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HISTÓRIA DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES …  · Web viewA notoriedade dos nomes dos alunos, do paraninfo e professores homenageados, ... word Created Date: 9/20/2016 7:13:00 PM Company:

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ANCORANDO QUADROS DE FORMATURA NA HISTÓRIA INSTITUCIONALWERLE, Flávia Obino Corrêa – UNISINOSGT: História da Educação / n.02Agência Financiadora: CNPq

O universo fotográfico está em constante flutuação e uma fotografia é constantemente substituída por outra. Aparecem semanalmente novos cartazes sobre os muros, novas fotografias publicitárias nas vitrines, novos jornais ilustrados, diariamente nas bancas. Não é a ‘determinadas’ fotografias que estamos habituados. Trata-se de um novo hábito: o universo fotográfico habitua-nos ao ‘progresso’. Já não nos apercebemos dele. Se, de repente, os mesmos jornais aparecessem diariamente nas nossas salas ou os mesmos cartazes semanalmente sobre os muros, aí, sim, ficaríamos comovidos. (FLUSSER, 1998, p. 82)

Flusser ressalta a evidência da fotografia no nosso cotidiano e sua posição efêmera,

substituível e ao mesmo tempo profusa no mundo atual. A fotografia digital amplia esta

característica de constante presença que associa a substituição, a produção e a

multiplicidade de imagens com dinâmica e com progresso. Faz parte da ecologia da

sociedade atual a abundância imagética e, quanto mais imagens são produzidas, menos

importantes cada uma delas se torna. Pela saturação produz-se a descartabilidade. Deletar

uma fotografia digital não tem sequer o impacto de lançar um documento ao fogo ou ao

lixo. A multiplicidade de fotografias não datadas, desordenadas, indica documentos

efêmeros tanto para seus autores como para os fotografados.A imagem digital questiona e

tende a posicionar a fotografia e o álbum fotográfico tradicional (com fotos coladas numa

cartolina, sustentadas por cantoneiras de papel, ou introduzidas em plástico transparente)

para o âmbito do superado, do fora de uso.

Cercados pela fotografia, pela imagem e pelo mundo digital em nossa vida pessoal,

nas relações sociais e institucionais, percebemos, mais facilmente, a sua banalização como

documento.

Flusser (1998) VÊ duas revoluções fundamentais na estrutura cultural, uma

decorrente da invenção da escrita linear e outra a da invenção das imagens técnicas. Este

texto inicia nas cercanias da segunda revolução, analisando o impacto da

invenção/apropriação das imagens fotográficas e sua composição em cenas/quadro que se

congelam e mantém nas instituições escolares, contribuindo para a representação e

identidade institucional.

Hoje as fotografias não têm mais a função de representar; funcionam como biombos

que mascaram o mundo, uma forma de alucinação, uma nova idolatria, as pessoas passam a

viver em função das imagens. Não é incomum acompanharmos, nos dias de hoje,

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formaturas nas quais, durante o evento, os formandos têm que reter a marcha, entre a

cadeira e a mesa oficial frente a qual diplomam-se, para serem fotografados, interrompendo

a fluidez da caminhada, do estar e viver o evento.

A reflexão deste texto inicia por um momento histórico anterior (inicio do século

XX), em que a fotografia em quadros de formatura era tratada como ação consciente de

cristalização da história institucional escolar, acontecimento ao mesmo tempo único e

modelar, congelamento de fatos no tempo, mantida como importante presença na

materialidade institucional. Com o progresso técnico, a fotografia se aproxima da

documentação ordinária sendo descartável entretanto, neste trabalho, a mesma é discutida,

como documento inusual, preservando momentos únicos.

Sendo os quadros e álbuns de formatura polissêmicos e ambíguos, a escrita deste

texto indica sentidos que os mesmos podem tomar frente às instituições escolares,

procedendo à sua ancoragem (PENN, 2002, p. 322) no contexto. Ancoragem1 implica

contextualização da imagem, atribuição e detalhamento de significados e é isso que

realizamos, dando-as a ver, não lhes atribuindo um estatuto menor ou considerando-as

como fontes acessórias mas, com capacidade de contribuir para configurar a cultura e

descrever subjacentes lógicas institucionais.O poder das imagens não reside num valor qualquer que as caracterize a priori (estético, mimético, etc.), mas antes no valor das interpretações a que está sujeita em diferentes momentos por diferentes observadores (PAULO, 1998, p. 126).

