Ben Cao ( Histórico e Clássico classificado com Matéria Médica para Emergência) bem como a obra 苏沈良方 Su Shen Liang Fang ( Fórmulas Efectivas de Su Shen), ambos fazem referência a um processo intitulado “Qiu Shi“ , ou seja, análise através da urina das hormonas esteróides-sexuais. Este meio de diagnóstico utilizado em 1920 a 1930, em que era utilizada a saponina para a precipitação dos esteróides já tinha sido usado pelos médicos chineses naquelas duas obras. Na obra Jing Shi Zheng Lei Bei Ji Bem Cao , foi utilizado durante cerca de 500 anos e serviu de livre modelo para a matéria médica. Compilado por Li Shizhen (1518-1655), passou a ter um novo nome, 本草纲目 Ben Cao Gang Mu (Compêndio da Matéria Médica).

Fórmulas O estudo das fórmulas foi um campo especial levado a cabo durante diversas dinastias. Durante as dinastias Song e Yuan, os livros acerca de fórmulas, tornaram-se mais sofisticados comparados com os anteriores, tanto em número como em variedade. Outro desenvolvimento notável, radica na criação de teorias para a sua formulação, nomeadamente, nos princípios de tratamento no tipo de fórmulas e drogas usadas, onde em três livros de fórmulas bem conhecidos podemos salientar:

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- o primeiro chama-se 太平圣惠方 Tai Ping Sheng Hui Fang (Fórmulas Sagradas Benevolentes e Pacíficas). Trata-se de uma obra compilada entre 987 a 992 por 王怀隐 Wang Huaiyin271. A obra constituída por 100 volumes, dividida em 1670 categorias com cerca de 16.834 prescrições e uma grande colecção de formulários anteriores aos Song, bem como remédios populares. Este livro, faz menção, pela primeira vez, do diagnóstico através de sentir os pulsos e também faz menção da frase “princípios de tratamento” , e inclui também referências em etiologias e patologias, manifestações e prescrições de outro tipo de terapias.

- A segunda obra que reina acerca de fórmulas, chama-se 剂局方 Tai Ping Hui

Min He Ji Ju Fang (Fórmulas do Dispensário Benevolente e Pacífica). O livro foi compilado oficialmente entre 1102 e 1106. Em 1107 e 1110, o livro foi revisto pelos médicos imperiais por instrução do próprio imperador, tendo elementos suplementares e sendo renomeado com o nome 剂局方 He Ji Ju Fang (Fórmulas do Dispensário). O seu conteúdo consiste em cinco volumes, dividido por vinte e uma categorias com 297 prescrições que se tornaram uma norma para a feitura de remédios. Depois de ter sido revisto por diversas vezes, em 1151, o ultimo revisor Xu Hong mudou-lhe o nome para o nome original. É um dos mais antigos formulários publicados por um dispensário nacional, em tudo o mundo. Por diversos acréscimos que foi tendo no seu conteúdo, levou-o a um número de dez volumes; pelo seu conteúdo foi classificado em catorze categorias, atingindo 788 prescrições. Cada prescrição tinha indicações, não só dos ingredientes, mas a forma de preparação das drogas bem como a posologia. . Esta obra passou a ser usada como um referencial, nomeadamente, como um livro de bolso acerca de fórmulas. A maioria do material utilizado nele, era material comum usado nas diversas prescrições e preparado em forma de pílulas e era aplicado em pó, ambas as formas facilmente armazenadas para os pacientes. Muitas destas fórmulas passaram a ser bem conhecidas, posteriormente, e, ainda hoje, usadas tais como 散 Hua Gai San272, cujas indicações e sintomas visam directamente retirar o vento frio do pulmão, ou, acabar com a tosse. Estas acções, libertam directamente o biao , difundem o Qi do pulmão, tornando-o claro, eliminam as mucosidades; ou, ainda a fórmula Su He Xiang Wan273, cuja acção é abrir os orifícios e expulsar o frio e transformar as mucosidades frio e humidade e problemas de humidade, tendo a particularidade de actuar nos comas ou perdas de conhecimento devidas a uma obstrução dos orifícios do coração pelo frio, humidade/frio ou mucosidades. Podemos ainda citar duas fórmulas bem conhecidas, nomeadamente a Si Wu Tang274, conhecida hoje em dia no Ocidente e em Portugal por F2, “decocção/As pílulas das quatro substâncias” que alimenta e mobiliza o sangue

271Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.113 272 Marié, Eric – Grand Formulaire de Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 68 273 Marié, Eric – Grand Formulaire de Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 631 274 Choy, Pedro – Fitoterapia Tradicional Chinesa – Formulário. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 1999, p.13

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e harmoniza o fígado; e ainda Xiao Yiao San275, F53, cuja acção é de tonificar o baço, alimentar o sangue e harmonizar o Qi do fígado e do baço.

- A terceira obra chama-se 圣济总录 Sheng Ji Zong Lu (O Registo Completo da Benevolência Sagrada). Trata-se de uma obra médica compilada em finais da dinastia dos Song do Norte, cujo autor original terá sido Song Heizong, conhecido por Zhao Ji. Porém, pensa-se que, de facto, a obra deverá ter sido compilada por um grupo de médicos organizados pela própria corte Song. Parte da constituição da obra deve-se a uma larga colecção de formulários médicos e de receitas populares de idades antigas que levou cerca de sete anos a ser compilada, isto é, de 1011 a 1017. O seu tamanho atingiu 200 volumes, e com cerca de 20 mil fórmulas, onde se inclui, em quase todas, registos de formulários de épocas passadas. A sua classificação incluiu 66 categorias de acordo com o tipo de tratamento. Nele se inclui um grupo de desequilíbrios a ser examinados, e em cada categoria, em primeiro lugar observa-se a etiologia seguido da prescrição e da posologia. Todos os desequilíbrios energéticos registados neste livro estão incluídos em 13 departamentos incluindo interna e externa, ginecologia, pediatria ,acupunctura , moxibustão e problemas de terapia com os ossos.

Além destas três obras elaboradas a nível governamental, houve muitas obras individuais feitas por médicos. Entre elas podemos referir a obra 济生方 Ji Sheng Fang (Fórmulas para Ajudar a Viver), cujo autor foi 严用和 Yan Yonghe276 (NanSong), que contêm mais de 400 fórmulas efectivas entre as quais podemos destacar a nossa F61 Gui Pi Tang 277, cujas três acções principais são as de tonificar o Qi e o sangue, tonificar fortemente o baço/pâncreas e alimentar o coração e acalmar o espírito. Durante as dinastias Song e Yuan, houve um grande progresso a nível médico nas diversas áreas clínicas, não somente a nível etiológico e de diagnóstico mas também a nível da diferenciação dos diversos departamentos, dos quais podemos referir a pediatria e a ginecologia na dinastia Song e a traumatologia durante a dinastia Yuan. Os hospitais imperiais, durante a dinastia Yuan, eram divididos em treze departamentos médicos diferentes. Durante estes períodos, especialistas bem conhecidos apareceram a registar os seus próprios estudos técnicos. O primeiro livro acerca da etiologia que tentava apresentar uma explicação acerca de factores patogénicos foi a obra 三因济一病证方论 San Yin Ji Yi Bing Zheng Fang Lun (Discussão sobre Doenças, Síndromes e Fórmulas Relacionados com a Unificação dos Três Grupos de Factores Patogénicos), mais conhecido pela abreviatura do seu nome 三因方 San Yin Fang, criado por 陈言Chen Yan que viveu durante a dinastia NanSong. O seu autor classificou todos os factores patogénicos em três grupos: factores endopatogénicos ,demarcados por sete estados emocionais extremos: alegria, raiva, melancolia, ansiedade, aflição, medo e terror; os factores exopatogénicos, são marcados 275 Choy, Pedro – Fitoterapia Tradicional Chinesa – Formulário. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 1999, p. 81 276 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.485 277 Choy, Pedro – Fitoterapia Tradicional Chinesa – Formulário. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 1999, p.84

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por seis condições climatéricas: o vento, o frio, o calor do Verão, a humidade, a secura e o fogo; e os factores não-endo-exo-patogénicos, referidos tais como: alimentação imprópria, esgotamento, trauma, feridas de guerra, abuso sexual, mordedura de insectos e outros animais e envenenamento. A sua sistematização levou a uma prática clínica mais objectiva, levando também a uma prevenção dos desequilíbrios energéticos mais precoces. Chen Yan discutiu sistematicamente cada um destes três grupos e advogou a prevenção para esses desequilíbrios, considerando que as suas causas poderiam ser encontradas em cada um deles e, portanto, ser prescrito um tratamento adequado. Chen, adiantou os princípios de tratamento, bem como as prescrições de acordo com cada factor patogénico. Há quem considere Chen Wuze, nome pelo qual ele próprio se chamava, fundador da medicina moderna .

Acupunctura e moxibustão

Tanto nas dinastias Song como Yuang, que temos vindo a tratar, a acupunctura e a moxibustão desenvolveu-se enormemente. Durante este período, de facto, apareceram novos estudos acerca de acupunctura e moxibustão, nomeadamente 新铸铜人腧穴针灸图经 Xin Zhu Tong Ren Shu Xue Zhen Jiu Tu Jing (Manual Ilustrado de Acupunctura e Moxibustão com os pontos de acupunctura visualisados numa figura de bronze fundido recentemente) . Durante o período dos Song do Norte, apareceu um acupunctor bem conhecido, 王惟一 Wang Weiyi (987-1067)278, médico da corte imperial e autor da obra referida. O imperador pediu-lhe que criasse duas figuras de bronze que continham não só os 657 pontos de acupunctura gravados na sua superfície como poderiam ser desmanchados para se poder analisar o seu interior de forma a mostrar os orgãos que se encontram no seu interior. Estes elementos de bronze, podiam claramente estabelecer uma normalização da localização dos pontos de acupunctura, mas também, e ensinar e examinar os diversos discípulos em acupunctura e moxibustão,o que se passou a fazer. Aliás, durante este período, sabe-se que, durante os exames para qualificar os diversos estudantes de acupunctura, estes pontos de acupunctura eram cheios de orifícios que eram tapados com cera e era-lhes colocado um reservatório cheio de água. Desde que o aluno colocasse as agulhas no ponto apropriado que lhe era pedido, a água saía de modo a mostrar quais os pontos correctos, de acordo com as perguntas efectuadas. De facto, podemos dizer que a preocupação com o ensino desenvolveu-se através destes modelos médicos, levando a uma criatividade bastante rica em meios pedagógicos de forma a que esse ensino tivesse o máximo de qualidade . O livro acima referido contém as instruções escritas como usar as figuras de bronze. Comparado com a obra anterior: 针灸甲已经 Zhen Jiu Jia Yi Jing, ou seja, o (clássico A – B de acupunctura e moxibustão), compilada por 谧 Huangfu Mi (215-282), podemos ver que a obra de 王惟一 Wang Weiyi contém um acréscimo de três pontos bilaterais, nomeadamente 灵 Qīnglíng (2C)279, 厥阴俞 Juéyīnshū (14V)280 e 膏肓俞

278 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.115 279 Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.121; Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso de Acupunctura e Fitoterapia Tradicional

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Gāohuāngshū (43V) 281 e ainda dois pontos da linha média, nomeadamente o 灵台 Língtái (10VG)282 e o 腰阳关 Yāoyángguān (3VG)283. No início para identificar os pontos, este livro discute ainda a profundidade própria das agulhas e os efeitos terapêuticos de cada ponto, tendo servido como elemento de referência durante bastantes anos. Anteriormente à publicação deste livro, grande parte do seu conteúdo foi gravado em duas placas de pedra, com cerca de dois metros de largura e sete metros de comprimento, eririgidos em 汴 Bianliang de forma a que a população pudesse copiá-la se assim o quisesse fazer. Aliás, este livro, é conhecido como o marco do ensino de Acupunctura e Moxibustão em toda a História da MTC. Outro trabalho em Acupunctura e Moxibustão teve como titulo 针灸资生经 Zhen Jiu Zi Sheng Jing (Experiências em Terapia com Acupunctura e Moxibustão), foi escrito por Wang Zhi Zhong e está entre os mais importantes trabalhos acerca deste assunto durante este período, tendo sido publicado em 1220 e contém sete volumes. A proporcionalidade estandardizada por Tong Shen Cun, ou seja ,a unidade proporcional do corpo humano, criada neste livro ainda hoje se usa. 寸 Cún 284 é um apelido, mas passou a ser usado como unidade de proporção do corpo humano em Acupunctura285. Além disso, Cun, considerava que havia uma escolha de pontos dolorosos que deviam ser encontrados pressionando certos locais do corpo humano do paciente e a esses dever-se-ia dar maior atenção na selecção de pontos a punctuar. Mais tarde veio a verificar-se que estes pontos tinham um efeito terapêutico significativo286. A Moxibustão foi largamente tratada neste livro, cumprindo quase todos os conhecimentos que se tinha acerca do assunto antes da dinastia Song.

