Historia Das Relaes Publicas c

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HISTRIA DAS RELAES PBLICAS:FRAGMENTOS DA MEMRIA DE UMA REA

Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul Chanceler: Dom Dadeus Grings Reitor: Joaquim Clotet Vice-Reitor: Evilzio Teixeira Conselho Editorial: Alice Therezinha Campos Moreira Ana Maria Tramunt Ibaos Antnio Carlos Hohlfeldt Draiton Gonzaga de Souza Francisco Ricardo Rdiger Gilberto Keller de Andrade Jaderson Costa da Costa Jernimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente) Jos Antnio Poli de Figueiredo Lauro Kopper Filho Lcia Maria Martins Giraffa Maria Eunice Moreira Maria Helena Menna B. Abraho Ney Laert Vilar Calazans Ren Ernaini Gertz Ricardo Timm de Souza Ruth Maria Chitt Gauer EDIPUCRS: Jernimo Carlos Santos Braga Diretor Jorge Campos da Costa Editor-chefe

Cludia Peixoto de Moura Organizadora

HISTRIA DAS RELAES PBLICAS:FRAGMENTOS DA MEMRIA DE UMA REA

PORTO ALEGRE 2008

EDIPUCRS, 2008 Capa: Vincius de Almeida Xavier Diagramao: Gabriela Viale Pereira Reviso Lingstica: Daniela Origem e Grasielly Hanke Angeli

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)H673 Histria das relaes pblicas : fragmentos da memria de uma rea [recurso eletrnico] / Cludia Peixoto de Moura (Org.) Porto Alegre : EDIPUCRS, 2008. 700 p. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de Acesso: World Wide Web: ISBN 978-85-7430-749-7 (on-line) 1. Relaes Pblicas Histria. 2. Comunicao Social Brasil. I. Moura, Cludia Peixoto de. CDD 659.2

Ficha Catalogrfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informao da BC-PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 - Prdio 33 Caixa Postal 1429 90619-900 Porto Alegre, RS - BRASIL Fone/Fax: (51) 3320-3523 E-mail: [email protected] http://www.pucrs.br/edipucrs

SIGLAS ADOTADASCNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CONFERP - Conselho Federal de Profissionais de Relaes Pblicas EBAP - Escola Brasileira de Administrao Pblica ECA/USP - Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo FACCAT - Faculdades Integradas de Taquara FAPERGS - Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul FEE - Fundao de Economia e Estatstica FEEVALE - Federao de Estabelecimentos de Ensino Superior em Novo Hamburgo FIB - Faculdades Integradas de Bauru FIP - Faculdade do Interior Paulista FTC - Faculdade de Tecnologia e Cincias IPA - Instituto Porto Alegre MEC - Ministrio da Educao PGQP - Programa Gacho da Qualidade para a Produtividade PUCRS - Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul UCB - Universidade Catlica de Braslia UCS - Universidade de Caxias do Sul UCSAL - Universidade Catlica de Salvador UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana UEL - Universidade Estadual de Londrina UFG - Universidade Federal de Gois UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFSM - Universidade Federal de Santa Maria ULBRA - Universidade Luterana do Brasil UMESP - Universidade Metodista de So Paulo UNEB - Universidade do Estado da Bahia UNESP - Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho

Uni-Bh - Centro Universitrio de Belo Horizonte UNIFACS Universidade Salvador UNIJU - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paran UniRio - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNIVALI - Universidade do Vale do Itaja USC - Universidade do Sagrado Corao

SUMRIOPrefcio ........................................................................................................................... 11 Jos Marques de Melo Apresentao: A histria e a memria das Relaes Pblicas ................................. 13 Cludia Peixoto de Moura Parte I: Reflexes e Aes de Relaes Pblicas....................................................... 20 Captulo 1: Origens e Contextos da rea ..................................................................... 21 O contexto histrico do nascimento das Relaes Pblicas .................................... 21 Jlio Afonso Pinho(UFG) (Re)Construindo a histria das Relaes Pblicas .................................................... 43 Cleusa Maria Andrade Scroferneker (PUCRS) Relaes Pblicas Processo histrico e Complexidade......................................... 53 Rudimar Baldissera (FEEVALE/UCS) e Marlene Branca Slio (UCS) Estudos em Relaes Pblicas e o Pensamento Latino-Americano em Comunicao.................................................................................................................. 71 Yuji Gushiken (UFMT) Teoria e Prtica uma relao dissonante em Relaes Pblicas no Brasil do Sculo XX........................................................................................................................ 89 Ana Maria Walker Roig Steffen (PUCRS) Contextualizando as Relaes Pblicas como atividade do campo profissional . 103 Sonia Aparecida Cabestr (USC) O campo profissional de Relaes Pblicas e a entrada das Multinacionais no Brasil: uma anlise atravs da perspectiva da Pesquisa Histrica (1956-1979).... 137 Gisele Becker (PPGCOM-PUCRS) e Carla Lemos da Silva (PPGCOM-PUCRS) O campo profissional de Relaes Pblicas e o momento de reabertura poltica no Brasil: Uma anlise atravs da perspectiva da Pesquisa Histrica (1979-1985) ... 154 Gisele Becker (FEEVALE) e Carla Lemos da Silva (PPGCOM-PUCRS) Captulo 2: Aes e Representaes Profissionais.................................................. 170 Governo Mdici: discurso oculto na comunicao institucional o caso AERP.. 170 Heloiza Matos (ECA/USP Faculdade Csper Lbero) Aspectos histricos da atividade de Relaes Pblicas: paralelos com a origem das assessorias de comunicao social ................................................................... 194 Ana Maria Crdova Wels (PUCRS e FEE) De Chapa Branca Interlocutora Qualificada: a trajetria da atividade de assessoria de imprensa no Brasil e no RS................................................................ 205 Laura Maria Gler (Centro Universitrio Metodista IPA)

O conceito de Empresa-Rede na Assessoria de Imprensa - um estudo em Porto Alegre (RS).................................................................................................................... 225 Laura Maria Gler (Centro Universitrio Metodista IPA) O moderno planejamento em relaes pblicas na fragmentao narrativa do mundo contemporneo ............................................................................................... 237 Yuji Gushiken (UFMT) 2006: um marco na histria das relaes pblicas no Brasil .................................. 253 Marcello Chamusca e Mrcia Carvalhal (Portal RP-Bahia) Reconhecimento e Valorizao: histria e memria de uma campanha que movimentou profissionais, estudantes, instituies de ensino e entidades de classe em todo o pas em 2006 e 2007....................................................................... 270 Marcello Chamusca e Mrcia Carvalhal (Portal RP-Bahia; UNIFACS; Faculdade Isaac Newton) O Parlamento Nacional das Relaes Pblicas e as medidas adotadas pelo CONFERP para sua viabilizao prtica .................................................................... 288 Andria Athaydes (ULBRA e FACCAT) O pioneirismo do Sindicato de Relaes Pblicas no Estado do Rio Grande do Sul ....................................................................................................................................... 304 Helaine Abreu Rosa (FEEVALE) e Cintia da Silva Carvalho (FEEVALE e ULBRA) Captulo 3: Prticas de Relaes Pblicas ................................................................ 319 Central de Atendimento 0800 do Senado Federal: uma histria de conquistas para o cidado ...................................................................................................................... 319 Marcia Yukiko Matsuuchi Duarte (Senado Federal/DF) Criana Esperana: exemplo do marketing de causas sociais, articulado pelas relaes pblicas ......................................................................................................... 341 Anglica Helena Santini Montes Gallego (UMESP, FIB, FIP) e Daniel dos Santos Galindo (UMESP) A Pesquisa Emprica na Mdia Digital: uma prtica de Relaes Pblicas ............ 357 Cludia Peixoto de Moura (PUCRS) Apropriao dos blogs como ferramenta estratgica de Relaes Pblicas ........ 374 Cintia da Silva Carvalho (FEEVALE) A comunicao organizacional na cultura da gesto da qualidade: o PGQP no perodo de outubro de 1992 a maro de 2007 ........................................................... 391 Carla Schneider (PPGCOM-PUCRS) A memria da Comunicao em instituies biomdicas: consideraes sobre os efeitos da Comunicao Organizacional em mudanas na relao biomdicopaciente......................................................................................................................... 407 Simone Vaisman Muniz (UniRio) O discurso imagtico do destino Brasil antes e depois da criao do Ministrio do Turismo ......................................................................................................................... 420 Diana Costa de Castro (UCB) e Priscila Chiattone (UNIOESTE)

Relaes Pblicas e Turismo: uma reflexo sobre Comunicao e PsModernidade ................................................................................................................. 439 Helaine Abreu Rosa e Mary Sandra Guerra Ashton (FEEVALE) As Relaes Pblicas de artistas da msica no Brasil: trajetrias pioneiras........ 460 Patricia Spinola Parte II: Ensino e Formao em Relaes Pblicas ................................................. 475 Captulo 4: Fragmentos da Histria dos Cursos....................................................... 476 Relaes Pblicas e Modernizao: o curso especial da EBAP ............................. 476 Odilon Sergio Santos de Jesus (UEFS) A trajetria do curso de Relaes Pblicas da FEEVALE: dos primrdios contemporaneidade ..................................................................................................... 488 Cintia da Silva Carvalho (FEEVALE e ULBRA) e Helaine Abreu Rosa (FEEVALE) Uma Contribuio para a Memria do Curso de Relaes Pblicas da UFRGS.... 503 Eno Dag Liedke e Daniela Esmeraldino Colissi (UFRGS) 35 anos do Curso de Relaes Pblicas da Universidade de Caxias do Sul UCS ....................................................................................................................................... 520 Rudimar Baldissera, Silvana Padilha Flores e Marlene Branca Slio (UCS) Ensino das profisses miditicas: trajetria do Curso de Comunicao da UFSM ....................................................................................................................................... 536 Eugenia Maria Mariano da Rocha Barichello (UFSM) Descaminhos das Relaes Pblicas na Bahia: bastidores de uma institucionalizao (Questionando a forma de implantao do primeiro curso universitrio de Relaes Pblicas da Bahia)........................................................... 552 Jlio Csar Lobo e Joanita Nascimento Souza Neta (UNEB) Empreendedorismo e Comunicao: o perfil e a formao empreendedora dos egressos do Curso de Comunicao Social da UNIJU ........................................... 560 Tiago Mainieri de Oliveira e Felipe Rigon Dorneles (UNIJU) Um olhar sobre a histria do Curso de Relaes Pblicas da UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul ................................................................................................... 574 Elizabeth Huber Moreira e Mnica Elisa Dias Pons(UNISC) Captulo 5: Tpicos para a Memria do Ensino ........................................................ 583 Panorama Histrico das Relaes Pblicas na Bahia.............................................. 583 Henrique Wendhausen, Marcello Chamusca e Mrcia Carvalhal (FTC) A trajetria das Relaes Pblicas na regio Noroeste do RS................................ 599 Marcia Formentini, Andr Gagliardi e Tiago Mainieri de Oliveira (UNIJU) As Relaes Pblicas Internacionais nos currculos de Relaes Pblicas do Rio Grande do Sul............................................................................................................... 612 Vagner de Carvalho Silva (PPGCOM - PUCRS)

