24
TIAGO MOREIRA DE SÁ HISTÓRIA DAS RELAÇÕES PORTUGAL – EUA (1776-2015)

HISTÓRIA DAS RELAÇÕES PORTUGAL – EUA · A independência dos Estados Unidos da América 3. Portugal e a independência dos Estados Unidos da América 4. O Tratado de Paz e Comércio

Embed Size (px)

Citation preview

5

X X X X

T I A G O M O R E I R A D E S Á

HISTÓRIA DAS RELAÇÕES PORTUGAL – EUA

(1776-2015)

4

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

7

X X X X

Í N D I C E

Introdução

Capítulo 1: Portugal e a Revolução Americana

1. A Guerra dos Sete Anos e o reforço da importância do Atlântico

2. A independência dos Estados Unidos da América3. Portugal e a independência dos Estados Unidos da América4. O Tratado de Paz e Comércio entre Portugal e os Estados

Unidos5. O problema da representação diplomática

Capítulo 2: As Guerras da Revolução e do Império e a corte

no Brasil

1. A Revolução Francesa e as Guerras da Revolução e do Império2. A «segunda guerra» da independência dos EUA

4. A corte no Brasil e as relações com os EUA

Capítulo 3: A América e a independência do Brasil

1. O Sistema de Viena2. A independência da América do Sul3. Os EUA e a independência do Brasil4. Os EUA e as «ondas de choque» em Portugal da independência

do Brasil

11

15

152024

3238

4747637177

9999

106116

132

8

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

Capítulo 4: O Tratado Comercial de 1840 e o Caso do General Armstrong1. A «falsa paz» de Viena2. Os EUA e a crise político-militar portuguesa3. O Tratado Comercial de 18404. O caso do General Armstrong

Capítulo 5: Portugal e a Guerra Civil Americana

1. A Guerra da Crimeia e o regresso da «política do poder»2. Consequência da Guerra da Crimeia nas relações Portugal – – EUA3. As relações internacionais da Guerra Civil Americana4. Portugal e a Guerra Civil Americana

Capítulo 6: A internacionalização da questão colonial

portuguesa

2. A viragem portuguesa para África e a arbitragem de Ulysses S. Grant na questão de Bolama

3. A política externa de Andrade Corvo e a aproximação aos EUA

4. Os EUA e a internacionalização da questão colonial portu-guesa

Capítulo 7: A Guerra Hispano-Americana

1. A transição de poder no sistema internacional2. Portugal e a Guerra Hispano-Americana3. A aproximação entre Portugal e os EUA por meio de Acordos

Capítulo 8: A Primeira Guerra Mundial

2. Os EUA e a I República Portuguesa3. Portugal e os EUA na Primeira Guerra Mundial4. Portugal e os EUA na Conferência de Paz

137137142152163

177177

186196209

221221

232

243

253

273273282293

303303312325338

9

X X X X

Capítulo 9: A Segunda Guerra Mundial

1. O colapso da ordem de Versalhes 2. Portugal e os EUA na Segunda Guerra Mundial3. O acordo de Santa Maria

Capítulo 10: A Guerra Fria

1. As origens da Guerra Fria2. A integração de Portugal no Bloco Americano3. A centralidade dos Açores e da questão colonial4. A crise das relações Portugal – EUA

Capítulo 11: Os EUA e a Revolução Portuguesa

1. A Détente Leste-Oeste2. Nixon e Caetano3. Os EUA e a Transição Democrática Portuguesa4. Os EUA e a Descolonização Portuguesa

Capítulo 12: O Pós-Guerra Fria

1. A nova ordem internacional 2. Um momento alto da relação luso-americana: Angola3. Unidade e crise nas Relações Transatlânticas4. As relações Portugal – EUA na actualidade

Conclusão

Notas

Fontes e Bibliografia

Índice Onomástico

347347357376

403403415439460

485485494507520

537537544551563

577

581

629

637

10

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

11

I N T R O D U Ç Ã O

I N T R O D U Ç Ã O

Hannah Arendt escreveu que a Revolução Francesa «quebrou a ligação entre o Novo Mundo e os países do Velho Continente». Segundo ela, não foi a revolução em si mesma mas o seu desastro-so desenvolvimento e o colapso da república francesa que «levaram à ruptura dos fortes laços políticos e espirituais entre a América e a Europa que tinham prevalecido durante os séculos XVII e XVIII».1