Instituições reafirmam-se em quadros

A História das Instituições Escolares é entendida com base em Werle (2004), como

uma representação da escola expressa sob a forma de síntese narrativa construída a partir da

análise de documentos. As fontes para a realização da história de instituições escolares são

de variados tipos, registros que podem ser utilizados como indícios de tal história

(SAVIANI, 2004). Discutimos a história institucional a partir dos quadros que agrupam

fotografias de várias pessoas que marcaram, em conjunto, a vida da escola. Os quadros de

formatura e os álbuns de fotografias serão discutidos como representações de momentos da

história institucional e como monumentos que atestam seu projeto formativo: a conclusão

do curso em sua solenidade de formatura. Esta, a ancoragem a que nos referimos no titulo.

1 “o ato de pôr em relação grandezas semióticas pertencentes quer a duas semióticas diferentes (a imagem publicitária e a legenda, o quadro e seu nome), quer a duas instâncias discursivas distintas (texto e título): a ancoragem produz o efeito de transformar uma das grandezas em referência contextual, permitindo, assim, desambigüizar a outra” (GREIMAS, COURTÉS, 1979, p. 21).

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A formatura é uma prática ritualizada que expressa a cultura escolar

institucionalizada. Como símbolos rituais os quadros de formatura situam-se numa

abordagem de história da cultura de instituições escolares. Os símbolos rituais são um

instrumental que possibilita modelar a realidade, instrumentos mediadores com sentido

subjacente ou de teor subjetivo e que articulam as dimensões normativa e afetiva, podendo

“condensar a representação de muitas coisas através de uma única formulação, de unificar

significados discrepantes e polarizar significados ...” (Turner, apud MCLAREN, 1991, p.

33). Os símbolos integram significados e têm o poder de estruturar a imaginação (Baum,

apud MCLAREN, 1991, p. 33).

A abordagem cultural das instituições escolares considera-as como coletividades

sociais nas quais as pessoas desenvolvem padrões ritualizados de comunicação (Kreps,

apud GONZÁLEZ, 1989, p. 107), são construções sociais únicas pelo partilhar de

símbolos, significados, crenças e valores em comum. Tal perspectiva cultural identifica

regras e convenções de condutas que formatam processos sociais, o que os torna inteligíveis

para as pessoas que constituem a organização e para o mundo exterior.

Uma formatura é um importante momento no funcionamento das instituições

escolares, destacada referência por comprovar os atos pedagógicos de sucesso processados

em seu interior. Ela é o momento final de um processo de formação, significando uma

graduação, um avanço reconhecido publicamente na escala de escolaridade, que diferencia

os que a obtiveram das demais pessoas e que, no caso de cursos de formação profissional,

marca uma prerrogativa de trabalho.

A conclusão de uma etapa de formação comemorada como formatura é um evento.Uma festa se caracteriza sempre, em primeiro lugar, pelo prazer, pela alegria e pela expansão dos sentimentos que nela tem lugar. E sentimentos não são categorias racionalizáveis, de contornos claros e definidos. O campo das emoções e dos afetos, essencial ao mundo festivo, é, por isso mesmo, difícil de delimitar e de abordar (CHAMON, 2002, p. 17)

Diversos elementos compõem a ritualidade da conclusão de curso, articulados a

status social, condições econômicas das famílias e importância da escola em que o curso foi

realizado e do título obtido. São objetos e relações variadas: anéis, solenidades festivas em

auditórios com convidados, discursos (CUNHA, 2002; NASCIMENTO, DANIEL, 2002),

paraninfos, bailes, missas de ação de graças, roupas especiais – smooking, toga e beca -,

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homenageados, fotografias, presentes, flores, diplomas, dentre outros tantos aparatos e

símbolos que compõem o ato de conclusão de um curso e sua comemoração ritual.A formatura escolar é um dos rituais de iniciação ainda exercidos com certa pompa e monumentalidade nas sociedades ocidentais; são mesmo momentos especiais, construídos pelas sociedades e, via de regra, regulados pelas instituições que as promovem. Envolvem solenidades com rituais específicos de celebração: convites impressos, ofícios religiosos, cerimônia de colação de grau/entrega do diploma – onde são proferidos os discursos (CUNHA, 2002, p. 79).

Os quadros2 que aqui discutiremos têm uma característica marcante: são referidos a

escolas, guardam a individualidade das pessoas fotografadas e mantém claro o significado

de grupo. Não são uma foto de várias pessoas. Há uma articulação de grupo pelo

enquadramento, a moldura.

Material empírico: origens e quantitativo

Os 47 quadros de formatura analisados neste texto, originários de dois colégios3

masculinos e duas escolas femininas. Os quadros de formatura abrangem o período de 1909

a 2001. Há um quadro de formandos de 2001 – Colégio Sévigné – que foge das

características aqui analisadas pois apresenta fotografias de grupo e não individualizadas

dos formandos, por isto não o incluiremos nessa análise.