Chinesa», 4º Ano, Textos de Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas, Ciclostilado, 2000/2001, p.33 280 Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.154; Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso de Acupunctura e Fitoterapia Tradicional Chinesa», 4º Ano, Textos de Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas, Ciclostilado, 2001, p.27 281 Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.174; Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso de Acupunctura e Fitoterapia Tradicional Chinesa», 4º Ano, Textos de Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas, Ciclostilado, 2001, p.20 282 Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.335; Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso de Acupunctura e Fitoterapia Tradicional Chinesa», 4º Ano, Textos de Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas, Ciclostilado, 2001, p.29 283 Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.330; Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso de Acupunctura e Fitoterapia Tradicional Chinesa», 4º Ano, Textos de Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas, Ciclostilado, 2001, p.46 284 Em MTC, Cun também designa uma posição anatómica para a tomada dos pulsos: 寸关尺 Cun, Guan, Chi. - Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.56 285 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.432 286 Van Nghi, Nguyen; Bijaoui, André – Les Bases fondamentales de l’acupuncture/moxibustion – Zhēn Jiǔ . Editions Autres Temps. 2000, pp.140-141

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Ginecologia Outros dos assuntos tratados durante a dinastia Song e Yuang foi a Ginecologia. Aliás, foi durante esta dinastia, que o departamento de ginecologia e obstétricia se tornaram secção clínica independente. Dos diversos livros, podemos destacar um que foi publicado em 1237, 妇人大全良方 Fu Ren Da Quan Liang Fang (Fórmulas Completas e Efectivas para Mulher). O seu autor Chen Ziming, que se auto nomeava como Liang Fu He, criou a obra bastante completa que continha, por exemplo, um mecanismo fisiológico da menstruação e o tratamento para todos os tipos de desordens menstruais. A esterilidade era explicada como aparecendo na sequência do défice de Qi e sangue e na sequência de amenorréia, menorragia e menostaxis ou leucorreias anormais. Também na obra eram ensinados os problemas fetais, os estágios de desenvolvimento fetal, o diagnósio de gravidez e as drogas contra indicadas para a gravidez, bem como, aliás, as categorias de enfermagem utilizadas durante a gravidez.

Pediatria Também a pediatria foi um assunto tratado durante as dinastias Song e Yuang. Aliás, durante este período foi uma temática que se desenvolveu bastante. Dos diversos médicos que se dedicaram à pediatria, podemos destacar Qian Yi, que viveu entre 1032-1113, tendo dedicado cerca de 40 anos da sua vida à especialidade de pediatria com a respectiva experiência clínica. Mais tarde, um dos seus alunos conhecido como Yan Xiaozhong , sistematizou todas as suas teorias médicas e experiências clínicas na obra 小儿药证直诀 Xiao Er Yao Xiaozhong (Chave para a Identificação do Síndroma e o Tratamento para Doenças Infantis), sendo constituída por 3 volumes. O primeiro trata da base da identificação do síndroma e nas condições do pulso, desenvolvendo a apresentação, o diagnóstico, a prescrição e discussão de cada um dos síndromas. O segundo volume contêm cerca de 23 casos tratados por Qian Yi. O terceiro, lista as formas mais comuns, a compatibilidade das drogas nela contidas e da sua própria posologia. Nesta obra é apontado que a fisiologia das crianças assenta num desenvolvimento ainda incompleto dos Zangfu, cujas patologias se desenvolvem em orgãos mais fracos e que facilmente se tornam com vazios ou com excesso de energia ou atingidos por calor ou frio. No tratamento das crianças, o seu autor preconiza o uso de drogas mais suaves de forma a regular as funções do baço, pâncreas, estômago e rins, no sentido de regularizar a energia destes orgãos, em vez de utilizar métodos mais evasivos. O autor, considerava, que a observação era entre os 4 métodos de diagnóstico, o mais importante em pediatria, quer dizer que, através da observação da complexão e da vitalidade da face e dos olhos, rapidamente se poderia chegar a um diagnóstico. Nas diversas fórmulas incluídas nesta obra podemos destacar a conhecida 六味地黄丸 Liu Wei Di Huang Wan (F5), e que é adoptada para alimentar o Yin do rim e segundariamente, também o Yin do fígado e do Baço287.

287 Choy, Pedro – Fitoterapia Tradicional Chinesa – Formulário. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p.23; Marié, Eric – Grand Formulaire de Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 726

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A varíola, neste período dos Song, era bem conhecida, bem como o sarampo e a varicela. Para além de se encontrarem bem identificadas, havia obras publicadas, isto é , monografias específicas acerca de cada uma destas doenças.

Cirurgia e Traumatologia Antes da dinastia Tang, não havia um departamento de cirurgia e traumatologia. Os feridos de guerra eram chamados “feridas abertas por objectos de metal” , isto, ainda no início da segunda metade do século XIII. A compreensão dos problemas externos do corpo, levou a uma atenção durante a dinastia Song. A relação entre as áreas externas afectadas e as consequências em todo o corpo, e os tratamentos das doenças externas, deu ênfase á identificação dos síndromas, daí algumas obras mencionarem que as doenças externas deviam ser tratadas com a combinação do seu factor externo e concomitantemente com o seu factor interno. Aliás, durante a dinastia Yuan, Qi Dezhi, escreveu a obra 外科精要 Wai Ke Jing Yao (Essencial das Doenças Externas), no ano de 1335. Ele considerava que no tratamento das doenças externas, se deveria começar por regular a envolvente interna do corpo e dar mais atenção aos factores patogénicos. Para este médico, as doenças externas são fundamentalmente trazidas por uma descoordenação entre o Yin e o Yang e uma estagnação ora do Qi ora do sangue. Deste modo criou muitas terapias, tais como compressas quentes, drenagem do pús, promoção na formação de pús, expurgação de toxinas e alívio das dores. O tumor maligno em MTC, tem o nome de 癌 Ái (cancro), e foi pela primeira vez registado no ano de 1170, na obra Wei Ji Bao Su (Livro tesouro para o cuidado da saúde), que corresponde ao período da dinastia Song. A descrição do cancro mais antiga que se conhece, está referida na obra 仁斋直指方论 Ren Zhai Zhi Zhi Fang Lun (Tratado das Fórmulas da Direcção Correcta de Ajuda Benevolente das Doenças), escrita em 1264. Neste livro, o aparecimento do cancro, é descrito como por uma massa dura irregular, tal como uma pedra com superfícies côncavas e conflexas, com uma raíz profunda muito difícil de curar. A dinastia Yuang, foi um período em que a traumatologia se tornou fortemente desenvolvida. As expedições a cavalo dos Mongóis causava muitos traumatismos ósseos, tendo sido neste período que podemos considerar ter sido criado um departamento ortopédico, que também tratava das feridas de guerra. Já não se faz referência á traumatologia, mas do conteúdo osteotraumatológico que, aliás, se encontra incluído em diversas obras deste tempo. Nestas obras, observa-se a existência de capítulos específico acerca de ortopedia e feridas de guerra. Das diversas obras podemos referir 世医得效方 Shi Yi De Xiao Fang (Fórmulas Efectivas das Gerações dos Físicos), escrito, em 1343, por Wei Yilin. Este médico, para além desta obra, escreveu outras dedicadas especificamente a fórmulas, nomeadamente 仙授理伤续断秘方 Xian Shou Li Shang Xu Duan Mi Fang ( Fórmulas Secretas para Tratamento de Lesões Traumáticas Dadas pelos Céus), onde se referem fórmulas para o tratamento de injúrias. Para além disso, outro desenvolvimento enorme de Wei Yilin, são as suas notas completas acerca de anestesia, que constitui o registo mais antigo no mundo acerca de anestesia. A anestesia deve ser administrada antes do tratamento de qualquer fractura ou entorse.

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As drogas usadas para estes fins, eram o Estramónio, mais conhecido em Portugal por Figueira do inferno (Datura Stramonium L.) 288, como se sabe, uma planta venenosa com flores brancas ou levemente azuladas e frutos espinhosos, conhecida na China por 曼陀罗 Màntuóluó 289, ou ainda outra planta, mais precisamente a raíz da aconite, conhecida em chinês por 乌头 Wūtóu 290, também altamente venenosa. De tal maneira eram fortes estes venenos que o autor do livro, Wei Yilin, incluiu na sua obra uma discussão acerca da posologia destas drogas, de acordo com a idade do paciente, as suas condições de saúde e a quantidade de sangue. Aliás, todos estes princípios ainda hoje se aplicam.

Medicina Forense Também a medicina forense é temática em tempos tão recuados. Encontram-se aliás, registos fragmentados nas dinastias Qin, Han, Shui e Tang. Desta temática podemos referir, a obra 洗冤集录 Xi Yuan Ji Lu (Registos para Levar para fora a Injustiça), de 宋慈 Song Ci, que viveu entre 1186-1249. Na sua obra tenta-se utilizar o maior número de elementos médicos, de forma a tentar obter-se a verdade dos acontecimentos ocorridos durante os crimes, para que haja também o máximo de justiça, uma vez que o autor considerava que a pena de morte era a decisão mais séria de ser tomada pela Corte. A sua obra viria a ser, posteriormente, divulgada na Coreia, durante a dinastia Ming e nos tempos modernos, esta mesma obra tem sido traduzida para Japonês, Alemão, Francês, Holandês e muitas outras línguas.

Debates Médicos durante as dinastias Jin e Yuan Até á dinastia Song, o desenvolvimento da Medicina Tradicional Chinesa, atingiu um bom desenvolvimento e experiências clinicas muito ricas. No fim dos anos dos Song, os governos estavam altamente corruptos e os pensamentos médicos eram bastante limitados. Durante as dinastias Jin e Yuan, as convulsões sociais continuaram acompanhadas de epidemias. Os médicos que viviam nesse tempo, concebiam muitas teorias e as reformas políticas que aconteceram também influenciaram o pensamento médico. Estes reconheceram que as prescrições antigas podiam não ser apropriadas para as doenças presentes. Isto levou-os a desejarem desenvolver a teoria médica e de criar novos tratamentos clínicos. Duas diferentes escolas médicas evoluiram antes do século XII, a primeira chamava-se “He Jian” e a outra “Yi Shui “, mais tarde duas novas escolas se desenvolveram: “ Han lian” , liderada por 刘完素 Liu Wansu, e “Gong Xie”, liderada por 张子和 Zhang ZiHe (Zhang Congzheng) que derivava da escola “He Jian”, enquanto uma outra escola “Bu Tu” liderada por 李杲 Li Gao, derivava de uma segunda escola a ser criada ,“Yi Shui”. Uma outra escola liderada por 朱震亨 Zhu Zhenheng (1281-1358), nasceu das

288 Coutinho, A. X. Pereira – Flora de Portugal. Lehre, Verlac Von J. Cramer, 1974, p. 639 289 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.558 290 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.681; Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 209

