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Historia da provincia

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GELSON LUIZ MIKUSZKA

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FÉ E MISSÃOHISTÓRIA DA PROVÍNCIA REDENTORISTA

DE CAMPO GRANDE 1929-1989

1ª Edição

CuritibaRedentorista

2009

Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida sem a

permissão escrita do editor___________________________________________________________

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Mikuszka, Gelson Luiz

Fé e Missão: História da Província Redentorista de Campo Grande 1929-1989 / Gelson Luiz Mikuszka. — Curitiba, PR: Redentorista, 2009.

ISBN 978-85-909103-0-5

1. Congregações Cristãs 2. Redentoristas no Brasil 3. Missão redentorista

CDD – 255.640981______________________________________________

RedentoristaRua Ubaldino do Amaral - Alto da GlóriaCaixa Postal 20013 - CEP 80062-980Curitiba /PR

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Agradecimentos

Aos que de uma forma ou outra contribuíram com este livroPe. Joaquim Parron – Pe. Afonso Tremba – Pe. Sérgio Sviental – Pe. Armando Russo – Otávio Schimieguel

DepoimentosPe. Lourenço Kearns – Pe. Eugenio Sullivan – Pe. Egidio Gardner – Pe. Guilherme Tracy – Pe. João Hennessy – Edmundo Twomey – Pe. Ricardo Blissert

Introdução

É emocionante ver as imagens que mostram o momento em que o homem pisou pela primeira vez na lua. Neil Amstrong, comandante dessa maravilhosa façanha, definiu esse momento como

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um grande salto da humanidade. Vieram descobrimentos, novos costumes, a derrocada de partidos políticos e muitas transformações. Apareceram as revoluções armadas, tecnológicas, científicas, humanas e sociais. Nasceram os movimentos; vieram os Beatles e os Rolling Stones. Inventaram o toca-fitas, a TV e os primeiros computadores, que de tão imensos, pareciam grandes “monstros” tecnológicos. Estes evoluíram, reduziram seu tamanho e aumentaram a eficiência. Nasceu o CD e morreu o vinil. A medicina avançou e aprendeu a clonar. Fala-se em projeto genoma, cura da AIDS e avanços programados para um futuro próximo. Progredimos na tecnologia, podemos nos comunicar instantaneamente, mas ainda não demos o maior de todos os saltos: não conseguimos minimizar a saudade, preencher a solidão, acalmar a ansiedade, erradicar o preconceito, evitar catástrofes e mortes. Enfim, a humanidade continua carente e precisa de um grande salto em direção ao ser humano. Requisito básico para que isso aconteça é a fé. O problema é que poucos a entendem e sabem de sua força e poder no mundo. Outros se referem a ela dizendo ser uma coisa doentia, covarde, própria dos fracos e oprimidos, que não tendo outra coisa em que se agarrar a inventam para sobreviver, vivendo de ilusão e esperança em algo que não vai levar a absolutamente nada. Mas não entendem que a fé, a priori, não muda o mundo, mas muda as pessoas; e as pessoas mudam o mundo.

Examinando a história de nossos pioneiros, verificamos que em meio a tantos infortúnios, pela fé mostraram ser capazes de realizações que admiram e impulsionam o mundo. Graças à fé, tais “filhos de Santo Afonso”, vindo das longínquas terras norte-

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americanas, trouxeram esperança para os pobres, sofridos e abandonados. Andavam por regiões despovoadas, enfrentando as dificuldades e obstáculos da missão. Como verdadeiros heróis, entre cânticos e preces, se lançaram aos campos de pastoreio, plantaram, colheram e cuidaram das almas. Como desbravadores de corações, construíram uma nova realidade erguendo paróquias, escolas, comunidades, orientando homens e mulheres em direção ao céu. Mais do que enfermeiros de corpos, foram verdadeiros médicos de almas. Aprenderam na prática que a fé é chama aquecedora do espírito na busca de forças para superar mágoas, decepções, revoltas e até mesmo a morte.

Tempos que longe vão! Não havia televisão, nem muitos carros, nem muitas opções. O principal meio de transporte era o cavalo, trem e os pés que entravam na mata, encontravam pessoas, construíam comunidades e descobriam maravilhas. As notícias demoravam a chegar ao destino e, quando chegavam, não era mais novidade, já era passado. O padre era obrigado a usar a batina o tempo todo e, se não fossem alguns “rebeldes”, todos teriam de usar a chamada “tonsura”. No início, as missas eram celebradas em latim e quase sempre em capelas mal construídas e lugarejos distantes, sem conforto, sem luz elétrica, somente com a força da fé. Índios, peões, caboclos e gente humilde eram os ouvintes da Palavra de Deus.

Buscando ajudar as regiões que missionavam, construíram belas igrejas, bem equipadas escolas e as primeiras grandes construções. Implementaram a cultura, a educação, a religiosidade e a fé. Na memória dos anciãos e em cada trecho da região se

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faz presente a história, o registro daquilo que o missionário de preto com rosário e cruz na cintura se propôs a fazer.

Duas passagens de navio partindo dos Estados Unidos até o Brasil em 1929, alguns dólares, um monte de sonhos e muita vontade de trabalhar abriram toda essa possibilidade. Não foi fácil, era preciso ser um bom empreendedor, coisas precisavam ser construídas, um povo precisava ser atendido e evangelizado. Com o desabrochar das plantas pantaneiras, o canto dos pássaros nativos, o sol ardente e aquecedor, entre os caboclos e peões, entre a gente simples do interior do Mato Grosso e do Paraná, ora enfrentando cobras, ora passando rios, visitando fazendas, cabanas e tribos indígenas, assim nasceu a Província de Campo Grande. Simples, ousada, inserida, popular, adentrando nos lares mais distantes. Não foi somente o suor desses pioneiros, nem seu desejo, nem sua garra, nem sua inteligência ou talento, mas a fé que traziam e alimentavam no coração e nas comunidades. Mais do que um livro de história, este é um livro de fé. Esses homens souberam usar sua fé, demonstrando destemor para com o trabalho, mesmo diante das fraquezas, tribulações e limitações. Perseveraram na missão e traziam na consciência aquilo que ensina São Paulo no capítulo cinco da carta aos Romanos: “Nós nos gloriamos também nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a perseverança, a perseverança produz a fidelidade comprovada, e a fidelidade comprovada produz a esperança. E a esperança não engana, pois o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”.

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1Deus nos toma pela mão

Tu te lembras, Deus? Este que hoje pega na caneta para narrar esta crônica, era um pobre e humilde menino, calção de suspensório, olhar amedrontado e cheio de curiosidade. Era raquítico, pequeno e, quando pela primeira vez se deparou com aqueles missionários de fala esquisita, roupa preta, rosário e cruz na cintura, ganhou o apelido de Tuiuiú. Não sei por que o apelido, mas passou a fazer parte da minha vida e da minha história. O tuiuiú é uma ave comum em nossa região pantaneira; de tão comum tornou-se a ave-símbolo por aqui. Possui um voar suave e elegante e uma bela plumagem preta, vermelha e branca que demonstra a beleza da criação divina. Desconfio que o apelido fosse a maneira desses missionários demonstrarem carinho para comigo ou talvez porque foi a primeira ave daqui que lhes chamou a atenção. Não sei, mas, confesso que sempre sonhava em subir nas costas de um tuiuiú, voar pelas matas e campos pantaneiros, olhando do alto a exuberância da natureza, os animais e as plantas que embelezam nossas terras, o rio Aquidauana, rio Miranda e tantos outros que sempre me fascinaram. Como deve ser lindo, aprumado nas longas asas de um tuiuiú, ver do alto toda essa beleza. Seria a sensação de ser Deus, sobrevoando toda sua criação. Gosto de pensar que tal apelido me foi dado porque o missionário viu em mim esse sonho, esse desejo. Ou, quem sabe, foi Deus quem propriamente o inspirou.

O fato é que ainda menino eu sempre procurava Deus. Parece que nasci para O procurar. Minha vida era perguntar para as pessoas sobre Ele. Muitos riam de mim, faziam troça e me tratavam como débil mental. Devido a isso, aprendi a blasfemar. Afinal de contas, sou um ser

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humano. Ficava desesperado pela falta de resposta. Certa noite, no auge do meu desespero, Deus pegou minha mão e colocou-me frente a frente com a experiência que traria as respostas que sempre busquei e daria novo rumo à minha vida, meu encontro com aqueles missionários de preto. A partir dali compreendi como era fácil encontrar Aquele que sempre busquei.

Hoje, sentado à janela do meu pobre barraco, vejo nuvens pouco carregadas. Sinto meus braços cansados e minhas mãos carentes de forças até mesmo para apertar as contas do rosário que aprendi a debulhar nesses tão longos anos. Chove manso no campo pantaneiro, sinto cheiro de terra no ar. Diviso as mangueiras em flor que exalam um cheiro forte de mel. Ao longe, ouço a seriema que canta tristemente. Talvez louve a chuva que molha os pântanos. As folhas das plantas parecem rir e chorar ao mesmo tempo. Riem pela chuva que cai e lhes traz vida nova. Choram pelas gotas de água que passam por elas e no chão desaparecem. Parece que Deus se transforma em chuva e desce sobre o mundo para nos visitar. De fato, como narra o texto da criação, somos feitos de barro e por isso nos deliciamos com o aguaceiro que revigora a vida, somos parte dele. Sinto que a chuva banha meu coração e me traz toda uma enxurrada de lembranças na alma que nem em toda eternidade esquecerei. Aliás, acho que eternidade é reviver os momentos felizes e bons que passamos. E nesse sentimento surge Aquele pelo qual toda vida suspirei, o próprio Deus, Aquele que encontrei na presença dos missionários de preto que vieram de muito longe para santificar nossas terras pantaneiras. Muitos ensinamentos nos deixaram e muitas coisas mudaram a partir de então.

Em todos esses anos guardei comigo as lembranças dessa experiência e todos os ensinamentos deixados. Por muitas noites, à luz do meu grande companheiro lampião, anotei escrupulosamente todas as palavras e frases que aprendia. Eles não cansavam de dizer que era preciso salvar nossa alma e que quem reza se salva, quem não reza se condena. Aquelas palavras entravam em meu

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coração como pontas afiadas de uma lança impregnada de algo divino. E mais ainda, sentia que se não revelasse tudo que aprendia eu também não me salvaria.

Muitas vezes peguei na caneta para escrever, mas, morto de medo, renunciava. Sim, as letras são como anjos bons e maus, podem animar, motivar, salvar e falar a verdade, mas também podem nos trair, nos desanimar, nos levar a mentir e a fazer pessoas se perderem. Sempre tive medo delas, talvez por isso estudei pouco. Mas, vencendo a tentação de não escrever, aos poucos fui transportando minhas observações para o papel. Não são muitas, mas podem ajudar outras almas a buscarem ânimo no caminho da salvação do mundo. Esses escritos fui guardando comigo, o tempo passou, as rugas vieram e os papéis amarelaram, vi que precisava dar um jeito em tudo isso, pois minhas lembranças não podiam morrer comigo. Acredito Deus, que mais uma vez me tomaste pela mão e, sem mais nem menos, certa tarde fui à Igreja, como sempre costumo ir, assisti à missa, comunguei e voltei pra casa correndo. Algo tomou conta de mim. Não conversei com ninguém, queria manter meu hálito puro pelo corpo do Senhor que havia acabado de receber. Juntei minhas anotações, senti que havia chegado a hora, fiz o sinal da cruz e comecei a escrever esta crônica, onde relato como fui tocado e por que decidi viver mais perto de Deus. Meu nome? Ah, isso não é importante, o importante é que minha história está próxima da história de um Deus que faz sua caminhada na história de homens que conheço como Missionários Redentoristas.

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2O Início

Senhor me ajude a dizer a verdade. Abre bem minha memória. Esclarece meu espírito e minhas lembranças. Não me deixe esquecer nada. Acredito que da sinceridade de minhas palavras depende a salvação da minha alma, da simplicidade de minhas lembranças, depende a salvação de muitas almas. Confesso que lembro muitos fatos e missionários, de outros não lembro bem, portanto, falarei do que sei e presenciei. Quero relatar exatamente aquilo que ouvi e vivi.

Soube que foi no mês de setembro do ano de 1843. O cheiro de chuva e a beleza das árvores floridas tomavam conta dos campos. O canto dos pássaros, pela alegria da chuva e renovação da vida, fazia sinfonia nos confins das matas mineiras. Toda essa exuberância natural dá a sensação de se passear pelo paraíso. Certamente Deus estava dizendo que essa é apenas uma pequena amostra daquilo que a vida eterna nos reserva.

Há exatamente 21 anos, o Brasil ficara independente da corte portuguesa e se preparava para viver a façanha histórica de livrar-se do marco negativo da escravatura que lotava os navios negreiros, dizimava famílias africanas, deixando fazendeiros cada vez mais ricos com o trabalho escravo nas fazendas cafeeiras, campos canavieiros e minas de extração de ouro e diamante. Uma luta que se arrastou por anos e chegou ao legado final nessa época. Como pode o ser humano achar que o outro deve ser seu escravo, sua propriedade!

Em meio a todo esse emaranhado de acontecimentos, sentado em sua cadeira forrada com couro de boi, em frente à pequena mesa do escritório

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episcopal, de onde pela janela podia apreciar a silhueta verde-escuro das montanhas mineiras que circundam a cidade de Mariana, Dom Antonio Ferreira Viçoso elabora uma carta. Nesta, um pedido que mudaria muita coisa na vida religiosa, cultural e educacional de Minas Gerais e de todo o país. Esse momento daria início àquilo que chamamos de Saga Redentorista no Brasil.

Grande fã de Santo Afonso Maria de Ligório, o fundador da Congregação dos Missionários Redentoristas, Dom Antonio foi o primeiro bispo brasileiro a pedir a presença destes para essa chamada “Terra de Santa Cruz”. Empreitada que culminou com a vinda dos redentoristas holandeses no ano de 1893 e a fundação da primeira Unidade redentorista em terras brasileiras.

A grande razão disso é que Dom Antonio Viçoso era um leitor assíduo das obras de Santo Afonso, introduzindo-as no Ensino de Teologia Moral em seu seminário. Como bispo, imitava o exemplo de Santo Afonso, aplicando ao seu rebanho uma prática verdadeiramente missionária, durante as visitas que fazia às paróquias onde exercia sua vocação de pastor. Não é de estranhar que procurasse ter a presença redentorista por perto. Sua simpatia pelos “filhos de Santo Afonso” foi adquirida pelas obras que esse santo elaborou. Disso, aprende-se que a missão também pode ser realizada através das obras escritas, que sendo bem preparadas vão ensinado na atualidade e na posteridade do autor.

Os “filhos de Santo Afonso” eram vistos como verdadeiros combatentes da degradação religiosa que assolava a classe popular, em diversos setores, buscando evangelizar os pobres, intensificando a ação pastoral entre o povo e a zona rural. A meta principal era viver intensamente o espírito do fundador, um gentil-homem napolitano, de início advogado, mais tarde chamado por Deus a ser padre, que no despertar da vocação depositou aos pés da imagem de Nossa Senhora sua espada de nobre voltando-se inteiramente para a salvação das pobres almas da região napolitana. Indo contra o ditado de que “santo de casa não faz milagre”, conquistou

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renome como pregador, em muitos lugares do reino de Nápoles, sua terra natal, sobretudo nas praças. Sentiu-se chamado a evangelizar os mais abandonados pela Igreja, quando esteve em contato com os cabreiros de Santa Maria Dei Monti. Para melhor atingi-los, adotou a prática das Missões Populares em lugarejos e povoados na zona rural napolitana. Essas missões duravam muitos dias e eram pregadas em pequenas aldeias e bairros espalhados pelos campos e regiões mais pobres, sem se importar com os retornos financeiros que outros trabalhos possibilitavam em regiões mais abastadas. Ao lado desse sistema de missões populares, Santo Afonso destacou-se pela composição de seu tratado de teologia moral, cuja essência traz uma mensagem teológico-religiosa de misericórdia em favor dos pecadores. Com essa teologia, combatia as idéias de Jansênio, o propagador do jansenismo, e as teorias regalistas. Tinha ainda um grande amor a Nossa Senhora e propagava uma insistente devoção à Mãe de Deus, dizendo ser ela um instrumento de extrema importância na obra da redenção; e defendia com afinco o dogma da Imaculada Conceição, muitos anos antes deste ser proclamado. Seus estudos foram tão importantes que praticamente todos os teólogos da época adotaram sua teologia moral, sobretudo párocos e pregadores das Santas Missões.

A espiritualidade redentorista, sua doutrina teológica, sua catequese e pastoral estavam em plena harmonia e sintonia com a orientação dos papas e com o pensamento eclesial da segunda metade do século XIX pelo compromisso de trabalhar os sacramentos, a fidelidade ao papado e a singular importância atribuída a Nossa Senhora na obra da salvação. O grande apreço pelos “filhos de Santo Afonso” motivava os bispos a buscar com insistência que pastoreassem seus imensos rebanhos, que às vezes passavam anos sem ter a presença da Igreja. Foi assim que Deus introduziu nas terras brasileiras, através do velho bispo de Mariana, a figura do missionário redentorista, dando maior motivação para a instauração do seu reino através desses

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verdadeiros “apóstolos das periferias”, tornando-se presente no coração de milhares de fiéis.

A façanha redentorista, ora espiritual, ora histórica, marcou presença em terras mato-grossenses através da Província de Campo Grande, ou missão de Aquidauana, como ficou conhecida. Eu, como testemunha dessa façanha, pretendo fazer uma viagem que revela pessoas, personalidades e feitos desses grandes homens de Deus que até hoje influenciam nossa vida religiosa, educacional, moral e até arquitetônica.

3Os primeiros encaminhamentos

(1929)

Guardo com carinho na lembrança a noite de 21 de janeiro de 1930. Noite que mudou minha vida e a de muitas pessoas que conheço e conheci. Mesmo diante das truculências e dificuldades sociais pelas quais passávamos, eu tinha certeza de que Deus estava conosco. O ar em nosso país cheirava revolução e golpe. Sentia que estávamos prestes a enfrentar uma guerra civil. Nossos corações batiam descompassados quando se tocava nessas questões. Confesso, eu tinha muito medo! Afinal, revolução cheira à morte e eu era o que menos queria morrer. Vivíamos uma verdadeira turbulência política e econômica. Vigorava por aqui a chamada República Velha, caracterizada pela centralização do poder entre os partidos políticos e a conhecida aliança política "café-com-leite", entre São Paulo e Minas Gerais. Esse Regime mantinha vínculos com grandes proprietários de terras. Era um desconforto político total. Os bares, escolas e rodas de conversas de Aquidauana falavam dos problemas e da insegurança que isso gerava.

Nos Estados Unidos a situação também era complicada. Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Yorque, ocorrida em 1929, veio uma década conhecida como “Grande Depressão”, caracterizada pela recessão econômica no país. A indústria de construção e o setor

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imobiliário já haviam estagnado em 1926, juntando-se ao declínio das indústrias da agricultura, pecuária, mineração e do petróleo. Em todos estes setores, a superprodução e a competição de produtos de outros países baixaram preços e lucros. Salários deixaram de crescer tirando dos consumidores a possibilidade de compra de novas residências e de outros produtos de comércio da época. A exportação de produtos industrializados gradualmente caía pela ascensão do protecionismo do mundo industrializado. A quebra da bolsa de valores drenou a confiança de possíveis consumidores e a confiança de instituições financeiras. Estas tornaram-se extremamente relutantes no investir. A economia americana caiu numa severa depressão econômica. A “Grande Depressão” foi marcada por altos níveis de desemprego, investimentos mal feitos e grande deflação. Em resposta à recessão, o Congresso e o Presidente norte-americano Hebert Hoover aprovaram uma tarifa alfandegária tentando fixar preços a fazendeiros, criando um programa de ajuda social para empregar centenas de pessoas, pois havia milhões de desempregados e o grande descontentamento surgia entre as classes trabalhadoras.

Em meio a esse emaranhado problema político/financeiro dos dois países, encontramos o nascimento de uma obra divina que ligava os Estados Unidos ao Brasil e influenciaria muito as nossas terras brasileiras. A luz que procurávamos finalmente se acendia. Envolto por essa situação e espreitando tudo que poderia acontecer em nível mundial, eu sentia no coração que Deus nos preparava um novo caminho, onde poderíamos ver o brilho da esperança. A história de Deus se apresenta na história dos homens e a história dos homens certamente se faz verdade na história de Deus. É dentro desse contexto que se dá a grande batalha humana e divina. Fugir disso é achar que o Reino de Deus está somente acima das nuvens. Sei que isso não é verdade. Uma história de homens que buscam e testemunham Deus. E a história de um Deus que através de homens deixa ser buscado e testemunhado. É isso que

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pretendo narrar, partindo do que vivi, escutei e experimentei nesses anos todos.

Deus utiliza as pessoas para ajudá-lo a iluminar o mundo. Sei que a luz se acende quando alguém se dispõe a mexer no interruptor. Quem finalmente acionou o interruptor para iluminar minha e nossa história foi, sem dúvida, o padre Hippolyto Chavelon, dos salesianos, que obedecendo ao mandato de vigário geral da Diocese de Corumbá, percebeu as dificuldades que enfrentavam em missionar essa tão vasta região. No ano de 1927 escreveu ao Monsenhor Egidio Lori relatando a possibilidade dos redentoristas assumirem alguma paróquia nas regiões de Ponta Porã, Bela Vista, Porto Murtinho e Nioaque. Ambas eram frentes de missão que pertenciam aos salesianos. Em 27 de março de 1927 mais uma carta, agora endereçada ao Superior Geral dos redentoristas, padre Patrick Murray, que responde dizendo não ter missionários disponíveis para enviar ao Mato Grosso. Diz ele que a primeira vinda dos redentoristas ao Mato Grosso foi um mal entendido, porque a Província alemã não tinha disponibilidade de missionários nem para si mesma. Falavam de um episódio ocorrido anos antes, precisamente em 1924, quando dois redentoristas da Áustria tentaram uma fundação em Campo Grande, conhecida como “fundação provisória”. Eram os Missionários Johan Baptista Feichtner e Alois Hamerl. Trabalharam em Campo Grande na paróquia Santo Antonio por dois meses. Deixaram seu rastro pastoral no segundo livro de batismo dessa paróquia, na página 90, onde provam que durante essa estadia realizaram oitenta e três batizados e certamente muitos casamentos, pois infelizmente não se sabe onde foram parar os registros matrimoniais da época. Após esse curto período em Campo Grande, no dia 23 de junho do mesmo ano, voltaram para Viena, a Província de onde vieram não tinha condições financeiras de manter o trabalho missionário e necessitava deles em outro lugar na Áustria. Pensavam que a Província alemã do Sul poderia ajudar na fundação que iniciaram em nosso país, mas não tinham

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missionários nem para suprir suas comunidades na Alemanha. Além do mais, os dois missionários ficariam sozinhos e se um deles adoecesse, a obra estaria comprometida por inteiro. A decisão mais evidente foi tirá-los daqui. Com sua partida, quem tomou posse da paróquia Santo Antonio foi o então vigário de Corumbá, padre Hipollyto Chavelon, salesiano.

Em 1927, a Santa Sé fez um apelo aos redentoristas para enviarem missionários à América Latina. Pegando esse gancho, Dom Antonio Lustosa, também salesiano, recém nomeado bispo da Diocese de Corumbá, tinha um ótimo relacionamento com os redentoristas que residiam em Aparecida. Motivado pelo padre Chavelon, começou a pedir à Virgem Maria que intercedesse ao seu Filho e concedesse a graça de contar com a ajuda dos “filhos de Santo Afonso”, pois vivia um grande sufoco na Diocese, que contava somente com cinco padres para atender uma área de sete paróquias num território de 126.231 km² e uma população de 140 mil habitantes. A escassez de padres impedia a Igreja de se desenvolver na região.

Com as investidas sempre crescentes do bispo junto à Santa Sé, em fevereiro de 1929, padre Patrick Murray, então Superior Geral dos redentoristas, escreveu ao padre Baron, Provincial nos Estados Unidos, comunicando a possibilidade da Província de Baltimore assumir uma missão no Brasil, já que tal Província mostrava condições melhores para empreender esse trabalho. Um mês depois, em março de 1929, o Superior Geral dos redentoristas escreveu a Dom Lustosa e pediu informações a respeito do trabalho que ora oferecia aos redentoristas. Dom Lustosa enumerou a falta de padres e a grande propagação de protestantes e espíritas na região. Com essas informações, no dia 24 de junho de 1929, festa de São João Batista, ficou decidido que a Província de Baltimore assumiria a nova fundação a título de experiência e inicialmente mandaria dois missionários. No dia 04 de agosto, após fervorosa oração, Dom Lustosa escreveu ao Provincial de Baltimore e expressou a alegria em receber os redentoristas em sua Diocese, implorando

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que viessem o mais rápido possível prometendo toda cooperação possível. Começou então outro problema aos redentoristas norte-americanos: encontrar os missionários que melhor se adaptassem ao trabalho e à língua. Reunidos em oração e pedindo as luzes divinas sobre a escolha, apareceram dois possíveis nomes: padre Francis de Assis Mohr e Alphonso Maria Hild.

Após a escolha, os dois foram comunicados da nova missão. Num forte espírito missionário, mesmo sem saber o que os esperava, assumiram com prontidão e disponibilidade esse grande desafio, pois o consideravam dentro do Espírito de Santo Afonso. A notícia da aceitação da missão foi amplamente publicada nos jornais seculares e religiosos do Brasil e aceita como grande presente de Deus.

Padre Mohr era vigário de uma paróquia em North East e padre Hild fazia parte da equipe missionária, em Ephrata. Lembro que nas aulas de catecismo padre Mohr sempre contava que fez o Seminário Menor em North East, foi aceito para o noviciado no dia 21 de junho de 1911 em Ilchester, Maryland. Lugares que nunca conheci, mas que me pareciam ser o paraíso de tanto que eu ouvia falar das belezas e dos grandes festivais que por lá aconteciam. Dizia que no noviciado se sentia feliz e contente, mas passou por muitas provações e dificuldades, mesmo assim a graça de Deus sempre foi maior, podendo vencê-las sempre. O dia que recebeu o hábito redentorista, 02 de agosto de 1911, foi para ele um dia muito especial. Sempre desejou consagrar-se totalmente ao serviço a Deus como religioso redentorista. Sentiu o chamado vocacional desde criança e sempre dizia que assim iria até a morte. Comentava que havia feito uma relação de atitudes para ser um bom redentorista como: estar sempre mais unido a Deus fazendo sua santa vontade; escapar das tentações do mundo; fazer penitência pelos pecados do passado; tornar-se um santo; trabalhar para a maior honra e glória de Deus; pregar as missões, trabalhando para a salvação das almas mais abandonadas; espalhar a devoção à

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Santíssima Virgem e promover o bem da Congregação. Sempre pedia nas orações que Nosso Senhor Jesus e sua Mãe o ajudassem a perseverar e alcançar as metas a que se propunha. Essas partilhas de vida do padre Mohr nos ajudavam a criar no coração mais amor pela fé, nos motivando a rezar mais e mais.

O padre Hild comentava sobre as missões que pregava nos Estados Unidos e lembrava com bastante nostalgia que recebeu a notícia para vir ao Brasil quando pregava as missões em Annapolis, Maryland. Sua última pregação antes de partir para cá foi na paróquia Imaculada Conceição, em Baltimore, exatamente onde foi criado. Estava encerrando a novena solene em honra à Apresentação de Nossa Senhora, na noite antes de viajar. Foi nessa mesma comunidade que celebrou sua Primeira Missa Solene como sacerdote.

4Aquidauana, início da missão

Aquidauana fica no pantanal mato-grossense. O Pantanal é uma das maiores planícies de sedimentação do mundo, ocupa grande parte do Brasil e se estende aproximadamente por 140 mil km2, avançando também por países vizinhos como Argentina, Bolívia e Paraguai. A planície inundável, com leves ondulações, pontilhadas por morros isolados e ricos em depressões rasas tem seus limites demarcados por variados sistemas de elevações como chapadas e serras, sendo cortada por grande quantidade de rios, todos pertencentes à Bacia do Paraguai. Na região pantaneira, a paisagem altera-se profundamente nas duas estações bem definidas do ano: a seca e a chuvosa. Durante a seca, os extensos campos,  cobertos predominantemente por  gramíneas e vegetação de cerrado, perdem água, que chega a escassear, ficando

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restrita aos rios perenes de leitos definidos e às lagoas próximas a esses rios, tempo de firmar a consciência de que a água é um tesouro e sem ela somos frágeis. No tempo da seca berra o gado impaciente reclamando o verde pasto e aparece o fazendeiro com o olhar de penitente, muitas vezes descrente, pensando que o mundo vai se acabar. Transporta o gado pra lá e pra cá nas grandes comitivas para que a boiada não pereça de sede. Mas a natureza é divina, graciosa e sempre majestosa, findando a seca com as nuvens que, de novembro a março,  enriquecem todo o Pantanal. Tudo se transforma no período das cheias. A vegetação muda e as depressões ficam inundadas, formando extensos lagos de extrema beleza, apresentando diferentes cores na água, de acordo com as algas que se desenvolvem e criam matizes de verde, amarelo, azul, vermelho ou preto. Com a inundação, grande quantidade de matéria orgânica é carregada pela correnteza a longas distâncias. Durante a vazante, esses detritos são depositados nas margens dos rios e lagoas, transformando-se em fertilizantes do solo. Esse patrimônio ecológico, habitado por incontáveis espécies de mamíferos e répteis, aves e peixes, tem uma vegetação exuberante e é traduzido em movimento de formas, cores e sons, sendo um dos mais belos espetáculos da Terra. Sem dúvida, Deus fez essa beleza para ver no rosto do ser humano um olhar de admiração e alegria. Algo que sempre observamos nos olhos dos turistas que por aqui transitam. Algo que observei profundamente também nos olhos dos missionários que aqui chegaram e puderam ver a exuberância dessa natureza.

Conhecida por “lugar das Araras grandes”, nome interpretado da língua guarani-guaicuru, a cidade de Aquidauana teve início em 15 de agosto de 1898, quando alguns fazendeiros da Vila de Miranda se reuniram para escolher um local a fim de fundar um povoado. O local foi exatamente onde hoje se ergue a imponente matriz Imaculada Conceição. Um ano após, construíram os primeiros ranchos de palha no meio da mata. Em agosto

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de 1898 passou pelo povoado o padre salesiano José Solari, que vinha de Miranda em direção a Campo Grande. Ali no arraial rezou a primeira missa e atendeu as necessidades espirituais do povo. O próximo sacerdote foi o padre Agostinho Collie, no mês de junho de 1904. No evento, administrou o sacramento do batismo e por alguns dias rezou na pequena vila. O mesmo sacerdote voltou em 1916 e, na véspera do aniversário do povoado, em 1918, rezou a missa incentivando a erguer ali uma pequena capela. Em 1899 Aquidauana foi elevada à categoria de paróquia de Paz, o que conhecemos hoje como Distrito e, em 18 de dezembro de 1906, ganhou o título de Município.

A paróquia de Aquidauana, conhecida primeiramente como Nossa Senhora da Conceição, foi instituída em 04 de abril de 1912, por Dom Cyrilo Paula de Freitas, natural de Minas Gerais e primeiro bispo de Corumbá. Seu território foi desmembrado das paróquias de Miranda e Nioaque. Pela falta de sacerdotes, por muitos anos dependeu da paróquia Nossa Senhora da Candelária, de Corumbá. Os vigários de Corumbá a visitavam de vez em quando, como faziam também com Miranda e Nioaque. A ausência de padres nessa localidade favoreceu o desamparo espiritual do povo, que foi tornando-se gradativamente uma população afastada de Deus.

Eu nem era nascido, mas sei pelos estudos escolares e pela minha extremada curiosidade, que no natal de 1919 foi nomeado, pelo terceiro bispo diocesano de Corumbá, Dom José Mauricio da Rocha, como vigário residente em Aquidauana, o salesiano padre José Giardelli. Em abril de 1920, Dom Mauricio fez uma visita à paróquia e constatou que a matriz era pequena demais e que não passava de uma pequena capela mor. E incentivou o novo pároco a iniciar as obras da nova matriz. Para valorizar a liturgia, o coronel José Alves Ribeiro fez a oferta generosa das alfaias e apetrechos necessários para o culto sagrado na pequena Igreja, que se tornava matriz. As obras da nova matriz demoraram a ser iniciadas. A intendência

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municipal ajudou na construção do lindo templo em estilo neo-gótico. O engenheiro responsável pela obra foi Francisco Luciano Seccomani. É uma edificação isolada, com fundação de pedra, estrutura de concreto, alvenaria de tijolos maciços revestidos de argamassa. Possui vitrais laterais e a cobertura é feita de estrutura de madeira e telhas de barro.

Em 1924 havia somente padres salesianos em toda diocese de Corumbá. Eles atendiam Corumbá, Aquidauana, Campo Grande e Três Lagoas. O restante das paróquias eram visitadas por padres itinerantes, na medida em que podiam. Entre 1919 e 1920 o padre Pedro Massa, Inspetor dos salesianos no Mato Grosso, foi nomeado sucessor de Dom Antonio Malan, que havia chegado em 1894 com a primeira turma de salesianos no Mato Grosso. Em 1921, a Santa Sé chamou o padre Pedro Massa para ser administrador apostólico da Prelazia de Rio Negro, no Amazonas. Pouco depois assumiu a Prelazia de Porto Velho e em 1927 foi convidado a administrar a Diocese de Corumbá, pois Dom José Mauricio Rocha tinha sido transferido para Bragança Paulista, vindo a falecer naquela diocese quarenta e dois anos depois, em 1969.

Em 1929, já como bispo da Diocese de Corumbá, Dom Antonio de Almeida Lustosa, numa visita à Aquidauana, fica assustado com a pouca participação dos fiéis aos atos religiosos, com a péssima qualidade da Escola Paroquial da localidade e critica pesadamente a falta de atendimento às comunidades rurais da paróquia. Eram sinais claros de que algo precisava ser feito, e urgentemente. Sinto que Deus dava sinais ao bispo para ir em busca de novas possibilidades e então apareceram os missionários redentoristas. Eram os passos definitivos em direção a uma nova jornada.

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5A Difícil Viagem

A oração sempre será a grande arma que Deus confiou ao ser humano para vencer os desafios e entrar em sintonia com Ele. Sem ela ficaríamos à mercê de muitos males e sem forças para vencer os inimigos, as dificuldades e os desânimos. Certamente que ela foi o grande estímulo e força na orientação daqueles missionários norte americanos que aceitaram o desafio de

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começar nessas paragens a imensa obra de evangelização que presenciamos e vivemos hoje.

Ao aceitar a missão, os caminhos foram traçados e chegara o momento da partida. A noite não tinha sido fácil para os dois missionários que iriam adentrar em campos vastos de desafios. O coração do padre Hild palpitava qual pipoca pulando na panela, prestes a ser devorada por bocas insaciáveis. Padre Mohr, por sua vez, tentava manter-se calmo e dono da situação. Mesmo assim, sentia a responsabilidade e o desafio da missão que ora assumira. Sabia que a jornada era longa, desafiante e dura. Cada passo seria um salto para o desconhecido, mas podia contar com a força de Deus e estava certo que iria combater o bom combate, e acima de tudo, guardaria a fé. Essas palavras do apóstolo Paulo, sobre o momento íntimo e profundo de uma decisão, certamente pesaram muito e foram verdadeiras companheiras daqueles missionários perspicazes e decididos.

Devagar o sol se escondeu, deixando a cidade e o mar nova-iorquinos se perderem de vista. A manhã chegaria cheia de calor e brilho, renovando os pensamentos e mostrando a beleza do mundo através da humanidade desperta. Era hora de descansar o corpo da lida daquele dia. Cheios de esperança e fé, mas apreensivos, aqueles dois homens se entregaram ao descanso da noite, pois o dia seguinte seria decisivo e histórico. Era o momento de dizer “adeus” aos amigos, parentes e confrades que ficariam nos Estados Unidos. Era momento de se preparar para dizer “Oi” ao novos amigos, novos desafios, nova missão, novo mundo e nova vida.

Após a difícil noite, como prêmio veio a linda manhã. O sol brilhava resplendente no porto de Nova York. Parecia que o astro rei estava feliz pela nascente obra divina em campos tão difíceis da região mato-grossense. Há poucos dias a comunidade redentorista tinha comemorado os 197 anos do nascimento da Congregação. Isso dava mais ânimo aos ansiosos corações missionários, que seriam os pioneiros de uma nova era de evangelização às vésperas de comemorar o segundo

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centenário do nascimento da Congregação em Nápoles. Todos sabiam que a missão assumida era um grande risco, mas ao mesmo tempo, de extrema necessidade pastoral. O povo vivia como rebanho sem pastor.

Inspirados pela Virgem Mãe do Perpétuo Socorro e imbuídos do espírito de missão, com alguns dólares no bolso, algumas malas para a sobrevivência e muita vontade de trabalhar, os dois partiram de Nova York a bordo do Vapor Northen Prince The Furness Line. Era sábado, 23 de  novembro de 1929. Destino da viagem: as longínquas terras brasileiras, diocese  de Corumbá, sudoeste do Mato Grosso, cidade de Aquidauana.

Doze dias, embalados pela maresia, entre enjôo, calor e expectativas, aportaram no Rio de Janeiro em dia 05 de dezembro e foram recebidos pelos missionários redentoristas holandeses que ali missionavam. À noite embarcaram para Santos, chegando lá no dia seguinte, onde o vice-provincial dos redentoristas alemães de São Paulo, Padre Estevão Maria Heigenhauser, os aguardava. O tempo corria e era preciso acompanhá-lo. Somente seis semanas para familiarizar-se com a língua e já tiveram que partir em direção a Aquidauana, ponto final dessa grande viagem e início de uma nova e longa caminhada. Sabiam que ainda teriam muito pela frente. Sabiam que tudo estava apenas começando. Padre Estevão chamava essa região pantaneira de Mato Grosso do Oeste. Em sua visão, toda a região tinha as mesmas possibilidades de desenvolvimento do Oeste dos EUA, setenta ou cem anos atrás. No dia 21 de dezembro, padre Estevão recebeu uma carta de Dom Lustosa, que expressou sua alegria com a chegada dos missionários norte-americanos e aprovou o plano destes ficarem um tempo em Aparecida para aprenderem melhor a língua portuguesa.

No dia 30 de dezembro de 1929, finalzinho do ano, padre Mohr escreveu de Aparecida para o padre José Hild, nos Estados Unidos, e a carta falava sobre suas primeiras impressões do Brasil:

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“Graças a Deus estamos bem e até progredindo devagar com a língua portuguesa. Estamos experimentando-a com todos que encontramos. Rezamos com o povo, depois das missas em português tentamos conversar com as crianças. Vamos chegar, creia em mim! Padre Afonso está bem feliz. De fato, tentamos estar sempre alegres e felizes, especialmente quando estamos com a comunidade e parece que eles estão gostando de nós. Mas há alguns muito sérios e severos. O padre Heigenhauser é muito bom, de bom gênio, alegre e muito caridoso. Você realmente não exagerou falando sobre ele. Até nem falou suficiente. Ele é nosso melhor amigo e mão direita em tudo que tentamos fazer. E sabendo que ele vai nos acompanhar para o Mato Grosso, é um grande alívio e conforto. Eles têm uma grande editora aqui e podem imprimir tudo. Pertence à vice-Província e é uma fonte de renda. Padre Heigenhauser nos deu muitos livros em português. Livros de oração, de leitura espiritual. As visitas ao Santíssimo Sacramento, as Escrituras, etc.” (Pe. Francis Mohr, 1929) No dia 02 de janeiro outra carta foi escrita por Dom

Lustosa recomendando que os recém-chegados ficassem em Aparecida até o mês de março. Janeiro e fevereiro são os meses mais quentes do ano no Mato Grosso e isso poderia assustar os missionários acostumados ao frio dos Estados Unidos. Também comunicou que as paróquias a serem atendidas eram Aquidauana, Miranda, Bela Vista, Porto Murtinho e Nioaque. Ao receber tal carta, padre Mohr achou estranho o pedido para que ficassem em Aparecida até março, mas como Dom Lustosa prometeu visitar Aparecida entre os dias 16 e 17 de janeiro, preferiu esperar sua chegada para saber dos detalhes. Enquanto esperavam, tiveram a oportunidade de ir com padre Estevão até Itu, ao Convento das Redentoristinas e ficaram impressionados com as cores americanas do seu

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hábito. As irmãs expressaram grande felicidade com o projeto dos missionários norte-americanos em trabalhar no Brasil. Depois, passaram pela difícil experiência de submeter-se à tonsura clerical, utilizada naquela época tanto no Brasil como em países com maioria católica. A cerimônia da tonsura aconteceu em 14 de janeiro. Sem ela o povo não acreditaria que seriam sacerdotes e missionários.

Numa carta ao Provincial nos Estados Unidos, datada de 16 de janeiro de 1930, padre Mohr escreve que encontrou o bispo naquele mesmo dia e tirou dúvidas sobre o trabalho que iriam realizar no Mato Grosso. Entre outras coisas, os missionários teriam licença para crismar. O bispo comentou que em toda a região havia entre dez e dezoito mil índios e tais informações ajudaram nos planos e projetos de evangelização. Finalmente, no dia 17 de janeiro, sexta-feira, embarcaram para Araraquara, onde a vice-Província de São Paulo tinha casa. No domingo, dia 19, foram até Bauru, embarcando em definitivo para o Mato Grosso. Viagem que levou um dia e meio.

Foi da cidade de Bauru, Estado de São Paulo, que saiu o trem para o pantanal. Ao cruzar a divisão dos estados de São Paulo e Mato Grosso, ficava nítida a mudança da paisagem. Havia grande disputa entre os passageiros para pegar os melhores lugares nas plataformas entre os vagões ou nas janelas do trem. Observar o trem fumegante mata adentro era uma dádiva. Isso sem contar a quantidade de animais da região que era possível admirar ao longo do percurso. Mas havia dificuldades, a cabine da velha locomotiva expelia ardentes centelhas; resultado da queima de madeira da fornalha, que produzia vapor e fazia aquela máquina se mover como uma grande serpente pelos trilhos de bitola estreita apoiados em terra pura, sem a base de pedra, que proporcionava uma imensa nuvem de poeira se arrastando atrás daquele monstro de ferro que navegava e berrava fumegante a uma velocidade de vinte quilômetros por hora, levando os passageiros até os longínquos confins do Brasil. A viagem era sempre uma

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grande aventura e as centelhas incandescentes da voraz fornalha devoravam tudo que em frente dela passasse. Os passageiros sofriam, pois quando abriam a janela das cabines dificilmente ficavam ilesos às faíscas, fumaça e poeira; se as fechavam, enfrentavam o horrível calor do clima e das fornalhas daquele imenso dragão de ferro. As roupas, devido às fagulhas da lenha incandescente daquele monstro lambedor de fogo, ficavam cheias de furinhos, qual ninho de traças que destroça a vestimenta guardada nos cabides e guarda-roupas. Sempre havia muitos animais nos trilhos: cavalos, bois, antas, capivaras, sucuris. Muitos eram esmagados pelo monstro de ferro. Dependendo do embalo e da quantidade de lenha na fornalha, em algumas elevações o trem ficava sem forças e não subia. Era preciso parar por uma hora ou mais, abastecer com lenha até que o motor a vapor tivesse força suficiente e puxasse os vagões. Se outro trem estivesse vindo de encontro, tinha que parar na estação por mais ou menos uma hora até o outro chegar. Era um verdadeiro milagre que chegasse no horário. Normal era atrasar cinco ou seis horas. Essa aventura dentro da locomotiva com certeza preparava os passageiros pelo que viria à frente, pois o calor tropical e a poeira da região mato-grossense eram insuportáveis.

Somente aqueles que viajavam no terrível calor e poeira da via Férrea Noroeste podem imaginar como aqueles missionários sentiam-se após a aventura de um dia e meio dentro do trem numa viagem insuportável de São Paulo ao Mato Grosso, acumulando em suas roupas, cabelo e pele a fumaça, poeira e suor intermináveis. Sempre fiquei curioso sobre o que teria trazido esses homens de tão longe para falarem de Deus neste lugar que eu considerava o início do fim do mundo. Era uma nova língua, um povo estranho, uma comida diferente e uma região desconhecida para eles. Quais teriam sido seus pensamentos quando aqui chegaram? Quando, olhando pelas janelas do velho e barulhento trem, viram grandes extensões de mata e planícies, sabendo que toda aquela região seria sua primeira paróquia no Brasil. Seu

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futuro campo de batalha a favor do Reino de Deus. O futuro cenário das grandes vitórias ou derrotas, centro de muitos sofrimentos e abnegações. Certamente surgiu-lhes na alma um pouco de saudade de sua terra e dos seus que por lá ficaram. Sim, porque se tratando de homens, de pensamentos e emoções humanas, essa história não pode ser reduzida a meras e frias estatísticas. Deve ser vislumbrada como história de vocacionados, enviados a uma terra desconhecida, austera e difícil, de lutas e desânimos, medos e privações. Certo dia perguntei a um deles sobre a dureza da viagem de trem até o Pantanal, e a resposta foi seca, rápida e certeira, como um bom norte-americano a faz:

– Pior do que viajar muitos dias nesse trem é ser condenado ao inferno sem nem ao menos lutar!

Ali veio a certeza de que eles tinham um grande amor à missão de Nosso Senhor e uma verdadeira sede em levar almas para o céu. Expressavam um bom senso de humor, vontade firme e resoluta de enfrentar e suportar tudo. Sem esses itens, acredito, sua história nunca teria sido escrita por aqui.

Lembro do nosso primeiro encontro. Eu era apenas um menino travesso, traquina e cheio de energia. Irrequieto e com o peito ansioso de tanta curiosidade pulava por todos os lados para participar melhor de todo aquele murmúrio e confusão que acontecia na estação da cidade. Não sabia direito do que se tratava, mas lembro que a fumaça da máquina a vapor e seu cheiro de lenha com o gás produzido a partir da queima do carvão tomava conta do local e lacrimejava nossos olhos. Alguns minutos depois fui compreender que naquela noite do dia 20 de janeiro de 1930, segunda-feira, três missionários acabavam de chegar à minha querida Aquidauana. Porque vieram eu nem imaginava, também não sabia seus nomes, somente horas depois descobri: Afonso Maria Hild, Francisco de Assis Mohr e Estevão Heigenhauser. A primeira impressão era de difícil aproximação entre nós,

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pois a linguagem e o sistema de vida desses missionários parecia ser muito rígido, notei que havia certa barreira. Certamente que a cultura pesava muito. Além disso, dois deles apenas balbuciavam algumas palavras em português. Pensei em meu intimo que nunca iria compreendê-los.

No momento da chegada desses homens diferentes, de hábito preto, cruz e rosário na cintura, em meio aquele calor infernal e fatigados pela longa e estressante viagem lá estava eu, assistindo tudo, sentindo que minha vida seria diferente dali em diante. Não sei por que sentia isso. Talvez fosse pressentimento, talvez intuição, mas sentia. Foi quando o maior deles me chamou e numa linguagem totalmente enrolada perguntou meu nome. Menino do interior, matungo que raramente via gente nova por essas terras, e quando tinha visita em casa geralmente se escondia de vergonha, respondi gaguejando e desajeitado. Ele riu me olhou fixo e engraçadamente disse: “olha pequeno tuiuiú, mesmo sendo pequeno, se quiseres, poderás ser muito útil a Deus”. Aquelas palavras entraram em meu ser como bala de carabina que derruba qualquer animal. Senti a divindade tomar conta de mim e saí pulando de braços abertos como um pássaro, ou um tuiuiú, como ele acabava de me chamar. Ali começou minha história de vida na presença de Deus. Ali começou tudo que hoje sou.

Padre Estevão Heigenhauser veio à Aquidauana com nossos dois missionários para ajudá-los nas acomodações e nos primeiros contatos com o povo. Padre Mohr o descreveu como homem fino e esplêndido acolhedor. Também foi um grande socorro a nós, que pela humildade e ignorância das coisas de Deus e dos problemas culturais e de linguagem, não tínhamos condições alguma de ajudá-los. Durante alguns meses praticamente deixou de lado suas funções como vice-provincial de São Paulo para ser intérprete, despachante, amigo e irmão dos novos missionários. Sem essa ajuda aquele inicio teria sido mais doloroso e com inúmeras outras dificuldades. Mas, chegaria a hora dos nossos

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missionários darem os primeiros passos sozinhos. Havia muitas almas a serem cultivadas nos campos pantaneiros.

6Tomada de Posse da Paróquia

(1930)

A lua estava cheia e o vapor quente da noite tomava conta de todos, parecia que o inferno havia aberto suas portas para nos amedrontar com seu bafo quente e insuportável. O tempo estava tão quente que o calor forçava nossas entranhas, e estas pareciam querer derreter os pensamentos e ações. Mas, em meio a todo esse mormaço, aquela foi para mim uma noite memorável, onde tudo parecia diferente e, no âmago da minha jovialidade, nunca havia experimentado tanta doçura e tanta leveza em meu ser. Algo diferente estava acontecendo. Parece que Deus acabava de aterrissar em nossa região. Que sensação de alívio, de paz, de eternidade. Algo indescritível acontecia comigo. É como se estivesse morrendo de sede e de repente surgisse do nada um copo de água fresca trazida de uma fonte divina. Bebo-a e fico saciado por toda eternidade.

Ao contar isso estremeço, minha velhice mostra a incapacidade de escrever o que sinto, faltam palavras para me expressar. Lembro como se fosse hoje a fisionomia daqueles dois missionários de preto que nos trouxeram novo rumo. Um, encorpado, olhar fechado, cheio de saúde, palavreado difícil, misturava inglês com português, alemão e sei lá mais o quê. Parecia não ter medo de nada. Poderíamos dizer que era um embaixador

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da coragem e, certamente, capaz de derrubar e levantar um cavalo com a força que parecia armazenar nos braços. Enquanto proferia as palavras, seus olhos se abriam como alçapões, descobrindo as entranhas, coração, rins e pulmões, num verdadeiro fogaréu humano. Um missionário destemido, verdadeiro desbravador de almas. Passou seus últimos anos no Brasil, na cidade de Bela Vista. Andava a cavalo, quando encontrava um que agüentasse seu peso, ou de jeep para chegar mais avidamente ao destino. Desde que o vi pela última vez nunca se queixou de nada. Sempre agüentou firme a missão que assumiu. Fiquei sabendo que faleceu nos Estados Unidos, no dia 22 de janeiro de 1952, exatamente 22 anos depois que aqui chegou.

O outro, macilento, sempre aparentava estar doente e amedrontado. Em 1935, cinco anos depois que chegou ao Brasil, voltou para os Estados Unidos e faleceu pouco depois, no dia 13 de junho de 1936, vitimado pelo câncer. Dois homens fisicamente opostos um ao outro, mas com um mesmo objetivo: trazer Deus para nossas almas carentes.

De início tinham pouco contato conosco e pouca amizade com o povo. Tinham de usar constantemente a roupa preta, batina, dentro e fora de casa, criando um grande muro de relacionamento. Muitas pessoas chegavam a ter medo dos missionários. Com o correr dos anos e na convivência fui descobrindo a docilidade e a alegria que cada um trazia em si. Aos poucos fui descobrindo tudo que haviam enfrentado para estarem ali. Aprendi que a vida exige-nos o impossível do possível. Deus parece querer nos ensinar que as melhores conquistas devem ser feitas à base de suor e sangue, caso contrário, não tem gosto de vitória. E assim as vitórias vão aparecendo, mas o jogo é difícil e nem sempre deixa ileso quem dele participa. Cada passo exige mais coragem e quanto mais coragem mais se alonga a tarefa. Certamente que só podemos chegar ao final do caminho se damos os primeiros passos. É a norma da vida. Foi isso

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que vi acontecer e nisso alimento minhas lembranças e conquistas.

Da maneira como falavam da viagem e da chegada em Aquidauana, percebi que aqueles dias e semanas anteriores, as noites no navio e no trem, não tinham sido tranqüilos. Os pensamentos vagavam e a ansiedade tomava conta dos seus corações. Nem mesmo o frio, que naquele mês de novembro, início de toda viagem, começava a castigar os ares norte-americanos, conseguia refrescar a ansiedade daqueles corações. Aqueles missionários estavam prontos pra tudo, mas nunca haviam imaginado encabeçar uma frente de trabalho nas condições calorentas e empoeiradas das terras do Mato Grosso. O ser humano constrói seus planos, no entanto, Deus sempre tem outros.

Imagino como seus corações deveriam estar cheios de Deus. Dava para sentir que haviam colocado fé na realização dos seus planos e sonhos; e que traziam na mente a certeza de que Deus os fortalecia. Foi essa certeza que trouxe aqueles homens e depois mais um bando deles para nossa região, mudando por completo nossas vidas, influenciando nosso modo de ver o mundo e até a arquitetura local. Não dá para negar que Deus pousou sua mão sobre nós na pessoa de cada missionário de preto que por aqui passou e ainda passa. Quantas renúncias fizeram para estar aqui e falar de Deus. Quantas coisas tiveram que deixar para trás, em nome de um Reino e de uma fé. Ao chegarem ao destino, sentiram isso de perto. Mais tarde, fiquei sabendo, pediram ao superior maior em Roma para substituir o hábito de cor preta pelo branco, em função de aliviar o calor, mas não se sabe por que razão o pedido foi rejeitado.

Desde a chegada do trem, tudo o que acontecia era novidade. A estação ferroviária estava abarrotada por uma parede de curiosos e tantos outros, entre os quais estava um pequeno grupo de paroquianos, reunidos para saudar os missionários. Lembro-me que alguém proferiu um rápido discurso de boas-vindas, era o intendente municipal. Trouxeram de São Paulo, como companhia, um

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casal de alemães: Senhora e Senhor Birmoser. Ela faria a comida por alguns anos e ele faria os serviços gerais, tornando-se, mais tarde, chofer dos missionários. A solução era boa, mas com certas dificuldades. Eles falavam somente alemão e, internamente, a comunidade aderiu ao idioma, inclusive durante as refeições e recreio comunitário. Isso acabou gerando conflitos quando chegou o segundo grupo de missionários, no mês de agosto. Os que chegaram não falavam alemão e se sentiram excluídos do grupo. Tiveram que chegar ao consenso de não utilizar mais o alemão na comunidade, evitando a exclusão dos outros.

Após a calorosa recepção, partiram rumo à nova e inacabada matriz, onde por três noites consecutivas houve reza e pregação feita pelo reverendíssimo padre Estevão, o guia dos recém-chegados. Da Igreja foram para a residência temporária, nos limites da cidade. Era uma pequena casa de tijolos com quatro aposentos, um telhado avariado que vazava muito quando chovia, banheiros fora de casa, que eram verdadeiros incômodos, em especial à noite e nos dias de chuva. Quartos pequenos e quase sem nenhuma privacidade era muito frio no inverno e muito calor no verão. Para ter água era preciso trazer do rio, a dez minutos de caminhada. Ajudávamos conforme podíamos, mas nem sempre fazíamos muito. Ali viveriam até 24 de agosto de 1933, quando a nova casa ficaria pronta.

Padre Estevão continuou conosco até a entrega definitiva da paróquia aos novos responsáveis. Sendo este um valente orador e preparando o coração dos fiéis, no dia 25 de janeiro fez a entrega oficial da paróquia ao padre Francis de Assis Mohr. Registro esse que pode ser confirmado no livro de batismo escrito pelo punho do próprio padre Mohr. O padre salesiano que cuidava daqui não estava presente nesse dia por motivos de saúde, por isso foi padre Estevão quem deu posse aos missionários. Eu, ainda menino, bisbilhoteiro que só, o vi rasurar aquelas duas folhas do livro de batismo e na terceira escrever o dia em que tomou posse definitiva da paróquia.

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Dali em diante seria o missionário pastor de um rebanho sedento e esfomeado da Palavra Divina.

O porquê de ter rasurado aquelas duas folhas? Imagino que foi uma maneira de marcar o início de uma nova era. O começo de uma nova caminhada. No mesmo dia da posse, como penhor de Deus em nossas terras e pelo novo trabalho, houve a bênção com o Santíssimo Sacramento. No dia 26, domingo, tivemos a missa solene pregada pelo então pároco padre Antonio Maria Marto, Salesiano. À tarde, uma bonita procissão que aumentou o fervor e a boa impressão dos fiéis para com o novo trabalho que se iniciava. Não esqueço que passamos o dia todo na Igreja decorando-a, do nosso modo e jeito. Os missionários ficaram admirados com a criatividade. Muitas mulheres ajudaram cortando papéis e buscando flores nos jardins e no mato. Lembro-me que padre Mohr observou, bem no início de sua chegada, que a igreja estava praticamente abandonada, não tinha homens participando, somente algumas mulheres, e que nas missas de domingo havia mais cachorros que gente. E fez ainda outras observações numa carta que escreveu para seus superiores nos Estados Unidos:

“Que surpresa nos aguardava em nossa chegada”? Havia uma multidão na estação. Os oficiais da cidade estavam nos esperando: as crianças de Maria, os meninos e meninas escoteiros. Todos estavam lá, exceto o pároco, que se atrasou, pois o trem chegou 19 minutos antes da programação. Todos apertamos as mãos e pareciam estar muito felizes com a nossa chegada. Dirigimo-nos para a Igreja da cidade no carro oficial. Formou-se uma procissão formal de carros. Chegando à Igreja fomos vê-la internamente. As pessoas e crianças também foram para a igreja. Depois fizeram uma fervorosa oração de ação de graças. Sentamo-nos e então o vigário, um salesiano, que estava aqui há pouco tempo, fez o discurso de boas vindas. Padre Estevão respondeu rapidamente. A igreja é nova, e não está finalizada. Mas está sendo usada para os serviços divinos. É um grande lugar sagrado, e tem um

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altar bem miserável. Há dois espaços grandes ao lado do altar. Um deles pode ser usado como lugar sagrado para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, ou outro santo.

Tudo estava acertado para que nos fosse entregue formalmente no dia 25 de janeiro. O pároco daqui preparou uma grande cerimônia. Entretanto, no sábado à tarde fez exame de saúde e não pôde estar presente no dia da posse. Padre Estevão foi quem transferiu a paróquia dos Salesianos para nós. A igreja estava maravilhosamente decorada. Havia pessoas importantes da cidade. Padre Estevão recitou o rosário e convidou as pessoas para cantar a ladainha e o sermão. Depois fez um bonito fervorinho, rezando a Deus pelo trabalho dos salesianos e fez um agradecimento a eles em nome da paróquia. Falou sobre os redentoristas, quem eles são, de onde vem e sobre a nova época e história de Aquidauana.

Disse que os missionários redentoristas estão entrando num campo fértil do Mato Grosso. Foi então que do centro da Igreja ele me chamou. Eu saí da sacristia e vim. Eu estava vestido com as roupas litúrgicas para a missa. Ele apontou-me e disse que agora eu era o novo vigário, enviado ao Brasil. Apontando para as pessoas da cidade ele indicou os meus cargos. Entregou-me as chaves, os livros da paróquia, os livros das associações e irmandades, etc. subiu à plataforma do altar e falou por dez minutos, em português, o que havia memorizado. No dia seguinte houve a solene procissão pelas ruas. Uma tripla novena em louvor a Imaculada Conceição, São Sebastião e Santa Teresa, a pequena das flores. O padre salesiano retornou dos seus exames de saúde e conduziu a procissão por inteiro. Na procissão, os homens carregavam as imagens. Uma linha de meninas vestidas de branco representavam os diferentes Estados do país. Mais de três mil pessoas estavam nessa procissão, que foi para o centro da cidade. No fim o padre salesiano fez um eloqüente discurso, abraçou a bandeira brasileira e invocou as bênçãos de Deus sobre o país e todos os povos”. (carta do padre Francis Mohr)

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Assim as coisas foram acontecendo: cansaço, novidade, correria, desafios, chuva, calor, previsões e muita oração. Mesmo assim, encontraram tempo para aprender um pouco da história do lugar e ficaram sabendo que a cidade foi fundada às margens do Rio Aquidauana para servir como porto para os fazendeiros do pequeno distrito. Explica-se, desse modo, o porquê de a construção da Matriz ter ficado próxima ao rio, e não mais acima, por onde a cidade desenvolveu-se mais tarde. Na fundação da cidade a via férrea não existia e todos os suplementos viajavam por barco. A viagem absorvia três meses. Era como ir do Rio de Janeiro a Buenos Aires navegando, precisava subir o Rio Paraguai, descer o Rio Miranda e entrar no Rio Aquidauana. Assim, o núcleo das cidades sempre tendia a crescer às margens do rio. Todo esse movimento, juntando os pedidos à proteção de Deus para enfrentar um rio cheio de perigos e armadilhas, motivou a erguer ali uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora da Imaculada Conceição, no ano de 1898. O local escolhido ficava alguns metros da barranca do rio e o responsável foi um sacerdote de Nioaque, que vinha ocasionalmente rezar missas e ministrar os sacramentos. Mal sabia que essa capela, em poucos anos, receberia os propagadores por excelência da devoção Mariana e ergueriam ali um legado espiritual que atingiria milhares de pessoas com a Palavra de Deus e o ardor da missão.

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7Primeiros Frutos da Missão

(1930)

O tempo continuava quente, mas agora com muita chuva. Era época das cheias pantaneiras. Os pássaros cantavam alegres, pareciam desconfiar que a vida humana depende da alegria do seu cantar. Os peixes pulavam da água, ora para apanhar comida, ora para agradecer ao criador por ter proporcionado uma nova era a essa região. Tu Deus, estavas conosco e eu não tenho dúvidas. As nuvens carregadas despejavam metros e metros de água

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sobre todos nós, lembrando que tínhamos recebido uma benção muito grande na pessoa daqueles missionários. O céu estava abençoando a todos com sua presença divina no mundo.

Foi muito inspirador ver aqueles homens de Deus enfrentar outra cultura e viver o desafio de preencher um vazio religioso provocado pela falta de padres numa área tão vasta como essa do Mato Grosso. Aprendi muito ao ver esses missionários deixarem o conforto de sua pátria embrenhando-se na mata, ora andando a cavalo no calor e na chuva, ora a pé, ora no “fordinho”, levando a mensagem de Deus para os pobres, nos lugares mais distantes dessas tão vastas paróquias. Sei que essa determinação e garra não atingiram somente a mim, mas muitas pessoas que começaram a buscar Deus com mais freqüência. Prova disso é que todos os domingos a pequena capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição recebia cerca de duzentos e cinqüenta fiéis para assistir ao Sacrifício Divino e escutar a fala animadora e retórica dos missionários do além-mar. Os cachorros deixaram de ser a maioria na participação da missa. Embora nem todos entendessem o que os missionários pronunciavam, pela pouca familiaridade com a língua dos mesmos, sei que a Copiosa Redenção do Cristo veio caminhar pelas nossas estradas embrenhando-se em nossas vidas pela ação desses peregrinos e trabalhadores da vinha do Senhor, forjados e redivivos na escola de Santo Afonso Maria de Ligório, o idealizador das missões redentoristas.

Certa vez vi padre Mohr observar suas primeiras impressões de Aquidauana com as seguintes Palavras:

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“Povo muito amável e amigável, famílias grandes e hospitaleiras.”

Dizem que só caminharemos vinte quilômetros se dermos os primeiros passos. E foi assim que esses homens de Deus construíram a sua história junto com a nossa. Já no início do mês de fevereiro, padre Mohr viajou para Miranda, pois na manhã seguinte, por vontade do bispo, iria assumir oficialmente a Paróquia Nossa Senhora do Carmo. Entre discursos, vivas e muitos rojões, a história redentorista começava em Miranda. Cidade que nasceu a partir de lavradores que escolheram terras favoráveis à agricultura e à criação de gado.

Toda a população acorreu à missa com a Igreja ainda em construção. Entre os fiéis presentes havia dois garotos que se mostravam sapecas diante de toda aquela movimentação, pois só tinham seis anos de idade, mas na hora da missa permaneceram quietinhos. Eram Armando Russo e Moacir Bossay. Sentiram-se chamados por Deus e foram os primeiros frutos do trabalho redentorista no Mato Grosso do Sul. Anos mais tarde escreveriam um bom pedaço dessa história sendo missionários redentoristas no Brasil e exercendo o sacerdócio. Esses dois meninos, envolvidos pela dimensão missionária sentiram-se atraídos aos caminhos de Deus e justamente seis anos depois do início de todo esse trabalho, em 1936, ingressaram no Seminário Redentorista.

Levados pelo padre Jose Fien, iniciaram seus estudos no Seminário Menor, em Aparecida, juntamente com os seminaristas da Província de São Paulo. Era muito cedo para ter um seminário próprio para tal obra. Mas o sonho já começava a ganhar corpo e no ano de 1958 foi inaugurado no Paraná, na

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cidade de Ponta Grossa, o Seminário Menor do Santíssimo Redentor.

Padre Armando foi o primeiro brasileiro a ser enviado para os estudos de filosofia e teologia nos Estados Unidos. Foi um verdadeiro lutador nos cursilhos e continua seu trabalho de comunicação através do rádio. Ficou dezenas de anos como diretor da Rádio Difusora de Paranaguá, no Paraná, onde enfrentou muitos desafios. Conta que nos tempos de revolução no Brasil, iniciados em 1963, confrontou os grupos “comunistas” no microfone da rádio e até recebeu juras de morte. Diz que haviam escolhido um poste para enforcá-lo, caso vacilasse.

Padre Moacir foi o segundo. Um grande incentivador das Missões Populares e das vocações. É constantemente lembrado pelo seu trabalho vocacional. Sabia conquistar e angariar missionários para a vinha do Senhor, junto aos jovens, nas missões e nos lugares onde passava. Viveu de mala por mais de 20 anos nas Santas Missões Populares. Tocou a vida de milhares de pessoas. Tinha uma memória invejável e lembrava de todos os párocos com quem tinha contato nas missões, inclusive o nome dos cachorros das casas onde ficava hospedado, em virtude das missões. Muitos missionários, a exemplo desses dois, foram formados e fizeram essa experiência de estudar nos Estados Unidos. Até surgir o Seminário Maior São Clemente, em Curitiba, a capital do Paraná.

A partir dessas duas primeiras vocações surgiram outras, tanto que, em 1932, receberam o primeiro candidato a irmão, Jorge da Silva. Ele chegou aos redentoristas altamente recomendado pelos salesianos. Morou um ano no noviciado em Pindamonhangaba, fazendo um profundo

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aprendizado sobre a vida redentorista, depois veio para Aquidauana. Mas era muito doente e sofria bastante com isso. Acabou indo para Campo Grande, ficando lá por três meses, depois foi desobrigado do seu juramento, a pedido dele mesmo.