De facto, até ao último quartel do século XVIII, o continente ame-ricano era um prolongamento da Europa, sobretudo de Estados como Portugal, Reino Unido, França e Espanha, sendo o Atlântico um «mar europeu», que ligava as plataformas continentais situadas nas suas duas margens. Porém, as grandes revoluções – a America-na e a Francesa – alteraram substancialmente esta realidade levando ao que podemos designar de separação atlântica.2

Em rigor, o primeiro acontecimento desta grande dinâmica de separação entre a Europa e a América começou com a Revolução Americana, que levou à independência dos EUA, retirando ao Reino Unido uma parte importante das suas colónias do Novo Mundo e assinalando o primeiro momento do que veio a culminar a prazo

um precedente que contagiou as colónias americanas dos restantes países europeus, já para não falar do contributo dos Estados Uni-dos para esse desenvolvimento.

Mas, como referiu Arendt, se tivéssemos de escolher um só acon-tecimento decisivo para a separação atlântica este seria a Revolução Francesa. Em primeiro lugar, os acontecimentos que se seguiram a

12

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

1789 levaram a uma ruptura ideológica, política e emocional entre a América e a Europa. Em segundo lugar, as Guerras da Revolução e do Império, muito em especial a invasão napoleónica da Penínsu-la Ibérica, conduziram à independência das colónias portuguesas e espanholas no continente americano. Em terceiro lugar, esta guer-ra europeia, ainda que com forte incidência em outros territórios, foi aproveitada pelos Estados Unidos para consolidarem a sua in-

Doutrina Monroe – que estabeleceu a hegemonia norte-americana no seu hemisfério e a consequente exclusão das potências europeias.

Não obstante a existência de um momento de aproximação entre

foi com a Segunda Guerra Mundial que se deu o «reencontro atlân-tico». A entrada da América na guerra em 1941, primeiro, e a sua decisão sem precedentes em toda a sua história desde a indepen-dência de permanecer na Europa através de uma aliança militar que institucionalizou um sistema de defesa comum no Atlântico Norte que dura até hoje, depois, inauguraram o segundo grande ciclo do relacionamento entre a América e a Europa.

A ordem internacional liberal construída pela parceria entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental, sob a liderança dos primei-ros, no amplo espaço não dominado pelos exércitos soviéticos foi simultaneamente a base e o resultado da Aliança Atlântica, que partilhou a parte essencial dos interesses nacionais dos Estados localizados nessas áreas, bem como dos valores de um chamado Ocidente que, se nunca existiu culturalmente, foi a partir daí uma realidade estratégica.

oportunidade única de tentativa de «unidade atlântica» ao criar o incentivo a norte-americanos e europeus de acção cooperativa para estenderem a sua ordem internacional à escala global. A globaliza-

13

I N T R O D U Ç Ã O

ção, o alargamento das chamadas democracias de mercado livre, o lançamento de iniciativas como a criação de uma Parceria Transa-tlântica de Comércio e Investimento entre os Estados Unidos e a União Europeia, o alargamento do perímetro de acção da NATO em termos de segurança foram algumas traduções desta aspiração a uma nova unidade entre a América e a Europa.

Todavia, se ela teve os sucessos que acabámos de referir, conhe-ceu também dinâmicas de sinal contrário, sendo aqui de destacar a grave crise transatlântica pós-Guerra do Iraque e, mais recente-mente, o retraimento estratégico norte-americano.

O livro conta esta história de divergência e convergência entre a

as relações entre Portugal e os Estados Unidos acompanharam, ou não, esta dinâmica mais vasta.

Ele surgiu no contexto de um projecto de investigação realizado no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), da Fa-culdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de

para o Desenvolvimento (FLAD), só tendo sido possível graças ao apoio destas instituições. Agradeço aos seus directores, Nuno Seve-riano Teixeira e Vasco Rato, e a todos os colegas com quem parti-lhei ideias, muito em particular ao Carlos Gaspar, ao Pedro Tavares de Almeida e ao Tiago Roma Fernandes.

Agradeço também à D. Quixote, especialmente ao João Amaral e ao Duarte Bárbara que, para além da competência e da inteligên-cia, se tornaram ao longo dos anos dois bons amigos.