Inventrio bibliogrfico em monografias de Relaes Pblicas ............................. 628 Gustavo Eugnio Hasse Becker (ULBRA) O ensino das Relaes Pblicas em Santa Catarina................................................ 640 Ediene do Amaral Ferreira (UNIVALI) A Trajetria dos Projetos Experimentais Estgio do Curso Relaes Pblicas da Universidade do Vale do Itaja/SC .............................................................................. 654 Ediene do Amaral Ferreira e Joo Carissimi (UNIVALI) Snia Bandeira (1965-1999): a trajetria de vida da relaes-pblicas em Santa Catarina ......................................................................................................................... 661 Joo Carissimi (UNIVALI) O pioneirismo de Cndido Teobaldo de Souza Andrade na pesquisa em Relaes Pblicas no Brasil ........................................................................................................ 669 Waldyr Gutierrez Fortes (UEL) Parte III: Frum de Professores de Relaes Pblicas ............................................ 687 Fragmentos da Histria do Ensino de Relaes Pblicas no Brasil....................... 688 Cludia Peixoto de Moura (PUCRS) Os Reflexos das Diretrizes Curriculares no Ensino de Relaes Pblicas............ 695 Sidinia Gomes Freitas (USP)

Histria das Relaes Pblicas

PrefcioJos Marques de Melo Presidente-fundador da Rede Alcar

A comemorao dos 200 anos da introduo da imprensa no Brasil, efemride que catalisa a pauta da mdia nacional, neste ano de 2008, tem sido oportunidade singular para uma reviso da trajetria das reas que compem o universo da comunicao social em todo o pas. o caso, por exemplo, das Relaes Pblicas, atividade profissional que surgiu na esteira da humanizao do capitalismo, cujo aparecimento no Brasil tem fisionomia precoce, mas seu desenvolvimento s vem ocorrer quando se organiza uma corporao que luta pelos seus direitos e reivindica a formao de quadros especializados. Se a gnese das Relaes Pblicas est no ato de fundao do servio de atendimento ao pblico e imprensa da Light, em 1914, por Eduardo Pinheiro Lobo, seu florescimento s encontra sustentao na regulamentao profissional reivindicada desde 1954, quando os praticantes do oficio criam sua associao nacional. Mas o fortalecimento da rea passa necessariamente pela educao superior dos futuros ocupantes de funes dessa natureza nas empresas, no servio pblico e no setor tercirio. O marco emblemtico a fundao do curso pioneiro por Candido Teobaldo de Souza Andrade, em 1967, na Universidade de So Paulo. Desde ento a profisso deslanchou, construindo seu corpo cognitivo e negociando suas fronteiras com as ocupaes contguas, como o jornalismo e as relaes pblicas. De que forma esse desenvolvimento ocupacional se deu no espao brasileiro, ou seja, nos diferentes quadrantes da geografia verde-amarela? Quem quiser uma resposta satisfatria poder encontrar nesta coletnea organizada com esmero pela professora Claudia Moura, lder da equipe que vem escrevendo a Histria das Relaes Pblicas no Brasil na Rede Alfredo de Carvalho para o Resgate da Memria da Imprensa e a Construo da Histria da Mdia no Brasil.

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Cludia Peixoto de Moura (Organizadora)

Mobilizando jovens professores, de norte a sul, de leste a oeste, a tranqila, diligente e carismtica pesquisadora gacha comps um panorama elucidativo da rea, que representa um desafio s novas geraes no sentido de discernir para onde caminha a profisso nesta conjuntura enigmtica de globalizao capitalista. Ao prefaciar esta obra coletiva, tecida pelo Grupo de Trabalho de Histria das Relaes Pblicas da Rede Alfredo de Carvalho, no posso fugir tentao de fazer duas perguntas aos leitores potenciais. Em que medida a etapa da globalizao da economia no est na raiz da prpria profisso? Tanto assim que as pistas de Ivy Lee, cuja frmula para humanizao de uma linhagem de capitalistas selvagens, so tomadas ao p da letra por Eduardo Pinheiro Lobo, mas no surtem os resultados pretendidos, exatamente por que o capitalismo brasileiro muito tardio? E, na seqncia, uma provocao. Por que as Relaes Pblicas no Brasil s seriam nutridas pelo capitalismo de Estado sustentado pelo regime militar ps64? Trata-se de questes histricas que ambicionam suscitar a leitura crtica deste livro pelos jovens profissionais e estudiosos da rea. So Paulo, maro de 2008

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Histria das Relaes Pblicas

Apresentao: A histria e a memria das Relaes PblicasCludia Peixoto de Moura Coordenadora do GT Histria das Relaes Pblicas da Rede Alcar

A obra uma coletnea de textos selecionados para apresentao no Grupo Temtico Histria das Relaes Pblicas, da Rede de Pesquisadores de Memria da Imprensa e a Construo da Histria da Mdia no Brasil (Rede Alfredo de Carvalho REDE ALCAR). Os artigos j foram disponibilizados comunidade cientfica da rea, atravs do site da REDE ALCAR (www.jornalismo.ufsc.br/redealcar). Porm, nesta obra esto reunidos com a finalidade de documentar as discusses ocorridas no perodo de cinco anos, por ocasio dos Encontros realizados, de 2004 a 2008. Alm disso, o lanamento desta edio acontece no ano do bicentenrio da Imprensa Brasileira, registrando alguns estudos desenvolvidos na rea de Relaes Pblicas. O VI Encontro Nacional de Histria da Mdia ocorre em 2008, ano comemorativo, e tem como tema central os 200 anos de mdia no Brasil Historiografia e Tendncias. A publicao da Histria das Relaes Pblicas: fragmentos da memria de uma rea registra uma parte da trajetria do ensino e formao, das reflexes e aes de Relaes Pblicas, sendo resultante do Grupo Temtico. Os textos, em sintonia com a ementa do GT Histria das Relaes Pblicas, abrangem pesquisas que focalizam a histria dos processos de relacionamento estabelecidos entre os pblicos e as organizaes, a origem e contexto das aes comunicacionais existentes nas instituies pblicas, privadas e no governamentais, a evoluo dos conceitos e prticas de Relaes Pblicas, a trajetria do ensino e de cursos para a formao acadmica na rea. O resultado dos cinco encontros um conjunto de 42 trabalhos, selecionados de 2004 a 2008, nas modalidades de Comunicaes Cientficas, de Memrias de Experincias e de Depoimentos de Especialistas, Todos esto indicados a seguir, considerando as temticas abordadas, divididas em dois segmentos que deram origem s partes do livro:

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Cludia Peixoto de Moura (Organizadora)

a) temticas relacionadas s origens, contextos, aes e prticas de Relaes Pblicas:AUTOR(ES) TTULO DO TRABALHO

Laura Maria Gler (Centro Universitrio De Chapa Branca a Interlocutora Qualificada: a Metodista IPA/RS) 2004 Marcia (Relaes Yukiko Matsuuchi trajetria da atividade de assessoria de imprensa no Brasil e no RS Duarte Central de Atendimento 0800 do Senado Senado Federal: uma histria de conquistas para o cidado atividade do campo profissional Mdici: histrico discurso do oculto na das comunicao institucional o caso AERP O contexto nascimento Relaes Pblicas Rudimar UCS/RS) Cleusa Ana Baldissera e Maria Maria Marlene Andrade Walker (FEEVALE Branca e Relaes Pblicas Processo histrico e Slio Complexidade a histria das Relaes Pblicas

Federal/DF) 2004 2004 Csper Lbero/SP) 2004 Jlio Afonso Pinho (UFG/GO) 2005

Sonia Aparecida Cabestr (USC/SP) Contextualizando as Relaes Pblicas como Heloiza Matos (ECA/USP e Faculdade Governo

(UCS/RS) 2005 Scroferneker (Re)Construindo Pblicas Roig Steffen Teoria e Prtica uma relao dissonante em Relaes Pblicas no Brasil do Sculo XX Pblicas: paralelos com a origem das (PUCRS/RS) 2005 (PUCRS/RS) 2005 FEE/RS) 2005

Ana Maria Crdova Wels (PUCRS e Aspectos histricos da atividade de Relaes assessorias de comunicao social Laura Maria Gler (Centro Universitrio O conceito de Empresa-Rede na Assessoria de Metodista IPA/RS) 2005 Imprensa - um estudo em Porto Alegre (RS) pioneirismo do Sindicato de Relaes Helaine Abreu Rosa (FEEVALE/RS) e O ULBRA /RS) 2006 Gisele Becker e Carla Lemos da Silva O campo profissional de Relaes Pblicas e a (PPGCOM PUCRS/RS) 2006 entrada das Multinacionais no Brasil: uma anlise atravs da perspectiva da Pesquisa Histrica (1956-1979)

Cintia da Silva Carvalho (FEEVALE e Pblicas no Estado do Rio Grande do Sul

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Histria das Relaes Pblicas

Yuji Gushiken (UFMT/MT) 2006

Estudos em Relaes Pblicas e o Pensamento Latino-Americano em Comunicao

Marcello Chamusca e Mrcia Carvalhal 2006: um marco na histria das relaes (Portal RP-Bahia/BA) 2007 Carla Schneider (PPGCOM PUCRS/RS) 2007 pblicas no Brasil A comunicao organizacional na cultura da gesto da qualidade: o PGQP no perodo de outubro de 1992 a maro de 2007 Anglica Helena Santini Montes Gallego Criana Esperana: exemplo do marketing de (UMESP, FIB, FIP/SP) e Daniel dos causas Santos Galindo (UMESP/SP) 2007 2007 2008 Andria Athaydes (ULBRA FACCAT/RS) 2008 pblicas uma prtica de Relaes Pblicas dos blogs como ferramenta estratgica de Relaes Pblicas e O Parlamento Nacional das Relaes Pblicas e as medidas adotadas pelo CONFERP para sua viabilizao prtica. Gisele Becker (FEEVALE/RS) e Carla O campo profissional de Relaes Pblicas e o Lemos da Silva (PPGCOM-PUCRS/RS) momento de reabertura poltica no Brasil: Uma 2008 anlise atravs da perspectiva da Pesquisa Histrica (1979-1985) Marcello Chamusca e Mrcia Carvalhal Reconhecimento Isaac Newton/BA) 2008 e Valorizao: histria e (Portal RP-Bahia; UNIFACS; Faculdade memria de uma campanha que movimentou profissionais, estudantes, instituies de ensino e entidades de classe em todo o pas em 2006 e 2007 Simone Vaisman Muniz (UniRio) 2008 A memria da Comunicao em instituies biomdicas: consideraes sobre os efeitos da Comunicao Organizacional em mudanas na relao biomdico-paciente Yuji Gushiken (UFMT/MT) 2008 O moderno planejamento em relaes pblicas na fragmentao narrativa do mundo contemporneo Helaine Abreu Rosa e Mary Sandra Relaes Pblicas e Turismo: uma reflexo Guerra Ashton (FEEVALE/RS) 2008 sobre a Comunicao na Ps-Modernidade Diana Costa de Castro (UCB/DF) e O discurso imagtico do destino Brasil antes e sociais, articulado pelas relaes