8Novos Desafios

(1930)

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“A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao Senhor da messe que mande trabalhadores para a sua messe.” Essas palavras de Jesus explicitam bem a consciência da imensa missão e como eram poucos aqueles que percebiam a necessidade de orientar o povo, transmitir-lhes um sentido de esperança e de paz. Sozinho, Jesus sabia que levaria sua obra a bom termo, mas não quis, chamou os discípulos para ajudarem e aprenderem dele e continuarem a semeadura do Reino. A exemplo disso, percebendo que o trabalho aumentava e a necessidade era grande, no mês seguinte após a chegada, ainda batendo o pó da estrada de ferro, padre Mohr escreveu aos seus superiores em Nova York pedindo de imediato a ajuda de pelo menos mais quatro missionários. A resposta não demorou. Foi informado que os quatro novos missionários haviam sido escolhidos e se preparavam para a nova missão. Nesse ínterim, como superior da missão, resolveu fazer uma viagem de reconhecimento pela região. Com um Ford modelo 29, visitou Nioaque, as aldeias Bananal, Ipegue e Taunay. Foi à Miranda, Bonito, chegando a Bela vista, que na época contava com mil e quinhentos habitantes. Cruzou o rio Apa e visitou a cidade de Bella Vista, no Paraguai, que tinha dois mil habitantes. Ambas não tinham padres para atendê-las.

Voltando, era momento de preparar a festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, devoção que trouxeram dos Estados Unidos. Essa festa deveria ser especial, pois era a primeira de nossas vidas. Requisitou mais uma vez a ajuda dos missionários de São Paulo, que prontamente atenderam ao pedido e enviaram padre Afonso Zartmann para pregar o

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novenário de Nossa Senhora. Foi muito bonito. A participação foi de grande escala, quase metade dos cinco mil habitantes de nossa cidade participou da solene procissão de encerramento no domingo, dia 22 de junho. A partir disso, mais de trezentas pessoas se inscreveram como membros da Arquiconfraria da Mãe do Perpétuo Socorro. Era bênção sobre bênção. A Mãe do Perpétuo Socorro amparava os missionários que a cada dia tinham uma surpresa especial para nós. O amparo da Mãe do céu era tanto que no fim do mês de junho padre Mohr anunciou que em breve chegariam quatro novos missionários. E noticiou que a missão em Aquidauana estava finalmente oficializada. Isso trouxe tranqüilidade aos missionários, pois, em Roma, cogitava-se tirá-los daqui e enviá-los para cuidar dos índios xavantes, no Xingu.

Finalmente, no dia 22 de julho, terça-feira, desembarcaram no Rio de Janeiro, vindo dos Estados Unidos, os novos missionários. Padre Mohr foi recepcioná-los e contava que subiu no navio para dar um grande abraço em todos, num estilo verdadeiramente redentorista. Dizia que as palavras não poderiam descrever a alegria em encontrá-los. Após um pequeno contato com o idioma, no dia 01 de agosto de 1930, época de intenso frio no chamado inverno pantaneiro, os quatro chegaram a Aquidauana. Eram os missionários Henrique Plufg, Guilherme Fee, Jose Fien e Rudolfo Reiss. Pareciam muito motivados e jubilosos em auxiliar na salvação das almas de nossa terra. Ao olhar para aqueles recém-chegados, tive a impressão de que sabiam exatamente de quem era a messe e quem eram os trabalhadores. Mas o ser humano é limitado e veio aos meus pensamentos se seria honra ou castigo

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estar na lista dos enviados para o Brasil. Será que formar uma equipe para tal missão no Mato Grosso fazia parte dos planos deles? Nunca obtive respostas, mas confio que somente o tempo e a consciência de cada um pôde responder a tais indagações. O certo é que nenhum deles era “profissional” em missão fora do seu país; nenhum deles pensou em integrar a lista dos continuadores de Jesus nesta região. Estou convencido de que os critérios de Deus são diferentes dos nossos. Para Ele não são as qualidades ou defeitos dos candidatos que contam, mas a docilidade ao Espírito. Sei que, de um modo ou de outro, se sentiram tocados, por estar na lista de Jesus. Mais uma vez, tive certeza de que Deus não “escolhe os capacitados, mas capacita os que Ele escolheu”.

Lembro bem do padre Henrique Plufg. Sempre estava descontente em ter vindo ao Brasil, mas em nome da obediência, realizava sua missão com especial carinho. Contava-nos que nasceu nos Estados Unidos, em Nova York, num lugar chamado Bronx. Era luterano e quando tinha vinte anos de idade se converteu ao catolicismo. Antes de vir para o Brasil, entre os anos de 1927 e 1930, foi secretário do provincial em Nova York. Inclusive, soube há pouco tempo que foi ele quem batizou o padre Clemente Krug, também redentorista norte-americano. Chamava nossas terras de Oeste selvagem do Brasil, a exemplo do padre Estevão de São Paulo. Acredito que reclamava bastante da situação do trabalho por aqui devido à necessidade de sujeitar-se a viajar pelo mato, por centenas de quilômetros de estradas poeirentas em péssimo estado, as quais dificilmente poderiam ser chamadas de estradas. Visitava aldeias indígenas que

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praticamente não falavam português e famílias que moravam em taperas de pau-a-pique rebocadas com barro e cobertas com folhas de palmeira ou sapé. Sempre que falava com pessoas de sua terra, aconselhava-as a não virem para cá. Dizia que aqui não tinha nada para ver, nem riquezas para serem descobertas, e que havia um monte de inconvenientes como animais selvagens, mosquitos, cobras enormes e o calor infernal. Reclamava que aqui era quente e úmido a maior parte do ano. Seu maior passatempo era tirar fotografias. Fotografava o carro atolado nos lamaçais pantaneiros, as araras em seus vôos elegantes, o tuiuiú no ninho, seus companheiros missionários em diversas situações e as construções das igrejas. Comentava muito sobre a alimentação. Esse é um fator importante para quem visita o país, em especial o Mato Grosso. Foi para ele uma grande dificuldade se adaptar aos hábitos alimentares do lugar. Deixar costumes de lado e ingerir uma nova alimentação era um verdadeiro sacrifício. Dizia que sua maior surpresa no fator alimentação era a imensa quantidade de carne acompanhada de farinha de mandioca que o povo daqui comia. Ria muito quando lhe ofereciam carne seca e chamava isso de bife seco. Contava que certa vez foi visitar algumas comunidades de fazenda, bem distantes de Aquidauna, e presenciou o preparo de um alimento que lhe deixou amedrontado. Ele viu a cozinheira esquentar uma lata enorme de gordura e colocá-la na panela de arroz ainda não cozido. A água não foi adicionada até que a gordura fosse totalmente absorvida pelo arroz. Diz que o alimento era gostoso e repetiu várias vezes, mas teve que comer sem pensar, caso contrário jamais iria ingeri-lo. Sentiu que seu estômago pulava com tanta

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gordura e que tudo o que havia comido foi rapidamente expelido em forma líquida via fundilho das calças. Em contrapartida, padre Plufg dizia estar contente pela experiência que adquiriu no Brasil ajudando as pessoas na área da fé, na educação e também na área da saúde. Ficava muito feliz em nos ajudar a adquirir hábitos até então desconhecidos nesta região. Encorajava-nos a comer muita fruta e muitos vegetais. Certa vez apareceu com um saco cheio de laranjas, sentou-se em frente da casa e começou a descascar e a comê-las. Todos ficamos admirados com aquele missionário estrangeiro comendo uma fruta que para nós não tinha muito valor e nem pensávamos em consumi-la. Mas, ao descascar as laranjas, nos falava das suas vitaminas e valores protéicos, dizendo ser riquíssima em vitamina C, auxiliando o organismo na resistência às infecções, formação dos ossos e dentes, cicatrização das feridas e queimaduras, dando vitalidade às gengivas, evitando hemorragias e conservando a mocidade. Padre Plufg explicava que o ferro contido na laranja faz parte do sistema produtor de energia e leva às células o oxigênio que os pulmões respiram. Para que não se perdessem todas essas vitaminas, aconselhava-nos, caso não fôssemos consumi-las, deixá-las com casca, se fosse consumi-las descascar e comê-las imediatamente. Todos esses ensinamentos nos convenceram. Em pouco tempo havíamos aprendido a saboreá-la de modo natural ou em compotas, doces e licores. Aprendi que era necessário ficar mais atento aos passos daqueles homens, pois tínhamos muitas coisas para aprender e, quem sabe, melhorar muito a nossa qualidade de vida. Não sei se era uma resposta ensaiada ou algo que vinha da espiritualidade, mas todos eles sempre

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repetiam num grande chavão: “nós aprendemos mais do que ensinamos a vocês”.

Fiquei sabendo que padre Plufg foi enviado ao Brasil para fundar uma casa em Santos. Essa residência deveria ser um local de descanso para os missionários. A idéia nunca saiu do papel. Mais tarde, tornou-se superior em Aquidauana e vice-provincial consultor. Padre Plufg era conhecido como Papai Noel, pois sempre presenteava os paroquianos com coisas que sobravam da comunidade. Certa vez houve uma grande festa na paróquia de Aquidauana e ele repartiu todo o lucro da festa entre as pessoas que haviam trabalhado. Isso evidencia a mentalidade de que vieram nos ajudar e explica o fato de o término da Igreja, da escola e da casa paroquial ter sido custeado com dólares americanos, os chamados óbulos caridosos dos fiéis norte-americanos. Parece que a situação somente foi mudar na década de 60, quando essa prática foi severamente questionada pelo Provincial dos Estados Unidos e todos começaram a perceber que precisavam levar a obra adiante com recursos providos do Brasil.

Padre Henrique Plufg retornou aos Estados Unidos quinze anos depois que chegou ao Brasil, no ano de 1945, e faleceu em seu país de origem no dia 19 de outubro de 1961.

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9Miranda, vizinha de Aquidauana

(1930)

É mês de Agosto, ainda sentimos o frio que se abateu sobre nossa região neste ano. Ouço o grunhido das grandes araras que brincam sobre o coqueiro. Ao longe, o João-de-barro num imenso estardalhaço anuncia que sua nova casa foi concluída ou que há perigo à vista. Um bando de capivaras, com seus filhotes, atravessam as águas do Rio Aquidauana. Devem buscar alimento ou simplesmente passeiam e se exercitam. Há uma leve brisa no ar. Os galhos das árvores mexem-se suavemente demonstrando que a natureza está viva. O sabiá canta alegremente na copa de uma das árvores perto daqui.

Diante de paisagem tão rica, volto ao dia 09 de agosto de 1930 e lembro, como se fosse hoje, na sacristia da Igreja de Aquidauana, a distribuição dos trabalhos aos novos missionários que acabavam de

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chegar. Sem dúvida, os ventos sopravam a favor da grande obra evangelizadora que vivíamos desde o mês de janeiro. A distribuição ficou assim delineada: padres Afonso Hild e Jose Fien iriam trabalhar em Miranda; padre Rudolfo Reiss e William Fee, em Bela Vista. Esses dois últimos também tinham a missão de cuidar temporariamente da paróquia de Bella Vista, no Paraguai. Em Aquidauana ficariam os padres Francis Mohr e Henry W. Plufg. Feita a distribuição, cada um deveria se dirigir para a nova empreitada missionária. O tempo urgia e as almas precisavam de acompanhamento e dedicação. A poeira da estrada era causticante, mas nada poderia impedir que os servos de Deus prosseguissem em sua jornada. Miranda e Bela Vista aguardavam ansiosos pela chegada daqueles que ajudariam a escrever uma nova história na região, qual terra seca aguardando pelas águas da chuva.

Miranda é uma paróquia vizinha de Aquidauana. Territorialmente, sozinha é maior que a Bélgica e de muito difícil acesso aos seus arredores. Ao oeste tem a cidade de Porto Esperança, mais distante de Miranda do que o tamanho total de Porto Rico. Na estação chuvosa, os pântanos cobriam os caminhos impedindo as viagens e dificultando o desenvolvimento do catolicismo em muitos lugares da paróquia. No verão, entre os meses de setembro e abril, os termômetros chegavam a marcar 45 graus à noite.

Seus registros batismais e de casamento datam de 1824, dois anos após o Brasil se tornar independente de Portugal. Os primeiros registros foram assinados pelo padre Bento de Souza, capelão militar da fronteira. Em 25 de agosto de 1835, um decreto do Imperador do Brasil elevou Miranda ao

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estado de paróquia, iniciando assim a divisão entre tempo eclesiástico e civil. Miranda foi invadida em janeiro de 1865, após o ditador Lopez, do Paraguai, ter ordenado a invasão do Brasil, mas ofereceu grande resistência devido ao número de tropas brasileiras civis e militares que guardavam pântanos e matas. Em fevereiro, o pároco de Miranda, um Frei italiano chamado Mariano Bagnaia, que tinha se juntado às tropas de inspeção, retornou à cidade para apanhar comida e roupas para os paroquianos que guardavam a floresta. Encontrou a igreja em ruínas. Apesar dos paraguaios culparem os índios pela destruição, o frei protestou energicamente contra o comando paraguaio. Recusando ser protegido pelos fiéis, foi levado como prisioneiro para Assunção. Mas, libertado sob intervenção do Consulado italiano, voltou à Miranda para ajudar seu povo nas necessidades e sofrimentos. Motivou a população a reconstruir Miranda após a derrota dos paraguaios, que se retiraram do Brasil. Conta-se que esse Frei, quando morava em Corumbá no ano de 1887, foi acusado de não pagar o relógio da igreja que acabara de ser construído. Diante dessa calúnia, vingou-se rogando uma praga contra os moradores de Corumbá. Expulso, enterrou suas sandálias em lugar incerto, afirmando que a cidade somente retomaria o desenvolvimento quando fossem desenterradas. Verdadeira ou não, a lenda ainda é satirizada na abertura do carnaval corumbaense, reconhecido como um dos melhores do interior brasileiro. E sempre sai às ruas de Corumbá o bloco carnavalesco chamado “As Sandálias de Frei Mariano”, abrindo o carnaval da cidade.

O sucessor do Frei Mariano foi Julião Urquia, que ficou em Miranda de 1874 até 1910. Durante seu

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pastoreio, o Brasil se tornou República, a igreja se separou do Estado, a religião foi proibida nas escolas pública e o casamento civil tornou-se obrigatório no Brasil. Nesse período, foi regulada a navegação no Rio Miranda. Depois do padre Julião, os carmelitas, provindos da Holanda, cuidaram de Miranda por dois anos. E então, assumiram os salesianos, de 1913 a 1930, até que o padre Francis Mohr, dia 09 de fevereiro de 1930, assumiu formalmente a paróquia em nome dos redentoristas norte-americanos. Os salesianos agradeceram imensamente a chegada de mais missionários para o Estado, mas haviam deixado Miranda dois meses antes. Padre Mohr e Hild avisaram o povo que iriam rezar as missas dos domingos em Miranda e Aquidauana até a chegada dos outros redentoristas americanos em agosto.

Enviados para lá no mês de agosto, padres Hild e Fien se colocaram imediatamente a trabalho. Lembro bem do padre Jose Fien. Sempre me pareceu seguro de si e sabendo onde colocava os pés. Ficou no Brasil quinze anos. Em 1945, voltou para os Estados Unidos. Faleceu no dia 01 de agosto de 1986 com 84 anos na chamada casa de “Saratoga”. Os dois buscaram concluir as obras da Igreja matriz, que estava inacabada. As paredes estavam levantadas, havia teto, as portas estavam colocadas, mas não tinha piso, era somente terra. Não havia instalações de água nem eletricidade, sem janelas, sem canaletas para a água da chuva, sem acabamento interno ou externo. Tinha um humilde tabernáculo com a presença do Santíssimo, anunciada por uma chama vermelha, alimentada continuamente com óleo. Ao tomar posse, padre Hild, com muito esforço e sacrifício, buscou concluir a Igreja matriz, auxiliado pela comunidade e por doações americanas. A igreja

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foi projetada pelo construtor português Manoel Secco Thomé e pelo arquiteto alemão Frederico Urlass, quando da sua passagem pela cidade.

A primeira casa dos missionários tinha dois quartos, uma grande sala e uma cozinha pequena. A sala era dividida com uma cortina e uma cama. A cozinha não estava pronta para uso. Os missionários faziam as refeições na casa do Prefeito da cidade, Pascoal Russo. Mais tarde, vieram cuidar da escola as irmãs, que também faziam suas refeições no mesmo local. O filho dessa família, Armando Russo e seu colega Moacir Bossay, ainda meninos na época, tornaram-se os primeiros missionários brasileiros ordenados em Esopus, New York, em 1949. Depois voltaram para trabalhar como missionários no Brasil, sua Pátria Mãe.

A despeito do enorme tamanho da paróquia e da extensa população, atendiam mais de 20 mil almas. Duas das maiores fazendas do mundo – em extensão, não em número de gado – estavam no território paroquial. Seis estações de linha férrea, distante meia hora cada uma, estavam dentro de uma das fazendas. Muitas panteras, tigres e sucuris eram vistas nessa região. Para medir o tamanho da fazenda sempre utilizavam a distância que o jeep percorria. Se este levava uma hora para cruzá-la, do início ao fim, então era uma fazenda considerada pequena. Em cada fazenda havia mais de quinhentas pessoas, que moravam espalhadas na grande extensão do seu território. Com raras exceções, a população nunca era o maior obstáculo para o desenvolvimento da fé.

As viagens até Miranda quase sempre eram feitas de trem. Lembro que eu ia à casa de uma tia em Miranda, que morava bem próximo à estação

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ferroviária, e ficava observando o trem. Era um lugar interessante, ali se juntavam dois trechos de linha, um vindo de Água Clara e outro de Pedro Celestino. Quando tinha oportunidade de estar em Miranda, gostava de ver o trem da Noroeste, sempre atrasado, com as janelas refletindo os quadros da vida humana. O trem passava à uma hora da tarde, mas nunca respeitava o horário. Apitava, diminuía a velocidade e parava na estação, onde o povo embarcava e desembarcava, acomodando-se entre a primeira ou segunda classe. Em seus bancos de madeira ou estofados, aguardavam o apito e o grito de partida. Os ferroviários, com seus uniformes e quepes, picotavam os bilhetes, vendiam doces, revistas e gibis, sempre com um sorriso estampado no rosto.

Padre José Fien auxiliava seu co-irmão Hild e dedicou-se à construção da primeira Igreja em louvor a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em todo o Estado do Mato Grosso. Localizada na aldeia indígena Cachoeirinha, a nova igreja foi inaugurada em novembro de 1931. Construíram outras capelas em aldeias indígenas e realizaram excursões no mais espesso e vasto matagal. É difícil para quem não conhece a região pantaneira calcular as grandes distâncias e compreender o isolamento quase completo das aldeias, fazendas e povoados que se distribuem pelo mato afora. Estudei sobre os bandeirantes e aprendi que eram homens destemidos e se embrenhavam no mato explorando cascalho nos rios e abrindo povoações. Enfim, levando o progresso ao interior do nosso Brasil. Tudo feito no lombo de animais, durante dias e mais dias numa estafante jornada de homens decididos. Em pouco tempo essas pequenas povoações se transformaram em vilas, ávidas por progresso. O

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bandeirante lutou pela ambição terrena e material. Numa luta semelhante, com sacrifício idêntico, os missionários fizeram por um ideal muito mais elevado, puramente espiritual, o de levar Deus a quem não O conhecia. Sabiam que as coisas mais valiosas da vida são gratuitas. Portadores da “bandeira” missionária, a exemplo dos bandeirantes, os missionários desbravavam as almas nos lugares e povoados das paróquias de Miranda, Bela Vista e Aquidauana. Um verdadeiro desafio no tempo que aqui chegaram os redentoristas e do trabalho que realizaram com sacrifício e abnegação. Seus vinte ou trinta mil paroquianos viviam espalhados por essa imensa região onde o vizinho mais próximo morava a quilômetros de distância. Lugar onde a estação das chuvas deixava caminhos totalmente intransitáveis. Muitas vezes partiam de carro ou caminhão e voltavam para casa cavalgando um velho burro.

Em 1932, o padre Reiter percorreu a cavalo até os lugares mais distantes da paróquia. Fez esse penoso trabalho por mais dois anos, quando juntamente com o padre Francis Dotzler foi chamado a trabalhar no Estado do Paraná. Um estudo dos registros da paróquia revela que o padre Reiter realizou inúmeras dessas viagens árduas buscando confortar as almas mais abandonadas e distantes de Miranda. Esse nobre exemplo motivava os outros, que às vezes ficavam desanimados com o exigente trabalho nas empreitadas pelo mato. Por tantas vezes passavam fome e sede, sofriam com o ataque de insetos, calor escaldante, cansaço e doença. Tudo precisa ser apreciado. Nas noites, descansando da árdua labuta diária e admirando as estrelas, certamente pensavam nos resultados concretos do trabalho e dos desconfortos e alegrias da

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empreitada. Sempre ouvíamos os missionários reclamarem da imensa umidade de Miranda, e era tanta que chegava a enferrujar os grampos dos breviários. Num mesmo verão, mais de cinqüenta cobras venenosas foram mortas, sempre encontradas dentro dos jeeps, no porão da casa, na sacristia ou em alguma sala dentro da igreja. Por inúmeras vezes meus parentes retornavam para o lar à noite, após as devoções na igreja, e encontravam jacarés dentro de casa, precisando espantá-los com um pedaço de pau ou a pedradas. Os mosquitos vinham em legião e a nós, pele acostumada aos maus tratos, não atacavam muito, mas os missionários, coitados, sempre eram os mais perseguidos. Freqüentemente os missionários distribuíam remédio contra a malária. Mostravam-se, pela destreza com que agiam e pelas dificuldades que enfrentavam serem verdadeiros gigantes que trabalhavam nessas condições somente porque tinham fé.

Embora só estivesse pronta para ser ocupada em seis meses, a escola paroquial foi inaugurada num domingo, 19 de março de 1933, dia de São José. Desde o início, a responsabilidade ficou a cargo das Irmãs Vicentinas, originárias da Bélgica, mas em sua maioria brasileiras. A escola tinha, em média, 300 alunos. Era muito simples e ocupava as salas de aula da escola primária. A construção começou em 1953 com o padre Leo Henighan no ano de 1953. Padre Tomas Sheehan, mais tarde, resolveu melhorá-la. Atualmente, nesse edifício, funciona a prefeitura de Miranda. Os alicerces são feitos de pedra bruta. Os tijolos foram comprados em Aquidauana e tudo foi transportado pela companhia de trem Noroeste. As intenções de missas no Brasil, que ajudaram nas

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despesas da construção, eram poucas, por isso sempre recebiam as intenções dos EUA.

Aos poucos a Palavra de Deus foi penetrando na vida do povo. Muitas vezes o número de almas a serem contatadas dependia dos jeeps disponíveis para o trabalho, fato nem sempre fácil de ser resolvido, porque estes necessitavam de freqüentes reparos devido às condições difíceis da estrada e não se encontravam mecânicos competentes para deixá-los viáveis. Os tambores de gasolina sempre vinham misturados com muita água, devido ao suor em decorrência do calor, umidade e freqüentes chuvas. Os imigrantes italianos e japoneses contribuíram muito com Miranda. Eram tão firmes na fé e houve tempo que havia cinco japoneses responsáveis pelos cursos de batismos.

Para um aprofundamento maior, mais tarde, veio o Movimento Familiar cristão, os grupos de oração, o cursilho, o PLC, encontros de catequistas, dentre outros mais. Junto à cidade ficava a aldeia indígena denominada “passarinho”. Havia outras três aldeias no interior da paróquia. Mais tarde, padre Thomas Egan escreveu um pequeno livreto sobre suas pesquisas da língua dos índios Terenos de Miranda. Da sede da paróquia os missionários deslocavam-se para atender o povo de quatro imensas fazendas, três estações de trem, quatro colônias e nove pequenas localidades, verdadeiras comunidades de base para o povo da região.

No dia 31 de dezembro de 1993, sessenta e três anos depois da chegada dos redentoristas, numa missa presidida pelo Bispo Dom Onofre Candido Rosa e concelebrada pelos redentoristas Lourenço Kearns, então Superior Provincial dos redentoristas, e pelo redentorista João Leite, além de outros sacerdotes,

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irmãs Lauritas e centenas de fiéis, a administração da paróquia foi entregue aos cuidados da Diocese de Jardim. Padre Lourenço descreveu brevemente as seis décadas de trabalhos realizados nessa paróquia pelos missionários redentoristas. Dom Onofre agradeceu, admirando todo o esforço dos redentoristas em fazer com que o povo buscasse a santidade. Alguém que estava na assembléia, no momento histórico dessa entrega, certamente rezou de coração pedindo as bênçãos do céu sobre todos os missionários da Congregação do Santíssimo Redentor que por ali passaram. Por todos os sacrifícios, pela escola paroquial, que proporcionou e facilitou o ensino através das inesquecíveis Irmãs Vicentinas; pelas sólidas construções erguidas e colocadas a serviço da comunidade; pela conclusão da bela igreja Matriz e pela igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na aldeia Cachoeirinha. Deus e os anjos do céu com certeza ouviram um obrigado por esse empenho e dedicação. Tesouro que não se vende. Que não se arrenda. Que não se compra. Tesouro que é dom de Deus e que possibilitou acontecerem coisas maravilhosas através da evangelização.

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10Bela Vista, fronteira com o Paraguai

(1930)

Sempre acreditei que Deus não obriga ninguém a fazer o bem. Também não obrigou Maria a aceitar ser a mãe do Redentor. Maria disse seu “sim” na liberdade. Ser obrigado a algo não é de modo algum o apelo final ao ser humano; o apelo final é a felicidade. E a felicidade se encontra em todos os lugares; está no tapete verde da relva que cobre a terra; no sereno azul do céu; na beleza da primavera; no sorriso humano de uma criança; na exuberante natureza do pantanal; na sintonia do canto do passaredo. A felicidade também está no fazer as coisas com amor e em nome da vocação. Se assim não o for, seremos tristes, depressivos, entregues ao desânimo e sofrimento. Sinto, do fundo do coração, que cada trabalho assumido na missão desses homens de preto com rosário na cintura era envolto por muito amor e por isso se apresentavam felizes e destemidos em enfrentar os obstáculos que não eram poucos. Mesmo assim, no ano de 1930 mais um aparecia: Bela Vista.

A paróquia de Bela Vista foi criada em 04 de abril de 1924. A cidade fica a trezentos metros acima do nível do mar e é uma região plana e quente. O Rio Apa a separa da cidade irmã, Bella Vista, no Paraguai. Foi emancipada em 20 de julho de 1918 e tornou-se palco da sangrenta guerra da

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tríplice aliança contra o Paraguai. A chamada “Princesa do Apa” foi desbravada por sertanistas que colocaram ali o marco de uma civilização que hoje se reflete majestosa nas águas do histórico rio Apa. No dia 11 de maio de 1867, num local denominado Nhandipa, que em guarani significa “Nós chegamos ao fim”,  aconteceu a violenta batalha chamada de “Retirada da Laguna”. As Terras ao Sul do Rio Apa, hoje pertencem ao Paraguai, e ao Norte, pertencem ao Brasil. Bela Vista abriga em seu solo uma vasta riqueza cultural. Nos dias de hoje, o Monumento Nhandipa homenageia os brasileiros e paraguaios mortos em combate na histórica batalha. A fauna e a flora da cidade são verdadeiras obras de arte da natureza, representada por cachoeiras, quedas d’água, bosques e rios. Na chegada dos missionários não havia indústria e a população ocupava-se basicamente da agricultura e pecuária. Anexada a essa paróquia estava o município de Caracol.

Os redentoristas entraram definitivamente na história da paróquia e da cidade através dos missionários William Fee e Rudolfo Reiss, no dia 14 de agosto de 1930, uma segunda-feira. Saíram de Aquidauana num Ford 29, buscando no mapa sua localização. Dezenove horas de lenta e dolorosa viagem, encontrando-se com carros de boi, rios e pradarias incendiadas, chegaram a Bela Vista ao escurecer. Para chegar foi preciso muito esforço, boa vontade e paciência.

A estrada de terra, nos tempos de chuva, ficava intransitável, pura lama. Era necessário atravessar o rio numa pequena balsa feita com quatro tambores de óleo cobertos com alguns pranchões. Uma verdadeira aventura naval. Tinha que se confiar muito em São Cristóvão e, para ser uma boa

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travessia, era preciso pedir a intercessão de Nossa Senhora dos Navegantes, pois era perigosíssimo cair na água devido à imensa quantidade de jacarés, piranhas e a grande profundidade do rio. Quando se chegava perto da cidade, a estrada reduzia ainda mais, se transformando em dois pequenos atalhos, ou carreadores, como costumamos chamar por aqui. O fato pior era a grama, que escondia os tocos de árvores caídos no chão, e estes, por diversas vezes, rasgavam os pneus do fordinho da missão. Outro detalhe era rezar para não encontrar nenhum caminhão na viagem, pois, caso encontrasse, precisava sair da estrada mato adentro, aumentando ainda mais os riscos. Sem contar com a constante presença de animais na estrada, como tamanduás, macacos, bugios, pássaros de diversas espécies e até mesmo onças. Era comum viajarem com um motorista da região no Ford jardineira, para ficarem ilesos dos perigos, pois os brasileiros tinham mais conhecimento da estrada e dos perigos que esta reservava. Assim, por amor à missão, a luta e as dificuldades foram sendo enfrentadas e vencidas.

Nas suas observações, estes destemidos redentoristas diziam que Bela Vista era em sua maior parte uma área selvagem e desolada do país. Quebrada apenas por grandes planícies onde vagueia o gado. Um território de três mil e oitocentas milhas quadradas, maior que a ilha de Porto Rico. Ao chegaram à casa que, de modo provisório, lhes daria abrigo por cinco anos, encontraram dois quartos reservados, mas de péssima acomodação. A cama era dura e cheia de pequenos insetos chamados percevejos. Foi o momento em que os mosquitos tiveram sua primeira refeição com sangue tipicamente norte-americano. No dia seguinte, festa

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da Assunção de Nossa Senhora, cinqüenta pessoas estavam presentes na missa. Padre Reiss cruzou o rio Apa, adentrando no Paraguai, e celebrou a missa para umas trinta pessoas. Depois, houve uma série de jantares a “la Brasil”, à base de arroz, feijão preto, bife com alho e outros ingredientes que não conseguiram identificar, oferecidos por um hotel da localidade. Seria muito difícil descrever adequadamente as dificuldades que enfrentaram nesse primeiro mês. Ao longo do dia e da noite os mosquitos, percevejos e mais variados insetos os apavoravam, além de acharem muito desagradável o paladar da comida. As missas no Paraguai aconteciam sob o sol tropical e sempre chovia. Somente a esperança de um futuro feliz e uma boa colheita entre as almas pobres e os mais abandonados lhes permitia vencer esses dias e noites escuras que sentiam no corpo e na alma. A partir do mês de setembro perceberam que a missa dominical no Paraguai começou a ter uma aceitação muito boa. Padre Reiss, com sua facilidade para idiomas, balbuciava o guarani misturado com espanhol entre os paraguaios. Padre Fee rezava as missas no lado do Brasil. Muitas pessoas de Bela Vista vinham participar porque ficavam curiosas para conhecer melhor os missionários de língua atrapalhada, e assim freqüentavam a pequena igreja recebendo conselhos e atendimento espiritual. Quase todos lamentavam o fato de não haver uma escola católica.

O primeiro natal foi molhado e lamacento. A chuva resolveu cair com muita intensidade, mas a igreja estava cheia para a missa da meia-noite. Padre Fee presidiu. Padre Reiss e mais dois homens formaram o coro. No dia do Natal duas missas aconteceram no lado do Brasil e três no lado do

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Paraguai. O número de confissões foi alto. Alguns dias depois, 11 de janeiro de 1931, um domingo, deram boas vindas ao novo membro da comunidade, padre Maurice Driscoll. Também foi em janeiro que padre Fee foi nomeado oficialmente reitor e vigário da paróquia.

A religião do povo belavistense era regida pela festa. Apareciam na igreja somente para os grandes festivais. No resto do tempo a grande maioria nem passava perto. Mas os missionários não desanimavam e o trabalho continuava. Dia 08 de maio de 1931 o padre Eduardo Reinagel, um veterano de seis anos de trabalho em Porto Rico, veio juntar forças nos trabalhos missionários no Paraguai. Em 12 de junho, Dom Antonio de Almeida Lustosa visitou pela primeira vez a paróquia de Bela Vista. Um homem simples, zeloso e santo que ficou muito feliz e rezou pelo bom êxito na missão dos missionários americanos. No dia 09 de agosto, dois missionários brasileiros, da vice-Província de São Paulo, padres Oscar Chagas e Antonio Pinto de Andrade, chegaram à Bela Vista para a primeira missão. A missão foi um grande sucesso, milhares de pessoas fizeram as pazes com Deus. Muitos homens que já estavam no sexto casamento, sem nunca terem feito a legitimação, se juntaram ao grupo dos convertidos. Os missionários estimularam todos a olharem com carinho os frutos produzidos em seu território e a continuarem firmes no seu trabalho.

Ainda em 1931, padre Reinagel foi a Porto Murtinho a cavalo e viajou mais de duzentos e quarenta quilômetros. Cinco semanas depois, voltou com duzentos batizados e trezentas crismas. Essa viagem se transformou em regra de ouro. Em janeiro de 1932 chegaram duas Irmãs da Congregação de

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São Vicente de Paulo, após três dias de viagem. Vieram de Aquidauana de carro. Dois anos após a chegada dos primeiros redentoristas na cidade, a Escola Paroquial, cedida pelo governo do Estado por um período de dois anos, começou a funcionar. Era o dia 1º de março de 1932, uma terça-feira. Cento e noventa e uma crianças foram matriculadas. Em 31 de janeiro de 1934 foi inaugurada a capela de São Geraldo. Com o término do contrato da escola cedida pelo governo, em fevereiro de 1934, foi inaugurada a Escola Paroquial Santo Afonso, que começou a funcionar com 62 alunos, sendo concluída em definitivo somente no dia 08 de julho. A pedra fundamental da nova Igreja foi lançada nesse mesmo dia e ano: 08 de julho de 1934. Finalmente, era hora de construir a casa dos missionários, cuja pedra fundamental foi abençoada no dia 18 de fevereiro de 1934, logo após a missa dominical. A nova casa dos missionários lentamente ia tomando forma. A cada duas semanas vinham de Aquidauana tijolos, cimento, ferro, transportados por carro; dependendo do clima levavam bem mais tempo.

Durante esse tempo, o padre Mohr saía de Aquidauana para visitá-los, e chegava como um verdadeiro enviado de Deus. Além de confraternizar com seus confrades, oficialmente suscitava junto aos paroquianos, no Brasil e no Paraguai, as obrigações para com a Igreja e missionários. Foi ele quem garantiu a construção mais apressada da casa paroquial ao lado da Igreja. Diz ter recebido um telegrama chamando os missionários para retornar à Aquidauana, caso a casa paroquial não fosse entregue urgentemente. Utilizou-se de um verdadeiro truque para apressar as obras. Entre correrias e atropelos, dia 13 de fevereiro de 1935 se mudaram

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para a nova casa, que diziam ser construída no alto da colina. Enfim, a casa antiga e desconfortável ficou somente na memória. Em 1935 foram terminadas as capelas de Nuncatevi e de São Patrício. A Igreja Matriz de Santo Afonso foi construída e inaugurada em 1935. A igreja utilizada como Matriz até então era a Capela do Divino Espírito Santo, uma pequena capela que foi inaugurada junto com a paróquia, em 1924.

No dia 6 de setembro de 1940, a capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no pequeno povoado de Porteira, a sessenta e quatro quilômetros da cidade, estava concluída. No dia 06 de novembro de 1941 foi abençoada a pedra fundamental do Hospital São Vicente de Paulo. Os missionários foram considerados fundadores do hospital e o pároco nomeado diretor.

Bem mais tarde foram criadas associações religiosas como Apostolado da oração, Cruzada Eucarística, Filhas de Maria, Cursilho, Movimento Familiar Cristão, Círculos Bíblicos e tantos outros que ajudaram a alimentar e estruturar a vida espiritual e comunitária dessa paróquia. Além de cuidar do povo de Bela Vista e daqueles que moravam no Paraguai, na outra margem do Rio Apa, ainda tinham que cuidar das almas da pequena cidade de Caracol.

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11Primeira Assembléia do Grupo

(1930)

A primavera chegou. Mesmo que ninguém se lembre, ela vem e procura os jardins, as florestas e os campos para se hospedar. As vozes dos passarinhos ensaiam cantos entoados há milênios de anos. Pequenas borboletas azuis, vermelhas, brancas e amarelas batem asas pelos ares. É a recepção a essa que se hospeda no mundo a cada ano que passa. Aqui no pantanal ela encontra mais lugares para debruçar sua beleza e encantar o coração da gente. Ao observar as borboletas, penso que conversam no chamado “borboletês”, mas é uma

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linguagem que não conhecemos, só podemos imaginar o que comunicam entre si. Talvez digam que os humanos são bobos, pois não se dão conta de que a vida funciona mesmo sem eles e que a terra maternalmente se enfeita todos os dias para sua perpetuação. O ser humano vai, mas o mundo fica e a primavera continua a acontecer. O inverno continua a ser frio e o verão quente, independente da vontade humana. Tudo na natureza acontece como sempre aconteceu. Não é o ser humano quem dita as regras. Assim, penso que acontece com a evangelização. Não é o ser humano quem dita as regras, só é convidado a ajudar. E, para isso, é preciso esforço, organização e continuidade na jornada. Foi isso que os missionários de preto com rosário na cintura fizeram na primavera de 1930, buscaram se organizar melhor e orientaram algumas coisas para a obra missionária que empreendiam. A exemplo da primavera, tal obra precisava continuar acontecendo, mesmo se um deles viesse a faltar.

No mês de outubro daquele histórico primeiro ano, padre Francis Mohr, como superior do grupo, convocou uma reunião em Aquidauana. Podemos dizer que foi a primeira grande Assembléia desse grupo missionário. Os itens tratados eram assuntos muito práticos e visavam exclusivamente o início de toda organização dos trabalhos. Afinal de contas, já havia seis missionários distribuídos na região e era emergencial que tudo começasse a ser melhor organizado:

– Meios e métodos para o trabalho apostólico– Ampliação e construção das Igrejas– Aquisição dos terrenos para construir a casa

dos missionários

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– Busca de freiras para dirigir as escolas paroquiais

– Manutenção da comunidadeA partir dessa reunião, alguns trabalhos

começaram a se desenvolver melhor. Em Bela Vista, por exemplo, resolveu-se construir a Igreja Matriz Santo Afonso Maria de Ligório, que teve a pedra fundamental lançada em 1934 e concluída em 1935. A casa paroquial começou a ser construída em 1934, por Luiz Louzinha. As duas têm como vista, logo à frente, a bela construção do 10º Regimento de Cavalaria Mecanizado, construído pelo Exército Brasileiro em 1919. Como verdadeiros apóstolos, movidos e fortalecidos pelo Espírito Santo, esses missionários não pouparam esforços para se fazerem dom total a Deus. Homens grandes, no tamanho e na destreza, sensíveis aos outros, mas implacáveis contra a ignorância religiosa e o abandono do povo na área espiritual.

12A Irmandade do Perpétuo Socorro

Nesta manhã, sem nada para fazer nem rumo para tomar, saí caminhando sem destino. Eu, velho-menino, vi surgir de repente uma velha locomotiva, estacionada numa estação abandonada. E, novamente, este velho, dando licença ao menino, resolveu ali entrar. Da janela imaginei a viagem sorrateira pela estrada de ferro que mais parece uma grande sucuri devorando o espaço da mata e pastos

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do Mato Grosso. Imaginei a fumaça preta e ardente produzida pela queima das muitas toneladas de carvão cujo calor gerou a força que o motor precisava. Quantas histórias os trilhos têm para contar? Quantas lembranças ficaram marcadas nas estações que parou? Quantas famílias tiveram início em seus vagões, após olhares despertos pelo fogo do amor e da paixão? Quantos missionários ali viajaram na busca de fazer a vontade de Deus? Tempos que longe vão! Deixaram saudades, mas trouxeram novidades. Implantaram devoção e ajudaram a encontrar Deus de muitos modos. Veio a devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que gerou a Irmandade do mesmo nome, fundada no ano de 1930 com uma grande festa na cidade, fazendo nossa região sentir Deus dentro do coração.

Associações religiosas floresciam e o Mato Grosso começava a conhecer melhor a Mãe do Perpétuo Socorro. A cada quarta-feira pela manhã e noite, devoções especiais começaram a ser realizadas em sua honra. As devoções dos fiéis eram celebradas no terceiro domingo de cada mês, sempre ao anoitecer. Havia a recitação do rosário, sermões e orações com imagens milagrosas, juntamente com as bênçãos e o beijo na imagem. Sempre havia mais de cem pessoas nas devoções, que foram transferidas para as quartas-feiras à noite. Isso ajudava a fortalecer nossa fé. Lembro-me, como se fosse hoje, de algo bonito que aconteceu certa vez. Um dos missionários deu um pequeno quadro abençoado de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro a uma das crianças, que alegremente levou-a para casa e mostrou ao pai, que se dizia ateu. O homem, ríspido e cheio de ódio, lançou a imagem no fogo, mas apesar de mergulhada nas labaredas incandescentes

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a imagem não se queimou. Os boatos desse notável incidente tomaram conta da cidade e conquistaram muitos corações para Nossa Senhora. Mais uma vez, do imprevisto e impossível, Deus faz acontecer o possível.

Às vésperas do primeiro natal daqueles missionários no Mato Grosso, chegaram dois novos missionários: padres Maurice Driscoll e Jose Reiter. Em menos de um ano a Diocese de Corumbá deu um salto de oito para 16 padres. Padre Driscoll, ao viajar certa vez de Campo Grande a Bela Vista, que demorava dois dias devido às péssimas condições da estrada, chegando colocou dois revólveres na mesa dizendo: “Graças a Deus não foi necessário usá-los hoje.” Padre Driscoll ficou no Brasil até o ano de 1933, voltando para os Estados Unidos, faleceu no dia 07 de dezembro de 1969. Do padre Reiter não sei quanto tempo ficou no Brasil, mas ele faleceu nos Estados Unidos, dois meses antes do padre Driscoll, no dia 01 de outubro de 1969. Com a chegada desses novos trabalhadores das vinhas do Senhor, veio a notícia de que em abril de 1931 o superior Provincial dos Estados Unidos, padre Andrew Kuhn, viria ao Brasil para visitar a nova missão trazendo mais dois missionários. Sempre estávamos nos deparando com gente nova em nossa cidade.

No final do ano, na festa da Imaculada Conceição, padroeira de Aquidauana, Dom Antônio, bispo diocesano, esteve presente. Ficou com as pregações dos três  últimos  dias da novena, crismou e celebrou a missa da primeira comunhão  das crianças, preparadas naquele  primeiro ano de atividade daqueles missionários em sua Diocese, e foi embora feliz ao ver as boas obras se realizando e pela certeza de ter acertado ao convidar aqueles

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missionários para ali desenvolverem o valioso patrimônio da fé.

13Parabéns pra você...

Primeiro Ano da Missão!(1931)

Em 21 de janeiro de 1931 comemoraram um ano de vida da obra missionária. Era ainda como um

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bebê que engatinhava. Muitas coisas já haviam sido feitas e amadurecidas. Outras ainda estavam no papel, mas sendo obra divina tinha tudo para crescer e ganhar vida. Nesse mesmo ano, dia 12 de outubro, foi inaugurada a famosa estátua do Corcovado, no Rio de Janeiro. Também conhecida como Cristo Redentor. Um estrondoso monumento criado pelo artista plástico Carlos Oswald e executado pelo estatuário francês Paul Landowski. Tal monumento tornou-se a maior escultura art déco do mundo. O evento de inauguração teve a presença do cardeal Dom Sebastião Leme, do chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas e de todo o seu ministério. Por iniciativa do jornalista Assis Chateaubriand, o cientista italiano Guglielmo Marconi foi convidado a inaugurar a iluminação do monumento, a partir de seu iate Electra, diretamente da Baía de Nápoles. Emitido do iate, o sinal elétrico seria captado por uma estação receptora instalada em Dorchester, na Inglaterra e retransmitido para uma antena em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, de onde seriam acesas as luzes do Corcovado. No entanto, o mau tempo prejudicou a transmissão e o monumento foi iluminado diretamente do Rio de Janeiro. Sendo ou não iluminado de longe, o fato é que Redentor, Nápoles e outros conceitos estão muito próximos dos redentoristas. Afinal, a Congregação dos Redentoristas nasceu em Nápoles, através do projeto de Santo Afonso, e foi batizada de Congregação do Santíssimo Redentor.

Se essa inauguração tem algo a ver com a Congregação não sei dizer, mas concluo que Deus nos enviava sinais de sua presença em nossa vida através do Redentor e dos missionários, filhos de um napolitano. E se as luzes do Cristo Redentor do

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Corcovado não foram acesas diretamente da Baía de Nápoles, as luzes redentoras foram acesas em nossos corações pelos missionários, cuja espiritualidade originou-se lá.

O ano de 1931 avançava. No dia 14 de fevereiro, um sábado, 389 dias depois da chegada daqueles primeiros missionários de preto, era hora de receber as que iriam dirigir a primeira escola paroquial dos redentoristas norte-americanos, as Irmãs Vicentinas, de São Paulo. De início vieram quatro Irmãs. Aquidauana recebeu uma inestimável bênção com a vinda delas, pois tomariam conta da Escola Paroquial dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Como foram escolhidas para esse trabalho? Parece que Deus age certo e sabe realmente o que faz. Após a reunião de outubro, considerada a primeira assembléia do grupo missionário, padre Mohr pediu ao padre Estevão, em São Paulo, que indicasse alguma Congregação religiosa feminina para desempenhar sua pastoral junto à Escola Paroquial de Aquidauana. Padre Estevão simplesmente atravessou a rua que separava a residência dos redentoristas em São Paulo, da casa Provincial das Irmãs Vicentinas, atrás da Igreja da Penha, e conversou com a Madre Provincial. No dia 20 de janeiro de 1931, a madre e mais duas irmãs vieram a Aquidauana para o reconhecimento do seu futuro trabalho apostólico. Em 09 de março de 1931 começou a funcionar a Escola Paroquial com o nome de Colégio Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

No dia em que as Irmãs chegaram houve uma bela recepção. Um grupo de crianças as escoltou da estação de trem até a Igreja, onde ressoou um hino de ação de graças a Deus pela nova era que

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começava em nossa cidade. Depois, as Irmãs se dirigiram até sua residência temporária, próxima à Igreja. Descansaram e começaram os preparativos para o trabalho de educação. As matrículas deveriam ser feitas com urgência, começando as aulas no dia 09 de março, onde houve a inauguração da escola com uma missa solene e a presença de aproximadamente 50 crianças.

No mês de abril de 1932 foi assentado o alicerce para a nova escola e o convento, ficando tudo pronto no mês de fevereiro do ano seguinte. O prédio foi feito com dois andares, possuindo nove salas de aula, um auditório e a capela. Dois grandes dormitórios, para as meninas que vinham de longínquas fazendas para receberem educação. O dormitório das meninas tinha acomodação para receber até 50 internas. Um local espaçoso que poderia comportar até 600 alunos.

Surpreendentemente, em 1948, dezessete anos após o início da obra, já haviam passado pela escola de Aquidauana 5.792 alunos. O sistema de educar crianças e jovens nas suas belas e imponentes escolas foi digno da atenção das autoridades civis e religiosas da região. Os missionários perceberam uma urgente necessidade de escolarização e entraram no campo da educação por causa da carência na formação. O Estado não assumia bem isso naquela época. Verdadeira lambada no rosto dos políticos que não se preocupavam muito com a educação. Uma obra de custo pecuniário elevado, mas que mirava não somente a glória de Deus, como também o progresso espiritual, material e o futuro do nosso querido Brasil. Uma contribuição que mudou completamente a mentalidade e a realidade de nossa gente. A inauguração oficial da nova escola

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aconteceu no mês de novembro de 1933, quando ainda celebravam o bicentenário da fundação da Congregação do Santíssimo Redentor. Convidaram o grande orador sacro, padre Estevão Maria, de Aparecida, para a pregação de um tríduo, elucidando o significado daquela data. O Bispo de Corumbá, Dom Vicente Priante, que no mesmo ano havia tomado posse do seu cargo na Diocese, veio junto com seu secretário, padre Clemente Doroczewski, participar da alegria dos missionários, bem como, animá-los a continuar seu nobre apostolado. Desse modo, coube ao bispo a honra de inaugurar a nova Escola Paroquial.

O convento das Irmãs era uma casa separada, ao fundo da escola. Sendo que a escola tinha um enorme pátio com bastante espaço, com balanço, quadras de futebol, basquetebol e voleibol. As Irmãs prestaram um grande auxílio pastoral, tanto na escola como nas capelas e aldeias da região. Foi também uma luta de muito suor e muita dedicação. Quantas crianças foram beneficiadas com a presença das irmãs na escola. Quantas pessoas ganharam importância no país pela educação, estudo e moral que receberam na aprimorada Escola Paroquial. Até o ano de 1933, todas essas paróquias assumidas já possuíam escolas paroquiais.

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14O Informante

Hoje pela manhã avistei um beija-flor que navegava por entre as flores de uma trepadeira que se enrola na cerca do meu casebre. O voar e a persistência da pequena ave me deixam encantando. Veloz, chega como se fosse um raio. Com as asas rápidas, quase imperceptíveis, estaciona no ar. "Beija" a flor com precisão e suavidade, sem machucá-la. Repentinamente, desloca-se até outra. Em instantes desaparece. Para onde vai não sei, mas o encanto daquele momento permanece. Ouvi dizer que é uma das menores aves do mundo. Pode ser pequena, mas é grande em velocidade e beleza. O beija-flor sempre me ensinou que “tamanho não é documento” e que pode nos comunicar grandes coisas através da beleza do seu voar. Falando em comunicar, alguns missionários prezavam muito a comunicação e gostavam de deixar todos informados dos feitos e avanços dos trabalhos assumidos.

Padre Alphonso Hild era um desses interessados em deixar seus parentes e amigos nos Estados Unidos informados de tudo o que acontecia aqui. Lembro do dia em que enviou uma carta ao seu tio, padre Joseph Hild, também redentorista e assistente procurador da Província de Baltimore. Padre Joseph morava na casa Provincial, nos EUA, no Brooklyn. A carta data de 24 de julho de 1931. Escreveu tudo em inglês, mas estávamos numa aula de religião e ele traduziu para nós antes de enviá-la. Mais tarde, chegou em minhas mãos uma cópia

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dessa carta em inglês, editada no Jornal The Catholic News, nos Estados Unidos. A carta dizia o seguinte:

“Meu Prezado padre Hild:

Faz um bocado de tempo desde que lhe escrevi. Sem dúvida que estamos realizando muitos milagres neste país do Sul.

Primeiramente, quero falar o quanto somos gratos pelos bens da missão e por tudo que é enviado a nós. Estas coisas começam com dificuldade, e ficam maiores se em tudo dependermos daqui. Assim, apreciamos a bondade do Provincial que com solicitude de pai se preocupa com nosso bem-estar.

Queremos que, por favor, nos mande alguns livros de hinos. As pessoas daqui amam cantar hinos na missa e nas bênçãos. Da mesma maneira, se alguém doasse alguns toca-discos portáteis, poderíamos impressionar muito mais, e você sabe quanto significa atrair estes povos pobres, ignorantes à igreja. Eles sabem muito pouco sobre religião, mas o problema não é esse. Eles não tem padres para instruí-los. Poderia você nos mandar alguns missais e algumas imagens para as crianças, como aquelas que temos em nossa casa redentorista na 25th? Estamos gradualmente instruindo-os na devoção.

E agora, em poucas palavras falo sobre nosso trabalho aqui. Sei que você está muito interessado. Quando viemos para cá, mal conseguíamos reunir o povo. Agora temos um bom número, não somente nas missas, mas também durante a semana, e recebem a santa comunhão. No último domingo tivemos 105 comunhões.

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Isto acontece porque vocês nos dão as condições de estar aqui. Podemos abrir os olhos e dizer: Isto é maravilhoso. Estamos firmando a devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e preparando a festa da mesma. Por nove dias haverá pregação em português. E durante as celebrações distribuímos gravuras e medalhas de devoção. Isso faz com que o coração desse povo pobre se entusiasme cada vez mais. No dia da festa, atendemos muitas e muitas confissões e distribuímos muitas comunhões. No mesmo dia, tivemos a primeira comunhão de 50 crianças. Em apenas um mês, 80 crianças receberam o Corpo do Senhor pela primeira vez.

Na tarde do dia da festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, tivemos uma excelente procissão pela cidade. A imagem e o quadro de nossa abençoada mãe foram artisticamente decorados e levados pelas moças. Homens, mulheres e crianças participaram da procissão. Uma grande multidão! Ao retornar para a Igreja, fizemos o fervorinho e recitamos o ato de consagração a NSPS. E depois a benção final.

Tivemos um incidente peculiar ocorrido durante essa última novena. Certo homem da cidade, que parecia possuído por um grande desamor a Nossa Senhora, e até impedia suas crianças de estudarem na escola Perpétuo Socorro. Certo dia, uma das suas filhas foi para casa com um livreto da novena em que havia uma pequena gravura de NSPS na capa. Assim que o pai viu a figura na mão da filha ficou furioso. Atirou o pequeno livro no braseiro incandescente do fogão. Veja o que aconteceu, quando a gravura caiu no fogo nada aconteceu. A gravura de Nossa Senhora permaneceu intacta sem nenhuma

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desfiguração. Algumas mulheres apanharam a figura e levaram para a casa dos missionários. Elas estavam emocionadas com o ocorrido. Você ainda pode nos perguntar sobre a menina e seu pai. O homem estava totalmente amedrontado. Sua atitude mudou de repente. Eu estou certo de que isso resultará em conversão.

Uma pessoa em São Paulo está construindo para nós um lugar sagrado. Esperamos ter em breve um local apresentável para o quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Estamos lamentando a perda do nosso bom bispo. Sem dúvida você ouviu falar que nosso bispo Lustosa foi nomeado arcebispo de Belém do Pará. É um santo homem e nós todos o amamos muito.

Em Bela Vista a devoção a NSPS tem aumentado muito. Temos mil membros na Arquiconfraria. Esperamos que para o mês de outubro tenhamos cinco irmãs para cuidar da escola de lá. Devemos ter batizados de adultos e 10 legitimações matrimoniais. Das cinco procissões ali realizadas, uma era somente de homens. 300 homens cantavam e rezavam enquanto andavam na rua. As mulheres ficavam ao lado e os homens ao longo da procissão. Um grande número de homens recebeu os sacramentos. O que não é usual por aqui. Agora estamos com muito entusiasmo e fervor agendando a missão por aqui. Com amável respeito mande-nos um daqueles retratos de madeira de Nossa Senhora. Pretendemos erigir um lugar sagrado. Certamente que nossa abençoada Mãe nos enviará muitas bênçãos para esta vinha tão negligenciada do Senhor. Renovando meus sinceros desejos. Seu devotado sobrinho, Alphonso G. Hild, C.Ss.R.”

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O conteúdo da carta revela como os milagres e as bênçãos de Deus iam acontecendo em nossa vida e na vida dos nossos missionários e como o padre Hild gostava de informar a todos que estavam nos Estados Unidos sobre os andamentos da missão aqui no Brasil.

No final de abril de 1931 chegaram a Aquidauana os padres Andrew Kuhn, Superior Provincial dos Estados Unidos, e Henry Otterbein, consultor, em companhia de mais dois novos missionários: o padre John Carey e padre Edward Reinagel. Após a visita e muitas conversações, padre Andrew e Henry voltaram aos Estados Unidos, sendo que enviaram mais dois missionários: padres Alberto Braun e Fredrick Necker. Nos próximos dois anos seguintes mais nove missionários chegaram à missão. Ao final de 1933 eram 21 missionários que compunham as comunidades já estabelecidas de Aquidauana, Bela Vista e Miranda. Desse modo, estava lançado o sólido alicerce da vice-Província redentorista nas terras pantaneiras e começaram as reflexões sobre a expansão do trabalho missionário. Havia muitos missionários fixados em poucas linhas de trabalho. Além do mais, 14 irmãs vicentinas já compunham o quadro das escolas paroquiais dedicando tempo integral à formação humana, intelectual e religiosa das crianças.

Foi nesse ano de 1931 que tivemos em Aquidauana nossa primeira missão popular pregada por dois redentoristas de São Paulo: padres Oscar Chagas Azeredo e Antonio Pinto de Andrade. Um sinal de grande progresso espiritual para todos. Incontáveis casamentos foram realizados, inúmeros batizados de adultos e crianças e muita gente fez as

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pazes com Deus através da confissão, em muitos casos, a primeira confissão. Durante a missão se formou a sociedade dos homens, chamada “Liga Católica”. Iniciou com 120 homens e com o tempo formou-se uma banda sob a direção de um músico local chamado Luiz Mongelli, com instrumentos adquiridos pelo padre Mohr através da Igreja São Pedro na Filadélfia. Tal banda ficou tão famosa que nenhuma procissão ou evento na cidade se realizava sem a presença dela. Por muitos anos a banda dava conserto todos os domingos à noite em frente à Igreja. Ela conseguia atrair grande número de admiradores que se deliciavam com as melodias ali entoadas.

Outras cidades também receberam a missão. Foi um pedido feito com muita insistência pelo senhor Bispo. Os missionários ficaram por ali entre os meses de Julho, Agosto e Setembro e missionaram além de Aquidauana, Miranda, Corumbá, Bela Vista, Campo Grande e Três Lagoas. O resultado foi muito consolador considerando as condições espirituais em que se achavam as paróquias. Um verdadeiro tempo de Graças e bênçãos que se derramou sobre todos nós.

15Evangelizando os Garimpeiros

(1932)

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Engraçado, todos nós dependemos de outras pessoas para realizar nossos sonhos e muitas vezes nem reparamos. O pior é quando também não damos conta de todas as outras pessoas que dependem de nós para realizar o sonho delas. O músico depende de um patrocínio inicial para compor ou fazer shows. Sonha com a fama, que só é alcançada se tiver público que goste de sua música. Todo aquele que escreve um livro e deseja publicá-lo depende de um editor, ou de alguém interessado em ver a obra publicada e de uma editora que a publique. Creio que devemos estar mais atentos a todos que nos ajudam a realizar nossos sonhos e a todos que dependem de nós para realizar seus sonhos. Afinal, como já dizia um roqueiro brasileiro: “o sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas o sonho que se sonha juntos é realidade”. O segredo desses missionários era sempre buscar sonhar juntos, em comunidade, como eles sempre falavam. Sabiam que um precisava do outro, e isso evidenciou o entusiasmo missionário que contagiou por inteiro toda a Província de Baltimore, nos Estados Unidos. A ânsia em ver o sonho missionário ir cada vez mais adiante levou ao envio de mais e mais missionários para nossas terras.

Os trabalhos difíceis, as péssimas condições de locomoção e hospedagem não eram páreo para aqueles que, com um rosário na cintura, desbravavam nossas almas com testemunho e resignação. Pra se ter uma idéia, durante o ano de 1932, padre Reiss ia rezar na cidade de Nioaque, lugar de difícil acesso, com muito barro e distante oitenta e oito quilômetros de Aquidauana. Nos tempos de chuva, a viagem chegava a levar até seis horas. Era uma das principais cidades da região, mas

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a população diminuiu, chegando certa época, a apenas mil habitantes, passando a viver somente da glória do seu passado. Depois do padre Reiss, padre Ott deu continuidade a esse trabalho indo lá na primeira semana de cada mês, ficando sexta, sábado e domingo.

Para o trabalho em Nioaque e nas capelas, os missionários compraram dois veículos Ford. Um para viagem e um caminhão para fins mais sociais. Costumavam brincar que em algumas viagens somente Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e São Cristóvão poderiam ganhar crédito, de tantos problemas e adversidades. Verdadeiras aventuras através de campos sem estrada, córregos sem ponte e desgastes do veículo.

Aquidauana tinha alguns terrenos diamantíferos e padre Ott começou a visitar regularmente Santa Fé, onde mais de mil caçadores de diamantes haviam tomado posse das terras, em busca das preciosas pedras. O objetivo era levar a eles a fé e os caminhos do Senhor, pois era um povo nômade e sem lei. Disso tudo, Santa Fé acabou se resumindo em um monte de cascalho lavado e dezenas de desoladas cruzes marcando as sepulturas daqueles que sentiram a lei do revólver e da ganância. Mas, o lugar mais difícil de visitar era a comunidade Buriti, uma reserva indígena que ficava escondida entre os morros da Serra de Maracajú, a mais ou menos cento e vinte quilômetros da cidade de Aquidauana. Chegava-se lá somente depois de uma jornada de vários dias no lombo de um cavalo. O primeiro a visitar essa aldeia foi o padre John Carey, em 1933. Foi a primeira vez em suas vidas que as pessoas daquela localidade viram um padre. Mesmo com essa precariedade, todos foram assimilando a fé

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com facilidade e em pouco tempo já estavam cantando e recitando o rosário com perfeição. E isso foi passando de geração em geração. Padre Ott acabou nos ensinando que é pela perseverança e persistência que as coisas acontecem. A água desenha belas paisagens e inimitáveis obras de arte correndo lentamente por entre as pedras. As realizações não caem do céu gratuitamente, antes que cheguem vem o suor e o cansaço. É como diz o Salmo 125: “Os que em lágrimas semeiam, cantando hão de colher”.

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16A “Casa Mãe” de Aquidauana

(1933)

É mês de Agosto, os campos pantaneiros ainda sentem o vento frio do inverno que por aqui passou. Mas as flores começam a dar sinal de que a primavera está por chegar. A poeira, voa pelos ares devido às estradas secas. No meio dos campos, os ipês solitários colorem o inverno de alegria. Essa visão me faz ir até a Escritura Sagrada, na passagem sobre o momento em que Moisés cuidava das ovelhas do seu sogro Jetro e viu uma árvore que pegava fogo, mas não se queimava. Ouviu uma voz dizendo ser sagrado aquele lugar. Não tenho dúvida que os ipês florescem no final do inverno para nos dizer que o lugar onde vivemos é sagrado e deve ser cuidado com amor e carinho, pois pertence a Deus. Aprendi que o Pantanal é um lugar sagrado. É um santuário, como dizem os ecologistas, e por isso os missionários vieram para cá. Vieram mostrar o quanto somos abençoados e nem sabíamos. Aprendemos que Deus escolheu plantar os ipês aqui para ensinar o quão sagradas são nossas terras, nossa cidade, nossa casa.

Falando em casa, foi em agosto de 1933 que os missionários mudaram para a nova casa de Aquidauana. Nunca vi pessoas tão felizes na hora da mudança como aqueles homens. Parecia que voltaram a ser crianças, cantarolavam e riam à toa. Entendi perfeitamente seu regozijo, pois três longos anos sem muita privacidade e sem espaço para o descanso adequado lhes havia feito muita falta. Era

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um momento de glória, iriam para sua casa, seu habitat, lugar sagrado para todo ser humano. O impressionante é que somente terminaram a construção da casa depois que a escola estava pronta. Essa foi uma lógica desses pioneiros de missão, em todas as paróquias por onde andaram, primeiramente foi construída a escola, depois a Igreja e finalmente a casa dos missionários. Viveram as privações, mas demonstraram sua preocupação com as crianças, que precisavam de educação.

Dessa nova casa posso falar que é muito ampla, corretamente erguida e diziam ser uma construção no estilo da Casa de Porto Rico, coisa que eu nunca entendi direito. Mas, construída em três andares, com acomodações para aproximadamente quinze missionários, era um edifício de grande porte, dentro dos moldes que nossa cidade não estava acostumada.

A obra foi inspecionada diretamente pelos padres Mohr e Hild e tinha como engenheiros e construtores responsáveis os senhores Camilo Boni, Ângelo Falhi, Luiz Louzinha e José Gonçalves. Toda embasada em estrutura de concreto e tijolo maciço revestido de argamassa. Cobertura de madeira e telhas de barro. Na parte interna, uma escadaria que dá acesso às alas. Externamente há um coroamento tipo frontão ondulado com abertura no tímpano, encimado por uma cruz latina, com certa inspiração eclética e tendência barroca.

Dotada de capela, salão de reuniões, uma ampla biblioteca, refeitórios e um grande número de salas para atendimento. Uma garagem para quatro carros. Toda rodeada de varanda pela parte interna, para se ter bastante ventilação, uma necessidade urgente nesta região de muito calor. Além de todas

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essas acomodações, havia um belo quintal, onde foi construída uma quadra de basquetebol e voleibol para o clube dos meninos. Ao redor da quadra, terras para plantação de árvores frutíferas e pastagem para os cavalos. Tudo isso para a boa comodidade dos missionários que chegavam e saíam como abelhas que passam o tempo colhendo mel, polarizando as flores e construindo sua colméia.

Um problema constante era a falta de luz. Aquidauana já tinha energia elétrica, pois dizem ser a primeira cidade do Mato Grosso a receber tal benefício, mas a distribuição da energia era muito precária. Um pouco mais tarde foram instalados na casa geradores de luz movidos à gasolina, que eram ligados apenas das 18 às 23 horas. Fora desse horário eram desligados e as luzes se apagavam. Nos tempos da Guerra Mundial era difícil conseguir gasolina, por cinco anos não havia combustível. Somente os caminhões que transportavam gêneros de primeira necessidade conseguiam. Pode-se dizer que eram contrabando da pior espécie e qualidade. Não havia ônibus ou transporte público. Quando se queria ir para algum lugar onde não havia linha de trem, recorria-se ao cavalo ou esperava-se vários dias por uma carona em algum caminhão. Era comum viajar quilômetros e quilômetros em cima das mercadorias. Com essa problemática, o jeito era andar a cavalo e se contentar com velas e lampiões. Como não havia muita convivência com o povo da cidade, à noite jogavam baralho, liam ou conversavam entre si. Televisão e cinema ainda não havia, mal escutavam as notícias pelo rádio. A distância entre as paróquias de Miranda e Bela Vista eram grandes, por isso, apenas de vez em quando tiravam alguns dias para se visitarem. Também não

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havia proteção contra os mosquitos nas janelas e, na beira do rio, eles sempre incomodavam muito.

Enfim, uma casa bem planejada e altamente segura. Nada mais justo que buscar sentir-se em casa diante de tanto trabalho e renúncias. As casas dos missionários sempre eram mais confortáveis e luxuosas que a maioria das residências da cidade. Talvez porque a maior parte do dinheiro vinha dos Estados Unidos, ou porque era preciso acomodar muitos missionários. Mesmo assim, por várias vezes, presenciei outro problema constante nas casas: a falta de água. Por isso, fizeram cisterna ou algibe, cavando bem fundo para suprir a deficiência de água. Mesmo assim o risco era grande. Como verdadeiros baluartes da fé, confiavam na providência divina e sempre jogavam medalhas de São Geraldo dentro do poço para que os protegesse da falta de água. Ele nunca os decepcionou!