Analisamos todos os dados de cada um dos quadros organizando tabelas,

identificando-os por escola, data, lema, curso, demais mensagens escritas, além de forma,

moldura e suporte (alguns quadros existem apenas sob a forma de fotografias).

São também material empírico deste estudo 3 álbuns de fotografias de ex-alunas

posteriormente descritos. Foram analisados também 4 Livros de formatura dos anos 1998 e

99, 2000 e 2001, do Colégio Anchieta.

2 Encontramos também a referência a tais quadros (na composição semelhantes aos de formatura) no registro da história de outros tipos de organização - Associações Culturais e Desportivas (EGGERS, 1998, p. 3, 16) – e, quadros de formatura como elemento biográfico (SCHWARTZMAN, BOMENY, COSTA, 1984, p. 25).3 No Rio Grande do Sul, as ordens religiosas chegaram na segunda metade do século XIX. A Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, em 1876, e a Congregação das Irmãs de São José, em 1898 (VENTURIN, 2001, p.44). Era um momento de desenvolvimento econômico e de disputa do espaço educativo aquele em que se instalam colégios religiosos na região. Caracterizamos nesta nota, brevemente, os colégios onde coletamos a maior parte dos dados discutidos neste artigo. A coleta de dados de quadros e álbuns de formatura, entretanto, é bem mais ampla abrangendo instituições de ensino industrial, de ensino superior e de outros estados. Esta variedade de materiais possibilita comparações importantes. O Colégio São José, situado em São Leopoldo, mantido pelas Irmãs Franciscanas da Penitência e da Caridade Cristã, foi fundado em 1872, tendo sido o primeiro colégio feminino mantido por congregação religiosa no Rio Grande do Sul. O Colégio Sévigné, da Congregação das Irmãs de São José, foi fundado em 1900, em Porto Alegre. O Colégio Anchieta, mantido pelos padres jesuítas, foi fundado em 1890, situa-se em Porto Alegre. A Escola Normal Rural La Salle, masculina, mantida pelos Irmãos Lassalistas, situa-se em Cerro Largo, interior do estado; o curso normal rural funcionou entre 1941 e 1972. Este texto é um produto de um projeto de pesquisa mais abrangente, por isto as referências a entrevistas ao longo do texto.

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O suporte dos Quadros

Os quadros de formatura não são apenas fotografias de um conjunto de formandos,

mas são fotografias de um grupo de alunas(os), concluintes de um curso, identificados

individualmente, compostas artisticamente em fundos e molduras decoradas, organizados

numa totalidade – o quadro - referidas ao momento histórico e às propostas da escola, tendo

como finalidade colocar-se como conjunto articulado, em exposição, nas dependências da

escola.

As fotografias em suas propriedades – papel plano, em preto e branco – nas quais as

pessoas fotografadas – alunos, homenageados, paraninfo – são representados em face e

busto, homogeneizados pela iluminação, dimensão, formato – geralmente ovais - pela

vestimenta e pela posição, são articuladas, superando a redução aos indivíduos

representados em cada uma delas isoladamente, rearticuladas num todo: o quadro de

formatura. Tais quadros (início do século XX) são peças grandes - alguns com dois metros

de altura -, agregando fotografias sustentadas em madeira pintada ou esculpida em relevo.

Quando feitos em madeira pintada – sem esculturas em alto relevo, os mais antigos –

portam grossas molduras de madeira esculpida e as pinturas empregam o preto, o branco e

variados tons de cinza (Anchieta, 1909) ou coloridos pastel (Sévigné, 1928). Quando feitos

de variados tipos de madeira, exploram esteticamente, texturas e tons de espécies

diferentes. A ausência de elementos policromáticos não reduz a beleza das peças.

Raramente há um leve colorido nas esculturas em relevo, em especial, nos que

representam escudos, bandeiras e emblemas nacionais ou do RGS (São José, 1935 e 1941;

Sévigné, 1942). Há quadros com adereços em bronze, em geral letras e algumas imagens.

Não apenas esculturas, mas dizeres compõem a estética dos quadros de formatura.

Os elementos escritos são identificadores da instituição escolar, da cidade em que a escola

se situa, do ano de conclusão e sempre trazem o nome completo dos alunos, a cidade de

origem, bem como dos professores homenageados e paraninfo, ancorando as imagens no

social, no institucional, no tempo e no espaço.

Quadros como referênciaUm quadro tradicional é um original: único e não multiplicável. Para distribuir quadros é preciso transportá-los de proprietário a proprietário. Os quadros devem ser apropriados para serem distribuídos: comprados, roubados, oferecidos. São objetos que têm valor enquanto objetos (FLUSSER, 1998, p. 67)

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Embora o autor estivesse referindo a quadros como pinturas, interessa, neste

momento, a referência a quadros de formatura como objetos, ou seja, os focalizamos como

um traço da instituição, das pessoas, de projetos e temporalidades.

