Historia Do Brasil Judaismo

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  • Histria dos Judeus no BrasilCompilao de Artigos sobre Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos

    Histria dos Judeus no Brasil

  • A DESCENDNCIA JUDAICA NO BRASIL

    Um povo para ser destacado dentre as naes precisa conhecer sua identidade, buscando profundamente suasrazes. Os povos formadores do tronco racial do Brasil so perfeitamente conhecidos, como: o ndio, o negro e o branco,destacando o elemento portugus, nosso colonizador. Mas, quem foram estes brancos portugueses? Pr que eles vieramcolonizar o Brasil? Viriam eles atrados s pelas riquezas e Maravilhas da terra Pau-Brasil? A grande verdade que muitoshistoriadores do Brasil colonial ocultaram uma casta tnica que havia em Portugal denominada por cristos novos, ou seja,os Judeus ! Pr que? (responder esta pergunta poderia ser objeto de um outro artigo). Em 1499, j quase no havia maisjudeus em Portugal, pois estes agora tinham uma outra denominao: eram os cristos novos. Eles eram proibidos dedeixar o pas, a fim de no desmantelar a situao financeira e comercial daquela poca, pois os judeus eram prsperos.Os judeus sefarditas, ento, eram obrigados a viver numa situao penosa, pois, por um lado, eram obrigados a confessara f crist e por outro, seus bens eram espoliados, viviam humilhados e confinados naquela pas. Voltar para Espanha, deonde foram expulsos, era impossvel, bem como seguir em frente, tendo vista o imenso oceano Atlntico. O milagre doMar Vermelho se abrindo, registrado no Livro de xodo, precisava acontecer novamente.

    Naquele momento de crise, perseguio e desespero, uma porta se abriu: providncia divina ou no, um corajosoportugus rasga o grande oceano com sua esquadra e, em abril de 1500, o Brasil foi descoberto.

    Na prpria expedio de Pedro lvares Cabral j aparecem alguns judeus, dentre eles, Gaspar Lemos, Capito-mor,que gozava de grande prestgio com o Rei D. Manuel. Podemos imaginar que tamanha alegria regressou Gaspar Lemosa Portugal, levando consigo esta boa nova: - descobria-se um paraso, uma terra cheia de rios e montanha, fauna e florajamais vistos. Teria pensado consigo: no seria ela uma terra escolhida para meus irmos hebreus ? Esta imaginaocomeou a tornar-se realidade quando o judeu Fernando de Noronha, primeiro arrendatrio do Brasil, demanda trazer umgrande nmero de mo de obra para explorar seiscentas milhas da costa, construindo e guarnecendo fortalezas na obriga-o de pagar uma taxa de arrendamento coroa portuguesa a partir do terceiro ano. Assim, milhares e milhares de judeusfugindo da chamada Santa Inquisio e das perseguies do Santo Ofcio de Roma, comearam a colonizar este pas.Afinal, os judeus ibricos, como qualquer outro judeu da dispora, procurava um lugar tranqilo e seguro para ali seestabelecer, trabalhar, e criar sua famlia dignamente. O tema muito vasto e de grande riqueza bibliogrfica e histrica.Assim, queremos com esta matria abordar ligeiramente o referido tema, despertando, principalmente, o leitor interessadoque vive fora da comunidade judaica. Neste pequeno estudo, queremos mencionar a influncia judaica na formao daraa brasileira, apresentando apenas alguns fatos histricos importantes ocorridos no Brasil colonial, destacando uma listade nomes de judeus portugueses e brasileiros que enfrentaram os julgamentos do Santo Ofcio no perodo da Inquisio.Os fatos histricos so muitos e podem ser encontrados em vrios livros que tratam com detalhes desse assunto, como jmencionado. Comecemos, ento, apresentando um pequeno resumo da histria dos judeus estendendo at ao perodo doBrasil Colonial. Desde a poca em que o Rei Nabucodonosor conquistou Israel, os hebreus comearam a imigrar-se paraa pennsula ibrica. A comunidade judaica na pennsula cresceu ainda mais durante os sculos II e I A.C., no perodo dosjudeus Macabeus. Mais tarde, depois de Cristo, no ano 70, o imperador Tito ordenou destruir Jerusalm, determinando aexpulso de todo judeu de sua prpria terra. A derrota final ocorreu com Bar Kochba no ano 135 d.C, j na disporapropriamente dita. A histria confirma a presena dos judeus ibricos, tambm denominados sefaradim, nessa pennsula,no perodo dos godos, como comprovam as leis gticas que j os discriminavam dos cristos. As relaes judaico-cristscomearam a agravar-se rapidamente aps a chegada a Portugal de 120.000 judeus fugitivos e expulsos pela InquisioEspanhola por meio do decreto dos Reis Fernando e Isabel em 31.03.1492. No demorou muito, a situao tambm seagravava em Portugal com o casamento entre D. Manoel I e Isabel, princesa espanhola filha dos reis catlicos. Vrias leisforam publicadas nessa poca, destacando-se o dito de expulso de D. Manoel I. Mais de 190.000 judeus foram foradosa confessar a f catlica, e aps o batismo eram denominados cristos novos, quando mudavam tambm os seusnomes. Vrias atrocidades foram cometidas contra os judeus, que tinham seus bens confiscados, saqueados, sendo suasmulheres prostitudas e atiradas s chamas das fogueiras e as crianas tinham seus crnios esmagados dentro dasprprias casas. O descobrimento do Brasil em 1500 veio a ensejar uma nova oportunidade para esse povo sofrido. J em1503 milhares de cristos novos vieram para o Brasil auxiliar na colonizao. Em 1531, Portugal obteve de Roma aindicao de um Inquisidor Oficial para o Reino, e em 1540, Lisboa promulgou seu primeiro Auto de f. Da em diante oBrasil passou a ser terra de exlio, para onde eram transportados todos os rus de crimes comuns, bem como judaizantes,ou seja, aqueles que se diziam aparentemente cristos novos, porm, continuavam em secreto a professar a f judaica. E nesses judaizantes portugueses que vieram para o Brasil nessa poca que queremos concentrar nossa ateno. Deuma simples terra de exlio a situao evoluiu e o Brasil passou a ser visto como colnia. Em 1591 um oficial da Inquisio

  • era designado para a Bahia, ento capital do Brasil. No demorou muito, j em 1624, a Santa Inquisio de Lisboa proces-sava pela primeira vez contra 25 judaizantes brasileiros (os nomes abaixo foram extrados dos arquivos da Inquisio daTorre do Tombo, em Lisboa). Os nomes dos judaizantes e os nmeros dos seus respectivos dossis foram extrados doLivro: Os Judeus no Brasil Colonial de Arnold Wiznitzer pgina 35 Pioneira Editora da Universidade de So Paulo:Alcoforada, Ana 11618 - Antunes, Heitor 4309 - Antunes, Beatriz 1276 - Costa, Ana da 11116 - Dias, Manoel Espinosa 3508- Duarte, Paula 3299 - Gonalves, Diogo Laso 1273 - Favella, Catarina 2304 - Fernandes, Beatriz 4580 - Lopes, Diogo4503 - Franco, Lopes Matheus 3504 - Lopes, Guiomar 1273 - Maia, Salvador da 3216 - Mendes, Henrique 4305 - Miranda,Antnio de 5002 - Nunes, Joo 12464 - Rois, Ana 12142 - Souza, Joo Pereira de 16902 - Teixeira, Bento 5206 - Teixeira,Diogo 5724 - Souza, Beatriz de 4273 - Souza, Joo Pereira de 16902 - Souza, Jorge de 2552 - Ulhoa, Andr Lopes 5391.