Em 1935, o pensamento era fazer da casa de Aquidauana uma residência para os missionários que iam ficando mais doentes e idosos. Para se ter um lugar mais amplo e confortável, foi adquirida uma fazenda às margens do rio Aquidauana, alguns quilômetros longe da casa. Esta serviria também para criar galinhas, cultivar cereais e outros produtos. Mas os vizinhos roubavam tudo o que era plantado, os cavalos escapavam e sumiam antes de se pensar em procurá-los. Raramente se beneficiaram do local para lazer e descanso. Deu tanta dor de cabeça que o projeto foi abandonado e a fazenda vendida poucos anos depois.

Aquidauana ficou sede central da vice-Província missionária até 03 de janeiro de 1939, quando foram assumidas as paróquias de Santo Antonio e Nossa

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Senhora do Perpétuo Socorro. Devido à centralidade, a sede foi transferida para lá.

17Outro Desafio, Porto Murtinho

(1933)

Enquanto Jesus percorria cidades e aldeias, pregando a chegada do Reino de Deus, se deparou muitas vezes com cenas de abandono do povo na área espiritual. O Evangelho relata um desses momentos: “ao ver a multidão, encheu-se de compaixão por ela, comoveu-se no mais íntimo do seu ser, porque estavam fatigados e prostrados como ovelhas sem pastor, profundamente desorientados”. Os pastores, em lugar de guiá-las, as desencaminhavam, comportando-se mais como lobos do que pastores. Tais palavras de Jesus tiveram plena atualidade na observação dos missionários, que encontraram em Porto Murtinho um povo desorientado e imerso nas garras de verdadeiros lobos. Perceberam que havia searas inteiras se perdendo porque não tinha quem as recolhesse; daí a necessidade de missionários alegres, eficazes, conscientes da sua responsabilidade para com o Evangelho.

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Porto Murtinho iniciou sua trajetória em meados de 1850, com uma expedição do Exército Brasileiro pela fronteira do Brasil com o Paraguai, que montou um acampamento em um local conhecido como “Fecho dos Morros”. Em 1883, Thomaz Laranjeira conseguiu autorização da Corte Imperial para a exploração da erva-mate e trouxe do sul do país um grupo de fazendeiros que já conheciam o manejo da erva. Contando com a mão-de-obra barata vinda dos índios da região e dos paraguaios, iniciou o ciclo de produção da erva-mate. A empresa denominou-se Mate Laranjeira. A prosperidade do Mate Laranjeira despertou interesse dos irmãos Murtinho, que possuíam enorme prestígio econômico e eram donos da Fazenda Três Barras, localizada na mesma região de exploração da erva-mate. Em 1900, a Resolução nº. 255 de 10 de Abril criou a paróquia de Porto Murtinho, desmembrada da paróquia de Corumbá. Foi o primeiro passo para a criação do município. A indústria ervateira possibilitou rápido desenvolvimento à região e o Porto se transformou no principal canal de escoamento, exportando não somente erva-mate, mas também gado, couro e charque a países da América, Europa e Estados brasileiros.

Foi no ano de 1933, aniversário do terceiro ano da obra missionária, que os missionários Francis Mohr e James Murphy foram verificar as possibilidades de efetivar o trabalho na cidade de Porto Murtinho. Sentiram de perto a extrema necessidade e abandono do povo. Padre Mohr ficou tão impressionado que resolveu escrever ao seu Superior nos Estados Unidos para esclarecer algumas coisas e pedir conselhos sobre esse novo empreendimento que deveriam assumir. Numa carta ao padre Frank,

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datada de 14 de outubro de 1933, ele comenta um pouco das suas impressões sobre Porto Murtinho e as necessidades que ali se encontravam:

“Temos trabalhado duramente nestas duas últimas semanas. Toda tarde tenho turma de catecismo. São 115 crianças se preparando para a primeira comunhão. Ensino um grupo em espanhol e outro em português. Para começar eu conheço somente o suficiente de espanhol agora. A viagem para o sul me obrigou a isso. Fui escolhido para um pedacinho do Paraguai. Bem, seis tardes por semana alternando entre meninos e meninas, significando trabalho em si mesmo. Estou ensinando um pequeno grupo a cantar hinos, e eles gostam muito. A primeira comunhão será dia 17 de setembro. Além disso, eu faço a devoção do rosário todas as noites. Uma multidão que varia entre 90 e 135 às vezes nos obriga a ir para a rua.

As missas aos domingos são bem cheias. No último domingo, por exemplo, 300 pessoas se fizeram presentes na primeira missa. Durante a semana os atendimentos nos surpreendem. Na maioria das missas poucos oferecem ofertas aqui.

Estamos buscando saber mais das proporções do levantamento do censo aqui em Porto Murtinho. Pessoas constantemente agradecem, porque estão completamente perdidas. Muitos falam com o padre simplesmente para desabafar e passar o tempo. Muitos trazem seus filhos para mendigar e ganhar mais dinheiro. Pedem e pedem de qualquer forma na igreja.

O prefeito, um bom companheiro, veio conversar um pouco comigo. Ele disse que sempre podemos contar com ele. Ofereceu-nos um lindo

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sítio na região. Eu achei promissor erguer ali uma igreja e depois uma escola. Disse-me que o interventor do Estado lhe escreveu para construir uma escola pública, mas que esta não seria construída se os redentoristas garantissem uma escola. Julgando pela lista de vacinação da cidade, são umas 300 crianças que estão em idade para a escola. Eu pedi a ele alguns dias para pensar. A cidade está numa situação financeira boa. As casas das melhores famílias são bem confortáveis. Há famílias mais abastadas aqui do que em Bela Vista. Estes são pequenos comerciantes. Há grandes cargas de navio daqui para São Paulo e a usina de luz elétrica move as indústrias localizadas na cidade. As construções também estão aparecendo nos sítios. A estrada de ferro garante as linhas do Brasil até Santa Cruz na Bolívia, conectando-se também às estradas do Estado.

Muitos homens daqui fazem parte de núcleos maçônicos. Há doações (dízimo) para as igrejas, para os pastores, e organizações beneficentes. Os evangélicos tem uma posição muito segura por aqui. Eles fazem sucesso entre os pobres. Entretanto, alguns estão enfraquecendo.

Padre James Murphy está trabalhando muito, fazendo o censo e visitando as fazendas distantes. Eu estou mais em casa, batizando, ensinando, catequizando e me preparando para as palestras da noite. Pela manhã também ajudo no censo. Padre Murphy está registrando os casamentos no livro. No último domingo anotou o primeiro de Porto Murtinho. Pode ver que estamos sempre ocupados.

Agora prezado padre Frank, o que podemos fazer? Eu aceito o sítio na região e instalo a capela ou a Igreja ou deixamos para outra oportunidade? Esta

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é, na verdade, uma chance de obtermos uma situação mais tranqüila na cidade, com uma vista maravilhosa para o rio, águas limpas e facilidades de esgoto. A propriedade está segura de enchentes (a última ocorreu em 1921) do rio e localiza-se no centro. As pessoas são pouco agitadas. Algum dinheiro aparece nas coletas, para o material. O dinheiro é com o bispo.

Agora, o que fazer? Aceitar a propriedade em nome da Congregação e permitir que as pessoas construam ou deixar tal negócio, perder as possibilidades e talvez algumas almas se percam. Todos dizem que somos os primeiros que não os olhamos como lobos na pele de carneiros. A Igreja tende a ser bem promissora aqui também, contudo, nada até agora havia sido feito.

Eu anseio poder ver e rever a situação centenas de vezes. O conhecimento do espanhol também é necessário aqui, pois as famílias são em sua maioria paraguaias e falam somente espanhol ou guarani (indígena). Por isso temos que catequizar em ambas as línguas.

Aqui estão os fatos que eu conheço. Alguma coisa deve ser feita para que as crianças não sigam o exemplo dos seus pais. Eu anseio e peço para ficar e socorrer essas pessoas. Esta é uma cidade com um futuro traçado para isto. A distorção da fé aqui é muito grande. Os pais suplicam pela alma de seus filhos. Todos os meninos nos perguntam se daremos mais instruções a eles. E outro dia 20 meninos e 04 meninas vieram pedir para ter sessões extras. Onde encontraremos isso?

O que podemos responder a este município? Devo chamá-los primeiramente a construir a escola pública, onde maçons irão lecionar? Ou eu aceito a

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propriedade e os convoco a construir a igreja, prometendo a escola para o futuro?

Por favor, mande respostas para uma coisa ou outra. O tempo é propício e quanto mais demora mais almas perdemos. O lugar é maior do que Miranda e tem alto valor comercial. Responda-nos logo, se possível. Isso pode soar importuno, mas você sentiria o mesmo se pudesse ver pessoalmente.” (Padre Francis Mohr)

Padre Mohr estava muito interessado em missionar na região de Porto Murtinho, em especial porque era uma das recomendações que recebeu do bispo quando o encontrou pela primeira vez em Aparecida, no ano de 1930. Ficou sensibilizado com o abandono do povo, que moveu seus sentimentos. Dentro de toda aquela corpulenta massa humana havia um missionário sensível, preocupado e disponível em semear o Evangelho, um verdadeiro “aventureiro da missão”. Também era preciso distribuir mais os missionários que estavam apenas com quatro frentes de trabalho: Aquidauana, Bela Vista, Miranda e Nioaque.

Os padres Alberto Braun e Tiago Murphy, moravam em Bela Vista e foram enviados a fazer uma visita de reconhecimento a Porto Murtinho. Após dois dias de viagem, chegaram ao destino, no dia 17 de agosto de 1933. Rezaram a missa e, como não havia capela, rezaram na casa de uma senhora da comunidade, dona Eudosia Frens. Foi uma missa bem participada. Anunciaram que tinham vindo fazer uma visita paroquial. Visitariam todas as famílias da pequena vila, realizando um levantamento sócio-econômico-religioso. Uma espécie de missão popular. Interessante que essa metodologia na missão popular

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só foi adotada na década de sessenta, em virtude das recomendações do Vaticano II, mas já o fizeram nessa época, em Porto Murtinho. Com as visitas encontraram 1020 famílias, constituídas por um grande número de casais sem o sacramento do matrimônio. Era maior o número de paraguaios que brasileiros. Por quatro semanas, durante todas as noites houve missa e mais de cem pessoas participavam. No dia 24 de setembro, festa de Nossa Senhora das Mercedes, houve primeira comunhão e mais de cento e trinta crianças, preparadas por eles, receberam o divino sacramento. O prefeito da cidade, Sr. Mario Codorniz, inaugurou um movimento em prol da construção da Igreja. Com essa movimentação conseguiram quatro mil tijolos e um terreno, doado pela Sra. Tomaza Frens. O terreno era mal localizado e não serviu para a construção da Igreja. Após esses dias de intensa atividade, precisaram retornar a Bela Vista, o que fizeram no dia 06 de outubro de 1933, quase dois meses depois de terem chegado.

No dia 14 de janeiro de 1934, padre Alberto Braun retornou a Porto Murtinho, acompanhado do padre Rodolfo Reiss, que na época morava em Aquidauana. O padre Alberto havia sido nomeado vigário de Porto Murtinho, por Dom Vicente. Alugaram um quarto na pensão “Pão Quente” e começaram o trabalho. Fizeram a planta da nova Igreja, na medida de 8 x 16 m e 5 m de altura. Ao todo, a construção foi orçada em 96 contos. Uma soma impossível para a época. Aos domingos rezavam duas missas e todo o dia tinha o terço e a ladainha de Nossa Senhora. Passaram quatro semanas nessa jornada, quando receberam uma carta do padre Francis Mohr pedindo que voltassem para Aquidauana. No mês de março de 1934, padre

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Braun voltou a Porto Murtinho, chegando lá no domingo de ramos, chamado na época de domingo da paixão. Foi uma semana abençoada, com participação excelente. Surgiu um novo movimento em favor da construção da Igreja. Mas a peregrinação ainda não tinha seu desfecho. Por muitas vezes ainda padre Braun foi a Porto Murtinho, houve épocas que ficava por lá dois meses, outras quatro. Nunca ficava em definitivo por não ter residência para os missionários, nem Igreja. Em junho de 1936, a planta da Igreja ficou pronta e lançaram a pedra fundamental. Na cerimônia estavam presentes o prefeito da cidade, o cônsul do Paraguai, Benigno Lopez, padre Braun e uma multidão de fiéis. Tal obra ficaria pronta no final de 1939, mas já no dia 01 de janeiro de 1939 foi inaugurada e recebeu a bênção, tendo como padroeiro o Sagrado Coração de Jesus. A obra missionária estava encaminhada. Era hora de ir para outras frentes. Foi então que no dia 11 de dezembro de 1940, sete anos após os primeiros contatos, a paróquia passou às mãos dos Frades Franciscanos. Os redentoristas partiram para outros lugares. Voltaram ali no ano de 1964, entre 19 e 29 de junho, quando pregaram as Santas Missões, com a presença dos missionários Moacir Bossay e Nilo Sheridan. Missões essas que somente voltariam a acontecer 34 anos depois, no ano de 2007.

O trabalho era divino e ao mesmo tempo árduo. Nesses quatro anos a obra missionária ganhou muitos frutos. Uma boa parte do sul, do imenso Mato Grosso, estava vivendo o impacto da mensagem de Jesus Cristo ao estilo dos redentoristas. Homens cheios do espírito missionário, com vontade de servir e de ajudar. Imersos numa área de muitos desafios

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espirituais e físicos. Lembro que o jornal Senhor Bom Jesus de Congonhas, em Minas Gerais, relatou, num dos seus artigos, algo sobre a jornada desses homens de preto com rosário na cintura. O artigo dizia o seguinte: “Mas o que de verdadeiro se oculta atrás desses algarismos, estatísticas de batismo e casamento, confissão e comunhão, são os homens que realizaram tudo isso (...). Enfim, homens que não sabiam o que era mato até que se viram dentro dele; que não conheciam as intempéries das selvas, as diversidades do clima e da alimentação, homens que tiveram de lutar com a nova língua e costumes diferentes... E nunca, por um só momento, pensaram ser heróis. Eles estavam cumprindo o que cada redentorista, desde Santo Afonso, tem prometido com solene juramento: “trabalhar pelas almas mais abandonadas”.

Eu sei que esses missionários encontraram em nossas terras uma mina de almas abandonadas. Pessoas que reclamavam não terem auxílio espiritual, que raramente viam um padre passar por ali e lhes ajudar no conforto espiritual. Mas também encontraram muitas dificuldades. Muitas vezes ouvi alguns deles desabafar dizendo que estavam a quase dez mil quilômetros longe de casa, isolados no mato, com dificuldades no conhecimento da língua, privados de muitos confortos, que consideravam uma necessidade de vida, mas que continuavam porque era uma obra nobre, uma obra de Deus. E que podiam esperar um tal de “dabitur vobis”, coisa que até hoje não sei o que significa. Mas isso os enchia de esperança e coragem. Tanto que era preciso avançar para uma segunda fase, buscar novos caminhos e novas terras. Esse caminho já se abria e surgiam ao longe as terras do Paraná. Uma nova fronteira, com

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novos desafios, mas com a sensação de que no Mato Grosso os primeiros passos foram bem dados. Não podiam ficar estagnados. A exemplo de um grande rio, para que seja caudaloso é preciso percorrer caminhos, encontrar pedras, arrastar folhas, juntar-se a novos rios e continuar sua jornada. Ficar somente no Mato Grosso poderia causar grandes e dolorosas perdas para o Reino e a obra. O ânimo poderia dar lugar ao desânimo e quem perderia seria o Reino de Deus, assim, precisavam expandir. Já haviam assinalado isso ao assumir uma paróquia no Paraguai, em Bella Vista. A missão no Paraguai não estava prevista, mas sentiam necessidade de avançar em águas mais profundas. A obra exigia mais. Finalmente resolveram, sem deixar o Mato Grosso, partir também para o Estado do Paraná. Começa aqui um segundo momento em toda a obra que vai avançando passo a passo, falando de Deus, continuando Jesus e demonstrando uma grande fortaleza de fé, alegria de pregar, fervor na caridade e perseverança na oração. Homens verdadeiramente apostólicos e genuínos discípulos de Santo Afonso.

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18Tibagi: Ouro e Diamante

(1934)

Lembra que falei sobre distribuir os missionários para outras frentes? Aqui começa toda uma nova caminhada, agora voltada para outra região, o Estado do Paraná. Era hora de repensar a missão. E repensaram! Assumiram em 1934 uma paróquia no interior desse Estado, na cidade de Tibagi. Era a paróquia Nossa Senhora dos Remédios.

Tibagi fica nas colinas do alto do Amparo, às margens de um grande rio com o mesmo nome, Tibagi. Tal rio era conhecido desde 1754 como o El-Dorado, pois revelou sua riqueza em diamantes e ouro aos paulistas, que iniciaram o garimpo. A fama de riqueza no garimpo atravessou o país e foi ecoar longe. De todos os lugares vieram garimpeiros audazes, embalados pelas boas perspectivas do rio afortunado. Os primitivos moradores da cidade procediam de São Paulo, e seu estabelecimento na região foi lento, até que fosse definitivamente escolhida a localização do povoado. Na década de 1930 as casas eram baixas, algumas de estuque, outras de tijolos pintados à cal. Geralmente eram

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brancas, às vezes um branco desfocado, às vezes um branco mais vivo, e cobertas de telhas ou de tabuinhas sobrepostas. Os terrenos eram cercado por ripas. Quase todas as casas tinham sótão, que podiam ser identificados pelas pequenas janelas acima do telhado. As ruas eram de chão batido, poeirentas nos dias secos. Lamacentas nos dias de chuva. Só havia calçada ao redor da praça. Quem precisava ir até Ponta Grossa via cidade de Castro, tinha que atravessar o rio Tibagi de balsa e viajar pela perigosa estrada de terra, em média até treze horas.

Quem deu inicio ao povoado foi Antônio Machado Ribeiro e sua família, que se instalaram na Fazenda da Fortaleza. Mais tarde tomaram posse das terras compreendidas desde o rio Pinheiro Seco até a barra do rio Santa Rosa. Pouco antes de falecer, cumprindo o desejo de sua falecida mulher, Antonia Maria de Jesus, doou mais de doze mil metros quadrados de terreno a Nossa Senhora dos Remédios. Doou também a casa, onde residia seu pai, com o fim de ser ali edificada a capela em louvor a Mãe dos Remédios. A capela iniciou com a irmã de Manoel das Dores, chamada Ana Bege. Uma senhora decidida e extremamente católica, que conseguiu na região alguns donativos para a construção, dando origem á cidade. Em 23 de março de 1851, chegou a Tibagi o primeiro Vigário, Frei Gaudêncio de Gênova, missionário capuchinho, natural da Itália, encarregado pelo Presidente da Câmara de Vereadores do município de Castro de propor limites ao território da nova cidade. Diversos municípios foram desmembrados de Tibagi como: Apucarana, Reserva, Ortigueira, Telêmaco Borba, Ventania e grande parte dos municípios do chamado "Norte

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Novo" do Paraná. Existe no Museu Histórico da cidade um mapa, do início do Século XX, no qual o município de Tibagi chega a fazer fronteira com Guarapuava, chegando até os rios Paraná e Paranapanema.

Mal sabiam que Deus reservava aos missionários de preto, com rosário e cruz na cintura, uma porção dessas terras a serem também evangelizadas. Oitenta e três anos depois que o primeiro vigário chegou a Tibagi, a paróquia Nossa Senhora dos Remédios passou aos cuidados dos redentoristas. Assim, começava mais uma etapa na expansão missionária desses homens de Deus, vestidos de preto. Era um novo vigor, um novo tempo para todos. Parece ironia, mas Nossa Senhora dos Remédios buscou dar o remédio certo para que a obra continuasse viva e abrasadora, mostrando àqueles missionários que o Brasil é um país de contrastes e diversidades, pois o povo do Paraná tinha outra dinâmica, bem diferente da nossa e isso animou os mesmos a continuarem firmes em sua jornada.

O bispo de Ponta Grossa, Dom Antonio Mazzarotto, foi o primeiro bispo da Diocese de Ponta Grossa e assumiu a mesma em dezembro de 1929. A diocese possuía um enorme território, incluindo a zona paranaense de Guarapuava e Palmas, e estava praticamente destituída de recursos humano e material. Tinha doze paróquias e nenhum representante do clero secular. Zeloso pelas almas de seu rebanho, e preocupado com a falta de padres para atendê-las, se colocou a procurar padres, a fim de suprir tais carências. Formou o patrimônio da diocese e convidou Congregações religiosas para o atendimento de paróquias e colégios. Promoveu a

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criação de novas paróquias, incentivou as obras vicentinas e fundou o Seminário diocesano São José para a formação do clero. Dividiu seus trabalhos pastorais entre o atendimento à sede e visitas pastorais a paróquias e capelas distantes. Viajou muito por regiões desprovidas de estradas. Publicava, anualmente, no aniversário de sua sagração episcopal, uma carta pastoral, com conteúdo doutrinário e sempre apresentava um plano pastoral anual para a Diocese. A primeira delas escreveu-a ainda em Roma, em 1930, publicando ininterruptamente até 1965, quando apresentou seu pedido de renúncia à Santa Sé.

Das muitas Congregações Religiosas que pediu ajuda naquele ano de 1933, várias responderam negativamente. Lembrou do padre Estevão Heigenhauser, da vice-Província alemã de São Paulo, e falou de suas dificuldades e necessidades de assistência. Padre Estevão recomendou os missionários redentoristas norte-americanos de Baltimore, que estavam atuando no Mato Grosso. Escreveu ao padre Francis Mohr e colocou suas perspectivas. Este respondeu em carta, que faria uma visita pessoal. A visita aconteceu no mês de janeiro de 1934, onde recebeu do bispo a oferta de trabalhar ou na paróquia de Tibagi, Ponta Grossa ou Castro. Positivamente impressionado, padre Mohr retornou a Aquidauana para apresentar o caso aos seus consultores. Ficaram em duvida sobre aceitar uma fundação permanente num Estado tão distante daquele que já estavam trabalhando. A Diocese de Ponta Grossa fica entremeio São Paulo e Rio Grande do Sul, sendo que poderia ser cuidada pelos redentoristas alemães da vice-Província de São Paulo. De qualquer forma padre Mohr e seus consultores

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decidiram socorrer o bispo temporariamente, mas antes, escreveram ao padre Andrew Kuhn e ao governo geral em Roma, para saber se aceitavam ou recusavam a proposta do bispo de modo definitivo.

Os três missionários apontados para o trabalho em Tibagi foram: Francis Dotzler, Rudolf Reiss e Harold Driscoll, todos estavam no Mato Grosso. Padre Dotzler foi apontado como primeiro superior do grupo, suas ordens para Tibagi era de continuar o trabalho dos padres Estigmatinos. Na cidade de Tibagi moravam mil pessoas, mas em toda a municipalidade eram 40 mil. Um grande número de gente extremamente carente de espiritualidade. Esse o motivo pesou na decisão de enviar os redentoristas para Tibagi, no mês de março do mesmo ano.

Dava gosto ver a alegria daqueles homens vestidos de preto que chegaram a Tibagi no dia 09 de março de 1934, uma linda sexta-feira, e trouxeram consigo uma força de vontade invejável para falar de Deus a todos. Os missionários mostraram-se joviais, empreendedores, otimistas, alegres e comunicativos, mostravam-se amigos e companheiros dos paroquianos, sem nunca deixar de lado a devoção. Ao chegarem, dirigiram-se rapidamente até o correio ansiosos para encontrar alguma correspondência atrasada dos jornais norte-americanos ou alguma noticia de seus familiares que residiam milhares de quilômetros dali. Com esplêndido zelo os três missionários se colocaram a trabalhar e organizaram a paróquia levando as luzes da fé a muitos abandonados. A paróquia ganhou um novo ímpeto.

O pároco que ali estava era da Congregação dos Estigmatinos, padre Ferrúcio Zanetti. Por muitos anos trabalhou praticamente sozinho. Depois que fez

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a entrega da paróquia, permaneceu ainda um mês, colocando os batizados em ordem. No dia 15 de agosto, o superior dos estigmatinos, padre Fortunato Morelli, foi à Tibagi para efetuar a venda das propriedades que pertenciam aos estigmatinos aos recém-chegados missionários de preto. Na lista das propriedades estava: um terreno entre a câmara e o mercado, contendo uma casa de tijolos com repartição de madeira; um rancho grande com porão; dois ranchinhos e mais os móveis que se acham na primeira sala, à esquerda, salvo o relógio de parede, constando de um arquivo, uma escrivaninha, uma mesinha redonda e cinco cadeiras nobres. Tudo foi acertado no valor de onze contos de réis (Rs 11:OOO$OOO). Eram os passos para plantar definitivamente os pés na cidade de Tibagi.

Tibagi era um campo missionário desafiador e muito grande, tinha viagens que levava um mês a cavalo, sendo que para atender bem a população tal viagem precisava ser feita com freqüência. Em Tibagi não dava para dar tempo ao comodismo e à preguiça. Isso nos remete ao estilo de trabalho do Apóstolo Paulo, que fundava comunidades em diversos lugares e nunca se aquietava. Seu único objetivo era ganhar pessoas para Cristo. Suas exortações eram calorosas e convincentes, com resumos bem desenvolvidos e aplicações pessoais. Sempre pregava com paixão e amor pastoral. O centro do seu trabalho era a pessoa de Jesus Cristo. Nunca deixei de observar que o centro do trabalho desses missionários, com rosário na cintura, era Jesus e sua Mãe Maria.

Havia na paróquia um grande numero de capelas espalhadas num raio de cem quilômetros. Uma distancia muito grande, em especial, quando as

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visitas eram feitas ora no lombo de cavalo, ora em caminhões ou jeeps que percorriam poucas distâncias durante o dia, devido ao estado calamitoso das estradas. A cada viagem eram feitos mais ou menos mil batizados, muitos casamentos, missas e unção de doentes. Iam de Tibagi até Bairro das Franças, enfrentando estradas ruins e perigos de viagem. Tudo muito cansativo e longe do conforto que estavam acostumados nos EUA. A comida era basicamente arroz e feijão, com pouca carne, diferente do Estado do Mato Grosso. As comunidades eram formadas por famílias pobres que não possuíam muitos bens materiais, mas poucos alqueires de terra e dali retiravam o suficiente para sobreviver. Na maior parte das capelas acontecia o culto dominical, e quando não havia missa ou culto, havia a reza do terço. As professoras davam aula de religião e faziam a preparação dos alunos para a primeira comunhão.

Com a presença redentorista, a paróquia ganhou novo animo e a bela Igreja plantada no centro da praça, que enchia de fiéis com a participação maciça nas três missas dos fins de semana. Esse ardoroso trabalho e evidente resultado não foi surpresa. Em 28 de março de 1935 receberam uma carta de Roma dizendo que a fundação de Tibagi, sobre as bênçãos de Nossa Senhora dos Remédios, estava aceita. A devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nas quartas-feiras, tinham enorme freqüência. Décadas mais tarde foi implantado o PLC, método de atualização para leigos. O PLC foi criado pelos redentoristas americanos no Brasil e tinha uma ramificação do Cursilho, no entanto, voltado mais para a população que não tinha condições de participar do Cursilho, em vista de disponibilidade de tempo ou outras razões. Veio

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também a Legião de Maria, que visitava hospitais, doentes e presos. Em 1977, ano Internacional da Criança, houve um esforço especial da Legião de Maria para registrar todas as crianças sem documentos. Outra força espiritual muito grande na paróquia foi o Apostolado da Oração que ajudou os fiéis a perceberem a real importância de Jesus eucarístico em suas vidas. Também teve muita importância a Oficina de Santa Rita que, auxiliada por tibagianos residentes em Curitiba, dedicava-se ao atendimento dos pobres na paróquia.

A bela igreja localizada na praça central da cidade era o mais belo monumento da localidade e o povo tibagiano demonstra uma fé descomunal. Nos dias da festa da padroeira, Nossa Senhora dos Remédios e de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a praça enchia de barraquinhas iluminadas, onde se vendiam guloseimas e onde o riso e as brincadeiras afloravam por todos os lados. As moças, geralmente de braços dados, desfilavam entremeio as barracas para despertar a atenção deste ou daquele rapaz e iniciar uma conversa, um namoro, o que muitas vezes acabava em noivado e casamento.

Todo esse trabalho buscava cativar o povo e envolve-lo cada vez mais nos caminhos do nosso Redentor. Em 15 de julho de 1936 o padre Francis Dotzler escreveu ao Provincial, padre Andrew B. Kuhn, nos Estados Unidos, pedindo ajuda de três mil e quinhentos dólares para reformar e ampliar a igreja matriz de Tibagi. Em seus argumentos declarava que o bom trabalho realizado na cidade fez com que a igreja ficasse pequena, necessitando ser reformada e ampliada. Comentava ainda que era muito escura e mesmo nas manhãs de intenso sol era necessário acender uma vela ao lado do missal para enxergar

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sem problemas. As instalações elétricas precisavam de muitos reparos e possível troca. O coro estava dilapidado e afirmava a importância em ter coisas bonitas para a casa de Deus. Duas coisas nos revelam o conteúdo dessa carta: a dificuldade financeira pela qual passavam a igreja e a cidade; a preocupação dos missionários em bem conservar as coisas de Deus.

Podemos dizer que os missionários souberam garimpar bem nessas terras, pois dali surgiu muitas coisas boas, inclusive inúmeros frutos da formação dos novos missionários, verdadeiros tesouros de evangelização. Ouro e diamante que ali receberam lapidação e que iriam brilhar em outros campos do Senhor. Quantos não passaram por ali, quantos não vivem sua vocação a partir dali? Tudo isso graças à comunicabilidade e o bom exemplo que cativavam a todos, das crianças aos de mais idade. Uma fé entranhada na vida do povo, que recebia sempre mais alimento através do trabalho, do testemunho, da alegria, da devoção e da fé daqueles homens de preto. Isso foi tão forte, que somente a partir do ano de 1965 começaram a entrar em Tibagi outras igrejas, isso porque a cidade já havia crescido muito e outras etnias também adentraram em seu território.

Em maio de 1939 houve nomeação de novos superiores e o padre Joseph Noll, assistente do padre Dotzler, ficou incumbido da paróquia. Nessa época houve uma grande epidemia de malária em toda a região e o povo precisava ser socorrido. Procuraram o superior para construir uma enfermaria que pudesse socorrer os doentes, especialmente as crianças. Padre Afonso Schonhart, o diretor espiritual dos vicentinos, ficou responsável de ajudar nessa

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situação. Com grande solidariedade e zelo os vicentinos ajudaram a socorrer as vitimas abrindo a escola e renovando todo o equipamento da enfermaria. Esse projeto continuou por dois anos, com as bênçãos de Deus e de Nossa Senhora dos Remédios. Depois transferiram a irmã enfermeira para uma clinica na cidade.

Nos anos de 1943 e 1944 o mundo vivia a experiência da Segunda grande Guerra Mundial, e a cidade de Tibagi sofreu as conseqüências. O açúcar foi racionado e o trigo simplesmente desapareceu. Foi uma experiência penosa. O café era adoçado com mel ou açúcar mascavo. Com café se comia bata doce, mandioca, ou tudo que pudesse ser feito com milho e polvilho. Só se podia comer aquilo que era produzido perto, ou que pudesse ser trazido a cavalo, pois a gasolina estava duramente racionada. Tempos difíceis e de muita tensão.

No ano de 1957, padre Egidio Gardiner, indo de Tibagi para Telêmaco Borba, nas estradas poeirentas de chão, sofreu um acidente e quebrou a perna. Com ele estava o padre José May, que teve um corte muito profundo no nariz. No momento, passou um sitiante, e com aquele jeito meio caboclo, querendo ajuda e aliviar a dor do padre José, sugeriu arrancar o pedacinho do nariz que estava pendurado, mais que prontamente o padre José recusou a proposta. Os dois acidentados foram levados de avião, á Santa Casa, em Curitiba.

São Paulo diz na sua primeira carta aos Coríntios que ele plantou, Apolo regou e é Deus quem faz crescer. Tal ensinamento ilustra o momento em que era preciso deixar a obra que caminhava muito bem, mas precisava tomar novos rumos e novos ares. Assim, após 51 anos sendo atendida pelos

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redentoristas, a paróquia Nossa Senhora dos Remédios foi entregue, no ano de 1985, ao padre Olimpio, da Congregação dos Servos da Eucaristia. Ele agora teria a missão de regar a obra, para que Deus a fizesse continuar crescendo.

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Ponta Grossa, terra de migrantes e imigrantes

(1934)

No ano de 1934, na escola, na igreja e em casa éramos sempre lembrados de que precisávamos rezar pelo nosso querido Brasil, que vivia uma grande insegurança política. Getúlio Vargas era o Presidente da República. No campo espiritual houve a canonização de Dom Bosco, idealizador dos salesianos. Em nossos campos missionários a batalha continuava. No mês de junho, três meses depois de assumirem a paróquia em Tibagi, a pedido de Dom Antonio Mazzaroto, aceitaram a paróquia São José em Ponta Grossa, também no Estado do Paraná. Dom Antonio era conhecido como bispo de restauração, com um perfil voltado para grandes e novas responsabilidades. Gostava de se enquadrar nas normas litúrgicas ditadas por Roma, adotando um estilo “romanizado”, a partir das vestimentas, insígnias e do rígido protocolo nas cerimônias que realizava ou participava.

Os padres Jose Reiter e Rudolfo Reiss foram designados para começar os trabalhos nessa paróquia em junho de 1934. Segundo suas observações, o clima em Ponta Grossa era muito bom. Inverno muito frio, mas saudável. Uma região situada a novecentos metros do nível do mar e um lugar de muito vento. É uma cidade de muitos imigrantes europeus como: poloneses, alemães, russos e ucranianos. O motivo principal da presença dos redentoristas em Ponta Grossa foi o fato de a cidade estar crescendo muito rapidamente com as imigrações e o atendimento espiritual ter ficado

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escasso. Era urgente conseguir mais padres para o atendimento ao povo e os missionários foram uma resposta a essas dificuldades, assumindo o cuidado pastoral de uma grande área da cidade.

Ponta Grossa está localizada numa posição estratégica do Estado, sendo um entroncamento rodo-ferroviário do interior do Estado ligando as principais regiões econômicas e os centros políticos. Foi decisiva para região a inauguração da estrada de ferro em 1894. Em 1899 foi inaugurada a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande com oficinas de manutenção localizadas em Ponta Grossa. Essa situação possibilitou à cidade entrar no século XX com o pé direito. O progresso veio. Grandes engenhos de erva-mate, beneficiamento de couro e de madeira e grandes olarias começaram a surgir. Veio gente de fora atraída pela promessa de bons negócios. Um fato interessante, nas primeiras décadas do século XX, foi constatado: houve uma grande elevação na arrecadação de impostos e a grande maioria dos estabelecimentos comerciais eram propriedade de imigrantes. Fenômeno esse verificado em grande intensidade na década de 1870, quando veio ao Paraná grande número de europeus, entre os de maior importância poloneses, alemães, russos, italianos, sírios, austríacos e portugueses, que apresentam um alto grau de religiosidade.

O crescimento econômico de Ponta Grossa elevou a cidade à posição de segunda cidade do Estado no que diz respeito ao contingente populacional. Em 1908 superou a casa dos quinze mil moradores. Em 1920 chegou à média de vinte mil pessoas e em 1940 contava com trinta e oito mil habitantes. A posição de destaque da cidade se confirmou pela criação do bispado, em 1926, cuja

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Diocese compreendia doze paróquias em toda a região dos Campos Gerais. Ao chegar a década de 1950, aparece uma nova realidade. O Paraná passava por uma nova identidade regional devido ao crescimento vertiginoso de sua população, à ampliação de suas fronteiras e ao impulso econômico da lavoura cafeeira. A terra roxa e o café fizeram a riqueza e a importância política crescer, em especial na região norte do Estado. Nesse contexto, iniciou em Ponta Grossa um novo período histórico, ingressando no processo correspondente àquele vivido pelo Paraná.

Os redentoristas foram a segunda Congregação a estabelecer-se na cidade. Os padres do Verbo Divino foram os primeiros. Na época, a paróquia São José ainda não estava criada, mas havia algumas capelas localizadas ao norte da cidade, considerado periferia. Para iniciar a obra missionária, alguns caminhos e percalços foram percorridos. Ao chegarem à cidade, os missionários José Reiter e Rudolfo Reiss foram conhecer as várias localidades oferecidas pelo bispo. Após algumas reflexões, decidiram pelo local onde atualmente a Igreja está localizada, o chamado Bairro das Órfãs. Os padres do Verbo Divino, que atendiam Ponta Grossa, ficaram extremamente incomodados com tal decisão. Eles não queriam que os redentoristas assumissem essa parte da cidade. Justificavam que era uma região de muitos alemães. Usaram do seu poder para induzir o bispo a enviar os redentoristas para outra localidade. Pressionado, o bispo ofereceu a paróquia da Catedral ou uma paróquia em Castro, cidade que dista trinta e cinco quilômetros dali. Os redentoristas refutaram essas ofertas. Para eles, os padres verbitas estavam combatendo as boas perspectivas de futuro e de

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certa maneira estavam atrapalhando os caminhos da história.

Mas, a oposição encontrada não foi somente essa. Muitas pessoas dessa parte da cidade eram alemães extraditados. Famílias inteiras falavam somente o alemão. Quando souberam que os missionários recém-chegados eram norte-americanos, houve um grande murmúrio e espalhou-se a notícia de que o idioma alemão seria proibido na igreja e na liturgia da missa. Um grande número de pessoas que participavam da comunidade se revoltou, colocando-se contra a presença dos redentoristas. Eles queriam ver os missionários americanos longe, deixando a paróquia nas mãos dos padres alemães do Verbo Divino. Mas, o que não se falou ao povo é que a insistência em utilizar o português nas missas era um mandato do bispo, que pedia demasiadamente que o alemão deixasse de ser utilizado.

Mesmo assolados por essas oposições, a paróquia foi canonicamente erigida. Os redentoristas não se abalaram e começaram o trabalho de construção da recém-criada paróquia. Construíram duas casas paroquiais de madeira. A capela interna do Asilo São Vicente de Paula foi utilizada temporariamente como igreja matriz e até o momento era administrada pelas Irmãs da Sagrada Família. Tiveram que fazer alguns reparos e remendos devido às instalações precárias. A capela ganhou uma pequena reforma. A situação financeira e os recursos eram escassos. Foram adquiridas velas e um estrado mais alto para diferenciar o presbitério. Bancos com encosto e outros elementos foram arranjados para o culto com os fiéis. Trabalharam muito para deixar tudo em ordem o mais rápido

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possível. Receberam permissão para administrar os sacramentos do batismo e do matrimônio naquele local.

Em maio de 1935 o novo Pároco estava oficialmente empossado como reitor da comunidade de Ponta Grossa. Meses depois, em novembro, chegaram os documentos de Roma definindo os limites da nova paróquia São José e confirmando o padre Reiter como primeiro vigário. Esse decreto foi lido nas missas de domingo.

A nova paróquia contava também com três outras capelas. Além disso, o bispo havia pedido que os missionários atendessem a paróquia de Ipiranga, cinqüenta quilômetros de distancia dali. O padre Andrew Kuhn, Provincial de Baltimore, consultado sobre isso, autorizou, mas decidiu que só iriam lá aos fins de semana e que essa não poderia ser considerada uma fundação redentorista.

O ano de 1936 foi de grandes realizações para a missão em Ponta Grossa. Nesse ano se adquiriu o espaço físico que iria conglomerar Igreja, Escola, Casa das Irmãs e Casa Paroquial. Tal terreno foi adquirido em 28 de abril, da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, e contava com sete lotes, num total de três mil e oitocentos metros quadrados. O valor pago foi de nove contos setecentos e quarenta e sete mil réis. Nesse ano aconteceu também a primeira missão paroquial, pregada pelo redentorista holandês padre João Batista Smiths, vindo do Rio de Janeiro. Via-se urgência em pensar na formação da sociedade. A missão contribuiu para a formação da Liga Católica, que iniciou com cento e sete homens, que receberam o cordão da Sagrada Família. Foi a primeira Liga Católica do Estado do Paraná. As outras sociedades, como Crianças de Maria, Apostolado de Oração,

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Marianos, Vicentinos e a Cruzada Eucarística avolumaram-se de membros. A segunda e a terceira aconteceram em 1937 e 1945. Foram conduzidas pelos redentoristas de São Paulo com ajuda dos passionistas, que vieram de Curitiba. Em 1951 vieram para outra missão oito missionários redentoristas da Província de São Paulo. Apresentaram um ardente histórico espiritual da paróquia, construído desde 1934, e disseram que a São José era a melhor paróquia da cidade, devendo-se isso ao bom trabalho de organização social. Reuniram, nessa ocasião, cinco mil pessoas no aeroporto da cidade para a chegada da Imagem de Nossa Senhora Aparecida. Seiscentos automóveis e caminhões acompanharam a imagem até a Igreja. Os Redentoristas Vitor Coelho e Odilon Haknhaar foram os coordenadores dessa missão. Toda noite, média de mil paroquianos participava da missa e milhares de atividades eram realizadas. Procissões aconteciam à noite, debaixo de chuva e em meio à lama vermelha. Quinze mil pessoas participaram da procissão luminosa e trouxeram velas acesas para a renovação das promessas batismais. No final, foi plantada uma cruz preta na parte de trás da Igreja. Tal cruz foi doada pelos senhores João Ditzel e Jacob Ditzel. Os missionários que pregaram as missões ficaram tão impressionados que manifestaram o desejo de organizar seus trabalhos na missão conforme a organização que encontraram em Ponta Grossa.

Nos anos de guerra tinham dificuldade em obter gasolina e o carro da paróquia dificilmente era utilizado. Mas o catecismo nas capelas não deixava de acontecer, às vezes iam a cavalo, às vezes de burro e assim também se locomoviam para a reza da

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missas. Era preciso ser perspicaz, perseverante e insistente no atendimento ao povo necessitado, recorrendo aos meios possíveis para atender a todos, pois muitas pessoas faleciam sem receber os sacramentos e muitos meninos eram ignorantes em termos de espiritualidade.

Padre Frederico Fochtmann tornou-se o pároco em 1939 e ainda utilizavam a pequena capela do Asilo como igreja paroquial. No dia 27 de agosto, numa cerimônia campal solene e especial, o Provincial, padre William McCarty, abençoou a pedra fundamental da nova Igreja e, por insistência do padre Fochtmann, o engenheiro e arquiteto Max Staudacher recebeu a incumbência de, em menos de dois anos, finalizar a construção da Igreja. O desenho arquitetônico nasceu do postal de uma igreja da Alemanha, dado ao engenheiro como modelo. Em maio de 1941, numa solene missa, sua excelência Dom Antonio Mazarotto inaugurou a mesma dando-lhe a bênção. As suas palavras podem ser resumidas assim: “Para os católicos de Ponta Grossa, esta é uma verdadeira razão para jubilar-se, pois neste domingo de manhã abençoamos a Igreja São José, construída pelos missionários redentoristas. Esta Igreja é uma moderna e grandiosa catedral para a população da cidade”.

Em 09 de fevereiro de 1942, um ano depois, chegava o material para a construção da Casa Paroquial. Esse material exigiu muita luta e suor, pois a Segunda grande Guerra Mundial trouxe escassez de materiais e mão-de-obra. Até na compra das mobílias houve problemas sérios. Mesmo com todos esses atropelos e problemas, a casa ficou pronta no dia 22 de fevereiro e os missionários, em clima de grande alegria e felicidade, mudaram para lá. Padre

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Fochtmann foi o responsável pela construção e trabalhou muito até que chegasse ao seu término. A nova casa deixou o bispo tão impressionado que solicitou caridosamente para usá-la nos retiros anuais do clero diocesano. No dia 18 de janeiro de 1945, catorze padres seculares e dois decanos participaram dos exercícios espirituais que constituíram o primeiro retiro diocesano realizado ali. O próprio bispo pregou. O evento foi um grande sucesso. Dali em diante, até o ano de 1949, os retiros foram acontecendo na casa, mas em 1951, com a inauguração do Seminário Diocesano em Castro, os retiros mudaram para lá.

Padre John Maerz, sucessor do padre Fochtmann, recebeu tudo terminado. No tocante à Igreja, o mármore do altar mor, do mosaico atrás do altar e de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro estavam terminados. Um novo órgão foi comprado. A gigantesca estátua de São José, atrás do altar, estava lindamente pintada e foram instalados os vitrais nas janelas. O quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro foi doado pelo senhor Carlos Schwiderski, entronizado e abençoado pelo padre Maerz. No mês de agosto de 1949, os sinos foram colocados na torre da Igreja. Padre Maerz organizou o levantamento dos mesmos. Durante a pitoresca celebração da instalação, o prefeito da cidade, João Vargas de Oliveira, telefonou aos missionários pela primeira vez. Alguns anos depois foi construída uma cancha de basquetebol para jogos à noite. Foi uma bênção para os marianos, que utilizavam tal cancha com grande freqüência.

Todos esses eventos: missões, construção da Igreja, casa paroquial, o colégio e tantos outros incrementos fizeram com que o povo percebesse a força de um trabalho realizado com amor e carinho.

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Todas as dificuldades encontradas no início, inclusive a não aceitação dos redentoristas naquele local, certamente ficaram somente na doce memória dos dias atuais. O que importa é que o trabalho foi realizado e o reino de Deus começou a acontecer. Em pouco tempo de trabalho já haviam instalado a Associação Religiosa Pia-União, com setenta e oito moças; o Apostolado da Oração, com cento e vinte e quatro membros; a Confraria do Perpétuo Socorro e Santo Afonso, com trezentos e quarenta membros e a Cruzada Eucarística, com cento e vinte e quatro crianças. Também já estava consolidada a Devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

Hoje, a paróquia São José está praticamente no centro da cidade de Ponta Grossa e completamente cercada de outras paróquias. Foi criando “filhas”, ou outras paróquias que, em razão do crescimento, com o passar do tempo, foram desmembradas dali. Por exemplo: São Sebastião, no bairro Nova Rússia; Nossa Senhora do Pilar, no bairro Palmeirinha; Santo Antonio, no Jardim Carvalho; São Jorge, em Madureira e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na Vila Liane. A Igreja de pedra, como muitos a conheciam é muito querida pelos pontagrossenses. Isso pode ser verificado pela grande quantidade de pessoas que por ali passam nas quartas-feiras, dia em que se celebram as novenas em louvor a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A procura pelas novenas e a grande quantidade de pessoas fiéis a essa paróquia são frutos de um trabalho semeado há muitos anos. Hoje se rega e se cultiva o que os primeiros plantaram. Não tenho dúvida de que foi Deus quem fez tudo crescer maravilhosamente. É como diz São Paulo na sua primeira carta aos

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Coríntios: “Eu plantei, Apolo regou, mas era Deus que fazia crescer”.

Nesse ano de 1934 chegou ao Brasil o padre Lawrence Lynch. Ficou por aqui somente três anos, retornando aos Estados Unidos em 1937. Foi enviado para a guerra como capelão em Okinawa, no Japão, atendendo os feridos de guerra. Morreu em 24 de abril de 1945 como herói, na “batalha de Okinawa”, quando ungia um soldado ferido. A Batalha de Okinawa foi a maior batalha marítimo-terrestre-aérea da história da guerra. Ocorreu de Abril a Junho de 1945. Ninguém imaginava que seria a última maior batalha da guerra. Os norte-americanos planejaram a Operação Downfall, invadindo as principais ilhas do Japão, que nunca aconteceu devido à rendição japonesa, em Agosto de 1945. A batalha foi chamada de "tetsu no ame" e "tetsu no bōfū" pelos habitantes de Okinawa, que significa "chuva de ferro" e "vento violento de aço". Esses nomes se referem à intensidade de fogo da batalha. No local da batalha existia uma grande população e as mortes de civis foram no mínimo cento e trinta mil. Somente do lado norte-americano morreram mais de setenta e dois mil soldados. Cerca de cento e sete mil japoneses foram mortos ou capturados. Muitos preferiram cometer suicídio a serem capturados. Nesse conflito o padre Lawrence Lynch morreu como herói e hoje muito se fala de sua bravura e coragem nos Estados Unidos.

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20Colégio São José, Ponta Grossa

(1935)

O ano de 1935 foi mundialmente difícil. Era a metade da década da grande crise econômica e muitas pessoas no mundo pensavam que as democracias eram fracas, olhando favoravelmente

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para o comunismo e as ditaduras. A ascensão de Hitler e Mussolini piorava a situação, vindo a desencadear a Segunda grande Guerra Mundial, em 1939. No Brasil, o tempo corria e a obra dos missionários de preto e rosário na cintura continuava. Já fazia cinco anos que haviam chegado a Aquidauana e quase um ano que adentraram em Ponta Grossa. Em Aquidauana, nesse mesmo ano, em 25 de outubro de 1935, o padre Miguel Murphy entronizou o quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na capela de Taunay. Em seguida, entre vivas e fogos, foi rezada uma missa, ensinando que a devoção à Santíssima Virgem nos leva a Jesus, por cujo sacrifício somos salvos. Foi nesse ano também que os missionários começaram a visitar uma localidade chamada Morrinhos. A primeira missa foi celebrada ali, na casa do Sr. Teodoro Toledo.

Em Ponta Grossa, no Paraná, mais de mil quilômetros distantes de Aquidauana, os missionários iniciavam mais uma obra que teria muito a contribuir com a população daquela localidade, a Escola Paroquial São José. Tal empreendimento demonstra a necessidade e preocupação em acolher os filhos de operários que trabalhavam na construção da Igreja São José, contribuindo com a formação educacional, espiritual e o lazer da população. Não era somente a religiosidade que estava em jogo, mas todos os elementos que circundam a pessoa humana e sua família.

Mas tudo começou pequeno. Padre Reiter correu atrás dessa possibilidade e fundou uma pequena escola paroquial que funcionava junto à Igreja São José. O objetivo era atender os filhos dos paroquianos, conforme costume americano. Por isso recebeu o nome de Escola Paroquial São José. Era o

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dia 11 de fevereiro de 1935, havia cento e vinte e dois alunos abarrotados em pequenas salas de aula. Com o tempo a escola ficou pequena e foi preciso arrumar mais espaço e outras acomodações. Tudo precisava ser pensado rápido e com sabedoria. Padre Reiter alugou então uma pequena loja e converteu-a em escola. As Irmãs da Sagrada Família foram convidadas a tomar conta da mesma, sob a guarda dos missionários. Vieram trabalhar neste período as Irmãs Maria Rendak, primeira diretora, que exerceu o cargo na direção até o ano de 1944, e a Irmã Leonarda Rogacsmska. Elas residiam no colégio da Ronda, hoje Colégio Sagrada Família. Em fevereiro de 1937, novo problema: era preciso terminar o prédio da nova escola o quanto antes, pois trezentos alunos estavam matriculados para aquele ano. Muito rapidamente e com coragem, puseram-se a concluí-la. Finalmente, chamaram a inspeção pública para fazer a avaliação. Em poucos dias chegou o papel autorizando o funcionamento e com os seguintes dizeres: “São José, Escola Paroquial, a mais moderna escola da cidade foi bem requisitada pela inspeção de saúde. Ela tem dois pisos. No primeiro piso estão quatro grandes salas de aula, bem iluminadas e ventiladas. As salas estão equipadas com bancos confortáveis. O segundo piso tem duas grandes salas. Há também um grande auditório. Estão instalados ali os mais modernos sanitários da cidade, com excelente ventilação e luz necessária para a higiene”. O currículo Federal veio depois e dizia que a escola tinha méritos de preferência para o cidadão e falava enormemente da contribuição dos missionários redentoristas para com a formação e perfeição intelectual das crianças. Nesse ano de 1937 vieram mais duas irmãs e em 1938 mais duas,

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perfazendo o total de seis. No dia 19 de maio de 1938 o terreno de sete lotes finalmente foi escriturado em nome da Congregação do Santíssimo Redentor. Os terrenos foram comprados, através da Prefeitura Municipal, do senhor César Ribas Villela. A escola recebeu licença para funcionamento da Diretoria Geral de Educação no dia 28 de julho de 1938.

As Irmãs estavam abarrotadas de trabalho com a nova fundação. Por muitos anos seu convento ficava em duas casas de madeira ao lado da escola. Elas aceitaram essas inconveniências com pioneirismo e sem reclamações. No dia 13 de julho de 1946, quase dez anos depois da inauguração da nova escola, mudaram para o novo convento, ligado ao prédio da escola e os inconvenientes foram coroados com a glória de Deus e ficaram somente nas felizes memórias. Todo esse trabalho trouxe coisas bonitas e marcantes à vida das pessoas da localidade. Certa vez escutei alguém dizer que se sentia muito bem estudando no colégio e falava da presença das irmãs:

“Uma das coisas interessantes do Colégio era presença das Irmãs o tempo todo entre uma aula e outra, nos recreios e em outros momentos, apesar do estudo ser puxado sentíamos elas muito próximas de nós. Às vezes vinham dar algum aviso, comentar algo, simplesmente estavam ali. Era uma educação completa, pois além dos conteúdos normais de uma escola, tínhamos o conteúdo religioso, o testemunho e a amizade delas. O espaço do Colégio era utilizado para além da educação

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formal, mas também para a construção da família, da cidadania e da pessoa em si.”

Muitas irmãs primavam pelo sorriso e bondade. Outras, mais enérgicas, aplicavam uma disciplina mais severa, que ajudava os alunos a equilibrar disciplina, educação e amizade. A questão religiosa era interessante, pois quando acabavam as aulas do dia, alunos escolhidos pelas irmãs dirigiam-se para a Igreja São José e preparavam tudo para a missa, novena e outros eventos. Uma verdadeira ligação entre a paróquia, a educação, o aprendizado religioso e a formação ética e moral. Sempre que podiam vinham redentoristas, maristas e outros padres para ministrar palestras e aproveitavam para convidar os jovens à vida religiosa e sacerdotal. Ali também se começava um verdadeiro canteiro de vocações.

Quando morria algum dos missionários ou das Irmãs, os alunos do Colégio também eram convidados a participar do velório e do cortejo até o cemitério. Em procissão, formados, uniformizados e em profundo respeito, observavam e acompanhavam tudo, segundo o ensinamento das Irmãs. Eram momentos tristes e os funerais sempre eram solenes e cheios de homenagens. Quando morria alguma freira era comovente ver as irmãs, num ato de muita solidariedade, carregar o caixão da companheira, não delegando tal tarefa para mais ninguém. Isso tocava o coração de todos e mostrava como se amavam e se apreciavam.

Todos os alunos eram chamados a ir à missa aos domingos e, quando não iam, recebiam a penitência de ter o nome colocado num quadro preto, que representava o inferno, enquanto os que participavam tinham seus nomes colocados num

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quadro branco, cheio de anjinhos, que representava o céu. Quando o padre estava no Colégio sempre cumprimentava a todos com um “Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao passo que todos os alunos precisavam responder: “Para sempre seja Louvado”. As Irmãs ensinavam que ao anoitecer tais palavras deveriam ser repetidas ao acender as luzes, para chamar a presença da luz divina para o lar.

Desde a inauguração havia a intenção de se criar uma fanfarra para os desfiles cívicos da cidade, buscando despertar nas crianças, jovens e adolescentes a musicalidade, o civismo e a comunitariedade, o que contribuía para sua formação. No dia 15 de setembro de 1962 a fanfarra, ainda com poucos componentes, adentrou a avenida marcando passo e compasso. Eram poucos componentes, devido à difícil situação econômica que o colégio vivia na época.

Nas décadas seguintes o Colégio passou por várias denominações e legislações. Sempre buscando atender e acolher bem as famílias que buscam uma instituição séria para a educação dos seus filhos. Em 1962 firmou o Convênio de Amparo Técnico com o Governo do Estado do Paraná, que durou até 1986. A partir dessa data o colégio passou a ser inteiramente particular, visando um ensino mais aprimorado e eficiente, marcando presença forte na comunidade pontagrossense. Em 2001 passou a denominar-se Colégio São José, ofertando também o Ensino Médio.

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21Bella Vista, primeira obra no Paraguai

(1933)

Tudo começou em Bella Vista, uma pequenina cidade encravada na floresta verde e banhada pelo Rio Apa. Foi em 1933 que o trabalho no Paraguai foi oficialmente assumido. Mas, bem antes, em 1931, os redentoristas estavam visitando o local. Depois disso veio a cidade de Pedro Juan Caballero, em 1940. Em 1944 chegaram à Assunção, estabelecendo-se num bairro pobre chamado Barrio Obrero, cujo nome da paróquia é Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Em 1968 foi assumida a quarta paróquia dessa Missão, também em Assunção, com o nome de Santíssimo Redentor. Mas, primeiramente, vamos falar de onde tudo começou, a linda e formosa Bella Vista.

Era 27 de maio de 1951, quando aconteceria a festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, socorro dos cristãos e padroeira da pequena cidade de Bella Vista. Os quatro missionários redentoristas preparavam o sermão para o dia final da novena. Trezentas crianças da escola paroquial ensaiavam para cantar na missa. Esperavam a presença de dois mil cidadãos para os momentos religiosos dedicados à padroeira. Os missionários reconheciam o perigo de uma festa desse porte naquela região, em especial devido ao gigantesco churrasco. Depois haveria jogos e muitas apresentações. Uma excelente preparação para tal festa era crucial. Era o aniversário de

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primeiro ano dos sete missionários na região e, há exatamente 20 anos, o primeiro superior dos missionários redentoristas, montado em seu cavalo, atravessara o rio Apa e iniciara trabalhos missionários no Paraguai.

Esse missionário foi o padre Edward Reinagel. Ele trabalhou seis anos em Porto Rico, se hospedou em Bela Vista e começou um tríduo em louvor à padroeira de Bella Vista no dia 21 de maio de 1931. Nas grandes bênçãos desse ato, outros foram acontecendo. Por quase três anos o padre Reinagel andava cerca de cinco quilômetros para ir de Bela Vista até Bella Vista. Em setembro de 1933, padre George Wichland desembarcou do trem para juntos assumirem a missão paraguaia. Foi a primeira vez que dois redentoristas passaram a noite sob o céu do Paraguai. Uma noite difícil. Úmida e quente. Um ano depois, 24 de abril de 1935, um mês antes da chegada do terceiro missionário, padre Carlos Herget, veio o comunicado de Roma anunciando que a paróquia de Bella Vista, no Paraguai, estava formalmente aceita. O padre Reinagel foi o primeiro superior.

Os missionários não se contentaram com o trabalho somente na cidade. Resolveram atender também as comunidades rurais, indo e vindo a cavalo. Viagens que levavam até duas semanas. Visitavam todos os povoados e fazendas da região. Buscavam firmeza na fé através da aplicação da catequese e administração dos sacramentos. A tradicional formação que tinham nos Estados Unidos parece que os preparava para essas grandes viagens pelo extenso território, comparado em tamanho ao Estado de New Jersey. Construíam coisas bonitas nessas viagens. Por verdadeiro milagre, viajavam por

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lugares difíceis e nunca foram contagiados por doenças. Horas e horas viajando a cavalo ou de jeep, passando por rios, pântanos e florestas sem estradas. Horas de sono perdidas, mas continuavam persistentes. Dormindo em camas mal cheirosas, com aranhas e percevejos, mosquitos e pulgas. Se alimentando com comidas diferentes e de gostos ruins, que causavam problemas e desordens estomacais. As maiores dificuldades apareciam quando faziam as primeiras viagens a lugares que não conheciam. Quase sempre andavam a cavalo e nunca sabiam o que encontrariam pelo caminho. Certa vez, padre Wicheland tinha finalizado a missa e dado a bênção final quando apareceu um bêbado na sacristia dizendo que um homem estava agonizando a alguns quilômetros dali. O padre questionou se realmente o homem estava mal mesmo. “Sim”, respondeu o pobre homem alcoolizado. Padre Wicheland, mais que depressa, pegou seu cavalo, os santos óleos e saiu. Ao anoitecer, desceram do cavalo num pequeno barraco. Dava para ver a luz que saía pelas frestas da parede. O doente não estava agonizando, mas dava para ver pela luz da vela que estava em estágio terminal, sendo corroído pela lepra. Ao chegar, o missionário se apresentou. O moribundo pediu para confessar. Foi sua primeira confissão, depois de quarenta anos. Na mesma hora pediu para casar com a esposa, com quem já havia convivido por trinta anos sem o sacramento do matrimônio. Seus três filhos, todos acima de vinte anos, foram batizados e fizeram instrução para a primeira comunhão. Mais tarde, padre Joseph Keenan levou comunhão para dois desses filhos, igualmente com lepra.

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O grande desenvolvimento da paróquia necessitava de uma igreja maior, uma escola paroquial e uma casa para os missionários. Um complexo de evangelização. Com o passar dos anos, torre, altar, telhado e muitos reparos foram feitos na igreja. O povo ficava impressionado com tudo. Na terceira manhã de março de 1947, segunda-feira, jovens descalços da paróquia foram os primeiros alunos das quatro irmãs franciscanas, responsáveis pelo ensino na nova Escola Paroquial. A primeira Escola Paroquial dos missionários redentoristas no Paraguai foi uma pequena capela de madeira, distante cinco quilômetros da cidade. Em maio de 1937, o padre Wicheland começou a escola no distrito. Os missionários moraram numa inadequada e provisória residência por mais de oito anos. Finalmente, em 1939, mudaram para um espaço próximo à matriz.

Certa tarde, um jovem piloto americano aterrissou seu avião num lugar rochoso da cidade que o povo costuma chamar de “aeroporto”. Dizia ter visto um pequeno mas bem iluminado estádio de esportes e uma instalação sonora com vozes de pessoas que gritavam e comentavam sobre um jogo de vôlei. O que ele havia visto e ouvido era real. O motor que gerava energia elétrica para a Igreja, para a casa dos missionários e para a escola era utilizado desde 1935 e fazia muito barulho. Além disso, estavam construindo um ginásio de esportes para a comunidade e o motor elétrico rangia ainda mais quando puxava água do poço. Em 1949 o motor funcionava somente cento e sessenta noites por ano. Sua capacidade supria somente as necessidades para o trabalho. Muitas calamidades aconteceram a partir dessa dificuldade, em especial, na liturgia da

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pequena paróquia. Certa vez, o motor parou de funcionar e acabou a luz. Mas, a missa que estava acontecendo, terminou à luz de velas. Na missa solene do natal de 1937, a luz também falhou, dando um clima de desgraça e tristeza, numa festa que é tão alegre. Mas o padre Dennis O´Dwyer, que acompanhava o coro da igreja, fez com que o som do seu violino ecoasse no interior do templo, deixando todos em serena sintonia com o divino, mesmo diante da escuridão que se abatia sobre todos naquele momento. Todos os fiéis se renderam ao silêncio da noite, entoado pelo violino e pelos sinos da torre que tocaram alegremente a chegada do natal, em plena escuridão. Nessa mesma noite, um trio de cachorros resolveu brincar com a casula do padre Wichland na hora do canto do glória. Todos os fiéis riam e se deliciavam com aquela cena memorável de noite natalina. Somente um olhar reprovador do padre fez com que não mais prestassem atenção nos cachorros e sim na missa. Depois, o sacristão, na hora do sermão, tocou os animais para fora.

Usualmente era um dos missionários que consertava o equipamento que gerava energia elétrica. Não havia eletricista nem mecânico naquela parte de Bella Vista. A maior indústria da cidade era uma sapataria com sete jovens que trabalhavam diariamente. Muitos bellavistenses trabalhavam nas fazendas da região. A guerra, as revoluções e constantes ameaças externas deixavam todos atônitos. O Paraguai lutou contra a Bolívia, em 1935, e quase cem famílias que fugiram de Bella Vista durante o conflito nunca mais retornaram. Uma vez, durante a grande revolução de 1947, padre O´Leary e James Lacey, em companhia de duas

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famílias argentinas, foram os únicos que permaneceram no povoado. Os missionários somente continuavam seu trabalho na região devido ao espírito resoluto de continuar a busca das almas perdidas do Paraguai. As gerações seguintes nunca compreenderam o tremendo sacrifício vivido por esses missionários, mas os resultados de sua abnegação deixaram marcas profundas na vida da paróquia e do povo bellavistense. As várias sociedades de homens e mulheres, jovens e idosos floresceram e frutificaram, demonstrando isso através da participação na missa aos domingos. O grande número de confissões e a melhor compreensão da verdade da fé podiam ser notados pelos quatro cantos da cidade. Padre Robert O´Leary, Geraldo Ellinghaus e James Lacey compunham a comunidade de Bella Vista. A humildade e tino missionário traziam alegria e esperança para toda a paróquia.

Em 1945, pela primeira vez, houve uma oração dialogada na missa. Os homens da paróquia estavam presentes para o início da devoção a São Geraldo Magela, patrono universal das mães. No primeiro ano da Guerra na Coréia, buscando forças para a paz no mundo, padre O´Leary iniciou o terço em família. Mais de cem famílias aderiram à proposta, rezando e abençoando a todos. O boletim paroquial, “El Boletin”, foi lançado em novembro de 1948. Construíram um ginásio de esportes. Deram a este o nome do padre Jamie Hughes, falecido em 1947, em Ponta Grossa. Padre O´Leary comprou uma casa de verão num lugar isolado, a quatro quilômetros do rio Apa, para que os missionários pudessem ter um momento de relaxamento.

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Desde o início dos trabalhos no Paraguai, foram fiéis à devoção a Nossa Senhora. Cada quarta-feira é dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Certos do amor que liga todos os redentoristas a Maria, trabalharam incessantemente para fazê-la conhecida naquele país. Vários exemplos mostram a força de Nossa Senhora dentro da obra redentorista. Um desses exemplos foi em 1932, quando muitos bolivianos lançaram-se sobre os Chacos paraguaios com o objetivo de estenderem o território da Bolívia. O Paraguai declarou guerra para proteger suas fronteiras. Nessa altura, o padre Reinagel deu uma pequena Imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro a uma velha senhora de noventa e dois anos. Ela, ao invés de mantê-la consigo, enviou-a para o Comandante das armas paraguaias, Jose Felix Estigarribia. Este, por usa vez, colocou a gravura do Perpétuo Socorro perto do coração e voltou seu pensamento para as campanhas da guerra, até que finalmente os paraguaios expulsaram os invasores de suas terras. Em 1950, os padres O`Leary e Ellinghaus formaram a primeira equipe missionária no Paraguai. Pode-se dizer que os missionários redentoristas, no passado e no futuro, marcaram profundamente a vida do povo Paraguaio e tornaram-se significativos aos olhos dos homens e de Deus.