Há quatro características que identificam um quadro: uma peça apreciável, um

adorno, algo digno de tornar-se visível e ainda, um quadro denota uma unidade. Um

quadro proporciona uma visão apreciável. Não se expõe qualquer objeto, nem o que é tido

como não estético. Mostra-se o que é digno de ser visto, o que causa admiração, o que é

apreciável.

Por outro lado, um quadro é também um adorno do ambiente, agregando beleza,

distinção ao espaço. Uma pintura, uma imagem torna-se um quadro por ser decorativo no

espaço em que é colocado, por causar impressão de tranqüilidade, harmonia no ambiente

que ajuda a compor.

Um quadro também dá visibilidade à obra e seu autor, perdendo as características

anteriores se escondido, não exposto à apreciação. Uma aquarela feita sobre papel, se

montada em uma moldura torna-se um quadro e adquire dignidade. O quadro a apresenta

como imagem e como autoria, dando visibilidade não apenas ao que está desenhado mas a

quem o idealizou e compôs. Sendo com fotografias, um quadro dá a ver as pessoas

fotografadas.

Um quadro de um casal de noivos torna visível a pessoa de ambos, o ambiente da

foto e o casamento como um acontecimento. Mesmo expondo muitos elementos, um

quadro é uma unidade e, com isto, traz uma mensagem. Da mesma forma, os quadros de

formatura dão visibilidade às pessoas que passaram pela escola e ao acontecimento de sua

formatura, adornam os corredores da escola e são uma peça apreciável, digna de ser

guardada. Eles são um objeto cultural que tem uma intenção determinada: celebrar um fato

notável, não cotidiano – a conclusão de um curso -, festejado como uma solenidade – a

formatura marcada com vestes não usuais, postura estudada -, importante de ser lembrada.

Homens e mulheres: representando hierarquias, evidências e zonas de sombra

Os quadros de formatura hierarquizam. Alunos são homogeneizados em roupas,

cabelos e poses, bem como na regularidade com que as fotos são distribuídas no conjunto

do quadro. Em separado, e em fotos de maiores dimensões do que as dos alunos, estão

homenageados e paraninfo, figuras ilustres, por isto, maiores, distintas e articuladas, como

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grupo, em espaço diferente do de alunos. Esta segmentação destaca-os como admiráveis,

ilustres, notáveis. Entre estes não se registra a mesma regularidade que a observada entre os

alunos, nem em roupas, cabelos, expressões e posições.

Nos colégios masculinos os homenageados eram, muito comumente, religiosos e

tanto seus retratos como o do diretor do estabelecimento, também religioso, figuravam nos

quadros. Há casos, em colégio masculino, de homenagem póstuma a um professor da

escola registrada no quadro, não apenas referida, em dizeres, mas incluindo a fotografia do

falecido. Não há mulheres paraninfando turmas de formandos, ou seja, o lugar de patrono

ou protetor de turma estava, na época, reservado a homens. Dentre paraninfos encontram-se

o Diretor de Instrução Pública, Prefeito Municipal, embaixador, não sendo usual que

professor da escola ocupasse essa posição. Os quadros da Escola Normal Rural La Salle

trazem, a imagem do prédio da escola e, como exceção, um dos paraninfos era professor da

escola. Na linha do excepcional, no Colégio Sévigné, também um professor figura como

paraninfo.

Em colégios masculinos não há professoras mulheres homenageadas, apenas

professores homens, religiosos ou leigos. Nestes casos os quadros de formatura reafirmam a

exclusividade masculina: homens educando meninos e jovens e, os quadros como objetos

que resguardam essa identidade. Entretanto, em nenhum dos quadros de escolas femininas

há apenas fotografias de mulheres. Nesses há sempre um ou alguns homens como

paraninfos ou homenageados. Não é incomum que, dentre os homenageados esteja uma

imagem religiosa (Nossa Senhora Aparecida, Colégios Sévigné e São José, 1942). Os

quadros do Colégio São José não mencionam a direção da escola e nem professoras

religiosas figuram como homenageadas pois a congregação não permitia que as irmãs

fossem fotografadas. Entrevistas com ex-alunas entretanto, referem relações de amizade e

atenção de parte das religiosas para com as alunas. Nas entrevistas é evidente a presença

marcante das religiosas as quais são referidas afetivamente e não os homenageados. Este

detalhe sugere que os quadros que aqui estamos discutindo pertencem ao campo das

memórias institucionais referidas a atos formais de um estabelecimento de ensino.

Os quadros Colégio Sévigné, trazem fotos de religiosas de hábito, tanto na posição

de diretora como na condição de homenageadas.