Cludia Peixoto de Moura (PUCRS/RS) A Pesquisa Emprica na Mdia Digital: Cintia da Silva Carvalho (FEEVALE/RS) Apropriao

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Priscila 2008

Chiattone

(UNIOESTE/PR)

depois da criao do Ministrio do Turismo. As Relaes Pblicas de artistas da msica no Brasil: trajetrias pioneiras

Patricia Spinola (SP) 2008

b) temticas relacionadas trajetria do ensino de Relaes Pblicas:AUTOR(ES) TTULO DO TRABALHO

Ediene do Amaral Ferreira e Joo A Trajetria do Projeto Experimental Estgio do Carissimi (UNIVALI/SC) 2004 Eugenia Odilon Maria Sergio Mariano Santos da de Curso Relaes Pblicas da Universidade do Vale do Itaja/SC Rocha Ensino das profisses miditicas: trajetria do Curso de Comunicao da UFSM Jesus Relaes Pblicas e Modernizao: o curso especial da EBAP bastidores primeiro de curso uma institucionalizao de Relaes Barichello (UFSM/RS) 2004 (UEFS/BA) 2004 Souza Neta (UNEB/BA) 2004

Jlio Csar Lobo e Joanita Nascimento Descaminhos das Relaes Pblicas na Bahia: (Questionando a forma de implantao do universitrio Pblicas da Bahia) Cintia da Silva Carvalho (FEEVALE e A trajetria do curso de Relaes Pblicas da ULBRA/RS) e Helaine Abreu Rosa FEEVALE: dos primrdios (FEEVALE/RS) 2005 contemporaneidade

Mrcia Formentini, Andr Gagliardi e A trajetria das Relaes Pblicas na regio Tiago Mainieri de Oliveira (UNIJU/RS) Noroeste do RS 2005 Ediene do Amaral Ferreira (UNIVALI/SC) O ensino das Relaes Pblicas em Santa 2005 Joo Carissimi (UNIVALI/SC) 2005 Gustavo Eugnio Hasse Catarina Snia Bandeira (1965-1999): a trajetria de vida da relaes pblicas em Santa Catarina Becker Inventrio bibliogrfico em monografias de Relaes Pblicas Relaes Pblicas Internacionais nos currculos de Relaes Pblicas do Rio Grande do Sul (ULBRA/RS) 2005 PUCRS/RS) 2005

Vagner de Carvalho Silva (PPGCOM As

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Histria das Relaes Pblicas

Henrique

Wendhausen,

Marcello Panorama Histrico das Relaes Pblicas na

Chamusca e Mrcia Carvalhal (FTC- Bahia Salvador/BA) 2006 Rudimar 2006 Elizabeth Huber Moreira e Mnica Elisa Um olhar sobre a histria do Curso de Relaes Dias Pons (UNISC/RS) 2006 Pblicas da UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul Tiago Mainieri de Oliveira e Felipe Rigon Empreendedorismo e Comunicao: o perfil e a Dorneles (UNIJU/RS) 2006 formao empreendedora dos egressos do Curso de Comunicao Social da UNIJU Eno Dag Liedke e Daniela Esmeraldino Uma Contribuio para a Memria do Curso de Colissi (UFRGS/RS) 2008 2008 Relaes Pblicas da UFRGS Andrade na pesquisa em Relaes Pblicas no Brasil Waldyr Gutierrez Fortes (UEL/PR) O pioneirismo de Cndido Teobaldo de Souza Baldissera, Silvana Padilha 35 anos do Curso de Relaes Pblicas da Flores e Marlene Branca Slio (UCS/RS) Universidade de Caxias do Sul UCS

Nos dois quadros acima possvel identificar mais de 40 autores 1 com textos selecionados. Destes autores, treze (13) pesquisadores participaram mais de uma vez do evento da REDE ALCAR. So eles: Cintia da Silva Carvalho (FEEVALE/RS e ULBRA/RS), Helaine Abreu Rosa (FEEVALE/RS), Marcello Chamusca (Portal RP-Bahia), Mrcia Carvalhal (Portal RP-Bahia), Ediene do Amaral Ferreira (UNIVALI/SC), Joo Carissimi (UNIVALI/SC), Laura Maria Gler (Centro Universitrio Metodista IPA/RS),Marlene Branca Slio (UCS/RS), Rudimar Baldissera (FEEVALE/RS e UCS/RS), Tiago Mainieri de Oliveira (UNIJU/RS), Carla Lemos da Silva (PPGCOM-PUCRS), Gisele Becker (FEEVALE/RS), Yuji Gushiken (UFMT/MT). Com a participao de diversos autores houve a representao de vrias Instituies, conforme demonstram os quadros anteriores. Igualmente, representam os seguintes estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, So Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Gois, Mato Grosso e Bahia.

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Cludia Peixoto de Moura (Organizadora)

Desde 2004, primeiro encontro do GT Histria das Relaes Pblicas, as propostas dos participantes foram abordar a questo do ensino (construo dos cursos / experincias), a questo das entidades representativas (processos institucionais / ABRPs / Sindicatos / CONRERPs), a questo dos organismos pblicos e privados (polticas de comunicao / uso de instrumentos), e a questo dos autores de Relaes Pblicas (suas idias / personalidades). Os diversos assuntos elencados esto contemplados nesta obra. Outra sugesto foi a organizao de um Encontro de Professores de Relaes Pblicas, a ser realizado na seqncia do evento da REDE ALCAR. O evento ocorreu em 2005, denominado Frum de Professores de Relaes Pblicas, com o objetivo de abordar Os Reflexos das Diretrizes Curriculares no Ensino de Relaes Pblicas. Para tanto, a profa. Dra. Sidinia Gomes Freitas (USP) foi convidada como palestrante, em virtude de sua experincia e vivncia no MEC, inclusive na elaborao das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Comunicao Social. Houve uma retomada de questes do passado e uma avaliao da situao atual, focando a formao na rea. O debate foi norteado por uma pauta. O Frum contou com a presena de professores que participaram do encontro da REDE ALCAR, de 2005, e de outros docentes de instituies de ensino localizadas no estado do Rio Grande do Sul. A pauta estabelecida gerou muitas discusses. O texto de Abertura do Frum e o artigo apresentado por Sidinia Gomes Freitas finalizam esta publicao. Tambm gostaria de destacar a participao de quatro sites que colaboraram com a divulgao do GT Histria das Relaes Pblicas, nos encontros ocorridos. So eles: - www.comunicacaoempresarial.com.br : de Wilson da Costa Bueno, - www.mundorp.com.br : de Rodrigo Cogo, - www.portal-rp.com.br : de Waldyr Gutierrez Fortes, - www.rp-bahia.com.br : de Mrcia Carvalhal e Marcello Chamusca. A obra Histria das Relaes Pblicas: fragmentos da memria de uma rea uma documentao contendo todos os textos selecionados para osOs dados dos autores, registrados em nota de rodap junto aos textos, apresentam a situao acadmica e profissional de cada participante no perodo em que ocorreu a seleo de seu artigo para o encontro da REDE ALCAR.1

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Histria das Relaes Pblicas

encontros ocorridos de 2004 a 2008. Quero registrar o meu agradecimento a todos que participaram das cinco edies do GT. Somente o interesse de tantas pessoas pelo debate dos assuntos pautados na ementa do GT garante a produo de conhecimento e o desenvolvimento de investigaes voltadas Histria das Relaes Pblicas. Agradeo EDIPUCRS Editora da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul por realizar a publicao eletrnica do material, possibilitando assim a sua divulgao para a comunidade acadmica e profissional. Finalizo esta apresentao com um agradecimento especial ao prof. Dr. Jos Marques de Melo, presidente da REDE ALCAR, que possibilitou a incluso do GT Histria das Relaes Pblicas na Rede de Pesquisadores de Memria da Imprensa e a Construo da Histria da Mdia no Brasil (Rede Alfredo de Carvalho), resultando em um espao relevante para a discusso das questes pertinentes rea. A histria e a memria das Relaes Pblicas necessitam ser pesquisadas e registradas na REDE ALCAR, atravs dos estudos apresentados em seus encontros anuais. Uma interpretao do passado, condicionada a um contexto social e construda a partir de problemas de pesquisa que interessam no tempo presente, com base em fontes primrias ou secundrias, escritas manuscritas ou impressas, orais, materiais e visuais podem ser adotadas para reconstruir a histria de Relaes Pblicas.

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Parte I: Reflexes e Aes de Relaes Pblicas

Histria da Relaes Pblicas

Captulo 1: Origens e Contextos da rea

O contexto histrico do nascimento das Relaes PblicasJlio Afonso Pinho 2 (UFG)

Resumo

Este trabalho aborda uma reflexo sobre o contexto histrico do nascimento das Relaes Pblicas com o objetivo de compreender os fatores responsveis pelo seu surgimento no final do sculo XIX. O cenrio poltico, social e econmico da poca por demais revelador no que diz respeito natureza e funo da atividade de Relaes Pblicas, demonstrando as foras sociais que foram responsveis por sua gnese e posterior desenvolvimento. Por fim, aborda uma reflexo a respeito do incio da atividade no Brasil, frisando as situaes histricas da sua chegada no pas e as implicaes da decorrentes no exerccio da profisso.

1. INTRODUO

importante frisar que a profisso de Relaes Pblicas tem seus fundamentos ligados ao fenmeno da opinio pblica. Somente numa sociedade democrtica, onde a opinio pblica assume papel preponderante no processo poltico, haver a devida importncia atividade profissional das Relaes Pblicas. Necessariamente, numa democracia, h que se estabelecer o dilogo, o consenso, a ausculta aos diversos grupos e movimentos sociais. A opinio pblica um fenmeno tpico dos albores da modernidade, alicerada nas idias iluministas. De fato, tal opinio, revigorada nos espaos pblicos do incio da modernidade, cumpriu seu papel de frum democrtico; espao onde a sociedade civil se aglutinava para questionar, debater e refletir os

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Doutor em Comunicao e Cultura, Professor Adjunto do Curso de Relaes Pblicas da Universidade Federal de Gois.

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rumos da administrao pblica, dos direcionamentos e apostas polticas dos governos dos Estados-Nao dos sculos XVIII e XIX. justamente o fortalecimento da sociedade civil, com suas conseqentes necessidades de discusso de temas relevantes e de mobilizao poltica, que vai abrir espao para o surgimento da atividade de Relaes Pblicas, demonstrando assim, o carter eminentemente poltico das RPs. Torna-se imprescindvel, destarte, proceder a um minucioso cotejo entre os fatos histricos significativos dos EUA, no sculo XIX, e a cronologia da evoluo das Relaes Pblicas, tendo em vista proporcionar uma reflexo profcua a respeito dos determinantes polticos, econmicos, sociais e culturais que viabilizaram e contingenciaram o surgimento dessa nova profisso. Nesta cena histria, a luta de classes, o movimento sindical e as associaes patronais e o desenvolvimento do capitalismo monopolista integram um captulo essencial e imprescindvel para conhecer a gnese da profisso de Relaes Pblicas naqueles Estados Unidos do sculo XIX. Por fim, necessrio empreender uma anlise da profisso na atualidade a partir do enriquecimento que tal contexto de seu nascimento nos lega. Numa poca de crise da poltica, fragmentao do sujeito, declnio dos sindicatos e da opinio pblica, o que podermos ter como perspectiva da profisso de Relaes Pblicas? Sem dvida alguma, a reflexo sobre o surgimento das RP como profisso torna-se extremamente importante para entender a evoluo conceitual, a fundamentao tica, os pressupostos tericos e os paradigmas dessa profisso desde a sua origem at nossos dias.