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22Trabalho... Trabalho.... Trabalho....

(1936-1938)

A exemplo do apóstolo Paulo que dizia ter combatido o bom combate e guardado a fé, em Aquidauana a batalha não cessava. Tudo continuava em rédeas firmes. Os missionários, como bons e zelosos continuadores do Cristo Redentor, percorriam aldeias e capelas, ora rezando, ora reunindo, ora organizando e convocando o povo para as reformas de velhas capelas ou construção de

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novas, onde fosse necessário. Em 1938, bem mais tarde, o padre Felipe Gaudreau, também com doações feitas por amigos dos Estados Unidos, ajudou a edificar ali uma grande capela em honra a São José. Durante a semana, servia como escola. Todas as manhãs a Irmã Pia e uma professora leiga dirigiam-se para lá. Algumas vezes iam de charrete puxada por cavalos. Quando a charrete quebrava, iam a cavalo. Mas, quando nem um nem outro estavam disponíveis, iam a pé. Mais tarde, o fiel e companheiro jeep passou a levar as freiras para as abençoadas aulas, sob a proteção do fiel escudeiro, o patrono e patriarca São José. Padre Gaudreau despediu-se do Brasil no ano de 1950. Quatro anos depois, no dia 6 de fevereiro de 1954, foi eleito Superior Geral da Congregação. Na ocasião, participava como vogal da Província de Baltimore. Faleceu nos Estados Unidos no dia 29 de novembro de 1968

No dia 03 de janeiro de 1938 ouvimos pelo rádio a primeira transmissão do programa “A Voz do Brasil”, criado pelo Presidente Vargas. Ficamos curiosos em saber as notícias do Brasil e do mundo através daquela pequena caixa falante, que a nós mais parecia uma caixa cheia de marimbondos bravos, de tanto que chiava. Acompanhamos também o final da Copa do mundo entre Itália e Hungria. A Itália venceu o jogo e ganhou a copa. Além, é claro, de comemorarmos no mês de agosto a fundação do meu tão querido Clube Operário. Nesse ano, o padre Luiz Laicher e uma multidão que o acompanhava inauguraram em Aquidauana a Capela no Bairro Guanandi. Era 13 de maio, dia da abolição da Escravatura e festa das aparições de Nossa Senhora em Fátima. Poucos dias depois da

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inauguração, presenciamos em todo o Brasil um grande eclipse solar. O dia escureceu por alguns minutos. O susto tomou conta da população e corremos para as Igrejas. Fomos rezar e pedir perdão pelos nossos pecados. Achávamos que era o fim do mundo.

O Bairro Guanandi tinha crescido muito. A razão desse crescimento foi a construção da estação de trem. O povo aglomerou as casas perto da estação, vindo a necessidade da Igreja estar mais próxima, pois ali estavam acontecendo todos os eventos da cidade. A capela do Guanandi tem como padroeira Nossa Senhora das Dores. O padre Laicher, com dinheiro doado pelos seus amigos nos Estados Unidos, contribuiu muito para a construção da capela. Além disso, durante a semana, a capela também era utilizada como escola. Estudavam lá mais de cem crianças, de primeiro e segundo grau. As professoras eram uma freira e uma leiga.

Vários quilômetros longe de Aquidauana, num pequeno povoado chamado Guia Lopes da Laguna, à margem direita do Rio Miranda, o padre Paulo Butler inaugurava uma nova capela, tendo como padroeiro São José, esposo da Virgem Maria. Vendo toda essa movimentação, sempre me perguntava: por que o trabalho desses missionários? O que os impele a agir dessa forma? De onde lhes vem tanta força e coragem para abraçarem essa causa tão desgastante? A resposta veio certa vez numa das leituras da missa, onde São Paulo responde bem: “A caridade de Cristo nos move”. Aprendi que se não fosse a caridade e o amor a Jesus Cristo nada disso teria acontecido. Quantas graças, quantas bênçãos, quanta paz de alma encontraram os fiéis nesses lugares de culto religioso! Quantos males foram

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evitados ou mesmo impedidos. Quanto conforto e consolo encontraram as almas simples e desesperançadas, na presença daqueles missionários. O que seria de nós sem eles? O que seria o mundo sem a pessoa de Deus?

23 Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

Campo Grande(1938)

Sempre faço jejum e peço ao Espírito Santo que mostre a direção e os objetivos corretos de

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minha oração e vida. Acredito que o jejum ajuda na renovação espiritual, na cura de males físicos e espirituais que nos assolam e purificam pensamentos e decisões. Posso contar com Ele na solução dos problemas, na busca de uma graça especial, no enfrentamento de situações difíceis. É Ele que me capacita a orar mais específica e estrategicamente. Pelo jejum me coloco diante de Deus, de tal forma, que o Espírito Santo re-aviva minha oração, desperta a religiosidade me fazendo melhor.

Nessa primeira década de existência, a obra missionária desses homens de preto, passou por um período de jejum em assumir trabalhos no Mato Grosso. Deu uma verdadeira estacionada. Certamente que purificaram melhor tudo o que haviam feito até então e buscaram luzes para os passos seguintes. As luzes vieram! O Espírito Santo lhes desafiou a assumirem outra obra no Mato Grosso, agora em Campo Grande. Após estarem vários anos dedicando-se também ao Estado do Paraná, em 1938 resolveram assumir as paróquias Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Santo Antonio, no centro da cidade de Campo Grande.

É mês de setembro no pantanal, o calor é forte, tomo meu tereré e em frente à janela do meu pequeno casebre voa suavemente um pequeno tuiuiú. Ele paira no ar. Parece querer me dizer alguma coisa! Será que tenta me encantar com sua formosura sem tamanho? Não sei, mas o espaço aéreo não tem limites, e as aves sabem disso. Pobres de nós, homens, que pretendemos dar limites ao ar, morreremos cansados de tanto tentar. Não posso voar como voa o pequeno tuiuiú, mas posso lançar minha imaginação e contemplar a criação, observando que somos eternos aprendizes da vida.

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Assim, acabo imaginando que o lugar onde Deus buscou o barro para fazer o homem foi nas baías escuras e no verde clorofila desse tão imenso pantanal. O pantanal foi criado antes que o homem, caso contrário, Deus não teria matéria-prima, o barro para fazer o homem. E o tuiuiú estava perto de Deus para inspirá-lo. Ó tuiuiú, tu és muito belo entre os animais que vivem nesses pantanais, voa para nós, poetas e trovadores, encanta com tua beleza os lugares para onde fores. Tal cena me fez lembrar o apelido que ganhei daqueles missionários de preto, rosário e cruz na cintura. Tenho saudades, a emoção bate no peito, tenho vontade de chorar. Minha pernas tremem com o pequeno peso do meu corpo. Sinto que a velhice me corrói e os anos avançam mais e mais. A saudade dói muito porque é um querer que tudo aconteça novamente, mas jamais acontecerá. Por isso dói.

Desde o primeiro dia da chegada dos padres Francis Mohr e Alphonso Hild em Aquidauana, Campo Grande já era vista como uma possível futura fundação dos redentoristas no Mato Grosso. Estrategicamente viam esta como um local central, como uma referência para outras comunidades e com inúmeras vantagens. Vários fatores implicaram nessa decisão, entre eles, a ausência de padres na maioria das dioceses. Campo Grande estava carente de padres para atender as comunidades. Também havia grande distância entre as comunidades, dificultando a relação do povo com o centro. Era imprescindível ter por perto os zelosos e intrépidos missionários. A situação de desamparo espiritual do povo era grave. Somente homens de fé e de Deus poderiam sustentar com luta e esforço a insuficiência espiritual e física do povo. Assim, sucedeu que os

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redentoristas foram deixando uma consciência forte do trabalho que desenvolvem, vivendo o que Santo Afonso pensou quando fundou a Congregação: a salvação das almas mais abandonadas.

Oito anos haviam se passado desde 1930. No mês de setembro de 1938, Dom Vicente Priante, o então Bispo de Corumbá, fundou uma nova paróquia em Campo Grande, no promissor bairro Amambaí, e solicitou a Francis Mohr, então vice-provincial, a possibilidade de estender as atividades missionárias até Campo Grande e cuidar dessa paróquia. O Provincial de Baltimore, Andrew Khun, e um dos seus consultores, padre Michael Guerin, estavam preparando uma visita à vice-Província. Padre Mohr, mais que depressa, conseguiu uma entrevista destes com o bispo, para a metade do mês de junho de 1939.

Detalhes dessa entrevista não foram escritos, mas quase um ano depois, 20 de janeiro de 1940, festa de São Sebastião, num daqueles tórridos dias de janeiro brasileiro, foi lançada a pedra fundamental da Igreja Paroquial. A nova fundação recebeu o nome de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, por ser este o título que os redentoristas se incumbiram de levar pelo mundo, a mando do Papa Pio IX, em janeiro de 1866. Após a solene missa, celebrando a ocasião, o bispo falou da grande significância do evento, descrevendo abreviadamente a contribuição dos redentoristas para a população do Mato Grosso, em favor das almas.

A prefeitura municipal ofereceu um terreno para construir os prédios da nova comunidade. A aceitação de Dom Vicente e do padre Mohr data de 24 de setembro de 1938, um mês e meio depois. A nova fundação recebeu aprovação do Superior Geral,

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padre Patrick Murray, que designou como primeiro superior o padre William Gaudreau. O padre Carlos Langhirt, que estava morando em Tibagi, recebeu a missão de ser assistente do padre Gaudreau. A primeira missa celebrada na sonhada Igreja do Perpétuo Socorro foi dia 08 de janeiro de 1939, tendo a participação de 33 adultos e 26 crianças. Fez-se presente o padre Fien, que veio de Miranda para ajudar. Foram distribuídas comunhão para oito crianças. Em meio a tudo isso uma casa estava sendo alugada para acomodar a comunidade, no Bairro Amambaí. Um pequeno prédio foi adaptado para servir temporariamente de Casa Paroquial, até a outra casa ser construída de forma permanente. Um lugar perfeito estava localizado quase no centro da cidade. Padre Langhirt chegou do Paraná dia 10 de janeiro. Ele e o padre Gaudreau saudaram com emoção os planos sistemáticos de desenvolvimento da nova paróquia. Estavam atônitos, pois tiveram de deixar os trabalhos que faziam em outras localidades para dar ênfase ao novo empreendimento.

Padre Gaudreau foi chamado para conversar particularmente com o bispo, que lhe pediu para assumir temporariamente a paróquia Santo Antonio. Após troca de correspondência com seus superiores, e usuais conselheiros, o desafio foi aceito.

No dia 20 de janeiro de 1940, num esplêndido tributo ao padre Kuhn, que havia morrido alguns dias antes em Nova Iorque, Dom Vicente Priante assim falou:

“Por duas horas em um tempo, por três horas mais um tempo”. Tendo lutado com o padre Kuhn me desgastei com todo argumento que meu pobre intelecto encontrou para quebrar a

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barreira da oposição. No fim das contas ele rendeu-se e meus argumentos prevaleceram. Eu ganhei a luta para trazer os redentoristas a Campo Grande. Conseqüentemente, hoje temos todo o prazer em assistir a primeira cerimônia solene da confirmação dessa minha vitória”

Única entre as fundações no Brasil, a comunidade de Campo Grande ficou responsável por duas paróquias separadas. Na virada do século, Campo Grande era uma pequena vila, uma espécie de entreposto da população que viajava para as cercanias de Corumbá e outros lugares. É natural que o desenvolvimento dessa região fosse lento, mas foi sadio e necessário facilitar o transporte construindo a linha férrea no ano de 1918. A indústria desenvolveu-se pela estrada de ferro e começou a sustentar o progresso econômico de Campo Grande, dando-lhe um status de cidade, em poucos anos. Os redentoristas foram chamados a Campo Grande para cuidar da população no outro lado da ferrovia. Por isso se estabeleceram no Bairro Amambaí.

A construção da Igreja Perpétuo Socorro foi confiada ao engenheiro-arquiteto Dr. Maximilian Stulhbeker. Mas, ao iniciar as obras, o mesmo foi acusado de espionagem nazista e levado preso ao Rio de Janeiro para responder processo. Esse incidente fez com que a obra fosse confiada ao Dr. Frederick (Fritz). No dia 17 de abril de 1941, Dr. Maximilian, já inocentado das acusações, volta ufano e garboso para concluir a construção da igreja, cuja inauguração foi pomposamente realizada em 03 de agosto de 1941, com uma solene missa celebrada por Dom Vicente Priante. Ao lado da Igreja foi

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construída a residência dos missionários, inaugurada e ocupada alguns meses antes da inauguração da Igreja. A igreja foi construída com piso de ladrilho hidráulico e alvenaria de um tijolo e meio de barro, revestida com pedra malacacheta de cor branca com brilho, que com o passar  do tempo tornou-se uma cor bem escura. Acredita-se que escureceu devido à cor da terra dos tijolos. As esquadrias  são de madeira e ferro e as portas seguem a mesma tendência. Os vitrais aparecem por toda parte, tornando a iluminação colorida (azul, rosa, lilás e amarelo);  a roseta se encontra sozinha no fundo do altar, em tons de rosa e lilás. A cobertura  é de telhas de barro, apoiadas sobre estruturas de madeira maciça. A separação das três naves  é feita por colunas e pilastras. O altar, onde se encontrava o santíssimo, se destaca pelos ornamentos decorativos. Vários nichos em semi-círculos fazem parte da construção, onde havia imagens de santos. A decoração interior é bastante simples e sem rebuscamento. O mobiliário de madeira maciça  possui linhas simples e retas.

O mandato do padre Gaudreau como reitor da comunidade de Campo Grande foi breve. Precisamente às duas horas da tarde de segunda-feira, 8 de maio de 1939, padre Jose Fien atendeu um insistente carteiro que trouxe um telegrama remetido de Aquidauana. Padre Gaudreau relatou com emoção à comunidade que Campo Grande tinha um novo reitor e que ele havia sido nomeado sucessor do padre Mohr, ou seja, vice-provincial. Tal ofício foi assumido em 1950 pelo padre John J. Power. Vários dias se passaram, o padre John Laicher chegou das férias e era o novo pároco de Campo Grande. Até o fim do ano havia seis missionários morando na

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comunidade de Campo Grande. Cada um ajudava a cuidar afetuosamente das duas paróquias. Muitas coisas e feitos promovidos em Campo Grande se devem a esses “filhos de Santo Afonso”, que com seu hábito preto, venerado ao longo de todas as duas paróquias, souberam espelhar o sagrado pelas ações, zelo e testemunho de vida.

Em 1944, os redentoristas da Província de São Paulo pregaram a primeira missão em Campo Grande. Vindos de várias missões pregadas em todo o Brasil, eles sitiaram Campo Grande com missas, pregações inflamadas, freqüentes procissões e alcançaram um extremado sucesso. Em 1953, as duas unidades redentoristas americanas, Campo Grande e Manaus, juntaram forças e pregaram outra missão. Com grande louvor também alcançaram um evidente sucesso. Nessa época, estava acontecendo a divisão da paróquia Santo Antonio para a formação de uma nova paróquia, a São José. O leprosário, que até então estava a cargo dos redentoristas, os quais haviam assumido desde o momento da fundação, agora estava no território da São José. A pedido especial do bispo, um redentorista ficou responsável por ele, mesmo estando dentro da nova paróquia. Cruzeiro ficou sendo uma extensão da paróquia São José. Os padres Afonso Sullivan e Moacir Bossay missionavam ali. Era um local afastado da cidade, que crescia muito.

Padre Mohr veio para Campo Grande como reitor, em 1945, e ficou ali por dois anos. Em 1947, após dezoito anos no Brasil, retornou definitivamente aos Estados Unidos. Quem o sucedeu foi o padre Laicher, também intimamente ligado ao desenvolvimento da fundação de Campo Grande. Padre Laicher morreu prematuramente, três anos

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após ter deixado de ser pároco e ter ido embora do Brasil. Quem o sucedeu foi o padre Carlos Langhirt.

Padre Langhirt era bastante rigoroso com horários na comunidade e queria que todos estivessem em casa até as 18 horas, como estabelecia a norma de Roma. Mas era impossível. Os missionários tinham que fechar o expediente, pegar a correspondência no correio e o pão na padaria. Padre Langhirt ficava irado quando alguém se atrasava. Estava nas regras da Congregação que todo redentorista deveria estar em casa às 18 horas e não tinha apelo. Um dia, não agüentou mais e “soltou os cachorros” em todo mundo. Padre Afonso Sullivan, que não tinha nada a ver com a história, ajoelhou-se e, como era costume, pediu desculpas. O reitor, que desejava continuar a sabatina, deu-lhe um chute lateral e gritou: “Cala a boca Afonso!”. Coitado, pagou verdadeiramente o “pato”. Muitos confrades, por diversas vezes, tendo que ir a reuniões da Ação Católica, que só poderia acontecer à noite devido ao povo que trabalhava durante o dia, pulavam o muro da casa para não despertar suspeitas e iam para as reuniões.

Até o momento, a paróquia já teve dezenas de párocos. Em 1981, começou a funcionar ali o Seminário de Filosofia dos redentoristas. Houve época em que a casa de formação abrigava trinta jovens estudantes. Em 1992, a paróquia passou aos cuidados da Arquidiocese de Campo Grande, pois os redentoristas sentiram-se chamados a viver seu carisma missionário junto à população mais pobre da periferia. O pároco, na época em que a paróquia foi entregue aos cuidados da Arquidiocese, era Eugenio Sullivan, e o pároco diocesano que tomou posse foi o padre Orlando Cáceres, ex-redentorista.

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Em 1996 foi firmado convênio entre a arquidiocese militar do Brasil e a arquidiocese de Campo Grande, considerando o grande número de militares que residem no território da paróquia, e esta passou a ser coordenada por um capelão, chefe do comando militar do Oeste, Frei Antonio Emidio Gomes Neto, Ofmcap.

No dia 04 de Agosto de 1998, por graça de Deus e desejo de Nossa Senhora, a então paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro foi elevada a Santuário de Devoção Mariana. A solenidade de elevação aconteceu no dia 03 de Janeiro de 1999, data em que se celebrava os 60 anos de criação canônica dessa paróquia. Com a elevação da paróquia a santuário, sua coordenação voltou para os redentoristas, que retomaram a história e sua atuação no local. O santuário conta hoje com mais três comunidades: Nossa Senhora da Luz, no jardim carioca; Santo Afonso, no Serradinho e Santo Agostinho, no Taveirópolis.          Estrutura-se também na formação de lideranças leigas, catequese, ministros extraordinários da eucaristia e acolhimento aos fiéis que para lá se dirigem todas as quartas-feiras para as novenas em devoção a Nossa senhora do Perpétuo Socorro.  Estima-se que passem pelo santuário, todas as quartas-feiras,  milhares de fiéis, que se revezam entre os vários  horários de novena e buscam com freqüência o sacramento da reconciliação. 

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24Paróquia Santo Antonio em Campo Grande

(1939)

Criada em 1912, a paróquia Santo Antonio, em Campo Grande, esteve sob os cuidados dos padres salesianos até 1939. A partir do mês de Janeiro de 1940 passou aos cuidados dos missionários redentoristas. Era uma paróquia extensa e sua faixa territorial formava o desenho de uma grande seta, onde a cabeça estava no centro da cidade e o corpo prolongava-se em direção à saída para São Paulo. A população paroquial, em parte, era de classe média, mas, a grande maioria era constituída de operários braçais. O maior problema ali encontrado pelos missionários era uma reação contrária à vida de comunidade e compromisso, fator esse agravado

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pela distância territorial entre o centro e as vilas que estavam no território da paróquia.

Agora, ao invés de duas, eram cinco missas todos os domingos. Três missas eram celebradas na Santo Antonio, uma no Perpétuo Socorro, que ainda não tinha Igreja, e outra no Hospital Militar, situado no território da nova paróquia. A Igreja Santo Antonio também estava desprovida de residência paroquial. Os missionários foram obrigados, ao longo dos anos, a trabalhar na sacristia. Por isso, o propósito era um dos missionários ficar na sacristia o dia todo, de manhã e à tarde, para o atendimento aos fiéis. Essa prática foi muito satisfatória, mantendo-se por muitos anos. Todos ficaram agradecidos ao Provincial de Baltimore, na época, padre John Sephton, que aceitou essa decisão e abriu caminho para a construção da reitoria, com entrada para a Igreja. Santo Antonio era uma incumbência temporária. Oficialmente seria devolvida, com a posse do novo bispo, em julho de 1948, Dom Orlando Chaves. Mas, ao tomar posse, este pediu graciosamente que os redentoristas continuassem a realizar o seu trabalho.

Refeita a incumbência, colocaram-se a trabalhar ainda mais. Inicialmente eram sessenta crianças de Maria; posteriormente subiu para duzentos e cinqüenta. No início os homens não vinham para a Igreja. Com os trabalhos, já havia homens trabalhando na “Sagrada Família”, criada 10 anos depois, trazendo irmãos e irmãs para os sacramentos, que ombro a ombro recebiam a santa comunhão com regularidade. A Liga do Sagrado Coração, para mulheres casadas, a Cruzada Eucarística e a Associação dos Anjos, para as crianças, floresciam enormemente. Materialmente a

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Igreja havia sido completamente renovada: as paredes foram pintadas, as janelas alteradas, conforme especificações, e novos vidros colocados.

Isso, obviamente, já estava certo. Era quase natural que Campo Grande estivesse determinado um dia a ser a residência do vice-provincial. Aquele dia alvorecia e foi em maio de 1942, quando padre Gaudreau, que morava na primeira Casa-Mãe, em Aquidauana, mudou para Campo Grande, trazendo ele mesmo suas bolsas e bagagens. Em 1977, a antiga Igreja matriz Santo Antonio foi demolida devido a problemas estruturais.

25Perpétuo Socorro,

Escola Paroquial de Campo Grande

A Escola de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Campo Grande, foi construída para atender as crianças que circundavam a paróquia. As Irmãs Vicentinas foram um elo muito forte entre a comunidade Paroquial e a vida espiritual e intelectual de milhares de jovens e pais. Além de toda essa atividade comunitária, os missionários se dedicavam aos trabalhos de âmbito diocesano como cursilhos, movimento familiar, direção e orientação espiritual.

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Foram muitas almas beneficiadas com esses trabalhos.

Os missionários iniciaram seus trabalhos em Campo Grande no dia 02 de janeiro de 1939. No dia 20 do mesmo mês já estavam com duas paróquias em suas mãos. Demonstraram um trabalho fantástico, desde os primeiros dias que ali se fixaram. As atividades paroquiais eram de muita responsabilidade, mas já presumiam a construção de uma Escola Paroquial. Tinham um projeto a ser discutido e sonhavam com os recursos. Duas circunstâncias combinaram para que esse sonho se tornasse real. Foram visitar o prefeito e este observou que haviam colocado uma escola sob os cuidados da Prefeitura. A mesma não funcionaria naquele ano devido à falta de pessoas capacitadas. Em primeira mão, ele quase implorou para que os missionários assumissem a escola. Feitos os trâmites legais, a escola passou aos cuidados da obra missionária, com a incumbência de que providenciassem os professores necessários. O problema dos professores foi resolvido no dia seguinte, quando padre Gaudreau, sem problema de consciência, dirigiu-se até a Madre Provincial das Irmãs Salesianas, que oficialmente morava em Campo Grande. Foi testar a caridade da Madre, visto que as Salesianas tinham a melhor escola para educação de meninas na cidade. Nessas circunstâncias, confidenciou à Madre que havia recebido a oferta do Prefeito para assumir uma escola e transformá-la em Escola Paroquial, e não estava preparado para isso. A madre consentiu, cedendo uma freira e uma postulante para o início da primeira Escola Paroquial de Campo Grande.

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A escola abriu as portas no dia 01 de março de 1939 com trinta e sete alunos. Após esse desenrolar, veio a necessidade de buscar mais mão-de-obra, no caso, mais irmãs para que a escola crescesse. Mas, o entusiasmo inicial da madre arrefeceu sensivelmente. De qualquer forma, a segunda possibilidade das Irmãs Salesianas era menos promissora. Padre Gaudreau, ao pé da letra, “ficou no mato sem cachorro”. Encontrava-se num solitário e complicado labirinto. Mas Deus tem seus caminhos e possibilidades. Com diálogo e conversa, as Irmãs Salesianas ficaram na direção até 1943, quando vieram as Irmãs Vicentinas, pioneiras na pedagogia do sistema paroquial de educação, sob a tutela dos redentoristas no Mato Grosso. Era a primeira vez que fixavam residência em Campo Grande. Sua presença teve um impacto positivo e numérico no desenvolvimento da escola, a qual se expandiu e começou a funcionar também com professores leigos. O número de alunos aumentou muito e, como não havia um prédio fixo para a escola, as classes funcionavam em algumas casas, se espalhando muito. A situação ficou novamente difícil, mas a escola não podia parar ou dispensar alunos. Somente em 1947 construíram o prédio para a escola e as classes foram concentradas em um único local. A escola ganhou força para educar e evangelizar ao mesmo tempo.

O ensino nas Escolas Paroquiais representava um grande dispêndio para a Província de Baltimore, mas ajudava e facilitava a educação cristã dos jovens mais carentes. Uma maneira de preservar o contato com os jovens e ajudá-los na instrução. Demonstrava a preocupação com os jovens. Os alunos viviam um gênero de aprendizado com princípios morais e

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católicos de fé e todos os outros aprendizados necessários e formais da escola pública. Com boas perspectivas de ensino, os jovens deixavam as escolas municipais para adentrar na Escola Paroquial. Em pouco tempo o número de alunos cresceu para quinhentos.

Não podemos deixar de observar que o ensino nas escolas paroquiais estaria formando pessoas dentro da ética e da moral e ajudando na unidade da família, pois os alunos de hoje serão os pais do futuro. Formar uma geração de pais cristãos, dar possibilidades a professores, ajudando-os a adentrar num mundo profissional ético e moral, ajuda positivamente as famílias e o campo profissional da educação a ser melhor. Uma escola paroquial sempre foi entendida como lugar, fora da Igreja, para se evangelizar. Se na Igreja nem sempre se consegue evangelizar o jovem, é na escola que a possibilidade se apresenta, e assim se faz a ponte entre fé e escola, escola e fé.

26Pedro Juan Caballero

(1940)

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Em janeiro de 1940, o bispo de Concepção e do Chaco entregou a paróquia de Pedro Juan Caballero para os redentoristas norte-americanos. Antes disso, de tempos em tempos, os padres paraguaios passavam por ali, mas a localidade foi crescendo e veio a necessidade de aumentar a provisão de padres, para que o atendimento fosse ainda melhor. Os redentoristas começaram a vir de Bela Vista e fizeram várias visitas. Sempre que apareciam eram recebidos com carinho e como heróis. Traziam livros e alimentavam um destemido espírito missionário. Não demorou e veio o convite para assumir a paróquia de modo permanente. Um grupo de redentoristas visitou a paróquia de Pedro Juan Caballero para melhor estudá-la, em primeira mão. Nesse grupo estavam os missionários Felipe Gaudreau, Plufg e Herget. Após todas as verificações, três missionários foram apontados para trabalhar na paróquia: Albert Braun, superior da comunidade, Patrício Connely e Dionísio O´Dwyer.

As casas da localidade eram praticamente todas feitas de madeira e quase nunca tinham pintura. As pessoas andavam a cavalo pela cidade, principal meio de transporte da época. As viagens mais longas quase sempre eram feitas pelos largos trilhos da estrada de ferro. Para se viajar cerca de trezentos quilômetros, levava-se quase uma semana. Era um lugar isolado de tudo. A natureza era bela e rica em animais e flores. A cidade tinha uma igreja, mas era um verdadeiro horror. Os missionários ocuparam os dois quartos da casa, que ficava anexa à igreja, com plano de procurar outro lugar para ficar. Não estavam querendo algo muito confortável, mas o mínimo de conforto físico iria ajudar nas condições de trabalho que adentravam. Faziam todos os trabalhos

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que uma paróquia exige. Não havia ordem, nem disciplina. Faziam o que podiam. Era preciso fazer tudo mesmo, inclusive cozinhar, limpar a casa e cuidar do motor que gerava eletricidade. Quando chovia, a situação se complicava ainda mais. Precisavam viajar muito pelos caminhos da paróquia, muitas vezes de burro, outras a cavalo. Para esses homens, que amavam as paisagens e as florestas, essas viagens eram verdadeiros momentos de lazer. Estavam rodeados de imensas e densas florestas de grande beleza. Encontravam muitos pássaros, borboletas, flores e infindáveis tipos de insetos. A beleza da natureza sempre ilustrava as viagens, mesmo com as freqüentes e torrenciais chuvas tropicais. Por serem viagens longas, de muitos quilômetros diários, os missionários sempre tinham muitas e belas histórias para contar, em especial no que diz respeito aos problemas com os cavalos. As pessoas da cidade sempre eram atenciosas com eles, mas na hora da missa essa atenção ficava de lado e por qualquer coisa se desconcentravam.

No dia 25 de fevereiro de 1941, o padre vice-provincial McCarthy, juntamente com Gaudreau e Laicher, visitaram o local para comprar a propriedade da futura casa, igreja e convento das Irmãs. O engenheiro veio e decidiram reformar a casa da propriedade, transformando-a em casa paroquial. Ao lado, seria construída uma igreja temporária. Em julho, o padre Braun inaugurou a igreja sob o título de São Geraldo. Muitos eventos espetaculares envolvendo os redentoristas aconteceram em Pedro Juan Caballero, dentre esses, em especial, um em 1943. Por dias a cidade estava alvoroçada com a preparação da inauguração da Igreja, no dia 20 de junho. Tudo preparado para uma solene missa às

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8h30. O bispo buscava vencer a distância e a carência das estradas, mas seu carro não respondia a sua ansiedade, pelas dificuldades do percurso. A missa já estava atrasada e os missionários esperaram um bom tempo. Foi em vão! Padre Gaudreau, pelo grande atraso proporcionado, começou a missa, substituindo o bispo. Tão logo começou, o bispo chegou. Mesmo assim o bispo assumiu a mesma e dedicou a igreja em honra a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Com o término da celebração começaram uma gigante procissão. Após esse momento religioso, serviram o tradicional churrasco, para o qual as pessoas da cidade foram convidadas.

No ano de 1946 foi inaugurada a Escola Paroquial, segunda escola redentorista no Paraguai. As quatro irmãs pioneiras desembarcaram no mês de fevereiro. Em março a escola começou o ano letivo, com um bom número de estudantes. O ano passava e a fama da escola crescia cada vez mais. Os missionários motivaram também a construção de uma clínica, uma escola profissionalizante de carpintaria e um local para trabalhos de couro e alfaiate, num esforço de fazer o pobre auxiliar a si mesmo. Como diz o ditado: “dando a vara e ensinando a pescar”. Por cinco anos trabalharam na cidade de Pilar, fronteira com a Argentina. Em 1950, essa missão foi entregue aos redentoristas da Província italiana.

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27Novos trabalhadores nas vinhas do Senhor

(1941)

As vinhas do Senhor precisavam de mais operários para a grande messe. Ouvindo os apelos e percebendo a seriedade do trabalho, no dia 15 março de 1941, em meio à Segunda Guerra Mundial, Deus mandou mais missionários. A bordo do navio Argentina, saíram de Nova York mais oito missionários rumo à missão. Vieram na linha “Moore McCormack” dirigindo-se ao Rio de Janeiro e depois às terras do Paraná e Mato Grosso. Uma viagem de 13 dias até o Rio de Janeiro num navio de luxo. Dentre os missionários estavam: Bernardo Nolker, que vinte e dois anos depois seria ordenado bispo de Paranaguá; Roberto McCrief, Geraldo Ellinghaus, Paulo Sullivan, João O’Connor, Tomas Eagan, Nicolau Helldorfer e Egidio Gardner. Foi uma viagem muito perigosa. Estavam em plena Segunda Guerra Mundial e o risco de sofrer um atentado no mar era muito grande. Naqueles dias os Estados Unidos haviam apreendido navios italianos, alemães e dinamarqueses nos portos americanos, contribuindo para que nada acontecesse. Os Estados Unidos ainda não haviam entrado na guerra, estavam neutros. Se estivessem em guerra, o navio que conduzia os missionários certamente seria afundado pelos submarinos alemães que infestavam a costa marinha do Brasil. Os missionários chegaram ao Brasil no dia 25 de março, Festa da Anunciação. Tiveram muito trabalho para retirar a bagagem na alfândega. Tempo de guerra, estrangeiros entrando no país e a

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lentidão dos profissionais brasileiros foram as causas da demora. Do Rio de Janeiro até São Paulo viajaram num trem elétrico. Dizem ter sido uma viagem agradabilíssima. Ficaram dois dias em São Paulo. Foram a Bauru e então embarcaram para Campo Grande, as terras do Mato Grosso. Era o momento que aqueles homens nasciam para a vida missionária em terras brasileiras. Não sabiam nada da língua portuguesa, mesmo assim, estavam ansiosos para começar seu trabalho nas terras que conheciam como “oeste selvagem”, apelido que o padre Plufg deu ao Mato Grosso. O fato de não estarem familiarizados com a língua foi resolvido mais tarde, quando montaram um curso de português nos Estados Unidos.

Em Campo Grande, após dois dias reconhecendo a região, ficaram sabendo onde iriam trabalhar. Padre Bernardo Nolker iria para Tibagi, no Paraná. Padre Tomas Eagan para Ponta Grossa, também no Paraná, pois tinha facilidade com o alemão e nessa cidade havia muitos alemães. Padres Geraldo Ellinghaus, João O’Connor e Nicolaus Helldorfer iriam ao Paraguai. Padres Roberto McCrief e Paulo Sullivan, para a cidade de Miranda. Egidio Gardner para Aquidauana, ficando aqui por 15 anos. Em Tibagi, padre Bernardo, juntamente com sua comunidade, tinha que cuidar da vida espiritual da pequena cidade e das distantes capelas, espalhadas num raio de cem quilômetros.

As condições de trabalho eram sempre muito complicadas. Certa vez, o padre Egidio Gardner precisava ir de Nioaque até Aquidauana e esperou por mais de duas horas uma condução. Apareceu um caminhão carregado de madeira, que de tão velho parecia ter um século de vida. Aventurou pegar

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carona naquela lata velha, não tinha outro jeito. O veículo não tinha freios e o radiador esquentava muito. Precisava parar a cada 5 minutos para completar a água. O motorista, precavido, carregava quinze galões cheios de água para não ficar no meio do caminho. Para dar a partida levava mais de cinco minutos, porque era preciso mexer o motor com uma chave de fenda e ainda usar uma manivela para dar o arranque final. O vapor que saía do radiador cobria o pára-brisa. Quando precisavam parar, era necessário engatar a primeira marcha forçando o câmbio com as duas mãos e o ajudante corria para completar a água do radiador. Tentaram fazer isso sem parar, sentando no capô e jogando água no radiador, mas não deu certo. Como não havia câmbio, foi adaptado um pedaço de pau, que tinha de se ter cuidado para não sair do lugar. Cada vez que batia num buraco tinha que repor o pedaço de pau. A estrada estava tão cheia de buracos que era preciso fazer isso toda hora. No caminho o motorista mostrou o lugar onde havia tombado o caminhão na semana anterior. Os faróis também não funcionavam, e estava escurecendo. O motorista queria passar a noite na estrada, mas foi convencido pelo padre Egidio a prosseguir. Foi então que o assistente sentou-se no capô e, com uma lanterna, foi iluminando a estrada. Depois de seis horas, entre buracos, paradas e rica aventura, finalmente chegaram a Aquidauana.

As férias dos missionários seguiam o sistema das grandes companhias Ford, General Motors, etc. Era permitido voltar aos Estados Unidos somente a cada três anos. Num desses dois anos que ficavam no Brasil, era permitido fazer somente uma viagem até o Paraná, se morasse no Mato Grosso, ou ao Mato

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Grosso se morasse no Paraná. Só iriam para São Paulo ou fora desse trajeto se tivessem que fazer consulta médica. Entremeio a esses dois anos, o missionário fazia dez dias de retiro em casa, recebia em média o equivalente a cento e cinqüenta reais e só podia viajar por seis dias. Quando ia para os Estados Unidos, a cada três anos, ficava por lá até quatro meses. Quando falecia algum parente não tinha permissão para viajar para lá. Todos os empregados das casas eram homens: faxineiros, motorista, cozinheiros. Uma espécie de clausura domiciliar, onde mulheres não podiam adentrar. Várias vezes o bispo insistiu que precisavam usar a tonsura, prática que os primeiros que chegaram tiveram de submeter-se, mas a maioria não usava porque se fosse para os Estados Unidos, todos achariam ridículo.

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28Emil Hottinger, 1ª baixa na batalha

missionária(1942)

“A morte faz parte da vida, e um redentorista trata com a realidade da morte quase que diariamente na sua missão.” No dia 14 de janeiro de 1942 faleceu de leucemia o padre Emil Hottinger. Morava em Miranda. Nasceu no dia 08 de dezembro de 1908 em Philadelphia, USA. Professou em 1930 e foi ordenado em 1935. Tinha 34 anos. Foi o primeiro redentorista americano a morrer no Brasil, dentro da Província. Foi sepultado no cemitério municipal de Campo Grande. Anos mais tarde, seu corpo foi transferido para Ponta Grossa (Santíssimo Redentor) e para Curitiba, primeiro permanecendo no Seminário São Clemente, depois na casa redentorista da rua Ubaldino do Amaral e por último no cemitério do Barigui. Morava em Miranda e ficou gravemente doente, atacado pela leucemia. Padre Gaudreau resolveu levá-lo para tratamento em Campo Grande, onde havia mais recursos médicos. Mas, como os trens tinham dia e hora para passar, naquele dia o

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trem de passageiro estava indo em outra direção. A solução foi pegar um trem de carga, caso contrário teria de esperar mais um dia para viajar. Mas como a leucemia se mostrava cada vez mais grave, não se podia esperar mais. Reservaram um vagão de carga e se puseram a fazer a viagem, que durou sete horas. Padre Hottinger caiu em coma durante a viagem e faleceu logo que chegaram em Campo Grande.

29Ponta Porã: “ponta bonita” do Mato Grosso

(1943)

Presencio o crepúsculo no pantanal. Os pássaros fazem uma tremenda algazarra nas árvores vizinhas ao meu casebre. Novamente a seriema, aves e animais se preparam para mais uma noite. O crepúsculo me lembra que em todos os lugares, entre o céu e a terra, entre o mar e os rios, entre a areia e o mar, está Deus. No feio e no bonito. Nos filmes que fazem chorar e nos que fazem refletir. Na tinta da caneta e na folha de papel. Entre a sensibilidade dos pensamentos e a compreensão da vida. Em tudo Deus se faz presente. Vive em meio às flores, entre rosas e reflexos da água mais limpa, no sol e na ternura, na fraqueza e na fortaleza humana. Deus sorri. Deus chora. Deus repousa dentro de mim. Foi nessa onipresença que Deus se fez parte da extensão de toda a obra missionária em Ponta Porã. “Ponta bonita”, na língua tupi-guarani. Um bonito e

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novo desafio. Uma nova jornada. Um novo campo missionário.

Em 10 de abril de 1900, o Governo do Estado criou o distrito de Ponta Porã como parte integrante do Município de Nioaque. Em 18 de julho de 1912 a cidade foi elevada à categoria de Município. A paróquia foi criada em 04 de abril de 1924, mas os registros de batismo constam desde 1915. Tinha como limites o Estado do Paraná, a República do Paraguai, Nioaque e Bela Vista. De 1826 até 1910, Cuiabá era a única Diocese. Somente em 1910 surgiram as Dioceses de Corumbá e Cáceres. Em 1957 foram criadas as Dioceses de Campo Grande e Dourados.

Quando o Bispo de Corumbá erigiu a paróquia de Ponta Porã, não havia nenhum padre Diocesano, somente os salesianos trabalhavam na Diocese. As paróquias com vigários próprios eram Corumbá e Três Lagoas. O padre José Giardelli, nomeado Visitador Diocesano em 1926, era então, desde o dia da criação da paróquia de Ponta Porã, vigário de Três Lagoas, razão pela qual Ponta Porã esteve anexada a Campo Grande até 1930. A fé católica da diocese de Corumbá sofria com a falta de padres. No dia 29 de janeiro de 1926, o salesiano padre José Giardelli foi nomeado visitador diocesano dessa paróquia. Ele desembarcou como verdadeiro pioneiro e rezou a primeira missa na casa da senhora Alzira Marques Saldanha. Com maravilhoso espírito missionário, padre Giardelli, iniciou um bonito trabalho com as crianças a fim de levá-las a conhecerem Deus através dos sacramentos. Uma venturosa e grande sala do novo grupo escolar foi o lugar para os serviços da igreja e ali começaram as instruções para

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aquelas almas abandonadas. Tinha um extraordinário zelo por aqueles que ali moravam.

No dia 10 de março de 1926 foi criado o apostolado da oração na cidade e assinado o contrato para a construção da igreja. Em 25 de abril do mesmo ano a pedra fundamental da igreja São José foi abençoada. Durante os anos, os padres salesianos trabalharam incansavelmente para o término da igreja matriz. Em março de 1930, padre João Sobel foi nomeado o primeiro vigário da paróquia São José e, por alguns anos, Dom Antonio de Almeida Lustosa, bispo de Corumbá, favoreceu a cidade com as visitas pastorais. Dom Lustosa visitou os grandes centros da população da paróquia como o Patrimônio União, Campanário e Dourados. Crismou e batizou centenas de crianças, jovens e adultos. Repetiu as visitas em 1933, 1937 e 1940 e estimulou a fé de todos, encorajando os bons missionários a continuarem seu zelo no trabalho pastoral. E, se por acaso, encontrava alguma dificuldade, ele mesmo confrontava os padres. Numa visita que fez à pequena cidade de Antonio João, dom Lustosa encontrou alguns “caras embatinados” querendo batizar, crismar e fazer os casamentos das pessoas cobrando altos salários para isso. Eram verdadeiros salafrários que pretendiam enganar o povo. Dom Lustosa os enfrentou com segurança e autoridade.

Depois do padre Sobel, vieram os padres Amado Decleene, padre Caetano Patene e o padre Januário Ducotey, todos salesianos. Em 1936 trouxeram a graça das santas missões, pregadas pelos redentoristas da Província do Rio de Janeiro e São Paulo, padres Carlos Meere e Antonio Smittius. Em 1943, os salesianos necessitaram deixar Ponta

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Porã. Foi então que os missionários redentoristas foram convidados a continuar o trabalho ali iniciado.

Ponta Porã se tornou um novo nome na lista das fundações afonsianas no dia 14 de março de 1943. Por requerimento de sua excelência Dom Vicente Priante, bispo da diocese de Corumbá, do reverendíssimo padre William Gaudreau, vice-provincial dos redentoristas de Campo Grande, foi oficialmente aceito esse novo trabalho apostólico dos missionários redentoristas.

— Bem vindos a Ponta Porã, Senhores padres...

Palavras pronunciadas altas horas da noite do dia 08 de abril de 1943 aos padres Harold Driscoll , Bernard Rainer e Henrique Plug, pelo motorista da jardineira da empresa “Auto Transporte Sacadura” que além de transportar o povo levava também seus pertences como malas, alimentos, galinhas e, às vezes, até alguns porcos. Após uma cansativa viagem de 15 horas, chegam à região onde passariam um bom tempo de sua missão ajudando o povo a se encontrar com Deus. Padre Driscoll escreve no livro tombo da paróquia: "O padre Januário e o clérigo Ângelo Alpi não estão com muita vontade de sair de Ponta Porã. Os dois salesianos trabalhavam por quatro". Seis dias após a chegada, 17 de abril, tomaram posse da paróquia e começaram a agir rapidamente. No dia 29 de abril entronizaram na igreja matriz o quadro de Nossa Senhora Perpétuo Socorro. Por hábito de Santo Afonso, os missionários não somente se estabeleciam na cidade, mas também nos arredores e periferias, por isso começaram a cuidar da cidade de Pedro Juan Caballero, no Paraguai. No dia 14 de

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julho de 1943 chegaram mais dois redentoristas, padres José Fien e Lourenço Wlelan. O Superior Provincial, padre M. Gearin e o Consultor, Joseph Murphy, fizeram a primeira visita no dia 27 de julho.

Logo que chegaram, descobriram uma pequena escola para meninos com o patrono Dom Bosco. Mas também queriam abrir uma escola paroquial para crianças. Chamaram as Irmãs de São Vicente para atender a mesma e dar uma formação religiosa, ensinado uma decente vida católica. Em 04 de janeiro de 1944 as Irmãs Madalena, Lina e Vitória desembarcaram para iniciar a escola. Imediatamente se colocaram a trabalhar e ensinavam de manhã e à tarde, atendendo duzentos alunos da grade primária. As duas acanhadas salas de aula deram lugar à nova “Escola Paroquial São José”, tendo anexo o convento das Irmãs Vicentinas, que dirigiam a escola. Além das irmãs, a paróquia tinha três missionários para o atendimento pastoral. No decurso de três anos foi notável a transformação.

Os missionários continuavam os atendimentos ao povo. Muitas vezes de bicicleta ou a cavalo, buscavam visitar todas as pequenas vilas dessa imensa paróquia. Mais ou menos trinta e cinco mil quilômetros quadrados rezando missa e administrando os sacramentos. Não visitavam somente pequenas cidades ou vilas, mas também as casas distantes, num verdadeiro espírito missionário. Padre Bernardo Rainer, por exemplo, viajava de fevereiro a junho, em seu cavalo, visitando paroquianos e atendendo individualmente as almas abandonadas. Sempre encontrava muita gente que nunca havia visto um padre em sua vida. Numa só viagem, padre Rainer batizou 345 pessoas, entre crianças e adultos, e abençoou 21 casamentos. Os

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missionários que ficavam na cidade ensinavam catequese nas escolas municipais e estaduais, dando às crianças os rudimentos da religião católica. Primeiras comunhões eram instituídas dentro do colégio, onde os missionários regularmente preparavam as crianças. Na cidade e nos lugares mais distantes todos podiam aproveitar do trabalho desses zelosos “filhos de santo Afonso”.

No dia 13 de fevereiro de 1946 iniciou-se a construção da nova Casa Paroquial. Ficou na história da paróquia, dessa época, a visita de Nossa Senhora de Fátima. Muitos dos mais velhos comentavam emocionados sobre a grande multidão que acorreu à praça da matriz para saudar a Mãe de Deus. Em agosto de 1947 padre Driscoll foi transferido para Monte Alegre, no Paraná. Como primeiro superior de Ponta Porã, padre Driscoll, deixou muitos exemplos a serem seguidos. Seu espírito de sacrifício e de pobreza tocou a vida de muitas pessoas. Onde muitos construíam inimigos, padre Driscoll fazia sinceros amigos. Seu nome está guardado na memória de muitos que o conheceram.

Padre Bernardo Nolker foi nomeado o segundo superior de Ponta Porã. Em pouco tempo proveu a paróquia com um jeep 4x4, que ajudava enormemente na locomoção por terra. A vinda do jeep elevou o moral dos missionários. As muitas milhas que eram feitas a cavalo passaram a ficar mais curtas com o auxílio do jeep. O cavalo quase ficou esquecido no pasto. Com o jeep podiam viajar, atender pessoas e voltar para a casa com roupas ainda limpas. Sem contar que podiam dormir mais confortáveis. Melhor de tudo, com o jeep era possível atender com mais freqüência as fazendas e localidades distantes, permitindo que todos tivessem

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contato com a fé de modo mais profundo e menos demorado. O jeep incrementou o espírito missionário e trouxe agilidade para os atendimentos. Durante o tempo que padre Nolker ficou em Ponta Porã, a nova casa paroquial foi concluída. Uma casa maravilhosa, que ajudou na convivência rotineira da vida religiosa. Houve a primeira visita canônica, na pessoa do padre Leonardo Buys, Superior Geral da Congregação. Nessa época, muitos missionários passavam por Ponta Porã indo para Bela Vista, Aquidauana, Miranda e Bella Vista, no Paraguai.

No dia 23 de março de 1948 receberam a notícia de que dom Orlando Chaves seria o novo bispo de Corumbá. Esse mesmo bispo fez visita canônica à paróquia de Ponta Porã em 5 de agosto de 1950. Tal visita se estendeu até outubro. Dom Orlando realizou um heróico trabalho, viajando com os missionários de jeep por todos os lugares, fazendas e centros populacionais da paróquia, chegando até Amambaí. Esse zeloso exemplo inspirou ainda mais os missionários a trabalharem por aquelas almas. Nessa visita do bispo, três mil trezentos e setenta adultos e crianças fizeram crisma. Foram atendidas mais de quatro mil confissões. Foram abençoadas duzentas e trinta e nove uniões matrimoniais, nas legitimações. Ao todo, acompanhado pelos missionários, o bispo viajou mil e setecentos quilômetros, visitando fazendas e lares desse abandonado rincão.

Em dezembro de 1950, com a transferência do padre Nolker para Paranaguá, Ponta Porã recebeu o novo vigário, padre Roberto Coughlin, vindo de Tibagi, no Paraná. Recebeu do bispo da diocese a garantia da criação da nova Igreja, na esquina da avenida Brasil com a Presidente Vargas. A nova

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matriz, iniciada pelos salesianos, foi inaugurada em 1956 e o Ginásio São José em 1959. Sobre a Casa Paroquial foram feitos os projetos, ficando prontos em 1951. Tudo aprovado, o provincial de Baltimore doou para o vice-provincial de Campo Grande o suficiente para construir parte da obra. A construção foi lenta, pois as dificuldades para obter o material eram enormes. Mas, com a graça de Deus e o trabalho árduo de todos, a casa foi abençoada no final do ano de 1953.

Trinta e três anos após a chegada dos redentoristas em Ponta Porã, veio o primeiro fruto daquela região que foi o padre Orlando Boeira Cáceres, ordenado no dia 10 de julho de 1976. Dom Teodardo Leitz, bispo de Dourados na época, chegou a pedir que adiasse sua visita ao papa para estar presente em Ponta Porã, a fim de conferir o sacerdócio ao novo padre redentorista.

Em meio a esse roldão de história, os missionários de preto com rosário na cintura continuavam a ajudar o povo levando adiante o legado de trabalhos apostólicos em Ponta Porã, apoiados pela visão de que a própria caminhada da Igreja deve ajudar a nascer seus vários ministérios. Em todos esses anos de trabalho, tantas pessoas receberam graças e encontraram o caminho de Deus. Quantas almas sentiram-se aliviadas pela presença dos missionários de preto e cruz na cintura. Pelas missas celebradas nessa paróquia todos os dias, pela vida e sacrifício das oito Irmãs de São Vicente que ensinavam as crianças na Escola Paroquial, pela devoção dos paroquianos que freqüentam a igreja para receber os sacramentos e se encontrar com o divino Salvador. Que Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e o patrono São José sempre nos abençoem e

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nos protejam, estimulando uma verdadeira vida familiar católica.

30Paróquia do Rosário, em Paranaguá

(1945)

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O Estado do Paraná possui uma exuberante faixa de mata conhecida como Serra do Mar. Verdadeiro santuário de espécies animais, vegetais e minerais. Orquídeas, flores, pedras, árvores em extinção, quatis, iraras, furões, ouriços, cuícas, tatus. Macacos, como o bugio e macaco-prego. Felinos, como onça-pintada, suçuarana, jaguatirica, gato-do-mato e gato-mourisco. Aves como gaviões, jandaias, juritis, saíras, pica-paus, macucos, jacus, tucanos e tantos outros que enchem os olhos de quem desce pelas linhas de trem na famosa litorina. Ferrovia essa que funciona desde 1880 e perfaz um trecho de cento e dez quilômetros. Construída na época do Império, corta a Serra do Mar, passando por precipícios de mais de mil metros de altura. Neste passeio se avistam belezas naturais inesquecíveis como a Cascata Véu da Noiva, com oitenta metros de altura, a Garganta do Diabo e tantas outras coisas. Paisagem que os missionários de preto tantas vezes viram passar pelos seus olhos quando desciam ou subiam a serra no pastoreio das almas que estavam sob sua guarda.

Numa quinta-feira, 19 de abril de 1945, viajaram para Paranaguá o superior vice-provincial padre William Gaudreau e mais três missionários: Clemente Pirnak, Charles Langhirt e William Connors. Os três últimos desciam a serra para ficar em definitivo. Tomariam conta da paróquia Nossa Senhora do Rosário, padroeira da cidade. Sendo que o padre Langhirt seria então o novo pároco da Igreja mais antiga do Paraná.

A viagem na velha litorina levou três horas. Foi cansativa, mas cheia de entusiasmo. Iriam dar continuidade ao trabalho de evangelização num lugar notoriamente difícil, cuja população apresentava um

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catolicismo pouco consciente e sem profundidade. Um verdadeiro campo missionário, onde não se tinha profundidade na fé e compromisso cristão. Essa falta de profundidade na fé começou em 1550 com a colonização da região de Paranaguá, cinqüenta anos após o descobrimento do Brasil. O povoado foi iniciado a partir de homens de fibra, que desceram de São Vicente e Cananéia, no Estado de São Paulo, até a Baía de “Pornoguá”, como era conhecida e chamada pelos índios Carijós. Em 1578 foi construída ali uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário, mas a paróquia só foi criada no ano de 1655. Por ali passaram padres jesuítas, diocesanos, capuchinhos, Josefinos, franciscanos e outros.

Dom Áttico Euzébio da Rocha foi quem convidou os redentoristas para exercerem seu ministério em Paranaguá. Antes da chegada dos redentoristas, a visita dos sacerdotes aos pescadores limitava-se apenas às principais festas do ano, devida às condições precárias de locomoção. As quinze ou vinte mil almas que ali residiam, estavam espalhadas em lugares afastados da baía e nas margens dos rios. Reclamavam a falta de atendimento espiritual. Com disposição, e cheios de ardor missionário, os redentoristas visitavam toda a baía de Paranaguá, não lhes faltando ânimo para anunciar o reino de Deus com simplicidade e zelo. Todos os domingos visitavam média de dezesseis lugares nas áreas rurais e pesqueiras da paróquia.

A paróquia era imensa e abrangia quase todo o litoral paranaense, incluindo as ilhas e sítios espalhados por todo interior. Para percorrer todo esse território e assistir o povo espiritualmente, foi providenciada a famosa lancha Fátima, que facilitava

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chegar às comunidades beira-mar, que não tinham estradas ou trilhas transitáveis. Nos lugares onde era possível a locomoção por terra utilizavam um jeep, único veículo capaz de penetrar áreas quase que intransitáveis. A partir da tomada de posse da paróquia, os missionários se dedicaram exclusivamente ao atendimento de todo o território e a ajudar o povo a aprofundar mais sua fé. É difícil calcular os esforços empreendidos por esse corpo missionário, que desde o ano de 1945 vem ajudando o povo a viver melhor sua espiritualidade. Quando chegaram, encontraram a Confraria do Rosário, fundada ali em 1705; o Apostolado de Oração, fundado em 1895. Depois veio a Legião de Maria, Cursilho, PLC e outros movimentos que colaboraram muito para que os parnanguaras vivessem melhor sua fé.

De 1951 a 1956 padre Bernardo Nolker foi pároco, começando no dia 23 de dezembro de 1952 uma belíssima reforma interna na igreja. A reforma ganhou motivação maior com a proposta de se colocar três novos sinos na torre. Estes foram abençoados por dom Manuel da Silveira D’Elboux. Padre Nolker nem esperava que alguns anos mais tarde se tornaria o primeiro bispo daquela que seria Diocese de Paranaguá.

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31Escola Paroquial Nossa Senhora do Rosário

(1945)

Manhã de março de 1945, um mês antes de tomar posse da paróquia Nossa Senhora do Rosário, os padres Carlos Langhirt, Clemente Pirnake e William Connors desceram de trem a Serra do Mar, que tocava o coração com sua beleza natural, para reabrirem a Escola Nossa Senhora do Rosário. Sua motivação era o espírito missionário que traziam, fazendo-os devotar a vida ao amor pelas crianças e à melhoria das condições sociais. A Escola Paroquial Nossa Senhora do Rosário foi fundada em 1920 pelos padres Josefinos, funcionou durante bom tempo, fechou e só foi reaberta em março de 1945, por esses três redentoristas.

O início não foi fácil. O prédio necessitava de reparos, mas com o auxílio da população e das verbas provindas de doações dos Estados Unidos, as possibilidades apareceram. Assim, iniciaram-se as reformas estruturais, bem como a inovação dos recursos didáticos. O principal motivo dessa atividade foi propiciar uma educação de qualidade para as camadas mais carentes da população. Posteriormente, no período compreendido entre 1950 e 1956, o Vigário de Paranaguá, padre Bernardo Nolker, levou adiante as reformas e melhorias necessárias para a Escola Paroquial. Com isso, a Instituição, que estava sob a administração das Irmãs de São José, teve grande progresso. Mais tarde, padre Guilherme Connors assumiu a direção e dedicou atenção especial às necessidades da Escola.

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Neste período, porém, as Irmãs de São José, que cuidavam da escola, precisaram mudar de região e ficaram impossibilitadas de continuar o trabalho junto à escola. Diante do problema, foi solicitado o precioso auxílio das Irmãs Bernardinas, do Rio Grande do Sul. Construíram mais três salas de aula, paralelas à Praça Iria Correia, nos fundos da Igreja Nossa Senhora do Rosário.

Em 1965, o novo pároco, padre Eduardo Jackson, assinou o “Termo de Cooperação” com a Secretaria de Educação, por um prazo determinado de três anos. A Instituição se comprometia com o ensino gratuito podendo, porém, cobrar uma contribuição para a manutenção do prédio. A mesma ficou com o direito de escolher os professores que formariam o corpo docente. Em 1965, a Escola foi confiada aos cuidados do padre Tiago Small, que não mediu esforços para o progresso material e espiritual dos alunos. A Diretora, a inspetora de ensino, Cecy de Barros, as Irmãs Bernardinas e as professoras buscaram a promoção dos alunos e a melhoria cultural, bem como uma boa formação cristã e de cidadania.

Em 1966, a professora Raquel Costa assumiu a 3ª Inspetoria Regional de Ensino. Com seu entusiasmo e dedicação fez muito pela Escola. Foi, sobretudo, amiga e desejava o crescimento cultural dos parnanguaras. No ano seguinte, a paróquia recebeu um novo pároco, o padre Nilo Sheridan e uma nova comunidade religiosa. A Escola ficou sob o encargo do padre Estevão Szigethy. Sua presença foi um marco importante, pois cativou uma grande amizade com os alunos e conseguiu com que a escola despontasse com a montagem de uma excepcional Fanfarra Estudantil. Em 1970, um novo

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pároco foi designado, padre João Hennessy, que apoiou efetivamente o desenvolvimento e acreditou no corpo docente. Procurou ainda realizar o melhor para os educandos. Tanto que, em 1971, passou a chamar-se Escola Nossa Senhora do Rosário Ensino do 1º grau.

Mais tarde, passou a ser dirigida pelos leigos, na pessoa competente da professora Nanci Martins Pinto, que administrou de 1988 até 2001 e tinha como meta a formação integral dos alunos. Em 27 de Novembro de 1993 foram inauguradas as novas instalações e, a partir de 1994, além da pré-escola, passou a ser ofertado o ensino regular de 1ª a 4ª série e o ensino fundamental de 5ª a 8ª série. Todo esse esforço deixou claro que os missionários redentoristas acreditavam na educação como elemento primordial para o crescimento da sociedade parnanguara.

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32Telêmaco Borba

(1946)

Em 1941, a Segunda Guerra Mundial alvoroçava o mundo e a compra de produtos estrangeiros se tornava escassa e cara. Notou-se que o país deveria ser auto-suficiente na produção de diversos itens, dentre eles, o papel. Em meio à deficiência existente nesse setor, apareceu a família Klabin, com interesse em investir no Brasil. Encontraram uma região propícia para esse desenvolvimento no interior do Estado do Paraná. Encorajados pelo presidente do Brasil, Getúlio Vargas, os Klabin fizeram um estudo para implantar naquela região uma indústria de papel e celulose. A indústria se transformou na segunda maior indústria do país. Para se ter uma idéia, somente a área adquirida pela Klabin representa o tamanho de toda a Bélgica.

As pessoas que vinham trabalhar na montagem da Klabin eram de diferentes lugares e vários padrões de vida. Os funcionários de alto padrão como Gerentes e profissionais especializados vinham, sobretudo, do Rio de Janeiro e São Paulo. Trabalhadores braçais geralmente vinham de pequenas cidades e sítios próximos. Técnicos e

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engenheiros vinham do exterior e eram responsáveis pelas construções e projetos da indústria. Foram montados escritórios, alojamentos para os empregados, armazém de subsistência e uma escola. Tudo se concentrava na sede principal da Fazenda. Logo no inicio foram construídos três núcleos residenciais: Lagoa, Mauá e Harmonia.

Lagoa representava o centro administrativo do setor florestal. Tinha um núcleo residencial para os trabalhadores. As construções eram predominantemente de madeira, incluindo residências para os trabalhadores casados e alguns barracões para dormitório coletivo, com capacidade para até duzentos trabalhadores. Foi construído um Hotel, escola, Grêmio Recreativo, capela e armazém.

O núcleo de Mauá foi criado junto à usina hidrelétrica. Inicialmente reunia dormitórios coletivos para trabalhadores da barragem, depois foram construídas casas destinadas aos empregados da estação de geração de energia.

O terceiro núcleo, Harmonia, ficava localizado junto às instalações da fábrica. Era o maior deles, reunindo casas de gerentes, técnicos especializados, mestres, contra-mestres, motoristas, vigias e operários. Havia hotéis, igreja, hospital, escolas, armazém, cinema, clube, padaria e um pequeno comércio local, distribuíam-se em meio a imensas áreas ajardinadas.

No interior da Fazenda dos Klabin, foram criados acampamentos florestais e diversas colônias agrícolas, que reuniam parte dos trabalhadores e eram responsáveis pelo reflorestamento. Devido a aglomeração de pessoas, foi preciso criar, na década de 50, em Harmonia, uma série de estabelecimentos comerciais como o Bar e Sorveteria Monte Alegre,

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dotado de mesas de bilhar; a Tesoura Mágica do Valentim; a Oficina Harmonia, de consertos de carros; a Casa de Móveis Paulista; a Alfaiataria Paulista; a Livraria Monte Alegre.

Pelo lado moral e organizacional havia um olhar especial, como o caso das restrições à venda de bebidas alcoólicas na região, surgido a partir da ocorrência de um duplo homicídio na Lagoa, que levou a indústria à decisão de lei seca. Nos finais de semana, os trabalhadores utilizavam seu tempo livre com grande autonomia em divertimentos como o jogo truco e corridas de cavalos. As vezes, perdiam seus salários inteiros em apostas e jogatinas. Nos feriados tinha ocorrências de violência como tiros ou facadas. Com isso, foi se vendo a necessidade de organizar formas alternativas de lazer. Em 1946 dois clubes foram fundados: o Clube Atlético Monte Alegre e o Harmonia Clube. Na Lagoa foi fundado o Grêmio Recreativo Araucária. Os esportes foram incentivados com a criação de um Estádio de futebol. Surgiram cinemas e sempre eram promovidas festas populares, religiosas e cívicas. Os missionários promoviam as festas na igreja e atendiam espiritualmente as colônias, acampamentos e os núcleos da fazenda.

No início dos anos 50, a Klabin lançou o projeto "Cidade Nova", um loteamento fora dos limites do núcleo fabril, para o qual transferiu os empregados de empreiteiras, reduzindo drasticamente a população dos três núcleos. O projeto da Cidade Nova é encomendado ao arquiteto Max Staudacher, que antes já havia realizado projetos para Harmonia. Com o inicio do projeto foi preciso fixar um nome para a região identificando-a para o resto do mundo. Para a escolha, diversos nomes foram cogitados,

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entre eles: Papelândia, Klabinópolis, Cidade Nova, Monte Alegre e finalmente Telêmaco Borba, que apareceu devido a uma articulação feita por Guataçara Borba Carneiro, então presidente da Assembléia Legislativa do Estado e neto de Telêmaco Borba. Foi uma maneira de homenagear o coronel Telêmaco Augusto Enéas Morosini Borba, grande indianista, etnógrafo, geógrafo, paleontólogo, letrista, escritor, historiador, militar federalista, exilado político, ex-presidente da Província do Paraná, ex-deputado e ex-prefeito de Tibagi. Num espaço de sete anos a população da região aumentou para quinze mil pessoas.

A cidade fica situada na parte central do Paraná. Muito conhecida antigamente como “terra dos lindos diamantes”. O clima da área é agradabilíssimo e semi-tropical, que se faz agradável maior parte do ano. Na geografia, é quebrada por montanhas e cortada por rios. Com ricas e verdejantes florestas que trazem recursos para o solo e tem grande influencia da Indústria da família Klabin, que dali tiram recursos para sua grande indústria de papel.

Inicialmente, os missionários redentoristas vinham da cidade de Tibagi para atender a população que morava na pequena povoação originada de trabalhadores que atuavam na construção da Klabin. Vinham quase toda semana e ficavam por um período de três dias. E quando chegavam ficavam hospedados na casa do Senhor Pedro Lagoa. Geralmente vinham a cavalo e atendiam também as localidades de Felisberto, Curiúva, Ventania, Figueira e Barro Preto. Para toda essa gente sertaneja o missionário era o único contato que tinham com o mundo exterior. Com o crescimento da população o

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trabalho foi aumentando e tornou-se imprescindível a criação de uma nova paróquia

O bispo de Ponta Grossa, Dom Antonio Mazzarotto, pediu ao padre Provincial dos redentoristas que aceitasse tal área como paróquia. Necessitando de aprovação formal para a fundação, o vice-provincial comunicou ao Superior Geral em Roma que enviou comunicação dizendo que a cidade seria aceita como trabalho temporário. Em 1944 foi construída pela Klabin uma pequena capela de madeira, na localidade de Harmonia. No dia 05 de dezembro de 1946, veio o documento de Roma que aprovava a fundação definitiva. Padre John Lynch foi escolhido como primeiro pároco e superior da comunidade, padre José Austin e Raimundo Wyatt seus auxiliares na comunidade. O título da nova paróquia vinha do coração dos redentoristas, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Em outubro de 1948 o bispo consagrou a Igreja matriz. Era de madeira, estilo colonial e estrutura com torre. Marcava divisa com Tibagi, Castro, Piraí do Sul e Tomasina. Ao todo, a paróquia contava com vinte e cinco mil fiéis, em média, distribuídos pelos povoados e acampamentos da indústria Klabin. Na ocasião, a primeira pastoral foi a visitação. A nascente igreja progrediu rapidamente. Constantes pedidos foram feitos ao bispo para novas capelas e isso acabou resultando numa nova paróquia: Curiúva. O padre Pedro Filipack foi o primeiro pároco. Os missionários moravam numa espécie de “casa de campo” com quatro quartos, cozinha e banheiro, perto da igreja. Havia também uma sala de recepção e um refeitório, mas os visitantes eram forçados a acomodar-se no chão ou ir para o hotel.