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influências da escola “He Jian” e “Yi Shui” em simultâneo. Até ao século XIV, podemos referir alguns médicos muito importantes, nomeadamente os quatro agora referidos, Liu Wansu, Zhang ZiHe (Zhang Congzheng), Li Gao e Zhu Zhenheng. Estes quatro eram conhecidos pelos quatro grandes médicos das dinastias Jin e Yuan. Os seus pontos de vista médicos e a sua prática clinica abriram novos horizontes, bem como teve uma influência muito profunda e significativa no desenvolvimento médico291. 1. O primeiro de todos, 刘完素 Liu Wansu (cerca de 1120-1200), considerava que a maioria das doenças estão relacionadas com o factor patogénico fogo, que o levou a experimentar drogas com frio ou de natureza fria e fresca. À luz das teorias de Nei Jing, Liu classificava os factores patogénicos e a patogénese em seis grupos. São eles o frio, o vento , o calor do Verão, a humidade, a secura e o fogo. Ele demostrou que todas estas, derivavam do factor patogénico fogo, pelo que estabeleceu a doutrina “patogenia fogo”. Segundo um elemento teórico por ele considerado, baseava-se na doutrina da evolução dos cinco movimentos e dos seis tipos de factores naturais. Porém, não se limitava a este conteúdo. Ele considerava que os factores naturais influenciavam de perto a actividade fisiológica, levando ao aparecimento de patogenia nos seres humanos. Assim, o médico deve estudar a etiologia das doenças, a patogénese, o diagnóstico e o tratamento em combinação com os factores naturais. Aliás, da sua obra 素问玄机原病式 Su Wen Xuan Ji Yuan Bing Shi, podemos destacar: “Se considerarmos a prática clínica, encontramos que [no diagnóstico e tratamento da doença] toma-se somente em linha de conta ou [a dor] pertence à categoria yin ou à yang or se existe um sindrome de deficiência ou de plenitude. O [único e correcto] procedimento, contudo, a fim de conseguir uma compreensão acerca da doença [é o que se segue]. Somente quando as influências que dão lugar à doença tiverem sido investigadas de acordo com as modificações no [curso normal] dos cinco movimentos e dos seis factores climatéricos, pode [a natureza da doença e o seu tratamento] ser claramente compreendido” 292 2. O segundo médico a analisar foi 张子和 Zhang ZiHe (Zhang Congzheng) 293 que viveu entre 1156-1228. Costumava referir que “É difícil ser um bom médico se se tiver pouco conhecimento” 294. Baseado na realidade clinica do seu tempo, ele considerava como era importante, em alguns casos, a utilização da purgação. As suas ideias podemos condensá-las em três aspectos principais. Na primeira, ele considerava que os factores patogénicos são as causas principais das doenças, pelo que deve-se empregar um tratamento em que elas sejam expelidas e purgadas. A boa saúde só poderá ser conseguida quando os factores patogénicos saírem. Muitos dos factores patogénicos, têm origem nas seis condições atmosféricas externas e na alimentação deficiente que pratica. Segundo o Zhang Congzheng, o segundo elemento que ele considerava, é que as doenças são causadas por invasões patogénicas que estagnam nos músculos estriados,

291 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 323 292 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of Ideas. Univerty of California Press, Ltd, London, 1985, p. 172 293Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of Ideas. Univerty of California Press, Ltd, London, 1985, pp. 174-175 294 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 189

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nos meridianos e nos colaterais, pelo que devem ser tratados através de diaforése . Aqueles que são causado por vento-mucosidade e estagnação alimentar acumulada no peito ou no diafragma e no abdómen superior, devem ser tratados por emese. Aqueles que são causados por humidade-fria e calor patogénico estagnante no aquecedor inferior, devem ser tratados por purgação via rectal. Ele classificava a acupunctura e moxibustão, lavagem, fumigação , Tuina e Qigong, todos eles como métodos que podem expelir os factores patogénicos através da diaforese. O terceiro elemento de Zhang Congzheng, diz respeito ao desenvolvimento da teoria Holística referida no Nei Jing, dando ênfase que as doenças devem ser examinadas de acordo com a época do ano, o clima, o estado social, o estado individual e a área geográfica. Por outras palavras, os princípios terapêuticos devem modificar-se de acordo com a época do ano. Desta forma, podemos dizer que ele contribuiu para a medicina social e psicológica. 3. O terceiro médico deste tempo, 李杲 Li Gao 295, viveu entre 1180-1251. As suas teorias principais podem dividir-se em três aspectos. O primeiro afirma que o desequilíbrio ocorre se o baço e o estômago estiverem atingidos. Deste modo Li Gao dava importância preponderante á saúde do Qi do estômago. Para este médico, o papel do baço e do estômago, era extremamente importante na medida em que transformava e transportava as substâncias nutritivas para a produção do Qi vital. Por outras palavras, podemos dizer que o centro é fundamental para que todo o organismo possa funcionar em omniostaze. O segundo principio é uma consequência deste primeiro. A doutrina dos três factores, no qual um atingimento do baço e do estômago são devidos a alimentos impróprios, excessos e irritações mentais e podem atingir o funcionamento do estômago e do baço. A alimentação tomada irregularmente ou a indulgência do frio ou de comida demasiadamente gordurosa ou suja; o stress ou os excessos podem causar lacitude e um desejo da pessoa se deitar, irritação mental pode atingir o Qi vital e produzir um fogo do coração. De acordo com estes princípios, o terceiro elemento importante para este médico, é que o tratamento principal, se concentrasse no Qi do centro. Para ele, purificando o Qi do San Jiao, prioritariamente sobre qualquer outro tipo de acção, levará a uma precosidade do melhoramento do estado de saúde. Das diversas fórmulas que ele preconizava podemos encontrar a conhecida Bu Zhong Yi Qi Tang (F169). Que como se sabe, a sua acção principal é tonificar o Qi no aquecedor médio e fazer elevar o Yang e o Qi 296. Estes princípios clínicos passaram a ser usados de uma forma com sucesso em gerações posteriores. Estas ideias de Li, talvez tenham tido por base os tempos difíceis do seu tempo de vida. Momentos esses que estão ligados aos tempo de fome e de stress . 4. 朱震亨 Zhu Zhengheng viveu entre 1281-1358, também conhecido como Zhu Danxi. Ele estudou profundamente as teorias dos famosos médicos do seu tempo, tais como Liu Wansu, Zhang Congzheng e Li Gao. Baseado nos princípios tanto das escolas “He Jian” como “Yi Shui” , combinando a sua prática clínica com os conhecimentos 295 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of Ideas. Univerty of California Press, Ltd, London, 1985, pp. 177-179 296 Choy, Pedro – Fitoterapia Tradicional Chinesa – Formulário. Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p.119

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adquiridos através dos médicos referidos, Zhu criou o “Fogo Ministerial” e “O Alimento dos Fluidos Yin”. Vários anos depois ele tornou-se bastante famoso.

Relativamente às teorias de Zhu Zhengheng, estas poderão ser analisadas em três partes fundamentais:

A primeira é a teoria principal do “Fogo Ministerial”297 . Baseia-se na discussão acerca do “Fogo Ministerial” contido no Nei Jing 298 e das obras de gerações subsequentes, Zhu considera que o “Fogo Ministerial” pode ser dividido nos seus aspectos fisiológicos e patológicos. O primeiro, o fisiológico é a fonte das funções dos Zangfu, o segundo é facilmente hiperactivo levando ao enfraquecimento dos fluidos Yin. Esta é a natureza dualista do “Fogo Ministerial”. Esta doutrina não só enriquece os estudos feitos por Liu Wansu, bem como desenvolve a doutrina do “Fogo Yin”, primeiramente referida por Li Gao.

O segundo aspecto das teorias de Zhu Zhengheng, diz respeito à questão da patogénese. “O Yang usualmente é redundante, enquanto que o Yin é sempre deficiente”. Aqui, o Yang redundante diz respeito à hiperactividade da sua função, enquanto o Yin deficiente refere o grave enfraquecimento do mesmo. Ele examina o ambiente natural em combinação com as análises fisiológicas do corpo e infere, que a produção de energia essencial e do sangue é dificultada enquanto o seu abaixamento é relativamente fácil de suceder. Além disso, a banalização das actividades sexuais, podem causar uma subida do “Fogo Ministerial”, ou dando ao enfraquecimento da energia essencial e do sangue.

O terceiro aspecto focado pelo autor, diz respeito à terapia principal de alimentar o Yin e baixar o fogo. À luz desta doutrina e compreendendo a patogénese, Zhu dá importância ao alimento dos fluidos Yin e o decréscimo do fogo, representando esta acção na fórmula Da Bu Yin Wan, cujas acções são de alimentar o Yin e de baixar o fogo dos rins, restaurando a água dos rins 299.

Por outro lado, ele considerava que o alimento dos fluidos Yin deve ser combinado com um controlo apropriado das actividades sexuais, da tranquilidade mental e finalmente o uso de drogas que permitam controlar o “Fogo Ministerial”.

Trocas entre a China e países estrangeiros As reformas médicas efectuadas pelos médicos das Dinastias Jin e Yuan,

alteraram a prática usada no passado, abrindo novas prespectivas na história da Medicina Tradicional Chinesa, desenvolvendo novas teorias e práticas em simultâneo. As trocas entre a China e os países estrangeiros foi aumentando, especialmente, após a invenção do compasso durante as Dinastias Song e Yuan, uma vez que o mesmo, levou a uma melhoria dos transportes, e à abertura ao tráfico internacional, como referimos. Tal facto, veio contribuir para uma permuta de conhecimentos médicos cada vez maior. Muitas drogas e muitos tipos de drogas foram encontrados nos navios, tais como 降香

Jiangxiang (Lignum Dalbelgiæ Odoriferæ) 300, 檀香 Tanxiang (Lignum Santali Albi)301,

297 Sterckx, Pierre e Jun, Chen – Le feu empereur et le feu minister. Guang Ming Press, in http://www.ping.be/chinamed, 2001, p.25-29 298 Sterckx, Pierre e Jun, Chen – Le feu empereur et le feu minister. Guang Ming Press, in http://www.ping.be/chinamed, 2001, p.13 299 Marié, Eric – Grand Formulaire de Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 732 300 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 249

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沉香 Chenxiang (Lignum Aquilariæ)302, 胡椒 Hujiao (Piperis Fructus)303, 槟榔 Binlang (Semen Arecæ Catechu) 304 , 乳香 Ruxiang (Gummi Olibanum)305, 龙涎香 Longxianxiang (Ambra Grisæ) 306, 朱砂 Zhusha (Cinnabaris) 307, 水银 Shuiyin (Hydrargyrum) 308, 玳瑁 Daimao (Eretmochelydis Carapax) 309, etc.. Tal facto, mostra como o comércio em medicina, entre a China e os outros países, foi bastante próspero durante os tempos Song e Yuan.

301 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 223 302 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 219 303 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 209; Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.497 304 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 394 305 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 229 306 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.550 307 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 353 308 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.646 309 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 380; Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.438

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Novos desenvolvimentos na teoria médica e prática (que vai cobrir

a Dinastia Ming e a Dinastia Qing antes da Guerra do Ópio, i.e., desde 1368 a 1840)

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A Dinastia 明 Ming foi um regime feudal estabelecido por 朱元璋 Zhu Yuanzhang, em 1368, após uma rebelião de camponeses, que terminou com a Dinastia Yuan. Em 1399, o Príncipe 朱棣 Zhu Di pôs fim à rebelião, capturando 南京 Nanjing, usurpando o trono e movendo a sua capital para 北京 Beijing em 1421.

Depois do seu estabelecimento, a Dinastia Ming tomou medidas para consolidar o poder, tais como, reestruturação do governo central e local, estabelecendo uma unidade de base governamental, bem como um sistema de defesa militar, isto para poder controlar o povo e fazer a colecta de impostos. Além disso, adoptou uma série de políticas de desenvolvimento a nível económico e encorajando a reclamação de terras abandonadas, projectos de conservação de água e popularizando o cultivo de algodão, amoreira e cânhamo. Para além disto, os artesãos foram isentos do pagamento de impostos. Estas medidas levaram a uma evolução das forças produtivas muito rapidamente. Em meados da Dinastia Ming, à medida que se foi desenvolvendo a economia por todo o país, foi também aparecendo um desenvolvimento capitalista bastante acentuado, especialmente no Sul (Fig.17). Tal existência levou ao desenvolvimento e crescimento de cidades. Apenas a título de exemplo, cito Suzhou com o desenvolvimento da seda, Hangzhou ligada ao comércio, Jingdezhen ligada à porcelana, Wuhu vila especializada em tinturaria, Cixian ligada à fundição de ferro, entre outras 310. “Vencedores dos estrangeiros, os Ming acentuaram um sentimento de xenofobia que se 310 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 371

Fig.17 – A expansão da China durante a dinastia 明 Ming (adapt. Cotterell, 1999)