Quadro de formatura: exposto ao publico ou uma fotografia

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Os quadros de formatura nas instituições estudadas estão, na dimensão de

monumento, desigualmente tratados. Na época em que foram construídos eram expostos em

salas de visitas, em salões reservados para solenidades, em corredores. Hoje, expostos,

existem poucos, embora algumas instituições os mantenham em corredores e áreas de

circulação e assim asseguram sua funcionalidade de quadro. Outras, os conservam mas já

não há atualmente espaço para eles serem admirados cotidianamente. Outras já os

eliminaram não apenas da possibilidade de contemplação, mas os destruíram, deles

guardando fotografias.

Ora, os quadros agenciam alunos em turmas e, quando expostos, indicam o

agenciamento das turmas na instituição; os corredores, articulam, põem lado a lado várias

turmas. Do conjunto de quadros pode-se, também inferir o fluxo de alunos da escola.

Os quadros de formatura, quando expostos, permitem aos ex-alunos da escola e às

personalidades – homenageados, paraninfos -, se visitarem e contemplarem a si mesmos

nos quadros, seja como figuras celebradas por tal ou qual turma, seja como formando(a), o

que propicia a retomada da história pessoal no encontro com a história e o espaço

institucional. Tais quadros e sua exposição pública explicitam redes de relacionamento

pessoal e a importância institucional.

Quadros de formatura como monumento

Sendo o monumento (LE GOFF,1990, p.535) é uma obra comemorativa ou uma

recordação importante a ser perpetuada, os quadros de formatura assumem estas duas

dimensões. Comemoram a formatura, o alcance e conclusão de um projeto de formação,

muitas vezes coincidente com a passagem para uma outra etapa da vida – entrada no mundo

profissional, no ensino superior, abandono do internato ou do colégio que, mesmo

freqüentado em meio turno, constituiu cenário da meninice e adolescência, parte do

cotidiano e das memórias de aluno.

Por outro lado, os quadros de formatura perpetuam o grupo que se desfez com a

conclusão do curso, mantém a presença do mesmo na instituição escolar, recordam a

festividade de formatura pelo conjunto de atores que agrega, pelos trajes com que foram

fotografados, pelas autoridades que legitimaram o momento e que também foram

perpetuadas no quadro. Mantendo a memória do grupo, constituem uma forma específica

do mesmo estar e apropriar-se da instituição escolar. Fixam uma imagem positiva – o

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sucesso da conclusão do curso, o processo de formação, a educação recebida na escola –

cristalizando o percurso da turma na escola. São alunos aprovados que configuram os

quadros de formatura pois, entre eles, não há repetentes, nem reprovados.

A esta dimensão designo de dimensão pessoal/grupal de sucesso, pela qual os

quadros de formatura atestam a performance acadêmica de cada aluno e da turma de

colegas. Os alunos que obtiveram êxito, estão no quadro e, por meio dele reafirmam-se

como pessoas de sucesso, permanecem na escola, apropriando-se do prédio, fixados em

suas paredes, corredores e salas, relembrando à instituição que por ela passaram. Por meio

desta dimensão os quadros de formatura transmitem a mensagem de que tais alunos

marcaram a escola, tanto que nela permanecem afixados e expostos, mesmo estando dela

ausentes.

Os quadros de formatura assinalam um ato pedagógico e formativo anterior, sendo

também um atestado,, para a sociedade, para as novas gerações e para os que permanecem

na escola, o sucesso do empreendimento formativo da instituição, pelo menos junto aos

grupos expostos nos diferentes quadros. Esta é outra dimensão, a dimensão institucional de

sucesso. Assim os quadros de formatura são um indício e um testemunho indelével, da ação

institucional e da missão educativa alcançada. Atuam também como exemplo pois fixam

uma imagem (sucesso, completude na formação) e, constantemente expostos, instam aos

seus apreciadores a também alcançarem seus objetivos. O figurativo dos quadros e o lema

que muitos deles portam, atualizam a missão institucional e os compromissos históricos a

que o estabelecimento respondeu ao longo do tempo. Refiro-me à presença de marcas de

religiosidade e de civismo presentes nos quadros de formatura.

Como monumento os quadros de formatura são um sinal do passado.O monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos. (LE GOFF, 1990, p. 536)

Os quadros de formatura operavam, pela exposição no ambiente escolar, como

monumento para a memória coletiva. Nos momentos de festa escolar ou por ocasião das

formaturas, quando os pais e familiares entravam na escola, os convidados usualmente, ao

visitar o prédio apreciavam os quadros de turmas anteriores (detalhe obtido em entrevista).