Uma palavra especial a três pessoas fundamentais para que pos-sam estar agora a ler este livro. Ao Mário Mesquita e ao Miguel Vaz, que acreditaram nesta ideia desde o primeiro momento e bateram--se por ela, valorizando e respeitando sempre as ideias e os seus autores. Ao Rui Branco, que me chamou a atenção durante um dos habituais e muito agradáveis almoços para um facto simples mas sobre o qual eu nunca tinha pensado: a inexistência de uma história

14

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

das relações Portugal-Estados Unidos desde a independência norte--americana até à actualidade. A ele devo também várias sugestões

Por último, mas em primeiro, agradeço ao meu pai e à minha mãe pelo muito que deram sem nada pedir.

A acabar, importa deixar claro que esta obra não se destina ape-nas à universidade, embora também seja para ela. Pretende abranger um público mais vasto: todos aqueles que se interessam pela histó-ria, pelas questões transatlânticas e pelas relações luso-americanas. Foi escrita a pensar nisso. Deve ser lida assim.

15

P O R T U G A L E A R E V O L U Ç Ã O A M E R I C A N A

C A P Í T U L O 1

P O R T U G A L E A R E V O L U Ç Ã O A M E R I C A N A

1. A Guerra dos Sete Anos e o reforço da importância

do Atlântico

A independência dos EUA ocorreu no quadro mais vasto de uma

uma sucessão de acontecimentos, com destaque para as duas guerras de sucessão – Espanha e Áustria – e a Guerra dos Sete Anos, que, no seu conjunto, conduziram a três desenvolvimentos essenciais:

-

O realinhamento gradual, mas profundo, das principais potências -

tica», teve no seu centro a transferência da possibilidade de hege-monia da França para a Grã-Bretanha no continente europeu e a diminuição da preponderância austríaca no conjunto dos Estados alemães. A Áustria, aliada tradicional dos britânicos, via na substitui-ção da sua anterior orientação antifrancesa por uma coligação com a França como forma de recuperar a Silésia à Prússia, perdida na paz de Aix-la-Chapelle (1748), considerada como indispensável à ma-nutenção da sua condição de grande potência na Europa Central. A França via a aproximação aos austríacos não só como condição

mas também como forma de conciliação dos seus interesses con-tinentais, mediterrânicos e atlânticos. A Grã-Bretanha via como única alternativa equivalente à coligação negativa franco-austríaca

16

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

no continente europeu um alinhamento com a Prússia. Esta última via nos britânicos a forma de equilibrar o poder austríaco no con-junto dos Estados alemães. A Rússia via uma possível aliança com

-cia na Europa, dado o grande interesse de ambas as potências em equilibrar a crescente hegemonia britânica e, no caso austríaco, em colocar a Prússia entre duas frentes. Esta transformação das orien-tações externas das grandes potências europeias foi institucionali-zada pelos dois Tratados de Versalhes, o primeiro estabelecendo a aliança entre a França e a Áustria (1756) e o segundo a aliança entre a França, a Áustria, a Rússia, a Suécia e os principais Estados ale-mães (1757), ambos contra a Grã-Bretanha e a Prússia, sua aliada.1

por duas características. Em primeiro lugar, traduziu justamente os novos alinhamentos da «revolução diplomática», opondo a Áustria, a França, a Rússia, a Suécia, o Saxe e, mais tarde, a Espanha e o reino das Duas Sicílias, de um lado, à Grã-Bretanha e à Prússia, do

-do uma frente europeia e outra extra-europeia, estendendo-se por uma longa faixa que ia da Europa à América, até à Índia e a África.2

A causa profunda da guerra foi a luta pela hegemonia no conti-nente, e agora também nos mares, entre a Grã-Bretanha e a Fran-ça. Porém, a sua causa imediata deve ser encontrada na balança de poder na Europa Central, que conduziu à intersecção da tentativa da Áustria de recuperar a Silésia e da decisão da Prússia de invadir a Saxónia no Verão de 1756. Os austríacos procuraram aproveitar

prussiana, começando por fazê-lo na Silésia. Já Frederico II ten-tou antecipar-se ao que considerava ser um mais que provável ata-que, mais cedo ou mais tarde, da Áustria juntamente com a Rússia e contando com a colaboração, ou aprovação, da França e do Saxe.