2.

O

SINDICALISMO

NORTE-AMERICANO

NO

SCULO

XIX:

UMA

SOCIEDADE EM TRANFORMAO

Os Estados Unidos foram o primeiro pas a industrializar-se fora do continente europeu, contando com uma certa pujana industrial j pelos idos de 1840. Tal processo foi facilitado por diversos fatores responsveis pela consolidao dos EUA como nao. Dentre eles, podemos citar os mais significativos como o movimento expansionista americano poca; a Guerra da

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Histria das Relaes Pblicas

Secesso e por fim a grande onda migratria intensificada pela chegada das hordas de irlandeses. O movimento expansionista legou aos EUA, na primeira metade do sculo XIX, os territrios da Flrida, Lousianna, Alaska, Texas, Novo Mxico, Califrnia, Utah, Arizona e Nevada, sendo que os trs primeiros foram anexados pela via diplomtica, mediante o pagamento de altas somas de dinheiro; j os territrios mexicanos foram agregados pelo uso da fora. S nos trs anos da Guerra do Mxico (1845-1848) mais da metade da ex-colnia espanhola passou a fazer parte do territrio americano. No final da primeira metade do sculo XIX formaram-se as primeiras grandes concentraes de trabalhadores no entorno das cidades-plo do processo de desenvolvimento industrial americano. Nesta poca, os EUA tambm receberam um significativo contingente de irlandeses alm dos costumeiros imigrantes de diferentes procedncias que fugiam das conhecidas fomes que assolaram a Irlanda no incio do sculo XIX, fato que acabou por fortalecer e ampliar ainda mais o exrcito de reserva necessrio para a expanso do capitalismo industrial. Aliado a essa conjuntura, podemos citar tambm o enriquecimento dos estados do norte, a partir da guerra da secesso (18601865). Essa grande guerra civil, com toda sua destruio, foi, contudo, decisiva para formar um mercado economicamente unificado e guindar a nao americana condio de potncia mundial. A conquista do oeste tambm pode figurar como um elemento desencadeador desse processo industrial, uma vez que resultou em abundncia de recursos, servindo tambm como elemento inibidor de crises trabalhistas. A expanso da fronteira americana (teoria da fronteira) representava uma vlvula de escape, contribuindo para a cristalizao das condies sociais da poca, com profundos reflexos nas questes trabalhistas. Segundo a Teoria da Fronteira, as fronteiras a serem conquistadas representavam a possibilidade do direito de propriedade a terra, inibindo crises sociais e anseios revolucionrios de transformao social.3

3

Sobre a Teoria da Fronteira, ver FARAGHER, John Mack. Rereading Frederick Jackson Turner: The significance of the frontier in American history. New Haven/Connecticut: Yale University Press, 1999.

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A questo da propriedade decisiva para delinearmos o perfil dos trabalhadores americanos desse perodo histrico. Eles almejavam alcanar a condio de proprietrios, segundo o iderio da livre iniciativa, pois o imaginrio da poca estava perpassado pela idia da posse da terra, da aventura bemsucedida de tornar-se proprietrio, o que, por sinal, delineou uma forte rejeio aos monoplios, cartis e trustes, toda e qualquer organizao do capital que pusesse em risco a esperana da distribuio de terras e o acesso de um grande nmero de cidados s benesses do capitalismo. A filosofia de vida americana postulava a salvaguarda dos ideais liberais da livre iniciativa, da economia competitiva e da igualdade de possibilidades para todos. Tal perfil fez com que o movimento sindicalista americano fosse, at certa medida, destitudo de uma forte mobilizao, no sentido de promover uma transformao social profunda, capaz de fazer desencadear os grandes ideais comunistas to presentes e cada vez mais fortes poca. Na verdade, at a crise de 1929, a grande heterogeneidade da classe operria americana, a grande imigrao, a abundncia de terras livres, os ideais burgueses do direito propriedade e o surto de prosperidade advindo do grande desenvolvimento econmico, refrearam as reivindicaes da classe operria americana, a despeito do que ocorria na Europa nessa mesma poca palco de avanos dos movimentos operrios aps as revolues liberais no perodo compreendido entre 1800 a 1848 em que os princpios do socialismo direcionaram reformas econmicas e sociais profundas contra a desigualdade social. Na verdade a Europa j presenciava, neste perodo, a insurreio dos trabalhadores contra as pssimas condies de vida decorrentes de crises econmicas, desemprego, falta de liberdade civil e poltica; exigiam liberdade de imprensa, democracia, sufrgio universal, poltica social e direitos trabalhistas. No por acaso que o Manifesto Comunista texto fundador da teoria marxista foi publicado pela primeira vez, no ms de fevereiro de 1848, em Londres. Este documento foi concebido inicialmente para atuar como um programa terico da Liga dos Comunistas, na Inglaterra. Contudo, ele possui como caracterstica maior ser um programa para a organizao mundial dos trabalhadores de diferentes pases. Tal funo faz com que o Manifesto possua um carter propagandista, persuasivo, visando conscientizar, esclarecer, advertir e conclamar os operrios de todo o mundo a respeito da luta de classes, da mais 24

Histria das Relaes Pblicas

valia, da superestrutura do capitalismo etc. Segundo LASKI, seu objetivo insistir na solidariedade internacional, ser vanguarda em cada pas, com seu profundo conhecimento terico do movimento da histria, cooperando na conquista do poder pelos trabalhadores. 4 A Europa de 1848 vivia uma grande onda revolucionria, com manifestaes de operrios em quase todos os pases, conseqncia das crises advindas da crescente concentrao do capital e da intensificao da explorao do trabalho. Tal panorama acirrou os choques entre burgueses e proletrios, resultando numa maior conscincia e poder de mobilizao dos operrios. Esse famoso Manifesto traduzido pela primeira vez nos Estados Unidos em 1871, convocando os operrios americanos a integrarem-se no grande projeto marxista: proletrios de todos os pases, uni-vos. Chegava finalmente Amrica o fantasma do comunismo, que at ento rondava a Europa.

3. A CONSOLIDAO DOS MOVIMENTOS SINDICAIS

As primeiras tradues do Manifesto Comunista nos Estados Unidos surgem a partir de 1871. desta data, tambm, a publicao do Manifesto no semanrio Nova Iorquino, de lngua francesa, Le Socialiste. Percebe-se que a divulgao do Manifesto foi ampla, como era planejado desde a prpria elaborao do documento. O acesso a tais idias pelas massas fez surgir novas perspectivas para a compreenso da sociedade daquela poca. Segundo Mota, o Manifesto Comunista (1848), de Marx e Engels, indica a mudana de concepes abstratas e utpicas sobre a sociedade, para outras mais concretas e combativas. 5 No ltimo quartel do sculo XIX, o movimento operrio cresceu no mundo todo, haja vista a primeira experincia concreta, ou batismo de fogo, de poder poltico dos trabalhadores, fato ocorrido na Frana com a famosa revoluo proletria denominada Comuna de Paris, em 1871. Nos Estados Unidos tal perodo foi marcado por vrios acontecimentos importantes ocorridos no cenrio trabalhista norte-americano. Em 1869, foi fundada a Ordem dos Cavaleiros do Trabalho (OCT), primeira organizao4

LASKI, Harold J. O manifesto comunista de 1848. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 31.

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trabalhista nos EUA que se transformou, nos anos seguintes, numa poderosa central sindical capaz de um intenso movimento de massa, congregando trabalhadores de diferentes ofcios. Seus associados chegaram a mais de 700 mil em 1885. A Ordem foi sucedida pela Federao Americana do Trabalho (FAT), fundada em 1886, que refutou a idia de um nico e grande sindicato, apostando na completa autonomia dos diferentes sindicatos, cada um deles possuindo sua constituio, seus regulamentos e mtodos de negociao. interessante notar que a Federao Americana do Trabalho era preocupada com a opinio pblica. Na verdade, a FAT possua, como um dos seus princpios bsicos, a mobilizao da opinio pblica, visando torn-la favorvel para com sua causa: Os sindicatos devem cultivar a opinio pblica com o objetivo de se tornarem mais aceitveis para a economia e a sociedade americana. 6 Este ano de 1886 tambm tornou-se emblemtico devido famosa greve pela jornada de oito horas de trabalho, mobilizao esta que obteve xito em todo o pas, exceto na cidade de Milawaukee, perto de Chicago, onde a polcia interveio contra os operrios (...), matando vrios trabalhadores 7. Este acontecimento marcou a histria do sindicalismo mundial, pois levou o Congresso Americano a aprovar, em 1889, a lei de regulamentao da jornada de oito horas de trabalho. Tambm, em honra aos mrtires de Chicago, o dia 1o de maio foi proclamado, pelo Congresso Operrio Socialista de Paris, em 1889, como o Dia Universal do Trabalho. No podemos deixar de citar, ainda, o ano de 1877, marcado por uma grande depresso econmica, resultando em cerca de trs milhes de desempregados. Neste ano ocorreu tambm uma grande greve dos trabalhadores da estrada de ferro que abalou todo o pas. O foco desta greve era a luta pela expanso dos sistemas de negociaes coletivas e aumento salarial; j os anos de 1883 e 1885 assinalam duas grandes greves, a dos telegrafistas e dos ferrovirios, respectivamente. Vale ressaltar que tais acontecimentos abalaram toda a economia da nao americana, acirrando ainda mais as diferenas sociais de classe, o que por5 6

MOTA, Carlos Guilherme. 1822: Dimenses. So Paulo: Perspectiva, 1986. MARSHALL, F. Ray & RUNGELING, Brian. O papel dos sindicatos na economia norteamericana. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1980, p. 49.

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sua vez acabou por consolidar a militncia dos sindicatos. interessante notar, para o objetivo do nosso estudo, que sindicalistas e patres procuraram exaustivamente trabalhar a opinio pblica para que esta aderisse s suas causas, mobilizando, para isto, publicaes de diferentes matizes ideolgicos. Surge, assim, a necessidade de desenvolver um trabalho profissional direcionado aos meios de comunicao de massa. Ambas as partes tinham plena conscincia de que o xito nos conflitos de classe dependia, sobremaneira, de um significativo apoio da opinio pblica. Algo to bem previsto j no prprio Manifesto Comunista. Esse amadurecimento do movimento sindical americano fez com que o centro das mobilizaes da classe operria migrasse das negociaes coletivas com empregadores, centrando seu foco para as atividades polticas capazes de mobilizar esforos e estratgias que melhorassem as condies gerais de trabalho. A luta pela reviso das legislaes trabalhistas um bom exemplo desse novo direcionamento. Para obter pleno xito nessa empreitada, era preciso atingir as massas; trabalhar atravs da implementao de estratgias de comunicao que fossem capazes de granjear o apoio da sociedade americana, estendendo a influncia dos sindicatos para alm de seus quadros de associados, tendo em vista atingir a opinio pblica norte-americana.