Portanto, os quadros de formatura são monumentos que comemoram a conclusão do curso,

perpetuam a memória do acontecimento e do grupo, são uma forma específica do mesmo

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grupo estar e apropriar-se da instituição escolar - dimensão pessoal/grupal de sucesso –,

proclamam a presença institucional na memória coletiva e o sucesso da escola no alcance

de seus objetivos e missão pedagógica -, dimensão institucional de sucesso. Assim, os

quadros de formatura têm um significado social afirmativo para a escola e para o grupo de

alunos formados. Ter sua fotografia incluída num quadro de formatura reafirma o capital

cultural adquirido, o processo de formação vinculado à esta instituição, e não a qualquer

outra, e o alcance dos objetivos propostos. Não há como negar, se figurante de um quadro

de formatura, a filiação institucional.

Por outro lado, estar incluido num quadro de formatura e ter sua fotografia exposta

nos corredores da escola é ter um atestado de que foi e é aceito neste estabelecimento de

ensino e por ele está amparado e protegido. A identidade aluno/instituição é reforçada no

quadro exposto nos corredores da escola. A notoriedade dos nomes dos alunos, do

paraninfo e professores homenageados, a variedade de lugares de onde os alunos são

naturais, confirmam a importância institucional e a abrangência de sua ação formativa,

indicando em quantas cidades ela é conhecida.

Assim os quadros de formatura favorecem a que pessoas de várias gerações e com

diferentes papéis introjetem a importância da instituição.

Quadros de formatura: comparações com outros documentos de registro da vida

escolar

O quadro de formatura não pode ser reduzido às fotos isoladamente, nem a um

álbum de fotografias em si.

Da mesma forma, os quadros de formatura não se reduzem à ata de notas ou a

quaisquer outros documentos institucionais que registrem a conclusão de curso. Atas fazem

parte da história institucional e dos documentos que, na escola, reafirmam a formação e a

vida acadêmica dos(as) alunos(as). Entretanto, a ata de conclusão de curso registra o

aproveitamento obtido, sem vinculá-lo à fisionomia de cada aluno(a), ou ao seu local de

residência/nascimento; poder-se-ia dizer que são mais burocráticas e eficientes, menos

estéticas e aristocráticas que os quadros de formatura, embora também a representem.

Os quadros têm maior poder simbólico do que as atas de registro de notas. As

origens de cada aluno(a) são marcadamente enunciadas nos quadros pois cada um(uma)

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tem nele pronunciado seu nome completo e o lugar de onde é natural – proveniência local e

social.

As atas não expõem para a escola e para a sociedade, com imponência e beleza a

conclusão do curso, a envergadura do ato final de encerramento da formação escolar e os

testemunhos de autoridades e homenageados que presenciaram o evento de conclusão do

curso, a notabilidade da pessoa escolhida como patrono, protetor ou paraninfo da turma.

Tudo isso, entretanto, permanece articulado no quadro de formatura.

Um diploma também atesta a conclusão de curso, mas é um documento

eminentemente individual, bidimensional e sem a possibilidade de ser exposto na

instituição escolar que o outorgou. Se exposto em quadro, não traz a vinculação ao grupo

de colegas nem aos homenageados e paraninfo. Como um documento em papel tem

dimensões muito mais reduzidas que o quadro de formatura, embora muitos diplomas

tenham ornatos que lembrem os utilizados nos quadros de formatura (livro, mapa mundi,

por exemplo) e o texto do diploma indique de onde o diplomado é natural.

Os quadros de formatura, ao contrário, configuram para a memória coletiva a

formatura e seu contexto de participantes e papéis.

Quadros de formatura: contextualização de valores da época

Além dos quadros noticiarem a formatura e esclarecerem participantes e papéis,

segmentando autoridades de alunos e tornando a estes iguais, a moldura que enquadra as

fotografias constituem cenas, denotando ora civismo e ora religiosidade, não sendo

incomum que, num único quadro, figurem, integrados, estes dois elementos (Colégios

Sévigné e São José, 1942).

Pode-se supor que o significado das molduras, entretanto, supere o do quadro em si.

Em dois colégios há preservadas apenas parte de quadros, casos em que as imagens

esculpidas eram de tanto impacto e significação para o estabelecimento que, mesmo

destruído o quadro na parte que estruturava as fotografias, a escola mantém a parte

esculpida. É o caso de um São José com o Menino, no Colégio Sévigné, patrono da

congregação, e uma imagem do Padre José de Anchieta na barca, no Colégio Anchieta.