    Continuando nossa pesquisa, podemos citar outras dezenas e dezenas de nomes e sobrenomes, devidamente docu-mentados, cujas pessoas foram tambm processadas a partir da data em que a Inquisio foi instalada aqui no Brasil. importante ressaltar que nesses processos os sobrenomes abaixo receberam a qualificao de judeus convictos oujudeus relapsos em alguns casos. Por questo de espao citaremos apenas nesta primeira parte os sobrenomes, dispen-sando os pr-nomes:

    Abreu lvares Azeredo Ayres - Affonseca Azevedo Affonso Aguiar - Almeida Amaral Andrade Antunes - Arajovila Azeda Barboza - Barros Bastos Borges Bulho - Bicudo Cardozo Campos Cazado - Chaves Costa CarvalhoCastanheda - Castro Coelho Cordeiro Carneiro - Carnide Castanho Corra Cunha - Diniz Duarte Delgado Dias -Esteves vora Febos Fernandes - Flores Franco Ferreira Figueira - Fonseca Freire Froes Furtado - Freitas GalvoGarcia Gonalves - Guedes Gomes Gusmo Henriques - Izidro Jorge Laguna Lassa - Leo Lemos Lopes Lucena -Luzaete Liz Loureno Macedo - Machado Maldonado Mascarenhas - Martins Medina Mendes Mendona Mesquita- Miranda Martins Moniz Monteiro - Moraes Moro Moreno Motta - Munhoz Moura Nagera Navarro - Nogueira NevesNunes Oliveira - Orbio Oliva Paes Paiva - Paredes Paz Pereira Perez - Pestana Pina Pinheiro Pinto - Pires PortoQuaresma Quental - Ramos Rebello Rego Reis - Ribeiro Rios Rodrigues Rosa - S Sequeira Serqueira Serra - SylvaSilveira Simes Siqueira - Soares Souza Tavares Telles - Torrones Tovar Trigueiros Trindade - Valle Valena VargasVasques - Vaz Veiga Vellez Vergueiro - Vieira Villela.

    (A lista dos sobrenomes citados acima no exclui a possibilidade da existncia de outros sobrenomes portugueses de origemjudaica. Fonte: Extrado do livro: Razes judaicas no Brasil Flvio Mendes de Carvalho Ed. Nova Arcdia 1992).

    Todos esses judeus brasileiros, cujos sobrenomes esto citados acima, foram julgados e condenados pela Inquisiode Lisboa, sendo que alguns foram deportados para Portugal e queimados, como por exemplo o judeu Antnio Felix deMiranda, que foi o primeiro judeu a ser deportado do Brasil Colnia. Outros foram condenados a crcere e hbito perptuo.

    Quando os judeus aqui chegavam, desembarcavam na maioria das vezes na Bahia, por ser naquela poca o principalporto. Acompanhando a histria dessas famlias, nota-se que grande parte delas se dirigia em direo ao sul, muitas vezesfixando residncia nos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Outros subiam em direo ao norte do pas, destacandoa preferncia pelos Estados de Pernambuco e Par. Esses estados foram bastante influenciados por uma srie de costu-mes judaicos, que numa outra oportunidade gostaramos de abordar. importante ressaltar que no podemos afirmar quetodo brasileiro, cujo sobrenome constante desta lista acima seja necessariamente descendente direto de judeus portugue-ses. Para saber-se ao certo necessitaria uma pesquisa mais ampla, estudando a rvore genealgica das famlias, o quepode ser feito com base nos registros disponveis nos cartrios. Mas, com certeza, o Brasil tem no seu sangue e nas suasrazes os traos marcantes deste povo muito mais do que se imagina, quer na sua espiritualidade, religiosidade ou mesmoem muitos costumes.

    Constatamos que o Brasil j se destaca dentre outras naes como uma nao que cresce rapidamente na direo deuma grande potncia mundial. A influncia histrica judaica sefardita inegvel. Os traos fsicos de nosso povo, oscostumes, hbitos e algumas tradies so marcas indubitveis desta herana. Mas, h uma outra grande herana denosso povo, a f. O brasileiro na sua maioria pode ser caracterizado como um povo de f, principalmente, quando esta fest fundamentada no conhecimento do Deus de Abrao, Isaque e Jac, ou seja, no nico e soberano Deus de Israel.

    Isto sim, tem sido o maior, o melhor e o mais nobre legado do povo judeu ao povo brasileiro e humanidade.

    Breve Histria dos Judeus no BrasilCaptulo I

    INTRODUO A histria dos judeus no Brasil constitui um caso nico; pois de nenhum outro pas se pode dizer que nele os

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  • judeus tenham vivido ao longo de toda a sua existncia, contribuindo substancialmente para o seu desenvolvimentoeconmico e social.

    De fato, desde o descobrimento do pas - evento este do qual participaram, tendo inclusive ajudado nos seus prepara-tivos - at a poca presente, os judeus, quase sem intermitncia, aberta ou disfaradamente, estiveram integrados nosprocessos de formao da nacionalidade.

    Isso no obstante, vale dizer, embora os judeus tenham representado continuamente uma parcela da sociedade, asua histria no acompanha simplesmente a do Brasil. Longe de um esperado paralelismo, o que se verifica a existnciade inmeros desvios e meandros, os quais no raro atingem o grau de contraste.

    guisa de exemplo, mencione-se o perodo da ocupao holandesa, que, traduzindo um fracasso para o pas,constituiu, entretanto, o ponto mais alto do desenvolvimento da coletividade judaica local, dando-se o inverso com afase subseqente, quando, aps a expulso dos invasores, sobreveio a decomposio, o xodo e a disperso dosjudeus do Brasil.

    Semelhantemente, as intensas perseguies religiosas da primeira metade do sculo XVIII, de parcos efeitos diretossobre a populao geral do pas, tiveram influncia especfica marcante sobre a vida dos judeus brasileiros.

    Finalmente, sob outro aspecto, a implantao do regime e disposies liberais no pas, no incio do sculo XIX, culmi-nando com a proclamao da Independncia, e que resultou to favorvel ao progresso geral do pas, determinou porma assimilao quase total dos judeus, efeito este que de se considerar negativo do ponto de vista da preservao dacomunidade judaica brasileira.

    Por tais motivos, o estudo da histria dos judeus no Brasil no pode ater-se s fases e aos marcos gerais da evoluopoltica e social do pas, seno orientar-se, ao revs, segundo os fatos e acontecimentos histricos que hajam repercutidoespecificamente nas condies de vida individual e sobretudo coletiva dos judeus.

    1) 1500-1570 - FASE PACFICA DE CRESCENTE IMIGRAO e de ampla integrao dos judeus na vida econmica dopas, compreendendo os trs sub-perodos:a) - Primeiras exploraes (1501- 1515);b) - Primeira colonizao (1515- 1530);c) - Colonizao sistemtica (1530- 1570)2)1570-1630 FASE TUMULTURIA, caracterizada pelo surgimento de DISCRIMINAES ANTIJUDAICAS.3) 1630-1654 - Perodo de EXUBERANTE DESENVOLVIMENTO, sob o domnio holands verdadeiro APOGEU DAORGANIZAO COLETIVA dos judeus do Brasil.4) 1654-1700 - Perodo ps-holands, FASE CRTICA na vida dos judeus brasileiros, compreendendo XODO em massa,desagregao da comunidade, DISPERSO e final acomodao local.5) 1700-1770 - Perodo das GRANDES PERSEGUIES promovidas pela Inquisio portuguesa.6) 1770-1824 - Perodo de LIBERALIZAO progressiva, queda da imigrao judaica e GRADUAL ASSIMILAO dosjudeus.7) 1824-1855 - Fase de ASSIMILAO PROFUNDA, subseqente cessao completa da imigrao judaica homogneae igualizao total entre judeus e cristos perante a lei.8) 1855-1900 - Perodo PR- IMIGRATRIO MODERNO, caracterizado pelas primeiras levas de imigrantes judeus, oriun-dos, sucessivamente, da frica do Norte, da Europa Ocidental, do Oriente Prximo e mesmo da Europa Oriental, precur-sores das correntes caudalosas que, nas primeiras dcadas do sculo XX, vieram gerar e moldar a atual coletividadeisraelita do pas.