4. A MOBILIZAO DO PATRONATO: POLTICAS E ESTRATGIAS ANTISINDICAIS

Nos ltimos vinte anos do sculo XIX, as grandes corporaes (monoplios) assumiram uma crescente importncia no cenrio econmico norteamericano. As indstrias do ao e as companhias ferrovirias capitanearam, por sua vez, grandes mobilizaes anti-sindicais medida que o sindicalismo tomava fora. A j existente Associao dos Diretores de Estradas de Ferro somou-se a Associao Americana Antiboicote, criada em 1902, constituindo-se em uma entidade secreta dos fabricantes com o objetivo de atacar os sindicatos. Por volta7

Ver http://www.novomilenio.inf.br/festas/trab01.htm , capturado em 08.02.2005.

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da mesma poca, foi organizada a Associao Nacional dos Fabricantes que tinha tambm a finalidade de combater sindicatos por meio de medidas polticas e legislativas. A United States Steel Corporation tambm se notabilizou em estratgias para desmobilizar os sindicatos, conforme revela o relato de uma comisso investigadora do Congresso na poca:A grande massa de trabalhadores sindicalizados americanos na indstria de ferro e ao compreendeu que era indesejvel nas usinas da U. S. Steel Corporation. O processo usado para preencher as vagas deixadas por esses trabalhadores sindicalizados interessante e importante... Apelou-se para a Europa Meridional. Hordas afluram aos Estados Unidos. (...). Eles no sabiam absolutamente nada sobre a fabricao de ferro e ao, mas foram o suficiente para lutar contra os sindicatos trabalhistas 8.

O perodo compreendido entre o final do sculo XIX e o incio do sculo XX foi marcado por mais greves. Em 1897 ocorreu a greve dos mineiros, em 1901, a dos mecnicos e trabalhadores do ao e em 1904, a dos matadouros. Frente a esse quadro de acirrada crise, a classe patronal contou com a ajuda das transformaes nas relaes de trabalho, fruto da Teoria da Administrao Cientfica, de autoria de Frederick Winslow Taylor (1856-1915). O taylorismo representou um duro golpe nos xitos sindicais logrados at ento. Tal mtodo destitua o trabalhador daquilo que lhe era mais caro: seu conhecimento e habilidade profissional, fazendo-o perder o controle tcnico do processo de produo. De fato, o objetivo maior do taylorismo era fazer com que as tarefas laborais fossem planejadas, classificadas e sistematizadas. O processo de produo era, destarte, escandido, fragmentado, dividido em fases: planejamento, concepo e direo. O processo de trabalho era agora administrado cientificamente, segundo procedimentos de tempos e movimentos, que eram capazes de estipular, sob a gide da linha ou cadeia de montagem, um movimento a ser desenvolvido num tempo ideal, devidamente cronometrado. Esse irromper da padronizao das formas de produzir, bem como da

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conseqente avaliao dessa produtividade, ficou imortalizado nas cenas do filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin. Na verdade, o taylorismo opera uma verdadeira separao entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, o que acaba por diminuir a necessidade de trabalhadores diretamente envolvidos na produo, desde que ela os despoja de funes mentais que consomem tempo e atribui a outrem essas funes. Tal fato, contudo, no passou despercebido aos trabalhadores. Os sindicatos acabaram por se mobilizar diante da gerncia cientfica do trabalho na medida em que essas novas condies de produo se tornaram generalizadas. Como bem nos lembram Rago & Moreira (1984), o discurso taylorista constitui-se numa hbil estratgia de dominao social, visando delinear o perfil de um trabalhador dcil, alienado, apostando na mera fora fsica (o conceito de homem boi perfeitamente adequado nesse contexto) e na atomizao da classe operria, agora motivada por incentivo/prmio por produtividade individual. Tal realidade minava qualquer incentivo solidariedade, conscincia de classe, luta por direitos coletivos. A produo individual passou a ser a grande promessa por melhores salrios, rechaando as negociaes coletivas e as conquistas oriundas das legislaes trabalhistas. A legitimao do taylorismo, e mais tarde tambm do fordismo 9, estava justamente no argumento da cincia e da tcnica que eram habilmente instrumentalizadas para servir aos interesses da burguesia. Esta operao ideolgica permitiu mascarar o contedo poltico da tcnica de uma maneira muito hbil, ou seja, dissociando a questo da tcnica da questo da poltica de tal modo que ambas aparecem como elementos independentes. 10 Essa desumanizao do trabalho, que agiu no sentido de subtrair a capacidade crtica, a conscincia, a cidadania, a luta por direitos, tornando-o facilmente substituvel e refm dos grandes monoplios, foi duramente combatida pelos sindicatos. A Federao Americana do Trabalho fez guerra administrao cientfica do trabalho. Em 1912, por presso dos sindicatos, houve um inqurito8

Cmara dos Deputados, 62o Congresso, 2a. Sesso, Relatrio n 1.127, pg. 128. apud PETERSON, Florence. Sindicatos operrios norte-americanos. Rio de Janeiro: Agir,1953, p. 71. 9 O Fordismo, idealizado na dcada de 1910, por Henry Ford, na sua fbrica de automveis, a Ford Motor Company, nos EUA, foi responsvel pelo desenvolvimento de uma tecnologia apropriada para o sistema taylorista, delineando os princpios da produo em massa, com a implantao da linha de montagem.

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parlamentar contra Taylor e no foram raras as revoltas dos trabalhadores contra os cronometristas e apontadores que vigiavam cada atividade empreendida pelos operrios. Greves, entre 1911 e 1916, exigiram o cancelamento de tais medidas. No tardou para que os novos operrios semiqualificados ou taylorizados engrossassem as fileiras dos trabalhadores sindicalizados e comeassem a lutar por seus direitos. O nmero de sindicalizados cresceu de dois milhes, em 1910, para cinco milhes, em 1920 11.

5. SEGUNDO QUARTEL DO SCULO XX: A CONSOLIDAO DAS RELAES PBLICAS COMO ATIVIDADE PROFISSIONAL Embora alguns autores, como CHAUMELY & HUISMAN 12, considerem Ivy Lee como o verdadeiro fundador das Relaes Pblicas, devido ao fato do mesmo ser o fundador do primeiro escritrio mundial de Rel. Pblicas, no ano de 1906, em Nova Iorque, consenso que o incio da profisso aconteceu quando William H. Vanderbilt, filho do Comodoro Cornelius Vanderbilt, pronunciou a famosa expresso: The public be damned (O pblico que se dane). A declarao, segundo Gurgel 13, teria sido feita, em 1882, a um grupo de jornalistas de Chicago sobre o interesse pblico a respeito de um novo trem expresso entre Nova Iorque e Chicago. Vanderbilt, diante do descrdito que sua declarao produziu, tentou desmenti-la, em entrevista posterior ao New York Times. Tal ocorrncia, longe de ser um acontecimento pontual, o reflexo da maneira como os dirigentes dos grandes monoplios norte-americanos se posicionavam frente opinio pblica. Alguns desses grandes magnatas so John D. Rockfeller, magnata do petrleo, J.P. Morgan, banqueiro, e o prprio Vanderbilt, empresrio de estradas de ferro. Nesta poca os Estados Unidos viviam o grande problema dos monoplios. No caso das estradas de ferro, alguns poucos grupos, dentre os quais o liderado por Vanderbilt, detinham a posse de quase todas as estradas deRAGO, Luzia M. & MOREIRA, Eduardo. F. P. O que Taylorismo. S. Paulo: Brasilense, 1984, p. 27. 11 Idem. p . 45. 12 CHAUMELY, Jean. & HUISMAN, Denis. As Relaes Pblicas. So Paulo: Difuso Europia, 1964.10

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ferro do pas. Esse captulo da histria econmica americana v o modelo de capitalismo, baseado no laissez-faire, lassez-passer, ser gradativamente submetido a um maior controle do Estado, atravs de normas, regulamentaes e legislaes, com o objetivo de destitu-lo do seu perfil excessivamente liberal e totalmente descompromissado com os direitos e necessidades dos trabalhadores e de toda a sociedade. importante cruzar os dados histricos e confront-los com essas datas da cronologia da evoluo histrica das Relaes Pblicas. William Vanderbilt, autor da famosa sentena the public be damned, era um empresrio do ramo das estradas de ferro. Seu pai, o comodoro Cornelius Vanderbilt, inaugurou, em 1851, quando a corrida do ouro rumo ao Oeste americano estava em alta, uma linha de transporte ferrovirio, unindo a costa do leste Califrnia. Aps a Guerra Civil americana, Cornelius expandiu o seu imprio a ponto de obter o controle, em 1867, da New York Central Railroad, chegando a ligar, via estrada de ferro, Nova Iorque a Chicago, em 1873 14. Em 1877, como vimos, houve uma grande greve dos trabalhadores das estradas de ferro com grande repercusso em todos os Estados Unidos, e vinte anos depois, em 1897, a Associao das Estradas de Ferro dos Estados Unidos empregou, pela primeira vez, a expresso Relaes Pblicas (Public Relations), com o significado que hoje se d ao termo, no seu Year Book of Railway Literature 15. preciso que no esqueamos que esse intervalo de tempo representa um perodo histrico muito significativo no mbito econmico e social para os Estados Unidos. As prximas dcadas tambm esto repletas de fatos ligados ao sindicalismo, como a grande greve dos ferrovirios de 1885 e a criao da Associao Americana Antiboicote, em 1902. Como podemos ver, o nascimento das relaes pblicas est inserido numa poca de bastante efervescncia poltica, diretamente ligada aos fluxos e contrafluxos do movimento sindical americano. Tal mobilizao da classe trabalhadora despertou toda uma srie de estratgias para mobilizar a opinio pblica, tarefa esta disputada tambm pela classe patronal, que, de muitas13

GURGEL, Joo Bosco Serra. Cronologia da Evoluo Histrica das Relaes Pblicas. Braslia: Linha Grfica e Editora, 1985. 14 Ver http://www.infoplease.com/ce6/people/A0850423.html, capturado em 16.02.2005.