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desenvolvera durante o governo dos Sung, ao mesmo tempo que privilegiaram a agricultura e reforçaram a autoridade do poder central. Se Hung Wu marcou um período de reorganização, o seu sucessor, Yung Le (1403-1424), marcou um novo período de expansionismo essencialmente marítimo. Em 1405 iniciou-se a primeira grande expedição do almirante Cheng Ho, que comandaria depois mais seis até ao ano de 1433. Estas viagens tiveram, acima de tudo, motivações políticas, certamente relacionadas com o vigor da primeira fase da dinastia Ming. Os Chineses impuseram então o pagamento de tributos às populações ribeirinhas. Cheng Ho, tal como uma parte considerável da sua tripulação, era muçulmano, facto que facilitou a sua acção pelo oceano. No almirante concentravam-se, pois, o poderio naval dos Chineses e a grande experiência até então adquirida pelos islamitas no fndico. As expedições eram compostas por dezenas de juncos e mais de 20 000 homens cada uma; a de 1405, por exemplo, tinha 63 navios e cerca de 30 000 marinheiros. Em 1433, as expedições foram interrompidas bruscamente: o Império Chinês estava de novo ameaçado pelos bárbaros do interior e teve de adoptar mais uma vez uma estratégia defensiva, com as atenções concentradas na sua fronteira terrestre. Nesta época já se desenvolvera o sultanato de Malaca, cujo sultão era vassalo do imperador chinês. Malaca tornou-se no ponto de encontro de várias redes de comércio com origem em diferentes regiões asiáticas. Os Chineses passaram a encontrar aí os produtos que lhes interessavam e que anteriormente só encontravam na Índia e os Guzerates ocuparam o vazio por eles deixado. Terminou então um período de cerca de quatro séculos em que a China foi a principal potência marítima da Ásia e as relações directas entre a China e a India foram interrompidas. Malaca tornou-se no «terminus» das grandes rotas do comércio intercontinental e a rota Malaca-China (Cantão) passou a ser apenas uma ligação regional. Os comerciantes chineses compravam aí pimenta […]; o negócio era completado com outros produtos, como o cravo, a noz, o incenso, o marfim, a cânfora, o sândalo ou os panos de várias qualidades. Em troca vendiam diversos tipos de seda e um número considerável de matérias-primas, como o salitre, o enxofre, o cobre ou o ferro. No porto malaio estabeleceu-se uma comunidade de mercadores chineses e o seu chefe (xabandar[311]) tinha autoridade sobre os restantes comerciantes vindos do Extremo Oriente. […] No início do século XVI, o sultão de Malaca continuava a ser vassalo do «Filho do Céu»: a China mantinha então um grande prestígio entre os reinos do Sueste asiático, embora já não dispusesse da mesma capacidade de mobilização militar do século anterior. Em 1511, Afonso de Albuquerque conquistou Malaca e estendeu a presença portuguesa até à Insulíndia: ficava, assim, aberto o acesso ao Império do Meio e outras regiões da Ásia Oriental”. 312 A Dinastia Ming também foi testemunha de muitos desenvolvimentos a nível científico e tecnológico. Por causa, do desenvolvimento da construcção naval e das necessidades politico-económicas, de 1405 a 1430 a corte Ming enviou Zheng He, um eunuco cuja alcunha era Sanbao taijian, que viveu de 1371 a 1435, enviou uma equipa bastante grande de barcos, em sete missões sucessivas para “o Ocidente” (nomeadamente a

311 Do persa «shāh-bândar» (rei do porto), i.e. Capitão do porto. “… em Malaca havia xabandares dos guzarates, dos quelins, dos chineses. Os xabandares de alguns pequenos reinos da Malásia eram mais governadores ou regentes do estado que simples capitães do pôrto …” . In Dalgado, Sebastião Rodolfo - «Glossário Luso-Asiático». Asian Educational Services. New Delhi. 1988 312 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994, p.245

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Oeste das ilhas do Sul da China). Estas viagens atingiram as ilhas do Sudoeste asiático, da Índia e mais de trinta países no Médio Oriente e África. As zonas mais comumente atingidas por estas missões, foram Aden na entrada do Mar Vermelho e Mogadishu na Somália. Se observarmos a época em que estas navegações se produziram (1405-1430), podemos verificar, que elas são precoces em relação às actividades de navegação no resto do Mundo. Aliás, lembremos que 1415, foi data da tomada de Ceuta pelos portugueses, que é considerada o início da expansão portuguesa. Podemos ainda referir, a precocidade da capacidade destes navios, na tonelagem, já que, atendendo a que os chineses tinham inventado o compasso, levaram a cabo, construcções de navios muito mais estáveis e equilibradas, do que, todos os outros povos da mesma época. As viagens de Zheng He, levaram a um acesso fácil ao Ocidente e a África, levando a que as relações entre a China e os países estrangeiros fosse rapidamente levada a cabo, mas também com esta abertura ao Mundo, a China conseguiu um incremento das trocas científicas e culturais incluindo-se nelas, a medicina chinesa com as medicinas dos outros países. Esta época de expansão chinesa deu lugar também, a um conjunto de produção de escritos acerca de diversas temáticas, nomeadamente de geografia, hidrologia, geologia, fauna e flora, dos lugares visitados, que podemos citar. Nesta primeira metade do séc. XVII, aparece um dos mais importantes geógrafos da História da China, 徐宏祖 Xu Hongzu (Xu Xiake) (1587-1641), cuja obra You Ji (“viagem”), mostra cerca de trinta anos de observação de cada região, tendo a atenção na geografia, hidrografia, geologia, vegetação e as condições de vida dos seus povos313. Trabalhos em Medicina, tais como 本草纲目 Ben Cao Gang Mu (Compêndio de Matéria Médica) escrito por Li Shizhen (1518-1593), é considerada a obra mais maravilhosa na história da ciência chinesa314, e que desenvolveremos a seu tempo. Trabalhos como estes, não só foram importantes para demonstrar o desenvolvimento tecnológico e científico da China, mas também marcaram o desenvolvimento científico e tecnológico, a que níveis chegou a China no tempo da Dinastia Ming. “Em 1554 chegou ao mar da China Leonel de Sousa, que através de uma acção militar e diplomática conseguiu o que se afigurava impossível: uma base permanente na costa chinesa, o porto de Macau, cedido no ano de 1557. Este capitão soube negociar habilmente com as autoridades fiscais chinesas, disciplinar os aventureiros e expulsar a pirataria das águas de Cantão. Os mandarins desta cidade compreenderam então que se os Portugueses permanecessem junto da foz do rio das Pérolas, o rio que banha Cantão, seria a sua cidade a beneficiar dos lucros do comércio com o Japão, ao mesmo tempo que deixavam de ser apoquentados pelos piratas. Esta concessão, única na história chinesa, não impediu que os chinas continuassem a desconfiar dos estrangeiros. Macau era a ponte de ligação, mas a penetração de portugueses no inte-rior do país era quase impossível, pelo que as relações de Portugal com a China depois de 1557 se resumem quase só à história de Macau. Fora das relacões comerciais, circunscritas a Macau, deve-se realçar a actividade evangelizadora: os missionários do

313 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp. 389-390 314 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 388

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Padroado Português do Oriente chegaram a ocupar um lugar proeminente na corte imperial em Pequim”.315 Atrás dos portugueses, depois do século XVI, alguns países da Europa entram, também, em contacto com a China, trazendo certo tipo de conhecimentos e culturas, no sentido de tentarem servir os interesses dos seus próprios países. Os conhecimentos foram traduzidos e introduzidos na China, tendo tido a sua influência nos livros de Medicina Tradicional Chinesa. O contrário também de tornou uma realidade: “Em 1570 surgiu o primeiro livro sobre o Celeste Império, o Tratado em Que Se Contam muito por Extenso as Cousas da China com Suas Particularidades, e Assi do Reyno de Ormuz. Nos livros dos séculos xvI e xvü, a China foi apresentada como um modelo de organiza-ção social. A sua administração hierarquizada e centralizada impressionou vivamente os seus primeiros visitantes”.316 Em finais do período Ming, a corte corrupta de eunucos começou a cobrar impostos pesados à população. Em Março de 1644, uma rebelião do exército, levada a cabo por 李自成 Li Zicheng (1606-1645) apoderou-se de Beijing e terminou com a Dinastia e com a Corte Ming. Quase ao mesmo tempo, os líderes de nacionalidade Manchu entraram em colisão com o Wu Sangui, um burocrata Han, tendo ocupado Beijing . As tropas Qing ultrapassaram a China do Norte e fundaram a Dinastia 清 Qing, o último sistema dinástico na História da China. No início desta Dinastia Qing, deu-se uma série de reformas para restaurar uma maior extensão das forças produtivas sociais. A Dinastia Qing unificou todo o país (Fig.18), incluindo Taiwan, encorajando uma vez mais, como no passado, a reclamação de terras abandonadas, bem como a conservação de àgua, desta forma aumentando a estabilidade social. Em 1578, durante o reinado de Shen Zhong dos Ming, a população chinesa era de cerca de sessenta milhões de habitantes, mais ou menos. 315 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994, p.245 316 Idem, ibidem

Fig.18 – A dinastia 清 Qing (adapt. Cotterell, 1999)

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Durante a Dinastia Qing, diversas acções foram tomadas no sentido de preservar as ideias antigas contra novas ideias que iam surgindo. Tal época tornou-se bastante conservadora, inclusivamente à entrada de conhecimentos vindos do Ocidente, ou seja, exteriores ao próprio mundo chinês. Porém, estas acções, tornaram-se muitas vezes extremistas, não deixando, ou pelo menos dificultando o desenvolvimento de novas formas de pensamento, dificultando o desenvolvimento da própria Medicina Tradicional Chinesa. Paralelamente, nos mesmos tempos alguns pensadores materialistas apareceram durante o período Ming e Qing, como 李絷 Li Zhi (1527-1602) em finais do período Ming e 黄宗羲 Huang Zhongyi (1610-1695), bem como Gu Yanwu (1613-1682) e 王夫之 Wang Fuzhi (1619-1692) nos inícios da Dinastia Qing. As suas ideias eram bastante ligadas, ou pelo menos davam muita importância à realidade objectiva, à prática experimental e aos princípios de estudo das proposições de aplicação dos diversos métodos. Eles não só ajudaram o desenvolvimento da ciência e da cultura nesses tempos, mas também influenciaram consideravelmente o desenvolvimento da Medicina Tradicional Chinesa.

Farmacologia Tradicional Chinesa Não obstante muitos livros de matéria médica chinesa e aqui, matéria médica, corresponde a livros sobre fitoterapia, que tivessem sido escritos antes dos Ming, havia muita repetição e muita omissão e muitas referências eram incorrectas e ilógicas. Desde o tempo dos Song e dos Yuan, muitas novas drogas e ervas tinham sido descobertas,ou tinham vindo de fora nos contactos havidos com o exterior, como vimos. Naturalmente, elas precisavam de ser classificadas e integradas como elementos de fitoterapia. 李时珍 Li Shizhen, também conhecido por 濒湖 Binhu iniciou esse tipo de trabalho com tenacidade, entrando nas profundezas da realidade e com grande sucesso. Na sua obra inclui-se 濒湖脉学 Binhu Mai Xue (Estudo detalhado dos pulsos de Binhu), cuja mestria o levou a, frequentemente, “servir de referência para esclarecimento de dúvidas, [nomeadamente], em relação aos pulsos patológicos” 317, bem como

奇经八脉考 Qi Jing Ba Mai Kao (Estudo acerca dos oito meridianos curiosos) 318. Porém, pelo seu volume e conteúdo botânico, 本草纲目 Ben Cao Gang Mu (Compêndio de Matéria Médica), talvez seja considerada como uma grande súmula de farmacologia tradicional chinesa e uma das maiores obras de arte, na história da Medicina Tradicional Chinesa, bem como da farmacologia.