    Breve Histria dos Judeus no BrasilBIBLIOGRAFIA

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  • 8) HOROWITZ, Eduardo - Judeus no Brasil - uma estranha coletividade (em idich) in Nossa Contribuio, Rio deJaneiro. 1956.9) LEITE FILHO, Solidnio - Os Judeus no Brasil, Rio de Janeiro. 1923.10) LOEWENSTAMM, Kurt - Vultos judaicos no Brasil, Rio de Janeiro. 1949.11) MORAES, Evaristo de - Crceres e Fogueiras da Inquisio, Rio de Janeiro.12) NEIVA, Artur Hehl - Estudos sobre a imigrao semita no Brasil, Rio de Janeiro. 1945.13) NEIVA, Artur Hehl - O problema imigratrio brasileiro, Rio de Janeiro. 1945.14) PINKUSS, Frederico - O caminho de Israel atravs dos tempos, So Paulo. 1945.15) RAIZMAN, Isaac - Histria dos Israelitas no Brasil, So Paulo. 1937.16) SCHATZKY, Jacob - Comunidades Judias in Latino america, Buenos Aires. 1952.17) VAINER, Nelson - Antnio Jos da Silva - o Judeu (em idich) - in Nossa Contribuio, Rio de Janeiro. 1956.18) VIANA, Hlio - Histria da Viao Brasileira, Rio de Janeiro, 1949.19) WTJEN, Hermann - Das hollndische Kolonialreich in Brasilien, Gotha. 1921.20) WIZNITZER, Arnold - Os marranos no Brasil do sculo XVIII, in Aonde Vamos, Rio de Janeiro. 1956.21) WIZNITZER, Arnold - O nmero dos judeus no Brasil Holands, in Aonde Vamos, Rio de Janeiro. 1954.

    HISTRIA DOS JUDEUS NO BRASILINTRODUO

    A histria dos judeus no Brasil constitui um caso nico, pois no se conhece outro pas no qual se tenham elesinstalado logo nas primcias do respectivo povo, ficando-lhe continuamente associados e participando do seu desenvolvi-mento econmico e social.

    De fato, desde o descobrimento do Brasil at a poca presente, os judeus, quase sem intermitncia, aberta oudisfaradamente, estiveram integrados nos processos de formao da nacionalidade brasileira.

    Isso no obstante, a historiografia judaica referente ao Brasil no deve ater-se s fases e aos marcos gerais daevoluo poltica e social do pas, e sim orientar-se essencialmente segundo os fatos e acontecimentos histricos quehajam repercutido especificamente nas condies de vida individual e sobretudo coletiva dos judeus.

    De acordo com tal critrio, lcito destacar quatro grandes ciclos na histria dos judeus no Brasil, cada qual compor-tando diversas fases de ascenso, consolidao e declnio: 1 - O Primeiro Ciclo Portugus (1500-1630); 2 - O CicloHolands (1630-1654); 3 - O Segundo Ciclo Portugus (1654-1822); 4 O Ciclo Cosmopolita (1822-1966).

    1 - O PRIMEIRO CICLO PORTUGUS (1500-1630)

    Verificou-se o descobrimento do Brasil no ano de 1500, quando Portugal se achava no auge da sua expanso nomundo. No era ento somente a glria militar ou apenas o desejo de dilatar a f catlica que impeliam os portugueses ssuas grandiosas expedies martimas. Ao lado desses motivos, ou mesmo acima deles, imperava o esprito comercial, eisque Portugal visava controlar o intercmbio com o Levante e ambicionava concentrar em suas mos as principais atividadeseconmicas daquela poca.

    Mas apenas esses motivos, por mais estimulantes que fossem, no teriam bastado para promover o extraordinrioalargamento de Portugal; o grande ciclo das conquistas portuguesas, entre elas a do Brasil, no se teria concretizado semo longo perodo de descobertas e aperfeioamentos cientficos que o precedeu, e no qual tiveram papel de sumo relevo ossbios judeus ibricos. Estes, alis, desde o sculo XII, vinham se distinguindo sobremaneira nos domnios da matemti-ca, astronomia e geografia, cincias essas bsicas para a arte nutica, especialmente para a navegao ocenica, e osgovernantes portugueses aproveitaram de forma esgotante tal acervo cientfico israelita em prol da ascenso de Portugal posio de grande potncia naval. Assim, para a direo da Escola de Sagres, primeira academia portuguesa denavegao, fundada em 1412, foi escolhido um dos mais famosos cartgrafos do sculo XV, o judeu Jehuda Crescas, cujamisso essencial era ensinar aos pilotos portugueses os fundamentos da navegao bem como a produo e o manejo decartas e instrumentos nuticos. Mais tarde, outros judeus de renome cientfico prestaram sua colaborao Escola deSagres, destacando-se os sbios Jos Vizinho, Mestre Rodrigo e, sobretudo, Abraham Zacuto, autor do AlmanaquePerptuo de Todos os Movimentos Celestes.

    Mas, a contribuio judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas terras para a coroa portuguesa no se limitouao campo cientfico de feio preparatria, seno tambm se traduziu em participao direta nas temerrias viagens,

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  • inclusive na expedio que resultou no descobrimento do Brasil, eis que, na frota dirigida por Pedro lvares Cabral,viajavam como conselheiros especialistas pelo menos trs judeus: Mestre Joo, astrnomo equipado com os instrumentosde Abraham Zacuto, Pedro Nunes, navegador, e Gaspar de Lemos, intrprete e comandante de navio, justamente consi-derado pelos historiadores como co-responsvel pelo descobrimento do Brasil.

    Logo nos primeiros anos aps a descoberta do Brasil, arrefeceu o interesse do rei de Portugal pela nova terra. A corteera naquele tempo verdadeiramente uma grande casa de negcio e como, por um lado, estivesse fundamente absorvidacom as dispendiosssimas expedies ndia, onde pretendia estabelecer um vasto imprio colonial, e, por outro lado, noenxergasse lucros apreciveis e imediatos na explorao do Brasil, este ia sendo relegado a um simples ponto de ligaonas viagens ndia, uma escala de refresco e aguada.

    assim de todo compreensvel que, tendo o monarca D. Manoel recebido em 1502, de um consrcio de judeusdirigido pelo cristo novo Fernando de Noronha, uma proposta para explorao da nova colnia mediante contrato dearrendamento, ele a aceitasse de bom grado; era a colonizao do Brasil que se lhe oferecia, para ser feita a expensas departiculares, sem riscos e sem nus ou quaisquer encargos para o errio pblico. O contrato, que era um monoplio decomrcio e de colonizao, foi firmado em 1503, pelo prazo de 3 anos, tendo sido, com algumas modificaes, sucessiva-mente renovado at 1515. A explorao concentrou-se especialmente na madeira de pau-brasil (tambm chamada na-quele tempo madeira judaica), artigo ento grandemente procurado nos mercados europeus para as indstrias de corantes.To intenso se tornou o comrcio do pau-brasil durante o arrendamento do pas a Fernando de Noronha, e de tal importn-cia econmica ele se revestiu, que deu origem denominao de ciclo do pau-brasil, sob o qual conhecido, na histriado Brasil, aquele perodo, alm de ter determinado a adoo do nome definitivo da terra - Brasil - em substituio ao deSanta Cruz, como era antes designada.

    Admite-se que, ao lado dos objetivos comerciais, Fernando de Noronha, ao propor ao governo portugus o arrenda-mento do Brasil, visasse ainda facilitar o xodo dos judeus, ento perseguidos em Portugal. De qualquer forma, doconsenso geral que, nas expedies comerciais do sindicato de Fernando de Noronha, judeus constituram a maioria,cabendo-lhes assim o mrito de terem lanado no solo da nova ptria os primeiros marcos da civilizao.

    Na altura do ano de 1515, o Governo de Portugal despertou para a realidade: teria que tomar conta do vastssimoterritrio brasileiro se no quisesse expor-se ao risco de perder o comrcio com ele e mesmo a soberania. Efetivamente,esse perigo existia, pois, quele tempo, o litoral brasileiro era tambm freqentado grandemente por franceses contraban-distas, que procuravam traficar com os indgenas, infringindo assim o monoplio portugus do pau-brasil; era visvel, almdisso, que a simples explorao localizada dessa essncia florestal no poderia conduzir colonizao e ocupao danova terra.

    Interrompeu ento o Governo de Portugal o contrato com Fernando de Noronha e passou a tomar medidas de proteomilitar do territrio brasileiro, bem como a incentivar a sua colonizao mediante a implantao da cultura da cana-de-acar. Mas, a despeito das expressivas facilidades concedidas pelo Governo portugus nessa tentativa de colonizaodirigida, tais como transporte, equipamentos e assistncia tcnica, raros eram os colonos portugueses cristos que qui-sessem emigrar para o Brasil - provavelmente em virtude da atrao que sobre eles continuava a exercer a ndia - razopor que, ao lado de criminosos, condenados ou exilados, se destacaram os voluntrios judeus, que constituam a maioriadas levas imigratrias.