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maneiras, se aglutinou e tomou medidas para organizar-se como classe, tambm com a preocupao de granjear uma opinio pblica favorvel s suas causas e interesses. Esta profissionalizao, em matria de comunicao, tanto do sindicalismo como do patronato, fez emergir as relaes pblicas como atividade profissional. O contexto histrico da sentena O pblico que se dane revela uma sociedade atribulada pelas lutas, reivindicaes e arregimentao da classe trabalhadora que reverberava o slogan proletrios de todo mundo, uni-vos, proclamado pela Internacional Comunista e descrito no Manifesto Comunista. Este ltimo, inclusive, traduzido nos EUA em 1871 onze anos antes do fato considerado marco inicial das Relaes Pblicas. A grande importncia, aqui, deve ser dada opinio pblica. Percebe-se que quando a sociedade civil americana comea a organizar-se, surge a necessidade da profisso de relaes pblicas. Tal atividade, que tem como princpio, nesse perodo, persuadir a opinio pblica, tornando-a favorvel a diferentes causas e princpios (trabalhadores ou patres), revela possuir um fundamento claramente poltico. Surge como fruto de mobilizaes e reivindicaes ocorridas, essencialmente, na esfera poltica. O que no pode tambm passar despercebido que este procedimento, inicialmente surgido em alguns segmentos sociais especficos, acabou, depois, por ser incorporado pela prpria esfera governamental. Em 1903, um ano aps o surgimento da Associao Americana Antiboicote, Ivy Lee, jornalista e publicitrio, despontou no cenrio norteamericano, escrevendo artigos para jornais, como press agent (agente de imprensa), sugerindo um tipo de atividade para relacionamento das instituies com seus pblicos. 16 Na verdade, no se trata de mais uma atividade propagandista com a finalidade de divulgar uma instituio, um governo ou uma personalidade, mas sim de traar estratgias para relacionar-se com os diferentes pblicos, ainda que nesta fase inicial da profisso tenha prevalecido uma orientao calcada no suborno e aliciamento da imprensa e de muitos jornalistas dos grandes jornais da poca.

15 16

GURGEL, Op. cit. p. 09. GURGEL, Op. cit., p. 10.

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A histria da atuao de Ivy Lee, como profissional de Relaes Pblicas, est voltada para as grandes empresas e para os mais proeminentes magnatas daquele perodo. O perodo compreendido entre 1903 a 1914 foi marcado, nos EUA, por uma intensa campanha contra o big business americano. Nesta fase surgem em cena os muckrakers 17 (exploradores de escndalos) que atravs de reportagens e artigos em pequenos opsculos, revistas e jornais, denunciam a corrupo existente tanto no mbito governamental como no privado. As grandes empresas eram acusadas da prtica de monoplio, atravs da formao de cartis, com o objetivo de barrar a livre concorrncia; tambm havia denncias referentes ao pagamento da mo-de-obra com salrios de fome e ainda a existncia de conluios entre empresas e governo para salvaguardar transaes escusas entre ambos. Alm disso, tais escndalos tambm expunham mostra os truques sujos utilizados pelas grandes empresas para eliminar as suas congneres de menor porte: sabotagem, dumping, formao de cartis, trustes e consrcios. Grandes escritores norte-americanos da poca, como Upton Sinclair 18, Theodore Dreiser, Lincoln Steffens, David Phillips, Jack London e Ida Tarbell 19, dispararam crticas, em muitas de suas obras, contra os magnatas da economia americana. Nesse perodo, as empresas ferrovirias 20 foram as mais atingidas por essa onda de denncias, bem frente at mesmo das grandes companhias financeiras e de petrleo. justamente nesta poca que as empresas ferrovirias, segundo Gurgel, organizaram uma contra-ofensiva a essa onda de crticas, montando uma assessoria de imprensa e Relaes Pblicas, como foi chamada na poca. Outro importante feito de Lee foi, em 1906, atuar na George F. Baer & Associates, tendo desempenhado um papel muito importante durante uma crise originada a partir de uma greve ocorrida numa indstria de carvo. NessaA mesma denominao vlida, de uma forma genrica, para revistas de forte apelo poltico, muito afeitas a polmicas, que tinham como objetivo defender os interesses do operariado norteamericano daquela poca. 18 Autor da famosa novela The Jungle, de 1906, denunciando as condies insalubres em que trabalhavam os operrios dos frigorficos de Chicago. 19 Esta autora escreveu, tambm em 1906, The history of the Standard Oil Co denunciando as improbidades dessa empresa do ramo petrolfero, liderada por John D. Rockfeller, fato que constrangeu o governo americano (Theodor Roosevelt) a entrar na justia contra a Standard Oil Co., acusando-a da prtica ilegal de monoplio. 20 Estas empresas, juntamente com aquelas dos ramos de finanas, siderurgia e petrleo, lideravam o ranking da concentrao do capital nos EUA.17

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ocasio, Ivy Lee inaugurou a etapa das Relaes Pblicas baseadas na mxima de que o pblico deve ser informado, um verdadeiro paradigma da atividade de RP, baseado na sua Declarao de Princpios, que determina o seguinte:Este no um Departamento de Imprensa secreto. Todo nosso trabalho feito s claras. Pretendemos divulgar notcias, e no distribuir anncios. Se acharem que o nosso assunto ficaria melhor como matria paga, no o publiquem. Nossa informao exata. Maiores pormenores sobre qualquer questo sero dados prontamente e qualquer redator interessado ser auxiliado, com o mximo prazer, na verificao direta de qualquer declarao de fato. Em resumo, nossos planos, com absoluta franqueza, para o bem das empresas e das instituies pblicas, divulgar imprensa e ao pblico dos Estados Unidos, pronta e exatamente informaes relativas a assuntos com valor e interesse para o pblico 21.

Em 1909 Ivy Lee tornou-se o responsvel pelo setor de divulgao e propaganda da Pennsylvannia Railroad, empresa onde permaneceu at 1914. Fica claro que a atividade desenvolvida por Lee no pode ser considerada uma extenso dos servios de publicidade e propaganda da poca. At mesmo porque o seu cunho poltico; trata-se de um mtier preocupado em manter um relacionamento satisfatrio com seus diferentes pblicos. Tal ao desenvolvida de forma profissional, capaz de dar um direcionamento lgico e ordenado a partir de um conjunto de estratgias, previamente planejadas, com o objetivo de compor uma poltica de comunicao direcionada para os pblicos de uma organizao. No se tratava de uma extenso ou desdobramento da publicidade e propaganda, mas sim, de uma nova e especfica atividade profissional. Uma atividade profissional que nasce em decorrncia das transformaes ocorridas na sociedade americana, mas especificamente na esfera poltica, tendo como ponto de partida as lutas e reivindicaes do operariado. Dando continuidade trajetria de Ivy Lee, merece registro o trabalho prestado, no ano de 1914, por Lee para a famlia Rockfeller. Os Rockfeller estavam sendo detratados pela imprensa norte-americana, em decorrncia dos maus tratos impingidos aos grevistas em uma de suas empresas, a Colorado Fuel and Iron Co. A estratgia de Lee foi trabalhar a imagem pessoal de John

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Rockfeller, atravs de aes de filantropia e benemerncia, o que culminou por notabiliz-lo como grande filantropo perante a opinio pblica. Para alguns autores, tal fato representa o incio da preocupao com o papel social dos negcios. Finalizando, temos, em 1916, a abertura da Lee & Harris & Lee, empresa de consultoria de Relaes Pblicas, constituda e administrada por Ivy Lee. Esse cotejo entre o nascimento das Relaes Pblicas e o sindicalismo americano do final do sculo XIX e incio do sculo XX revela que a gnese da profisso encontra-se estreitamente relacionada com os embates entre os operrios e grandes empresrios mais especificamente aqueles que eram dirigentes de grandes companhias de transporte ferrovirio. Tal assertiva se comprova com os fatos histricos j aqui descritos e ainda com um acontecimento que pode ser considerado como emblemtico. Em 1913, J. Hampton Baumgartner, da Baltimore-Ohio Railroad, proferiu uma conferncia, na Virginia Press Association, cuja temtica versava diretamente sobre Relaes Pblicas: As Estradas de Ferro e as Relaes Pblicas, 22 advertindo os empresrios do ramo a desenvolverem um trabalho intensivo de relacionamento com seus pblicos atravs da imprensa. Enquanto o sindicalismo se fortalecia e organizava, tendo como meta conscientizar trabalhadores e sociedade, o patronato desenvolvia toda uma srie de conhecimentos e estratgias voltadas para salvaguardar seus interesses, como a criao de movimentos e associaes patronais e o financiamento de teorias administrativas com a conseqente elaborao de tcnicas capazes de implantar tais pressupostos tericos; tais transformaes levaram as empresas da poca a serem submetidas a processos de reengenharia administrativa, econmica, poltica etc. No bojo de tais transformaes, surgem as Relaes Pblicas.

21 22

GURGEL, Op. cit. p. 12. GURGEL, Op. cit. p. 14.

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6. A CRISE DE 1929 E A ERA ROOSEVELT: AS RELAES PBLICAS NA ESFERA GOVERNAMENTAL

O cenrio poltico norte-americano na dcada de vinte do sculo passado era tenso. As idias socialistas fervilhavam. Se o manifesto comunista desencadeou o medo do fantasma do comunismo que pairava sobre governos e naes, a Revoluo Russa despertou ainda mais temor. A revoluo russa provocou, nos Estados Unidos, a solidificao de vrios grupos da ala esquerda, como os sindicalistas, anarquistas e radicalsocialistas. 23 Somado a isso, temos o lanamento oficial do partido comunista americano em 1920. Dentre as instrues da Internacional Comunista estava a de fazer propaganda do partido, das idias marxistas e da revoluo. Com a Crise de 1929, decorrente do colapso da Bolsa de Valores de Nova Iorque, os Estados Unidos com reflexos em todo o orbe enfrentam turbulncias de toda espcie. As conseqncias do crack da Bolsa nova-iorquina foram desastrosas, basta frisar que em decorrncia dela foi gerado um exrcito de mais de doze milhes de desempregados. Havia a necessidade, destarte, de o governo tomar medidas rpidas e eficazes para afastar as violentas crises sociais que poderiam desaguar em uma revoluo, haja vista a forte mobilizao da esquerda americana nesse sentido. Tambm a ascenso de regimes totalitrios, como aconteceu (,) na Itlia e na Alemanha, constituiu-se em uma outra ameaa democracia americana. Para isto, saber lidar com a opinio pblica da sociedade americana tornou-se uma tarefa indispensvel:Com a grande crise de 1929, a informao deixou de ser um luxo: tornou-se uma necessidade. Abraham Lincoln tinha-o dito: Com a opinio pblica nada pode malograr; sem ela nada pode resultar bem. Esse apelo opinio pblica tornou-se especialmente urgente pela existncia de mais de doze milhes de desempregados. No fcil recordar de que uma revoluo iminente tenha podido ameaar os americanos da dcada de 30 24.

23 24

PETERSON, Florence. Op. cit. p. 82. CHAUMELY, Jean & HUISMAN, Denis. Op. cit. p. 12.

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A dcada de 30 foi carregada de embates. Socialistas e comunistas advogavam a abolio do capitalismo 25, agora com muito mais poder de persuaso em face do estado de crise. Contudo, a posse de Franklin Delano Roosevelt presidncia dos Estados Unidos iniciou a chamada Era Rooseveltiana (1933-1945), perodo de intensas articulaes para garantir a sobrevivncia da sociedade americana, em meio pior crise do capitalismo em toda a histria. Vrias foram as medidas adotadas por Roosevelt atravs do New Deal (novo acordo) na dcada de 30. Os ganhos trabalhistas foram muitos durante o perodo de vigncia do New Deal. A disputa pela opinio pblica norte-americana sinaliza importantes vitrias para os operrios americanos:A mar antitrabalhista comeou a baixar antes que se alcanassem as profundezas da depresso. Em 1932, somente trs anos depois do Grande Pnico de 1929, o Congresso aprovou a Lei Norris-LaGuardia, que tornou mais difcil para os tribunais federais a emisso de interditos contra organizaes trabalhistas (....). A opinio pblica retirava seu apoio ao big business, j que muita gente acreditava que os empregadores eram quem tinham causado a Grande Depresso da dcada de 30 26.