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No ano de 1953, ano das comemorações do primeiro centenário da emancipação política do Paraná, Horácio Klabin, interessado em expandir o projeto chamado “cidade nova”, que consistia em começar uma cidade além do Rio Tibagi, ofereceu aos missionários um terreno na área central da cidade planejada. Observando o desenvolvimento e o futuro da cidade, os missionários aceitaram a proposta e começaram os planos para a construção de uma casa, igreja e escola paroquial. Foi rezada, nesse vasto campo do projeto, uma primeira missa no bar e restaurante de Julio Costa, com a presença de mais ou menos duzentas pessoas. Assim, com o desenvolvimento da área planejada por Horácio Klabin e com a construção da então Igreja Nossa Senhora de Fátima, veio uma nova paróquia, o que acabou acontecendo em 30 de janeiro de 1960.

Como a obra deveria continuar fluindo cada vez mais, foi necessário pensar numa escola paroquial, algo tão bem expandido pelos missionários. Para isso, a convite dos missionários, em outubro de 1964, chegaram dos Estados Unidas as irmãs Catarina e Maria Dominga, da Ordem das Irmãs da Santa Cruz. No início de 1965 começaram as atividades na Escola Paroquial com um montante de sessenta e sete alunos, embora tivesse capacidade para cento e vinte. A escola foi construída bem ao lado da Matriz. Dois anos mais tarde apareceu o primeiro fruto de todo esse trabalho, ou seja, em 18 de junho de 1967, houve a ordenação presbiteral do primeiro padre de Telêmaco Borba, padre Alfeo Prandel. Foi ordenado pelas mãos de dom James Mc Manus, bispo auxiliar de Nova York, na capela do seminário Mount St. Alphonsus, em Esopus. Padre Alfeo nasceu em

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Harmonia, onde residiam seus pais. Foi uma vocação acompanhada pelo padre José Austin.

A cidade sempre exigiu bastante da comunidade religiosa. Sempre precisavam andar muito para atender todas as comunidades, que se dividiam em acampamentos dentro da floresta verde e cheirosa de pinheiros. Nos fins de semana os trabalhadores braçais deixavam de lado seus machados e serras e se reuniam com suas famílias e colegas de trabalho em pequenas capelas feitas por eles mesmos. Nos lugares onde não havia capela, o grupo escolar, ou às vezes a casa de uma família, acolhia os fiéis ao redor do altar de Deus. Na ausência do sacerdote para celebrar a missa, o culto era dirigido por uma irmã religiosa ou por um membro da própria comunidade. Dentro da cidade, a paróquia estava dividida em comunidades, que em pouco tempo tinham amplas capelas, cheias todos os domingos. Da Igreja Matriz podia-se avistar ao longe a fumaça saindo das grandes chaminés da "Fábrica dos Klabin", modo pitoresco como o povo se referia às "Indústrias Klabin do Paraná e Celulose", fonte principal de recursos para a vida do povo da cidade. Eram os paroquianos que plantavam e cortavam as árvores; que levavam as toras para a fábrica e as transformavam em papel, tirando o "pão de cada dia" para suas famílias. Com este trabalho sustentavam também sua paróquia. Para o povo, o redentorista era o padre que incansavelmente viajava a cavalo e jipe atendendo todas as comunidades e levando a Palavra divina, chamando à conversão.

Com a aceitação de Telêmaco Borba, foi marcado historicamente na vida desses missionários, mais um momento importante, pois, por quatorze anos nada mais foi assumido em termos de paróquia.

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Em 1965, o padre Patrício Healy, que era o Vigário paroquial e estava na coordenação paroquial devido às férias do pároco, pediu a todos os missionários que, ao rezarem missa na paróquia, lessem um trecho do Concílio Vaticano II. O trecho, que versava sobre o Apostolado dos Leigos, era lido no momento da homilia e depois comentado com o povo. Essa prática substituía, naquela ocasião, a pregação costumeira. Os leigos entenderam perfeitamente seu papel na Igreja a partir dessas leituras. Parece que o atual teor ativo dos leigos nessa paróquia tem muito a ver com esses ensinamentos. Até as capelas foram convidadas a ter a mesma prática.

Na década de 60, além dos membros efetivos da comunidade, havia o padre Raimundo Weithman. Ele era membro da equipe missionária itinerante e tomado como grande pregador. Foi nessa época que a Igreja no mundo todo celebrava o aniversário da encíclica Casti Connubii, sobre os casais. Para bem comemorar esse aniversário, fizeram um banner de santo Afonso para ser colocado em destaque numa grande procissão que aconteceria na cidade, com o término programado na matriz. A procissão não aconteceu porque choveu muito e a lama cobriu o desejo dos missionários em fazer essa concentração de fé. Mesmo assim, padre Raimundo falou por 40 minutos e todo mundo ficou de “boca aberta” com suas palavras. Foi uma celebração memorável. O povo de Telêmaco Borba sempre foi simples, mas com um grande desejo de melhorar e crescer na fé, levando a Palavra de Deus aos outros. A legião de Maria era sempre uma formosura em todas as reuniões. Havia a participação de muitos homens, a maioria sem dentes e sem ter feito a barba, mas tinham palavras realmente espiritualizadas.

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A missão popular que aconteceu na década de 60 marcou muito a vida espiritual da cidade. Quando os missionários chegaram, uma pequena multidão foi encontrá-los na entrada da cidade. Havia duas filas de senhoras do apostolado recebendo os missionários. Após a calorosa recepção, todos foram a pé até a Igreja matriz. Em 1977 houve outra missão, que mudou o rumo da paróquia e da cidade. Os missionários da Província de São Paulo insistiram na construção de capelas como Cem Casas, Socomim, Jardim Alegre, Bom Jesus e Bela Vista. Até então, todos iam para a Matriz. Foi uma verdadeira “Missão de comunidades”.

Mas, enquanto o povo plantava os pinheiros e eucaliptos para o papel das indústrias Klabin, o campo evangelizador necessitava de adubo e continuava a ser preparado para plantios futuros. Hoje, ainda tenho muitas lembranças daquele tempo e o que me chama a atenção é que em todas as casas daqueles homens vestidos de preto, seja aqui no Mato Grosso ou no Paraná, sempre havia uma comunidade proporcionalmente grande de cinco a seis missionários em média.

33 Morre o padre James Hughes

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No dia 07 de outubro de 1947, às 11h45 da manhã, terça-feira, Festa de Nossa Senhora do Rosário, as frentes missionárias do Senhor aqui na terra tiveram uma baixa: faleceu o padre Jamie Hughes, morto em acidente de automóvel na cidade de Ponta Grossa. Ele nasceu em Pittsburg, Pennsylvania, e tinha trinta e oito anos.

Fazia exatamente vinte dias que tinha sido transferido de Campo Grande para Ponta Grossa. Após dez duros e longos anos de trabalho de missão na região mato-grossense, iniciando seus trabalhos pastorais em Ponta Grossa, padre Hughes retornava para casa num Ford Station-Wagon que pertencia à comunidade, depois de ministrar aulas de catequese aos alunos de uma escola pública, distante seis quilômetros da casa São José. Junto com ele estava o padre Byrns, que dirigia o carro. Iam em velocidade moderada ao longo da estrada cascalhada quando deram de frente com um aterro, que os direcionou para fora da estrada. Padre Byrn se esforçou para equilibrar o carro e devolvê-lo à estrada, mas o carro derrapou e tombou, arremessando o padre Hughes pela porta. Este caiu de cabeça, quebrando o pescoço. Padre Byrns se arrastou pelos destroços até o lugar onde padre Hughes havia sido arremessado. Ele estava consciente, mas com dificuldades para respirar e incapaz de falar. Ajoelhado ao seu lado, padre Byrne rezou o ato de contrição, pressionando o crucifixo ao hábito. Foi então que, exatamente quinze minutos após o acidente, padre Hughes inclinou a cabeça e entregou seu espírito a Deus. Envolto no desespero e na correria, o fato foi notificado aos missionários da casa. Padre Kelch, que também residia em Ponta Grossa, chegou em 20 minutos após

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o acidente. Padre Maerz, reitor da comunidade, chamou um táxi e o corpo foi removido para o hospital da cidade.

No hospital, o corpo foi preparado para o enterro e trazido para casa, passando a noite na Igreja. Houve missa solene às 9 horas da manhã do dia seguinte. Um bom número de confrades das comunidades vizinhas do Paraná, as irmãs e outros missionários da cidade se fizeram presente na missa e no funeral. Foi algo inédito na cidade de Ponta Grossa. Muitos diziam que ele morreu carregando o Cristo e buscando abandonar a alma em Deus e Nossa Senhora. Após a missa de corpo presente, o cortejo seguiu para o cemitério, que ficava somente algumas quadras aqui da casa; os missionários e as pessoas de Ponta Grossa não irão esquecer do padre Hughes. Padre Byrn passou a noite no hospital. Fez um chek up e o doutor não encontrou nada sério, exceto algumas luxações nas mãos e nas costas. Na terça-feira seguinte ao acidente, à noite, como de costume, foi rezada a missa solene do sétimo dia do padre Hughes, na Igreja.

No dia anterior ao acidente, padre Hughes havia presidido a missa na Igreja. Ele falou da devoção a Nossa Senhora do Rosário. Uma observação significativa - 10 minutos de cada dia fazia sua consagração a Nossa Senhora; 10 minutos de cada dia rezava o terço à Mãe do Deus pedindo uma morte feliz. Certamente que padre Hughes morreu em festa com Nossa Senhora. Ensinava o catecismo numa escola publica apenas 10 minutos antes do acidente. Disse às crianças para cuidar melhor da alma do que do corpo, e que a grande coisa na vida é preparar a alma para o ultimo momento. Significando que quanto mais longa for a

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vida, mais longa deve ser a preparação. Sempre se mostrou um homem bem preparado para o momento; prezava isso no respeito às pessoas.

34Obra Social Redentorista

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(1952)

No dia 02 de fevereiro de 1952 foi fundada a obra social redentorista, com sede na cidade de Campo Grande, na rua Armando de Oliveira, 933. Esta recebeu personalidade jurídica no dia 05 de março de 1953, registrada sob o número 147 do livro A-2, no registro civil, e tinha como finalidade a assistência social, médica, dentária e cirúrgica aos doentes e pobres, bem como o fornecimento de remédios, devidamente receitados, e a difusão cultural para a manutenção das escolas, colégios e instituições de ensino aos mais indigentes. Os benefícios eram todos voltados para a obra e nunca para os seus associados. O primeiro presidente foi o padre John Maerz, então vice-provincial. Ficou estipulado que o vice-provincial seria automaticamente o presidente da obra social. O padre Carlos Langhirt foi o primeiro secretário e o padre J. Edwin Kelsch, o tesoureiro. Era uma obra que funcionava com filiais localizadas em Aquidauana, Miranda, Bela Vista, Ponta Porã, Ponta Grossa, Tibagi, Monte Alegre e Paranaguá. Era mantenedora da Escola Paroquial Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Campo Grande, com trezentos alunos; da Escola Paroquial Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Aquidauana, com trezentos alunos; da Escola Paroquial Nossa Senhora do Carmo em Miranda, com duzentos alunos; do Colégio Santo Afonso, em Bela Vista; da Escola Paroquial São José, em Ponta Porá, com duzentos e cinquenta alunos; do ambulatório São Geraldo, em Campo Grande, que funcionava três vezes por semana e atendendo uma média de quinhentas pessoas por mês, e do

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ambulatório Nossa Senhora do Carmo, em Miranda, que atendia uma média de cem pessoas mês.

O Ambulatório São Geraldo, que funcionava em Campo Grande, foi inaugurado no dia 23 de agosto de 1953. O objetivo era dar assistência médica e fornecer medicamentos gratuitos aos mais necessitados. Para sua construção e instalação, esse ambulatório recebeu ajuda em dinheiro dos missionários redentoristas e de várias pessoas de posses que moravam em Campo Grande. Ganharam prateleiras, medicamentos, balcões, macas de hospital e outros apetrechos para seu funcionamento. Esse ambulatório era mantido com doações e contava com a ajuda de duzentos e sessenta e dois associados contribuintes. Atendia gratuitamente todas as segundas, quartas e sextas-feiras, com consultas médicas, dentistas e farmacêuticos voluntários. Era composto por uma diretoria, formada por um grupo de senhoras, e contava com a ajuda da Irmã Fermiana, que registrava e agendava todos os atendimentos. Anexo ao ambulatório, funcionava um roupeiro com roupas usadas e o chamado “Pão dos Pobres”. Distribuíam roupas para as crianças carentes e pão para todos os que freqüentavam o ambulatório. No final do ano sempre tinha o natal dos pobres, com distribuição de brinquedos, alimentos e roupas para as famílias sem condições financeiras.

Toda essa obra me faz lembrar a história de São Geraldo Magela, um homem que amava os pobres e não cansava de repetir: “É preciso socorrer os pobrezinhos, por que são Jesus Cristo visível, assim como o Santíssimo Sacramento é Jesus Cristo invisível”.Por várias vezes Geraldo foi advertido por superiores,

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pois dava todo alimento do convento para os pobres que batiam à porta. Quanto mais Geraldo dava aos pobres, mais se multiplicava o alimento no Convento. Meu pai sempre dizia que o ser humano torna-se rico quando se familiariza com a pobreza. Palavras sábias do meu velho que ressoam em mim até os dias de hoje.

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35As Missões Populares

(1953)

No momento estou em Curitiba, deixei por uns dias o meu belo Mato Grosso para fazer exames de saúde. As forças me abandonam, sinto que meu tempo neste mundo se esgota. A dor reumática é forte. Minhas pernas enfraquecem a cada dia. Meus olhos aos poucos perdem a luz, como lamparina que vai perdendo o óleo. Estou em frente ao Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Daqui posso ver o lindo quadro exposto em meio às pedras pretas dessa construção. Parece que Nossa Senhora sorri pra mim. Sinto-a bem próxima do meu coração e me vem um profundo desejo de rezar. Sinto um cheiro de milagre no ar, e experimento um pouquinho daquilo que penso ser o paraíso, lugar sem pecado e sem as conseqüências dele, sem doenças, nem dores, nem morte, nem remorsos, nem luto, nem gritos. No paraíso não há noite. Nem é preciso lampião para iluminar. Deus ilumina por si os bem-aventurados que estão com Ele face a face. Nele toda possibilidade do mal é destruída e tudo é refeito. Lá temos Deus, temos todos os bens. Pensar nisso deixa meu coração em brasa. Elevo minha oração a todo esse trabalho missionário e ajoelhado aos pés de Nossa Senhora, em ação de graças, humildemente rezo agradecendo por esses anos de vida e de experiências que profundamente me tocaram. Nunca esquecerei que devo isso ao Sagrado Coração do

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Divino Redentor e ao Perpétuo Socorro de sua bendita Mãe.

Ontem fui ao médico, seu consultório fica num prédio de quase vinte andares. Pela janela pude ver o topo de outros prédios. Tive a sensação de poder alcançar o céu. Lembrei do tuiuiú, que voa sobre o topo das árvores e corta os céus pantaneiros observando do alto cada movimento em terra. Senti um pouco do que sente essa majestosa ave. Voei com a imaginação e lembrei que na década de 1950 Deus coroou todo esse trabalho com o nascimento de uma Equipe liberada exclusivamente para pregar as Santas Missões Populares de modo itinerante. Um verdadeiro ir além dos territórios assumidos. Uma maneira firme de renovar a fé na Palavra e ensinamentos de Deus. Aprendemos com as Santas Missões que é preciso buscar Deus com mais solicitude. Precisamos ser diferentes dos sabichões que acham conhecer todas as partes do céu e da terra, mas não conhecem o pátio de sua própria casa; e quando vão contemplar as estrelas acabam caindo dentro de sua própria fossa. Foi no ano de 1953 que começaram os preparativos para montagem dessa primeira equipe missionária itinerante da vice-Província. Tudo aconteceu a partir de Campo Grande, tendo o padre Martinho Maerz como vice-provincial, que enviou padre Moacir Bossay a pregar as missões com os missionários de São Paulo. Juntou-se ao padre Moacir o padre Afonso Sullivan. Pregaram as missões em Belém do Pará e a partir disso foram convidados a morar em Campo Grande. Começou a formação da força missionária itinerante do grupo. Padre John Power ficou muito feliz, bem como todos os demais, por esse sonho de estabelecer ali um batalhão de

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missionários especialmente treinados para doarem-se de modo formal à missão. Campo Grande tinha um particular interesse nesse trabalho, por isso foi reservado uma parte da residência para os missionários. Tal força tinha expectativa de ser aumentada em um futuro próximo. Todo esse processo foi alicerçado pela missão pregada em Campo Grande no ano de 1953, numa união de forças entre os redentoristas de Manaus e de Campo Grande. Pode-se dizer, a primeira missão coordenada exclusivamente pelos corajosos evangelizadores. Todos diziam ter ficado satisfeitos com o excelente trabalho das missões em Campo Grande, incentivando toda caminhada que ora se iniciava. Até então, somente haviam ajudado a missionar outros Estados. Depois, juntos, foram trabalhar numa missão que envolvia diferentes Congregações, em toda a cidade de São Paulo, juntamente com os redentoristas da Província de São Paulo. Eram dois milhões de pessoas e a missão ajudava a celebrar o aniversário de quatrocentos anos dessa cidade, momento de aprender ainda mais e preparar o grupo para uma equipe missionária maior e definitiva.

Padre Afonso Sullivan, como membro da equipe missionária, era jovem e muito forte. Foi pugilista em sua mocidade e sabia bem da arte da luta. Certo dia, estava andando pelas ruas de Aquidauana de batina preta e eis que, ao passar por um pequeno bar no centro da cidade, viu dois homens brigando violentamente, armados com facas. Mais que depressa, cheio de coragem, entrou no bar e espetacularmente desarmou os dois briguentos. Isso deu ao padre Afonso grande fama em Aquidauana.

Pouco mais tarde, juntou-se a essa nascente equipe o padre Nilo Sheridan, ordenado junto com o

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padre Moacir em 1949. Padre Nilo veio para o Brasil em 1951 e voltou para os Estados Unidos em 1970. Foi um grande missionário. Tinha um porte forte e muito robusto, que acabou lhe dando, entre os jovens, o apelido de “FNM”, marca de um caminhão da época muito utilizado e robusto.

Padre Guilherme Tracy se juntou ao grupo de missões itinerantes no ano de 1962. E nesse ano pregaram missão em Loanda, no Paraná. O pároco dessa cidade tinha fama de gostar muito de dinheiro. Isso era tão forte que os boatos na cidade diziam que se o batizado custava um cruzeiro e quando o paroquiano dava uma nota de dez, o padre não devolvia o troco. Simplesmente, enfiava a nota no bolso e dizia muito obrigado. Um verdadeiro osso a ser roído. Nessa missão faleceu a mãe do padre Moacir, em Miranda. Não havia telefone naquela região, mas padre Guilherme Small veio de Campo Grande até Loanda, num pequeno avião, para dar a triste notícia a seu confrade. Padre Moacir embarcou no avião e o padre Small ficou em Loanda para ajudar na missão. Outra missão que ficou na memória foi a de Castro, em 1965. Esta produziu muitos frutos para a Congregação e um deles foi a vocação do padre Edson Ulanowicz. Nessa, os missionários encontraram o senhor Juarez Telles, grande cristão da região, que havia entrado no seminário em Aparecida e, no ano de 1949, foi para os Estados Unidos cursar Filosofia. Era um homem muito santo, porém, muito nervoso. Por causa da tensão nervosa, estudava com um saco de gelo na cabeça. No fim do seu primeiro ano de filosofia, em 1950, deixou o caminho da vida religiosa. Durante a missão em Castro, preparou o batismo de dezoito

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jovens de famílias japonesas e o padre Guilherme Tracy batizou os mesmos.

Em 1960 houve um avanço importante nesse sentido e o sonho tornou-se uma realidade. Já estavam experientes com o trabalho realizado em conjunto com outras Unidades e saíram a campo em caráter definitivo. “Salva a tua alma” era o “carro chefe”, e passou a ser escrito em todos os cruzeiros, plantados ao final de cada missão. No ano de 1962 já faziam parte da equipe os missionários: Moacir Bossay, Afonso  O’Sullivan, Nilo Sheridan, Eugenio Sullivan, Guilherme Tracy   e, quando  o cursilho e a rádio difusora permitiam, padre Armando Russo. No Paraná, constata-se que a primeira missão preparada e pregada exclusivamente pelos missionários nascidos a partir de Baltimore foi na cidade de Santo Antonio do Caiuá, em 1964.

A partir dos anos 70 a ênfase das equipes missionárias mudou. O que era pregador do inferno agora é pregador da paz e da reconciliação. O individualismo do “Salva tua alma” mudou para “Unidos em Cristo”, uma expressão mais comunitária e mais próxima do Evangelho. O que não mudou foi o “jeitão redentorista”. Reagindo à acusação de que as missões eram fogo de palha, e seguindo os ensinamentos da Igreja, foi desenvolvido o sistema de pré-missão, com o levantamento sócio-econômico-religioso da paróquia e a divisão desta em pequenos grupos ou setores. Veio o processo de passagem de uma missão centralizadora, que esperava o povo na Igreja matriz, para uma missão que vai para as comunidades, até os grupos de famílias.  O sistema antigo foi renovado. A pré-missão começou a acontecer fazendo a abordagem das famílias através do levantamento sócio-religioso, pela divisão dos

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setores e pela dinamização dos grupos missionários bíblicos. Planta-se assim a semente de uma paróquia missionária, orientando-se para um ciclo missionário completo e expansivo. Não só começa-se a preparar o terreno, mas também a criar laços de família, laços de comunidade entre vizinhos que antes nem se conheciam. O temário das pregações também foi renovado, situando-se numa visão eclesial do Vaticano II. As Missões Redentoristas são um meio extraordinário de Pastoral que tem um efeito de extensão. Isto é, são atingidos os que normalmente não participam da Igreja, aqueles que estão afastados e outros que às vezes nem conhecem a caminhada eclesial, inclusive os não católicos que acabam bebendo dessa espiritualidade pela tangente. São atingidos os homens, mulheres, jovens e crianças de modo muito direto. Outro ponto que as missões atingem é a opinião pública, com suas concentrações que superam todas as expectativas. Também no que tange à intensidade é um momento de intensa evangelização, devido às muitas celebrações e pregações. Raramente, no ordinário de uma paróquia tanta gente tem a possibilidade de ouvir tantas pregações e ficar em assíduo contato com Deus. A freqüência aos sacramentos aumenta consideravelmente, em especial o sacramento da confissão individual. Comparando a pastoral ordinária e a missão, vemos que a última busca impulsionar a vida eclesial paroquial dando mais dinamicidade. A formação dos grupos é um exemplo típico dessa dinâmica. Muitos ainda dizem que a missão é somente um momento de contágio da “massa”. Ao que parece, a multidão que se aglomera numa procissão luminosa ou em frente à igreja matriz, ou no levantamento do

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cruzeiro, não é somente massa amorfa contagiada por efeitos psicológicos e sim uma confluência dos grupos e comunidades que durante muitos dias avidamente ouvem a Palavra de Deus através dos missionários e grupos. Talvez sob o aspecto de instrução religiosa não sejam tão bem instruídos, mas isso não significa falta de fé. A fé vem do ouvir e não do estudar. Se a fé não é mais viva e mais bem aprofundada não é por má vontade dos fiéis, mas por falta de pregação ou de pregadores que se dediquem a isso com mais eficácia e disponibilidade. Quando os pregadores aparecem e cativam, é impressionante ver como os católicos se apresentam e como aceitam com docilidade a evangelização. Assim, a missão vai ensinando a todos que é preciso viver dentro de uma paróquia entre as coisas novas e as coisas antigas; aquilo que se conhece em latim como: “nova et vetera”. E sempre conciliar tudo para que a paróquia seja empreendedora, dinâmica e evangelizadora.

No decorrer desses anos foram missionadas mais de 400 paróquias. Dioceses inteiras foram agraciadas com a experiência das missões populares. Outra empreitada que exigiu e fascinou tal equipe foi o trabalho na Prelazia de Humaitá, em Rondônia, em parceria com os missionários de São Paulo e do Rio grande do Sul. Viajaram de ônibus fretado mais de seis mil quilômetros, dois dias e três noites ininterruptas, estradas de terra esburacadas, barrentas e quase intransponíveis. Mas lá ficou um povo contente e feliz por ter recebido uma boa dose do amor e da misericórdia de Deus. Poderiam ser apresentadas inúmeras estatísticas para mostrar o ótimo resultado das missões em todos esses anos, mas o que realmente importa é que Deus tem

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abençoado muitos com esses trabalhos e com bons missionários que o levam adiante. A equipe sempre foi constituída de poucos missionários, mas com grandes esperanças.

Em 1975, pelo fato de a equipe missionária ter poucos membros, foi decidido em assembléia que pelo menos um membro de cada comunidade participasse da missão ao menos uma vez por ano. Desse modo, muitos participaram dessa extraordinária e essencial forma do ser redentorista. Muitas graças foram alcançadas. Muitas comunidades foram evangelizadas e organizadas em setores, muito trabalho foi dedicado a essa nobre causa. Quantas cidades,  quantas  paróquias, quantas comunidades, quanta gente recebeu e recebe o anúncio de Jesus através das Missões. Sem contar,  quantos missionários deram do seu sangue para  realizar esse trabalho.

Por muitos anos trabalharam em conjunto com a Equipe Missionária da Província de São Paulo, gerando um grande espírito de amizade, fraternidade e partilha. Essa entreajuda durou até o ano de 1990. Voltou a acontecer novamente em 2007, quando foram pregadas as missões em Telêmaco Borba, no Paraná.

36Mensageiras do Amor Divino

(1954)

Até o dia 14 de agosto de 1954 tudo caminhava bem no Brasil, quando, de súbito, Getúlio Vargas suicidou-se. Tal episódio nos abalou. Getúlio Vargas deixou dois documentos de despedida. O primeiro

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ouvimos pelo rádio, logo após o suicídio. O segundo foi escrito a lápis e esse só fui ter contato mais tarde, nas bibliotecas onde pesquisei. São dois textos muito diferentes que me trouxeram muitas reflexões e indagações, sendo que a morte trágica do homem Getúlio Vargas trouxe à tona a vida de um político com enorme poder de mobilização do sentimento popular. A imensa multidão de cariocas e outros brasileiros que acompanharam seu féretro do Palácio do Catete até o Aeroporto Santos Dumont foi o testemunho de sua vitória e a garantia do lugar no coração do povo e na história do Brasil.

Nesse mesmo ano, em que morria um grande político, nascia uma grande obra, a Obra das Mensageiras do Amor Divino, em Aparecida – SP, sob a proteção da Padroeira do Brasil. Felicidade de Lourdes Braga, uma professora aparecidense, teve a inspiração de reunir moças para ajudar os pobres e orientar as pessoas na oração. Tinha como diretor espiritual o padre Eduardo Moriarty, um sacerdote da Congregação dos Missionários Redentoristas, da vice-Província de Campo Grande, enviado a Aparecida para ensinar inglês no Seminário. Nesse ínterim, começou a dirigir retiros e exercícios espirituais. Madre Felicy, como passou a ser chamada, depois de algum tempo pensou em formar um grupinho para esse trabalho apostólico. Padre Moriarty no início recusou, pois falava mal o português e estava pouco tempo no Brasil. Além do mais, teria de iniciar um trabalho fora da vice-Província à qual pertencia e não tinha recursos financeiros para tanto. Um mês depois, decidiu confiar na providência divina e iniciar o projeto. Apareceram mais interessadas e, três meses antes do suicídio de Getúlio Vargas, em 17 de

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maio de 1954, na cidade de Aparecida, numa casinha em frente à Santa Casa, a obra teve início.

O grupo montou uma regra de vida: um horário a ser seguido e uma espiritualidade. O carisma da Congregação baseia-se no "Irradiar o Amor Divino" através de retiros espirituais, catequese, promoção humana, missões populares e trabalhos pastorais em geral. Herdaram de seu Fundador, padre Eduardo, a Espiritualidade de Santo Afonso Maria de Ligório, fundador dos Redentoristas, que abrange os mistérios da vida de Jesus: Encarnação, Redenção e Eucaristia. No Coração de Jesus encontraram um programa de vida no ser e no fazer.

Até o que sei, estão presentes em São Paulo, Paraná e Bahia. Vivem também em missão na Angola e Itália. Inseridas nos trabalhos mais difíceis, indo ao encontro dos mais necessitados, procuram promover a vida e construir o Reino de Deus colocando em prática a frase bíblica, inspiradora da vivência do seu Carisma e da Espiritualidade: "Vinde a Mim vós todos que estais cansados e atribulados e eu vos aliviarei" (Mt 11, 28). Buscam viver esse pedacinho do Evangelho de Mateus e testemunhá-lo onde atuam.

37Rádio Difusora de Paranaguá: a Voz do Litoral paranaense

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(1957)

É mês de janeiro, chove bastante no Pantanal. Tempo das cheias. Acabamos de viver a experiência mística do natal e amanhã iremos celebrar o dia de Reis. Uma estrela surgiu no céu e irradiou o rosto daqueles reis que se colocaram a segui-la. Somente aqueles reis viram a estrela porque somente eles erguiam os olhos para o céu em busca de um sentido mais profundo para sua existência. “Só quem procura encontra”, são palavras que brotaram da boca de Jesus. Quem tem o pensamento voltado para o céu tem condições de pensar em Deus. Quem tem o pensamento voltado para outras coisas, pensa em outras coisas. Aqueles que olham somente para a terra sepultam suas aspirações na terra. A luz de Deus só aparece às pessoas que buscam o céu e anseiam pelas coisas eternas. Esse é o exemplo dos reis magos. Olhavam para o céu e buscavam novo alento em suas vidas pensando em Deus. Assim era a vida desses missionários que diante dos desafios e dificuldades confiavam em Deus. Aquele que os inspirou a levar adiante essa grande obra de evangelização. Assim seguiam seu caminho, ora em jeeps, cavalos, caminhões, carroças. Ou ainda pela grande novidade daqueles tempos, as ondas do rádio. Esse caminho radiofônico começa na cidade de Paranaguá, no Estado do Paraná, no dia 24 de outubro de 1942, um sábado. A temperatura já estava bem alta e o calor ardia os campos da cidade que, mesmo em plena Segunda Grande Guerra Mundial, recebeu com entusiasmo a notícia de que a cidade contataria agora com uma Rádio, a então chamada ZYC-5, Rádio Difusora de Paranaguá, terceira rádio a ser fundada no Paraná e primeira do

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litoral paranaense. Os irmãos José, Emílio e Renan Rizzental vieram da cidade de Ponta Grossa para dirigir a primeira empresa de ônibus instalada em Paranaguá, entre os anos de 1939 e 1940. Mas essa família tinha uma atração grande pelo rádio, pois já tinham grande contato com a Rádio Clube de Ponta Grossa. No Brasil dessa época existiam apenas vinte e cinco emissoras de rádio e a Difusora de Paranaguá era uma delas. A sua inauguração reuniu as figuras mais representativas da sociedade local. O show que marcou a data foi programado com talentos da terra, músicos e cantores selecionados entre membros da comunidade, conhecidos por seus dotes artísticos. Fazia apenas dezenove anos que a primeira rádio havia sido montada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, a conhecida Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

Os estúdios da Rádio Difusora de Paranaguá foram montados inicialmente de forma provisória, numa sala do prédio situado à rua XV de novembro, em frente à Igreja da Ordem, na sobreloja da casa de tecidos “A Vencedora”, propriedade de William Bufara. Era um prédio alugado. Seus transmissores foram instalados na chamada Estradinha. Começa a funcionar em caráter experimental. O povo comenta seu aparecimento e as ondas dessa emissora começam a modular entre os modestos aparelhos de rádio da época. Com a necessidade de ampliação dos estúdios, dois anos depois, em 1944, mudou para sede própria, um sobrado na Rua Prisciliano Correia, tendo a administração e escritório no andar térreo, juntamente com uma bicicletaria. Os estúdios e o auditório ficavam no primeiro andar. Nesse auditório foram realizados memoráveis shows com Dircinha Batista, Ângela Maria, Orlando Silva e tantos outros.

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Com a Rádio, a cidade evoluiu, pois era incontestável a grandeza de um instrumento de comunicação desse porte para a região. A Difusora passou a ser a “menina dos olhos” dos parnanguaras. Quem trabalhava na rádio, nessa época, precisava ser “pau para toda obra”. Era preciso fazer de tudo, desde ser locutor até varrer o chão. O primeiro locutor contratado foi Normando Lopes, depois Luiz Frederico Daitschmann. O primeiro operador de som foi José Batista Pecini e a primeira voz feminina da emissora foi Maria do Rosário Gomes. Um dos carros-chefes da programação era um programa chamado Gentileza, no qual as pessoas pagavam música para os aniversariantes. Já havia jornal falado, rádio teatro e quase tudo.

Mas, como nem tudo dura para sempre, os irmãos Rizzental acharam por bem vender a rádio. Num jornal em Curitiba, a mesma foi colocada à venda. Rapidamente os redentoristas buscaram saber o preço e fizeram uma oferta. Após quatorze anos sob o cuidado da família Rizzental, a emissora foi adquirida pelos missionários de preto e cruz na cintura, que instalados no Paraná e atendendo as necessidades espirituais do povo sentiram a necessidade de entrar e falar diretamente aos lares através das ondas do rádio. Um verdadeiro avanço em termos de evangelização. Arriscaram! Jogaram muitas esperanças e foram à luta! Descobriram o bem que poderiam fazer em relação à evangelização de "massa" e atendendo aos locais mais distantes e desprovidos de comunicação. Os missionários sabiam, desde aquela época, que as "massas" encontram no rádio um meio de uso muito amplo, já que ele atinge de forma mais direta as populações de baixa renda e a juventude. Alguns comunicadores

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dizem que menosprezar a força do rádio é abrir mão de um vasto campo disponível para a plantação de muitas mensagens e, conseqüentemente, para a colheita de muitos frutos. Não dar valor ao rádio na evangelização é ser como um pescador que resolve pescar apenas com um anzol, uma linha e uma isca. Seguramente ele vai fisgar menos peixe do que o seu vizinho mais experiente, que pesca com várias linhas, iscas diversas e em profundidades diferentes, pois sabe que além dos peixes de superfície, existem também os de meia água e os do fundo do mar. Os missionários de preto tinham essa consciência, por isso investiram no rádio.

No dia 06 de Janeiro de 1957, um domingo, dia de Reis, os Missionários Redentoristas começam a administração de tal emissora e seus estúdios são transferidos para uma sala ampla, no alto da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, onde passou a contar com sala de recepção, sala da diretoria, maior discoteca e duas cabines de trabalho. Veio de Aparecida o padre Laurindo Rauber, primeiro autor da transição da emissora leiga para católica e deu formação à equipe que foi se afinando à nova emissora. Já com aspecto de emissora católica, escolheram para direção o primeiro padre redentorista do grupo que nasceu com Francis Mohr, o padre Armando Russo. Ainda bem jovem, mostrou ser um líder de comprovada experiência e grande entusiasmo nas comunicações. Simbolicamente, nesse dia de Reis, o padre Armando oferece como presente à cidade a Rádio Difusora de Paranaguá. Aqueles que trabalhavam na emissora ficaram com medo de perder o emprego e houve uma pequena tensão. Mas uma equipe não se desfaz e se monta do dia para a noite, reconheceram isso. Havia o sonho

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de modernizar a rádio. Foram adquiridos muitos exemplares do famoso disco de vinil, o Long Play, ou LP, ou simplesmente “bolachão", mídia desenvolvida em 1948 para a reprodução musical, que usava um material plástico chamado vinil e era o que de mais moderno existia em termos de música e programas gravados. Os dez mil discos de 78 rotações, feitos de goma-laca, até então utilizados, estavam ficando obsoletos. Os discos de vinil, mais leves, mais maleáveis, resistentes a choques, quedas, manuseio e melhor qualidade sonora, eram a coqueluche de qualquer rádio. Eram melhores principalmente pela reprodução de um número maior de músicas, pois os de 78 rotações traziam apenas uma canção por face e chiavam como lenha verde no fogo. Com a nova aquisição, praticamente todos os discos de 78 rotações foram doados para os dentistas, que os derretiam e faziam moldes de dentadura. Vinham buscar aquela pilha de discos para os moldes! Não se sabe quantas pessoas ainda usam as dentaduras feitas pelos discos da Difusora. Até nisso a Difusora contribuiu para a vida de Paranaguá.

Com o passar dos anos, sua administração foi acumulando uma série de boas realizações. Contrataram novos profissionais e foi incentivada a criatividade. Programas acabaram marcando a história da Difusora como “A tarde do Ouvinte”, com concurso de grupos musicais; “Curtindo a Manhã”, que contava com um automóvel Brasília e transmitia o programa diretamente da rua, cada dia num bairro; “A Hora da bandinha”, apresentado uma hora por semana e feito por Ady Mikosz. Airton Poli apresentava um programa no auditório da Escola Paroquial, com calouros que cantavam e encantavam os outros pelo rádio. Rui Cadilhe de Oliveira

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apresentava o programa "Chá das Cinco" e “México do meus amores”, que tocava boleros mexicanos e era muito ouvido na época. Ady Correia sempre falava de modo emocionado aos corações enamorados no programa "Páginas Sentimentais". Havia também o programa de poesias, com Swami Vivekananda. Edgard Picanço transmitia jogos de futebol com comentários de Amilton Aquim. Osvaldo Nascimento Junior apresentava “A voz do estudante” e Jamur Júnior, o programa Rádio Revista C-5. Padre Armando Russo, além de diretor, fez sucesso como apresentador, no programa "Os Ponteiros Apontam Para o Infinito", tornando-se líder de audiência por muitos anos. Ginés Gebran dirigiu um dos programas de maior sucesso na época, o programa "Coisas Nossas", que apresentava os talentos da terra, reunindo cantores, músicos, poetas, artistas e talentos da região. A programação melhorou e muitas idéias geniais foram postas em prática. Ainda existem pessoas que lembram o tempo em que se molhavam os lenços com as novelas transmitidas capítulo a capítulo pela já tão afamada emissora.

A partir de 1960, aceitando um convite do padre Guilherme Connors, assume a direção o Senhor Ludovico Mikosz, que trouxe para a Rádio os chamados “Anos Dourados”. Ludovico Mickosz, locutor de voz grave, depois de um período de boas realizações em Curitiba e Joinville, assumiu a direção da Rádio Difusora. Juntamente com seu irmão Mário Mickosz, montou um esquema de programação que permitiu à rádio passar seus anos angariando mais prestígio e eficiência num direto relacionamento com a comunidade local. No início, a rádio enfrentou grandes dificuldades e ficava muito tempo fora do ar, porque a energia elétrica era racionada e tinha

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problemas sérios com isso. Quando tinha luz no estúdio, não tinha nos transmissores. Havia dias em que a rádio ficava somente uma hora no ar. Com as eleições, o novo governador, Ney Braga, melhorou o sistema de energia elétrica na cidade. Certa feita, num carnaval, pegou fogo no transmissor e a rádio ficou fora do ar. Senhor Ludovico foi até Curitiba e emprestou um transmissor pequeno do senhor Sailer Bettega, dono da Rádio Caiobá, e a rádio voltou a funcionar. No ano de 1969, a Rádio Difusora muda seus estúdios para as novas e atuais instalações, à rua Professor Cleto, e prossegue sua marcha sob a direção do padre Armando Russo. Tal emissora sempre contou com o slogan de ser a primeira emissora do Litoral do Paraná e que está a serviço daquela que é a Padroeira do Estado, Nossa Senhora do Rocio.

Em 1986, assumiu a direção o Senhor Mário Mikosz, lá permanecendo até o ano 2002. De lá para cá muita coisa mudou, a tecnologia avançou, muitos locutores, operadores, colaboradores e funcionários passaram, mas a Difusora continua a mesma na sua essência! Quantas realizações transmitindo os concorridos programas de auditório, realizando entrevistas, acompanhado os principais eventos esportivos de Paranaguá, as equipes de futebol que fizeram história, como o Elite, o Paranaguá, o Seleto e o Rio Branco. Patrocinando a cultura da cidade, realizando festivais de música, que revelaram diversos cantores e músicos. Patrocinando a cultura de Paranaguá, como o Programa "Coisas Nossas", que motiva desde seus primórdios o incentivo ao folclore, declamações de poesia e apresentações musicais, e tantos outros.

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Em todos esses anos de vida, a Rádio Difusora de Paranaguá sempre colaborou com as campanhas patrióticas, sociais, humanitárias e buscou trazer ao seu público uma visão ética, cristã, crítica e de grande índole moral. Por isso, tem uma história rica e batalhadora na cidade e em toda a região litorânea. Seu papel tem sido de grande relevância nos acontecimentos e decisões da cidade e região. Todos os programas e transmissões de atos religiosos, notícias, reportagens externas, o cuidado com a elaboração artística, o cuidado para não comunicar coisas de má fé ou imorais, garantiram durante todo esse tempo a sua magnífica credibilidade. Os shows que vinham a Paranaguá por seu intermédio, como os festivais de carnaval, Nelson Gonçalves, Moacir Franco, Ronie Von, Nelson Ned, Moacir Franco, Vanusa, A Patotinha, Wando, Cláudia Barroso, Leo Canhoto e Robertinho, Lourenço e Lourival, trouxeram muitas alegrias ao povo parnanguara.

A história mostra o quanto o rádio, um dos instrumentos mass mídia na comunicação, tem importância na vida da população. Com a Difusora os missionários conquistaram algo muito mais importante e valioso que se possa conquistar ao longo dos anos: o respeito e a credibilidade da população! Como é importante ter um instrumento comunicador que fala diretamente ao coração das pessoas e inspira confiança naqueles que o ouvem. Seja qual for o tempo. Seja qual for o meio de mídia. Nenhuma empresa, em especial, nenhum veículo de comunicação permanece por mais de 60 anos em plena atividade, se não tiver trabalhado com seriedade e amor. Esse, sem dúvida, tem sido o papel dessa Rádio nesses  anos que está no ar. Concordo plenamente com o Papa João Paulo II ao

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lembrar que os meios de comunicação são recebidos diariamente como hóspedes familiares em muitos lares e famílias, sendo que as pessoas comprometidas nessa área são responsáveis e administradores de um poder espiritual enorme, capaz de enriquecer toda a comunidade humana. Assim, até o momento, tem sido a Difusora.

38Realização do Sonho:

Seminário Santíssimo Redentor (1958)

Não sei se estou certo, como leigo no assunto talvez não entenda bem o que seja verdadeiramente um seminário. Arrisco dizer que é um lugar onde moram seminaristas e que o termo vem de sementeira. Tratando-se verdadeiramente de semear. Entendo que toda a vida cristã, sem exceção, de acordo com a parábola do Senhor Jesus é uma grande sementeira. A sementeira da Palavra que Jesus faz no coração de cada ser humano, esperando que ela seja acolhida em boa terra, dê frutos de cem, sessenta ou trinta por um. Seminário é uma comunidade cristã. Lugar de se viver o

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Evangelho com toda radicalidade, seguindo o Senhor Jesus como fizeram os discípulos da primeira hora, e de como fizeram tantos outros ao longo da história da Igreja. Como qualquer comunidade cristã, o seminário não vive centrado em si mesmo, mas no Senhor que, diariamente, questiona a todos, e sendo comunidade cristã, ali se deve viver com os olhos postos não neste mundo, mas nos céus. É lugar onde se prepara os continuadores de uma obra, de uma Congregação. É local de multiplicadores da Semente da Boa Nova.

Desde que a presença dos redentoristas se concretizou no Mato Grosso do Sul e no Paraná, apareceram vocações, inicialmente encaminhadas para o Seminário Santo Afonso, em Aparecida. Depois os candidatos iam para o noviciado em Pindamonhangaba e faziam os estudos de Filosofia e Teologia nos Estados Unidos, em Esopus. Durante 25 anos a formação funcionou assim, e não houve preocupação em fundar uma casa de formação. Mesmo observando que o número de vocações crescia, pois de 1936 até 1950, quarenta e três vocacionados da vice-Província entraram no Seminário Menor, em Aparecida.

O problema de falta de espaço no Seminário Santo Afonso, em 1953, por superlotação, mesmo tendo capacidade para duzentos e cinqüenta e seis jovens, levou o padre José Ribola, diretor do juvenato em Aparecida, a escrever uma carta ao Superior vice-provincial de Campo Grande, padre John Maerz, dizendo que a coisa não estava boa e que para o ano de 1954 ainda se dava um jeito, mas para 1955 ficaria impossível acolher os jovens vindos da vice-província de Campo Grande. Um desespero se abateu sobre todos. Era preciso que a formação continuasse.

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Sem vocações a obra não teria continuadores. Veio a percepção sobre a necessidade da construção de um seminário. Mas onde construir tamanho prédio? Souberam que havia uma escola agrícola do governo estadual desativada em Tibagi. Padre Carlos Langhirt, representando o vice-provincial, foi ao governo do Estado do Paraná para solicitar a Escola. Mas o governador, Bento Munhoz da Rocha, não quis cedê-la. Para remediar, ofereceu algumas terras nos arredores de Curitiba, mas padre Carlos foi irredutível. Ele queria a escola. Buscou-se outras possibilidades, chegando à conclusão que seria melhor construir o seminário na cidade de Ponta Grossa. O primeiro terreno almejado tinha 50 x 80 metros, perto da Igreja São José. Entra em cena, o arquiteto Marx Standacher dizendo que era muito pequeno para tamanha obra. Foram até o prefeito de Ponta Grossa, mas nada se encaixou aos moldes que queriam. No dia 11 de agosto de 1954, o padre vice-provincial encontrou o terreno que procuravam. Ficava a quatro quilômetros do centro da cidade, saindo de Ponta Grossa em direção à cidade de Castro. Eram trinta alqueires de terra, com quinhentas árvores frutíferas, grandes pinheiros, duas casas de tijolos e uma casa de madeira utilizada como estábulo. Passava por ali uma linha de alta tensão, o que facilitava o fornecimento de energia. Após a conversa com o proprietário, Sr. Olindo Justus, souberam que haveria possibilidades de negociação. A propriedade acabou sendo comprada por U$ 20.000,00 dólares.

A construção levou quatro anos para ser concluída. Tudo feito com muito amor e muito suor. Padre Bernardo Nolker ficou responsável para administrar a construção. Cada cômodo e parede foi

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pensado conforme as necessidades. Curioso são as paredes do prédio, que têm trinta centímetros de espessura. Uns dizem que é devido aos missionários americanos terem enfrentado em sua terra de origem muitas adversidades como furacões, tufões, terremotos e ventos fortes. Outros afirmam que na época não existia ferro e armações resistentes como há hoje, necessitando de paredes grossas para dar maior sustentação às construções. Era uma maneira de construir grandes prédios, sendo que as paredes precisavam ser resistentes para agüentar o peso da construção. Por uma ou outra razão, a gente só pode ter uma certeza: tudo foi bem feito e para ser derrubado precisaria de muito trabalho, assim como exigiu trabalho para ser levantado.

Em 1957 apareceu outro problema, a obra não ficaria pronta e o seminário em Aparecida não comportava mais a quantidade de candidatos. Decidiu-se que utilizariam uma escola velha em Tibagi para abrigar os seminaristas, que eram muitos. Mas, nesse ínterim, apareceu uma alma boa que ofereceu a Escola Agrícola, e que falaria com o Governador, na época, Moyses Lupion. Tudo acertado. No mês de janeiro de 1957 começaram a levar tudo que precisavam para a tal Escola Agrícola, que o governador anterior não quis vender aos missionários. Um corre-corre danado se instaurou. Era preciso buscar os seminaristas que residiam em Aparecida. Contrataram um ônibus em Ponta Grossa e, no dia 02 de fevereiro, chegaram em Aparecida para o início de tal jornada. No dia 03 de fevereiro, domingo, às duas horas da manhã, foi rezada uma missa na capela do seminário Santo Afonso, às três horas houve um café, despedidas e, finalmente, o início da viagem. O ônibus de trinta e três lugares

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oferecia espaço e conforto para todos, porém a aventura estava apenas começando. A previsão era chegar à tarde em Tibagi. Mas, devido às más condições do tempo, chuva, barro e à quebra do ônibus, levou trinta e quatro horas. Desse modo, chegaram em Tibagi na segunda-feira, dia 04 de fevereiro, às treze horas. Acompanhando os estudantes estavam o padre John Maerz e o padre Nelson Torres. Enfim, depois de vinte e um anos bebendo da formação no Seminário Santo Afonso, em Aparecida, junto com a Província de São Paulo, ficou pronto aquele que abrigaria o futuro desse grupo. Foram noventa e dois candidatos enviados a Aparecida desde que entraram os dois primeiros, padre Moacir Bossay e Armando Russo.

Em 16 de fevereiro de 1958, deu-se a inauguração do primeiro Seminário Menor redentorista em Ponta Grossa. Sessenta e dois jovens estavam prontos para começar. Desses, quatorze eram paraguaios, dentre os quais, nove tinham estudado na Argentina e cinco eram novatos. Dos quarenta e oito brasileiros, vinte e dois vieram de Aparecida e vinte e seis eram novatos. Os esforços de sete missionários redentoristas, quatro irmãs de São José de Chambery, dois professores leigos e quinze funcionários trouxeram a possibilidade de oferecer aos jovens seminaristas uma formação nas áreas humana, intelectual e religiosa. Um sonho que se realizava. A capela ainda não estava completamente terminada. Faltava o altar de mármore, que ficou a cargo do Sr. Varassim. Este somente veio a ficar pronto no início de 1959. Uma verdadeira novela! Tal episódio fez com que os missionários exercessem a paciência, mas ficaram muito chateados com o ocorrido. Ajudou também a

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descobrirem um pouco daquele famoso “jeitinho brasileiro”, quando tiveram que se virar colocando sobre o altar, ainda não terminado, papéis decorados para a celebração da inauguração.

No dia da inauguração foram rezadas missas na capela dos estudantes e na casa dos missionários às cinco horas da manhã. Fizeram-se presentes os padres diocesanos de Ponta Grossa e de Castro, os padres do Verbo divino, bem como as irmãs que trabalhavam nos hospitais e escolas das cidade. Também se fizeram presentes mais de cento e cinqüenta parentes e amigos de alunos. Vieram dos Estados Unidos o bispo de Nova York, dom Janus McManus, que abençoou o novo seminário, e o Provincial de Baltimore, James Cronolly. Estava presente também o vice-provincial de Campo Grande Martinho Maerz. O bispo de Ponta Grossa, dom Antonio Mazzaroto, rezou a missa e fez a pregação naquele dia. Participaram também o padre José Ribola, Provincial de São Paulo e o Provincial do Rio de Janeiro, Gregório Wilts. Para o canto da missa, um coral de alunos teve um desempenho fascinante e parece que adivinhavam que se iniciava ali o lugar de muitas e maravilhosas histórias, que marcariam a vida de pessoas no futuro do Paraná e Mato Grosso. Durante o almoço, servido no refeitório dos seminaristas, padre Maerz fez o discurso e a orquestra Guarany abrilhantou o momento com sua apresentação. À noite teve um jantar e os alunos apresentaram uma peça teatral chamada “Marcos, o Pescador”, em honra à presença do Superior de Baltimore.

No seminário a rotina de formação começou. Toda manhã, às seis horas, os seminaristas acordavam com um som de sirene, faziam a higiene

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pessoal e se dirigiam para a oração na capela, em fila, sempre na mesma ordem. Tantos os seminaristas menores quanto os maiores se encontravam em frente à capela e entravam juntos. Os seminaristas menores se sentavam nos bancos da direita e os maiores nos bancos da esquerda. À medida que iam chegando sentavam-se, por isso, quase sempre estavam nos mesmos lugares. Para sair da capela era a mesma ordem, uma verdadeira disciplina. Organizar era necessário, afinal de contas, mais de duzentos seminaristas num mesmo lugar precisam de disciplina para evitar algazarras. Após o café matinal se preparavam para as aulas e enfrentavam cinco aulas. À tarde tinham trabalhos de limpeza, manutenção da propriedade, ação pastoral nos hospitais e escolas da cidade. Praticavam esporte e aprendiam teatro e música. Após a oração da noite era jantar, estudo, recreio e sono.

O curso normal no Seminário levava seis anos. Certo ano a capacidade superlotou: havia mais de duzentos alunos, em sua maioria, entre onze e treze anos. A grande reflexão dessa estrutura sempre era sobre por que muitos jovens queriam ir para o seminário. Vocação ou outro interesse? O grande perigo era o de que muitos bons meninos, que moravam no chamado “fim do mundo” e não tinham esperança de ter boas escolas, ingressassem no seminário somente com a finalidade de estudar. Mesmo assim, esse costume de rebanhar garotos de idade bem precoce e separá-los da família rendeu grandes vocações para a vice-Província. Só que esse “garimpo” custava muito caro. De uma “tonelada” de garotos, com as peneiradas anuais dos formadores, poucas “pedras” sobravam.

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Vinte anos depois, no início de 1979, os seminaristas eram cem, com idades variando entre quatorze e vinte e cinco anos. Os estudos começavam na sétima série do primeiro grau e terminavam com a conclusão do terceiro ano do segundo grau. Os jovens permaneciam em média cinco anos nesse seminário antes de seguir para o noviciado. Eram jovens que vinham do Paraná e do Mato Grosso. Por alguns anos, muitos vinham também do Paraguai. Mais da metade vinham de paróquias assumidas pelos redentoristas. Os outros vinham das paróquias onde a equipe missionária pregava as missões populares e alguns vinham orientados por Aparecida, vocações provenientes da programação vocacional da Rádio Aparecida.

Milhares de jovens passaram por ali. Por mais de vinte anos as Irmãs de São José de Chamberry administraram com carinho e amor as áreas chaves de trabalho como cozinha, lavanderia, enfermaria e limpeza geral. Um ambiente revelador de muita história e experiências. Coisas guardadas no coração de cada missionário que ali trabalhou.

A partir da década de 1980 se iniciaram as reflexões sobre a continuidade da formação no Seminário Santíssimo Redentor. Vários assuntos foram levantados sobre essa questão e o que ficou mais saliente foram as despesas que o prédio gerava e uma espécie de formação anti-pedagógica, devido ao impacto na vida dos meninos vindos do interior que experimentavam um ambiente fora de sua realidade promovendo também um desligamento da vida do povo. Após muitas reflexões e conversas, o prédio do Seminário Menor, que serviu aos missionários exatamente por 30 anos, no final de 1988 foi fechado e teve início uma nova história,

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agora com um estilo de formação inicial diferente e centrada na cidade de Curitiba, não mais em Ponta Grossa. Por ironia do destino, o prédio foi vendido para o setor público, que não quis ceder sua propriedade, a escola agrícola, na cidade de Tibagi. Entre idas e vindas, no dia 03 de agosto de 1991, o então presidente Collor de Melo, em visita à Ponta Grossa por ocasião da inauguração do núcleo Santa Maria, prometeu o CEFET para a cidade. Sendo assim, o prefeito da época, mais que depressa enviou projeto de compra do seminário para a câmara dos vereadores. A negociação deu-se no dia 12 de dezembro de 1991, sob a lei 4618, aprovada pela câmara dos vereadores da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Tudo estava consumado em relação a esse marco missionário e histórico que nasceu como um sonho no ano de 1954.

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39Legião Católica Santa Isabel

(1959)

A Legião Católica Santa Isabel foi fundada em 21 de fevereiro de 1959, em Ponta Grossa, por dois missionários que trabalhavam na paróquia São José, padre Rafael J. Smith e José Austin, juntamente com alguns leigos paroquianos. A motivação maior de tal fundação foi, em primeiro lugar, constituir uma entidade assistencial educacional junto à paróquia São José. Outra motivação foi uma pesquisa que constatou ser a grande maioria dos pedintes que acorriam à casa paroquial crianças em idade escolar, carentes em educação por falta de recursos materiais e espirituais. Desse modo, o objetivo principal da obra era atender a essas crianças carentes. A reflexão sobre tais crianças era de que vestindo, calçando e alimentando-as, era possível trazê-las ao caminho do saber, recuperando e inserindo-as na sociedade. O nome Santa Izabel foi sugerido pelo padre Rafael, este que idealizou o projeto, em honra à caridosa Rainha da Hungria, que se chamava Izabel. Foi sugerido ainda que as pessoas presentes nesse momento da fundação compusessem a diretoria da entidade, de modo que lembrassem do padre Ricardo Blissert, dedicado às obras assistenciais. A primeira diretoria foi assim constituída: Fundador, padre Rafael Smith; diretor presidente, padre Ricardo Blissert; Secretária Geral,

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Clara Guzzo, dentre outros. Como ainda não havia sede própria, a Legião funcionou nos porões da Igreja São José.

Um ano após, foi fundado o Educandário Assistencial Santa Izabel, que seria mantido pela Legião Católica Santa Izabel. Inicialmente, o educandário funcionou nas dependências da Escola Paroquial São José. Dois anos depois foi transferido para o subsolo da igreja São José, funcionando de modo precário, mas já atendendo um grande número de crianças. Em junho de 1966 foram adquiridos três terrenos na rua Miguel Couto, esquina com a rua José Veríssimo, próximos da Igreja, medindo 1.386 m2. Em 1967 foi autorizado oficialmente pela Secretaria do Estado da Educação e Cultura o funcionamento do Educandário, que mais tarde, por força de lei da própria Secretaria, passou a chamar-se Escola Santa Izabel. Em 1971 foi concluído o prédio, todo em alvenaria e com dois pavimentos, distribuído entre salas de aula, biblioteca, cantina, depósito da cantina, sala da administração, gabinetes médicos e odontológico, sanitários e área de circulação. Mais tarde, foram construídas as dependências onde funciona a Creche. Com essa instalação, a Legião passou a atender em média trezentas crianças, dando-lhes material escolar, roupas e calçados, além de instrução gratuita. Do início da entidade até 1977 o representante oficial e diretor da Instituição foi o padre Ricardo Blissert. Em outubro de 1978 a Congregação, através do seu representante, padre Jaime Toulas, assumiu o compromisso pelos encargos financeiros e administrativos da mesma, tornando-se a mantenedora da Legião Católica Santa Izabel.

Durante vários anos a creche vivia do convênio com a LBA (Legião Brasileira de Assistência), com

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ajuda da Pró-Amor da Prefeitura, promoções, bazares, bem como da ajuda esporádica conseguida pelo deputado Estadual Djalma de Almeida César. A Escola Santa Izabel tinha uma verba da secretaria da Educação, através do Convênio Amparo Técnico, para pagar salários. Todos os encargos sociais eram subsidiados pela paróquia São José. As funcionárias administrativas — diretora, secretária e zeladora — eram pagas pela Legião.

No dia 12 de fevereiro de 1993 ficou estipulado que ali só funcionaria a Creche para crianças de dois a seis anos. Os motivos foram os altos custos com encargos sociais e por já existir na região muitas escolas de primeiro e segundo graus mantidas pelo Governo Estadual. Outro motivo é que a mesma só funcionava no período da tarde, permanecendo ociosa pela manhã e noite. Padre Ricardo Blissert sempre foi um grande incentivador desse projeto. Trabalhou muito e contribuiu buscando doações para manter a obra.

Padre Ricardo é um dos missionários redentoristas norte-americanos que chegou ao Brasil um mês depois da inauguração do Seminário Menor Santíssimo Redentor. Ele nasceu em 1929 e sua família conhecia o padre Egidio. Foi através do padre Egidio que resolveu ser redentorista, já que somente conhecia os diocesanos. Na viagem que ia ingressar no seminário menor redentorista em North East, nos Estados Unidos, saiu de Nova York com mais setenta e cinco meninos. Iriam percorrer uma distancia de oitocentos quilômetros até North East. No meio da viagem houve um acidente com o trem. Os setenta e seis meninos estavam nos únicos dois vagões de trem que não sofreram praticamente nada, somente um dos meninos teve um pequeno corte no

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supercílio. Nos vagões da frente e de trás trinta e seis pessoas morreram. Padre Ricardo diz que seus melhores anos de trabalho foram em Ponta Grossa, na paróquia São José, onde trabalhou com os cursilhos, movimento familiar e deu continuidade ao trabalho do padre Rafael Smith com os meninos na Escola Santa Isabel. Padre Rafael tinha um trabalho bem parecido com o atual Projeto Piá, do Paraná. Padre Ricardo veio para o Brasil em fevereiro de 1958. Fazia vinte oito anos que tudo havia começado em Aquidauana. Seu primeiro vôo ao Brasil levou vinte e três horas — hoje leva média de dez horas — com paradas em San Juan, Porto Rico, Caracas, Venezuela, Belém do Pará e Rio de Janeiro. Conta que, ao fazer escala no aeroporto de Belém, devido à precariedade das instalações, o piloto precisou dar vários rasantes na pista para espantar as vacas e ovelhas que tomavam conta da pista. A temperatura estava em trinta e cinco graus. Logo após a descida, o avião entrou num galpão para que os passageiros que tinham escala pudessem descer ou embarcar noutro avião, e seguir para o Rio de Janeiro. Nessa época, o Rio de Janeiro era a Capital do Brasil. Chegando ao Brasil, Padre Ricardo foi trabalhar em Miranda, enviado pelo padre Martinho Maerz, vice-provincial da época. Antes de seguir viagem para o Mato Grosso, ficou duas semanas em Ponta Grossa, no Seminário Santíssimo Redentor, esperando o vice-provincial, que mostrava o Brasil para o provincial de Baltimore. Quando chegou em Miranda, percebeu que não tinha água encanada, luz elétrica e nem telefone. Morou ali quatro anos. Durante esse tempo, foi ajudar, a título de “empréstimo”, a paróquia de Ponta Porã. Depois foi transferido para Tibagi/PR, onde morou por nove meses. Após essa breve

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passagem por Tibagi foi transferido para Aquidauana, onde ficou por três anos. Nesse ínterim foi “emprestado”, por cinco meses, à comunidade de Bela Vista. Completando três anos em Aquidauana foi transferido para Ponta Grossa, devido à morte do padre Afonso Donnelly e do acidente do padre James Breen. Ficou doze anos e meio em Ponta Grossa. Foi onde construiu a Escola da Legião Santa Isabel. Em 1978 foi transferido para Telêmaco Borba e ajudou a construir oito Capelas como Socomim, Cem Casas e Jardim Alegre. Em 1981 foi transferido para Antonina. Trabalhou lá por nove anos. Foi para Guaratuba e novamente transferido para Telêmaco Borba. Saindo de Telêmaco foi para Paranaguá, onde ficou mais um ano. Em 1997 foi novamente transferido para Telêmaco, mas agora para trabalhar em Harmonia, tendo também que formar a paróquia de Ventania. Sua estadia em Harmonia culminou com o fechamento de várias comunidades rurais dessa paróquia, inclusive com os acampamentos de Antas e Mina de Carvão e Km 28. Em 2001 foi transferido para o Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Curitiba.

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40Nossa Senhora do Perpétuo Socorro,

Curitiba(1960)

Em qualquer lugar do mundo sempre encontramos coisas que nos indicam uma espécie de socorro. Em nossa própria casa temos a caixinha de primeiros socorros. No automóvel carregamos o estepe, um pneu socorro que impede de ficarmos à deriva na estrada. Nos acidentes, enchentes e outros males as pessoas gritam por socorro. E como se sentem aliviadas quando o socorro chega! O ser humano, em todas as idades e em muitas situações, sempre necessita de socorro. Deus nos conhece bem e sabe que o ser humano dia a dia grita por socorro. Por isso, além de ter feito toda a criação, também deu à humanidade um pronto socorro perpétuo: Maria, a Mãe de Jesus. Ela que acabou se tornando

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nossa Mãe do Perpétuo Socorro. Aquela que nos socorre em qualquer situação, em qualquer momento e em qualquer lugar. O Perpétuo Socorro de Maria é onde encontramos remédio para nossas feridas e alento para as nossas dores. Os redentoristas, anunciadores da misericórdia de Deus, continuadores de Jesus Cristo neste mundo, foram convidados a fazer o mundo conhecer esse socorro de Maria através de um simples quadro grego, que em sua pequenez traz a grandeza de uma espiritualidade. Parece ironia, Santo Afonso pintou um belíssimo quadro de Maria e os redentoristas como “filhos” dele, deveriam fazer o mundo conhecer o quadro do seu fundador, no entanto, foram chamados pelo papa Pio IX a uma outra missão: levar ao conhecimento de todos o quadro de um pintor grego desconhecido. Em janeiro de 1866, os padres Michele Marchi e Ernesto Bresciani foram a Santa Maria in Posterula receber o quadro dos Agostinianos. Certamente que a vontade de Deus é maior do que a humana, por isso, Ele quis que os redentoristas fizessem o mundo conhecer o quadro de Maria como a mãe do Socorro Perpétuo do mundo. Santo Afonso, lá do céu, certamente entendeu e está feliz com isso. Esses missionários sempre souberam disso, por isso, aonde vão levam essa devoção. Curitiba também recebeu essa Graça e ela se instalou num bairro conhecido como Alto da Glória.

O Bairro Alto da Glória nasceu às margens da antiga Estrada da Cachoeira, que antigamente levava os viajantes ao litoral via Serra da Graciosa. Foi fundado pelo Barão de Holleben, por volta de 1856 e seus primeiros moradores, membros da família Leão, construíram ali o primeiro teatro da cidade e a Capelinha de Nossa Senhora da Glória, que deu

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origem ao nome do bairro. Segundo o historiador Francisco Negrão, o nome do bairro também teria sido inspirado na propriedade de José Maria Pinheiro Lima, conhecida como “Chácara Nhá Laura” ou “Chácara da Glória”.

O ano era 1960, fazia um ano que Curitiba tinha vivido a experiência forte das Missões Populares, através de uma grande missão redentorista. Entusiasmado com o fervor da missão, o bispo pediu que assumissem ali uma paróquia. Os redentoristas queriam na verdade erguer em Curitiba um Santuário dedicado a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Depois de várias reflexões foram até a Cúria diocesana ver as possibilidades. Vários bairros foram apresentados, mas não se sentiam animados a ir para os bairros, a intenção era iniciar um Santuário que ficasse no centro da cidade. Assumir uma paróquia no centro da cidade parece uma contradição aos princípios de Santo Afonso, o fundador da Congregação, chamado de “Apóstolo da periferia”. Mas, o objetivo dos missionários era estratégico, pois seria difícil aos fiéis atravessarem toda a cidade, durante nove semanas, enfrentando as adversas condições climáticas, para participar da novena à Mãe do Socorro. No centro a locomoção seria muito mais fácil, sendo que, na década de 1960, o sistema de transporte de Curitiba era servido por quatorze empresas, que transportavam cento e quarenta e três mil usuários/dia em cinqüenta e seis linhas de ônibus. Dos dois mil veículos disponíveis, só cento e vinte e seis rodavam regularmente. Em virtude das condições precárias, milhares de pessoas deixavam de ser atendidas, inclusive a maioria dos bairros, que só passou a ser atendida por ônibus a partir de 1970.