    Verifica-se, assim, que, no apenas no descobrimento e nas primeiras exploraes do Brasil, mas tambm na coloni-zao inicial do pas, parece ter cabido aos judeus uma honrosa participao fundamental.

    Com os crescentes incentivos do Governo portugus ocupao e ao povoamento do territrio brasileiro - inclusiveatravs da sua diviso, entre os anos de 1534 e 1536, em 14 capitanias hereditrias, entregues a donatrios - , novosmotivos de estmulo foram se apresentando para a vinda de judeus ao Brasil. Os donatrios, desejosos de imprimir pros-peridade s suas capitanias, porfiavam em atrair colonos, mas, ainda desta feita, os portugueses cristos preferiam andia, cujos efeitos atrativos perduravam. No restava aos donatrios seno recorrer mais uma vez aos judeus, que, alis,se revelaram excelentes colonizados: estavam familiarizados com a indstria do acar, que j vinha sendo, desde muitosanos antes, a ocupao preferencial dos judeus das ilhas da Madeira e de So Tom - de onde provavelmente foi a cana-de-acar transplantada para o Brasil - e, alm disso, eram os colonos judeus hbeis no trato com o gentio, a cujos hbitose lngua logo se adaptavam, passando a contar depressa com a sua amizade. Assim, as possibilidades de progresso dascapitanias dependiam em bom grau dos judeus, e, graas a essa circunstncia, puderam eles gozar de bastante liberdadede costumes. E mesmo quando, depois de 1548, se implantou no Brasil um novo sistema de governo - o dos GovernosGerais -, a situao favorvel dos judeus no sofreu qualquer alterao, muito embora na mesma ocasio se fixassem nopas os jesutas. As condies eram tais que as autoridades se viram foradas a uma poltica de transigncia e cautela. Na

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  • contingncia de ou perderem as esperanas de colonizao do Brasil, ou levarem a bom termo a misso de que seachavam incumbidas, optaram pela segunda alternativa e, para tanto, tiveram que fazer tbua rasa das exigncias daInquisio. Esse panorama de tolerncia contrastava vivamente com a onda de dio e discriminao que varria Portugal,onde crepitavam sem cessar as fogueiras dos autos de f. assim compreensvel o efeito que entre os judeus de Portugaldeviam exercer as notcias ali chegadas sobre a vida judaica no Brasil.

    Tangidos pela fria avassaladora da perseguio religiosa, sentiam-se os judeus de Portugal impelidos a tentarvida nova no Brasil, que se lhes afigurava como refgio seguro, onde poderiam concretizar-se os seus anseios depaz e liberdade.

    Em tais condies, tudo favorecia o estabelecimento de uma intensa e ininterrupta corrente migratria de judeusportugueses para o Brasil, onde, prosperando rapidamente, passaram a formar numerosos ncleos, dando mesmo incioa uma razovel vida coletiva, como o testemunham referncias encontradas sobre uma sinagoga que funcionava numacasa de propriedade do cristo novo Heitor Antunes, na cidade de Salvador - sede do Governo Geral - e sobre uma outraque fazia parte de um centro marrano em Camaragibe, capitania de Pernambuco, capitania que chegou a contar com umrabi - o cristo novo Jorge Dias do Caia.

    Essa situao bonanosa dos judeus brasileiros, nos meados do sculo XVI, pde concretizar-se em virtude da exis-tncia dos principais fatores que permitem a evoluo de uma comunidade minoritria: havia suficincia numrica, tendoos judeus, graas intensa imigrao e ao crescimento natural, alcanado uma proporo razovel em confronto com apopulao geral, o suficiente para se opor ao risco de assimilao; havia refrescamento imigratrio, pois o processo deimigrao era contnuo, e as sucessivas levas de judeus portugueses exerciam um papel reativante, contra aculturativo;finalmente, havia liberdade de culto, com tolerncia bastante para que os judeus mantivessem abertamente suas prti-cas religiosas, ainda que algo sincretizadas com o catolicismo.

    Entretanto, por volta de 1570, passou a toldar-se o horizonte judaico no Brasil, at ento sereno.Comearam a surgir sinais de restrio liberdade, que com o tempo se avolumaram, fazendo definhar a vida coletiva

    dos judeus - justamente quando parecia aproximar-se a sua consolidao - e forando os judeus a retornarem, qual na suame ptria, a uma vida disfarada, de forma a guardarem as tradies apenas no recesso da famlia e assim mesmo coma devida cautela.

    A primeira manifestao oficial de intolerncia verificou-se em 1573, na cidade do Salvador, onde foi instalado um autode f. Paradoxalmente, mas talvez de propsito, no era israelita a primeira vtima: era um francs que, acusado deheresia, foi condenado e queimado vivo. O balo de ensaio no surtiu, porm, os esperados efeitos junto opinio pblica,pelo que a Inquisio teve que encerrar pouco depois a sua nefanda tentativa.

    Alguns anos decorridos, entretanto, ela reiniciou a conspirata, at que, em 1591, veio ao Brasil a misso conhecidacomo Primeira Visitao do Santo Ofcio s Partes do Brasil Pelo Licenciado Heitor Furtado de Mendona. Na Bahia,permaneceu a Inquisio durante dois anos, at 1593, seguindo ento o Inquisidor para Pernambuco, ltamarac e Paraba,onde ficou at 1595.

    Em 1618, a Bahia foi alvo de uma nova visitao do Santo Ofcio, que ficou a cargo do Inquisidor de vora, o Bispo D.Marcos Teixeira. Diante dessas comisses inquisitoriais, que, alis, se limitaram ao Nordeste do Brasil, foram denunciadosinmeros marranos, entre eles muitos senhores de engenhos de acar, fato que propiciou o primeiro movimento migrat-rio interno dos judeus Brasileiros, os quais abandonaram o Nordeste em busca do Sul, especialmente da capitania de SoVicente (So Paulo), que era a parte mais liberal do pas. No se sabe ao certo dos motivos das duas visitaes do SantoOfcio ao Brasil. todavia de se presumir que tivessem fundo poltico, receosa como se achava a coroa portuguesa de queos cristos novos brasileiros viessem a ajudar a Holanda, que ento cobiava conquistar o Brasil. Tal suspeita tinha certofundamento. Com efeito, em virtude das crescentes perseguies aos judeus em Portugal nas ltimas dcadas do sculoXVI, eles passaram a emigrar, no s para o Brasil, mas tambm, em grandes levas, para vrios pases da Europaocidental, sobretudo para a Holanda, onde florescia o comrcio e reinava tolerncia religiosa, o que permitiu a clereformao de uma ampla comunidade israelita, com centro na cidade de Amsterd, justamente cognominada de NovaJerusalm. E certo que essa simultnea emigrao dos judeus portugueses, para o Brasil e para os Pases Baixos,propiciou o estabelecimento de um elo comercial e afetivo entre os judeus brasileiros e os judeus portugueses da Holanda.

    Desiludidos que se achavam com a me-ptria - onde seus parentes e correligionrios sofriam privaes e persegui-es tremendas -, e j agora decepcionados com o prprio Brasil portugus, onde tudo a princpio parecia sorrir-lhes, masonde passavam a acumular-se indcios hostis, os judeus brasileiros, instintivamente, na procura de algum outro ponto deapoio, sentiam-se impelidos a um intercmbio cada vez mais estreito com os judeus portugueses residentes na Holanda,onde a liberdade, nos fins do sculo XVI, era absoluta em todos os terrenos.

    Compilao de Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos 6

  • Era a possibilidade que eles vislumbravam de vir a ser melhorada a sua sorte graas conquista do Brasil por umaoutra potncia - no caso, a Holanda!

    2 - O CICLO HOLANDS (1630-1654)

    A esperana dos judeus do Brasil de que a sua sorte melhoraria graas a alguma forma de interveno holandesa nofalhou. Finalizando uma srie de tentativas de conquista do Nordeste brasileiro, atravs de invases da Bahia, nos anos de1624 a 1627 - a primeira das quais inicialmente favorvel, pois conseguiram dominar a cidade do Salvador por quase umano -, os holandeses afinal lograram seu intento em 15 de fevereiro de 1630, quando atacaram Pernambuco com umapoderosa esquadra de 70 navios, tripulada e guarnecida por 7000 homens, e assim iniciaram a ocupao do Nordeste, aqual ira durar at 1654.