17

P O R T U G A L E A R E V O L U Ç Ã O A M E R I C A N A

Na lógica do novo sistema de alianças, este choque entre aus-tríacos e prussianos arrastou para a frente europeia da guerra as

em geral, e na Europa Central, em particular, como não pretendia perder um importante aliado contra a Grã-Bretanha, além de que os franceses queriam afastar os prussianos dos britânicos e espera-vam ainda ser compensados com a aquisição de Hanôver. A Rússia estava sobretudo interessada em conquistar territórios no Báltico. A Suécia tinha como principal objectivo reconquistar a Pomerânia. A Espanha queria sobretudo a restituição de Gibraltar. Do lado da

único aliado entre as grandes potências europeias, sobretudo numa

Europa antibritânica.3

-ção liderada pela França e uma derrota do lado anglo-prussiano na frente europeia, o que, de resto, esteve mesmo para suceder. Após um conjunto de surpreendentes vitórias numa fase inicial, a Prússia rapidamente se viu perante quatro frentes de guerra simultâneas, com a Áustria a sudeste, a Rússia a nordeste, a França a ocidente e a Suécia a norte. Em Agosto de 1759, após perder a Batalha de

seus ministros que já não tinha recursos para continuar a guerra e que tudo estava perdido.4 Mas, em 1762, a sorte favoreceu os prus-sianos, com a morte de Isabel e a sua substituição por Pedro III a levar a Rússia a retirar-se da guerra, o que acabou por ser decisivo para a decisão da Áustria de assinar a paz de Hubertusburg, em 1763.

Todavia, a Guerra dos Sete Anos não se limitou a esta fren-te europeia, estendendo-se, como foi referido anteriormente, à América, à Índia e mesmo a África. A luta anglo-francesa pelas

18

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

resto, a concepção de que um Estado podia estar em guerra na Europa e em paz na América ou no Oriente já não fazia sentido na segunda metade do século XVIII

pertenciam a um outro mundo político. As colónias faziam agora parte do sistema de Estados europeu.5

Em rigor, a Guerra dos Sete Anos começou com a luta entre a Grã-Bretanha e a França pela hegemonia no Oceano Atlântico, sendo esta a «primeira vez na história da Europa que os choques atlânticos antecederam os confrontos continentais».6 Em 1755, os britânicos e os franceses travavam já uma guerra, mesmo que não declarada, na América do Norte, com cada uma das partes a tentar reforçar a sua posição na região, quer por meio da construção de

-

aumentou de escala, com os dois lados a procurarem conquistar a superioridade naval, o que levou a uma sucessão de choque no mar. Em Junho, o almirante britânico Boscawen atacou, sem qualquer declaração de guerra, um comboio francês de navios mercantes que ia em direcção à América. Nos meses seguintes, a esquadra britânica capturou mais de 300 barcos franceses. E em Maio de 1756, com o culminar desta escalada, a França declarou formalmente guerra à Grã-Bretanha.7

Apesar de alguns sucessos iniciais, a guerra anglo-francesa no Atlântico resultou numa derrota dos franceses e, logo, numa vitória dos britânicos, que, entre outros territórios, conquistaram o Québec e Montreal, no Canadá, bem como, após a entrada da Espanha na guerra ao lado da França, em 1761, passaram a controlar grande parte das ilhas das Caraíbas. Tudo somado, os ingleses conseguiram garantir o controlo do Oceano Atlântico.

A nova centralidade do mar, em geral, e do Atlântico, em par-ticular, acabou por contribuir decisivamente para arrastar Portugal para a Guerra dos Sete Anos, apesar dos esforços de D. José para manter a posição tradicional de neutralidade. Como foi referido

19

P O R T U G A L E A R E V O L U Ç Ã O A M E R I C A N A

veio demonstrar que «por muito importante que sejam na Euro-pa as operações terrestres, o seu complemento essencial passava a estar no mar», facto que colocava o país «no centro das decisões políticas e militares».8 Por este motivo essencial, a França e a Espa-nha pressionaram Portugal a juntar-se ao seu «Pacto de Família», assinado em Agosto de 1761, insistindo ainda que o país fechasse os seus portos aos ingleses, o que, a ser aceite pelas autoridades de

nova aliança franco-espanhola. A recusa portuguesa em abandonar a sua antiga aliada levou a