317 Choy, Pedro – Método diagnóstico . Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2002, p.6 318 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.321

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Este médico, Li Shizhen viveu entre 1518 e 1593. A dado momento da sua vida, durante cerca de dez anos, actuou com uma profunda tenacidade, lendo medicina, história, filosofia e interpretando criticamente os textos antigos, nomeadamente tendo muita atenção a nomes, propriedades, eficácia, fontes e preparação de ervas medicinais. Ao longo das suas viagens por toda a China, foi fazendo uma colecção de vários exemplares de plantas, animais e minerais ligados portanto, à fitoterapia. Nas suas experiências, incluia-se a si próprio, administrando-se diversos tipos de ervas para saber quais eram os resultados da sua acção no corpo humano. Sempre que havia dúvidas, relativo a cereais, vegetais e frutas ele ia junto dos lavradores e dos camponeses esclarecê-las, para poder responder às suas dúvidas. Se as houvesse relativamente a animais marinhos, ele ia perguntar aos pescadores e assim por diante. Deste modo, junto das pessoas que mais conheciam os assuntos a que se estava a dedicar em cada momento, foi coligindo todo um conjunto de respostas e de esclarecimentos, face a cada uma das diversas temáticas. Fez muitas experiências farmacológicas e muitas vezes praticou-as em animais incluindo anatomia animal e anatomia comparada. A obra Ben Cao Gang Mu é o resultado de toda uma vida de investigação e foi terminada em 1578, quando ele se encontrava com sessenta anos de idade. A obra consiste em 52 volumes incluindo seis partes em sessenta categorias. Nela podemos verificar, que o número de plantas medicinais chinesas atinge, no seu tempo, 1892 espécies, das quais, cerca de 374 são completamente novas. Podemos pois afirmar, que a obra Ben Cao Gang Mu (Compêndio de Fitoterapia) contém portanto, como foi referido, 1892 tipos de elementos farmacêuticos, das quais 374 são novas, incluindo-se uma colecção enorme e uma classificação de medicamentos, que pode ser considerada única na história da farmacologia tradicional chinesa. A sua obra inclui mais de 1160 ilustrações (Fig.19) e contém onze mil prescrições, das quais 8160 foram criadas por ele próprio. Na sua obra, ele não só desenvolve a organização de investigadores anteriores a ele, como também acrescenta todo um conjunto de experiências,que existiram ao longo de toda a feitura do próprio livro. A sua obra inclui ainda elementos farmacológicos de zonas nacionalistas de pequenas regiões na China, como também de elementos do estrangeiro. Para cada nome de erva, há items com a explicação dos nomes, a discussão

Fig.19 – Quadro de uma página de 本草纲目 Ben Cao Gang Mu (Compêndio de Matéria Médica) escrito por Li Shizhen (1518-1593) (adapt. Gernet, 1999)

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dos comentários, preparação, propriedades, indicações, experiências e prescrições e novas descobertas que ele sumariza mesmo a nível da posologia. O princípio de classificação das ervas medicinais, com o arranjo do inferior para superior, do mais barato para o mais caro, por exemplo, do inorgânico a orgânico de baixo nível para alto nível, Basicamente está de acordo com a teoria da evolução, ou seja, estamos perante um método de classificação mais avançado para o tempo. Nas dezasseis partesdo seu livro, ele organiza todo o material na seguinte ordem: água, fogo, solo, metal e pedra, erva, cereal, vegetal, fruta, madeira, insecto, escama, concha, animal e humano. Será interessante fazer referência, que Darwin usou os dados da obra Ben Cao Gang Mu no seu trabalho, mostrando que Li Shizhen deu uma grande contribuição para a teoria da evolução. A obra ainda corrigiu um número bastante grande de erros, que se encompravam em livros anteriores. Muitas vezes, duas ervas bastante parecidas confundiam-se e era fácil haver erros, ou a mesma erva tinha vários nomes, sendo considerado como coisas distintas. Li Shizhen corrigiu estes erros com um exame muito cuidado e uma identificação muito acutilante. Ele também fez criticas às conclusões não científicas e aos métodos utilizados anteriormente. A sua obra faz também referências a alguma magia, que eram consideradas terem certas e determinadas substâncias, nomeadamente o mercúrio, que poderia tornar as pessoas imortais ou certas substâncias que eram consideradas como não venenosas, o autor vai sistematicamente corrigir todo este tipo de erros. Na sua feitura, Li Shizhen consultou mais de 800 livros, onde se podem incluir livros de medicina tradicional chinesa, de farmacologia tradicional chinesa, clássicos de literatura confucionista, livros de história, filosofia ou literatura. Uma vez que a China é um país multinacional, a obra Ben Cao Gang Mu inclui um conjunto de material precioso das minorias nacionalistas, tais como as terapias peculiares dos Mongóis de Qidan 319, ou ainda das tribos de Tobo do Tibete. Esta obra irá influenciar, após a sua introdução, o Japão, Coreia e países europeus, entre outros. A obra Ben Cao Gang Mu, foi posteriormente acrescentada por um período bastante alargado, nomeadamente em publicações que vão desde 1578 a 1887. Entre as mesmas, podemos referir a obra 本草纲目拾遗 Ben Cao Gang Mu Shi Yi, ou seja, (Uma Adenda ao Compêndio de Fitoterapia), elaborada entre 1765 e 1802 por 赵学敏 Zhao Xuemin 320. Esta obra, foi uma contribuição bastante grande à obra anterior, nomeadamente constitui uma súmula da farmacologia chinesa antes de 1802, onde se incluíam 921 ervas medicinais, das quais 716 não estavam descritas na obra Ben Cao Gang Mu. A súmula advoga a observação do desenvolvimento das coisas vivas com a compreensão da sua evolução, ou seja por exemplo, afirma-se nesta obra, que a

319 Povo do grupo mongol da Manchúria que, no séc. X fundou o Império dos Liao (946-1125) YanJing - Ideograma [463] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p. 84 320 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.689

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chamada Herba Dendrobii, conhecida em chinês por 石斛 Shi Hu 321, “que crescia nas montanhas, hoje tem uma forma pequena e um sabor doce” 322. As características novas, são devidas a modificações de lugares e de tempo. A obra inclui medicina estrangeira e novas ervas medicinais, tais como o 胖大海 Pang Da Hai (Semen Sterculiae Scaphigerae) 323 indicado para problemas de garganta, ou ainda 鸦胆子 Ya Dan Zi (Fructus Bruceae) 324, indicado para a desinteria e finalmente 鸡血藤 Ji Xue Teng (Caulis Spatholobi) 325, indicado para a produção de sangue e para promover a circulação sanguínea, diminuindo a rigidez dos músculos e activa os colaterais . Estes exemplos entre muitos outros, que estão incluídos na sua obra, são ervas específicas que são originárias de países estrangeiros ou de origem popular.

Desenvolvimento Sem Precedentes e Popularização das Fórmulas de Farmacologia da Medicina Tradicional Chinesa

A farmacologia em Medicina Tradicional Chinesa durante as Dinastias Ming e Qing continuaram a desenvolver-se, o que pode ser comprovado por estudos das ciências naturais, leis, métodos e ervas medicinais, bem como as discussões à volta delas, ou a produção de numerosos livros. O livro mais conhecido da Dinastia Ming foi 普济方 Pu Ji Fang (Prescrições para Curar Todas as Pessoas), compilado sob os auspícios do Príncipe Zhu Su, com a cooperação de professores como Teng Hong e Liu Chun. Pu Ji Fang é ainda hoje, a obra mais volumosa usada na China. Contém 168 volumes e foi completada em 1406. Esta obra inclui praticamente todos os conteúdos dos livros de medicina usados antes do século XV, bem como um conjunto bastante alargado de prescrições contemporâneas. No seu conjunto, a obra consiste em sete partes principais, nomeadamente: generalização, forma do corpo, diferentes doenças, doenças da pele, ginecologia, pediatria, acupunctura e moxibustão, as quais são todas classificadas em mais de 100 categorias diferentes, onde se incluem teorias e fórmulas para cada síndrome e os dados estão bastante coloridos. Durante a Dinastia Qing, especialistas em medicina, também levaram a cabo a generalização e a popularização dos conhecimentos das fórmulas medicinais. Um conjunto bastante alargado de formulários médicos, tais como, 医方考 Yi Fang Kao (Verificação de Fórmulas), 医方集解 Yi Fang Ji Jie (Colecção de Fórmulas Com

321 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 215 322 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, Beijing, 1999, p. 212 323 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 336 324 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 178 325 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 240

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Notas), 汤头歌决 Tang Tou Ge Jue (Receitas en Verso), tornaram-se conhecimento generalizado e tiveram uma grande influência em toda a China. A primeira obra, Ya Fang Kao (Verificação de Fórmulas) foi escrita por 吴昆 Wu Kun (1551-1629?), onde se inclui cerca de 700 fórmulas de médicos famosos ao longo dos tempos, nas quais são verificadas as suas composições, testemunhos, nomes, sucessos e falhas,etc.. Esta obra foi compilada em 1584. O se autor, grande admirador da obra Nei Jing, advogava o uso simultâneo de acupunctura e fitoterapia para tratamento de patologias; esta praxis influenciou o tratamento médico em anos posteriores 326. Yi Fang Ji Jie (Colecção de Fórmulas Com Notas) e Tang Tou Ge Jue (Receitas en Verso), foram escritas por 汪昂 Wang Ang 327(1682). A primeira contém cerca de 300 fórmulas às quais foram ainda acrescentadas outras na experiência do próprio autor. As prescrições foram registadas no livro e foram classificadas em 21 categorias diferentes de acordo com tonificação, ou alimentação, aliviar o Sindrome Exterior através da diaforése, indução de vómito, atacando o Interior, o Exterior,etc.. O formato de cada fórmula, indica primeiro as suas indicações, em seguida a sua composição e só então, a posologia e variantes. Durante este período, temos que fazer referência a que as epidemias eram uma constante ao longo dos tempos. Este facto verificou-se desde a Dinastia Han, onde de facto, várias febres epidémicas e doenças, constantemente varreram a China, tendo-se tornado um dos grandes objectivos dos médicos chineses, combatê-las. Eram divididas em dois tipos: as infecciosas e as não infecciosas. Alguns médicos, consideravam que os tratamentos antigos não eram suficientes para combater este tipo de doenças. Antes das dinastias Song e Jin, as terapias para combater as doenças febris epidémicas baseavam-se nas descritas na obra 伤寒论 Shang Han Lun (tratado das doenças febris), de 张仲景 Zhang Zhongjing (cerca de 150-219). A convicção de que a terapêutica desta obra não seria suficiente para novas epidemias levaram 刘完素 Liu Wansu (cerca de 1120-1200) à administração de substâncias frias ou frescas, um dos quatro grandes médicos das Dinastias Jin e Yuan, que já foi abordado, e deram um importante incremento no combate às doenças febris epidémicas. Durante as Dinastias Ming e Qing, também as doenças infecciosas, por diversas vezes, varreram a China, causando graves perturbações. De acordo com estatisticas incompletas, estas epidemias ocorreram 64 vezes em cerca de 276 anos durante a Dinastia Ming e 74 vezes durante os 266 da Dinastia Qing. O número de pessoas que morreram de doenças febris epidémicas é difícil de estimar e, na luta contra estas doenças febris epidémicas, a ciência desenvolveu bastante, tanto teórica, como praticamente, para o seu combate, levando a que esta temática se fosse tornando progressivamente um sistema actuante independente, em relação ao resto da medicima tradicional chinesa.

326 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.494 327 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.546

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Durante as Dinastias Ming e Qing, as especialidades clínicas desenvolveram-se mais rapidamente, nomeadamente as especialidades de cirurgia, pediatria , obstetrícia e ginecologia, dermatologia e os órgãos dos cinco sentidos.

Especialidade de medicina interna Durante este período, a especialidade de medicina interna, desenvolveu-se em dois aspectos principais: o primeiro desenvolveu-se o aspecto educacional das escolas médicas dos períodos Jin e Yuan, por outro lado, famosos médicos e trabalhos médicos acerca de diagnóstico e tratamento foram sistematicamente aumentados no que diz respeito aos Síndromes Internos. Os estudos acerca de medicina interna, ocuparam-se em várias discussões relativas à importância dos três aquecedores, bem como da teoria da purificação-aquecimento. insuficiências do “Rim-Yin” e “Rim-Yang” do corpo humano. Aceitando inicialmente a teoria de 朱震亨 Zhu Zhenheng (1281-1358), e opondo-se-lhe a partir de determinado momento, o famoso médico 张介宾 Zhang Jiebin (cerca de 1563-1640)328 advogava que se deveria alimentar tanto o yin como o yang, fazendo apelo a técnicas de acção refrescante ou purgativas, bem como ao uso simultâneo de técnicas de tonificação do yang. Foi autor de fórmulas de fitoterapia tais como a Zuo Gui Wan , cuja acção é alimentar o Yin dos rins e tonificar o Qi e o Jing dos rins e alimenta as medulas329 e a fórmula 右 You Gui Wan, que tonifica e aquece o Yang dos rins, alimenta o sangue e tonifica o Jing 330. Ainda dentro da medicina interna, o médico 赵献 Zhao Xianke 331 salientou o tipo de tratamento que se consegue através do aquecimento e tonificação do ponto 命门 Mingmen. Este médico pensava que o Mingmen era essencial ao funcionamento fisiológico normal e que o fogo do Mingmen era a fonte activa das funções do organismo. Para isso ele utilizava duas fórmulas, nomeadamente a 六味丸 Liu Wei Wan 332, bastante semelhante à nossa F5, que alimenta o Yin dos rins e secundariamente o fígado, bem como a fórmula 八味丸 Ba Wei Wan, que alimenta o Yin e o sangue, consolida o Qi e restringe a transpiração.