    Foram poucos os anos de domnio holands pacfico, mas bastaram para que os judeus, numa rapidez impressionan-te, alassem a um nvel excepcional a sua vida econmica, social e cultural, dentro do arcabouo de uma organizaocoletiva, vindo a constituir no Nordeste do Brasil uma comunidade das mais florescentes do mundo de ento.

    Antes da conquista holandesa, os judeus brasileiros exerciam, em larga escala, as atividades de plantadores deacar, mas os donos de engenho representavam apenas uma percentagem razovel, e os magnatas no passavam deuma escassa minoria.

    No mais, a colnia judaica era constituda de pequenos comerciantes e de profissionais manuais mal remunerados.Com o advento dos holandeses e a decorrente implantao de uma grande tolerncia religiosa, o panorama foi se alteran-do. Levas ininterruptas de judeus afluam a Pernambuco de vrios pases, especialmente da Holanda, trazendo cabedais,experincia comercial e um prodigioso esprito de realizao. Esses judeus vindos da Holanda - e que em grande parteeram ex-refugiados de Portugal, Espanha e Frana - tinham a vantagem de falar vrios idiomas: espanhol, francs, ladino,holands, afora o mais importante, o portugus, que era a lngua falada no Brasil; era-lhes fcil assim servir de intrpretespara os milhares de homens do exrcito e da marinha holandesa, constitudos de mercenrios - holandeses, ingleses,franceses, alemes, polacos e outros - que no falavam o portugus. De simples intrpretes, foram rapidamente passandoa cambiadores e comerciantes, de um modo geral a intermedirios, profisso que se tornou quase monoplio dos judeus,com eles no podendo competir os pequenos negociantes e operrios brasileiros e flamengos. No tardou que os judeusse tornassem grandes proprietrios urbanos e rurais, passando a controlar a vida econmica da Nova Holanda brasileira,merecendo lembrar, como testemunho disso, que a principal rua do Recife era conhecida como Rua dos Judeus e o portoera chamado cais dos judeus.

    Paralelamente com a prosperidade econmica dos judeus no Brasil holands, desenvolveu-se com vigor a sua vidacoletiva. Para tanto, contribuiu fundamentalmente a liberdade de culto implantada pelos holandeses, sobretudo durante ogoverno do conde Maurcio de Nassau, no perodo de 1635 a 1644.

    Havia ainda, como circunstncia essencial, o crescimento contnuo e sensvel da populao judaica e sua concentra-o preponderante numa rea restrita, em torno da cidade do Recife. Esse crescimento populacional resultou principal-mente da intensa imigrao oriunda da Holanda, de cujo porto Amsterd partiam constantemente naus carregadas dejudeus e conversos, sendo que, s de uma feita, em 1642, embarcaram 600; mas, aos imigrantes do estrangeiro, cabetambm acrescentar os judeus que, de outras partes do prprio Brasil, vinham para Pernambuco, em busca de liberdadereligiosa. No se sabe exatamente o nmero de judeus no Brasil holands, variando as estimativas entre 1.500 e 5.000;mas, admite-se que, no apogeu do desenvolvimento da comunidade judaica da Nova Holanda, os judeus representavamcerca de metade da populao branca civil, e no Recife havia judeus em tamanho nmero que, primeira vista, se tinha aimpresso de uma cidade puramente judaica. Para se ter uma idia da importncia de que, naquele tempo, se revestia umncleo israelita de 1.500 almas, segundo a menor das referidas estimativas, basta lembrar que a prpria comunidadejudaica de Amsterd, no seu pleno fastgio, no era mais numerosa.

    Ao alcanarem a forma de coletividade organizada, os judeus de Pernambuco contavam com duas sinagogas e umcemitrio prprio, e possuam uma comunidade sagrada - Kahal Kadosh - chefiada por uma diretoria, sendo conhecidos oscomponentes de uma delas: David Senior Coronel, Dr. Abraham de Mercado, Jacob Mucate e Isaac Castanho. Havia aindaa Congregao Zur Israel (A Rocha de Israel) do Recife, que mantinha um Pinkes (livro de atas) e baixava haskamot(regulamentos). Assim, os regulamentos revistos em 1648 estabeleciam que todos os judeus residentes no Estado doBrasil e todos os futuros imigrantes tornavam-se automaticamente membros da Comunidade Judaica e deviam inscreveros nomes no Pinkes, como demonstrao de que aceitavam os regulamentos. Tambm na ilha de Itamarac, havia umacomunidade organizada, e era presidida por um rabino prprio, Jacob Lagarto, que foi, alis, o primeiro escritor talmdico

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  • na Amrica do Sul.Em tal ambiente de segurana e de organizao coletiva, a conscincia de grupo avultou, chegando as festas judaicas

    a ser celebradas publicamente com procisso nas ruas. O auge desse desenvolvimento scio-cultural foi atingido pelosjudeus de Pernambuco em 1642, quando providenciaram a vinda da Holanda de um insigne lder espiritual, Isaac Aboabda Fonseca, que veio acompanhado do hazan Moiss Rafael de Aguiar. Isaac Aboab permaneceu testa da comunidadejudaica do Brasil at o fim do domnio holands, tendo desenvolvido um vasto programa de trabalhos, rabnicos e sociais,sem prejuzo da atividade literria, da qual testemunho a obra Miimi Iehuda que ele escreveu em colaborao comMoiss Rafael de Aguiar, e que tratava da vida cultural dos judeus brasileiros.

    Em 1645, tendo Maurcio de Nassau deixado o governo, entrou em fase de declnio a vida judaica no Brasil, fase queira terminar um decnio mais tarde com a melanclica liquidao da pujante comunidade que se havia erguido - aparen-temente com tanta solidez - no Nordeste do Brasil.

    A sada de Nassau favoreceu sobremodo o nascimento da insurreio pernambucana, pois, em substituio a essenotvel estadista, que havia logrado granjear as simpatias gerais da populao, ficara a administrao do domnio holan-ds entregue a um triunvirato composto de indivduos completamente incapazes, que no tardaram a implantar um regimeopressor e tirnico.

    Os judeus de Pernambuco cedo deram-se conta do que a nova situao viria representar para eles. Previram facil-mente que, sem a poltica tolerante e apaziguadora do prncipe de Nassau, seria inevitvel o enfraquecimento e queda dodomnio holands, ficando eles irremediavelmente expostos sanha dos insurrectos pernambucanos. Em vista disso,iniciaram o processo de retorno Holanda, tendo emigrado em alguns anos cerca da metade da populao judaica,sobretudo os negociantes mais ricos.

    O comrcio comeou ento a decair, o dinheiro passou a escassear, e as tropas j se recusavam a combater, chegan-do mesmo a, mediante suborno, desertar para o exrcito portugus, que, em verdadeiro contraste, possua moralelevadssimo. Para agravar a situao, a Holanda, que ento se achava em guerra com a Inglaterra, no podia prestar anecessria ajuda colnia decadente, e os reforos, que todavia lhe mandava, eram insuficientes e extemporneos.

    Embora a conjuntura se apresentasse nitidamente desfavorvel aos holandeses, os judeus que permaneceram emRecife - cerca de 700 - resignaram-se a aguardar at o ltimo instante o desfecho da luta, ficando fielmente ao lado dosholandeses e com eles compartilhando de todos os horrores do longo cerco da cidade. Sobre essa atitude de inteirafidelidade, assumida pelos judeus remanescentes de Recife - no mesmo sentido da anterior solidariedade judaica, de-monstrada por ocasio das invases holandesas - no faltam pronunciamentos desfavorveis. H, com efeito, quem aconsidere uma espcie de deslealdade ao Brasil, um erro que cabe corrigir. Merece notar desde logo que o Brasil noestava propriamente em jogo.

    Aos judeus impunha-se escolher entre dois ocupantes, entre duas potncias estrangeiras: Portugal e Holanda.De um lado - o pas que perseguia, expulsava e queimava vivos os judeus; do outro - a nao que agia para com os

    judeus, tanto na metrpole como nas colnias, com a maior tolerncia religiosa. De um lado - a Inquisio e os autos de f;do outro - a liberdade de conscincia. Entre os dois senhores, no havia outra possibilidade de escolha!