França e a Espanha a invadirem o país em Maio de 1762, arrastan-do-o para a Guerra dos Sete Anos, para a qual não estava prepara-do. A conjugação da prioridade dada pelo Marquês de Pombal às questões comerciais com a tradição diplomática de neutralidade do país e ainda com a expectativa permanente de protecção militar por parte da Inglaterra fazia com que a preparação militar portuguesa fosse quase inexistente. Os próprios britânicos avaliavam o exérci-to português do período como «miserável».9

Dada a fraca capacidade de resistência de Portugal, franceses e espanhóis conquistaram várias posições ao longo do país, tendo como principal objectivo chegar a Lisboa. Porém, alguns factores exógenos ajudaram os portugueses. Primeiro, o erro estratégico das

-

o início um objectivo militar claro. Segundo, a chegada ao país, em Julho de 1762, do Conde de Lippe que reorganizou as forças milita-res portuguesas e liderou-as na, agora forte, resistência a franceses e espanhóis. Terceiro, o apoio de tropas inglesas, que combateram no terreno ao lado dos portugueses. Finalmente, pouco depois da inva-são do território nacional ocorreram os primeiros acordos de paz.

Na realidade, em Novembro de 1762 foram assinados em França os preliminares de paz entre as potências beligerantes. Em Dezembro

20

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

chegou-se a acordo relativamente a um armistício entre os exércitos peninsulares. E, em Fevereiro de 1763, foi assinado o Tratado de

10

2. A independência dos Estados Unidos da América

A Guerra dos Sete Anos mudou para sempre o destino da Amé-

vasto império, isso teve um custo. Em primeiro lugar, a renovada importância do Atlântico para os equilíbrios de poder na Europa aumentou consideravelmente o interesse das grandes potências eu-ropeias em relação ao que se passava na América. Segundo, o papel

-lónias norte-americanas uma «primeira consciência do alcance das suas posições», bem como «a certeza da sua capacidade administra-tiva, política e militar».11 Terceiro, praticamente afastada a ameaça francesa e espanhola no continente, os norte-americanos estavam

um custo bastante alto para os cofres britânicos, além do peso nas 12

Esta última questão acabou por ser conjunturalmente decisi-va para o início da revolução que culminou na independência dos Estados Unidos. O império britânico tinha uma visão mercantilis-ta relativamente aos seus domínios ultramarinos, uma concepção traduzida no direito de Londres de intervir nas suas colónias, reti-rando vantagens económicas, em troca da protecção contra amea-ças externas. Contudo, na prática as colónias americanas tinham na sua maioria um grande grau de independência política e económi-ca. Por exemplo, por volta de 1700, metade do comércio de Bos-ton era feito com as Antilhas francesas, e não com a Grã-Bretanha, o que violava as regras do comércio dentro do império estabele-cidas por Londres. A visão britânica relativamente ao seu direito de interferência no império e a quase total independência prática

21

P O R T U G A L E A R E V O L U Ç Ã O A M E R I C A N A

Guerra dos Sete Anos, altura em que o Parlamento inglês adoptou um conjunto de medidas com o objectivo de regular o comércio

Em 1764 foi aprovado o Sugar Act, que proibia o comércio com as Antilhas francesas, considerado ilegal. No ano seguinte foi in-troduzido o Stamp Act, uma taxa sobre os correios e a imprensa das colónias. Os norte-americanos reagiram a estas decisões pro-clamando a doutrina segundo a qual o Parlamento em Londres não tinha o direito de regular o comércio das colónias já que estas se au-togovernavam praticamente desde o início da sua existência. Indo mais longe, recusaram-se a importar bens ingleses, o que teve um elevado impacto no comércio entre os dois lados, levando mesmo o governo britânico a cancelar grande parte das medidas impostas

o Parlamento britânico a tentar algum tempo depois novas formas de receita, aprovando, em 1773, o Tea Tax, uma taxa sobre o comér-cio do chá, provocando uma revolta no porto de Boston traduzida pelo lançamento ao mar de grandes quantidades deste produto: o famoso Boston Tea Party -cou conhecido na América como os Intolerable Acts, encerrando o porto de Boston, transferindo o poder político no Massachusetts

Canadá até ao Rio Ohio.13

Para discutir a forma de reacção aos Intolerable Acts, em 1774 representantes das 12 colónias reuniram-se no primeiro Congresso

consumiriam, bens ingleses até que Londres voltasse atrás. Além disso, exigiram uma participação no governo e começaram a preparar-se para uma possível luta armada. A Grã-Bretanha reagiu com recurso à força, levando aos primeiros confrontos militares entre forças inglesas e milícias americanas em Lexington e Concord (Abril, 1775).