328 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.553 329 Marié, Eric – Grand Formulaire de Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 724 330 Marié, Eric – Grand Formulaire de Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 715 331 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.689 332 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.549

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Cirurgia e traumatologia Houve três características principais no desenvolvimento tanto da cirurgia, como da traumatologia, durante os períodos Ming e Qing:

1. o aparecimento de conhecimentos teóricos dos Síndromes cirúrgicos e

traumatológicos; 2. a invenção de instrumentos e operações cirúrgicas; 3. o incremento sem precedentes dos trabalhos de cirurgia e traumatologia.

Acerca dos trabalhos de cirurgia e traumatologia estes dois periodos são bastante ricos em diversas obras. Num dos trabalhos, podemos salientar o escrito por 汪机 Wang Ji (1463-1539)333, cuja obra se chama 外科理例 Wai Ke Li Li (teoria e casos registados na medicina externa), no qual o autor refere que as causas das doenças internas devem dizer respeito ao interior, contudo no que diz respeito às doenças externas, deve conhecer-se o interior também. Uma outra obra, escrita por 王肯堂 Wang Kentang (1553-1613)334 em 1608, um livro chamado 证治准绳 Zheng Zhi Zhun Sheng (Normas para diagnóstico e tratamento), trata bastante profundamente os diagnósticos e tratamentos de doenças externas, salientando a importância do conhecimento do esqueleto que os ortopedistas devem ter e, ainda, registos de muitos métodos de operações cirúrgicas. Nesta obra, também se trata já de cirurgias plásticas, causadas por golpes e injúrias produzidos no corpo humano. Relativamente às escolas de cirurgia, podemos afirmar terem existido três escolas. Durante a Dinastia Qing a atmosfera de aprendizagem foi bastante activa. Os professores e os seus métodos eram diversos, formando-se uma dita “escola ortodoxa” e uma “escola sobrevivência” para além de uma “escola de estudo”, cada uma tendo à sua frente médicos cirurgiões bastante importantes.

Obstetricia e ginecologia No periodo Ming e Qing, a obstetricia e a ginecologia, foram melhoradas através da acumulação de conhecimentos e de diagnósticos e tratamentos nesta área. Mais de cem trabalhos foram produzidos.

333 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.546 334 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.113

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Pediatria Na área da pediatria, o período Ming e Qing teve também novos conhecimentos e desenvolveu diversas experiências, mantendo-se porém a ideia de que as doenças infantis devem ser tratadas com fórmulas suaves, que possam tratar a saúde das crianças, reforçá-la ou reduzi-la, mas nunca purgá-la. Na linha em que se deve reforçar, tonificar e ao mesmo tempo dispersar de uma forma combinatória sem que haja uma tendência apenas para uma delas, ou seja, um tratamento deve ser equilibrado. Também o conhecimento de convulsões infantis agudas e crónicas e discussões acerca dos sinais que reconhecem as convulsões infantis, tais como a afasia e a paralisia, deram uma nova luz à pediatria para gerações posteriores. Também no tratamento pediátrico, foi dada relevância à regulação do baço e do estômago, bem como o controlo da dieta, como métodos mais apropriados para tratar os problemas pedátricos. A obra pediátrica mais famosa do periodo Qing foi 幼幼集成 You You Ji Cheng (um trabalho completo em pediatria), escrito por 陈复正 Chen Fuzheng 335. A obra contém todo o material pediátrico dos seus predecessores e combina-o com 40 anos da sua própria experiência, tendo sido terminado em 1750. Esta obra refere a dificuldade da toma do pulso na observação de crianças, pelo que em alternativa considera ser preferível palpação da vénula do dedo indicador para o diagnóstico de doenças pediátricas, acrescida de análise do seu 神 Shén, no entanto sem que se exagere na sua análise. O autor ilustra esta utilização da vénula superficial, referindo que o exterior e o interior devem ser distinguidos pela flutuação e pelo batimento da mesma vénula. O frio e o calor devem ser identificados pelo vermelho vivo ou pelo vermelho escuro. A Deficiência e o Excesso podem ser determinados pela estase de sangue. A obra refere ainda, que uma vez que os órgãos Zangfu infantis não estão ainda completamente formados é preferível utilizar-se às drogas internas, a utilização de terapias externas para crianças, tais como massagem, compressas quentes medicinais, ventosas medicinais, agulhas ou supositórios de mel.

Especialidade de oftalmologia, estomatologia e dentista e laringologia

Na especialidade de oftalmologia, 银海精微 Yin Hai Jing Wei (Urdida e Trama do Mar Prateado), escrito por um médico desconhecido, que usou o nome de 孙思邈 Sun Simiao, foi publicado durante a Dinastia Ming. O livro trata de todos os Síndromes de

335 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.560

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oftalmologia em pormenor com desenhos e prescrições em verso para uso mais facilitado. Ainda podemos encontrar o livro 审视瑶函 Shen Shi Yao Han (Um Manual Valioso de Oftalmologia), escrito por Fu Renyu dos finais da Dinastia Ming e publicado em 1644, inclui 108 desordens dos olhos com vários tratamentos e mais de 300 prescrições, inclui-se também nele desenhos e dados completos. Há conhecimento da obra Yan Ke Da Quan (Um Manual Completo de Oftalmologia). O livro discute os registos médicos de oftalmologia e a teoria das cinco aberturas e das oito regiões do branco dos olhos e a relação dos olhos com os meridianos Zangfu e colaterais. O livro introduz acupunctura usada em oftalmologia. Na área da estomatologia, dos dentistas e da laringologia, podemos encontrar a obra, 口齿类要 Kou Chi Lei Yao (Classificação Essencial para o Tratamento das Desordens da Boca e dos Dentes), escrito por 薛己 Xue Ji (1486-1558)336 em 1528, onde se discute de uma forma compreensiva os diagnósticos e tratamentos das doenças da cavidade bucal e da laringe. O seu autor, porém, era grande especialista em dermatologia.

Acupunctura

Podemos dizer que durante a Dinastia Ming, a acupunctura continuou a desenvolver-se. Tanto nos séculos XV como XVI, continuaram a criar-se figuras de acupunctura em bronze com o objectivo de normalizar a localização dos diversos pontos. No século XVI pode referir-se Gao Wu como um dos acupunctores que se dedicou a esta prática. Durante a Dinastia Ming surgiram muitos estudos em acupunctura, entre os quais podemos referir a obra 针灸大成 Zhen Jiu Da Cheng (Compêndio de Acupunctura e Moxibustão), escrito por Xu Feng em 1439, fala principalmente acerca das teorias dos pontos de acupunctura e moxibustão introduzindo o fluxo e refluxo, meio-dia / meia-noite em moxibustão e acupunctura. O livro faz uma compilação de dados sobre todas as escolas e as suas ilustrações. A obra 针灸问对 Zhen Jiu Wen Dui (Perguntas e Respostas acerca de Acupunctura e Moxibustão) escrito por 汪机 Wang Ji, em 1530, descreve as teorias básicas em acupuncturologia na forma de perguntas e respostas principalmente de acordo com o Nei Jing (Clássico de Medicina Interna). Além disso, introduz métodos de acupunctura e moxibustão, meridianos, colaterais, pontos, etc. O livro apresenta várias teorias de acupunctura e moxibustão depois das Dinastias Jin e Yuan. O médico Gao Wu chamava-se a si próprio Meihu. O seu trabalho em acupunctura e moxibustão que pode ser classificado de duas formas, um primeiro trabalho, 针灸聚英 Zhen Jiu Ju Ying (Um Livro Sintético de Acupunctura e Moxibustão), era dedicado principalmente para principiantes. Referia as discussões importantes acerca de

336 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.1082

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acupunctura e moxibustão tirados do Nei Jing, do Nan Jing e de outros. A segunda obra homónima, representava uma compilação do trabalho em 1592 e consta de uma colecção de teorias e de casos em tratamento para cima de dez tipos de clássicos de acupunctura e moxibustão antes do início do século XVI. Incluindo ainda os conhecimentos adquiridos por Gao Wu onde se critica a fé cega na parte teórica sem a confirmação prática. Relativamente a Yang Jizhou (1522-1620), chamava-se a si próprio Jishi, a sua obra 针灸大成 Zhen Jiu Da Cheng (Compêndio de Acupunctura e Moxibustão) é consequência de clássicos anteriores ao século XVI em acupuntura, combinado com as suas próprias experiências, tendo sido publicado em 1601. O livro inclui meridianos e colaterais, pontos de acupunctura, formas de manipulação em acupunctura e moxibustão, indicações diversas, etc., bem como introduz estudos de casos de tratamentos complexos com acupunctura, moxibustão e medicina e pode verdadeiramente ser chamado o grande compêndio de acupunctura durante a Dinastia Ming. Alguns livros, de acupuntura e moxibustão que se referem e serviram de base à elaboração deste livro perderam-se, tendo-se tornado esta obra um livro base para estudos em acupunctura. Este livro foi traduzido para várias línguas e especialmente em francês, alemão, inglês, japonês e outras. É interessante referir que durante a Dinastia Qing, o desenvolvimento dos estudos de acupunctura foi restringido. Em meados da Dinastia Qing, foi estabelecido em 1822 um decreto em que o departamento de acupunctura e moxibustão no Hospital Imperial devia fechar para sempre. Contudo, uma vez que a acupunctura tinha tantas vantagens, ela continuou a ser usada pela população.

Terapia Popular

Na antiga China havia médicos do povo que andavam pelas ruas a badalar sinos, indo a todos os cantos da cidade e até às zonas mais remotas para tratar pacientes, eram conhecidos por os “médicos do sino” ou curandeiros. Frequentemente estes médicos usavam ervas medicinais que eram facilmente obtidas e tinham uma experiência bastante grande nos seus efeitos curativos. Contudo, eles situavam-se numa posição social inferior e não eram aceites pelos médicos ortodoxos, que os descriminavam e os atacavam nos seus tipos de tratamento como mezinhas vulgares, pelo que consideravam que estes médicos não tinham grande importância. Em meados da Dinastia Qing, o famoso médico 赵学敏 Zhao Xuemin (1719-1805), profundamente sensibilizado pelo carácter do conhecimento médico popular, admirou e achou que as terapias dos “médicos do sino”, era barata, conveniente e eficaz e achava uma pena que se perdesse. Com a ajuda do médico popular Zhao Baoyun, Zhao Xuemin fez uma colectânea dos conhecimentos populares e das mezinhas populares, bem como das experiências médicas analisadas em conjunto pelos dois, tendo compilado a obra 串雅 Chuan Ya (Tratamentos por Medicina Popular), em 1758.

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O livro está dividido em secções interna e externa coligindo para cima de 400 receitas populares. As palavras usadas são concisas e as experiências médicas introduzidas no livro incluem medicina clinica e de emergência, bem como exterminação de mosquitos, moscas, etc.; os métodos de tratamento incluém, para além da administração oral, os tratamentos externos, tais como manipulação de agulhas, moxibustão, compressas, aplicações, fumigação, vaporização e compressão. Muitas receitas consistem numa ou duas ervas, por exemplo o pó de 五倍子 Wubeizi (Galla Chinensis - noz de galha) 337, aplicada no umbigo para tratar o suor nocturno, o pó de 吴茱萸 Wuzhuyu (frutus evodiæ) 338 misturado com vinagre era aplicado no 涌泉 Yongquan - 1Rn para tratar as inflamações de garganta, o pó de enxofre 硫黄 Liu Huang (Sulphur) 339 e a semente de algodão eram queimadas de forma que o fumo fazia fugir os percevejos, todos eles bastante eficazes. No perfácio, Zhao Xuemin eleva a perícia utilizada pelos “médicos dos sinos”, como por exemplo a técnica “ding chuan” ; a perícia ding, era uma terapia na qual as ervas eram usadas para induzir o vómito e a apelidada técnica Chuan, era principalmente uma técnica em que se davam ervas para induzir a purgação. Zhao dizia que por muito pouco que fosse feito por estes médicos, elas eram de uma eficácia considerável. Também não interessava se as ervas eram baratas ou não, o que era importante é desde que fossem eficazes elas produziam uma boa medicina. As ervas usadas pelos “médicos do sino” eram baratas, efectivas e facilmente obtidas, pelo qual era também fácil para eles estudarem-nas e saberem aplicá-las.