Muito comumente os quadros são decorados com esculturas que lembram

instrumentos de estudo e leitura – mapa mundi, esquadro, pergaminho, compasso, livros -,

elementos cívicos – bandeira do RGS e do Brasil, escudo nacional, escudo rio-grandense,

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escudos, pira da pátria – e religiosos – imagem de santos, Nossa Senhora e Cristo. Chama a

atenção o quadro de 1944 do Colégio São José de São Leopoldo composto por uma figura

humana de aparência a um só tempo cívica e religiosa, com veste longa e coroa de louros

na cabeça, em cujo braço esquerdo, erguido para o lado, deixa ver um grande escudo em

cujo interior está o mapa do Brasil no qual estão implantadas as fotografias de

homenageados e formandas. Em especial o convite de formatura desta turma mantém o

mesmo desenho do quadro, deixando ver o escudo com nitidez. Por outro lado, a imagem

do santinho, lembrança da missa de formatura, lembra também a figura esculpida no

quadro. Tal como no quadro de formatura, o nome completo de cada formanda estava

registrado no verso do santinho.

Um só quadro é decorado flores, muitos são enfeitados com detalhes de folhas de

louro. Não os há também com paisagens e com animais. Os quadros de colégios masculinos

são mais austeros, menos figurativos em seu conjunto que o de escolas femininas. Foge

deste padrão o quadro de formatura do Colégio Anchieta do ano de 1909 no qual há uma

mulher sentada de lado, com vestido longo e ombros de fora. Entretanto, de maneira geral,

poderíamos dizer que estes quadros, independente do estabelecimento de ensino,

apresentam uma aparência ordenada, sóbria e coerente.

Vestimentas

Identifica-se como elementos contextualizadores, ao lado da moldura e suas

esculturas, os lemas inscritos nos quadros e a indumentária dos fotografados.

Nos quadros de colégios femininos, as formandas estão sempre de chapéu, o que

não se verifica nos formandos de escolas masculinas, os quais vestem paletó e gravata, no

mais das vezes gravata-borboleta, mas não trazem a cabeça coberta. As fotos de professores

homenageados e paraninfos não mantém um único padrão como as dos formandos(as) que

olham para um mesmo lugar, inclinam a cabeça uniformemente e transmitem, em seu

conjunto, um significado de alinhamento disciplinado.

Lemas

Um lema é um preceito escrito, figurando no dicionário também como um emblema

ou divisa, uma sentença. Os lemas dos quadros de formatura são breves afirmativas escritas

em latim ou português, breves mas marcantes em significado e, possivelmente recordáveis

por serem diminutos.

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Os lemas de colégios masculinos são, na maioria dos casos, em latim. Há cinco

focos temáticos que predominam nos lemas dos quadros de formatura analisados neste

trabalho: religião, ascese, sucesso, civismo e ciência. Ascese é uma idéia que se estabelece

na relação com sucesso e religião.

Os lemas compunham, com as esculturas dos quadros, um contexto simbólico

modelar para os(as) formandos(as), alinhados com as propostas formativas da instituição.

Por outro lado, pela perspectiva de inspirador de futuro e da vida profissional, os lemas

comprometiam os diplomados não apenas no momento da formatura, mas, enquanto o

quadro se mantivesse exposto na escola, ele estava a relembrar o compromisso assumido no

momento da diplomação. Ou seja, um lema como inspirador, impõe demonstração na vida

prática. Um lema inscrito num quadro de formatura, sempre exposto à vista, tem um

impacto mais permanente, como que relembrando seu conteúdo constantemente. Ao invés,

um lema escrito num convite de formatura seu impacto se faz enquanto tal convite circula

entre as pessoas e está à mão do formando. Quando se torna lembrança guardada, pode-se

supor que perca seu impacto operativo.

De quadros de formatura a álbuns de fotografia: dissociando o grupo de formandos

da instituição, multiplicando o quadro agora transformado em álbum, para consumo

privado

Os quadros de formatura foram tão marcantes que sua estrutura permaneceu nos

primeiros álbuns de fotografias das escolas estudadas e de outras na época.

Comparativamente, um álbum é uma redução se comparado a um quadro de

formatura, apresentando, como vantagem, a acessibilidade não considerada de um ponto de

vista institucional, mas privado, bem como pela mobilidade. É uma redução na dimensão,

na característica de exposição e no significado de memória escolar. Se os quadros eram a

memória institucional exposta nas paredes da escola, quase um relatório anual do

cumprimento do papel social da escola, os álbuns, pelo menos os primeiros, afiguram-se

como a memória da escola espalhada com as pessoas.

As páginas do álbum, mantendo uma decoração padrão do início ao fim, reduzem e

reorganizam, no papel, todos os elementos que os quadros apresentavam. Este é o caso do

álbum das bacharelandas de 1936 do Colégio Sévigné que segue a mesma lógica e

seqüência de destaque e hierarquização de homenageados e paraninfos aos quais se seguem

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as fotos das diplomadas, em tamanho menor e ainda padronizadas. Cada folha encimada

com um desenho repetido em todas as demais lembra a imponência dos motivos talhados

em madeira dos quadros de formatura. Impresso também era o nome da aluna e o local de

onde era natural.