    E alis, procedendo como procederam, os judeus guardaram uma linha de impecvel coerncia. Eles que,por todas as formas a seu alcance, ajudaram os holandeses a conquistar o Nordeste brasileiro, na esperana,no desmentida, de obterem no Brasil um lar tranqilo, no poderiam abandonar os aliados e protetores davspera no momento em que a sorte comeava a faltar-lhes. Tal como souberam os judeus da Nova Holandaarmar os seus sonhos - que chegaram a ver em boa parte realizados -, tambm mostraram saber suportar a suaruna, lutando bravamente at a queda final da sua cidadela, com o que se haveria de encerrar o ciclo maisfastigioso, embora efmero, da vida judaica no Brasil colonial.

    3 - O SEGUNDO CICLO PORTUGUS (1654-1822)

    Com a queda de Recife e subseqente capitulao dos holandeses, entrou em plena desagregao a comunidadeisraelita do Nordeste do Brasil.

    Uma pequena parcela resignou-se permanncia no pas, dispersando-se pelo seu territrio, enquanto o grossooptou pela emigrao. Destes, um grupo - constitudo provavelmente dos mais ricos e mais relacionados na Holanda -decidiu retornar a esse pas, ao passo que a maioria preferiu enfrentar o desconhecido, aventurando-se em direo dasmais longnquas paragens das trs Amricas - Guianas, Antilhas e Nova Holanda norte-americana -, onde lanaram aafirmao pujante de sua vitalidade, contribuindo eficazmente para o desenvolvimento econmico de vrias colnias

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  • francesas, inglesas e holandesas, e nelas implantando numerosas aglomeraes judaicas, uma das quais viria a sernos tempos modernos a extraordinria comunidade israelita dos Estados Unidos da Amrica do Norte. Nas Guianas, osjudeus fugitivos fixaram-se de comeo em Caiena e, mais tarde, em Suriname, onde organizaram uma comunidadeduradoura, que chegou a contar mais de 1.300 almas; seu ncleo mais importante com 1.045 judeus numa populaode 2.000 - ficava nos arredores de Paramaribo e era conhecido como Savana Juda. Nas Antilhas, distriburam-seentre a Martinica, Guadalupe, Barbados, Jamaica e So Domingos, dedicando-se sua tradicional ocupao - a inds-tria aucareira. Graas a esse concurso dos judeus foragidos do Brasil, conseguiu a Amrica Central estabelecer o seumonoplio no mercado mundial do acar, monoplio esse que antes estava nas mos do Brasil. Forneceram, assim,aqueles judeus s colnias centro americanas os elementos de riqueza que, por influncia da desastrada poltica dosmonarcas portugueses, o Brasil desprezara!

    Na Amrica do Norte, um grupo de 23 judeus, que deixou Recife logo depois da sua queda, acampou, em 12 desetembro de 1654, margem do Hudson, na aldeia de Nova Amsterd (atual Nova York), ento capital da Nova Holanda.Vencendo toda a sorte de dificuldades opostas pelo governador da colnia, o autocrata e anti-semita Pierre Stuyvesant,os judeus originrios do Brasil foram se radicando na nova ptria, crescendo em nmero, organizando-se em comuni-dade e disseminando-se pelo pas, onde, com o correr dos sculos, viria desenvolver-se a maior das coletividadesisraelitas do mundo.

    Como j foi mencionados o xodo que se verificou aps a expulso dos holandeses no abrangeu a totalidade dapopulao judaica do Nordeste dos Brasil, tendo um bom nmero de marranos resolvidos permanecer na terra que haviamaprendidos a amar. E uma vez apagados os primeiros ressentimentos, puderam esses judeus remanescentes difundir-sepacificamente pelo territrio brasileiro, inclusive em reas do prprio Nordeste, reduzindo ao mnimo as aparncias da suaorigem judaica.

    Acresceu que, aps a morte do rei D. Joo IV em 1656, a Inquisio fez recrudescer as perseguies aos judeus emPortugal, culminando com a promulgao da lei de 9 de setembro de 1683, que determinava a expulso dos cristos novose a aplicao da pena de morte aos que voltassem ao pas. Esse fato contribuiu para que se intensificasse a transmigraode cristos novos portugueses para o Brasil, cuja populao judaica pde, assim, no somente recompor-se do tremendoabalo sofrido com a desagregao ps-holandesa, mas ainda experimentar um razovel crescimento numrico.

    Mas essa acomodao, to bem levada a efeito pelos judeus brasileiros na segunda metade do sculo XVII, nologrou transpor o umbral do sculo seguinte, quando, afinal, a Inquisio de Lisboa, cujas garras at ento mal haviamconseguido arranhar a populao judaica do Brasil, acabou estendendo sobre este pas a sua implacvel rede de perse-guies. A sanha natural dos inquisidores viu-se atiada pelas renascidas perspectivas de macios confiscos, eis que osjudeus brasileiros, graas ao seu ajustamento econmico operado na parte final do sculo XVII, e ao posterior enriqueci-mento em conseqncia da intensa explorao das minas de ouro e do comrcio de diamantes no comeo do sculo XVII,haviam voltado a constituir uma parcela das mais opulentas da colnia.

    Essa onda de terror que, com algumas intermitncias, se desdobrou por longos 70 anos, com especial virulncianos perodos de 1707 a 1711 e 1729 a 1739, conferiu primeira metade do sculo XVII as caractersticas de pocanegra da histria dos judeus no Brasil. E somente aps 1770, comearam a criar-se condies outras, que viriamextirpar para sempre o cancro da Inquisio, que tanto manchara a histria de Portugal e tanto fizera decair essegrande imprio dos tempos manoelinos. (*) (*) Entre as vtimas brasileiras da Inquisio Portuguesa, no fase da suamais nefanda atuao, figura Antnio Jos do Silvo, cognominado O Judeu, e tido como uma das maiores expressesda genialidade judaico-brasileira.

    Nascido no Rio de Janeiro em 1705, transladou-se aos oito anos de idade para Lisboa, onde se achava a sua me,levada prisioneira pelos agentes da Inquisio sob a acusao de judasmo. Cedo comeou Antnio Jos a revelar os seusexcepcionais dotes de inteligncia, aliados a um invulgar pendor literrio, e em poucos anos enriqueceu a literatura portu-guesa de numerosas peas teatrais de singular valor. Como dessas peas extravasasse com freqncia um sarcasmosem rebuos contra a torpe atividade da Inquisio, esta o marcou e no mais descansou no af de elimin-lo. E no tendoconseguido faz-lo calar-se por meio de uma srie de intimidaes, acabou enredando-o numa complicada trama dedenncias e falsos testemunhos e, afinal, condenando-o a pena capital em 11 de maro de 1739. Em 21 de outubro domesmo ano, foi Antnio Jos do Silva queimado, na praa pblica, no tendo faltado sequer alguns requintes de cruelda-de: foram obrigadas a assistir ao ato - a sua me, sexagenria, sua mulher e sua filha de quatro anos.

    At hoje no se sabe ao certo quantos judeus oriundos do Brasil caram vtimas da Inquisio de Portugal. H quemavalie em apenas 400 o nmero dos judaizantes brasileiros processados, dos quais no mais de 18 teriam sofrido a penacapital; mas essas ho de ser cifras por demais modestas, longe de darem uma idia exata da extenso que na verdade

    9 Compilao de Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos

  • a tragdia assumiu, pois que, ainda hoje, permanecem inexplorados, nos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, 40.000processos da Inquisio, cuja investigao revelaria certamente Histria toda a hediondez dessa fantica instituio.

    Em 1770, a vida judaica no Brasil passou a beneficiar-se de um liberalismo crescente como reflexo das mudanashavidas em Portugal, onde a Inquisio acabava de entrar em seus ltimos estertores, golpeada de morte pelo clarividentee poderoso ministro Sebastio Jos de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marqus de Pombal. O ato decisivo,conseguido pelo Marqus junto ao rei D. Jos I, foi a promulgao, em 25 de maio de 1773, de uma lei que extinguiu todasas diferenas entre cristos velhos e cristos novos, lei essa que, um ano mais tarde, em 1 de outubro de 1774, foiregulamentada por um decreto que passou a sujeitar os veredictos do Santo Ofcio sano real.