Quase imediatamente após estes choques militares, reuniu-se um segundo Congresso Continental, dominado por um crescente radica-

22

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

lismo e pela ideia de que as colónias precisavam de procurar apoios no exterior para a sua luta contra Londres, tendo para o efeito sido cria-

entre outros, Benjamim Franklin e John Jay. O comité enviou três agentes para a Europa, destacando-se a ida a França de Silas Deane, do Connecticut, que conseguiu junto do Conde de Vergennes, o res-ponsável pelos negócios estrangeiros francês, apoio político e armas.

A conjugação entre o auxílio de Paris e a unidade das colónias face ao inimigo comum criou as condições para que, em Julho de

de Independência, elaborada por Thomas Jefferson, baseada nos «direitos inalienáveis» de «todos os homens» e no governo com o «assentimento dos governados».14

Importa sublinhar o papel da dimensão externa na independên-cia dos EUA, tendo a França desempenhado a função de aliado preferencial. Empenhado em combater a hegemonia da Grã-Bre-tanha no continente e nos mares e em vingar a derrota na Guerra dos Sete Anos, Vergennes liderou o apoio à revolução norte-ame-ricana, quer através de ajuda directa, quer organizando uma vasta coligação antibritânica, sobretudo após a vitória dos colonos em Saratoga, em Outubro de 1777. Em princípios do ano seguinte, a França assinou um tratado de comércio com os EUA. E, a partir daí, organizou uma ampla coligação que reuniu, para além dos fran-

apenas a Rússia, a Suécia, a Dinamarca e, como veremos, Portugal, que adoptaram uma «neutralidade armada».15

continente europeu e uma «implacável guerra marítima» por par-te da França, que «na sua euforia» chegou mesmo «a conside-rar um desembarque em Inglaterra», a Grã-Bretanha acabou por ceder, mesmo que ainda tenha resistido até Setembro de 1783,

à guerra e reconheceu a independência dos EUA.16

23

P O R T U G A L E A R E V O L U Ç Ã O A M E R I C A N A

dos EUA. Em rigor, dez anos antes, doze colónias (às quais se juntou o

Maryland, em Março de 1781) assinaram os Artigos da Confede-ração, criando a primeira forma de governo nacional. Estes cria-ram um Congresso, composto por representantes dos Estados,

governo. Por exemplo, não previam um chefe do poder executivo,

acrescendo que o Congresso não tinha poder para recrutar tro-pas, regular o comércio, impor taxas e impostos e implementar tratados internacionais. Tudo somado, os Estados conservavam a quase totalidade do poder.17

necessidade de formar um governo central mais forte e capaz de lidar com os problemas de política externa do país, sobretu-do com os choques com os interesses dos impérios europeus na América, levaram à aprovação da Constituição. Esta consagrou o modelo federal republicano: a federação era o elemento de uni-dade num contexto caracterizado pela existência de vários Esta-

-cipação dos cidadãos na eleição dos representantes. Tratava-se de uma solução de compromisso entre o imperativo de criar um

-cessidade de satisfazer as exigências dos Estados de preservação de um alto grau de soberania. Além disso, o texto constitucional consagrou um sistema de governo assente nos princípios da se-paração de poderes e dos «freios e contrapesos» (checks and balan-ces), prevendo um poder legislativo alojado num Congresso com duas câmaras – a Câmara dos Representantes e o Senado –, um

24

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

nos artigos da confederação) e um poder judicial compreendendo um Supremo Tribunal e Tribunais federais inferiores, estando es-tes três órgãos dotados de mecanismos de controlo recíproco.18

3. Portugal e a independência dos Estados Unidos da

América

A política portuguesa relativamente ao processo que conduziu a independência dos Estados Unidos não foi homogénea, sendo

o tempo do Marquês de Pombal, foi de alinhamento com a Grã--

foi de reconhecimento da independência.19

A primeira política seguida por Portugal foi de alinhamento com a Grã-Bretanha e, logo, hostil aos EUA. Pombal ainda se es-forçou inicialmente para levar os britânicos a fazer concessões aos colonos norte-americanos, como por exemplo concedendo-lhes