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A exigência dos missionários em ter uma Igreja no centro de Curitiba, devido a essas questões, colocou a Arquidiocese em “xeque”. Como seria possível encontrar um lugar para estabelecer ali um grande santuário? Não era possível destituir o patrono de alguma igreja e substituí-lo por um santuário. Mas era possível dar início à obra que esses missionários de preto, tão zelosos e exigentes, almejavam em sua missão. Foi então que Dom Manoel da Silveira D´Elboux ofereceu em caráter provisório uma capela conhecida como Nossa Senhora da Glória, localizada na parte central da cidade, erguida num terreno particular da tradicional Família Leão.

A proposta foi aceita e no mês de abril de 1960 chegaram os dois primeiros redentoristas para começar o trabalho de devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Mas, somente em 22 de Agosto de 1960, antes da missa das 10h30, Dom Manoel empossou o padre Tiago Schomber como primeiro vigário e padre Wenceslau Smutny como seu auxiliar na referida e recém criada paróquia. Poucos dias depois, para completar o quadro, chegou de Ponta Grossa o padre Vicente Crotty, que alcançou grande sucesso com as novenas na Paróquia São José. Foram esses que deram início às novenas em louvor à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Curitiba.

Enquanto o Santuário não era uma realidade, o trabalho continuava incessante na pequena capela da Glória, chovesse ou fizesse sol. No primeiro ano eram apenas duas novenas, uma às 7h30 e outra às 19h30. Um ano mais tarde foram acrescentados mais três horários: 15h 16h e 17h. No dia 30 de setembro de 1964 foram acrescentados mais dois horários; em 1980 já eram onze. Quando o tempo estava bom

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tudo era mais fácil, mas quando chovia, as coisas se complicavam, e havia dias que chovia o dia todo. A freqüência do povo às novenas era tão grande que começaram a tomar um grande espaço da rua João Gualberto. Os missionários precisavam sair do confessionário para distribuir comunhão. Os missionários começaram a ser conhecidos como a salvação da cidade, pois todos sabiam que às quartas-feiras era possível confessar a qualquer hora do dia naquele refúgio Perpétuo de Socorro.

Um ano após o inicio de toda essa obra missionária, padre Tiago foi transferido para outra comunidade e, no dia 10 de agosto de 1961, em seu lugar assumiu os desafios daquela imensa obra missionária, como superior, o padre Tomé Mc Carthy. Ele estava trabalhando em Monte Alegre (Telêmaco Borba) e era um excepcional administrador. De tão bom, no ano de 1967, após colaborar no aumento das rendas e donativos para a construção do novo Santuário, foi transferido para os Estados Unidos para auxiliar nas finanças da Província de Baltimore. Tornou-se ecônomo Provincial, sendo muito respeitado na sua virtude financeira, até mesmo na famosa Wall Street. Ele reconheceu que o “pai da devoção” a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Curitiba, foi o padre Crotty, o mentor de todo o trabalho inicial.

Padre Mc Carthy foi transferido para Curitiba porque o padre Francisco Freel, vice-provincial, recebeu um telegrama para constituir, o quanto antes, as novas comunidades. Padre Bernardo Nolker, que havia concluído a construção do seminário menor, em Ponta Grossa, era a escolha para ser vigário em Curitiba. Os conselheiros reconheceram as boas qualidades do padre Nolker

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para construção, mas informaram sobre as dificuldades que tinha em termos de relações humanas. Ele, às vezes, abusava um pouco de sua autoridade como superior. Chamava, de modo pejorativo, os membros de sua comunidade de “boys”, termo muito usado pelos sulistas dos Estados Unidos para insinuar a inferioridade dos negros. Nessa época, a cidade de Curitiba era um ponto de passagem de confrades que vinham do Mato Grosso e das várias partes do Paraná, como uma Casa Central, onde muitos confrades se hospedavam e era necessário um superior menos rigoroso do que padre Bernardo. Desse modo, o vice-provincial acabou enviando padre Bernardo a Paranaguá e padre Tomé Mc Carthy para Curitiba. Como Deus escreve certo por linhas tortas, em dois anos o padre Bernardo tornou-se Dom Bernardo e o Santuário do Perpétuo Socorro, em Curitiba, prosperou imensamente.

Em 04 anos a pequena igreja já era considerada o centro de devoção à Mãe do Perpétuo Socorro. O quadro da “santinha”, como ficou conhecido, simplesmente cativou o coração da multidão de fiéis que tomaram o espaço da pequena Igreja da Glória expandindo-se pelo terreno ao redor da igreja e pela rua afora. Nomes de famosos como Flávio Cavalcanti, Abelardo Barbosa (Chacrinha), Ângela Vasconcelos (Miss Brasil), Ney Braga (Governador) e muitas outras autoridades políticas, são lembrados como devotos do Perpétuo Socorro. Mas entre celebridades, políticos, ricos ou pobres, sempre houve um grande milagre inspirado pela novena: a consciência de que todos são iguais pela fé.

Entre 1964 e 1965, a devoção à Mãe do Perpétuo Socorro e a freqüência das novenas atingiu

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em Curitiba uma plenitude tão grande, que o número de fiéis já alcançava a marca de vinte mil por semana. A Prefeitura viu-se obrigada a solicitar ao Departamento de Trânsito a interrupção do tráfego na avenida em frente à pequena Igreja da Glória. Por outro lado, Deus continuava, através de sua Mãe, a mexer com o coração dos fiéis. Mas era preciso ser ágil, pois as etnias que moravam no Estado do Paraná estavam sendo agraciadas com lotes para que ali erguessem monumentos aos seus países: Japão, Ucrânia, Espanha e outros países já tinham posse de suas áreas. Na pessoa de dois cônsules, um efetivo e outro honorário, Portugal abriu mão do monumento e cedeu aos redentoristas para a construção da igreja. O terreno foi então documentado, não como doação, mas como concessão. O imóvel pertence ao povo, à Prefeitura de Curitiba, ao poder público, não à Mitra. Sem contar que foi dado um prazo para apresentar o projeto à Câmara Municipal, caso contrário, perderiam a concessão.

Começaram então os maiores desafios, ou seja, apresentar o projeto da igreja e buscar recursos para a construção. A estratégia para conseguir os recursos financeiros era pedir aos fiéis que, junto com as cartas de agradecimento, contribuíssem com ofertas para a construção. Foi assim que se tornou possível erguer o Santuário sem apelar para os recursos que a Congregação tinha em outros países. No final da obra, Padre Egidio Gardner viu-se obrigado a tomar emprestados cem mil dólares da Basílica Nacional de Aparecida, administrada também pelos redentoristas. Pela graça de Deus, alguns meses após, conseguiu devolver tudo. Recomendado pelo Senhor Orlando Muller, padre Tomé solicitou ao doutor Kozo Kassai,

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arquiteto e engenheiro civil, um projeto para o templo do tipo “para ontem”. Mas ainda havia outros desafios. O terreno era de mau aspecto, um verdadeiro depósito de lixo, e ficava aos fundos de um cemitério, sem contar que a lei permitia que somente dois terços da área fosse construída, sendo que um terço deveria ficar para ajardinamento e passeio. Além do mais, o terreno era pequeno para a construção de uma igreja no estilo e modelo tradicional e que comportasse tão grande número de fiéis. Um verdadeiro desafio! De qualquer forma, o jovem engenheiro japonês, trabalhando dia e noite, preparou um anteprojeto arquitetônico, que foi apresentado pelo prefeito Ivo Arzua Pereira, na sessão do dia 12 de dezembro de 1965, à Câmara dos Vereadores de Curitiba. O projeto foi aprovado pela lei Municipal 2668, daquela data. Na época, os missionários pediram que o templo fosse um lugar amplo, sem colunas, e que de qualquer lugar da parte interna fosse possível ver o altar, seguindo um estilo de teatro. O resultado foi uma Igreja de arquitetura ousada e original, tornando-se uma estrutura marcante na cidade de Curitiba.

Como deve ser gratificante e de grande responsabilidade construir um santuário para onde tantos vão buscar graças, conversão, forças para continuar seguindo o caminho e encher-se de Deus e de amor. Não é a mesma coisa que construir apartamentos, escritórios ou supermercados. Entretanto, para se chegar ao término da obra havia muito que ser percorrido. Os primeiros obstáculos de ordem técnica surgiram quando foram iniciadas as obras de fundação. Era preciso utilizar-se de madeira de bracatinga para escorar as caixas de concreto.

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Bracatinga é uma árvore esguia e alta que os primeiros colonizadores encontraram na região de Curitiba com facilidade. Brotava naturalmente do solo e cobria harmonicamente o relevo montanhoso da região. Aos poucos, foi se descobrindo que tal árvore tinha como umas das suas principais virtudes oferecer excelente lenha para o aquecimento dos lares nos rigorosos invernos da região, vigamento e escoras em construção civil. Aquilo que foi atestado, na prática, pelos colonizadores do Paraná, hoje se comprova cientificamente — a Bracatinga abriga, no seu fino caule, uma verdadeira “usina térmica”—. Ela tem uma capacidade de armazenamento da energia solar superior à de outras árvores, como Pinus e Eucalipto. Sem contar que os índios utilizavam sua casca para combater coceiras. Mas, pela sua grande utilização como escoras e como lenha para aquecer os fogões no rigoroso inverno da região, tal madeira foi desaparecendo, ficando difícil de ser encontrada em Curitiba. Tiveram que procurar muito. Foi então que encontraram um sítio, na região da estrada do Cerne, região de Ouro Fino, e ali conseguiram um hectare de bracatinga, resolvendo o problema do escoramento.

Resolvido esse elementar obstáculo, veio o problema litúrgico e estrutural. Era década de 60, o Vaticano II tornava-se uma realidade premente. A Igreja estava se desvencilhando do seu modelo conservador. Mudou a maneira de celebrar a missa. Padre Tomé, tomando os maiores cuidados para não sair das normas litúrgicas da Igreja, consultou Roma sobre as normas a serem inseridas no projeto, recebendo autorização e incentivo para continuá-lo. Sentindo-se amparado no seu intento e ainda mais resoluto, tocou a obra em frente.

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Com muita luta e sacrifício, no dia 29 de Junho de 1969, Festa de São Pedro e São Paulo apóstolos, foi inaugurada a atual Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Esse dia contou com uma programação especial. Houve uma procissão da pequena capela da Glória até o estádio do Coritiba, que fica ao lado do Santuário, pois havia ali, naquele dia, mais ou menos trinta mil pessoas. A pregação foi feita pelo padre Siqueira, missionário redentorista de São Paulo, conhecido como “Pregador das Multidões”. À noite, após a celebração da missa, houve uma festa no salão do estádio. Entre outros eventos, o governador do Estado, Ney Braga, fez uma honrosa saudação. Um jornalista do canal 4 de Televisão filmou no Santuário a então Miss Brasil da época, Ângela Vasconcelos, e cada vez que o filme aparecia na televisão as novenas da quarta-feira seguinte enchiam ainda mais. Com a inauguração da nova igreja, a pequena Capela da Glória foi então devolvida aos cuidados da família Leão.

Após a inauguração, na praça Portugal, o comércio ambulante tomou conta dos arredores, chegando a prejudicar a circulação dos devotos. Pessoas armavam pequenas barracas nos arredores, iniciando uma verdadeira feira em volta daquele círculo de devoção. Além dos pedintes, eram pipoqueiros, vendedores de enfeites, de alimentos, de refrigerantes, bebidas e tantas outras bugigangas. O tumulto chegou até a polícia, que teve de tomar providências, pois a área tinha ficado intransitável e problemática.

Um dos primeiros milagres atribuídos a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, pelos fiéis de Curitiba, foi a recuperação de uma menina, filha da família proprietária dos Tecidos Urca, uma grande loja de

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tecidos da Capital. A garota estava muito doente e a família pediu a graça de sua recuperação, graça esta que receberam prontamente. Outra graça aconteceu na baía de Guaratuba, quando naqueles primeiros anos, dois pescadores atravessavam o mar, que estava revolto. Na ocasião, o barco em que estavam virou e um deles saiu nadando, porém o outro ficou preso embaixo da embarcação. Ao chegar o socorro, desviraram o barco e eis que embaixo do mesmo estava o homem, vivo e flutuando, agarrado ao quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que levava para a casa quando a embarcação virou.

Não há dúvida de que a devoção à "Mãe do Socorro" é obra de Deus e nessa obra se expõem as portas para o Reino de Deus. Por saber disso, o povo confia no Perpétuo Socorro divino através de Maria. Se não soubesse, nunca freqüentaria as novenas e as faria tão famosas. O povo entendeu o recado de Deus através desses missionários de preto, que andam pelo Mato Grosso, pelo Paraná, pelo Brasil e pelo mundo. É assim, através de Deus, que vai sendo construída uma linda história, feita de amor, de fé, de suor e de muita dedicação. Com todos esses requisitos, os missionários apresentaram ao povo de Curitiba a sua Mãe, Mãe do Perpétuo Socorro, levando adiante o pedido do Papa Pio IX que confiou a eles a tarefa de fazê-la conhecida no mundo inteiro.

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41Anastácio

(1961)

Ouço um canário-da-terra cantar ao alto de um coqueiro que avisto do portão de minha pequena casa. Seu canto melodioso eleva minha alma e sinto uma intensa paz no peito. Por que as aves cantam? As respostas podem ser muitas e diversas. Os naturalistas recusam a idéia de que as aves cantam por causa de seu bom estado de ânimo. Seria dizer que o canto de uma ave é algo puramente sentimental. Mas penso que, ao cantar, uma ave está consumindo tempo e energia, que poderiam servir-lhe para procurar alimentos, ao mesmo tempo em que revela sua presença aos predadores. As aves teriam deixado de cantar há muito tempo se o valor de sobrevivência dessa manifestação sonora não ultrapassasse os perigos que estão dentro de si. O canto é, acredito, uma questão de sobrevivência para elas, e conflui com elementos do seu vocabulário. Desse modo, uma ave canta para se comunicar, e nessa comunicação busca sobreviver. Sobrevivência que incidiu muito na vida dos missionários de preto com rosário na cintura e que ajudou outras comunidades a nascerem e também a sobreviverem, como foi o caso da comunidade de Anastácio, no Mato Grosso.

Anastácio foi elevada à categoria de município no dia 18 de março de 1964. Até então era distrito de

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Aquidauana. Tem um clima subtropical, marcado pelas cheias que acontecem de outubro a abril, quando a temperatura ultrapassa os 40°C. De meados de julho até o final de setembro, a região é atingida pela seca, quando há ocorrência de geadas e a temperatura fica em média 15° C.

Mesmo após tornar-se município, a região de Anastácio era tomada como compromisso pastoral pelos missionários que moravam em Aquidauna. Era uma comunidade a mais de Aquidauana. Após 1965, o padre Patrício Kennington, aproveitando o ensejo da emancipação política da cidade, assumiu o compromisso de construir a linda Igreja de Nossa Senhora de Lourdes.  Ele abordava os políticos, fazendeiros e comerciantes questionando-os sobre como pode um município não ter uma igreja matriz?  Conseguiu mexer com o orgulho dessas pessoas e construiu a Igreja. Mas, mesmo com a Igreja pronta, Anastácio continuou sendo vista como uma comunidade de Aquidauana.

Em 1961, logo que chegou ao Brasil, padre Patrício Kennington, foi enviado a trabalhar em Aquidauana. Entre os anos de 1962 e 1963, sua pastoral resumia-se exclusivamente à margem direita do rio, sem atravessar para Anastácio, que ainda não tinha igreja. Não dominava bem o português. Com essa dificuldade no idioma, certa ocasião, nos seus primeiros meses de Aquidauana, foi escalado para atender confissões. A fila ficou enorme, pois as pessoas devem ter imaginado que poderiam contar todos os pecados ao padre americano, que não entendia quase nada do que confessavam. Resmungava somente algumas frases. Ainda nessa época, foi levado ao hospital pelo paroquiano Tonico Pace, que o convenceu a assistir a uma cirurgia num

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hospital, para habituar-se a ver sangue, pois era um padre jovem de apenas vinte e oito anos de idade. Mais que depressa aceitou e, depois disso, ficaram grandes amigos. Outra pessoa de quem sempre lembrava com carinho era do coronel Zelito Ribeiro. Este, e sua família, foram grandes colaboradores, na construção da Igreja entre os anos de 1965 a 1966. Uma dificuldade da época é que muitos fazendeiros não tinham dinheiro em caixa, mas colaboravam com o que podiam, principalmente doando cabeças de gado. Uma demonstração de bondade do povo dessa região, quando se trata de ajudar numa obra de Deus.

Lembro-me que a mãe de padre Patrício veio dos Estados Unidos à Aquidauana para visitá-lo em 1961. Ela não falava nenhuma palavra e nem entendia o português, mas ficou encantada conosco, que a abraçávamos em todos os locais aonde ia. Sobre a localização da igreja matriz de Anastácio, foi o próprio padre Patrício quem escolheu, por ser o mais alto local disponível da cidade. A intenção era que futuramente nenhum edifício cobrisse sua vista.

Em 1965, bem acostumado com o idioma e a cultura mato-grossense, recebeu do então pároco de Aquidauana, padre Tomé, a ordem de iniciar a construção de uma igreja em Anastácio. Ao receber essa missão, num período de férias, foi à Nova York e visitou seu irmão, que era tenente do Corpo de Bombeiros. Foi apresentado ao chefe da corporação e ganhou um sino feito de níquel, que trouxe para Anastácio. O sino foi instalado no alto de um pé de manga e ali rezavam as missas. Mesmo não tendo nenhuma experiência na construção de igrejas, se arriscou ao subir em cima das paredes que começavam a ser levantadas pelos operários e

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pedreiros. Ficava várias horas junto com os pedreiros se equilibrando naquelas paredes de apenas um tijolo e meio de largura. Para arrecadar dinheiro e não deixar que a obra parasse, fato que jamais ocorreu durante a construção, fazia festas na paróquia de Aquidauana e na localidade de Anastácio. Eram festas da padroeira, bingos, rifas, quermesses, churrascos com bois doados pelos fazendeiros e boiadeiros da região, desfiles de modas, exibições de filmes, coroação de Nossa Senhora e tantas outras promoções. Às quintas-feiras, se encontrava com os fazendeiros da região e sempre perguntava se estes não teriam nada para doar. Um verdadeiro confronto de pedidos. Quando a resposta era positiva, rapidamente providenciava uma caminhonete para buscar as doações. Trabalhavam num casarão ajudando a fazer comida para todos que participavam da construção. Tudo foi construído em mutirão.

No dia da inauguração da nova igreja, ainda faltavam as portas principais. O custo destas, na época, era em média mil dólares. No ano de 1967 foi de férias e visitou o Santuário de Lourdes, na França, onde encontrou uma bondosa senhora que prometeu doar cem dólares dela e das suas amigas. Em 1968 o dinheiro chegou ao Brasil, mas em 1969 essa senhora faleceu e, para surpresa de todos nós, deixou escrito no seu testamento que deixara mil dólares para “a igreja do padre do Brasil”, a matriz de Anastácio. Desse modo, foram compradas as portas da frente da igreja. A obra foi dada como concluída em 1969. Depois de toda essa façanha na construção, em 1970, padre Kennington foi transferido para Antonina, no Paraná. Em 1974, morando no Paraná, trouxe ao Brasil o movimento do

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Encontro Matrimonial. Com todos esses anos de trabalhos no Brasil retornou aos Estados Unidos em 1980. Entre os anos de 1969 e 1975, padre Angelo Schemberger ficou responsável em acompanhar a comunidade Nossa Senhora de Lourdes. 

Os anos 80 trouxeram ventos diferentes para a comunidade Nossa Senhora de Lourdes.  Era o tempo que se falava em "inserção", pequenas comunidades, opção pelos pobres, em profetismo. Nesse ambiente de euforia e animação, os redentoristas, Patrício McGillicuddy e Agostinho Busato, quiseram fazer uma experiência radical de vida religiosa a partir da cidade de Anastácio. Uma maneira de buscar algo “inovador” naquele contexto. Alguns pontos foram acertados a partir dos missionários que continuariam vivendo em Aquidauana como: dias de oração em comum, momentos de revisão de vida, estar juntos em comunidade e ter consciência de que os missionários, tanto em Anastácio como em Aquidauana, formavam uma só comunidade, e não duas. Isso tudo foi resolvido numa reflexão juntos.

A idéia desses dois missionários, que entraram nessa experiência, era de não ter telefone, secretária e nem cozinheira, pois a cada dia iriam almoçar na casa de famílias.  Rezariam junto com o povo todos os dias pela manhã. Buscariam independência financeira da comunidade de Aquidauna. Mas, a prática sempre se torna algo mais do que pensamos e nem sempre condiz com o que planejamos. Envoltos completamente pelos compromissos diários ficaram sem tempo para cumprir o que haviam refletido em comunidade. Mesmo assim, no primeiro ano tudo aconteceu como previram. Raramente almoçavam em Aquidauana e sempre comiam onde eram convidados. Com o passar do tempo passaram

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a tomar as refeições quase sempre em Aquidauana, especialmente quando o padre William Ulanowicz entrou na comunidade, e não aceitava viver naquelas condições. Toda a correria, a falta de tempo e o contato quase que integral com as famílias trouxe dificuldades, pois em pouco tempo sentiram-se cansados e fisicamente esgotados.

No VI Capítulo vice-provincial, realizado no ano de 1984, em Curitiba, um relatório mostrou bem a situação desse processo e expôs aspectos importantes dessa experiência, que diziam ter sido uma experiência boa enfatizar a inserção e a interação com o povo, engajando-se na linha da opção preferencial pelos pobres, tão bem assinalada pelo Documento de Puebla. Destacou-se o grande entrosamento entre os missionários que moravam na comunidade de Anastácio com a equipe pastoral da paróquia. Foi uma abertura grande em termos de relacionamento e confiança. Disso surgiu um espírito de oração e trabalhos comunitários. A vida de oração do povo cresceu muito. A experiência proporcionou uma vida muito mais simples e mais perto da realidade brasileira. Cresceu a consciência de igreja do povo. Contou positivamente a responsabilidade do povo em assumir os compromissos, responsabilidades e finanças da paróquia.

Mas, tal projeto recebeu críticas severas, inclusive o fato de nunca ter sido aceito totalmente pela vice-Província, apesar de ter sido assumida pelo Capítulo. Tal dificuldade possivelmente apareceu por não ter sido fruto de um processo, mas ter simplesmente surgido dentro do grupo. Outra crítica recebida foi um distanciamento da comunidade de Aquidauana, sendo que as duas cidades estavam muito próximas uma da outra, separadas apenas um

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quilômetro. Não era justificável ter duas casas. Pouco tempo depois, padre Patrício foi transferido de Anastácio e isso atrapalhou a caminhada, dando margem para o surgimento de muitos problemas pessoais. Também faltava espaço físico e pessoal. Não havia lugar para estudar, rezar ou qualquer outra privacidade. A sorte era a proximidade com a casa de Aquidauana, Onde iam, de vez em quando, tomar banho e dormir. Quanto às refeições, cada dia numa família diferente, houve um entrosamento muito bom, mas por outro lado causou problemas digestivos, devido à diversidade de tempero diário. Também causou tensões, impossibilitando ficar à vontade em casa, tendo de dar atenção à família que convidava, ouvir os problemas a cada refeição, etc.

Padre José May, ainda nesse Capítulo de 1984, deu a palavra final observando que todos os aspectos avaliados indicavam que a experiência valeu a pena, mas que a falta de experiência dos que começaram esse processo levou-os a exagerar na disponibilidade e nas exigências que impuseram a si mesmos, com conseqüentes prejuízos tanto na área comunitária da vida religiosa, como na área pessoal, inclusive à saúde. Afirmou que não havia dúvida de que tudo isso havia produzido muitos frutos em termos de aproximação com o povo e um crescimento muito grande no senso de igreja, mas se talvez houvesse um padre realmente preparado para esse tipo de trabalho, as dificuldades poderiam ter sido superadas e o projeto teria ido para frente. Nem todo mundo é apto para esse tipo de serviço.

Todos esses aspectos levaram à conclusão de que era preciso, como grupo missionário, ajudar mais no planejamento e na orientação da pastoral dos

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confrades, ou seja, a prepará-los melhor para as frentes pastorais.

42Desafio: Rocio, Antonina e Guaratuba

(1964)

Ainda sofro com a dor da minha velhice. Velhice dói, pois não é fácil ver os cabelos ficarem brancos e desaparecerem, as pernas trumbicarem e a pele ficar cheia de rugas e ressecada. Velhice dói em qualquer cristão, dói o braço, a perna, o dedo e a mão. Mas ao mesmo tempo é confortadora, pois somente na velhice entendemos coisas que nunca entenderíamos enquanto jovens. Sabemos de coisas que outros nunca saberão. Vivenciamos coisas que outros nunca viverão. Quando eu era mais jovem, pensava que

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nunca ficaria velho. Da mesma forma, acredito que muitos jovens acham que nunca ficarão velhos. Há um ditado que diz: "Para um tolo, a velhice é um inverno amargo; para um sábio, é uma época dourada". Tudo depende da maneira como a encaramos. Pelo jeito sou um tolo! Entretanto, a realidade é que agora eu estou entre os "velhos" e não posso me mover com a mesma rapidez e facilidade de antes. Vivo quase somente de lembranças! Lembro-me de um professor que insistia em dizer que os últimos anos de nossas vidas são os mais importantes. Se os últimos anos de vida são felizes, então nossa existência foi feliz. A velhice é uma época de realização espiritual e encerramento. É a conclusão de toda uma vida. Foi isso que me levou a relatar essa crônica. Sinto que sou feliz! E nessa felicidade lembro da destreza, da força e do risco que a juventude sempre traz consigo e fico pensando na época que houve grandes transformações na vida dos missionários e foi um fato intrigante, mas ao mesmo tempo heróico e “louco”. Refiro-me à ocasião em que assumiram três trabalhos de uma só vez.

Imagine a destreza e o risco da vice-Província de Campo Grande assumir em 1964 três paróquias de uma só vez! Não há dúvida que isso foi uma “loucura”, pois isso exige muitas transferências, o que implica em acertar várias coisas. Mas tal “loucura” foi causada pela criação da diocese de Paranaguá, que foi desmembrada da arquidiocese de Curitiba no dia 21 de julho de 1962 pela Bula “Ecclesia Sancta”, do Papa João XXIII. O primeiro bispo de Paranaguá foi um Redentorista norte-americano da vice-Província de Campo Grande, Dom Bernardo Nolker. Acho que isso estava no sangue

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desses benditos missionários. Lembra que em 1930 também fizeram a mesma coisa e assumiram Aquidauana, Miranda, Bela Vista, Nioaque e logo depois Porto Murtinho? Gosto de dizer que: “de doente e louco cada um tem um pouco”.

Dom Bernardo nasceu em Baltimore, no dia 25 de setembro de 1912. Dizia que desde cedo se sentiu chamado a ser missionário para continuar a obra do Redentor. Fez seus estudos em Baltimore, Erie Penna e Esopus. Foi ordenado sacerdote no dia 19 de junho de 1939, em Esopus. Foi indicado primeiro bispo de Paranaguá no dia 01 de janeiro de 1963 e ordenado bispo no dia 25 de Abril do mesmo ano. Sua ordenação episcopal foi em Baltimore e contou com a presença do então Superior Geral padre Felipe Gaudreau, que por muito tempo trabalhou entre o Paraná e o Mato Grosso. Antes do episcopado Dom Bernardo trabalhou em Ponta Grossa, Telêmaco Borba, Tibagi e Bela Vista, entre os anos de 1941 e 1947. Depois, entre os anos de 1947 e 1950, foi pároco em Ponta Porã. De 1951 a 1956 foi pároco de Paranaguá. Entre os anos de 1956 e 1961, trabalhou como reitor no Seminário Menor, em Ponta Grossa e, finalmente, entre os anos de 1961 e 1963 voltou a ser pároco em Paranaguá, ficando, em 1963, primeiro bispo da região.

Com a já formada diocese, foi criado um Conselho Presbiteral composto pelos padres Afonso O´Sullivan, Tomas Scheehan, João Hennessy, Armando Russo, Jeronimo Murphy, Patrico Kenning, Walter Zimowski, Conrado Feiski, Agostinho Ferrari, Antonio Grech e Tomas Joyce. Tal Conselho tinha reuniões mensais e renovação a cada dois anos. Foi esse Conselho que fez a divisão territorial das paróquias. Nessa época foi criado também o Colégio Diocesano

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Leão XIII, administrado pelo padre Tomas Scheehan. Dom Bernardo deu grande vigor à evangelização no litoral do Paraná. Era muito dinâmico e tinha como lema episcopal “Voluntas Dei – Pax”, “Vontade de Deus nossa Vontade”. Trabalhou com garra e coragem para que a Diocese prosperasse em graça e serviço, o que seu clero fez com zelo e caridade. Dom Bernardo ficou na Diocese até o dia 15 de março de 1989, renunciando devido à idade avançada. Com sua saída, ocupou seu lugar Dom Alfredo Novak.

Como “presente” da Congregação, pela ordenação episcopal, Dom Bernardo recebeu do Governo Geral, em Roma, sem consultar o vice-provincial de Campo Grande, a determinação de que a vice-Província assumiria três paróquias na nova diocese, e isso de imediato. Certamente um presente para qualquer bispo, mas um problema sério para quem dirige um grupo de missionários que sempre estão abarrotados de trabalho.

A Paróquia Nossa Senhora do Pilar, em Antonina, foi a primeira escolha do novo Bispo para que os redentoristas assumissem, pois queria ter certeza dessa presença por muitos anos, sendo que a fama dessa paróquia era de que ninguém queria ficar muito tempo lá. A Casa Paroquial de Antonina ficava nos fundos da velha matriz. Padre Paulo Gillan foi o primeiro superior.

Quanto ao Rocio, já fazia um bom tempo que os redentoristas cuidavam desse lugar, pois estavam em Paranaguá, na Igreja do Rosário, desde 1945, e a comunidade do Rocio era atendida pelos missionários que cuidavam da Igreja Nossa Senhora do Rosário. Aliás, os redentoristas atendiam todo o litoral até Caiobá e as ilhas da baía. A casa dos missionários no

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Rocio ficava ao lado esquerdo do Santuário. Padre Geraldo Finn foi o primeiro superior ali. Padre Armando Russo, responsável pela rádio, também morava em Paranaguá nessa época.

Já que era preciso assumir outra paróquia, segundo decisão de Roma, achou-se por bem ter uma casa na praia e a opção foi assumir a paróquia em Guaratuba, como sendo a terceira paróquia desse processo, que também já era atendida muitos anos atrás, mas que depois passou aos cuidados dos Freis Capuchinhos. Os capuchinhos estavam em Guaratuba nessa época de mudanças e foram quase que obrigados a deixar a paróquia. A casa dos missionários em Guaratuba foi uma velha escola ao lado da matriz. Padre João Hennessey foi apontado como o superior nessa época.

43Guaratuba

(1964)

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Guaratuba vem de palavras indígenas e faz alusão à enorme quantidade de garças encontradas na baía: guira = a ave, a garça; tuba = muito. Sua história começa quando o Rei de Portugal, Dom José I, aconselhado pelo Marquês de Pombal, preocupado com as possíveis invasões da costa brasileira pelas forças espanholas, ordenou em 26 de janeiro de 1765, que fundassem vilas e povoados em pontos estratégicos na faixa litorânea do Brasil, mais convenientes aos sítios volantes ou dispersos para tais sitiantes morarem em povoações civis, onde as condições o permitissem. Como faltasse elemento humano para um povoamento rápido, Afonso Botelho apelou para a Capitania de São Paulo, no sentido de que enviasse colonizadores. Com a chegada destes, o povoado desenvolveu-se rapidamente. Todavia, a necessidade de ordem militar, principalmente face à tentativa de ocupação da ilha de Santa Catarina, em 1768, por forças espanholas, obrigaram o governo da Capitania a elevar a povoação de Guaratuba à categoria de Vila. No dia 13 de maio de 1768, Dom Luís autorizou a criação e manutenção de uma igreja. Após algumas expedições, em 27 de abril de 1771, elevou a povoação à categoria de Vila de São Luiz de Guaratuba da Marinha, sendo que no dia 29 o padre Bento Gonçalves Cordeiro, primeiro vigário da paróquia, abençoou e celebrou uma missa solene na recém-construída capela de São Luiz. Seis anos mais tarde, sem explicação, o nome de tal igreja passou a chamar-se Nossa Senhora do Bom Sucesso.

A Igreja foi construída pelos escravos e ainda conserva o aspecto tradicional das obras arquitetônicas do tempo do Império. Apresenta uma fachada bastante simples, de alvenaria, e suas paredes têm quase um metro de largura. A princípio

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não tinha forro nem assoalho, que foram colocados em 1796. Ao lado da Igreja, colocados em cima de duas colunas, podem ser vistos dois sinos de bronze. No seu interior, a Igreja é ornamentada por um retábulo discreto, provavelmente do século XIX. A pia batismal foi confeccionada toda em pedra bruta pelos escravos e é composta de três peças: a primeira serve de base e tem um canal para a saída da água; a segunda, uma coluna de 70 cm de altura, com 25 cm de diâmetro; no centro, tem extremidades, com furo no seu interior, para a descida da água, sobre a qual está assentada a pia que mede 83 cm de diâmetro e tem a altura de 1,14m, a contar da base. No Altar-mor, a imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso esculpida em madeira policromada.

Somente cento e sessenta anos depois, em 1931, foi feita a primeira reforma geral na Igreja, ocasião em que foi substituído o teto da Sacristia e do Altar. Para executar esses serviços foi solicitada ajuda de outras cidades como Paranaguá, Ponta Grossa e Curitiba e, para custear as obras, foi autorizada a venda de algumas jóias, que totalizaram CR$ 432,00 [cruzeiros? Contos de réis?]. Em 4 de fevereiro de 1941, um raio atingiu a cruz na torre da Igreja, que foi restaurada em março do mesmo ano.

A imagem antiga de Nossa Senhora do Bom Sucesso, que se encontrava num nicho de madeira artisticamente trabalhado pela família Joaquim Évora, da cidade de São Francisco, foi oferecida à Igreja em 20 de janeiro de 1857. Nela, Maria segura nos braços o Menino Jesus e tem aos seus pés esculpida a imagem de seis anjos. Permaneceu ali por longo período, tendo sido roubada em abril de 1994. Qualquer que tenha sido a intenção – para coleção, fins comerciais ou por puro egocentrismo devocional

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– este ato representou uma afronta para o brio do povo fiel, conforme relatou um dos devotos no Jornal Gazeta do Povo. Em 23 de julho de 1995, Guaratuba festejou e rejubilou-se com a re-entronização de uma nova imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, especialmente esculpida para substituir a imagem roubada. A nova Imagem chegou a Guaratuba às dezessete horas do dia 23 de julho de 1995. Foi uma doação do jornalista Cândido Gomes Chagas, diretor da Revista Paraná em Páginas. Foi produzida na cidade catarinense de Treze Tílias, pelo escultor Werner Thaler, na época com 29 anos de idade. Feita em madeira maciça, a imagem tem 1,40m de altura até a coroa e pesa 70 quilos. A chegada da imagem aconteceu na semana em que Guaratuba realizava a Festa do Divino Espírito Santo, coordenada pelo casal de festeiros Valéria e Júlio Gomes da Silva. Uma procissão, seguida de Missa Campal, marcou a chegada da imagem e foi dirigida pelo Frei Bruno Rodrigues, capuchinho da Província do Paraná/ Santa Catarina, e que foi o missionário na pregação da Festa do Divino Espírito Santo em 1995.

O título de Nossa Senhora do Bom Sucesso foi motivado pela invocação da proteção da Santíssima Virgem Maria para os agonizantes, a fim de que tivessem uma boa morte, pois o melhor que se pode aspirar, terminada a caminhada nesta vida terrena, é a entrada feliz na eternidade. Por que Bom Sucesso? A palavra “Sucesso”, de origem latina, “sucessu”, significa resultado, conclusão, aquilo que acontece. Portanto, “Bom Sucesso” significa acontecimento feliz, bom êxito, objetivo favorável, concretização daquilo que se deseja obter. A devoção foi iniciada em Portugal, por uma confraria, no século XVI, e traduz o êxito feliz das aspirações que levam o povo

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fiel a suplicar a intermediação de Maria junto ao seu Divino Filho. Certamente, a transitoriedade de nossa vida terrena condiciona o empenho na conquista da verdadeira vida, que começa com a nossa morte física. Daí o acerto e a oportunidade da devoção e da confiança com que os membros da Confraria de Nossa Senhora do Bom Sucesso dos Agonizantes iniciaram, em Portugal, há mais de trezentos anos. Essa devoção chegou ao Brasil em 1637, com o padre Miguel Costa, que trouxe consigo uma imagem e a colocou na Capela da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Padre Miguel fez logo muitos amigos, dentre os quais reuniu um grupo que se encarregou, sob sua supervisão, de construir um templo em honra a Nossa Senhora do Bom Sucesso. Essa devoção reflete o amor, a honra, a veneração e a confiança na ação maternal de Maria, Mãe de Jesus e, por vontade d’Ele, Mãe Espiritual da humanidade. Em nosso país, inicialmente no Rio de Janeiro, a devoção foi difundida por toda parte. Primeiramente, em São Paulo, na cidade de Pindamonhangaba, seguindo-se para Minas Gerais, onde existe um dos mais belos templos construídos na antiga Vila Nova da Rainha, hoje Caeté. Muitas lendas surgiram em torno da devoção a Nossa Senhora do Bom Sucesso, particularmente em Caeté. Todas elas, embora com conotação folclórica, refletem o desejo popular de enaltecer a proteção maternal de Maria. Em 1972, a pequena igreja Nossa Senhora do Bom Sucesso foi tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná e, logo depois, foi restaurada.

A história dos redentoristas em Guaratuba começa no ano de 1945, quando saíam de Paranaguá para atender as necessidades do povo dessa cidade. E assim o fizeram até o ano de 1954, quando os

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Frades Capuchinhos por ali chegaram. Com a tomada de posse do novo bispo da recém-criada Diocese de Paranaguá, Dom Bernardo Nolker, em 1964, novamente essa comunidade foi confiada aos missionários redentoristas. É uma cidade que vive da pesca e da agricultura e que se destaca, durante o ano, pelo movimento turístico, devido às praias. Calcula-se que mais de cem mil pessoas visitam o litoral para curtir as férias, em época de temporada.

As grandes distâncias e a falta de estradas no interior do município dificultam o trabalho de evangelização. Em todos esses anos de evangelização muitas vitórias foram conquistadas com a construção de comunidades e a implementação da famosa festa do Divino.

44Paróquia Nossa Senhora do Rocio

(1964)

A paróquia Nossa Senhora do Rocio foi desmembrada da paróquia Nossa Senhora do Rosário no dia 11 de agosto de 1964. Abrange um pedaço da área urbana e grande parte da área rural da cidade. As ruas não tinham esgoto, pavimentação e quase nenhuma infra-estrutura. A zona rural era muito fértil e cortada por rios e riachos. As famílias viviam quase que exclusivamente das atividades empregatícias do porto de Paranaguá. O fantasma do desemprego sempre rondou a vida das famílias que ali se instalaram. Interessante que as pessoas da zona urbana tinham pouca instrução religiosa, já as famílias que residiam na zona rural tinham convicções religiosas mais profundas.

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A marca distintiva dessa paróquia é sua padroeira, Nossa Senhora do Rocio. No ano de 1686, quando a cidade contava com apenas trinta e oito anos de fundação, a devoção à Virgem do Rocio já era uma realidade para a população, que a cultuava num modesto oratório doméstico, próximo ao mar. Em 1797 era iniciada a construção de uma capela do Rocio, em cujo santuário seria colocada a imagem de uma santa encontrada por um pescador chamado de Pai Berê, que ao recolher a sua rede, terminada a pescaria, notou que entre os peixes encontrava-se a imagem de uma santa. Levando-a para sua humilde cabana, instituiu ali uma série de terços rezados toda primeira quinzena do mês de novembro. As pessoas que participavam desses terços começaram a receber graças e milagres, sendo que os missionários decidiram levar a imagem para a Igreja Matriz, hoje catedral. Mas segundo se conta, por verdadeiro milagre, ela desaparecia da igreja e a encontravam na cabana do pescador. Em 1797 uma comissão se encarregou de arrecadar donativos para a construção de uma capela, que ficou concluída em 1813, data da primeira festa do Rocio. Anos depois, a pequena capela deu lugar a um templo maior e amplo, em cujas festas, dia 15 de novembro, era muito grande a afluência de fiéis de muitos lugares do Paraná e do país. A cada ano as procissões tornaram-se cada vez mais concorridas. Tal procissão era chamada de “Procissão dos Milagres”, onde fiéis levavam molduras de gesso em forma de órgãos humanos, curados pela interseção de Nossa Senhora do Rocio. Uma verdadeira e comovente manifestação de fé e agradecimento às graças recebidas, na qual muitos faziam o percurso de joelhos, percorrendo até sete quilômetros.

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A partir de 1920, o Santuário foi atendido pelos Oblatos de São José, conhecidos como Josefinos. Em outubro de 1926 Paranaguá foi alarmada por alguns casos de peste bubônica. A população abandonava a cidade em pânico. Nessa ocasião, um dos missionários Josefinos, Padre José Calvi, celebrou uma missa no Santuário do Rocio e fizeram uma procissão propiciatória no domingo, 3 de outubro, pedindo à Mãe do Rocio que intercedesse pela saúde da população. No dia seguinte, segunda-feira, o sacerdote partiu em direção a Curitiba, depois de ser submetido a uma cômica desinfecção com creolina por meio de uma bomba hidráulica, daquelas usadas pelos lavradores para pulverizar as plantações.

Através dos anos, a população de Paranaguá utilizou diversos meios de transporte para ir até o bairro do Rocio, sendo inicialmente a cavalo ou a pé, e, mais tarde, de bondinho a vapor. Para percorrer a breve distância de Paranaguá ao Rocio foi construído um bonde primitivo. Era um veículo sobre trilhos puxado por duas mulas e gastava meia hora para chegar ao destino! A inauguração desse veículo foi um marco histórico na cidade e seu ponto de saída era a rua da praia indo até a estação intermediária do Porto D’água, como muitos chamavam. Depois veio o ônibus. Pela presença da Imagem da Santa Milagrosa, o Rocio se transformou de simples logradouro a bairro residencial e comercial. A devoção a essa Santa inspirou páginas maravilhosas na poesia, na música e na história. Também inspirou os missionários que ali chegaram para trabalhar e continuar a devoção. Em 1939 a imagem de Nossa Senhora deixou seu Santuário em Paranaguá, para ser transportada a Curitiba numa viagem triunfal, a fim de estar presente nos importantes atos que

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marcaram o Jubileu da Congregação Mariana da Catedral. Em 1948, novamente a imagem foi trasladada para Curitiba, por ocasião do Jubileu Episcopal de D. Áttico Eusébio da Rocha, Arcebispo Metropolitano, e do 1º Congresso Mariano do Paraná, que antes do atual decreto tinha um sentido apenas popular. Em 1953, pela terceira vez, a imagem esteve em Curitiba para ilustrar o Congresso Eucarístico Nacional. Nessa oportunidade, o Paraná comemorava o seu 1º Centenário da Emancipação Política. Aproveitando o ensejo, a imagem peregrinou também durante cento e cinco dias pelo interior do Estado.

No dia 10 de agosto de 1964, recém-instalada, a nova paróquia de Nossa Senhora do Rocio ficou aos cuidados dos missionários redentoristas. O Pároco nomeado pelo novo bispo, Dom Bernardo Nolker, foi o padre Eduard Finn. Seu auxiliar foi o padre Loftus. Presentes nessa celebração de posse estavam os padres Francis Freel, superior vice-provincial, John Hennessy, novo superior de Guaratuba, Michael Taris, também da comunidade de Guaratuba e Eduard Jackson, superior de uma das outras casas de Paranaguá, e ainda, o padre Conrad, de Morretes, bem como outras autoridades e presidentes das Uniões. Padre Tomas Loftus, recentemente transferido de Bela Vista, ainda não havia chegado a Paranaguá devido à grande distância da viagem. A escola paroquial funcionava anexa à paróquia. Duas irmãs Bernardinas ficaram responsáveis pela escola e contavam com a ajuda de professores do Município, que davam as aulas. No dia 15 de agosto houve uma pequena festa pela formação da nova paróquia e chegada do vigário, padre Tomas.

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No dia 20 de dezembro de 1964 o padre Finn levou a imagem de Nossa Senhora do Rocio para Curitiba, a fim de que fizesse parte da Concentração do Rosário do padre Peyton, sacerdote da Congregação da Santa Cruz, famoso por levar o Rosário às famílias. A imagem foi de Paranaguá a Curitiba com escolta policial. No retorno a Paranaguá, às 20h, houve uma grande recepção no Santuário, com centenas de pessoas que a esperavam. No dia 28 de dezembro foi finalizada a reforma na casa dos romeiros.

No dia 05 de julho de 1965 as Irmãs estavam radiantes com o término do convento. Construção tão esperada, pois era difícil estar em comunidade e cuidar do colégio sem um local próprio para a comunidade. No dia 27 de outubro de 1965 foi celebrada missa pela primeira vez num local chamado de Morro Inglês, onde muitas pessoas estiveram presentes. Dia 29 de agosto de 1966 foi um grande dia para os missionários. A nova casa paroquial estava terminada e o vice-provincial abençoou a mesma. Padre Geraldo, o vigário e padre Nilo foram os responsáveis pelo término das obras da nova casa. Nessa época, as novenas da festa começaram no dia 13 de novembro e foram até o dia 22, quando aconteceu a grande festa. Isso para que fosse concluída num domingo. Nesse dia, houve missa desde as sete da manhã até as dezessete horas. Na Igreja do Rocio tinha um time de futebol formado só por coroinhas e se chamava “Beatles”, que jogava contra outros times de coroinhas, até de Curitiba.

Sob orientação dos redentoristas, começaram então a chegar às mãos do arcebispo Metropolitano, Dom Manoel da Silveira Delboux, inúmeros pedidos

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para solicitar ao Papa que declarasse Nossa Senhora do Rocio Padroeira do Estado do Paraná. Tais pedidos se tornaram realidade no ano de 1977. Foi durante a 24ª Assembléia dos Bispos do Paraná, em 11 de março de 1977, que Dom Bernardo José Nolker comunicou a realização de uma aspiração do Episcopado e do povo do Paraná: Nossa Senhora do Rocio é padroeira Perpétua do Estado do Paraná. O pedido foi feito por dois Arcebispos e vinte dois bispos do Paraná, além dos pedidos formais do governador do Estado, Poder Legislativo e Judiciário. Essa concessão feita ao Estado do Paraná, pelo que se sabe, foi a única, não constando que outros Estados a tenham conseguido ou solicitado. O decreto, Protocolo CD 768/77 da Sagrada Congregação para os sacramentos e o culto Divino, declara em nome do Papa Paulo VI, Nossa Senhora do Rosário do Rocio Padroeira do Paraná, junto a Deus. O Protocolo fez-se acompanhar de Carta Apostólica com data de 30 de julho de 1977, assinada pelo Cardeal João Villot, Secretário de Estado do Vaticano, declarando Nossa Senhora do Rocio Padroeira do Paraná para o presente e futuro, "ad aeternum". Dom Bernardo José Nolker, Bispo da Diocese de Paranaguá, onde está o Santuário da padroeira, entende que o privilégio que o Papa concedeu servirá para intensificar a devoção a Nossa Senhora. D. João Francisco Braga, primeiro Arcebispo do Paraná, há mais de cinqüenta anos, assim se expressava: "Que a Província Eclesiástica de Maria tenha o seu Santuário, de Nossa Senhora do Rocio, em Paranaguá".

Querida Mãe do Rocio, intercedei junto ao vosso filho Jesus pelos missionários de roupa preta e rosário na cintura. Sede sempre a vossa intercessora. Mãe de tantos títulos, mas a mesma mãe de Jesus,

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sede o amparo de todos, força na luta missionária e a protetora dos males da alma e do corpo. Rainha das rosas e do orvalho matutino rogai por todos, desde a manhã até a noite. Abençoai a obra missionária e ajudai as famílias, as comunidades e o povo a quem os missionários são enviados. Ajudai a Igreja para que reze e viva sua vocação missionária, nos grupos missionários, na formação de lideranças, na oração e na celebração da Eucaristia. Ajudai cada missionário a continuar o redentor sendo o Bom Pastor, buscando as ovelhas perdidas, despertando os corações para a participação nas graças de Deus. Mãe do Rocio, padroeira do Paraná e Mãe de todos nós, ensinai-nos a acolher a Palavra divina, assim como acolhestes o Filho de Deus. Abençoai os missionários, nossos padres, as comunidades e todos os vossos filhos. Assim seja! Amém.

45Antonina

(1964)

Por volta do ano de 1600, os moradores da região solicitaram ao então Frei Francisco de Jerônimo, bispo do Rio de Janeiro, licença para construir ali uma pequena capela em louvor a Nossa Senhora do Pilar. A capela foi erigida e inaugurada no dia 12 de setembro de 1714 e assim deu-se início à fundação de Antonina. Tal cidade, então, nasceu a partir de uma pequena capela e por isso, por muito tempo, o lugarejo ficou conhecido como Capela e até hoje os moradores de Antonina são chamados de Capelistas.

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No ano de 1797 o lugarejo passa a ser considerado vila e ganha o nome de Antonina em homenagem ao príncipe da Beira, dom Antonio, filho de Dom João VI com dona Carlota Joaquina. A paisagem da cidade oferece matas e rios que precisam ser apreciados com desenvoltura revivendo o seu passado. Seu conjunto arquitetônico é antigo, com ruas estreitas e prédios centenários. Os exploradores da cidade chegaram ao local entre os anos de 1648 e 1654. Eram portugueses que se misturaram aos índios carijós que viviam na região. No alto da cidade, a marca jesuíta: a capela de Nossa Senhora do Pilar abençoa os visitantes desde 1714. Outra atração da cidade é o terminal portuário, que chegou a ser considerado o quarto do Brasil durante o ciclo da erva-mate, ciclo esse responsável pela construção da estação ferroviária, em 1916.

Antonina conheceu um dos maiores apogeus de sua história quando chegou ali o conde Matarazzo, em 1904, e adquiriu uma quantidade de terras na região, que alguns anos depois viriam abrigar mais de setecentas famílias, recrutadas em todo país, para movimentar as empresas Matarazzo. As terras margeavam a baía de Antonina e eram estratégicas. Em pouco tempo, o conde construiu um porto, um moinho e casas para os funcionários. O local virou uma vila e braço das organizações do empresário, que mantinha sua sede na capital paulista. A idéia era explorar a erva-mate, sal e qualquer produto que pudesse ser recolhido na região, enviado para o centro do Brasil e até para fora, através de navios. O complexo foi fundamental para o crescimento econômico da empresa e da cidade. O conde também utilizava depósitos para distribuição de erva-mate e, pela localização, o porto acabou sendo um dos

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principais portos do país. A influência política de Matarazzo arrastou para o porto uma ramificação da estrada de ferro que ligava Curitiba a Paranaguá. Era a consolidação de um império que transformou a região de Antonina e Morretes. Com um porto particular, uma cidade particular e uma estrada de ferro particular as empresas Matarazzo estenderam seus negócios e dominaram por quase um século a economia local.

A paróquia Nossa Senhora do Pilar, em Antonina, é uma das mais antigas do Estado do Paraná e participou de todo esse pulsar histórico. Foi entregue aos redentoristas em 08 de agosto de 1964, pelo então bispo da recém-criada diocese de Paranaguá, Dom Bernardo José Nolker, também redentorista. A população de Antonina sempre esteve espalhada entre a cidade e as pequenas chácaras, no interior do município. É uma cidade cheia de tradições. A maior delas é a festa da Padroeira, Nossa senhora do Pilar, comemorada em 15 de agosto, com a tradicional novena. O primeiro pároco redentorista foi o padre Paulo Gillen, depois o padre Eugenio Sullivan e tantos outros que vieram contribuir com essa obra.

Mesmo com todo apogeu financeiro e as francas atividades do Porto e das Empresas Matarazzo, no fim da década de 1960 somente um pequeno grupo de pessoas eram fiéis às devoções e missas, o restante vinha de vez em quando, e a maioria somente na época da festa. Certa vez, numa festa de Nossa Senhora do Pilar, aquelas pessoas que nunca vinham à igreja durante o ano, em especial os mais influentes da cidade, foram surpreendidos pela decisão inédita dos missionários de colocar o andor da santa num carro para que ninguém carregasse, a

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fim de inibir a presença dos influentes, que não deixavam ninguém chegar perto do andor e somente eles carregavam, indo contra a tradição. Quando a procissão saiu com o carro-andor tentaram balancear o mesmo para que tudo caísse. Nesse ínterim, o missionário deu um grito e pediu ao motorista que seguisse a procissão sem medo ou intimidação. Isso mostra os passos difíceis e lentos para que o trabalho missionário fosse acontecendo na vida do povo e da cidade de Antonina.

Um outro evento, que marca a história dos missionários nessa cidade, foi que a Igreja Matriz de Antonina possuía muitas imagens em seu interior e, para completar, tinha uma sala à parte cheia delas. Os fiéis gostavam muito dessas imagens e quando entravam na igreja só prestavam reverencia e culto às imagens e nunca davam atenção ao Santíssimo. Certo dia, um dos missionários ficou incomodado com aquela prática e comentou com o pároco que deveriam dar um jeito. O pároco, por sua vez, resolveu aliviar o problema e mandou retirar todas as imagens sem consultar a comunidade. Certamente que esse ato causaria um problema sério com a população. A solução foi levar as imagens até uma pequena capela na cidade e fizeram uma espécie de museu, amenizando o problema junto ao povo.

Certa feita, os missionários decidiram fazer uma reforma na imagem de Nossa Senhora do Pilar que ficava na Igreja Matriz. A mesma foi levada para Curitiba pela manhã por um dos missionários, mas houve uma falha nesse episódio. Esqueceram de avisar o povo que o missionário havia pegado a imagem. Todo mundo entrou em alarme pensando ter sido a imagem roubada. Foi um alvoroço danado e, para evitar maiores problemas, o missionário

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responsável pelo ensejo da restauração voltou rapidamente para Antonina trazendo-a de volta.

Padre Jeronimo Murphy utilizava na paróquia um fusca, que acabou ficando velho e precisando ser trocado. Cheio de escrúpulos e para evitar o comentário que os missionários estavam de carro novo, pediu que o novo automóvel tivesse o mesmo modelo e a mesma cor, para não se notar que foi trocado. O ecônomo vice-provincial da época se viu na dificuldade em encontrar o mesmo modelo e cor, mesmo assim procurou o mais próximo possível. O pároco pegou o novo automóvel em Curitiba, desceu de noite para não ser notado e o colocou na garagem. Por ironia do destino, na manhã seguinte, toda a cidade sabia que os missionários haviam trocado o carro, pois as lanternas traseiras eram maiores que as do carro anterior, que chamou muito a atenção, sendo claramente notado. Devido às lanternas traseiras serem muito salientes, ganhou o apelido de “Fafá de Belém”. Assim, ao invés de despercebido, o carro passou a altamente percebido. A paróquia tinha um orfanato e as Irmãs da Caridade, que moravam bem próximo da Igreja Matriz, eram as responsáveis pela instituição. Eram também responsáveis pela sacristia e foi uma verdadeira bênção para os missionários. Uma das Irmãs se chamava Marta. Tinha bastante idade, era muito trabalhadeira e trazia consigo, sempre na ponta língua, uma frase: “Deus te pegue e não solte mais”. Outra Irmã, chamada Maria, era superiora em Antonina. A relação entre os missionários e as Irmãs era muito produtiva. Isso representou um excelente testemunho para toda a população. A família Madureira era muito acolhedora, muito amiga dos missionários e sempre ajudava a

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Igreja. A família Pássaro, da qual um dos membros era gerente da Fábrica Matarazzo, também era muito prestativa para com a Igreja e os missionários. Foram eles que mandaram o caminhão para retirar as imagens da Igreja. Era a família Matarazzo que praticamente construía as capelas, pois tinha muitos pedreiros a seu serviço. Qualquer coisa que se precisasse, sempre estavam prontos a ajudar. Era apoio para a paróquia, dando suporte e ajuda quando os missionários precisavam. Apreciavam muito o trabalho espiritual realizado. Foi a época em que estavam construindo a Itaipu e os missionários iam toda a semana celebrar missa nos alojamentos dos homens que construíam torres para levar energia. Havia muitos homens nesses alojamentos. Num outro acampamento havia muitas famílias e centenas de cachorros que também vinham para a missa. Latiam, se coçavam com as pulgas, sarnas e outros bichos.

A paróquia caminhava muito bem. As Empresas Matarazzo influenciavam com seu poder financeiro toda a cidade, como também os trabalhos sociais e religiosos da Igreja. Mas as mudanças na economia mundial após a Segunda Grande Guerra Mundial e o fim do ciclo da erva-mate determinaram o declínio da economia da cidade e das atividades do Porto, culminado nos anos 70 com a paralisação da indústria Matarazzo, importante geradora de negócios e empregos. Quando a mesma encerrou suas atividades, a cidade sofreu grandemente. Vieram vários problemas, inclusive o desemprego. Nessa época o pároco era o padre Patricio Kennington, que ajudou a suavizar o choque do término das atividades da empresa. Ele era muito envolvido com o Rotary.

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Em 1981, ficou pároco de Antonina o padre Ricardo Blissert, que necessitou trabalhar com as dificuldades que a paróquia enfrentava. Com desenvoltura ajudou a organizar as finanças e o dízimo, que passou a sustentar a casa paroquial e toda a paróquia. A festa da padroeira começou a dar lucro e com isso a paróquia voltou a crescer. Na época da festa sempre tinha a banda que tocava, e quem pagava as despesas era a Igreja, mas foi resolvido em Conselho que se arranjassem patrocinadores para tal despesa. A prefeitura municipal assumiu o patrocínio. Eram despesas que a paróquia arcava e por isso o dinheiro não aparecia. A família Coutinho organizou a venda de votos para a rainha da festa e para a coroação de Nossa Senhora. Vendiam santinhos e outras coisas mais que ajudaram nas despesas. Vendiam os novenários e se convidavam festeiros. Foi um ano de equilíbrio de finanças. Com essa dinâmica, muitas coisas foram feitas, como reforma do salão e do prédio da rádio. Foi uma verdadeira luta para conseguir os documentos do terreno. Isso deu a possibilidade de a paróquia ter salão e um prédio. As salas comerciais desse prédio foram alugadas e começou a render dividendos para a paróquia.

Passaram por ali também os padres Clemente Krug, Geraldo Oberle e, finalmente, o padre Miguel Nascimento, também conhecido como “Miguelito” o padre Afonso Sullivan, que junto às comunidades marcaram presença constante e ajudaram na organização e vivência da fé. Padre Miguelito, nos anos que esteve em Antonina, buscou convidar, todos os anos, na época da festa de Nossa Senhora do Pilar, um redentorista para as pregações da novena. Nos primeiros meses da década de 90,

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houve uma reunião do Conselho Provincial e ficou decidido que entregariam Antonina. Em troca dessa possibilidade, o então bispo de Paranaguá, Dom Alfredo Novak, pediu que entregassem também a Catedral. No dia 31 de dezembro de 1992, vinte e oito anos depois de chegarem lá, os redentoristas passaram a paróquia aos cuidados e administração dos padres diocesanos.

46Morre o padre Afonso Donnelly

(1965)

Padre Donnelly nasceu no dia 16 de outubro de 1916, em Boston, Mass, USA. Professou em 1937 e foi ordenado em 21 de junho de 1942. Faleceu no dia 26 de maio de 1965. Tinha 49 anos. Era irmão do padre Arthur Donnelly, C.Ss.R. Trabalhou em Bella Vista e Pilar, no Paraguai. Foi superior em Pedro Juan Cabalero entre maio de 1951 e abril de 1952 e no Seminário Santíssimo Redentor, em Ponta Grossa. Seu apelido era tigre, justamente por ser alguém com características totalmente contrárias às de um tigre: um homem manso e muito humilde. Foi coadjutor do mestre de noviços nos EUA, porque era piedoso e transpirava santidade. Veio ao Brasil com mais de 30 anos de idade. Trabalhou muito a cavalo, naquela época. Morava em Ponta Grossa e veio a falecer em virtude de ter ido visitar um amigo na cidade de Tibagi, conhecido como “Conde”. Tudo aconteceu quando estava voltando de Tibagi para Ponta Grossa, juntamente com o padre Humberto. O carro atolou e ele foi ajudar a desatolar, tendo que fazer muita força. Sentiu-se mal. No dia seguinte, na

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reunião da comunidade em Ponta Grossa, da qual era o superior, passou mal e encostou a cabeça na mesa. Levaram-no para o hospital e, quarenta e poucas horas depois, veio a falecer. O diagnóstico informado pelos médicos foi uma trombose coronariana, ou seja, enfarto. Um fato marcante de sua morte foi que Jaime Breen, o pregador da missa de corpo presente, ficou muito emocionado com o ocorrido. Ao sair do seminário em direção à sua casa, no dia do velório, bateu o carro contra um ônibus, sofrendo um acidente muito grave. O que veio a salvá-lo foi que o chevrolet 1952, que conduzia, tinha uma lataria muito boa e ajudou a aliviar o impacto. Padre Donnelly ficou bastante tempo no Paraguai e veio de lá para ser reitor do seminário menor em Ponta Grossa.

Em 1968 estavam sepultados no cemitério municipal em Ponta Grossa os corpos de dois redentoristas: padres Hughes e Donnelly. Com a inauguração do cemitério na propriedade do Seminário Santíssimo Redentor, foi decidido que os corpos deveriam ser transladados para esse cemitério. O dia da exumação foi 17 de outubro desse mesmo ano. Houve a necessidade de se reconhecer o corpo para o traslado. Ninguém da comunidade queria ir porque o conheciam. Viviam com ele em comunidade e fazia somente três anos que padre Donnelly tinha falecido. Nem as pessoas da paróquia São José, onde sempre estava presente, tiveram coragem de assumir esse dever. Sobrou para um dos missionários novatos no Brasil. Ele, mais um funcionário do seminário, foram até o cemitério municipal com um caminhão para apanhar os dois corpos. O caixão estava em boas condições, mas quando foi aberto, um grande bafo de ar quente saiu

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de dentro. O corpo estava bem escuro, mas em boas condições, com a batina e tudo. Seu cabelo, um branco bonito, ainda estava perfeito. Padre Afonso tinha fama de santidade durante sua vida. Foi muito amado pelos confrades, que sentiram sua morte.

47Colégio Leão XIII

(1966)

Desde o início da década de 1960, há grandes mudanças no contexto social e humano. Começam os rumores da emancipação da mulher, a “liberdade sexual”. Há um impulso subversivo generalizado no domínio político, econômico e no domínio dos costumes, que parece se prolongar até hoje. Foram os anos do “movimento estudantil” e da “contestação” organizada e sistemática do princípio de autoridade sob todas as suas formas. Em 1966 foi criado no Brasil o conhecido Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Até então, todo empregado que cumprisse dez anos de trabalho em uma empresa tornava-se estável, e apenas poderia ser demitido por justa causa ou mediante pagamento de uma indenização. Essa indenização acabava representando um valor muito elevado, e os empregadores não se preparavam. Na prática, muitos trabalhadores eram demitidos pouco antes de completarem o decênio ou não recebiam a indenização que lhes era devida. Eram obrigados a reclamar seu direito na justiça, por isso veio a criação do FGTS. Nos campos da Igreja, a tempestade já trovejava quando começou o Vaticano II e estava em nossas portas quando foi concluído. Todos os trovões

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eram ouvidos no Brasil. Os missionários continuavam seu trabalho evangelizador, mas era preciso atenção aos rumores que vinham de Roma. Uma coisa era certa, precisavam continuar a educar os jovens na fé, na sabedoria e no conhecimento. Para isso, abrindo-se aos leigos e buscando uma educação da juventude, decidiram dar impulso para fundar mais um Colégio, o Leão XIII.

Tal nome foi dado ao Colégio pelo Padre Armando Russo, em homenagem ao papa Leão XIII que lançou a conhecida encíclica Rerum Novarum, em 1891, que versa sobre os direitos e deveres do capital e trabalho, introduzindo uma nova época no pensamento social católico. Essa encíclica marcou o início da sistematização do pensamento social católico, chamado de Doutrina Social da Igreja Católica e foi uma contribuição para despertar o que se conhece por esquerda católica, que aderia o movimento do socialismo cristão, indo contra o comunismo.

O Colégio diocesano Leão XIII, nasceu do sonho de um grupo de casais do Movimento Familiar Cristão em Paranaguá. Movimento dirigido pelos padres Armando Russo e Nelson Torres, que acolheram o anseio desses casais cujos filhos estudavam na Escola Paroquial Nossa Senhora do Rosário e após o 4º ano primário teriam que se deslocar até Curitiba para completar seus estudos ginasiais. Até então só existia o Colégio São José exclusivo para meninas e as escolas públicas que eram muito precárias. A vice-Província não tinha condições de assumir a responsabilidade de mais um ginásio. A solução era apelar para o bispo, mas se a idéia partisse dos missionários seria difícil que este aprovasse. Achou-se melhor constituir um grupo de mulheres para ir

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falar com ele e assim certamente teriam mais sucesso. Foram até dom Bernardo José Nolker pedir consentimento para fundar um colégio Católico para meninos. Mesmo assim, dom Bernardo acatou a idéia com receio, pois o projeto era audacioso para a realidade da diocese recém-criada. Mas, diante do apelo, consentiu.