Também o álbum de fotografias das Alunas Mestras da Escola Complementar

Espírito Santo, Bagé, RGS, de 1940, segue esta estrutura, embora omita o local de origem

de cada diplomada. Composto de fotos individuais coladas com cantoneiras de papel num

álbum que intercala folhas de seda e de cartolina, nele apenas um traço em dourado

enfeitava, como moldura, cada fotografia; o nome das formanda, em tinta branca, era

assinado em cada fotografia. Este álbum chama a atenção por seu caráter artesanal. O

Civismo está impresso na capa do mesmo que porta, em cores, o brasão nacional.

O álbum da Escola de Educação da Universidade do Distrito Federal, professoras de

1937, tem as seis primeiras páginas destinadas a paraninfo e homenageados (incluindo

professores(as) do curso) seguido de fotos das alunas identificadas pelo nome e terra natal.

É de se supor que tivessem sido confeccionados tantos álbuns quantas fossem as

alunas formadas em cada turma. O álbum equivalia, em imagens a um quadro de formatura,

mas cada formanda poderia levar o seu para casa e vê-lo, relembrando a formatura e as

colegas, sem se deslocar para a escola, como teria que ser feito no caso do quadro de

formatura.

A produção em série desqualificava a reprodução que perdia em imponência e poder

simbólico. Os primeiros álbuns de fotografia de formatura eram documentos que

representavam a turma e a festividade da formatura mas demarcaram o início de um

processo definitivo de descaracterização de ruptura da pertença do grupo de diplomados em

relação à escola. Os álbuns inauguram a passagem das memórias de formatura para o

âmbito do privado. É como se as lembranças daquele momento deixassem de ser possuídas

pelas escolas, que mesmo tendo diplomado as alunas, na forma de quadro as mantinha sob

seu teto, passando, quando álbum, do âmbito da história da instituição escolar para o

âmbito das memórias pessoais.

Os quadros de formatura tinham um efeito instituinte marcante no perfil de

formação tanto é que uma foto do Colégio São José registra um grupo de alunas sendo

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fotografadas com quadros de formatura de turmas anteriores nas mãos. Este simbolismo

não teria a mesma profundidade no caso de álbuns de fotografias.

O destaque aqui referido aos álbuns de fotografias e a quadros de formatura não

significa que “fotografias espontâneas do cotidiano” não compusessem o acervo de

recordações das pessoas e portanto de alunas na situação de formatura. Entretanto aqui

destaco quadros e álbuns de fotografias referentes a formaturas e conclusão de curso como

um fato da história institucional. Fotografias do conjunto de alunas no salão no momento de

formatura, ou recebendo o diploma, na dinâmica da cerimônia, ou com seus familiares após

o evento, existem e são um contraponto, para este estudo, pela abordagem particularizada

do evento de formatura que propiciam.

Final século XX: livros, quadros e vídeos como registro da conclusão do curso

Atualmente há colégios em que as turmas de formandos se organizam e produzem

recordações materiais para virarem monumento e marcarem a despedida como grupo. É o

caso dos vídeos e Livros de formandos4. Estes livros são um tipo de revista compostos de

fotografias individuais e em grupos da turma de concluintes, tiradas informalmente e em

vários momentos de convivência. A facilidade da fotografia digital torna os álbuns que

marcam as formaturas dos dias de hoje documentos ordinários na aparência, facilmente

confundíveis com revistas de mercado. Não registram paraninfos, mas todos os professores

que lecionaram para o grupo. Vídeos e livros apreendem elementos idiossincráticos da

turma e de cada aluno, registrando-os. Estes livros marcam também um deslocamento

progressivo da articulação dos alunos para com a instituição escolar, revelando a

prevalência da sociabilidade que desenvolvem entre si na escola em comparação com

símbolos e elementos institucionais. O que os jovens levam de recordação hoje da vida

escolar é sua convivência e amizade.

Retomando a primeira citação de Flusser que introduziu este texto, “ Não é a

´determinadas´ fotografias que estamos habituados. Trata-se de um novo hábito: o universo

fotográfico habitua-nos ao ´progresso´” (1998, p.82). Embora os quadros de formatura

possam ainda estar em uso, especialmente para comemorar a conclusão de cursos de

graduação mais disputados, seu impacto estático e identitário é diferente dos lavrados em

4 Organizamos um quadro detalhando as informações destes Livros de formandos do Colégio Anchieta (tamanho, conteúdo, colorido, símbolos do colégio).

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madeira do inicio do século XX, não pelo suporte, mas especialmente pelo “ novo hábito de

progresso”. Uma análise mais aprofundada deverá ser feita proximamente.

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