Investigação Efectuada sobre os Clássicos Médicos e Compilação de Diversos Trabalhos Médicos

Durante as dinastias Ming e Qing, houve bastantes trabalhos de investigação que passaram a estar em voga, nomeadamente acerca de trabalhos antigos, tais como o trabalho do Nei Jing, (Clássico da Medicina Interna) do Imperador Amarelo. Durante a Dinastia Ming, houve um famoso médico, 马莳 Ma Shi 340, que investigou e reordenou a obra Nei Jing do Imperador Amarelo elaborando as obras 黄帝内经素问法微 Huang Di Nei Jing Su Wen Fa Wei (Elaboração das Principais Questões do Clássico do Imperador Amarelo de Medicina Interna) e 黄帝内经灵枢法微 Huang Di Nei Jing Lin Shu Fa Wei (Uma Elaboração Acerca da

337 Zhixian, Long (Ed.) – The Chinese Materia Medica. Beijing University of Traditional Chinese Medicine, Academy Press, 1998, p.327 338 Zhixian, Long (Ed.) – The Chinese Materia Medica. Beijing University of Traditional Chinese Medicine, Academy Press, 1998, p.142 339 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.548 340 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.89

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“Charneira Milagrosa do Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo”), nelas encontrando-se bastantes anotações. Outro investigador foi 张介宾 Zhang Jiebin (1563-1640)341, que acerca da mesma obra Nei Jing compilou a obra 类经 Lei Jing (Clássico Classificado) em 1624. Para além de suplementos acerca do mesmo, nomeadamente 类经图翼 Lei Jing Tu Yi e 类经附翼 Lei Jing Fu Yi. Estas obras efectuadas acerca do Nei Jing por Ma Chi e Zhang Jiebin foram também reestudadas por 李中梓 Li Zhongzi (1588-1655)342, que compilou a obra 内经知要 Nei Jing Zhi Yao (Essencial do Clássico de Medicina Interna) em 1642, a sua intenção era de fazer uma obra dirigida a principiantes ou iniciadores da Medicina Tradicional Chinesa. Não só o Nei Jing serviu de base para estudos neste período, também a obra 伤寒论 Shang Han Lun (tratado das doenças febris) e a obra 金匦要略 Jin Gui Yao Lue (Sinopse da Câmara Dourada), foram objecto de estudos, de investigações. Além destes clássicos, foram também feitas compilações de trabalhos médicos e referências a diversos livros, cujo material foi obtido por várias fontes e estruturado de diversas maneiras, também durante este período dos Ming e dos Qing. Uma das primeiras obras é 古今医统大全 Gu Jin Yi Tong Da Quan (Enciclopédia de Trabalhos Médicos Antigos e Modernos), foi escrito por 徐春甫 Xu Chunfu em 1556343; este autor chamava-se a si próprio Ru Yuan, era um médico famoso no tempo dos Ming. Esta obra teve cerca de 390 fontes entre clássicos confucianos, história, filosofia, literatura, antes de meados dos Ming. Tem as bases teóricas da Medicina Tradicional Chinesa, incluindo biografias de médicos através dos tempos, das diferentes escolas, os métodos de tomada do pulso, doutrina dos cinco elementos e dos seis factores naturais, meridianos, colaterais, acupunctura e moxibustão, fitoterapia, preservação da saúde, diagnóstico e tratamento na prática clínica de diferentes departamentos e casos médicos. Outra obra, Jing Yue Quan Shu (Os Trabalhos Completos de Zhang Jingyue) foi compilado por 张介宾 Zhang Jiebin 344, já referido, em 1624, que se chamava a si próprio Jingyue. Esta obra inclui bases teóricas da Medicina Tradicional Chinesa, diagnóstico e tratamentos, fitoterapia, onde se inclui simples e fórmulas, etc.. A obra, 古今图书集成 Gu Jin Tu Shu Ji Cheng (Resumo dos Trabalhos Classificados dos Livros Médicos Antigos e Modernos) é uma parte da obra 古今医统大全 Gu Jin Tu Shu Da Quan (Enciclopédia dos Trabalhos Médicos dos Tempos Antigos e Modernos) compilado por Chen Menglei e outros no tempo dos Qing, tendo sido publicado no tempo do Imperador Yongzheng em 1726. A obra contém material dos 341 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.553 342 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.320 343 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.799 344 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.553

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trabalhos médicos através dos tempos e é o maior livro de referência médica da China. A obra contém uma selecção, cujo conteúdo abarca desde os tempos da obra Huang di Nei Jing (Clássico da Medicina Interna do Imperador Amarelo) até ao início dos Qing e está organizado por várias temáticas. Esta obra contém notas de clássicos médicos, diagnóstico, tratamento, teoria de base teórica das doenças nos diversos departamentos, nas diversas áreas, bem como técnicas médicas, registos e eventos, bem como biografias de médicos famosos. A teoria, os métodos, as fórmulas, os elementos simples estão completamente incluídos. A obra, 古今医统正脉全书 Gu Jin Yi Tong Zheng Mai Quan Shu (Compêndio de Trabalhos Médicos dos Livros Médicos Antigos e Modernos) é uma série de livros médicos compilados por 王肯堂 Wang Kentang345, em 1601, digamos que é uma condensação de 44 obras anteriores. 医宗金鉴 Yi Zong Jin Jian (O Espelho Dourado da Tradição Médica) é um trabalho médico volumoso, compilado durante o tempo dos Qing, é organizado por vários médicos sob a orientação de 吴谦 Wu Qian 346. Esta última obra tem como vantagens a ordenação clara, uma escrita concisa, ilustrações precisas e uma descrição de compreensão fácil e tornou-se um livro fundamental na prática clínica e por essa razão passou a ser considerado um livro dos tempos modernos. Durante todo este período dos Ming e dos Qing, houve bastante permuta, tendo aumentado os contactos entre a China e os países estrangeiros, entre os quais podemos referir o Japão, a Coreia e mesmo os países europeus. Os dois primeiros países referidos, Japão e Coreia tiveram alguns elementos, que ao longo dos tempos se transferiam para a China e faziam o estudo da Medicina Tradicional Chinesa. Também várias obras, de muitas das que foram citadas foram copiadas e acrescentadas nestes dois países. No que diz respeito às trocas entre a China e os países europeus, podemos dizer que durante o período Ming e Qing, a Medicina Ocidental foi penetrando na China, nomeadamente na área da anatomia, fisiologia, farmacologia e terapias europeias, ao mesmo tempo que missionários médicos estudavam a Medicina Tradicional Chinesa. Aliás, “Quando os Portugueses chegaram à India, os Chineses já não frequentavam o seu litoral há mais de 60 anos; perdurava, contudo, na memória das populações costeiras, uma referência a navegantes de pele clara e aos seus navios grandes e poderosos. Foi junto dessas populações que os navegadores portugueses recolheram as primeiras informações acerca dos Chineses, referidos pela primeira vez, tanto quanto se sabe, pelo padre José de Cranganor, em 1501. Nos primeiros anos da sua presença no Indico, os Portugueses concentraram os seus esforços na consolidação de posições no mar arábico. Em 1508, porém, D. Manuel I alargou os seus interesses à Insulíndia, enviando uma frota a descobrir Malaca sob o comando de Diogo Lopes de Sequeira. 345 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.113 346 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House, 1996, p.495

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Esta expedição marca a entrada do Império Chinês no horizonte político da Coroa portuguesa. No regimento entregue ao capitão, o monarca pedia-lhe que se informasse sobre os «chins». Interessava ao rei saber qual era a religião desse povo, assim como o seu poderio, o seu comércio e o tipo de relações que mantinham com os Muçulmanos. Quando os navios de Diogo Lopes chegaram a Malaca, já em 1509, deu-se pela primeira vez um encontro entre portugueses e chineses. O facto de este primeiro contacto ter decorrido num porto dominado por Muçulmanos contribuiu, provavelmente, para que se estabelecessem relações amigáveis entre os homens do Extremo Ocidente e do Extremo Oriente. Foram mesmo os mercadores chinas que avisaram os recém-chegados de que o sultão Ihes estava a preparar uma cilada, permitindo, assim, a fuga dos homens de Diogo Lopes. País agrícola, praticamente auto-suficiente, o Celeste Império só se interessara pelo mar tardiamente” Os galeões portugueses abordam pela primeira vez as costas do Guangdong, nos anos entre 1514-1516. Os espanhóis chegam aos mares da Ásia oriental, em 1543 e os holandeses, cerca de 1600. Estes recém-chegados aos circuitos comerciais do extremo Oriente e à Ásia do Sudeste, apelidados de Folangji 347 e Hongmaoyi 348, poderão ter começado a exercer alguma influência europeia nas zonas marítimas da China do Sul e Sudeste, mas ela só começará a ter repercursões importantes após a entrada dos missionários jesuítas na China, cujos dados verão uma confirmação em finais do séc. XVI.349 […] “As primeiras informações que circularam em texto impresso sobre a China foram publicadas em 1555, num volume de cartas dos Jesuítas com o título «Informação de algumas cousas acerca dos costumes e leis do reino da China que um homem que lá esteve cativo seis anos contou em Malaca no colégio da Companhia»”.350 Em 1557 os primeiros missionários retornaram à Europa com diversos livros de MTC. “Em 1570 surgiu o primeiro livro sobre o Celeste Império, o «Tratado em Que Se Contam muito por Extenso as Cousas da China com Suas Particularidades, e Assi do Reyno de Ormuz». Nos livros dos séculos XVI e XVII, a China foi apresentada como um modelo de organização social. A sua administração hierarquizada e centralizada impressionou vivamente os seus primeiros visitantes. Deu mesmo azo à criação de uma utopia, como é o caso da descrição inserida na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto”.351 Durante as Dinastias Ming e Qing, alguns livros científicos Ocidentais foram introduzidos na China. A cultura europeia e o conhecimento científico iam sendo 347 Fólángjī (francos) – Durante a dinastia Ming, designa também os portugueses e os espanhóis. - Ideograma [1599] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p. 304 348 Hongmaoyi («bárbaros de pelos vermelhos» – holandeses) - Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 393 349 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 393 350 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994, pp. 243-249 351 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994, pp. 243-249

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introduzidos, principalmente pelos missionários dos quais podemos referir Matteo Ricci (1562-1610), que foi o mais antigo e mais famoso. Foi o primeiro a utilizar a medicina nas suas actividades na China. Viajou até Macau, em 1582, tendo, posteriormente vivido em Beijing por muitos anos, onde faleceu em 1610. Traduziu para chinês diversas obras médicas ocidentais. Uma delas, “Costumes dos países ocidentais”, trata da anatomia neural, tornando-se o primeiro trabalho em medicina e psicologia a ser introduzido na China. Depois dele, um número muito grande de missionários visitou a China, traduziram e publicaram livros numa grande variedade de assuntos, tais como astronomia, conservação da água e medicina. Em 1643, um missionário polaco, Michel Boym, viajou até à China. Aí seleccionou e traduziu algumas teorias de Medicina Tradicional Chinesa, o conhecimento do estudo dos pulsos e herbologia, que foram mais tarde publicados na Europa. O primeiro trabalho aparecido teve o nome “Flora Sinensis” , incluindo descrições de algumas plantas medicinais, foi publicado em lingua latina, na cidade de Viena, no ano 1656, profundamente baseado no 本草纲目 Ben Cao Gang Mu (Compêndio da Matéria Médica), compilado por Li Shizhen. É o primeiro livro, que introduziu a matéria médica chinesa na Europa. Depois disto, ainda traduziu trabalhos em diagnóstico pela língua, a preparação de farmacopeia chinesa, e esfigmologia tradicional chinesa, que foram publicados em França, Itália e Alemanha. Com base neste último trabalho de Boym, o médico inglés Sir John Floyer traduziu-o para inglês, incluindo o seu conteúdo no livro Formas de Sentir os Pulsos pelos Médicos, que foi publicado em 1707. Floyer escreve que as condições do pulso inspiraram-no em inventar o valor da pulsação como um método de diagnóstico.352 No século XVII, os países Ocidentais começaram a praticar acupunctura e moxibustão chinesa. Em 1676, havia dois livros sobre a prática da acupunctura e moxibustão publicados na Alemanha, um por B. W. Geilfusiius e o outro por H. Buschof. Estes, incluíam uma discussão sobre o tratamento da artrite com terapias em acupunctura no seu livro “Dissertatio de Arthride”, publicado pelo médico alemão William ten Rhyne, em Londres, em 1683, sendo os documentos mais antigos de registo de manipulação com agulhas chinesas. No mesmo ano, J. A. Gehema também publicou “Aplicação de Moxibustão Chinesa para Tratar Artralgia”, em Hamburgo, opinando que a moxibustão chinesa era a melhor, a mais isenta e o método mais confortável de tratar artralgias migratórias do tempo. S. Blankaart publicou “Discussões Especiais em Artralgias Migratórias”, em Amsterdão em 1684, também introduzindo o tratamento da artrite e com acupunctura e moxibustão. Após disto, a acupunctura e a moxibustão começou a ser praticada em Inglaterra, Paises Baixos, França, Alemanha, Russia, Itália, Espanha, Suécia e Bélgica. Os livros de medicina, tais como Ren Shen Tu Shuo (Explicação Gráfica do Corpo Humano), escrito por Diego Rho e outros, e 薹戏人身 概 Tai Xi Ren Shen Shuo Gai (Quadro resumo explicativo do Corpo humano) , escrito por Johann Terrentius e outros, são os livros mais antigos de fisiologia e anatomia, trazidos da Europa para a China.