O clima favorvel para a organizao sindical, atravs de uma profcua legislao nesse sentido, foi claramente observado nas aes decorrentes do Novo Acordo, com uma srie de medidas tomadas poca, tais como a legalizao dos sindicatos e do direito de greve; fixao do salrio mnimo; proibio do trabalho s crianas; jornada de trabalho de 40 horas semanais; criao do seguro desemprego; frentes de trabalho financiadas pelo governo para absorver mo-de-obra ociosa e, por fim, uma forte interveno do Estado na economia legislao antitrustes, protecionismo, moratria, privatizaes etc. Alm de todas essas medidas, uma srie de aes foram direcionadas, especificamente, para viabilizar um dilogo com a opinio pblica. Foram organizados os servios de imprensa, nos principais rgos federais, somados distribuio oficial de credenciais aos redatores de jornais, dando-lhes todo oGALBRAITH, John Kenneth. O colapso da bolsa, 1929: anatomia de uma crise. Rio de Janeiro: Expresso e Cultura, 1972, p. 196. 26 MARSHALL, F. Ray & RUNGELING, Brian. O papel dos sindicatos na economia norteamericana. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1980, p. 58.25

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direito de ter acesso irrestrito s informaes dos rgos pblicos. As famosas conversas ao p do fogo, atravs da emisso semanal em cadeia nacional de rdio, era tambm uma forma do presidente prestar contas da atuao do governo perante o povo americano. Houve ainda a criao das press conferences, que aconteciam, em mdia, 250 vezes ao ano; um trabalho que era complementado com a interveno dos chamados agentes especiais, funcionrios do governo destinados a esclarecer a opinio pblica atravs de contatos pessoais com os diferentes setores da sociedade civil. Neste perodo percebemos a incorporao das atividades de Relaes Pblicas pela esfera governamental. Justamente numa poca onde tornou-se fundamental estabelecer formas de relacionamento, participao e dilogo com diferentes setores da sociedade americana, esta ltima cada vez mais articulada e organizada, capaz de expressar-se e informa-se via meios de comunicao de massa. O jornalismo de denncia, os movimentos sindicais, os escritores defensores da causa operria, as idias socialistas, a crise econmica mundial, a ameaa de uma revoluo comunista, o surgimento de governos ditatoriais da Europa, a situao de convulso social que vivia a sociedade americana, acabaram por solidificar e consolidar, a partir da Era Rooseveltiana, a profisso de Relaes Pblicas no mbito governamental. Vrios momentos so esclarecedores dessa filosofia de Relaes Pblicas, presente no governo Roosevelt. Soube utilizar-se do lobby, fazendo presso sobre o congresso, atravs da mdia 27. Seu governo, com um perfil profundamente marcado pelo walfare-state, tentou, de diversas maneiras, estabelecer formas de prestar assistncia social aos mais carentes. Tal ao, exercida de forma planejada e fazendo parte de toda uma estratgia poltica, acabou por auferir, para seu governo, uma boa aceitao por parte do povo norte-americano: O governo foi incumbido de ajudar os necessitados e isso ampliou a experincia de seus funcionrios, dando-lhes conhecimentos de muitos problemas que antes estavam alm de seu alcance; criou uma sabedoria que podia ser posta a servio dos indivduos. 28

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FREIDEL, Frank Burt. Franklin D. Roosevelt: a rendezvouz with destinity. New York: Little, Brown and Company, 1990, p. 99. 28 WOODS, John A. Roosevelt e a Amrica Moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 1693, p. 178.

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Como podemos perceber, a sociedade civil americana, j fortemente organizada, pressionava o governo para atender suas reivindicaes. Era necessrio ceder, conhecer suas necessidades mais iminentes, prestar-lhe contas das aes e medidas governamentais. Tornou urgente e prioritrio correr atrs da aprovao popular com a concretizao de medidas que visassem atender as demandas da populao. Esta orientao dialgica e consensual torna-se evidente, por exemplo, na poltica exterior do governo Roosevelt, que pautou-se pelos princpios do dilogo, informao, consenso, entendimento e negociao. Exemplo disso foi a elaborao do plano de criao da ONU, da elaborao da Carta do Atlntico salvaguardando o princpio de autodeterminao dos povos , somados renncia da poltica de fora na regio do Caribe e a fundao do Bir Interamericano. Este ltimo era destinado aplicao da poltica da boa vizinhana, voltada para a Amrica Latina e orientada atravs do princpio de cooperao e solidariedade entre os EUA e os pases latino-americanos. Muitos autores citam esse perodo como uma poca de grande revoluo das relaes pblicas, em decorrncia da assimilao da profisso pelo setor governamental, acabando por verdadeiramente legitimar a atividade de Relaes Pblicas. Prova conteste de tal assertiva foi a publicao, no ano de 1936, do livro intitulado Public administration and the Public Interest, de autoria de Pendleton Herring, registrado como o primeiro livro sobre Relaes Pblicas governamentais 29. Pouco antes disso, em 1934, iniciou-se uma grande disseminao de cursos de Relaes Pblicas nos Estados Unidos, fato que s veio a fortalecer-se durante e aps a segunda guerra mundial.

7. CONCLUSO

Esta abordagem do nascimento das Relaes Pblicas, considerando o contexto econmico, social e poltico da poca, bastante esclarecedora para que se possa estabelecer com clareza a verdadeira natureza e funo das Relaes Pblicas. Percebemos que a profisso nasce como resultado do fortalecimento do movimento sindical, embalado pela ideologia marxista, com29

GURGEL, Op. cit, p. 21.

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todos seus diversos matizes, algo to em voga poca. A sociedade civil fortalece-se, organiza-se e os grupos sociais, frutos desse amadurecimento poltico, comeam a fazer valer sua cidadania; cobram do governo seus direitos; denunciam, atravs da mdia, os desmandos e as prticas corruptas das quais o governo e iniciativa privada articulavam em conjunto. A opinio pblica se fortalece apoiada nos meios de comunicao de massa. Diante de tal panorama, era necessrio desenvolver habilidades voltadas para o entendimento, a negociao, a importncia e a relevncia das opinies dos diferentes pblicos. Era, assim, cada vez mais difcil, para uma organizao, legitimar-se sem tais prerrogativas; afinal, a era dos terrveis monoplios, dos patres de direito divino, da grande explorao dos trabalhadores por fraude ou diferentes tipos de violncia entrava em declnio. A sobrevivncia no mundo dos negcios e o xito nas administraes governamentais voltam seu foco para a conquista da opinio pblica. Na verdade, as relaes pblicas possuem uma natureza e uma funo poltica. Foram graas aos embates, choques, oposies e resistncias, entre as diferentes classes sociais, que surgiu o despertar de operrios, empresrios e governo para o investimento em polticas e aes de comunicao. Estava, assim, firmado um ambiente propcio e adequado para o nascimento da profisso de relaes pblicas. interessante notar que, no Brasil, as Relaes Pblicas surgem especialmente voltadas para a administrao pblica, amparada por decretos-lei que instituam servios de informao, divulgao e publicidade de vrios rgos pblicos. A ditadura de Getlio Vargas, na dcada de 40, por exemplo, tinha, em matria de comunicao, o objetivo de elaborar e utilizar tcnicas de persuaso, tendo em vista a perpetuao do poder; os esforos nessa rea foram pautados pela demagogia e pela mera utilizao da publicidade governamental 30. A realidade brasileira era bastante distante da situao de efervescncia poltica, econmica e social vivida pelos Estados-Unidos, quando do nascimento das Relaes Pblicas. Tal fato marcou sobremaneira as Relaes Pblicas no Brasil. O conceito da profisso no Brasil reflete esse momento inicial de forma por30

Podemos citar, a esse respeito, o clebre Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do governo Vargas, criado por decreto presidencial, em 1939, que tinha como objetivo difundir a

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demais significativa. Por no estar atrelada a uma prtica democrtica e s questes polticas, sociais e econmicas da decorrentes as Relaes Pblicas, no seu nascedouro, j no foi utilizada em todo seu potencial; brotam e se disseminam privadas da sua verdadeira eficcia, importncia e amplitude. Contudo, percebemos que atualmente as Relaes Pblicas voltam a inserir-se no cerne das grandes questes contemporneas. Fala-se de uma revivescncia da profisso a partir do fortalecimento dos movimentos sociais de demanda especializada, to bem representados pelas ONGs e demais grupos e associaes pertencentes sociedade civil. De fato, com a constatao do fortalecimento da chamada sociedade do espetculo, em que a prestao de contas para com a opinio pblica preterida em favor do impacto e visibilidade meramente publicitrios, geralmente pertencentes a processo de espetacularizao e estetizao 31 do cotidiano, surge o receio das Relaes Pblicas regredir para seu estgio inicial, quando muitas vezes as atividades profissionais estavam voltadas para a fabricao de uma imagem favorvel via de regra de forma falaciosa e fraudulenta de pessoas e instituies, sem possuir uma proposta verdadeira e consistente de dilogo, consenso, negociao e conciliao entre interesses e partes divergentes. Vivemos uma crise da poltica, com o conseqente enfraquecimento dos sindicatos, dos partidos polticos, do parlamento, e, em decorrncia disso, o horizonte otimista para o crescimento e a expanso das Relaes Pblicas est exatamente no terceiro setor, que para muitos no sem ressalvas e crticas onde a prtica da cidadania, a conscincia poltica e articulao social, em busca do consenso, parecem abrir portas para o exerccio da profisso de RRPP, preservando a sua funo essencialmente poltica.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade do consumo. Lisboa: Edies 70, 1995. BAVERMAN, Harry. O trabalho e capital monopolista: a degradao do trabalho no sculo XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.ideologia do Estado Novo, organizando manifestaes cvicas, exposies, conferncias, e outros eventos de carter propagandista. 31 Ver BAUDRILLARD, Jean. A sociedade do consumo. Lisboa: Edies 70, 1995.