O governante português transmitiu esta ideia ao seu ministro em Londres, Luiz Pinto de Sousa, numa carta particular de 28 de No-vembro de 1775, onde referia que os ingleses deviam recear mais a fúria dos revoltosos americanos do que uma guerra com a França e a Espanha. Mas Londres não seguiu o caminho aconselhado por Pombal, recorrendo antes à força, e este foi obrigado a optar por

20

Esta decisão inscreveu-se num primeiro plano na lógica do objec-tivo de tentar atrair a Grã-Bretanha para o lado português na dispu-ta com a Espanha no continente americano. Depois de terminada a Guerra dos Sete Anos e resolvida a situação no continente europeu, os dois Estados ibéricos continuaram a confrontar-se na América do Sul, nomeadamente em torno da posse da foz do Prata e da colónia do Sacramento. A Espanha não só nunca cumpriu as determinações

25

P O R T U G A L E A R E V O L U Ç Ã O A M E R I C A N A

do Tratado de Paris relativamente ao respeito do statu quo anterior ao

norte-americana e os problemas causados por ela aos britânicos, o único aliado possível de Portugal, para conquistar toda a colónia de Sacramento e Santa Catarina, ameaçando assim a totalidade do sul do Brasil. Pombal aproveitou esta questão da disputa com a Espanha na América do Sul para, simultaneamente, tentar criar «uma situa-ção que obrigasse os ingleses a intervir» e, ao nível interno, permitir «uma emergência grave que facilitasse a sua continuação no poder».21

Mas a decisão do chefe do governo de D. José I relacionou-se também com o receio do efeito da independência dos Estados Uni-dos no império colonial português. De facto, Portugal possuía ex-tensos territórios ultramarinos, desde logo no próprio continente americano, como era o caso do Brasil, sendo que os acontecimen-tos na colónia britânica eram percepcionados como um perigoso precedente que podia ser replicado nas possessões portuguesas. Para agravar, tinham já existido anteriormente sinais de sedição no Brasil, como as revoltas paulistas de 1710 e 1720.

A primeira reacção do governo português à independência dos Estados Unidos não foi assim favorável. No próprio dia 4 de Julho de 1776, foi aprovado um decreto que interditava os portos portu-gueses aos navios norte-americanos, considerando-os piratas. Fo-ram dados apenas oito dias aos navios da antiga colónia inglesa para saírem dos portos portugueses, além de instruções para serem vis-toriados de forma a averiguar se não partiam levando clandestina-mente pólvora e armamento. Segundo Pombal, «um exemplo tão pernicioso» devia «interessar até aos príncipes mais indiferentes», levando-os a «negarem todo o favor e auxílio, directo ou indirecto», a «vassalos que se achavam tão pública e formalmente sublevados contra o seu natural soberano».22

A notícia do fecho dos portos portugueses foi mal recebida pelo Congresso Continental. Tratava-se de uma decisão com grande impacto nas colónias norte-americanas pois Portugal ocupava um

26

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

grandes quantidades de trigo, milho, bacalhau, materiais de cons--

-se que o país importava cerca de metade do trigo e dois terços do milho dos EUA.23

Esta posição portuguesa também não passou ao lado do princi-pal aliado dos Estados Unidos, ou seja, a França. A 15 de Setembro

Conde de Vergennes, incitou os americanos a declararem guerra a Portugal e a enviarem navios para o Brasil. Segundo ele, a decisão de D. José I e Pombal de fecharem os portos era «um acto da Pro-vidência», pois, «tendo em conta o ressentimento que a Espanha desde longa data tem para com Portugal», uma reacção de força por parte dos Estados Unidos ia «certamente interessar a Espanha» no sucesso norte-americano e «levá-la a fazer igual declaração contra Portugal», isto é, levaria Madrid a entrar em guerra com Lisboa, o que, por sua vez, causaria um problema adicional à Grã-Bretanha, levando-a à dispersão da sua força militar.

Dentro da mesma estratégia, Silas Deane, a partir de Paris, es-creveu a um membro do Congresso Continental, Robert Morris, sugerindo que «fosse autorizada a captura de barcos portugueses», uma medida que levaria a que os norte-americanos pudessem «con-tar com a amizade e aliança de Espanha».