O primeiro diretor foi o padre Estevão Szigethy, que nos primeiros meses à frente do recém-inaugurado colégio, se desentendeu com dom Bernardo. Após esse entrevero, precisou viajar aos Estados Unidos e, antes de empreender tal viagem, avisou a direção que possivelmente voltaria ao Brasil e não trabalharia mais no colégio, encerrando assim sua pequena participação nesse campo religioso e intelectual de Paranaguá. Quem assumiu a responsabilidade, deu estabilidade e fez o mesmo funcionar foi o padre Tomás Sheehan, que ali ficou por muitas décadas. Mesmo com o apoio dos Missionários Redentoristas, o Colégio Leão XIII se consolidou como diocesano desde o princípio. Estava inserido nas realidades pastorais da diocese de Paranaguá e fundando pelo seu primeiro bispo diocesano. Assim, Dom Bernardo e os padres Armando Russo, Nelson Torres e Eduardo Jackson, iniciaram a grande batalha para o funcionamento do “Ginásio Leão XIII”, com boa dose de amor, dedicação e altruísmo. Os casais Mário Perna e esposa, Ivone Marques e esposo, Aramis Teixeira e esposa, Hugo Correia e esposa, Valdomiro Ferreira de Freitas e esposa, Judith Neves D’Amico e esposo foram coadjutores nesse processo.

Presente desde a fundação estava também, como voluntária, a Sra. Lucy Guimarães de Almeida Pires, que por vinte e seis anos trabalhou nessa obra,

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até que fosse entregue por completo aos cuidados da diocese de Paranaguá no ano de 1991. A idéia dos mantenedores sempre foi mostrar à cidade que o Leão XIII era um colégio da comunidade e era esta quem o subsidiava. Pouco tempo antes de ser entregue aos cuidados da Mitra Diocesana houve uma reunião para que a Fundação Redentorista assumisse a obra, mas o vice-provincial da época, padre Edmundo Twomey, revidou dizendo que naquele contexto a vice-Província estava se desvencilhando das escolas e o seu Conselho havia refletido que não era momento de assumi-lo. No dia 1º de dezembro de 1991, o mesmo passou por inteiro aos cuidados da Mitra Diocesana de Paranaguá.

48O Noviciado

(1968)

Noviciado é um tempo especial de formação imediata para a vida religiosa redentorista. Durante um ano, o noviço, por meio da oração, estudo, orientação espiritual e acompanhamento se prepara para a consagração a Cristo e à Igreja. No fim do noviciado, recebe as constituições e a batina redentorista, faz os votos e entra oficialmente na família redentorista.

A atividade básica do noviciado é a oração pessoal e comunitária. O redentorista precisa ser homem de oração profunda. O noviciado possibilita o silêncio e os momentos de estar a sós com Deus. Acompanhado pela oração, medita, partilha sua vida e sua experiência de fé. Tudo isso para adentrar no verdadeiro espírito redentorista sonhado e vivido por Santo Afonso. Além disso, o estudo e o apostolado

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fazem parte desse tempo e os noviços se aprofundam nas obras e biografias redentoristas. Buscam aprender também com o povo, afinal de contas, precisam evangelizar e ser evangelizados como os missionários sempre repetiam a todos nós.

O noviciado foi um passo que exigiu muita coragem. Era o ano de 1968, época das grandes transformações provocadas pelo Vaticano II. Período difícil em que muitas congregações e dioceses fecharam seus seminários e muitos religiosos abandonaram a vida consagrada. Na Congregação dos redentoristas havia mudanças profundas e estruturais das Constituições e Estatutos. Ninguém tinha experiência desse tipo de formação. O Seminário Menor em Ponta Grossa estava produzindo muitos frutos, era preciso dar novos passos. O primeiro passo foi arrumar entre os missionários um mestre de noviços. O padre Guilherme Tracy, que estava na equipe das missões, foi escolhido e prontamente atendeu ao pedido. Assumiu o encargo por 10 anos. Com muita desenvoltura e coragem, enfrentou as tempestades e ventos contrários com grande êxito e destemor. Deus esperou 34 anos por esse momento e Tibagi testemunhou e sediou desse fato. Foi nesse ano que apareceu na cidade de Tibagi a maravilha do telefone, provido de uma manivela para chamar a telefonista. Os telefonemas eram difíceis porque a telefonista tinha de discar o número e tornar a chamar quem fez a ligação. Tudo demorava muito e era desgastante.

Em março de 1967, numa primeira viagem de inspeção pelas comunidades e matas de Tibagi, padre Guilherme encontrou um jovem de doze anos chamado Jaime Figueiredo. O pai do jovem olhou bem para o missionário e, num tom humilde e cheio

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de carinho, disse: “meu filho quer ser padre”. Ao pedir ao pai do jovem que ajudasse seu filho a fazer mais alguns anos de estudo, descobriu que a escola mais próxima era na localidade chamada Campina dos Pupos, perto de Natingui e Telêmaco Borba, lugares distantes da comunidade. Sem pensar muito, padre Guilherme levou o jovem para Tibagi, que morou na casa de uma família até completar os estudos e ter possibilidades de entrar no seminário de Ponta Grossa. Esse jovem persistiu, foi ordenado em 1977 e hoje é o padre Jaime Figueiredo.

Até 1967, os estudantes faziam noviciado com a Província redentorista de São Paulo. Nesse ano, decidiu-se que a obra deveria ter seu próprio noviciado. Foi um trabalho que se alargou e preparou jovens para pastorear outros campos em outros países. Por ali passaram jovens do Chile, Argentina, Manaus, Paraguai e brasileiros de vários cantos. O primeiro ano, 1968, começou com dezesseis noviços. Doze vindos do Seminário de Ponta Grossa e quatro da vice-Província de Manaus. Desses, somente seis fizeram votos, sendo que três eram paraguaios: padre Enrique Lopez, padre Pedro Sanabria e padre Ramón Candia. Foi um tempo de grandes desistências no noviciado. Os noviços tinham muito contato com o povo, participavam das missas, jogavam futebol de salão com times da cidade, celebravam batizados nas comunidades rurais, tinham contato com lindas moças, proporcionando ânimo para desistirem. O contato sempre se mostrou saudável, mas as saídas geravam desânimo nos missionários, no mestre e na comunidade em geral. Em 1971 entraram doze noviços de Ponta Grossa e seis de Belém do Pará. Desses dezoito, somente um foi ordenado sacerdote: padre Jackson Rodrigues.

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Este, um ano após ser ordenado bispo de Manaus, morreu de câncer no cérebro.

Dona Marina Ribeiro e sua irmã Maria de Lourdes Ribeiro foram cozinheiras dos missionários em Tibagi por quarenta e seis anos. Ambas ganharam o título de oblatas redentoristas. Um agradecimento especial a essas guerreiras, pelos anos de trabalho e boas orações despendidas aos noviços e missionários.

Em 1978, padre Lourenço Kearns assumiu o noviciado, que ficou em Tibagi até o ano de 1983 e depois foi transferido para Ponta Grossa. O prédio do antigo noviciado em Tibagi hoje é o prédio da prefeitura.

A nova casa foi inaugurada em 1984 no antigo convento das irmãs, no Seminário Santíssimo Redentor e ficou ali até 1987. Em 1988 o noviciado foi transferido para a casa paroquial, na paróquia São José, ficando ali até 1990. Depois, em 1991, foi para uma casa nos fundos do Seminário São Clemente. Em 1994 foi para Colombo, na casa do Rio Verde. Depois veio um tempo árido, ficando sem noviço até 1996. Em 1997 começou uma nova experiência, enviando os jovens para o noviciado interprovincial na cidade de Tietê, São Paulo.

49Desaparecimento do Irmão Mário

(1971)

Investigar os fatos após um crime ou um assassinato significa entrar na mente do executor e através disso permear os caminhos até a realização do fato. Mas quando a vítima desaparece sem deixar rastros, a investigação fica desafiadora. O trabalho

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requer a desconstrução da pessoa desaparecida e a construção de seus últimos momentos conhecidos. No Brasil acontecem muitos desaparecimentos, ficando quase impossível ter os dados oficiais corretos que determinem a quantidade de pessoas desaparecidas anualmente. Contudo, dos casos registrados, um percentual de 10 a 15% permanecem sem solução por um longo período de tempo, e, às vezes, jamais são resolvidos. Como é o caso do Irmão Mário.

No dia 31 de maio de 1971 aconteceu algo que tomou todos de grande surpresa, o desaparecimento do Irmão Mário Sebastião dos Santos, natural de Aquidauana, da pequena povoação de Pulador. Havia feito os votos no dia 16 de outubro de 1966 e quando desapareceu estava morando, há quase um ano, na comunidade de Antonina. Antes morava em Ponta Grossa, na São José.

Na época do seu desaparecimento, Irmão Mário parecia estar bem consigo mesmo e feliz no seu trabalho e vida comunitária. No entanto, ele era resguardado, quieto e dificilmente falava de seus sentimentos com alguém. Era muito serviçal e sempre se colocava disponível para tudo que lhe era pedido. Na época do seu desaparecimento se preparava para tirar carteira de motorista. Freqüentava aulas numa auto-escola em Curitiba. Ia até Curitiba e voltava para os trabalhos pastorais na comunidade. No dia 24 de maio ele tencionava ir até Curitiba para o teste prático no Detran. Seu superior decidiu sair com ele pela cidade de Antonina, para ver como ele estava dirigindo e prepará-lo melhor antes do teste. Sem muita experiência, Irmão Mário acabou batendo o carro num muro ao descer uma ladeira. Derrubou parte do muro, amassou o pára-

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lama e o pára-choque e bateu a cabeça, recebendo um pequeno ferimento na testa. Em decorrência, o teste para obter a carteira foi prorrogado. O incidente parece que não teve muito significado no momento. Mas evidentemente o preocupou, pois estava muito animado para fazer o teste e pegar sua carteira de motorista, porém o episódio do muro lhe deixou desanimado e começou a ficar preocupado com o exame.

No dia 31 de maio foi até Curitiba para o teste. Almoçou com a comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e em seguida foi para a auto-escola. Segundo testemunho de alguns instrutores ele esteve lá, mas como não havia carro disponível naquele momento para o teste foi-lhe pedido que voltasse mais tarde, quando chegaria um dos carros designados aos testes. Ele saiu da auto-escola e nunca mais voltou. Nem regressou para a casa paroquial. Na manhã do dia seguinte os missionários da Comunidade Perpétuo Socorro se deram conta de que Mário não estava lá. A cama arrumada para ele não foi usada naquela noite. Ele havia deixado a jaqueta e todos os seus documentos sobre a cama. A noite do dia em que desapareceu estava muito fria e ele havia saído para o teste somente de camisa, pois no momento em que saiu o frio não era tão intenso. Nunca levava no bolso mais que 10 cruzeiros.

Quando desconfiaram do desaparecimento, imediatamente avisaram a polícia. Os confrades o procuraram nos hospitais e clínicas de emergências da cidade, nas prisões, albergues, asilos e até necrotério. Avisos foram feitos no rádio, na TV e nos jornais com a fotografia, mas tudo em vão. Acharam que poderia ter ido a São Paulo, na casa de seus parentes. Dois confrades foram até lá. Conversaram

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com todos e ficaram dois dias fazendo investigações. Foram ao departamento de pessoas perdidas, fizeram apelos, mas nenhum sinal. Procuraram até dentro dos bueiros de Curitiba, achando que poderia ter caído num deles sem poder sair. Nada encontraram. Dois detetives foram contratados em períodos diferentes, mas sem resultados. Seus pais e parentes foram visitados e questionados sobre alguma pista, ou alguma carta, porém nada sabiam. Os redentoristas de outras províncias e vice-Províncias do Brasil foram notificados, com a esperança de que ele os procurasse, mas nunca obtiveram resultado. Como havia deixado todos os seus documentos sobre a cama, na casa do Perpétuo Socorro em Curitiba, foi investigado se nos meses após o desaparecimento foram requisitadas as segundas vias de tais documentos, como certidão de nascimento, título eleitoral e serviço militar, mas nada foi solicitado ou emitido no cartório. Até hoje não se tem notícia do paradeiro desse Irmão que tocou muitos confrades com sua oração e sua disponibilidade para os trabalhos pastorais. Rogo a Deus que ele, onde quer que se encontre, esteja feliz!

50O “Senado”

(1968)

Quando penso nos feitos missionários, revejo o padre Mohr, com toda sua grandiosidade corporal tentando montar no cavalo. Ao mesmo tempo, sei que tudo passou, mas não terminou, ou seja, continua. Novos missionários vieram, assumiram o trabalho, buscaram inovar e crescer. Surgiram novos

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trabalhadores, novas idéias e novas frentes. A obra não pode parar, dizia o padre Mohr, e nunca parou. Tudo continuou, pois é uma obra de Deus.

Em 1963 chegaram mais trabalhadores para a exigente messe: os padres Hugo Irala e Humberto Vilalba, do Paraguai, Darcy Teixeira, do Brasil, e Edmundo Twomey, dos Estados Unidos. O Superior Provincial determinava onde cada um iria trabalhar. Os paraguaios voltaram ao Paraguai e os outros dois ficaram no Brasil.

A grande reclamação da época era que o Brasil sempre recebia dos Estados Unidos os melhores missionários, mais dinheiro e muito mais gente que o Paraguai. Os missionários no Paraguai sentiam-se meio que deixados de lado, como cidadãos de segunda classe. Na Semana da Páscoa de 1968 aconteceu uma reunião em Bela Vista com três representantes do Mato Grosso, seis do Paraná e três do Paraguai. Aconteceu quase que por brincadeira e inicialmente não tinha aprovação do vice-provincial, que morava em Campo Grande. Esse grupo foi batizado de “Senado”, uma espécie de Capítulo vice-provincial, e atuou durante alguns anos até que as Constituições estabelecessem a necessidade de cada Unidade realizar o seu “Capítulo”. Consultando o dicionário vemos que Senado era o conselho supremo da Roma antiga, tomado como câmara alta, lugar onde os senadores se reuniam para as grandes decisões e deliberações.

O padre Tiago Small era irmão do então vice-provincial, Guilherme Small, e ficou responsável de comunicar ao seu irmão o que se pretendia com o chamado “Senado”. Padre Guilherme Small não gostou nada da idéia, mas acabou abençoando a iniciativa e concordou com a convocação desses. É

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importante lembrar que tudo aconteceu em 1968, época de grandes tensões em todo o mundo. Ano de Revoltas e mudanças no mundo, motivadas pelos jovens, e que sempre resultavam em conflitos estudantis. No Brasil havia problemas sérios no governo do presidente Médici, que utilizava toda sua autoridade militar possível. A aflição e ansiedade com as mudanças do Vaticano II tomavam conta de todos. Isso influenciava na cabeça do vice-provincial, que poderia pensar estar vivendo uma revolta no seu grupo de religiosos.

O “Senado” começou a tratar das novas Constituições da Congregação promulgadas a partir do Vaticano II e que estavam sendo colocadas em prática. Foram feitos os Estatutos vice-provinciais e discutidas as preocupações sobre como seriam vividas e aplicadas as deliberações do Vaticano II. Em meio a essas conversas nasceu a articulação da “Missão de Assunção”. Os estudantes paraguaios continuariam fazendo noviciado na vice-Província, e os professores paraguaios continuariam colaborando na área docente do Seminário. Foi então que, suavemente, o Capítulo da Província de Baltimore estabeleceu a Missão de Assunção em 1971 sob a jurisdição de Baltimore. Mas, ainda por muitos anos a vice-Província de Campo Grande e a Missão de Assunção tiveram estudos em conjunto em Ponta Grossa, Noviciado em Tibagi e Teologado em Curitiba. Nomes que se destacaram nessa colaboração do Paraguai foram Pastor Cuccejo, Enrique Lopes e padre Balbuana. Ainda hoje Assunção está ligada a Baltimore.

Com a chegada dos redentoristas no Paraguai, chegaram também as escolas paroquiais, que vieram ao encontro da necessidade de dar ao povo humilde

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e pobre a formação intelectual juntamente com a formação cristã. Também a Faculdade de Ciências Contábeis em Pedro Juan Cabalero foi uma iniciativa redentorista. Na questão social, um mini-hospital em Pedro Juan Cabalero foi construído pelo esforço desses missionários e atendia vinte e quatro horas por dia gratuitamente. Na capela São Geraldo, em Assunção, uma instituição idêntica dava atendimento aos menos favorecidos, além de uma creche e tantas outras iniciativas. Passos de uma verdadeira “filha” que começa a caminhar com suas próprias forças.

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“Diretas já”, Eleição do Vice-provincial(1969)

Tranqüilamente em frente ao meu casebre, sentado num banco de três pernas, tomo meu tereré. Bebida muito consumida por aqui, especialmente no verão, onde o calor chega a “rachar mamona”, como dizem. Tereré é feito com a mistura de erva-mate, água e gelo. Muitos colocam limão ou algo doce, eu prefiro o tradicional. Lembro que meu pai fazia a erva para tereré, bem diferente daquela que se toma com chimarrão nos Estados do Sul do Brasil. Deixava a erva ficar em repouso por volta de oito meses em local seco e depois triturava com um pilão, deixando-a bem grossa para ficar mais saborosa. Em meus estudos no Colégio Perpétuo Socorro, em Aquidauana, fiquei sabendo que o ciclo da erva teve início na cidade de Ponta Porã, cidade do Mato Grosso, que faz fronteira com Pedro Juan Caballero. Depois expandiu-se para outras cidades e estados. Acompanhando o tereré, sempre gosto de uma sopa paraguaia ou algumas chipas. Nem vejo o

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dia passar. Isso que parece pouco aos olhos de muitos me enche de alegria e recordações. Falando em recordações, lembrei da eleição para vice-provincial. Eu podia ver nos olhos dos missionários que estavam em Aquidauana um verdadeiro pavor e ao mesmo tempo uma alegria, parecia que algo novo estava por vir, eles sabiam disso. Sempre nos contavam seus anseios e diziam que tudo poderia ser diferente e muitas coisas iriam sofrer mudanças. Eu morria de medo. A fé que sempre alimentei poderia mudar e isso me deixava ansioso. Mas é a vida, e tudo foi acontecendo.

O Capítulo Geral Extraordinário da Congregação nos anos de 1967 a 1969 foi filho do entusiasmo gerado pelo Vaticano II. Um tempo de grandes confusões, descobertas, conflitos e esperanças. Um tempo onde se tentou reconstruir a Congregação fiel ao Carisma das origens, mas sobretudo na área evangélica e sensível às condições da Igreja e do mundo. As novas Constituições, elaboradas e aprovadas pela quase unanimidade daquele Capítulo constituem a melhor testemunha daquele clima e daquela tentativa. O Vaticano II forneceu o projeto de base e a audácia para realizá-lo. O Concílio abriu duas maneiras de ser interpretado: os otimistas viam nele o início de uma longa caminhada como um novo Pentecostes, preconizado por João XXIII; os outros viam como uma verdadeira tempestade que se abatera sobre a velha estrutura, onde imensas transformações iriam acontecer. Esse clima era também vivido no Brasil. Todos estavam apreensivos, mas em posição de esperança e confiança. Mesmo assim, era preciso mudar algumas estruturas e dar passos segundo

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orientações do Capítulo Geral, iluminado pelo Concílio.

Um desses passos foi em 1969, onde se buscou viver as orientações para entrar nesse espírito eclesial e nas determinações das novas Constituições. Nesse processo aconteceu a eleição do primeiro Superior vice-provincial. Até esse momento este era apontado pelo Superior Geral, em Roma. Foram trinta e nove anos de missão, desde a fundação, para que acontecesse esse passo importante. Esse primeiro vice-provincial eleito foi o padre Jaime Toulas e conduziu a vice-Província entre os anos de 1970 e 1975.

Em 1975 foi eleito o padre José May, que no seu estilo calmo e sereno, conduziu o grupo por dois triênios, até o ano de 1981. Muitos redentoristas e leigos o consideravam um homem santo. Era muito querido pelo povo em Campo Grande. Dedicou seis anos de sua vida como vice-provincial, demonstrando muito trabalho e dedicação. Era difícil ser vice-provincial nesse período. Era tempo de muitas mudanças e muitos missionários tinham medo das mudanças comunitárias e apostólicas. Padre José teve coragem, apesar da crítica de alguns, de iniciar o processo para a introdução do Concílio Vaticano na vice-Província. Havia uma divisão clara entre os que acolheram o Concílio e os que queriam ficar no "passado". Um problema que parece ter se estendido em todas as Congregações masculinas do mundo. Teve coragem de implementar as novas Constituições e os Documentos do Concílio. Sofreu por causa disso. O apoio que deu aos formandos para que não fossem mais estudar nos Estados Unidos, mas ficassem no Brasil, fez dele uma espécie

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de "demônio" entre alguns missionários contrários à mudança.

Americano, nascido no Brooklyn, fez licenciatura em Teologia em Roma, antes de vir ao Brasil. Foi diretor do Seminário Santíssimo Redentor, em Ponta Grossa. Deixando o cargo de vice-provincial, foi superior em Aquidauana e Campo Grande, entre os anos de 1981 e 1986. Dizíamos que ele era “O Bom José”. Em seu mandato como vice-provincial se comemorou os cinqüenta anos da missão, no ano de 1980. Ele, e mais um grupo de confrades, conduziram todos os preparativos para o grande Jubileu de Ouro da Missão, que começou no ano de 1930. As comemorações começaram em janeiro na cidade de Aquidauana e terminaram em outubro, na cidade de Curitiba. Havia uma comissão preparatória para os eventos celebrativos desses cinqüenta anos, cujo lema principal era “Lembrar e Celebrar”. Aconteceram dois retiros para a renovação espiritual dos confrades. Foi um momento de oração, de espiritualidade e de festa em toda a vice-Província. Após seis anos de serviço como vice-provincial, foi nomeado pároco da paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Campo Grande e assim terminou sua caminhada de missionário, vindo a falecer pouco tempo depois.

Fiquei sabendo que morreu no dia 27 de agosto de 1986, nos Estados Unidos, com 62 anos, na enfermaria São João Neumann, na casa dos missionários doentes em Saratoga. Sentimos muito pela sua morte e mais ainda por ter morrido longe de nós, povo brasileiro. Dedicou toda a sua vida missionária sacerdotal ao Brasil e por longos anos trabalhou no Seminário de Ponta Grossa, na paróquia de Aquidauana e de Santo Antonio e também em

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Campo Grande, onde foi superior e vice-provincial. Finalmente, trabalhou na Perpétuo Socorro, em Campo Grande, onde realizou seu último trabalho. Se tivesse morrido em Campo Grande teria sido um velório e enterro comentado até hoje. Com certeza teria dezenas de pessoas visitando seu túmulo toda semana.  Mas Deus lhe preparou outro tipo de morte.

Quando passou para a outra vida, estavam presentes apenas a sua irmã, que era religiosa e missionária, e um ou outro redentorista.  Seu túmulo, no cemitério  de Esopus, com certeza não recebe muitas visitas a não ser nos dias dos funerais de outros redentoristas que serviam ao reino de Deus. Padre José era grande amigo de todos. Admirei imensamente seu jeito carinhoso de tratar a todos. Sua disponibilidade e simplicidade. Mas o admirei mais ainda quando soube que nos últimos meses de vida se vestiu de grande serenidade, fé, resignação e aguardou com paciência e amor o chamado de Deus para entrar na vida eterna. 

Em l981 foi eleito vice-provincial o padre Edmundo Twomey, que conduziu todo o processo para que a obra se tornasse Província. A eleição do padre Edmundo, em l981, passou por vinte e sete escrutínios. Votaram a tarde inteira e um bom pedaço da noite. Ninguém mais agüentava tantas contagens e recontagens de votos. Os escrutínios foram acontecendo e ninguém mudava o voto. Eram necessários dois terços dos votos para que o novo Superior vice-provincial fosse considerado eleito. Os missionários do Mato Grosso se reuniram em Campo Grande e os do Paraná em Curitiba, no Seminário São Clemente. Os resultados das duas regionais foram passados por telefone pelo coordenador que somava os votos. Era votação espontânea das duas regiões.

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Somente no dia seguinte o novo vice-provincial foi eleito. Padre Lourenço Kearns, se não me engano, foi o coordenador desse processo eletivo.

A tensão da eleição foi muito grande e após essa sabatina de votos concluíram que era preciso reformular o estilo de votação, a chamada lei eleitoral. Todos os candidatos nomeados continuavam candidatos a eleição inteira para permitir outras opções. Mas, além desses aspectos técnicos veio a pergunta: porque vinte e sete escrutínios? Na verdade, esse resultado deu um retrato fiel da situação da vice-Província na época. Havia grande dificuldade em aceitar as idéias que os candidatos representavam. Todos estavam divididos e os tempos eram exigentes. A Teologia da Libertação estava em vigor desde os anos 70 e dava grande ênfase à situação social e humana, pedindo posições radicais em alguns setores da Igreja e dividindo opiniões e maneiras de ser. O candidato mais forte, padre Edmundo, tinha certa rejeição por ter participado do governo de José May durante cinco dos seus seis anos. Era muito cobrado por estar ao lado dos estudantes que permaneciam no São Clemente, dando mais atenção a eles do que aos veteranos. Além do mais, a vice-Província estava vivendo um momento de tensão entre o que era e o futuro que estava nascendo. As mudanças na formação eram onde a tensão explodia. Aquela eleição de 1981 era o cume e o desabafo de tudo isso.

Em l983 padre Edmundo foi reeleito e foi uma eleição menos tensa que a anterior. Em 1986 padre Edmundo foi eleito vice-provincial pela terceira vez. Uma verdadeira loucura para muitos missionários. Sempre compartilhou que aceitou ser candidato a

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terceira vez devido ao processo de passagem de vice-Província para Província. As negociações com a Província de Baltimore exigiam muito diálogo, paciência e jogo de cintura. Afinal, foi um marco definitivamente histórico e todo o grupo iria andar com suas próprias pernas, inclusive na questão financeira. Parecia prudente, estratégico, prático e natural que continuassem as negociações com quem havia começado. A data para deixar de ser vice-Província estava marcada para o ano de 1989.

52Transferência de Campo Grande para Curitiba

(1971)

A palavra ou atitude de “mudança” provoca, na maioria das pessoas, desconforto, antes mesmo de saberem se será benéfica ou ruim. Na realidade, todos gostamos de imaginar a vida como algo estável, que não lembre a "vulnerabilidade” inerente à condição de ser humano. Ninguém gosta de pensar que a vida muda de forma imprevisível, destruindo muito do que amamos ou que, pelo menos, estamos habituados. Tudo que existe no mundo está em constante movimento e mudança. No entanto, cada mudança, embora traga novos perigos e desafios, encerra também novas oportunidades. A mudança é inevitável. Como dizia o filósofo Heráclito: “Nada perdura a não ser a mudança”. Não temos, portanto, grande escolha: ou nos adaptamos, ou pagamos o preço de não nos adaptarmos.

A partir do Governo do vice-provincial padre Jaime Toulas, se refletiu e achou-se por bem mudar a sede da vice-Província de Campo Grande para a

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cidade de Curitiba. Os motivos que ajudaram a reunião do "Senado" a decidir por tal mudança eram vários. Em primeiro lugar, sentiam ser produtivo separar o Governo vice-provincial de uma área que fosse paroquial, pois se pensava que havia a tendência humana do vice-provincial trabalhar e influenciar na paróquia, correndo o alto de risco de olhar a vice-Província somente com os olhos da paróquia, no caso, da Perpétuo Socorro de Campo Grande, local onde o vice-provincial morava.  Outra razão é que o Governo vice-provincial deveria estar mais perto das casas de formação como Ponta Grossa, noviciado e o futuro teologado de Curitiba, que estavam bem distantes de Campo Grande. As viagens eram quase sempre por trem, tornando-se extremamente cansativas, sendo que as rodovias entre Campo Grande e Curitiba ainda não tinham muita ligação entre si. Outro motivo foi o Citibank, que tinha filial em Curitiba, mas não tinha em Campo Grande, e era bastante utilizado na época para as transações com dólares. A organização contábil também influenciou nessa decisão. No geral se apresentava mais fácil no Estado do Paraná do que no Mato Grosso, inclusive pela localização do Citibank. A tudo isso, ainda pode ser acrescentado o interesse em acolher os que estavam de passagem ou precisando de descanso, tornando-se assim uma espécie de “casa mãe”, ou de acolhida.

Quando a decisão de mudar ficou clara, foi preciso pensar num local para a chamada “casa mãe”. Inicialmente alugaram uma casa na rua Camões, que ficava no Bairro Juvevê. Depois de muita busca compraram  a casa na rua Conselheiro Carrão, número 599.  Com as novas Constituições, vindas da Reforma do Vaticano II, o Governo da vice-

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Província seria uma equipe e a casa adquirida daria condições para isso. Quem morava no Mato Grosso achou a idéia muito boa, e sentiram que a decisão era correta, no sentido que o Governo sabia exatamente o que estava fazendo. Por outro lado, alguns que moravam no Paraná não gostaram da idéia e achavam que a presença do governo vice-provincial mais próximo iria limitar a liberdade e, por isso, diziam ser contra. Veio o sentimento de que os missionários do Mato Grosso queriam jogar “a bucha” para os que trabalhavam no Paraná. Mas, apesar dos contras e a favor, ficou resolvido que a vice-Província de Campo Grande teria a sede em Curitiba. Pensou-se também que o nome deveria continuar Campo Grande, pois seria um pecado esquecer as origens missionárias do grupo.

Na viagem de mudança para Curitiba, padre Jaime Toulas e Tiago Small trouxeram no bagageiro do carro, numa pequena caixa, os restos mortais do padre Emil Hottinger, o primeiro missionário falecido na vice-Província. Ele foi enterrado em Campo Grande, ao morrer de leucemia no ano de 1943. Na divisa do Estado do Mato Grosso com São Paulo, a fiscalização os abordou. O fiscal mandou abrir o bagageiro do carro e, vendo a caixinha, começou a fazer perguntas. Quando soube que eram os restos de um defunto, mais que depressa mandou fechar o bagageiro e os liberou para continuarem a viagem.

53Seminário Maior São Clemente

(1975)

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O sofrimento é uma realidade inevitável da vida. Se não soubermos compreendê-lo, pode nos causar grandes amarguras e dores terríveis. Mas se o percebemos como algo potencialmente valioso, então nos trará muito lucro. Olhando o aspecto simplesmente negativo, seremos destruídos por ele. Certo dia, ouvi que as maiores bênçãos entram em nossa vida disfarçadas de problemas; e aí vem a certeza de que, se o discípulo está preparado, o mestre orienta. A mesma coisa aconteceu com o problema da formação dos missionários pós-Concílio. Era tempo de mudanças, a proposta foi feita, mas muitos revidavam: Mudar para quê? Deixa como está, pois tudo funciona bem! Não vamos arriscar o estudo dos formandos no Brasil, deixemo-los estudando nos Estados Unidos! Esse tema gerou muito sofrimento. Muitos corações ficaram doloridos. Mas era necessário dar passos e abrir novos caminhos. Não dava para continuar sempre na mesma estrada. E, mesmo entre dores e sofrimentos, foi preciso decidir. Vejamos como tudo acabou acontecendo.

Desde 1968 estudava-se a viabilidade de se implantar um seminário maior no Brasil. Até então os seminaristas que concluíam o noviciado iam para os Estados Unidos, onde cursavam filosofia e teologia. Mas, o Seminário Menor e o noviciado não enfrentaram tantos problemas para serem instalados como o chamado Seminário Maior, que gerou muita confusão e divisões, dando “pano pra manga”. Prevalecia a idéia de que os estudos realizados nos Estados Unidos eram melhores e os formadores eram mais capacitados que os brasileiros. Por outro lado, aumentavam as desistências dos seminaristas brasileiros que iam aos Estados Unidos. Parecia que

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Deus dava os sinais da sua verdadeira vontade. Seguindo essa reflexão, muitas discussões foram acesas e uma análise dessa situação foi realizada. As desvantagens em ir aos Estados Unidos para estudar começaram a ser maiores que as vantagens. As reflexões giravam sobre muitos assuntos que permeavam temas sobre vida comunitária, trabalhos apostólicos dos formandos, facilidade de um entrosamento maior devido ao conhecimento da língua, o contato mais direto com a vice-Província, dentre outros.

No tocante à vida comunitária, refletiu-se bastante sobre esta ser mais realista, proporcionando um entrosamento maior não só entre si como entre os missionários já professos e ordenados, com os quais futuramente iriam conviver. A possibilidade de os formandos terem uma experiência de trabalho apostólico no próprio meio em que viviam e no qual iriam atuar, capacitando-os melhor para servir o povo, era outra preocupação. O conhecimento da língua, dos costumes e do ambiente em que foram criados e para os quais estavam sendo formados daria melhores condições para os formadores compreendê-los, orientá-los e ajudá-los. O contato com a vitalidade da vice-Província, que busca novas soluções e formas de aperfeiçoar a missão e a formação, também foi levado em consideração. A somatória de todos esses elementos e a boa formação intelectual fornecida pelas entidades educacionais de Curitiba foi considerada suficiente para que os formandos deixassem de ir até os Estados Unidos buscar a formação intelectual, emocional e pastoral. Uma boa parte dos missionários, em especial os norte-americanos, era contra a idéia. Havia um chamado “grupo dos mais

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velhos” que não queria de modo algum que os professos estudassem no Brasil e defendiam acirradamente que a melhor educação estava em Esopus, nos Estados Unidos. Houve muitas “brigas” sobre essa questão. Como era difícil de resolver tudo no diálogo, decidiram partir para a votação. O grupo a favor de não mais estudar nos Estados Unidos ganhou pela diferença de apenas um voto. Chegou-se à conclusão de que a vice-Província de Campo Grande deveria buscar caminhar com as próprias pernas aqui no Brasil. Os últimos estudantes enviados para lá, em 1969, foram Enrique Lopez, Pedro Sanabria, Ramón Candia, Adriano Franzoi e Hélio Yule, que desistiu.

Finalmente, em maio de 1969, o padre Geraldo Schreiber foi nomeado primeiro reitor do Seminário São Clemente e o padre Afonso O’Sullivan, seu assistente. Estava criada a Comunidade Redentorista de Filosofia e Teologia, o Seminário São Clemente. Eram os primeiros passos de uma longa caminhada de formação no Brasil. Padre Geraldo Schreiber foi um verdadeiro pioneiro em termos de mudança da formação. Teve que enfrentar muita oposição na vice-Província. No dia 25 de fevereiro de 1970 chegaram os primeiros cinco estudantes da nova caminhada. O Seminário funcionava, primeiramente numa casa alugada, na rua Hugo Simas, em Curitiba, o que favorecia o trabalho pastoral com a vizinhança. Havia missas e novenas para o povo em certos dias da semana. Aos poucos a oração, estudo e pastoral uniram-se para fazer aumentar o ideal redentorista dos jovens formandos.

Novamente, após tantas e tantas reflexões e discussões, decidiu-se construir um prédio para o Seminário Maior. Buscaram em Curitiba um local

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apropriado e descobriram um espaço que pertencia às Irmãs da Sagrada Família, no Bairro Batel. Após as devidas negociações, o terreno foi adquirido das Irmãs por um preço bem abaixo do valor real, em especial porque os missionários já tinham uma ligação muito grande com as Irmãs, desde os trabalhos em conjunto na cidade de Ponta Grossa. O dinheiro para a compra desse terreno veio da venda de um prédio inacabado na praça Imaculada Conceição, em Aquidauana, onde hoje funciona o campus da Universidade Federal do Mato grosso do Sul.  Naquele prédio era para ser montada a nova sede do Ginásio Imaculada Conceição, que funcionava no prédio da Escola Paroquial. Por motivos financeiros não conseguiram terminar a construção. O governo de José Fragelli, com sede em Cuiabá, comprou o prédio para instalar ali o chamado CPA, depois foi transformado em Universidade.

A construtora Irmãos Mauad, que pertencia a amigos do então Ecônomo vice-provincial, padre Eduardo Jackson, ficou responsável pela construção do novo seminário, que era maior e mais luxuoso do que se esperava. Muitos missionários chamados de “rebeldes”, por defenderem o término de envio dos jovens missionários para Esopus, ficaram um pouco atônitos com a opulência da obra. Mas, se deram conta somente quando já estava praticamente terminada. Como sempre acontece em grandes construções, a obra demorou e os formandos e formadores continuavam morando numa casa alugada na Vila Schaffer,  onde hoje funciona o Colégio Internacional.

No dia 13 e janeiro de 1975, às 18 horas, na avenida Vicente Machado, 2190, inauguravam o prédio onde funcionaria por muitos anos o Seminário

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São Clemente. Era a residência própria. Fruto do trabalho, dedicação, oração e interesse de muitos. O sonho de formar os redentoristas aqui no Brasil estava sendo concretizado. A esperança passava a ser maior e mais consistente. Na inauguração estava o padre Pfab, Superior Geral da Congregação, padre José May, vice-provincial do grupo, padre José Kerins, Provincial de Baltimore e o padre Eduardo Jackson, Ecônomo desde 1969, que organizou a contabilidade das comunidades e se dedicou de alma e coração à construção dessa grande obra. Também esteve o presente o arquiteto alemão, Maximilian, que havia construído as casas de Tibagi, Ponta Grossa e o Seminário Menor. Este morreu pouco depois, em acidente de automóvel.

Várias atividades apostólicas tomavam o tempo dos formandos, como grupos de oração, encontro com os jovens, palestras nos colégios, catequese para as crianças, visita aos asilos, etc. Tudo com o objetivo de ajudar a entrarem profundamente no carisma missionário redentorista. Todo fim de semana acontecia nas famílias, ao redor do seminário, a missa. Um momento de aprendizagem e de muita alegria em poder estar inserido na realidade das pessoas que circundavam tal ambiente. Os formandos que faziam Teologia iam para o Studium Theologicum, tendo contato com aproximadamente dezoito congregações que também estudavam lá. Os que estudavam Filosofia iam para a Pontifícia Universidade Católica do Paraná, tendo contato com aproximadamente vinte e três Congregações.

Até o ano de 1979 o São Clemente era uma Casa de Filosofia e Teologia, mas depois desse ano decidiu-se abrir uma Casa de Filosofia em Campo Grande, no Mato Grosso, e esse grande seminário

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começou a entrar num período de transição, recebendo a última turma de professos em 1981. A partir de 1985, moravam ali somente estudantes de Teologia. Uma nova época surgia e com ela uma nova estrutura na formação. Era preciso preparar a meninada para interagir com a vida em perspectiva, como integrantes de um só processo. Uma formação capaz de construir um bom missionário, que pudesse interagir com todos os ambientes onde fosse inserido. Passos a serem dados. Vitórias a serem conquistadas.

54Criação do Estado de Mato Grosso do Sul

(1977)

Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida... Hoje é 11 de outubro e todo o Estado do Mato Grosso do Sul comemora o dia da sua criação a partir do Mato Grosso, acontecida em 1977. Sempre fui a favor da divisão do Mato Grosso, pois tudo era muito longe. Quando precisávamos de algum documento importante era preciso ir a Cuiabá, numa viagem difícil e longa. Dividir o Mato Grosso foi melhor para todos nós, principalmente os pobres. Por almejar a divisão, acompanhei passo a passo toda a história desse desenvolvimento até a conclusão, quando o presidente Ernesto Geisel assinou a Lei Complementar nº 31, dividindo o Mato Grosso e criando o Estado do Mato Grosso do Sul. Alguns ainda condenam a divisão, outros, argumentam que impulsionou o desenvolvimento em ambos os Estados. Foi um processo demorado de quase cem

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anos. Enquanto o Sul do Estado tentava a divisão, o norte endurecia e barrava as intenções sulistas. O eixo histórico dessa divisão começou no fim do século XIX, quando alguns políticos corumbaenses divulgaram um manifesto propondo a transferência da capital do Mato Grosso para Corumbá. A atitude não teve resultados na época, mas mostrou um desejo de constituir mais forças para uma ação política favorável maior. O movimento divisionista ganhou força com a regularização das viagens ferroviárias. O crescimento sócio-econômico do Sul do Estado cresceu com a pecuária e a exploração da erva-mate. Mesmo assim, Cuiabá mantinha o poder político e administrativo, sem se dar conta que as grandes distâncias quase isolavam as cidades do sul. Em 1921, Campo Grande passou a ser sede dos Militares, hoje Comando Militar do Oeste. Pouco mais tarde, foi considerada capital econômica de Mato Grosso, devido à movimentação econômica na estação ferroviária. Em 1946, com a deposição de Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra assumiu a presidência da República e reacendeu o desejo de transferir a capital de Cuiabá para Campo Grande, mas foi uma tentativa frustrada. Dutra reforçava a política de integração nacional, que incentivava a manutenção da unidade estadual.

Em 1974 o governo federal estabeleceu a legislação básica para a criação de novos Estados e territórios e em 1975 as idéias divisionistas ganharam forças com a discussão dos limites entre Mato Grosso e Goiás. O movimento tomou fôlego e, em 1976, a Liga matogrossense, presidida por Paulo Coelho Machado, liderou a campanha. Do outro lado, o governador do Mato Grosso, José Garcia Neto, era contra. Trabalhando rápido e sigilosamente, os

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integrantes da Liga forneceram ao governo federal subsídios necessários para viabilizar a divisão do Estado. A lei foi assinada pelo presidente Ernesto Geisel no dia 11 de outubro de 1977 e publicada no Diário Oficial do dia seguinte. Mato Grosso tinha noventa e três municípios e hum milhão e duzentos mil quilômetros quadrados. A divisão deixou o Mato Grosso com trinta e oito municípios e o novo Estado do Mato Grosso do Sul com cinqüenta e cinco. Apesar de ter menos municípios, Mato Grosso ficou com a maior área, mais de novecentos mil quilômetros quadrados.

Nos tempos atuais, até o momento, sei que nosso Estado possui mais de setenta municípios, quase duzentos distritos e média de dois milhões e meio de habitantes. Sua economia atual se baseia na produção rural, indústria, extração mineral, turismo e prestação de serviços. Mato Grosso do Sul possui um dos maiores rebanhos bovinos do país. Além da vocação agropecuária, a infra-estrutura econômica existente e a localização geográfica lhe permitem exercer o papel de centro de redistribuição de produtos oriundos dos grandes centros consumidores para o restante da região Centro-Oeste e para a região Norte do Brasil. Interessante, comecei falando a partir do Mato Grosso e agora mudei de Estado, vivo no Mato Grosso do Sul. Mas, algo nunca mudará o que sinto no coração. Tenho um coração pantaneiro onde a natureza pulsa pelos caminhos boiadeiros, pelas águas cristalinas desses rios canoeiros. Tuiuiú, ai tuiuiú voa, voa, voa e mostra que sou peão nascido no santuário do Pantanal.

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Comunidade Vida Nova (1978)

No Evangelho Jesus conta a história do Bom Samaritano, na qual os indivíduos não são identificados pelos nomes, mas caracterizados pelas funções e ações. O homem assaltado é um anônimo: talvez um viajante, um desempregado em busca de trabalho; quem sabe um bóia-fria, um alcoólatra ou um drogado. Enfim, é alguém carente, desprotegido, marginalizado, sem amigos, sem dinheiro, sozinho no mundo. Como milhões de outros por aí. Jogados à beira da estrada, caídos na sarjeta e abandonados, talvez bêbados, talvez drogados, enfim, abandonados. E lá estava o moribundo, quase a morrer. Será que ninguém se preocupava com ele? Será que ninguém se importava? Será que ninguém tinha amor para dar?

Santo Afonso sempre ensinou os redentoristas a estenderem a mão a quem nunca recebeu socorro de ninguém. Manifestava o desejo de que todo missionário assumisse o ato do bom Samaritano. Em nossa atualidade, o padre Guilherme Tracy, um dos missionários norte-americanos trabalhando há vários anos entre os Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, buscou assumir esse papel ao fundar uma obra com o objetivo de ajudar padres e religiosos dependentes.

Padre Guilherme chegou ao Brasil em 1958. Seus companheiros de primeira viagem foram os padres Ricardo Blissert, Raimundo Wheithman e mais dois missionários que foram trabalhar no Paraguai. Quando recebeu o convite para a missão em outro país, havia sido informado que iria trabalhar no Paraguai, pois tinha estudado espanhol. Mas, ao

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chegar no Rio de Janeiro, padre Egidio Gardner, que os aguardava, comunicou-lhe que iria trabalhar no Seminário Menor Santíssimo Redentor. Deus interveio nos planos traçados em New York. Sua rota desviou porque informaram ao vice-provincial, padre Martinho Maerz, que padre Guilherme falava com fluência o português e o espanhol. Mas, na verdade, sabia pouquíssimo português e só aprendeu na convivência com os seminaristas e os outros missionários que residiam em Ponta Grossa. Um ano após sua chegada, pensava que já dominava por completo o português, mas ficou frustrado quando um coroinha de nove anos lhe interpelou perguntando: “Por que o senhor fala tão atrapalhado?”. Quando chegou ao Paraná, em 1958, encontrou uma realidade difícil. Não havia nenhuma estrada asfaltada. No Mato Grosso, o único meio de ir de Campo Grande até Aquidauana ou Ponta Porã era de trem.

As dificuldades de locomoção, a saudade da terra natal, os embaraços com a língua e o ambiente novo proporcionavam os freqüentes “happy hours”, que pareciam unir as comunidades e dar novo ânimo aos missionários. O costume era reunir-se antes do almoço e da janta para tomar “umas e outras”. À noite não havia missas, nem reuniões. Alguns missionários sempre tinham facilidade para emprestar filmes de dezesseis milímetros, dos cinemas locais, para assistirem à noite com os outros missionários. Quase sempre regado com vários tipos de bebidas. Além da cerveja, outra bebida preferida era gin misturado com um pouco de cinzano. Quase todos embarcavam nessa “onda” e muitos acabaram descobrindo a doença do alcoolismo. Padre Guilherme foi um desses.

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Quando descobriu que tinha a doença do alcoolismo, começou dentro dele uma grande conversão. Foi convidado a fazer um tratamento de alcoolismo nos Estados Unidos, levado pelo padre Eugenio Sullivan, que era conselheiro do padre José May, vice-provincial da época. Padre Sullivan viajou mil quilômetros de Curitiba a Campo Grande para conversar com ele. Era o dia 16 de setembro de 1978. No Brasil não havia nenhum tratamento do gênero. Aceitando o tratamento, foi para um lugar próximo a Detroit, a cidade dos automóveis, na Guest House, que é o modelo da atual comunidade Vida Nova. Após esse tratamento, diz que Jesus se interessou por ele e o tomou nos braços dirigindo-o à sua recuperação.

Nessa experiência aprendeu que os padres precisam de ajuda especial para tal tratamento. Sempre diz que os padres custam a admitir que têm o problema e precisam de ajuda. O fundador de Guest House foi um leigo católico e membro do A.A. Nas décadas de 40 e 50, esse bom católico, que tinha grande respeito e amor pelos sacerdotes, viu alguns padres entrarem na sala do A.A, mas percebia que nenhum ficava. Entendeu que sacerdotes e religiosos precisavam de uma ajuda especial para aceitar o A.A e resolveu fundar a Guest House, que nos seus 52 anos de existência já acolheu mais de quatro mil sacerdotes e religiosos alcoólatras. Utilizam o método dos Doze Passos, profundamente espirituais.

Voltando, pensou que poderia ajudar outros padres a viverem a sobriedade. Ainda meio inseguro, mas com muita disposição, se colocou a serviço desses que precisavam ser encaminhados. O primeiro que convidou foi o padre Carlos. Sentiu que

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Deus tocou o coração deste, que após ter contado sua história, respondeu: “sim, aceito o tratamento”. Essa experiência o encorajou e pouco depois foi o padre Ivo. Todos os convidados eram encaminhados à chácara Reindal, em São Paulo, que na época oferecia duas semanas de tratamento, e era o único recurso possível. Entre os anos de 1979 e 1982, já vivendo mais plenamente sua sobriedade, acompanhava os padres enviados ao tratamento da doença. Tanto que combinou com os missionários que moravam em Garça, São Paulo, próximo a Bauru e Marília, de proferir palestras a alcoólatras internados num hospital psiquiátrico daquela localidade. À noite sempre tinham reuniões do A.A. Os padres que aceitavam passar esse mês em Garça, firmavam sua sobriedade. Os que recusavam, voltaram à bebida, pois somente duas semanas era pouco tempo para construir raízes e manter-se sóbrios sozinhos. Aprendeu que era necessário tempo para que a resistência penetrasse no doente através da prática dos Doze Passos e enchesse seu coração com a esperança de viver sóbrio e livre do álcool, participando fielmente do A.A. Dos missionários que conheceu e com quem conviveu em Ponta Grossa em 1958, oito acabaram fazendo o tratamento.

Em 1983 ficou liberado para dedicar-se ao trabalho com outros padres alcoólatras e veio morar numa pequena casa nos fundos do Seminário Redentorista São Clemente, em Curitiba. Os padres vinham e ficavam um mês ali. Durante o dia seguiam o programa da casa e levavam a mensagem do A.A a dois hospitais psiquiátricos. À noite iam para as reuniões de A.A. Padre Brandão Greaney, o então pároco do Santuário Perpétuo Socorro, em Curitiba, comentou no ano de 1983: "Aproveitando a palavra

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do Dom Albano que cada padre liberto da bebida é um nova Ordenação - podemos afirmar que em alguns anos a CVN produziu mais ‘Novas Ordenações’ para a Igreja do que uns Seminários." Nesse entremeio, em 1985 chegou a Irmã Terezinha Dias, que trouxe alma nova para o trabalho de recuperação desenvolvido até então. Todos os melhoramentos foram implementados por ela. A obra ficou nessa casa por cinco anos, até o ano de 1988, quando precisaram mudar novamente.

Nesse tempo, morreu nos Estados Unidos, um velho amigo da família do padre Guilherme e deixou em testamento uma quantia de dinheiro suficiente para comprar uma nova casa no Bairro Bigorrilho. Um presente que veio diretamente das mãos de Deus e literalmente caiu do céu! O Pai misericordioso, que atende a todos os rogos e não quer a perda de nenhum dos seus filhos, abençoou a obra e demonstrou o desejo de que se recuperem e vivam. A casa foi utilizada pela obra até o ano de 2001, quando novamente, pela providência divina, apareceu mais um dinheiro que ajudou a levantar outra nova casa, agora cinco vezes maior que a anterior. É uma obra de Deus e protegida por Ele. Dom Albano Cavallin, quando Bispo Auxiliar de Curitiba disse que “Cada Padre Alcoólatra que se recupera na Comunidade Vida Nova é uma Nova Ordenação para a Igreja, mas já não de um Padre novinho sem experiência. Os Padres libertos na Comunidade Vida Nova são Padres com grande experiência e muitos dons para servir o Povo de Deus”.

Nesses mais de vinte anos de existência, mais de quinhentos padres, de dezoito países, e quinhentos leigos já passaram pela Comunidade. A

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sobrevivência da obra tem se dado, em primeiro lugar, através de doações e da providência de Deus. Em segundo lugar, pela perseverança do seu idealizador. A missão de não somente tratar do povo, mas também tratar daqueles que trabalham com o povo é desafiante, inspiradora e muito digna de respeito. Ter um bom ombro amigo é primordial para que o dependente perceba a necessidade de ajuda. É alguém caído à beira do caminho que precisa de um bom samaritano para socorrê-lo.

56Rádio Antoninense

(1980)

A Rádio Antoninense foi assumida na década de 1980, diretamente da Arquidiocese de Curitiba, a pedido do arcebispo dom Pedro Fedalto. Por mais de quinze anos os missionários dirigiram tal rádio, que nunca conseguiu manter-se financeiramente, sempre necessitando da ajuda da Difusora de Paranaguá. No dia 03 de maio de 1996, após muitas reflexões, a mesma foi repassada aos cuidados da fundação Nossa Senhora do Rosário, da Mitra de Paranaguá, que a partir dessa data ficaria responsável em mantê-la. Tudo que compete a essa emissora ficou sob a responsabilidade da Diocese de Paranaguá, tanto a programação como a manutenção. Em relatório do dia 18 de setembro de 1995, o senhor Mário Mikosz apresentou a situação da emissora e expôs tudo o que foi aprimorado na mesma. Tal relatório dizia que foram enfrentados períodos financeiros críticos devido aos problemas do país no ramo da radiodifusão e que o senhor bispo de

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Paranaguá tinha sido avisado de todos os problemas que a rádio de Antonina enfrentava. Manutenção de equipamentos e do sistema irradiante precisava de grandes reparos, caso contrário, ficaria fora das especificações exigidas pelo Ministério das Comunicações. Todo o sistema de antena parabólica já havia sido instalado, mas a Rádio Clube, que iria gerar o sinal ainda não conseguia iniciar o funcionamento da estação-base em Curitiba. Em dezembro de 1995, um raio atingiu a torre de irradiação e quebrou o isolador de alimentação da antena, estourando o cabo coaxial. Tudo isso custava dinheiro e a rádio estava prestes a ser entregue à Diocese. O bispo foi avisado de que a Diocese, nova mantenedora da rádio, precisava assumir a compra desse material e os serviços para o conserto. Tudo ficou funcionando precariamente. A transição foi feita assumida pelo Conselho provincial e efetivada pelo então ecônomo provincial, padre Donaldo Roth, que acompanhou tudo, juntamente com o senhor Ludovico Mikosz. Quando se efetuou a transferência, reconhecida pelo Ministério das Comunicações, o bispo de Paranaguá, Dom Alfredo, não queria assumir de momento e pedia para se esperar mais um pouco, mas a direção da Congregação não aceitou. A Rádio nunca conseguiu se manter porque não havia patrocínio. Qualquer conserto ou reparos era a Difusora quem pagava. Dom Pedro Fedaldo, Arcebispo de Curitiba, passou a rádio aos cuidados da Congregação porque estavam prestes a perder a concessão, devido a não ter pessoas ou missionários que cuidassem da mesma. A Rádio estava terceirizando todos os horários, inclusive para as outras igrejas. Depois que foram feitos os primeiros consertos, pagos pela Difusora, o sinal ficou muito

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bom e a programação melhorou consideravelmente. Os estúdios e transmissores ficaram instalados no Bairro do Batel, de Antonina. A mesma pessoa que cuidava dos transmissores cuidava também dos estúdios.

A contribuição da rádio foi muito especial para a cidade. Havia transmissão da novena e das missas. Entravam em cadeia com a Difusora para os noticiários. Os missionários faziam reflexões e participavam diretamente da comunicação na rádio. Tudo ia ajudando a população a se conscientizar mais no âmbito social e religioso e a melhorar sua auto-estima, falando de história e informações da cidade. A Câmara Municipal também tinha seus momentos de participação na programação. As escolas eram convidadas a participar e as diretoras tinham um canal aberto e gratuito para informar sobre férias e a realidade em geral. Havia uma grande contribuição moral e de muito respeito por parte de todas as autoridades. O objetivo central de entregar a rádio para a Diocese foi a falta de interesse dos redentoristas.

Na verdade, o bispo de Paranaguá, Dom Alfredo Novak, também sonhava em ter a concessão da Rádio Difusora, mas a Difusora foi comprada com dinheiro da Congregação e não havia interesse em transferir tal concessão para a Mitra Diocesana. É verdade que o padre Eduardo Jackson, com o advento da televisão, se precipitou e achou que a função do rádio acabaria, dizendo que era para fazer o que se quisesse com a Difusora. Mas, graças a Deus, algumas vozes contra disseram não.

57Primeira Casa de Formação Inserida

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(1980)

Semana passada fui a um casamento e lá apareceu um bêbado. Com toda sua cambaleante inconveniência entrou em cena e insistia efusivamente em cumprimentar os noivos e ser fotografado com a noiva. A atitude dos noivos me deixou pasmo, pois foram verdadeiros diplomatas e altamente prudentes ao acolher e tirar a foto com o intruso, tratando o incidente com bom humor e flexibilidade. Mas a gente percebe que em certas decisões ou discussões em grupo nem sempre conseguimos passar por esse processo e, no desespero, buscamos saídas imediatas para que tudo não desmorone ou “vá por água abaixo”. Mais uma vez, depois do episódio do São Clemente e da decisão em não enviar mais estudantes para Esopus, veio a necessidade de encontrar saída para outro problema na formação: a mistura de formandos em etapas diferentes e que viviam no mesmo local. Tal ocorrência gerava muitos problemas e era preciso diálogo, conversa, discussões, reuniões e flexibilidade para se chegar a um consenso positivo. Todo período de transição é assim, vêm as inseguranças, as dores, os medos e tantos outros sentimentos. Mas, sem arriscar, nunca iremos saber o resultado. Embora tudo fosse novo, era preciso dar os passos. Houve alegria por parte de alguns e tristeza por parte de outros, mas era preciso crescer. O processo teve início e a primeira saída foi pensar em um lugar para separar os níveis de formação. A princípio apareceu a possibilidade do Bairro Pilarzinho, em Curitiba, a título de experiência. Era o ano de 1980, e essa casa é considerada a primeira casa de formação inserida, da vice-Província. Era

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uma comunidade composta pelo formador e quatro estudantes. Os estudantes eram: Pedro Gomes, Eduardo Palacios, Julio Niz e Agostinho Busato. O formador que os acompanhava era Bernadino (Naino). O lugar dessa experiência foi a região do Cruzeiro, numa casa alugada. Tal experiência era chamada de "Campus Avançado", para justificar o fato de não ter de enviar o assunto para o Secretariado de Formação ou ao Governo da vice-Província e passar por todo um processo de estudo e reflexão que iria demorar muito. Era uma experiência nova, e ao mesmo tempo urgente. Por isso, achou-se melhor apressar o projeto e colocá-lo em prática o quanto antes.

Ainda nesse tempo, a experiência de São Clemente estava sendo vista com certo receio por muitos que queriam uma vida seminarista no estilo de Esopus ou nos moldes tradicionais. O noviciado ainda era feito antes de cursar Filosofia, iniciando-se logo após o término do segundo grau, no Seminário de Ponta Grossa. Significava que no São Clemente conviviam os estudantes de Filosofia e Teologia. Era uma mistura entre os que iniciavam a vida religiosa e outros que terminavam Teologia, já com a Ordem do Diaconato. Pode-se imaginar uma grande “salada” de pessoas vivendo em processos diferentes e freqüentando o mesmo horário de oração, compromissos, etc. Maturidade diferente, mas a caminhada igual para todos. Alguns dos formadores refletiam o que isso significou mais ou menos por sete anos, sem sentir avanços na formação. Era certa a sensação de se estar parado no tempo. Houve a tentativa de se criar uma estrutura diferente para as várias etapas através de grupos de vivência, momentos de oração variados, etc. Mas os

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formadores reclamavam que a realidade era frustrante para todos, incluindo eles mesmos. Veio a idéia da casa inserida, ou "Campus Avançado", como muitos chamavam. Uma tentativa de abrir um novo espaço para os jovens redentoristas que estavam terminando seu processo de vários anos na Filosofia e depois Teologia no São Clemente.

Observação imediata foi que a tensão dos quatro, que estavam em fase final da Teologia, aliviou, pois até o momento viviam praticamente igual ao seu primeiro ano de Filosofia. A casa inserida trouxe um sentido de avanço através da responsabilidade em assumir novas obrigações e compromissos. A desvantagem apareceu logo, pois a primeira motivação dos que saíram do São Clemente não foi estar junto ao povo, mas "escapar" da convivência maciça e difícil, proporcionada pela presença de outros quarenta estudantes num mesmo ambiente. Uma maneira de viver mais livre da disciplina, dentre outras. Quem elaborou tal projeto acabou levando a culpa por ter feito uma reflexão imatura e não ter preparado os quatro que foram enviados para lá para uma vida de inserção e não de fuga de uma realidade. Por outro lado, foi uma experiência válida e gerou reflexões, inclusive sobre o ambiente do São Clemente que impedia um sério e verdadeiro engajamento pastoral dos formandos, por mais heróicos que fossem em sua disponibilidade. A vitalidade e a riqueza de experiências pastorais e comunitárias e dos desafios teológicos que a opção pelas pequenas comunidades inseridas gerou nos “campus avançados”, nos primeiros quatro anos, grandes frutos. Nesse período passaram por ali quase trinta estudantes. Foi notável o crescimento e amadurecimento humano, cristão e religioso em cada

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um. Refletiu-se muito sobre os valores adquiridos pelos que moravam na periferia, inclusive a perspectiva de compartilhar e assumir elementos práticos que surgissem da realidade onde estavam inseridos. Uma busca em viver as orientações dos documentos eclesiais de Puebla e Medellín. Tal experiência mostrou abertura para uma nova etapa da vice-Província, que veio orientar outras etapas e experiências formativas do grupo. Muitos que a viveram souberam aproveitá-la através de uma forte experiência de Deus e uma proveitosa chance de crescimento pessoal, religioso e comunitário.

58Seminário São João Newman em Campo Grande

(1981)

Até o ano de 1980, quase toda a formação dos novos missionários, depois do Seminário Menor, menos o noviciado, estava concentrada no São Clemente, gerando as grandes dificuldades de convivência já apontadas. Com as mudanças de parâmetros e pensamentos, veio a necessidade de re-fazer todo o processo na formação. Para isso, ficou decidido que em 1981 o grupo de estudantes que saía do noviciado em Tibagi iria para Curitiba e os que estavam terminando o segundo grau em Ponta Grossa iriam para Campo Grande. O grupo que estava em Curitiba dividia-se por nível entre as várias casas de formação: Xaxim, Campo Alto e São Clemente.

A experiência no Seminário São Clemente convenceu todos de que fazer o noviciado logo após terminar o segundo grau, antes da Filosofia, não estava sendo produtivo ou correto. Os jovens que

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chegavam do noviciado e entravam na Filosofia, que era feita na PUC do Paraná, vinham cheios de entusiasmo, falando do “primado absoluto”, mas depois de alguns meses de estudos filosóficos não tinham mais certeza de nada. As idéias ficavam tão mexidas que não tinham certeza nem do nome deles, quanto menos do compromisso de vida consagrada. Era uma observação feita por quase todas as Congregações. Veio a idéia de se fazer o noviciado depois de cursar Filosofia. Mas onde seria? As reflexões começaram e concluíram que a cidade de Campo Grande tinha Filosofia e Teologia. Além do mais, ficar com toda a formação, após o Seminário Menor, somente em Curitiba, representava uma pobreza histórica e cultural. O contato com as raízes no Mato Grosso do Sul, sua realidade e cultura era uma grande possibilidade de formação para os estudantes, cuja maioria era do Paraná. O estudo seria feito na Universidade Dom Bosco, no centro de Campo Grande, a uma distância que poderia ser feita a pé. Outro motivo, possivelmente financeiro, era a possibilidade de construir uma casa no quintal da Casa Paroquial, ao lado da Igreja Perpétuo Socorro, no Bairro Amambaí. Para ajudar nas despesas, os seminaristas dariam aulas de religião no Colégio Perpétuo Socorro.

Quanto à moradia dos formandos, Padre Estevão Vanyo ficou responsável pela construção, que começou em 1980. Era uma construção simples e funcional. Uma parte da casa paroquial foi utilizada como refeitório, biblioteca e quartos para os formandos. O segundo andar da casa ficou reservado aos missionários e visitas. Padre Ângelo Schemberguer, que estava no Seminário Menor, foi nomeado o primeiro formador desse grupo, junto

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com o padre Pedro Gomes. Depois os padres Pedro Gomes, Álvaro Cavazzani e Patrício McGillicudy acompanharam os formandos. Padres Miguel Roche, Orlando Cáceres, Antonio Antunes e João Sodomora trabalhavam na paróquia.

A construção demorou e, com isso, a primeira turma teve de conviver com sujeira e muito barulho. Outro contratempo foi o número de estudantes nesse início. Estavam previstos seis ou sete terminando o segundo grau, mas padre Ângelo teve que acolher uma turma com mais de vinte, incluindo vários novatos. Começaram a entrar para a formação jovens que vinham direto para a Filosofia, sem ter uma preparação ou tempo para conhecer a vida religiosa e a caminhada redentorista.

De toda essa mudança, concluiu-se que foi positiva a separação entre Filosofia e Teologia, sendo enviada para o noviciado uma turma mais madura e confiante. O último noviciado antes de Filosofia foi em 1980. De negativo, vários aspectos podem ser mencionados: o nível de ensino da Universidade Dom Bosco deixou a desejar, uma vez que esta não investiu no corpo docente como havia prometido; o clima quente de Campo Grande não criou ambiente para o estudo; o relacionamento com os missionários da paróquia não era fácil, pois vinte e cinco jovens barulhentos e famintos almoçando num mesmo ambiente com os missionários causava irritação e nem sempre as áreas reservadas, como a sala comum, eram respeitadas; o trabalho no colégio não deu certo, pois havia imaturidade dos jovens, falta de compromisso com as aulas, etc. Todas essas divergências desgastaram tanto os seminaristas como os missionários. Para remediar a situação, após

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dois anos, foi nomeado como pároco o padre José May. Desse modo, com jeitinho tudo foi se acertando. No VII Capítulo vice-provincial de 1987 ficou resolvido que a Filosofia voltaria para Curitiba, em vista da mudança da Teologia para São Paulo. Após sete anos em Campo Grande, e a última turma em 1988, os estudos de Filosofia retornaram para Curitiba, mudando por completo o sistema de formação. Alguns estudantes ficaram terminando Teologia em Curitiba, no Studium. O Seminário São Clemente já havia fechado em 1987. No ano de 1988 havia casas de Teologia no Campo Alto (Colombo), Xaxim (Curitiba), Jardim Maringá (Curitiba) e Santa Terezinha (Colombo). Em 1989 os estudantes de Teologia foram para São Paulo. Os estudantes que estavam em Campo Grande vieram para Colombo e os do Seminário Menor, juntamente com os novatos, foram provisoriamente para a casa na Rua Augusto Severo, número 15, no bairro Juvevê. Em 1990 todos os estudantes da formação inicial foram para a periferia de Colombo.

590 “Contact”

(1981)

No dia 18 de fevereiro de 1981, na primeira gestão do padre Edmundo Twomey como vice-provincial, nascia o informativo oficial da Unidade de Campo Grande, o “Contact”. O objetivo era publicar avisos e divulgar cartas oficiais, bem como as sínteses das reuniões dos Conselhos. Na verdade, buscou ser um instrumento prático para informar todos os missionários sobre acontecimentos e

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utilidades em todas as comunidades vice-provinciais. Além de ser um modo de pontuar a história e a caminhada do grupo. Quem iniciou todo esse trabalho foi o padre Guilherme Olsen, secretário da vice-Província por mais de 15 anos.  Nessa missão, foi fiel em manter informados todos os missionários espalhados pelos rincões do Mato Grosso, Paraná e exterior, a respeito de tudo que acontecia na Unidade. Tinha um verdadeiro amor pelo que fazia.  Foi ele quem coordenou a elaboração do livro celebrativo dos 25 e 50 anos. Registrou os acontecimentos da vice-Província com fotografias e até filmagens. Além de produzir um grande acervo de obras de arte através de pinturas e restaurações de imagens quebradas.