352 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.97

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Enquanto as obras de fisiologia e anatomia, começavam a penetrar na China, a farmacologia Ocidental, também era aí introduzida, mas a sua influência na medicina chinesa não foi muito grande. Até ao imperador 乾隆 Qian long (1736-1796), a China vai mantendo uma abertura com o exterior, porém, com o imperador Jia qing (1796-1821), fecha-se sobre si própria. A sua economia era estagnante e atrasada e a sua força nacional tornou-se cada vez mais fraca. Entretanto a maior dos países Ocidentais tornavam-se cada vez mais prósperos e potentes. Até aquela data, o comércio pratica-se por intermédio do porto de Cantão, onde portugueses e ingleses trocam tecidos por de algodão e ópio por seda. Em 1839 o governo chinês proíbe a importação de ópio, e um carregamento de ópio indiano é lançado ao mar no porto de Cantão. Os ingleses enviam uma expedição como represália, que bombardeia Cantão, ocupa Xangai e Nanquim. A Inglaterra começou a chamada primeira“Guerra do Ópio” em 1840, que terminou em 1842 com a assinatura do “Tratado de Nanjing”, forçando o governo Qing a garantir concessões Britânicas, i.e., a cedência de Hong-Kong, a abertura de cinco portos da China Central entre Cantão e Xangai e uma tarifa alfandegária que limita a 5% os direitos de alfândega. Esta guerra foi como uma transformação, reduzindo a China de um sistema ditatorial feudal a um simples sistema semi-colonial, semi-feudal. De 1856 a 1860, a França e a Inglaterra juntas, , atendendo a que o governo chinês não cumpria o tratado de 1842, levantaram a segunda “Guerra do Ópio”, levando o governo Qing a assinar “O Tratado de Tianjin” e “O Tratado de Peking”. Mais tarde, em 1883-1885 aparece a Guerra Sino-Francesa e em 1894 a Sino-Japonesa. No que diz respeito à introdução e ao choque entre a cultura Ocidental e a Oriental, de facto as ciências naturais Ocidentais e a sua tecnologia, incluindo matemática, física, química, mineralogia, astronomia e medicina, vão-se seguindo uma após a outra e de facto a pouco e pouco, a medicina Oriental parecia como que esmagada por esta nova cultura, que a pouco e pouco foi entrando na China. Porém, alguns especialistas em Medicina Tradicional Chinesa, foram mantendo a chama desta cultura. Algumas escolas inclusivé, advogaram uma integração da medicina chinesa e da medicina Ocidental. Não obstante, a tentativa de integração das duas medicinas se ter verificado em várias escolas, a Medicina Tradicional Chinesa, no seu todo, não obstante ter declinado a sua importância durante os últimos cem anos, foi mantida a sua chama à custa de trabalhos de especialistas médicos, nomeadamente a nível de investigação, anotação, reprodução de clássicos médicos, tais como o Clássico da Medicina Interna, o Clássico das Dificuldades, o Tratado das Doenças Febris e o Clássico das Ervas de Shen Nong. Todos estes esforços importantes levaram à preservação e ao estudo do que existia há milénios. Podemos dizer que a Medicina Tradicional Chinesa foi continuando a enriquecer-se com o registo de trabalhos de médicos famosos, tais como Fei Boxiong com a sua experiência em medicina interna, tendo escrito o trabalho Yi Chun Sheng Yi (A

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Medicina Pura e Honesta Benificia Todos), publicado em 1863. O trabalho de Zhang Shanlei, Zhong Feng Jiao Quan (Uma Compilação e Anotação de Trabalhos em Apoplexia), publicado em 1917, uma monografia acerca da apoplexia. O Livro das Experiências em Prática Cirúrgica, publicado por Ma Peizhi em 1892, um cirurgião famoso e ainda a obra Li Lun Pian Wen (Um Discurso sobre Terapias Externas) de Wu Shangxian em 1864. A nível da matéria médica, podemos dizer que investigações em trabalhos antigos, tais como Shen Nong Ben Cao Jing , deram lugar a uma reedição por Gu Guanguang em 1884, reavivando esta matéria. É evidente que o resumo das experiências do uso de ervas, de novos conhecimentos, de nova acção terapêutica, de novos efeitos, foram enriquecidos por alguma influência entre a Medicina Tradicional Chinesa e a fitoterapia trazida do Ocidente. Também houve tentativas de adicionar à farmacologia da Medicina Tradicional Chinesa elementos de prescrições populares, algumas tidas como secretas e compiladas numa Nova Compilação de Prescrições Provadas em 1846, uma compilação de Bao Xiangao.

Fim do império Entretanto, os poderes Ocidentais juntam-se numa agressão sistemática contra a China. O sistema económico chinês não podia comparar-se ao sistema económico Ocidental. Assim, a pobreza existente na China comparada com a aparente riqueza Ocidental, foi dando lugar a movimentos anti-colonialistas e anti-feudais num crescendo de 1840 a 1919, começando com a primeira “Guerra do Ópio”, que se referiu, continuando com as reformas contitucionais e a modernização, em 1898, até que a 迓仙 Sun Yatsen 353 em 1911 pôs fim à corte Qing, fundando a Républica da China e declarando o fim da monarquia feudal que durou cerca de dois mil anos. Em momentos difíceis para a Medicina Tradicional Chinesa, a certa altura foram criadas escolas de Medicina Tradicional Chinesa, tal como o Instituto Shangai de Medicina Tradicional Chinesa, erigido por Ding Ganren e Xie Libeng em 1915, a Escola de Lan Xi de Medicina Tradicional Chinesa da Província de Zhejiang por Zhang Shanlei em 1920 e a Escola de Correspondência em Medicina Trasdicional Chinesa por Yun Tieqiao em 1925 em Shanghai, bem como o Colégio Médico Chinês de Medicina Tradicional Chinesa por Lu Yuanlei e outros em 1930, ainda a Escola de Correspondência de Medicina Tradicional Chinesa por Zhang Xichun em Tianjin e entre outros ainda o Colégio de Beijing da Medicina Tradicional Chinesa por Xiao Longyou. Digamos que estas escolas foram um esforço para salvaguardar o desenvolvimento da Medicina Tradicional Chinesa e da farmacologia chinesa, compilando, criando material pedagógico, organizando sociedades académicas, publicando periódicos e revistas. Em 1929, o governo interdita o uso oficial da MTC. Porém, a acupunctura e a moxibustão continuaram entre as massas populares.354 353 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 546 354 Précis d’acupuncture chinoise – Éditions Dangles, Académie de médicine traditionnelle chinoise, 1977, p. 18

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O seu uso mantém-se entre os soldados, durante as diversas convulsões intestinas desenvolvidas até 1949. A Medicina Tradicional Chinesa e a farmacologia tradicional chinesa são o sincretismo do saber do povo chinês contra as doenças ao longo de milhares de anos. A Républica Popular da China e o seu governo, a partir de certa altura deram bastante importância ao desenvolvimento desta medicina tradicional. Sob os auspícios da Revolução Cultural, um novo incremento é dado à MTC. A 7 de Agosto de 1950 dá-se a 1ª Conferência Nacional acerca da Saúde preconisa a “união des medicinas chinesa e ocidental” 355 A partir dos anos cinquenta, começaram a verificar-se comprovações científicas acerca da Medicina Tradicional Chinesa e das suas tentativas de explicação e/ou estatística. Estes estudos, praticamente apontaram para experiências clínicas de analgesia e de anestesia através da Medicina Tradicional Chinesa, nomeadamente da acupunctura e da moxibustão. O estudo da acupunctura progressivamente foi-se introduzindo em centenas de países e regiões. Tratar doenças anais e intestinais com medicina chinesa através de ervas é extremamente seguro e eficaz. O tratamento de fracturas com a combinação de medicina chinesa e medicina Ocidental, parece ser melhor do que tratá-lo apenas com uma ou com a outra sozinhas; o tempo da acção conjunta encurta bastante, a recuperação das funções é mais rápida e as complicações são muito menores. A investiganção na acção química e fisioquímica da fitoterapia chinesa continua a ser uma realidade. Noutras áreas, nomeadamente nos estudos da acção sobre o baço e o rim, os métodos científicos ocidentais vêm comprovando o que tem vindo a ser estudado por bastantes biólogos, entre eles Zhu ZongXiang, que confirmou inicialmente a existência de meridianos no corpo humano dando lume ao grande mistério escondido da Medicina Tradicional Chinesa. A utilização da medicina nuclear através de métodos cintigráficos356, ou o uso da mecânica quântica em instrumentos como o SQUID – Superconducting Quantum Interference Device357, com o fim de estudar o trajecto e fluxo do Qi nos meridianos, nada vêm acrescentar à eficiência do que a MTC realiza, num conhecimento que sem instrumentos tecnológicos o Mundo Chinês descobriu e utiliza há mais de 5000 anos. Os círculos médicos de vários países internacionais têm analisado e têm uma visão progressivamente diferente da que tinham da Medicina Tradicional Chinesa. A própria Organização Mundial de Saúde preocupou-se em aceitar e recomendar o uso da

355 Hoizey, Dominique – Histoire de la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, p. 267 356 Virgiliu, Dr. Bagu et al. – “Nuclear medicine and acupuncture: the study of points, circulation along the meridians and their relationship to the corresponding organs”in «First World Conference on Acupuncture-Moxibuston», World Federation of Acupuncture and Moxibustion Societies, Beijing. S/d 357 Oschman, James L. (PhD) – Energy Medicine – The scientific Basis. Churchill Livingstone, Edinburg, 2000, p.30

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Medicina Tradicional Chinesa em várias patologias358. A pouco e pouco, a Medicina Tradicional Chinesa tem tido um incremento de adeptos, especialmente aqueles que pretendem uma medicina mais próxima dos produtos naturais. Nos anos oitenta, trinta anos após o início da atenção das medicinas tradicionais por instituições especiais, ou determinadas pessoas foram a pouco e pouco desenvolvendo um sucesso ou uma comprovação do sucesso da Medicina Tradicional Chinesa. No início dos anos oitenta, foi criado outro instituto programa para as medicinas tradicionais, ao mesmo tempo os mistérios antigos da Medicina Tradicional Chinesa, bem como das suas ervas medicinais têm vindo a ser trazidas à luz pela ciência moderna e pela tecnologia, revigorando a própria Medicina Tradicional Chinesa também. A farmacologia, ou o sistema farmacológico chinês é, aparentemente, simples e prático, usando apenas elementos feitos de ervas naturais, minerais ou animais, sendo estes últimos progressivamente, pelo menos na sua introdução Ocidental, praticamente eliminados e substituídos por outros componentes. Doutra forma, há toda uma facção que vai opondo progressivamente, as medicinas biológicas e químicas devido à própria industrialização. Se dissermos que o século XXI é a era da biologia e da tecnologia biológica, estamos certos que a Medicina Tradicional Chinesa e as suas drogas estarão incluídas e trarão uma saúde a cada vez maior número de pessoas durante esta nova era.

358 Bannerman, R. H., (M.D.) – The World Health Organization Viewpoint on Acupuncture . World Health Organization, Switzerland. S/d

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