O Congresso Continental não foi tão longe quanto Beaumarchais e Deane pretendiam, mas ainda assim reagiu com alguma dureza. Em-bora começando por solicitar aos seus comissários em França, Ben-

que algum barco americano tinha sido impedido de entrar em portos

na capital francesa. Além disso, o Congresso começou ainda a pre-parar um tratado de comércio e aliança com a Espanha. 24

27

P O R T U G A L E A R E V O L U Ç Ã O A M E R I C A N A

Os comissários norte-americanos cumpriram estas instruções, mas com uma importante variante. A 26 de Abril de 1777, dirigi-ram uma carta ao embaixador de Portugal em França, D. Vicente de Sousa Coutinho, mas num tom muito menos duro do que o que constava das instruções do Congresso Continental. Nela solicita-

acreditavam ser genuíno, solicitando, caso ele existisse, que fosse revogado tendo em conta as boas relações existentes entre ambas as partes. Não por acaso, a missiva sublinhava os aspectos mais po-sitivos, referindo a existência de uma «longa amizade e comércio» entre os portugueses e os norte-americanos e a ausência da «mais leve injúria cometida ou mesmo tentada» pelos EUA contra Portu-gal. Além disso, numa referência explícita à dominação espanhola entre 1580 e 1640, Franklin, Lee e Deane recordavam que o rei-no português «pouco mais de um século atrás se encontrava com respeito ao seu antigo Governo numa posição similar à deles». Finalmente, sublinhavam que, caso o decreto existisse, Portugal era «a única potência na Europa» que rejeitou o comércio com os Estados Unidos, assumindo «julgar a sua causa e condená-los, sem autoridade, audiência ou inquérito».25

O tom da carta era assim amistoso, o que muito se deveu aos desenvolvimentos da política interna portuguesa ocorridos ante-riormente. Em Fevereiro de 1777, morreu o rei D. José I, tendo-lhe sucedido D. Maria I, que demitiu o Marquês de Pombal, responsável pela orientação externa que esteve na base do decreto determinan-do o fecho dos portos portugueses aos navios norte-americanos. A ascensão de D. Maria I correspondeu, efectivamente, a uma mu-dança quer da política de Portugal relativamente à independência dos EUA, quer da percepção que as antigas colónias britânicas ti-nham de Lisboa. Porém, tratou-se de um processo gradual e rela-tivamente demorado.26

norte-americanos procuraram tirar o máximo proveito da oportunida-

28

H I S T Ó R I A D A S R E L A Ç Õ E S P O R T U G A L – E U A ( 1 7 7 6 - 2 0 1 5 )

de oferecida pela alteração na política interna portuguesa para rever-ter as relações entre Portugal e os Estados Unidos. Primeiro, através da carta de Abril de 1777. Depois, na ausência de uma resposta po-sitiva de D. Vicente de Sousa Coutinho (um homem muito próximo de Pombal), através de uma segunda missiva enviada em Julho ao se-cretário de Estado dos Negócios Estrangeiros onde voltavam a lem-brar a «antiga amizade de Portugal com as colónias da América do Norte» e pediam novamente a revogação do decreto de 4 de Julho.27

Todavia, os desenvolvimentos portugueses e os esforços de Franklin não tiveram efeitos imediatos, o que muito se deveu ao envolvimento da França e, posteriormente, da Espanha na guerra entre britânicos e norte-americanos, do lado dos segundos, o que quase arrastou a Europa para uma nova guerra generalizada. Os fran-

Grã-Bretanha em condições favoráveis e deste modo conseguirem

sobretudo recuperar Gibraltar. A primeira declarou guerra aos ingle-ses em Julho de 1778, seguida cerca de um ano depois por Madrid. Portugal viu-se então cercado entre a pressão franco-espanhola e a aliança com os britânicos.

De facto, a internacionalização da Guerra da Independência dos Estados Unidos colocou Portugal numa posição complicada. Por um lado, não só não queria hostilizar a Espanha, nem a França, alia-da de Madrid, como o Tratado de Santo Ildefonso (1 Outubro de 1777) e a Aliança Defensiva (11 de Março de 1778) assinados com os espanhóis impediam os portugueses de se colocar contra Madrid e, consequentemente, totalmente ao lado da Inglaterra. Por outro, havia a aliança britânica e o país continuava a precisar da existên-cia do apoio desta «interferência positiva vinda por mar» capaz de compensar a «pressão da fronteira terrestre», isto é, a «pressão es-panhola».28 Contudo, para sorte de Portugal, a aliança defensiva

lado de Madrid contra Londres, visto não se tratar de uma guerra