Ao chegar no Brasil em 1955, trabalhou como pároco em Bela Vista, no Mato Grosso e ficou muitos anos em Guaratuba, no Paraná. Com a eleição de padre Edmundo como Provincial, foi convidado a ser  um dos seus conselheiros e tornou-se, praticamente falando, o primeiro secretário da então vice-Província. Quando padre Lourenço Kearns foi eleito Provincial, continuou como arquivista e secretário. Tinha talentos extraordinários para a música, arte, fotografia e comunicação. Certa vez, o Irmão Francisco School fez uma exposição de suas obras e fotos no São Clemente. Vários quadros foram vendidos nessa ocasião. Um dos seus últimos trabalhos foi repintar uma imagem de Santo Afonso, que se encontra na casa de formação do juniorado, em São Paulo. Com a idade mais avançada, começou a mostrar sinais de tremores nas mãos e tinha dificuldades para pintar. Sofreu muito com isso, pois ali estava sua vida. Quando iniciou a publicação do "Contact", não havia os recursos técnicos como

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computador, scanner, fotos digitais, etc. Precisava escrever todos os artigos na máquina de escrever, e sempre utilizava somente dois dedos para escrever. Tudo era produzido em preto e branco, mas era fiel em publicar tal informativo mensalmente. Foi o fotógrafo oficial da Província e buscava catalogar tudo, numa organização impecável.

Com o Contact, fotos e obras de arte, deixou uma fonte importante de história para todos os missionários. Muitas das suas obras foram inspiradas no litoral, pois toda semana tinha como sagrado, durante muitos anos, descer para a casa da praia com o Irmão Francisco. Lá sentia que a inspiração lhe fluía com mais intensidade. Nos últimos anos preferia não pregar e nem rezar missa em público. Sentia muita tontura quando olhava para o povo em sua frente. Sempre concelebrava em todas as festas da Unidade, mas normalmente tirando fotos da celebração. Sempre se apresentou como um homem de hábitos fixos e sentia dificuldade em mudar. Gostava do happy hour e nunca perdia. Tinha um  senso de humor especial, meio rígido e seco, mas sabia ser sarcástico de modo caridoso. Sempre estava pronto a atender todos que vinham para a casa provincial buscando isso ou aquilo. Quando padre Wilton Moraes foi eleito Provincial, decidiu-se liberá-lo dos deveres de secretário. Aceitou tal decisão com certa dificuldade e foi transferido para a comunidade Perpétuo Socorro, em Curitiba. Deu-se conta de que estava ficando doente. Em 1998 voltou para os Estados Unidos e foi residir na paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Brooklyn, sua paróquia  natal. Não aguentou muito tempo e logo veio a falecer. Foi um homem de grande simplicidade de vida. Vivia uma exemplar pobreza fazendo da arte

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uma maneira de vida, voltando seu viver para a arte. Exemplo disso é o Contact, que, para ser elaborado, exigia muita presteza, dedicação e verdadeira arte.

60Visita Canônica de Roma

(1981)

Os Conselheiros Gerais da Congregação vieram em 1981 para a visita oficial e canônica, que foi enriquecedora no sentido de preparação para tornar-se Província. Os visitadores eram os padres Tiago McGrath e Gaspar Almeida. A grande figura desta visita foi padre Gaspar, já conhecido quando era Provincial do Rio de Janeiro. Padre Tiago também era conhecido − era da Província de Dublin, Irlanda − e trabalhou um bom tempo na vice-Província de Fortaleza. Era raridade ter dois Conselheiros Gerais que falavam português. Visitaram todas as comunidades, mostrando grande animação para com a Vida Religiosa e motivaram bastante a vida de Comunidade entre todos os missionários. Foram especialmente felizes quando falaram com os jovens seminaristas em Curitiba. Provocaram, desafiaram e confirmaram os sonhos destes, que viviam certos problemas e tensões em muitos âmbitos.

No relatório final da visita, insistiram na questão do acreditar em si mesmos. E diziam que todo o grupo redentorista da vice-Província deveria repensar o fato de estar ligado, quase que de modo dependente à Província de Baltimore. Era como se estivessem dizendo que a Campo Grande era uma filha que estava com medo de deixar a casa dos pais. Esse relatório repercutiu muito nas reflexões e

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estudos das regionais e assembléias posteriores, começando a anotar o germe de uma semente que cresceria e se desenvolveria mais tarde para que o grupo todo avaliasse sua caminhada em andar com as próprias pernas ao tornar-se Província. Padre Gaspar tinha sempre na ponta da língua a pergunta sobre o processo para ser Província. Ele tinha passado pela difícil experiência da Província do Rio de Janeiro que, ao tornar-se Província, enfrentou uma difícil realidade e um mal-estar gerado pelos missionários holandeses, que preferiram mudar de Unidade, indo para a vice-Província de Recife, ao invés de ficar com os brasileiros na nova Província do Rio.

61Ultimo missionário vindo de Baltimore

(1982)

Entre os anos de 1959 e 1975 aconteceu a famosa guerra do Vietnã, o mais longo conflito que ocorreu depois da Segunda Grande Guerra Mundial. Assim como em todas as guerras, na do Vietnã não houve vencedores. O que ficou foi a dor da partida prematura, angústia, destruição e morte. Perdeu o povo Vietnamita com milhões de mortos, inválidos e feridos. Centenas de milhares de órfãos, vilas destruídas, famílias brutalmente aniquiladas. De país muito pobre, tornou-se um país miserável. Perdeu o povo americano, pois milhares de famílias tiveram seus filhos ceifados em tenra juventude. A insana brutalidade dos campos de batalha foi presenciada pelos lares da América, dentro do coração das pessoas. Vietnã tornou-se um verdadeiro campo

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manchado com sangue inocente e representa uma ferida aberta para toda a humanidade. E foi desses campos, cinqüenta e dois anos após a chegada dos primeiros missionários norte-americanos em Aquidauana, que veio a vocação daquele que seria o último missionário norte-americano dos Estados Unidos enviado para pastorear os campos de batalha missionária no Brasil, Padre Miguel Koncik.

Ele ganhou o apelido de "Rambo" entre os missionários mais jovens, pelo fato de ter sido soldado no Vietnã, tendo consequentemente servido o exército antes de se tornar Redentorista. Era um pouco “louco", no sentido carinhoso. Cada ano tinha por índole fazer seu retiro anual na casa do noviciado. Gostava de aventuras na mata e longas viagens. Lembrava bem um cowboy vivendo no Mato Grosso. Nunca teve facilidade com a língua portuguesa. Lembro que numa capela na cidade de Ponta Porã, na festa da Imaculada Conceição, sua pregação foi a seguinte: "Hoje é a festa da Imaculada Conceição. Significa que Maria nasceu sem pecado. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". A homilia acabou tão rápido que nem deu tempo do povo sentar e já estavam rezando o creio. Em uma celebração no dia do Natal ele fez a seguinte pregação: “Hoje é Natal, Jesus nasceu. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém”. Voltou para os Estados Unidos e começou um curso para trabalhar como capelão e viver entre os prisioneiros. Não sei ao certo, mas parece que continua desenvolvendo esse trabalho. Padre Miguel retornou aos Estados Unidos no ano de 1990.

62Morte do padre Denis Quilty

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(1984)

Padre Denis faleceu no dia 29 de julho de 1984, em Curitiba, vítima de um ataque fulminante do coração. Nasceu em 08 de abril de 1925, em Kingston, Nova York. Professou em 1946 e foi ordenado em 1951. Tinha 59 anos. Durante toda sua vida exerceu o apostolado no Brasil, em nossa Província. Trabalhou em Miranda, Paranaguá, Ponta Grossa e Curitiba. Juntamente com o padre Patrício Healy, começaram o movimento do Cursilho nos Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Foi um ardoroso e zeloso missionário nesse movimento, que mudou a fisionomia da Igreja, despertando a religiosidade de muitos homens que haviam se afastado da fé. Mas pagou o preço de ter que guardar os segredos que esse movimento exigia. Ninguém que não fizesse o Cursilho poderia saber da maneira de agir dentro do mesmo. Dizem que gostava muito de contar piadas, mas sempre escolhia as piores que tinha, portanto, suas piadas eram horríveis.

Desde que morava em Ponta Grossa, já trabalhava na formação dos Policiais Militares. Só que não recebia por esses trabalhos, visto que era cidadão americano. Quando foi transferido à Curitiba, para trabalhar no Santuário Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, tirou cidadania dupla, foi naturalizado brasileiro. Então, oficialmente entrou na Polícia Militar, com uniforme e tudo. Morava na comunidade religiosa e não no quartel, mas a cada dia vestia seu uniforme e ia até lá para dar aulas aos militares em várias modalidades, incluindo boas maneiras. Foi um bom missionário para o povo e para os militares e suas famílias. Foi capelão da polícia

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militar durante muitos anos. Nunca deixou para depois o que a comunidade redentorista lhe pedia, era super respeitoso para com os horários marcados para as novenas, confissões, etc. Sofria gozações na comunidade porque era um militar que via o comunismo em cada esquina da cidade. Tudo para ele era culpa dos comunistas. Um verdadeiro fanático contra o comunismo. Talvez essa seja uma das razões que o levou a optar pela capelania militar.

Tinha um problema cardíaco muito sério. Havia feito uma ponte de safena e o coração havia parado cento e trinta e seis vezes. A avaliação médica a seu respeito nunca era positiva e sempre diziam que tanta paradas cardíacas representava um caso inédito na medicina. O tratamento recomendava que caminhasse ao menos duas horas por dia. Tornou-se uma verdadeira “Figura” na cidade, pelas longas caminhadas, olhos fixos, terço na mão e passo rápido. Andava como um jato pelas ruas do centro de Curitiba, sempre rápido e rezando o terço. Dificilmente alguém ousava lhe acompanhar. Seguindo à risca tal prescrição médica, ele ganhou onze anos de vida. Certa vez, segundo ele, seu coração parou quinze vezes na sala de operação. Seus médicos pensaram que não havia mais chances e era melhor deixá-lo como morto, mas sobreviveu; e contava que esse episódio lhe proporcionou uma experiência mística de cura através de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Nunca disse o que realmente aconteceu, mas em cada chance que tinha louvava Maria por esse milagre. Se perguntassem o que ocorreu, simplesmente sorria e mudava de assunto. Sua recuperação acabou sendo veiculada em quase todos os jornais de Curitiba. Tornou-se notícia tão importante que apareceu num programa

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televisivo em nível nacional para contar sua história, ou o milagre da recuperação.

Era muito bom com casamentos. Resultado das tantas cirurgias que fez, tornou-se uma pessoa muito rápida e conta-se que tinha vezes que fazia casamentos em poucos minutos. Certa vez, realizou um casamento em apenas dez minutos e o casal nunca esqueceu o que ele falou. Dizem que recomendou ao casal que antes de dormir, pegassem na mão um do outro e os dois juntos rezassem, perseverando assim todas as noites. Era também um grande orador dramático.

Padre Edmundo Twomey, vice-provincial da época, conta que estava assistindo televisão num domingo à noite na Casa Provincial, quando recebeu um telefonema do Hospital Militar avisando que haviam encontrado o corpo do padre Denis caído na Rua Dr. Faivre, em Curitiba, e queriam que o mesmo fosse até lá para oficialmente reconhecer o corpo. Ligou então para o padre Brandão e foram juntos até o hospital. Após o reconhecimento, o comandante pediu autorização para vesti-lo com a farda da polícia militar. Sabendo que padre Denis ficaria feliz, concordou com o pedido, sem assim velado e sepultado com a farda. Os exames indicaram que sua morte foi instantânea. Na noite em que faleceu era domingo e acontecia a abertura das Olimpíadas. Para deixar o pároco, padre Brandão Greaney, livre para assistir tal evento, se ofereceu para atender as confissões durante a missa. Após as confissões, muito devoto de Nossa Senhora, saiu da igreja e foi rezar o terço na rua. Estava muito frio e, com esse tipo de clima, o sangue tende a engrossar, possibilitando o enfarte. Devido ao frio, estava com

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as mãos no bolso. O enfarte foi tão rápido que nem tirou as mãos do bolso em que segurava o terço.

Era muito amado pelos cursilhistas, pela Polícia Militar e pelos confrades, como um homem de excelente caráter. Ao saírem do hospital, uma enfermeira indagou se realmente o padre Denis havia morrido dessa vez, visto que tantas vezes voltou à vida. Isso mostra que a sua experiência de recuperação estava muito presente na vida das pessoas. Foi comunicado ao Provincial de Baltimore, padre Gilbert, sobre o falecimento e que este comunicasse à família. Levaram um susto ao saber que o enterro seria logo no dia seguinte, coisa que nos Estados Unidos somente acontece a partir do terceiro dia.

O velório e a missa de corpo presente no Santuário do Perpétuo Socorro, em Curitiba, teve a presença de muitos confrades, leigos e toda a cooperação possível da Polícia Militar. Logo após a missa, o cortejo saiu com escolta militar para a Igreja São José, em Ponta Grossa, onde o povo já lotava a igreja. Parecia que havia um PM em cada esquina facilitando a passagem da rodovia até a Igreja São José. Houve mais um tempo de velório, uma missa e, finalmente, seguiu o enterro até o cemitério do Seminário Santíssimo Redentor. Tudo foi feito com muitas homenagens, orações, sentimentos e uma salva de tiros da Polícia Militar.

Padre Lourenço conta que, no momento do enterro, ele era um dos que carregavam o caixão quando a Polícia deu a salva de tiros. Como não esperava aquilo, deu um pulo de susto e quase derrubou o caixão e o corpo do padre Denis no chão. Após o enterro, todos voltaram para a casa com a certeza que padre Denis foi amado e apreciado pelas

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pessoas, inclusive por aqueles que nem estão muito envolvidos em nosso dia a dia, como é o caso da Polícia Militar. Ele conseguiu fazer essa ponte e sustentá-la por muitos anos. Todo esse carinho se expressa nas homenagens póstumas recebidas. Em Curitiba, por exemplo, há uma rua com seu nome e fica no Alto Boqueirão. Em Ponta Grossa, outra rua com seu nome, que fica em Uvaranas.

Tal morte foi uma experiência marcante para a vice-província, pois fazia 20 anos que não acontecia a morte de algum missionário. É fato de que os missionários idosos e doentes voltavam para Baltimore, nos Estados Unidos, fazendo com que aqueles que ficavam não tivessem a experiência de tratar de confrades com doença grave ou com a morte. O último a falecer no Brasil foi o padre Afonso Donnely, em 1964. Veio então a consciência de que missionário redentorista, mesmo num intervalo tão grande, também morre!

63A Copiosa Redenção

(1987)

O salmo 130, versículo 7, pede que Israel aguarde, pois de Deus vêm a graça e a redenção em abundância. Muitas vezes deixamos de depender de Deus por causa do nosso egoísmo e auto-suficiência, mas no meio da adversidade sempre voltamos para Ele em busca de auxílio. No Salmo 40, Davi começa louvando a Deus por ter respondido sua oração. Ele havia esperado no Senhor com paciência e não se desapontara. O Senhor respondeu ao seu grito de socorro e deu-lhe equilíbrio e um “novo cântico” que se tornou testemunho para os demais. Sabemos que

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Davi teve que esperar muitos anos para que as promessas do Senhor se cumprissem em sua vida e, nesse período, ele teve que enfrentar muitos “gigantes”, muitas batalhas, sofrimento, dor e angústia. Tudo fazia parte dos planos de Deus para sua vida. Precisava ser lapidado e treinado para tornar-se um bom rei de Israel. Por muitas vezes esqueci que o tempo de Deus não se baseia em minutos, segundos, dias ou anos, mas em aprendizado. Quando Abraão recebeu a promessa de Deus, esperou dezenas de anos que se cumprisse. Quando esteve no Egito, em vez de confiar em Deus, Abraão preferiu dizer que Sara era apenas sua irmã. Tempos depois, na terra de Gerar, comete o mesmo erro. Durante todo o tempo, Deus tentou imbuir em seu caráter uma fé viva, mas este só a demonstrou quando se dispôs a sacrificar seu próprio filho Isaque. O tempo de Deus ajudou Abraão a aprender. Certamente que padre Wilton Moraes, para fundar a “Copiosa Redenção”, também viveu essa experiência do tempo de Deus em sua vida.

Era o ano de 1987, padre Wilton Moraes, missionário redentorista, pregava um retiro na cidade de Vitória, no Espírito Santo, e no momento do ofertório viu uma jovem depositar sobre o altar um pacote com drogas. Aquele gesto lhe tocou profundamente, percebendo a necessidade de um trabalho específico voltado para a recuperação e o acompanhamento de dependentes químicos. Veio o desejo de fundar uma congregação dedicada a essa causa. Nascia a obra vinda diretamente do coração de Deus como luz para iluminar os necessitados e sofridos pelos vícios, realidade vivida por milhares de pessoas e famílias que perdem tudo, em muitos casos até a esperança. A exemplo do livro do Êxodo,

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Deus viu o clamor e a triste situação de milhares de pessoas dependentes das drogas em processos de profunda autodestruição e desceu para ajudar, criando a obra da Copiosa Redenção. 

Padre Wilton nasceu na cidade Tesouro, no Mato Grosso, no dia 27 de abril de 1956. Terra que ficou famosa pelo garimpo de pedras preciosas, inclusive diamantes. Esse pequeno município fica na diocese de Guiratinga. Desde sua infância, cultivava com amor a espiritualidade. Por iniciativa própria, freqüentava a missa dominical. Desde muito cedo, revelou uma alma piedosa, sempre indo ao encontro dos necessitados e oprimidos. Muitas vezes pegava remédio da farmácia de seu pai para dar aos pobres. Ingressou no seminário com apenas treze anos, adequando-se ao ritmo de vida disciplinada. Nesse período, dedicou-se ao estudo da música, tornou-se o organista do seminário, onde tocava nas missas e nas celebrações. Buscava na leitura a capacitação intelectual, desde o seminário menor até a universidade. Fez os votos religiosos em 1977, na cidade de Ponta Grossa. Foi ordenado sacerdote no dia 9 julho de 1983, em Rondonópolis, no Mato Grosso. Passou a fazer pregações em várias cidades do país, para o povo e também para algumas Congregações religiosas. Ao que parece, a terra de diamantes o ensinou a garimpar almas para Deus. E assim Deus foi gestando nele a obra da Copiosa Redenção.

Como carisma, a Copiosa Redenção está ligada a Santo Afonso Maria de Ligório, fundador dos redentoristas, que orientava seu grupo de missionários a ser memória viva de Jesus, continuando sua presença e seu agir.  Redimir significa resgatar alguém que está vivendo em

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grande opressão. Pagar o preço para libertar alguém da escravidão, do desespero, o abandono e da falta de esperança, a exemplo do bom samaritano, que pagou ao dono da hospedaria para cuidar do homem que encontrou à beira da estrada e ainda prometeu que pagaria mais se fosse preciso. Jesus veio, resgatou e pagou o preço com seu próprio Sangue. A obra divina da Copiosa Redenção não é uma tarefa, mas é um Dom de Deus. Um acontecimento pascal. Uma epifania do Amor de Deus. Ser membro dessa grandiosa obra é ser como Moisés abrindo não mais o Mar Vermelho, mas o coração de Cristo e levando uma multidão de ovelhas a passar pelo Mar de Amor e Misericórdia da Salvação.

Depois daquela experiência de fé, voltando a Curitiba, procurou um local onde pudesse encaminhar o trabalho recém-inspirado por Deus. Passados alguns dias, partilhou seu desejo em uma missa, onde um senhor ofertou-lhe parte considerável do valor necessário para a aquisição de um imóvel. Na semana seguinte, recebeu outras doações que completaram o total. Desse modo, em Ponta Grossa, começaram os passos iniciais para a primeira Comunidade Terapêutica contra as drogas, denominada Casa da Copiosa Redenção. Para iniciar a obra convidou a Sra. Maria Moreira Motta dos Santos, 56 anos, viúva. A mesma consagrou-se como leiga. Originou-se assim o Instituto Secular da Copiosa Redenção. No ano seguinte, uniu-se ao projeto a Senhora Ruth Marina da Silveira, cinqüenta e nove anos, viúva. No ano de 1989, juntou-se ao grupo Ione Strozzi, cinqüenta e oito anos, de União da Vitória, que assim como as anteriores, deu seu sim generoso, unindo-se à obra inspirada divinamente no coração desse missionário. Nesse

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mesmo ano, padre Wilton foi transferido para Ponta Grossa, fato decisivo para o início da congregação. Dom Geraldo Pellanda, então Bispo da diocese de Ponta Grossa, o acolheu, autorizando a fundação da Pia União. No entanto, pediu que a futura Congregação Religiosa, levasse o nome da padroeira da diocese. Assim, no dia 08 de dezembro de 1989, na Capela Particular da Casa Episcopal da Diocese de Ponta Grossa, fundou-se a Pia União das Irmãs de Maria Mãe da Divina Graça. No ano de 1991, padre Wilton, através de um sonho, sentiu-se inspirado a abrir um novo caminho para o carisma da Copiosa Redenção: a Adoração ao Santíssimo Sacramento, no qual cada irmã tem como prioridade uma hora de adoração diária, que consiste em estar diante de Jesus no Santíssimo, experimentando sua graça Redentora e sendo canal para a salvação das pessoas desprezadas pela sociedade, em especial os dependentes químicos. Aos poucos o trabalho foi crescendo, surgindo novas vocações, na maioria jovens. A Copiosa Redenção recebeu o convite para abrir novas casas na região de Ponta Grossa e em outras cidades do Paraná, bem como no Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, Rondônia e também Itália. O trabalho não ficou limitado somente à recuperação social e familiar de dependentes químicos, especificamente. A Copiosa Redenção abriu as sua portas para atender a vários chamados como: cuidar de meninas em situação de risco, idosos, creche, pastoral, casa de retiros e evangelização através da pregação de retiros, ministrada por irmãs e irmãos em vários Estados do país. A história da Copiosa Redenção foi escrita com a vida de muitas pessoas que se doaram, algumas mais experientes, outras mais jovens. Adorar e trabalhar. Orar e agir.

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Duas metas no coração do Senhor, que se unem para tornar-se uma fonte de Redenção.

64A Missão na Coréia

(1989)

A história de Santo Afonso conta que ele tinha um grande desejo de pregar missões aos pagãos de terras estrangeiras, tanto que em junho de 1729, com trinta e três anos de idade, abandonou a casa de seus pais e passou a morar no Colégio dos Chineses, casa sacerdotal fundada pelo padre Mateus Ripa, que preparava missionários para a evangelização da China. Dizia que os abandonados não estavam somente em Nápoles. Tal sonho só foi realizado depois de sua morte, quando a Congregação que fundou começou a expandir-se para o Oriente no século XX, sendo que em 1905 houve a fundação na Nova Zelândia e em 1906 nas Filipinas. Em seguida foram abertas casas no Vietnã, na China, no Japão, na Índia, na Tailândia e no Líbano, contribuindo na obra da evangelização da Ásia e da Oceania. Mas havia vários outros lugares da Ásia onde os redentoristas não estavam, em especial, a Coréia.

As atividades missionárias cristãs começaram na Coréia no século XVII, quando algumas cópias dos trabalhos do missionário Mateus Ricci foram trazidas de Pequim por uma missão encarregada da coleta anual de tributos para o imperador chinês. Além da doutrina religiosa, os trabalhos de Ricci cobriam alguns aspectos dos ensinamentos ocidentais, como o calendário solar e outras matérias que atraíram a atenção dos sábios de Silhak, Escola de Ensinamentos Práticos na época de Joseon. No século

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XVIII, houve inúmeras conversões entre estes estudiosos e suas famílias. Nenhum padre entrou na Coréia até 1794, quando o país recebeu a visita do clérigo chinês Zhou Wenmo. O número de convertidos continuou a crescer, embora a propagação da religião estrangeira no solo coreano ainda fosse tecnicamente contra a lei, verificando-se a ocorrência de perseguições esporádicas. No ano de 1865, uma dúzia de padres liderava uma comunidade de aproximadamente vinte e três mil seguidores. Com a subida ao poder de Daewongun, em 1863, príncipe regente xenófobo, as perseguições foram incrementadas e continuaram até 1873. Em 1925, setenta e nove coreanos martirizados durante as perseguições da Dinastia Joseon foram beatificados na Basílica de São Pedro em Roma, e, em 1968, outros vinte e quatro receberam a mesma honra. Durante e após a Guerra da Coréia (1950-1953), o número de instituições de assistência e missionárias católicas aumentou. A Igreja Católica Coreana cresceu rapidamente e a sua hierarquia foi estabelecida em 1962. Em 1984 foram celebrados os duzentos anos de presença da Igreja Católica na Coréia com a visita do Papa João Paulo II a Seul e a canonização de noventa e três mártires missionários coreanos e dez franceses. Essa foi a primeira vez que uma cerimônia de canonização foi realizada fora do Vaticano. Assim, a Coréia registrou o quarto maior número de santos católicos no mundo.

Em 1989, em vias do grupo missionário redentorista de Campo Grande tornar-se Província, numa visita que o Superior Geral, padre Lasso, fez a então vice-Província, descobriu ali o primeiro coreano redentorista em todo o período da história da Congregação, padre Man Yong Lee. Este trabalhou

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em Aquidauana e no Seminário Santíssimo Redentor, em Ponta Grossa. Foi o último reitor desse Seminário, que fechou em 1989. Naquela época pediu para estudar. Padre Edmundo, vice-provincial, o aconselhou a ir para Coréia e se aprofundar nos estudos da língua e cultura coreana. Conseguiu algumas pessoas que o ajudaram a manter esse estudo, evitando gastos à Província. Esteve na Coréia e ajudava numa paróquia, estudando a cultura e a língua coreana, como lhe foi proposto. Foi um mergulhar na cultura daquele país. Padre Lasso, ao descobrir o padre Lee em Curitiba, rapidamente o convocou para uma reunião em Roma com o Governo Geral e propôs uma missão na Coréia, para a qual este se colocou à inteira disposição. Dali veio o pedido para que participasse de uma reunião regional de Redentoristas na Ásia, em Bangalore, sul da Índia. Tal encontro seria em janeiro de 1990. Na ocasião, percebeu que havia pouca motivação da região asiática para tal fundação. O grande embate eram as dificuldades que poderiam surgir numa atitude tão arriscada. Na época, o padre Luis Hechanova, redentorista das Filipinas, era o conselheiro para Ásia. Não há dúvida de que as dificuldades e desafios eram grandes. Mas várias províncias e vice-províncias foram visitadas na Ásia em busca de articular o trabalho. Foram indicados pelo padre Lee alguns outros missionários asiáticos para ajudarem na nova fundação, entre eles um redentorista das Filipinas e outro da Tailândia. Esse último, já havia se encontrado com Padre Lee, que já conhecia seu desejo em ajudar numa fundação Redentorista na região.

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Em janeiro de 1991, todo o plano da nova fundação foi exposto ao Governo Geral em Roma, que prontamente apoiou o desenvolvimento da obra. Vencido o primeiro desafio, padre Lee foi para Seul falar com o bispo auxiliar, Peter Kang, encarregado pela Vida Religiosa na Coréia. Esse bispo havia morado com os Redentoristas do Japão. De fato, a arquidiocese de Seul já estava saturada de padres. Haviam decidido não aceitar mais nenhuma congregação em seu território porque o clero diocesano era muito forte. Mas, sendo amigo desses missionários, Peter Kang aceitou a comunidade redentorista internacional, tornando-se esta uma missão interprovincial. Num primeiro momento a vice-Província da Tailândia queria uma missão apenas da vice-Província. Mas o bispo era a favor de uma fundação internacional. Primeiro porque somente uma província não conseguiria manter a obra, devido aos altos custos. Segundo porque uma comunidade internacional estaria mais aberta à cultura coreana. Esse era o plano, englobar um missionário da Província de Campo Grande, padre Lee, um da Tailândia, padre Phaiboon Udomdej e outro das Filipinas, padre Willy Jesena.

Padre Lee chegou a Seul no dia 15 de março de 1991 para a fundação. Era festa de São Clemente Hoffbauer. Não tinha nada preparado. Morou provisoriamente num pequeno quartinho, um verdadeiro cubículo, que era a casa dos Franciscanos. Pagava aluguel. Era tudo muito apertado. Tinha de encontrar um local para acolher os outros missionários. Procurava com insistência um lugar maior. As dificuldades e desafios apareciam aos montes, pois na Coréia tudo é muito caro. Não havia

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dinheiro suficiente e o Governo Geral da Congregação não tinha recursos para apoiar a fundação. Por obra de Deus, finalmente encontrou um local, mas era muito caro e exigia-se que o aluguel fosse pago um ano antecipado. Girava em torno de cem mil dólares. Começou uma verdadeira maratona para arrecadar o dinheiro. Houve muitas tentativas. Foram praticamente sete meses de solidão, negociando local e estruturas para iniciar a missão. No dia 1º de agosto de 1991, festa de Santo Afonso, foi aberta oficialmente a fundação. Entre outubro e novembro de 1991, chegaram os outros dois missionários, Phaiboon Udomdej e Willy Jesena. A fundação compreendia a formação de uma comunidade redentorista. As paróquias eram cuidadas pelos padres diocesanos. Os religiosos não precisavam estar em paróquias, pois havia suficiência de padres diocesanos para pastorear as paróquias. Quando a fundação foi aberta, houve muita desconfiança. Os padres diocesanos acusaram os missionários de estabelecerem ali uma seita. Aconteceram vários conflitos com o clero diocesano. Começaram a rezar missas na comunidade, que era somente uma casa, e atendiam as pessoas idosas que residiam na proximidade. Eram em torno de trinta a quarenta pessoas. Tudo era difícil, a começar pela língua. Os outros dois missionários não tinham bom domínio do inglês e não falavam nada do coreano. A cultura e os costumes eram totalmente diferentes. Foi necessário investir um bom tempo e dinheiro para que aprendessem a língua coreana, o que leva em torno de três anos. O processo foi demorado. Os diocesanos agiam nas paróquias numa espécie de “feudo”. A paróquia mantém a escola e

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várias outras atividades como creche e centro de convivência. Tudo é muito bem organizado. As paróquias recebem muito, mas também têm muitas despesas. Tudo é pago. Por isso ficam fechados nesses “feudos” paroquiais e não se abrem às Congregações. A comunidade redentorista não tinha dinheiro e ao mesmo tempo não tinha espaço na estrutura da Igreja. Era preciso criatividade para encontrar um espaço pastoral, ou seja, buscar algo que os diocesanos não faziam. Tinham que buscar algo novo. Começaram a visitar diversos lugares. Faziam novenas até em terminal de ônibus e metrô. Algo parecido com as “Capelas do Entardecer”, que Santo Afonso realizava em Nápoles, na preocupação de evangelizar depois do trabalho. As capelas do entardecer conduzidas por Santo Afonso aconteciam nas praças de Nápoles e regiões mais pobres. Momentos de oração e compreensão de temas da fé. Seguindo o exemplo do fundador, nossos missionários, na Coréia, conseguiram uma pequena sala e faziam as novenas de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Pouco a pouco foram ficando conhecidos. E começaram a ser reconhecidos em Seul. No fim daquele ano, dois postulantes se haviam juntado à comunidade pioneira. Um grande terreno foi doado para construir uma casa de retiro. O projeto foi apresentado ao Governo Geral da Congregação, mas não havia recursos para a construção da casa de retiro e o local foi repassado para as Irmãs Paulinas, que construíram uma casa para elas no local. Isso porque o doador exigia construção imediata. Mais tarde ganharam outro terreno no alto de uma montanha, para a construção do noviciado. Essa foi a grande novidade. Na Coréia os padres não fazem

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trabalhos braçais. Padre Lee, pessoalmente, começou a construção da casa. Isso chamou a atenção da TV e da grande imprensa, que foram ao local para reportagens sobre o “padre trabalhando braçalmente”. Ficou conhecido como “padre escavador”, pois trabalhava com uma velha escavadora. A notícia se espalhou pela Coréia. Logo apareceram vocações. O noviciado foi inaugurado pelo padre Joseph Tobin, Superior Geral da Congregação. Num espaço de dez anos já havia dez missionários ordenados e mais de vinte seminaristas. Hoje, devidamente instalados na Coréia, a fundação tem poder de vice-Província. São em torno de trinta missionários. A Região se mantém financeiramente através dos trabalhos apostólicos, espórtulas de missas e doações. Existe uma associação de benfeitores que contribuem mensalmente. Em outras palavras, vivem da providência divina.

A pastoral dos missionários redentoristas ocupa o primeiro lugar na evangelização da Coréia, através da devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Há também o trabalho de assistência aos mais pobres. O clero, os religiosos e os leigos procuram os redentoristas para as celebrações litúrgicas, para o ministério sacramental e também para direção espiritual, retiros, encontros de oração, missas conventuais, atendimentos aos doentes nos hospitais, etc. O espírito afonsiano está vivo nesses ministérios. As lições que podem ser tiradas de toda essa experiência envolvem, em primeiro lugar, a melhor valorização dos aspectos históricos da Província. Valorizar a história é valorizar as pessoas, os missionários: “Quem nega o passado perde o presente e o futuro!” Também é preciso valorizar as

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pequenas coisas. Das pequenas coisas se constroem as grandes. Pequenas coisas parecem que não fazem a diferença, mas “de tijolo em tijolo é que se constrói uma casa”. Não tem como fugir do investimento forte na formação inicial. Formação é tempo de estudo, não é período de “fazer coisas”. Na Coréia os seminaristas redentoristas são os melhores da universidade. Não se aceita formandos medíocres. Lá os melhores ganham bolsa de estudo da universidade. Praticamente a maioria deles são bolsistas. Aprendeu-se também que é preciso ter criatividade. Não ficar na “mesmice”. Estar pronto para “sair em missão, fazendo campanhas em momentos cruciais da sociedade”. Para isso, é importante aprofundar mais a dimensão da vida religiosa. Não ficar apenas no aspecto emocional, mas viver o comprometimento.

Que dizer do futuro? O campo do apostolado dessa obra é toda a península coreana. A metade da Coréia, a parte norte, é ainda um país comunista. Há muitos desafios pastorais no sul. Mas com a abertura do norte ao Cristianismo num futuro próximo, haverá mais trabalho. Tendo experimentado as bênçãos de Deus nesses catorze anos passados, sabemos que Ele nos dará condições de continuar a obra junto ao seu povo. Por isso vivem na esperança e no entusiasmo a caminhada rumo ao futuro. Com a motivação de São Clemente, que levou o espírito missionário redentorista para além dos Alpes, padre Lee levou esse mesmo espírito para além das fronteiras da Coréia.

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Nomes entrelaçados na História

A obra missionária não seria possível chegar tão longe se não fossem pessoas de coragem e amor a tudo que faziam. De primeira mão, os missionários, que mostraram seu vigor e sua disposição em fazer a vontade de Deus. Mas tem aqueles que desde os primórdios marcaram sua presença na história das comunidades desses missionários. Pessoas que foram se entrelaçando na história sendo guias em suas viagens à cavalo, mecânicos, catequistas e cantores que acompanhavam as visitas nas capelas, ministros da Eucaristia e tantos outros trabalhos que as vezes parecem sem importância, mas são tão necessários quanto qualquer outro. Nomes de hospedeiros, pedreiros, arquitetos, cozinheiras, secretárias e tantos outros que fizeram parte do dia a dia da missão e deixaram sua marca em contributo para com a história e a realização do Reino de Deus. Citar todas as pessoas seria quase que impossível e até incorrer em injustiça de esquecer alguém, mas posso citar um, e este certamente fará jus a todos os outros que se entrelaçam nessa história de fé e missão. Lembro do Senhor Erich Sengewald. Ele nasceu na Saxônia, em 1905, chegou ao Brasil em 1925, com vinte anos de idade. Portanto, já estava aqui quando os missionários de preto vieram dos Estados Unidos. Trabalhou em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e depois mudou-se para o Estado do Paraná. Trabalhou na construção da Igreja na cidade de Tibagi e desde essa época conheceu os missionários redentoristas e os acompanhou em inúmeras construções, reformas e consertos. Foi em Tibagi que conheceu a mulher com a qual dividiu toda sua vida como esposa e companheira, a senhora Maria das

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Neves Suptil, natural de Tibagi. por motivos desconhecidos, os casal encontrou dificuldades com a Cúria de Ponta Grossa para o enlace matrimonial. Erich era da igreja Luterana e tinha concordado em criar os filhos como católicos e não impedir a esposa de praticar sua fé católica e sempre foi fiel a essa promessa. Os dois tiveram que ir até São Paulo buscar a licença e se casaram na casa da família Neves em Tibagi, na presença do padre Artur Lynch.

Era um excelente pedreiro e mestre de obras. Sempre estava disposto e apto a resolver qualquer problema e nunca media esforços para isso. Dirigiu as obras de Nioaque, Guia Lopes da Laguna, Jardim, etc. Passou vários anos em Bela Vista onde construiu o salão paroquial a cancha de esportes e dirigiu reformas na igreja, escola e casa paroquial. Os belavistenses o chamavam de “alemão dos padres”. Ainda em Bela Vista, construiu a casa paroquial e o convento das irmãs na cidade vizinha de Bella Vista, no Paraguai. Na década de 1960 mudou-se com a família para a cidade de Ponta Porã, a pedido dos missionários. O intento era terminar a construção da nova igreja matriz, São José. Construiu também a Capela da Granja, o ginásio de esportes e o auditório da Paróquia São José. Durante vinte e quatro anos, Erich e sua família moraram numa casa modesta pertencente à Congregação, ao lado da casa paroquial, sendo que dona Neves foi cozinheira da comunidade dos missionários durante muitos anos.

Dona Neves conheceu os redentoristas em Tibagi, seu pai era sacristão e guia dos missionários nas viagens pelo interior da Paróquia. Os missionários mais próximos de sua família eram os padres Haroldo Driscoll, Artur Lynch, Geraldo Noll, Francisco Dotzler, entre outros. Nos últimos anos de

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vida estava quase cego. Mal podia andar e passava a maior parte do tempo sentado na varanda da nova casa, construída num terreno de sua filha, no bairro São João. Seu estado de saúde se agravou consideravelmente e no dia 04 de agosto de 1989, após uma vida de inteira dedicação, com oitenta e três anos de idade, na cidade de Ponta Porã, entregou seu espírito ao redentor. Sabia que havia cumprido bem sua missão. Além dos familiares, um grande número de amigos e conhecidos acompanhou seu sepultamento no cemitério municipal. Alguns missionários se fizeram presentes com a certeza que seguia para sua ultima morada alguém que ajudou a construir toda essa história. Alguém capaz de representar todos os outros que já partiram. Alguém que foi leal aos seus princípios, ao Reino de Deus e à Congregação. Partiu exatamente no ano que toda aquela obra tomava novos rumos e escrevia mais uma página em sua história. Partiu no ano em que nascia a Província da Campo Grande, aquela que ele ajudou a construir desde a cidade de Tibagi, na década de 1930.

66Nascimento da Província de Campo Grande

(1989)

Todos os cristãos são chamados à missão, vivendo o amor de Deus como um dom a ser compartilhado. Os Redentoristas, como uma expressão mais plena da sua consagração batismal, cumprem essa vocação básica de todos os cristãos respondendo com zelo e criatividade às urgentes necessidades pastorais dos mais abandonados, especialmente os pobres. Consagrando-se

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inteiramente à evangelização. Para realizar essa missão procuram viver como os apóstolos de Jesus e dedicar suas vidas totalmente a Deus e à obra missionária. Num mundo em rápida mudança, buscam constantemente novos modos de pregar a Boa Nova do amor de Deus.

Certamente que qualquer caminhada é preparada desde seus primeiros passos, exatamente o que aconteceu com esse grupo missionário desde a cidade de Aquidauana, em janeiro de 1930. Desses remotos tempos, entre perdas e vitórias, havia o sonho de “caminhar com as próprias pernas”. Mas há certas ocorrências históricas que vão afirmando a necessidade e a possibilidade de se chegar ao momento certo e adentrar no processo. Neste caso, ao que parece, tudo começou a ganhar corpo entre os anos de 1969 e 1975, tendo como vice-provincial o padre Jaime Toulas, primeiro Superior vice-provincial eleito pelos próprios missionários e não mais apontado por Roma, como era costume nas Congregações até as decisões do Vaticano II. Todas essas decisões acabaram influenciando na reflexão que culminou com o fato de ser Província. Uma das decisões foi trazer a formação filosófica e teológica dos estudantes para o Brasil no ano de 1970. Até então, os estudantes eram enviados para Esopus, New York.

O governo do padre José May, entre 1975 e 1981, foi de grande importância nesse processo. Um dos gestos marcantes dentro do grupo foi que ele começou a escrever cartas para os membros da vice-província em português. Antes, a comunicação era realizada em inglês. Os brasileiros que moravam nas comunidades falavam inglês porque haviam estudado nos Estados Unidos. Foi um gesto que

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provocou muitas resistências. Tudo era feito em inglês e a moeda do grupo era quase que praticamente o dólar. Um exemplo típico disso foi que, com o advento do Vaticano II, as Constituições e Estatutos mudaram, e a Província de São Paulo, responsável em imprimir as novas Constituições em português, mandou um comunicado querendo saber quantos exemplares eram necessários para a Unidade de Campo Grande. A resposta foi curta e grossa: nenhuma. Por que nenhuma? Porque já tinham os textos próprios das Constituições e Estatutos em inglês e português. Mesmo com as resistências que encontrava, padre José May continuou a escrever em português para as comunidades.

Outro grande gesto foi a nomeação de um promotor vocacional exclusivo para cuidar das vocações. Alguém liberado somente para isso. O padre Moacir Bossay foi o primeiro. Antes era uma equipe do Seminário Menor quem visitava os candidatos, sendo que cada comunidade tinha por incumbência acompanhar os mesmos. Com o entusiasmo e a dinâmica do padre Moacir vieram novas expectativas, pois o número de vocações aumentava consideravelmente e isso permitia sonhar o futuro da então Província. Um outro passo foi o desmembramento da Missão de Assunção, do Paraguai, no ano de 1970. A formação dos paraguaios continuava por aqui, mas começava uma nova era, criando uma nova identidade, já que o campo de atuação estava sendo delimitado entre o Paraná e o Mato Grosso do Sul.

Em 1981, padre Edmundo Twomey foi eleito vice-provincial e em seguida começaram a planejar encontros anuais dos missionários. O primeiro

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encontro aconteceu em Londrina, no Paraná. Iniciou-se o que hoje se conhece por Assembléia Provincial. Esse encontro aconteceu em duas sessões, porque não era aceitável que as paróquias ficassem sem ninguém. Isso complicava um pouco toda a caminhada, porque era necessário fazer tudo de modo rápido, mas proveitoso. Os assuntos que versaram esse primeiro encontro eram questões sobre o futuro, a satisfação e insatisfação de todos. Quem assessorou foi o padre Antonio Silva, da Província de São Paulo. O resultado desse trabalho apareceu em um grande volume de coisas decididas como prioridades para os próximos três anos. Toda as discussões e decisões desse encontro sofreram um embate quando veio um telegrama do Provincial de Baltimore, padre Joseph Hurley, dizendo que a vice-Província de Porto Rico estava se tornando Província. E a pergunta era: por que vocês não? O vice-provincial e seu conselho ficaram atônitos. Uma coisa é discutir o ser Província no futuro, outra é realizá-lo de imediato. Depois do susto, um telegrama de resposta foi enviado ao Provincial de Baltimore dizendo que “sim, mas agora não”. Com esse telegrama ficou de lado aquele calhamaço de decisões, planos, prioridades e deram início às preparações para tornar-se Província.

Aconteceram várias reuniões no litoral do Paraná, em Curitiba e no Mato Grosso do Sul, com a finalidade de constatar o que os outros missionários pensavam sobre tornar-se Província e quais seriam as preocupações e sugestões para tal evento. O que apareceu com mais ênfase sobre tais constatações foi, em primeiro lugar, a suficiência de missionários para sustentar uma Unidade que estava em vias de fato de ser Província. Já fazia alguns anos que a

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Província de Baltimore não enviava ninguém para cá, mas havia uma grande insegurança nesse sentido, pois o cordão umbilical seria cortado e todas as possibilidades de se enviar missionários para o Brasil estariam sendo deixadas de lado. Em segundo lugar, veio a questão financeira, que permeava toda realidade de sobrevivência. Essa foi uma preocupação fortíssima, pois não se poderia mais contar com a ajuda de Baltimore para os gastos hodiernos. Era preciso crescer e necessitavam dar passos certeiros para que a Província pudesse ter auto-suficiência. Até o momento tal preocupação não era uma realidade, pois sempre que se precisava de dinheiro para os trabalhos era só pedir e Baltimore generosamente enviava. Em terceiro lugar, refletiu-se bastante sobre a autoconfiança, que implicava no relacionamento entre os jovens e os de mais idade, pois embora houvesse uma autonomia quanto a Baltimore, no sentido da língua e da questão geográfica, persistia ainda uma certa “distância” cultural entre brasileiros e norte-americanos, sendo que quase todas as comunidades, até o ano de 1981, tinham um americano como superior. Era fácil encontrar uma divergência aqui e ali quando se tratava de falar de pastoral e de caminhada comunitária, ao conviver com duas culturas diferentes, americanos e brasileiros. Além disso, como ficaria o fato dos brasileiros poderem vir a assumir uma liderança na Província?

Outra pergunta constante foi sobre a data específica para marcar o início da nova Província. Não havia vozes contra o fato de tornar-se Província, mas a preocupação de quando isso iria acontecer gerava ansiedade, visto que muitas coisas iriam mudar a partir de então. Padre José May sugeriu que

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fosse no ano de 1989, pois assim a Província começaria com um novo triênio e daria tempo de se preparar até lá. Parecia bastante longe, mas a sensação é que ainda se tinha muito que fazer. Assim, em 1981, começou o processo de pensar, sonhar e se preparar para a realidade da Província. Formaram-se comissões e continuou o diálogo com a Província-Mãe, Baltimore, na pessoa do Provincial José Hurley e depois Edward Gilbert.

No que diz respeito à questão financeira, começaram agir por dois lados: primeiro o lado da Província de Baltimore; segundo, o lado da vice-Província aqui do Brasil. As decisões e sugestões foram levadas para a Província de Baltimore e estes acolheram tudo com muito carinho e generosidade. Membros de outras Províncias do Brasil fizeram comentários positivos sobre essa generosidade despendida para esta Unidade. Um dos primeiros passos desse processo foi a reflexão sobre fechar o Seminário Menor, pois sem as doações que vinham de Baltimore, dificilmente iriam conseguir manter a estrutura desse Seminário, que era muito cara. Foi decidido também que a futura Província iria assumir o seguro-saúde dos confrades, começando o processo de associação com a Unimed. Mas o peso maior dessa questão financeira era mudar a mentalidade de todos os missionários que atuavam aqui. Desde 1930 os recursos financeiros vinham do Escritório Central da vice-província para as paróquias e frentes pastorais. A mentalidade de contribuir, e não somente tirar, como acontecia até então, tornou-se uma luta quase que sangrenta e desgastante. Ninguém queria deixar os privilégios de lado.

Outra questão emergente tocava o lado pessoal. O vice-provincial, padre Edmundo Twomey,

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conversou pessoalmente com cada missionário norte-americano para saber se, ao tornar-se Província, eles iriam precipitar sua volta em definitivo para os Estado Unidos. Quase todas as respostas foram negativas. Tornar-se Província não iria influenciar a decisão de voltar para os Estados Unidos. Apenas dois responderam que voltariam. Desse modo, ficou claro que tornar-se Província não era uma questão de nacionalidade e sim de maturidade missionária. A Província não era dos brasileiros, nem dos americanos, mas dos redentoristas que ali trabalhavam e lutavam para bem promover o Reino de Deus e ajudar o povo a viver melhor a sua fé. As reflexões seguiram o caminho de que não é porque o missionário é brasileiro ou norte-americano que ele seria Superior de uma comunidade, mas sim pelas suas qualidades e dons. Todos são redentoristas e isso acabou superando as tensões e possíveis crises. Os focos anti-brasileiros ou anti-americanos começaram a ser administrados para que não houvesse uma debandada de missionários norte-americanos para os Estados Unidos, criando rusgas, rixas e mágoas.

O nome de Batismo da Província também foi uma incógnita. Que nome ficaria melhor? O que se deveria utilizar? Campo Grande? Curitiba? Aquidauana? Mato Grosso do Sul? Paraná? Enfim, padre Edmundo Twomey, por ele mesmo, decidiu que o nome da nova Província seria Campo Grande. A razão foi lembrar e viver as origens de todo esse trabalho missionário iniciado em Aquidauana e estendido para o Estado do Paraná. Foi uma decisão tomada sem consultar ninguém. Sem peso de consciência, entendia que se a origem matogrossense do grupo fosse esquecida, a

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identidade seria perdida. Foi então aprovada pela Província de Baltimore a elevação de sua “filha” a um status de “dona do seu nariz”, aquela que caminha com as próprias pernas. Fruto do esforço de uma linda caminhada evangelizadora e histórica. O dia 12 de outubro de 1989 foi escolhido para efetivar a transição para Província, mas ainda havia a necessidade da aprovação do Governo Geral em Roma e, para isso, era preciso passar pelo crivo de uma visita canônica, que aconteceu de 01 a 24 de maio de 1989.

Vieram para a visita canônica pastoral os missionários Juan Maria Lasso e Luis Hechanova. Um dos objetivos maiores dessa visita era exatamente cumprir os Estatutos Gerais que dizem ser necessário ampla visita à Unidade que está sendo constituída Província e foi o que fizeram. Alguns elementos importantes deixaram bem claro que eles só vieram para ajudar o processo se tornar realidade de modo mais intenso e eficaz.

Observaram nessa visita que é preciso viver muito bem a unidade dentro da variedade de dons. Não viver a Unidade somente de modo teórico, mas de modo prático e vivencial, com responsabilidade, respeito e colaboração mútua. A unidade é um dos ideais de Santo Afonso e algo que se constrói no dia a dia. Aconselharam que cada redentorista dessa Província se esforçasse para viver bem essa unidade, onde todos busquem ser um. Para a boa vivência, é necessário uma formação contínua e permanente em nível de Província, que começa em cada comunidade, segundo os critérios das Constituições e as decisões dos Capítulos Provinciais e Gerais.

Outro ponto a ser levado em conta foi buscar eficazmente a finalidade da Congregação, bem

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definida nas Constituições. A imagem que deve orientar a neoprovíncia deve ser sempre a busca em estar perto dos pobres e abandonados, começando dentro das comunidades apostólicas. Sendo que os jovens precisam ser formados e orientados nessa linha e nesse ideal de realidade. Isso será sinal de esperança para o futuro. O primeiro sinal de anúncio da Boa Nova aos pobres precisa ser vivido dentro da comunidade, em comunhão e fraternidade, tendo os votos religiosos como caminho radical de seguimento a Jesus.

Perceberam também que a visita ajudou a comprovar que grande maioria dos missionários já julgava ter chegado o tempo de ser Província independente e que isso significava novos desafios. Alguns ainda falavam ser necessário mais alguns anos até que o amadurecimento ficasse completo, em especial, no que diz respeito às atividades pastorais da vice-província e o novo sistema de formação. Mas todos concordaram que o grupo missionário já agia como Província há muito tempo.

Enfim, foi lembrado que os requisitos básicos para uma Unidade ser Província versam sobre o número de congregados e os recursos econômicos. Constatou-se que esses requisitos já existiam. Por isso, concluindo todas essas reflexões, lembrou-se da responsabilidade de cada congregado, padres, irmãos, junioristas, noviços, postulantes, aspirantes, oblatos e colaboradores que atualmente formam a nova Província. É um momento histórico, um momento de graça, uma nova etapa. A responsabilidade é grande, mas a força missionária deve ser maior ainda. Com Deus tudo se faz possível.

Padre Edmundo, o vice-provincial desse processo, partilhou com todos os confrades que

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tornar-se Província era sinal de maioridade, maturidade e, conseqüentemente, maior responsabilidade. É tornar-se adulto, responsável pela sua própria existência, atuação e continuidade. Tornar-se Província não é apenas comemorar uma data, mas é marcar um fato na história da Congregação. É reconhecer o empenho, a dedicação e o talento de todos os que passaram por esse campo, desde os pioneiros até os mais jovens membros do grupo. A mão de Deus estava presente e ajudando a fazer a história para a concretização desse momento. Isso despertava sentimentos de gratidão a Deus que caminha com o grupo. De gratidão com os missionários que se desgastaram na evangelização dos amados de Jesus. Gratidão para com as inúmeras pessoas que prestigiava, ajudava, motivava e estimulava espiritual e financeiramente todos os projetos lançados no decorrer de todos esses anos de vida como vice-província.

Tudo isso leva a olhar para o futuro de modo extremamente confiante! Confiante de ser instrumento de Deus agindo no mundo. Ser Província não é olhar para o passado descansando nos louros de um passado próximo ou remoto, mas é saber que os desafios virão, assim como vieram para os pioneiros que enfrentaram diversos obstáculos, foram criativos, perseverantes e esperançosos num futuro vitorioso.

Enfim, ser Província é desvincular-se juridicamente da Província Mãe de Baltimore, que vai permanecer viva dentro de todos numa imorredoura gratidão filial a esta que gerou, orientou e sustentou todos esses anos de missão, enviando para cá o elemento humano missionário e essencial para a obra ser levada adiante, acrescida de recursos

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materiais num empreendimento tão ousado. Foram sessenta anos de cuidado e carinho materno.

Do outro lado, padre Edward Gilbert, Provincial de Baltimore, também fez sua observação dizendo que em apenas sessenta anos, enfrentando milhares de adversidades, os missionários construíram uma comunidade sólida e apostólica. Que a disposição em estar junto do povo atraiu vocações e preparou o futuro que agora desabrocha numa Província. Todas as construções, todo empenho capacitou pessoas a ser Igreja e a lançarem alicerces capazes de sobreviver muito além do término dos dias de seus iniciadores. Celebrar o “Ser Província” é rememorar os redentoristas e leigos, vivos e falecidos, que abnegadamente tudo deram de si para preparar o que se vive como Província. Enfim, abraçar a obrigação de construir para o futuro uma comunidade apostólica redentorista que continue a instigar nova vida missionária nas igrejas locais confiadas aos cuidados da Província de Campo Grande, fazendo jus ao que fizeram os pioneiros. Foi então que, no dia 12 de outubro de 1989, deixou de existir a vice-província de Campo Grande (0703) e nasceu a Província de Campo Grande (4100 CG), confiante que a presente e futura geração escreverão a história de eterna gratidão à prodigalidade de tão terna mãe.

Eu, olhando para a beleza pantaneira, com seus pássaros, animais, plantas e pessoas, perdido nas reflexões e lembranças de toda essa grandiosidade missionária, só posso dizer que valeu muito conviver com os missionários. O que virá depois? Isso é uma história que certamente outros escreverão, pois meu corpo já não tem mais forças para escrever, meu cérebro não responde e quase me dou por vencido.

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Mesmo assim entôo um canto que aprendi dos missionários e acho que nunca mais o esquecerei e o levarei para a eternidade: Salve, Regina, Mater misericordiæ, vita, dulcedo et spes nostra salve! Ad te clamamus, exsules filii Evæ. Ad te suspiramus gementes et flentes in hac lacrimarum valle. Eia ergo, advocata nostra, illos tuos misericordes oculos ad nos converte. Et Jesum, benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsilium, ostende. O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria!

Neste momento, enquanto ensaiava esse canto tive uma distração. Meu casebre, o pantanal, Aquidauana desapareceram e encontrei-me numa terra desconhecida que se estendia verdejante, a perder de vista. Sentado numa cadeira, com o rosto voltado para mim Santo Afonso me olhava. Caía um leve orvalho. Ao longe os cumes das montanhas estavam cobertos de ligeira neblina. Bem à frente pude visualizar um grande vulcão. Um perfume suave de flores recendia o ambiente. Eram rosas que exalavam um odor contínuo e agradável. Em alguma parte eu ouvia o rio suspirar por entre as pedras. Não havia ninguém por perto. Tudo era harmonioso. De repente, ouvi centenas de vozes melodiosas que cantavam um ofício a Nossa Senhora. Apareceram dos campos rebanhos de cabras, bois, cavalos, cães que bramiam alegremente. Senti uma paz profunda no meu interior e tive certeza de que naquele coro do ofício estava a voz dos pioneiros dessa obra, e padre Francis Mohr e Hild puxavam a melodia junto com os que ajudaram e de algum modo contribuíram com todo esse trabalho divino. Prendi a respiração, esperando ver mais, porém voltei ao meu casebre e, no bendito momento em que escrevo estas últimas palavras, soluço a lembrança dos que conheci e já se

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foram, mas ao mesmo tempo me alegro pelos que continuam. Sei que esse lampejo do paraíso é um sinal de que devo me preparar para brevemente fechar os olhos para sempre e seguir em direção à eternidade. O jovem tuiuiú sabe que ficou velho e só pode voar com o pensamento. Não sei quem será o sucessor dessa história, mas tenho a consciência tranqüila de que tudo o que eu sabia relatei. Possivelmente não mencionei alguns missionários ou fatos, razão é que ou não os conheci ou não lembrei. Mas Deus, em sua infinita misericórdia saberá me dar o perdão. Quem sabe você, que acompanhou o meu relato poderá ser aquele que a continuará, ajudando toda essa história a ser completa. O plano divino tem a resposta para as perguntas que faltaram e sei que toda essa sabedoria e esse abençoado trabalho não terminam com o velho tuiuiú. Continua com a posteridade, como o próprio Cristo continuou!

ConclusãoVivenciando o presente, sonhando o futuro

É normal os pais sonharem o melhor para seus filhos. Mas em tempos atuais as dificuldades, perigos e riscos fazem todos terem medo do futuro. Sonhar é preciso. Preparar-se é imprescindível. A esperança e a coragem de ser – e não só de ter -  devem sempre vencer o medo e as demais dificuldades que impedem as realizações. Júlio Verne, no final do séc. XIX, teve uma visão - um sonho - do homem indo até à Lua, o que só aconteceu em 1969. Morreu sem ver seu sonho realizado. Juscelino Kubitschek realizou seu sonho ao ver Brasília construída. Nos anos 70, o movimento  “Paz e Amor” conseguiu realizar o sonho de acabar com a guerra do Vietnã. Pais sonhadores

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hoje se queixam que a geração atual é muito individualista; desistiram de sonhar comunitariamente como nos anos 70, se preocupando apenas em realizar seus mesquinhos sonhos pessoais de posse: ter um emprego, uma casa, um carro e uma família pequena. Alguns fazem projetos com os filhos apontando caminhos para realizar o seu desejo, não se importando se são sonhos pessoais ou sociais. Contudo, somente os filhos é que poderão realizá-los. Em si mesmo, um sonho pensado e elaborado pode virar um "projeto" e tornar-se acontecimento real.  Um “projeto profissional”, ou um “projeto de vida", são sonhos mais elaborados, quase prontos para serem concretizados na realidade. As crianças são profundamente afetadas pela perspectiva do futuro, especialmente quando ouvem a pergunta "o que você vai ser quando crescer?” Nessa hora, estamos não só fazendo-as tomar consciência de seus sonhos, mas convidando-as a falar deles e a perceber que junto podemos realizá-los melhor.

Os redentoristas são vocacionados à esperança, ao amor e a capacidade de realizar coisas em prol do Reino de Deus. É nessas águas que navegam seus sonhos. Sonham com uma humanidade evangelizada e orientada para Deus. Sonhos, tanto os produzidos pelo sono, como quando acordados, são necessários e fazem bem à alma. Possuído pelos sonhos o corpo trabalha com mais vontade. Nossa vida precisa se alimentar de sonhos, pois eles são portadores de nossos desejos e esperanças. Os nossos projetos pessoais e comunitários precisam estar situados entre o sonho e a realidade. Um projeto é sempre a expressão de um sonho elaborado pelo pensamento visando

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materializar-se na realidade. Sendo ainda inviável no momento, a materialização de um bom projeto passa a ser sustentada por novas elaborações, reforçando-o como “sonho-projetado”.

Os missionários pioneiros chegaram ao Brasil cheios de sonhos e desejos de ajudar o povo, primeiramente do Mato Grosso, depois do Paraná, a encontrar o Cristo, conhecê-lo e viver sua mensagem. Mas ainda não conheciam direito a língua, nem os costumes desse povo. Foi um desafio vencido pelo desejo de realização do sonho. Nos primeiros quinze ou vinte anos todo redentorista vinha dos Estados Unidos disposto a dar seu sangue, mas por um período de tempo. Traziam uma estrutura de apostolado pré-montada, tendo como ideal transplantar para o brasileiro um modelo de cristão americano, numa atitude de aculturação forçada. Algo que não se pode questionar hoje, pois era a melhor maneira que conheciam de evangelizar. Isso mudou. Com os anos de experiência, percebeu-se que tal idéia nem sempre resolvia os problemas básicos do povo brasileiro. Muito se lutou por uma maior participação dos missionários em atividades diocesanas, no acolhimento e hospitalidade aos leigos e missionários de outras Unidades. A influência do Vaticano II, de Medellin, Puebla, Santo Domingo e Aparecida trouxe o questionamento sobre o carisma e a opção. As nossas Constituições exigiram mais maturidade e co-responsabilidade. Fatores cruciais que necessitam de enfrentamento e que, ao mesmo tempo, abrem novas perspectivas. Foi pelos sonhos e fé que esses pioneiros desbravaram uma parte desses dois Estados em busca de almas necessitadas, sofridas e sem esperança. Duas realidades diferentes, tanto pela história e cultura

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quanto pela realidade agrícola e financeira do povo. Duas situações onde a ação dos missionários, embora semelhante, se demonstrou diferente. No Paraná a prática religiosa se apresenta mais institucional e no Mato Grosso sempre foi mais voltada para a religiosidade popular. Passos foram dados e o trabalho foi se desenvolvendo. Com o passar dos anos, paróquias foram sendo estruturadas e organizadas. Nelas os missionários se entregam à pregação da Palavra, à celebração dos sacramentos, à devoção a Nossa Senhora, direção espiritual, catequese, liturgia e formação de comunidades. Movimentos foram criados, ajudando na conscientização de adultos, jovens, casais e tantos outros grupos. Pastorais foram implementadas, atendendo asilos, orfanatos, idosos, prisões, quartéis, alcoólatras, meninos de rua, creches e tantos necessitados. Santuários nasceram e neles as devoções são cativadas, se voltando não somente para o espiritual, mas também para a situação social e o atendimento ao povo de Deus. Surgiu a Equipe Missionária, valente e perseverante, trabalhando com grande envergadura nas diversas regiões do sul do Brasil. Algumas vezes unidos aos grupos de outras Províncias em missões maiores, outras vezes angariando as forças do próprio grupo, sem deixar de pensar em ajudar pessoas a experimentarem a força da evangelização pelas missões populares. Os meios de comunicação foram utilizados e são tomados como eficiente serviço de evangelização. Nasceram outras obras, “filhas da Congregação”, como a Copiosa Redenção, as Mensageiras do Amor Divino, a Comunidade Vida Nova, a Comunidade Sarnelli e tantas que só contribuem para o Reino de Deus. Ficamos Província e ganhamos a virtude de caminhar

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com as “próprias pernas”. O sonho continua e aos poucos vai se realizando.

Para que o sonho fique cada vez mais real, ainda precisam crescer na integração. Pouco a pouco foram acrescentados muitos trabalhos, bons, mas sem integrá-los harmoniosamente na tarefa missionária da Província. A lista de tarefas é ampla e urge por uma linha mestra que a conduza. Os jovens precisam sonhar com critérios e orientações bem definidas. Os trabalhos de paróquias não são fáceis, mas ainda não trilham passos para viver exemplarmente o sentido e a base de uma paróquia Missionária. A exclusão social e econômica é uma questão moral e ética e precisa de nossas respostas. Santo Afonso buscou dar respostas concretas a essas questões e hoje temos a missão de apontar esperanças nessa linha. Nossos missionários precisam se motivar para que nesse mundo pluralista em que vivem possam continuar sendo fiéis ao carisma da Congregação e aos sinais proféticos diante de tantos desafios que se apresentam na atualidade, sem perder de vista seus destinatários, os mais pobres.

São sonhos “sonhados”, realizados e em realização. Quem vai realizá-los? Todos que hoje ingressam nessa caminhada, tantos os evangelizados como os evangelizadores. O que contará é o diálogo, os momentos de oração particular e comunitária, que alimentam a fé, a consciência, a mútua apreciação dos talentos e das fraquezas, a perseverança na vocação e as bênçãos recebidas até o presente. São elementos de grande importância quando queremos deter nosso olhar de modo esperançoso para o futuro. O campo cultivado no passado, com muito suor e sacrifício, produz frutos

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em abundância no presente e certamente o produzirá no futuro, mas um critério é imprescindível: que sonhemos juntos, como os pioneiros sonharam!

Bibliografia de Apoio

Bejes, Nylzamira Cunha. Teu nome é história. Gráfica Planeta: Ponta Grossa, 2007. vol. 49Olsen, Guilherme (coord.). Cinqüentenário da vice-Província de Campo Grande, 1930-1980.

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Small, James; Twomey, Edmund. O Carisma Redentorista da vice-Província. Curitiba, 1979. Maria. C. L. Marques. Livro Tombo da Paróquia de AquidauanaLivro Tombo da Paróquia de MirandaLivro de Atas da Legião Santa IzabelBodas de Prata dos Padres Redentoristas, vice-Província de Campo Grande 1930-1955Livro de Atas da Rádio Difusora de ParanaguáLivro de Atas do Colégio Nossa Senhora do RosárioLivro de Atas do Colégio São JoséCrônicas da Comunidade de Paranaguá, RocioSecretaria da Província de Campo Grande. Agora Província de Campo Grande, 1989Programa Coisas Nossas: 60 anos da Rádio Difusora. Apresentado no ano de 2002, na Rádio Difusora de Paranaguá, em Paranaguá. Revista comemorativa: 75 anos de História e Missão da Província de Campo Grande.

Conhecer a história de uma comunidade faz a pessoa sentir-se atraída em aproximar e por conseguinte conhecer ainda mais a sua existência. Nesta perspectiva apresento o livro escrito com muito carinho pelo padre Gelson Luiz Mikuszka, CSsR. De

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maneira dinâmica e ilustrativa o autor apresenta os seis primeiros decênios da Província de Campo Grande, desde a chegada dos pioneiros Redentoristas, em 1930, que vieram da América do Norte até a instalação canônica da Província em 1989.

É um livro de leitura atrativa, que devido ao enredo muito bem elaborado, motiva o leitor a fixar e conhecer a história. É uma obra que ajudará o leitor a conhecer mais os Redentoristas desta Província, mas também perceber na entrelinhas a intuição de Santo Afonso de Ligório, que fundou os Redentoristas. Os Redentoristas pioneiros e os mais recentes carregaram consigo o espírito missionário de Santo Afonso pelo Mato Grosso do Sul e pelo Paraná.

Pe. Joaquim Parron CSsRMissionário Redentorista

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