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(Re)Construindo a histria das Relaes PblicasCleusa Maria Andrade Scroferneker 32 (PUCRS)

Resumo

A polissemia do termo, a diversidade de definies, associada a discusses infindveis (e, s vezes, incuas) sobre a usurpao dos espaos por outras reas, tem sido, em grande parte, responsabilizada pelos inmeros equvocos sobre a importncia e atuao das Relaes Pblicas. Essa uma parte da histria, especialmente no Brasil. provvel, contudo, que o momento atual vivido pelas organizaes e mesmo pelos cursos de Relaes Pblicas esteja permitindo a construo de uma outra etapa dessa histria que busca na reflexo terica a aproximao mais consistente com a prtica. ***** A proposta do presente texto, com certeza, no original, a medida que objetiva refletir (novamente) sobre algumas questes que envolvem a rea de Relaes Pblicas. A originalidade, talvez, esteja na reflexo guiada pelo pensamento moraniano. A opo pela Complexidade se justifica, pois se acredita ser necessrio a (re)construo da histria das relaes pblicas, tendo como referncia(s) outro(s) paradigma(s). Opta-se igualmente pela expresso rea na tentativa de minimizar os impasses conceituais que o prprio termo encerra, como bem assinalou Simes (1995, pp.45) O termo Relaes Pblicas polissmico. (...) verifica-se essa assero observando-se o discurso de todos aqueles que tratam do assunto, pois com estas duas palavras visam identificar vrios objetos. Para Frana (2003, p.129), difcil tentar encontrar os caminhos pelos quais se chegou formao do conceito de relaes pblicas no Brasil.32

Doutorado em Cincias da Comunicao Escola de Comunicao e Artes/Universidade de So Paulo ECA/USP e Professora Titular Faculdade de Comunicao Social FAMECOS e do Programa de Ps-Graduao em Comunicao PPGCOM da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS.

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Polissmicas em suas manifestaes, elas fazem que cada interlocutor as veja na medida de sua percepo. Essa polissemia, por sua vez, impregna as inmeras definies mais de 100 revelando as incongruncias e vicissitudes de uma rea relativamente recente no Brasil. Em artigo publicado em 1999, Moura e Scroferneker 33 j constatavam, aps anlise das definies de Relaes Pblicas (...) a existncia de um descompasso entre os diferentes autores. No h consenso, a ambigidade constante (p.212). Afirmavam ainda, que, as Relaes Pblicas se assemelhavam a um caleidoscpio, talvez um mosaico, multicolorido que de acordo com o movimento feito, apresentava diferentes configuraes. Tal afirmao era referendada pelo fato da anlise realizada ter evidenciado que as Relaes Pblicas eram definidas como uma tcnica de comunicao, uma profisso, uma atividade ou conjunto de atividades, uma funo administrativa, um mtodo, um princpio fundamental da prpria existncia do ser humano, uma religio ou ainda uma filosofia de administrao (p.212). Frana (2003, p.130) tambm identificou Tendncias que caracterizam a atividade como prpria do campo da administrao, das Cincias da Comunicao e das Cincias Sociais Aplicadas, ou mesmo como uma mera prestadora de servios s organizaes, havendo at quem a eleve ao nvel de cincia. Autores como Simes (1995,2001) e Kunsch (1986,1997,2003) e mais recentemente Frana (2003) e Ferrari (2002, 2003), trilhando caminhos e/ou abordagens tericas diferentes, tm procurado dimensionar e definir o campo de atuao dessa rea. Em Relaes Pblicas e Micropoltica (2001), Simes afirma estar trazendo um olhar renovador posterior e mais especfico sobre a teoria que define conceitualmente a atividade de Relaes Pblicas como Gesto da Funo Organizacional Poltica (p.13). Para esse autor, portanto, a atividade (profissional) de Relaes Pblicas a Gesto da Funo Poltica (p.51), visando (...) a ao favorvel dos pblicos misso da organizao (p.52).

Vide Moura, Claudia Peixoto de e Scroferneker, Cleusa Maria Andrade. Relaes Pblicas x funo poltica e a administrao de conflitos/controvrsias nas organizaes. In CRREA, Tup Gomes e FREITAS, Sidinia Gomes (org.) Comunicao, marketing, cultura: sentidos da administrao do trabalho e do consumo. So Paulo: ECA/USP: CLC, 1999, pp. 203-227.

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Kunsch, por sua vez, destaca no prefcio da 4 edio de seu livro Planejamento de Relaes Pblicas na Comunicao Integrada que uma das trs propostas dessa edio revista, atualizada e ampliada procurar posicionar as relaes pblicas, estrategicamente como um campo das cincias da comunicao com teorias prprias, que desempenha funes especficas nas organizaes (2003, p.13). Frana recorrendo categoria aristotlica de relao afirma que a essncia da atividade de relaes pblicas so os relacionamentos estratgicos com pblicos especficos e que somente a partir deles que se estabelecem as diferentes modalidades do exerccio profissional ou da parte operacional da atividade (2003, p.150). Para esse autor, relaes pblicas so uma atividade estratgica de relacionamentos com pblicos especficos (idem). Para Ferrari (2003, p.58), as relaes pblicas aparecem no cenrio das organizaes para ajudar a construir relacionamentos harmnicos e duradouros destas com os pblicos dos quais depende a sua sobrevivncia. As perspectivas desenvolvidas pelos autores mencionados reafirmam e consolidam o objeto das relaes pblicas: organizaes-pblicos, mas tambm evidenciam que a rea ainda encontra-se em uma encruzilhada conceitual. provvel que esses autores tenham igualmente essa percepo, a medida que enfatizam em seus textos a escassez de pesquisas, especialmente no mbito acadmico, reiterando a necessidade da produo e avano do conhecimento na rea de Relaes Pblicas. Sem pesquisa no h gerao de conhecimento. Para Ferrari (2003, p.10), preciso definir relaes pblicas de forma clara e concisa e, ao mesmo tempo desenvolver pesquisas que permitam identificar as suas diferenas locais e, ento estruturar um programa de divulgao, de forma a possibilitar sociedade uma compreenso adequada de seu conceito.

Desde j duas questes se impem: Acaso no isso que as relaes pblicas vm fazendo h muito tempo, especialmente via Conselhos? Como explicar, que uma rea que trabalha com comunicao, que busca o entendimento entre as partes (s para citar alguns dos seus desafios) no tenha ainda conseguido a construo dessa definio, a identificao das diferenas e mais, no tenha obtido a compreenso do seu conceito? 45

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Frana (2003) elenca quatro razes (consideradas ousadia pelo autor) para justificar a pouca visibilidade dessa atividade iniciada em 1914, no Brasil, quais sejam: poucos estudos especficos sobre a conceituao terica de relaes pblicas; a produo inicial ligada s relaes pblicas foi em grande parte perdida, no divulgada ou s permaneceu acessvel a poucos; ausncia de anlise crtica do que produzido em relaes pblicas, levando ao seu consumo sem contestao. O autor enfatiza a quarta razo como uma das causas determinantes da (...) atual falta de excelncia dessa atividade, isto , a falta de debate, da controvrsia, que se diz prpria de relaes pblicas (p.129). Para o mesmo autor,amplia-se o debate quando se criticam as relaes pblicas como atividade que ainda no foi capaz de constituir e defender um corpo consolidado de doutrina a sustent-la e a lhe dar status de a diferenciasse das habilitaes miditicas da comunicao social, oferecendolhe maior peso no contexto administrativo e estratgico das organizaes. (idem, pp.131-132)

Acredita-se que no se trata de buscar culpados e/ou iniciar discusses incuas que tm levado no mais das vezes a responsabilizar a atuao de outras reas, como o marketing e no limite da parania, da comunicao organizacional, por essas e outras dificuldades. Talvez uma das causas possveis esteja na discreta participao da Universidade, mais especificamente dos docentes dos cursos de Relaes Pblicas 34, que vm negligenciando a produo de conhecimento nessa rea. Basta atentar para o nmero reduzido de lanamentos de obras de relaes pblicas e nas dificuldades encontradas pelos professores em inovar e/ou atualizar os seus textos. bastante comum o aluno do curso de relaes pblicas trabalhar o mesmo texto em mais de uma disciplina. Quem j no ouviu: este texto ns j lemos na disciplina X. Vamos ter que l-lo novamente? Isso no quer dizer que um mesmo texto no possa ser explorado, a partir de novas vises e/ou perspectivas. Mas essa no tem sido, com certeza, a prtica mais comum.34

Cabe destacar a contribuio dos professores/pesquisadores Ana Wels (FAMECOS/PUCRS) e Rudimar Baldissera (FEEVALE/UCS), que em suas teses de Doutorado (2004), valendo-se do Paradigma da Complexidade, revistaram a rea das relaes pblicas. Tambm, necessrio mencionar a contribuio de Joo Jos Curvello (Universidade Catlica de Braslia UCB) e Celsi Brnstrup Silvestrin (Unversidade Federal do Paran) nas discusses conceituais.

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Retomamos o impasse. Estamos novamente em uma encruzilhada. E novos questionamentos emergem, agora no plano estritamente acadmico, no processo ensino-aprendizagem. Como contextualizado o surgimento das relaes pblicas? A que situaes e/ou fatos a atividade e atuao profissional so relacionados na sua origem? Como todo esse conhecimento tem sido desenvolvido junto aos alunos de Comunicao Social, e especialmente de Relaes Pblicas? E os professores, profissionais dessa rea tm sido suficientemente crticos e reflexivos para (re)construrem essa histria? Em relao s duas primeiras questes, a tentativa de resposta igualmente um questionamento: Quais os impactos (se que possvel estabelec-los) de uma histria que expe de forma clara o maniquesmo de uma rea? Ou fica alguma dvida, quando se depara com a seguinte colocao: Assim, os grandes capitalistas denunciados, acusados e acuados encontraram em Yvy Lee o grande caminho para evitar denncias... (...) (WEY, Hebe, 1986, p.30). Esta e tantas outras passagens que fazem parte da histria das relaes pblicas nos Estados Unidos, na Europa ou mesmo Brasil (especialmente no que ser refere ao perodo militar) precisam ser retomadas e contextualizadas, discutidas, at porque h uma outra histria a ser contada. Acredita-se que essa outra histria das Relaes Pblicas necessita ser (re)construda. E o espao dessa reconstruo a Universidade. Professores e alunos so os artfices dessa (re)construo. Talvez, um dos passos dessa (re)construo esteja na possibilidade de rever-se o paradigma que tem acolhido as Relaes Pblicas, e que de certa forma, vem sendo reiteradamente reforado. As relaes pblicas tm historicamente buscado acolhimento no paradigma funcionalista. De acordo com Rudiger (1998, p.50), sob essa perspectiva,(...) os processos de ao social se estruturam em sistemas, que procuram reduzir as tenses do mundo da vida e manter equilibrado o funcionamento da sociedade. A sociedade deve ser estudada como um sistema complexo de relaes funcionais, - resultantes da colaborao conjunta de todos os seus membros-, que se estrutura em seus vrios nveis, visando solucionar os problemas surgidos no curso da vida em comum.

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Esta quase exclusividade da utilizao desse paradigma, no raras vezes, tem levado a um reducionismo em abordar a rea de relaes pblicas na sua concepo do como-fazer, identificando o profissional de relaes pblicas como tarefeiro. Para Frana (2003, p.132), Em sua maioria, as definies so meramente funcionais, operacionais e descritivas, (...) no expressam o que so as relaes pblicas pela sua essncia, mas por suas propriedades e pela enumerao de suas diversas funes, estratgias e aes. De acordo com Morin ( 2001, p.26), O paradigma desempenha um papel ao mesmo tempo subterrneo e soberano em qualquer teoria, doutrina ou ideologia. O paradigma inconsciente, m