    A repercusso das disposies pombalinas no Brasil foi automtica e eficaz. Aps setenta anos de perseguiestremendas, estavam os judeus e cristos novos brasileiros ansiosos de se igualarem aos demais habitantes do pas, eo liberalismo da nova lei foi um franco estmulo a esse anseio de assimilao. Bem entendido, tal processo de integraono se fez de pronto, nem de maneira cabal, pois que no desaparecera a desconfiana com relao s reviravoltaspolticas da coroa portuguesa. Foram necessrios 50 anos para que, alcanada a Independncia do Brasil em 1822, epromulgada a Constituio de 1824, desaparecesse, pela via aberta da assimilao, o problema judaico brasileiro degnese portuguesa.

    oportuno lembrar que foi marcante a contribuio dos prprios judeus brasileiros para o movimento emancipadorque viria trazer a sua extino como grupo pela completa integrao na coletividade nacional.

    Sirvam de testemunho as palavras do grande historiador brasileiro Adolfo Varnhagen: Os judeus foram os pioneirosda Independncia do Brasil. A sua valiosa contribuio, a sua tenacidade de raa eleita, de povo perseguido, constituramos alicerces onde colocou-se o lbaro ardente da esperana da libertao do Brasil do jugo da me-ptria.

    4 - O CICLO COSMOPOLITA (1822-1966)

    Uma vez emancipado o pas, e implantada liberdade integral de conscincia, nada mais restava que pudesse susten-tar a sobrevivncia coletiva dos judeus, os quais, to logo perceberam que desta vez a liberdade viera em carter duradou-ro, cortaram as ltimas e dbeis amarras que os prendiam ao passado judaico e difundiram-se rapidamente no seio dapopulao geral.

    O nico fator que, nessa conjuntura, talvez ainda lograsse reacender a chama pretrita e preservar aqueles judeus daassimilao total teria sido uma imigrao macia e homognea de judeus de nvel cultural elevado e de tradies afins.Mas, essa possibilidade nica inexistiu de todo, pois que, depois da Independncia, enfraqueceu de muito o movimentoimigratrio no Brasil, sendo que a imigrao judaica praticamente se anulou.

    Cabe, apenas, abrir um parntese para uma exceo verificada no extremo norte do pas. Logo aps a Independncia,principiaram a afluir para a Amaznia judeus provenientes do Marrocos. Tratando-se de uma imigrao de origem nova,sem qualquer afinidade histrica ou cultural com a populao brasileira da regio, fcil e cmodo foi a esses judeusmarroquinos conservarem sua religio e tradies, cedo vindo a fundar, no ano de 1824, uma sinagoga de nome Porta doCu, na cidade de Belm.

    Essa aglomerao judaica da Amaznia, que com o decorrer dos anos foi sendo ampliada de maneira contnua comelementos oriundos da mesma regio norte-africana, disseminou-se pelos pontos estratgicos do grande rio, passando adesempenhar um papel relevante no desenvolvimento econmico da regio, bem como no intercmbio comercial com oestrangeiro. Entretanto, o agrupamento judaico da longnqua Amaznia, isolado cultural e materialmente das regies vitaise mais adiantadas do pas, no podia, evidentemente, exercer qualquer influncia sobre o judasmo indgena que, deresto, j havia entrado ento na sua fase de total ocluso. E assim, durante a primeira metade do sculo XIX, coube remota e minscula comunidade israelita-marroquina da Amaznia - que mal contaria duas centenas de almas - o papel desustentculo nico da continuidade judaica no Brasil.

    Entretanto, no limiar da segunda metade do sculo, comeou a modificar-se a situao. Sem prejuzo do prossegui-mento da migrao judaica norte-africana para a regio amaznica, foram chegando ao Rio de Janeiro - de onde irradia-vam para os Estados vizinhos, especialmente para So Paulo e Minas Gerais - judeus procedentes de vrios pases daEuropa Ocidental - franceses, ingleses, austracos e alemes, sobretudo alsacianos - a tal ponto que, em 1857, j sentirama necessidade de fundar uma sinagoga na capital do pas. As duas aglomeraes - a da regio amaznica e a do Rio deJaneiro - no mantinham entre si quaisquer relaes de grupo e apresentavam, alis, caractersticas diferentes.

    A coletividade amaznica era mais estvel, eis que os judeus marroquinos vinham para o extremo norte do Brasilcom a inteno de ali se radicarem, tendo eles, em conseqncia, alargado com o tempo o seu campo de atividades, de

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  • molde a abranger no somente o comrcio interno e o de exportao e importao - este especialmente de tecidos -mas tambm o setor da navegao e da explorao de seringais, afora a participao nas atividades pblicas e noexerccio de cargos oficiais.

    J no Sul, os judeus, originrios do oeste europeu, vinham antes com o objetivo de prosperar e de em seguidaregressar aos pases de origem, embora muitos acabassem permanecendo no Brasil, ou porque no houvessem logradoo desejado enriquecimento rpido, ou porque j se sentissem dominados pelo apego nova terra. Em face daquelapredisposio inicial, limitavam-se os judeus dos Rio de Janeiro e dos Estados vizinhos s ocupaes comerciais, semnenhuma tentativa de integrao em outras atividades econmicas, de feio mais estvel e carter mais fundamental, emuito menos procuravam imiscuir-se na vida pblica do pais.

    Na ltima dcada do sculo XIX e durante a primeira do sculo XX - 20 anos estes que constituem a verdadeira fasepr-imigratria moderna - a imigrao judaica cresceu de vulto, multiplicando-se os pases de procedncia e tambm asregies em que os imigrantes passavam a fixar-se no Brasil.

    Enquanto, at ento, os imigrantes judeus provinham quase exclusivamente do Norte da frica e do Ocidente euro-peu, j agora passaram a chegar tambm levas de judeus do Mediterrneo Oriental - Grcia, Turquia, Sria, Lbano ePalestina - bem como da Rssia e pases vizinhos, localizando-se de preferncia na zona sudeste do pas - Rio de Janeiro,So Paulo e Minas Gerais - mas tambm se disseminando, em pequenos ncleos, por muitos outros Estados, tanto do Sulcomo do Nordeste.

    No obstante o carter rapsdico da imigrao judaica nessa fase (1890-1910), alguns pontos peculiares podemser estabelecidos:

    1) No extremo sul do pas, a comunidade judaica originou-se de uma tentativa de colonizao empreendida pela JCA(Jewish Colonization Association), a qual, na primeira dcada do sculo XX, adquiriu terras no Rio Grande do Sul e nelasinstalou colonos trazidos principalmente da Rssia. Ao contrrio do que ocorreu na Argentina, a iniciativa da JCA no Brasilno logrou seu objetivo, em boa parte devido m escolha da regio, tanto que, em poucos anos, as colnias Philipson eQuatro Irmos viram-se abandonadas pelos colonos, que foram trocando a agricultura pelo comrcio nas vilas e cidadesprximas, acabando por se concentrarem na capital do Estado, a prspera cidade de Porto Alegre, onde com o tempo sedesenvolveu uma significativa coletividade judaica - a terceira do pas.

    2) Nas cidades do Rio de Janeiro e So Paulo, a parcela mais substancial dos imigrantes proveio de uma pequenaregio do sul da Rssia, mais precisamente, da parte norte da Bessarbia; , assim, historicamente justo reconhecer osimigrantes bessarabianos do incio do sculo XX como grupo germinativo da coletividade judaica moderna do Brasil.

    3) O quadro das principais concentraes israelitas do Brasil, no ano de 1910 - s vsperas do incio da vida judaicaorganizada no pas - pode ser apresentado nestes termos sucintos: no extremo norte o agrupamento da Amaznia,datando de 1822, isolado e conservantista, de origem norte-africana; no extremo sul - o conjunto de colnias judaicas doRio Grande do Sul, com imigrantes de origem russa; e no sudeste - o possante binrio Rio de Janeiro - So Paulo, comnumerosos ncleos satlites, resultante de uma imigrao cosmopolita.

    Conquanto ainda no existissem quaisquer ligaes de grupo mais firmes entre essas diversas aglomeraes judai-cas, entretanto fato digno de registro que em 1910 j existia no Brasil uma coletividade judaica em potencial, quepraticamente abarcava todo o territrio nacional; uma rica infra-estrutura, sobre a qual viriam em breve apoiar-se as vastase homogneas ondas imigratrias do leste europeu - Bessarbia, Ucrnia, Polnia, Litunia, Romnia - consolidadoras damoderna coletividade israelita do Brasil (*). (*) O quadro da populao judaica do Brasil, na comeo do Sculo XX, ficariaincompleto se no fosse mencionada a existncia ento, no Rio de Janeiro, e tambm em So Paulo, de fortes contingen-tes israelitas de categoria inteiramente distinta, quer no tocante aos motivos da sua imigrao, como no referente ao seugnero de ocupao. Trata-se dos judeus ligados ao mercado do meretrcio, o ominoso trfico das brancas que operavadentro do quadro de uma grande organizao internacional. Socialmente isolados pela coletividade judaica nascente, quecom eles no queria ser confundida, esses elementos marginais - chamados tmim (impuros) e tambm linke (esquerdos) no tiveram oportunidade de contribuir para a formao da moderna comunidade israelita do Brasil, sendo que, depoisde 1930, sobretudo por motivos de represso legal, eles foram rareando e afinal desaparecendo, sem deixar vestgios.

    Em 1911 que teve verdadeiramente incio a vida judaica organizada no Brasil, em seu ciclo moderno. No Rio deJaneiro, foi fundada, no referido ano, uma sinagoga - Bet Iacov; no ano seguinte - a sociedade de Ajuda FraternalAchiezer; em 1913, a organizao sionista Tiferet Zion; e em 1916 - o Comit em prol das Vtimas da Guerra, bem como aBiblioteca Sholem Aleichem - esta de se considerar a primeira instituio cultural judaica do Brasil - afora outras associa-es de menor vulto. Em So Paulo, na mesma poca, foi fundada, em 1912, a Comunidade Israelita; em 1915 - aSociedade Beneficente Feminina; e em 1916 - a Instituio Beneficente Ezra, a Biblioteca Judaica, o centro sionista

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  • Ahavas Zion, e o Comit de Auxilio s Vtimas da Guerra. Tambm em Porto Alegre foram, no correr da segunda dcada,criadas vrias instituies religiosas, filantrpicas e educacionais, merecendo-se destacar a fundao, em 1915, dos pri-meiro rgo de imprensa judaica no Brasil, um semanrio redigido em idish, sob o nome de Di Mentshait (A Humanida-de). Cabe, finalmente, mencionar ainda a cidade de Curitiba, onde, j em 1913, a reduzida populao judaica se organizouem torno de um centro social.

    Mas, se foi to dinmica a atuao organizacional judaica ao longo do segundo decnio do sculo, certo que nume-ricamente a coletividade permaneceu pequena, e s depois de terminada a Primeira Guerra Mundial que a imigraoteve um forte incremento, de um lado porque ento j se desvanecera entre os judeus brasileiros a aspirao de regressar Europa, pelo que mandavam buscar seus parentes para aqui se radicarem, e do outro lado porque, naquela altura, ogoverno americano havia imposto severas restries imigrao nos Estados Unidos. Sobretudo no decorrer do perodo1920-1930, foram ininterruptas as levas de imigrantes judeus vindos da Europa oriental, circunstncia que deu extraordi-nrio impulso vida coletiva judaica no Brasil; com singular entusiasmo, foram sendo criadas, inclusive nas cidadesmenores, instituies de toda sorte - sinagogas, escolas, sociedades beneficentes, bibliotecas, centros sociais, clubesjuvenis, grupos dramticos e rgos de imprensa.

    Quanto ao campo educacional - muito ajudado pela JCA - basta mencionar que, ao findar a terceira dcada do sculo,havia funcionando no pas nada menos que 27 escolas judaicas. No setor da imprensa, h a assinalar, naquele perodo, osurgimento dos jornais Dos Idishe Vochenblat (Semanrio Israelita), fundado em 1923, Di Idishe Folkstzaitung (A GazetaIsraelita), em 1927, rgo de elevado gabarito, e Di Idishe Presse (A Imprensa Israelita), em 1930, todos surgidos no Riode Janeiro, e A Gazeta Israelita, fundada em 1931, em So Paulo. E mesmo a produo literria eclodiu nesse perodo comlivros de poesias e contos, em hebraico e idish.

    Cabe ressalvar apenas que a situao econmica da coletividade judaica no acompanhou esse surto surpreendenteda sua vida scio-cultural, e isto, em parte, por causa dos reflexos da depresso mundial. Com exceo de uma parcelaque se encaminhou para a indstria (txtil, de confeces e de mveis), especialmente em So Paulo, e para o comrciovarejista (tecidos e mveis), o resto, ou seja a grande maioria dos imigrantes, dedicou-se ao comrcio ambulante (klientle),ramo este trabalhoso e de rendimento em geral discreto.

    No ano de 1933, a vida judaica penetrou em nova fase, tumulturia e decadente. Como fator mais pondervel, de seapontar o regime restritivo imigrao, institudo em 1931. Sem o constante refrescamento imigratrio que caracterizou odecnio anterior, s a inrcia fez com que a vida coletiva judaica ainda prosseguisse viosa por mais uns poucos anos. Emacrscimo, sobreveio no ano de 1933 o movimento nazista, cujo espectro acabou atingindo as plagas do Brasil; fascinadospelo prestgio alemo, alguns componentes de um partido brasileiro quiseram, numa imitao ingnua, disseminar peloBrasil o mito racial, mas, mesmo ento, com todas as condies conjunturais favorveis, tanto no pas como no campointernacional, a tentativa fracassou redondamente, por falta de ressonncia da parte do povo.

    Liberta dos sobressaltos provocados por esse ensaio anti-semita, a coletividade judaica passou, entretanto, a sofreros efeito de certos atos legais restritivos s atividades de estrangeiros em geral, um de tais atos, baixado em 1939,exigindo que os jornais em lngua estrangeira inserissem a traduo dos artigos publicados, e o outro, em 1941, interditan-do totalmente a publicao de jornais em lnguas estrangeiras; alm disso, ficou praticamente proibido usar o idish nasreunies e assemblias.

    Amordaada, assim, a imprensa idish - embora sem inteno especfica - e freada a liberdade de reunio, a vida socialjudaica ficou por vrios anos reduzida a atividades religiosas e beneficentes, cabendo mencionar a este respeito o valiosoconcurso trazido pelos imigrantes judeus alemes, que comearam a afluir ao Brasil depois de 1933, e que, com muitaeficincia, organizaram suas prprias instituies.

    Resta entretanto ressalvar que a educao judaica no decaiu de ritmo durante essa fase sombria, o mesmo se dandocom a produo literria, que prosseguiu razoavelmente nas suas propores discretas.

    E quanto imprensa judaica, que teve, lamentavelmente, silenciados os seus rgos em idish, h a assinalar depositivo o surgimento, no Rio de Janeiro, em 1942, de uma bem estruturada revista semanal, Aonde Vamos, redigidaem portugus, idioma em que tambm foram publicados com xito os peridicos Jornal Israelita (Rio) e A Civiliza-o (So Paulo).

    Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, os ideais democrticos voltaram a dominar o pas, dando azo a quese reanimasse a vida coletiva dos judeus do Brasil. Conhecido o saldo trgico da hecatombe europia, com a perdapesadssima de seis milhes de almas judias, cresceu sobremaneira entre os judeus brasileiros a conscincia de solidari-edade grupal, o senso de responsabilidade pela sobrevivncia judaica no mundo, agora repousando mais acentuadamen-te sobre os ombros do judasmo americano. Por um lado, formaram-se e reorganizaram-se ento instituies para ajudar

    Compilao de Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos 12

  • os provveis imigrantes da Europa, indo-se ao extremo de fundar duas grandes escolas profissionais ORT, no Rio e emSo Paulo, destinadas a facilitar aos refugiados a sua integrao na economia do pas; por outro lado, revigorou-se o idealsionista e multiplicaram-se as respectivas atividades, que atingiram o auge com o advento do Estado de Israel, em 1948.

    A educao judaica intensificou-se sensivelmente depois de 1945, embora no chegasse jamais a contemplar seno20 a 30% das crianas em idade escolar. A imprensa em idish ressurgiu com muita vitalidade a partir de 1947, com a IdishePresse e Idishe Tzaitung, no Rio de Janeiro, e Undzer Shtime e Der Naier Moment, em So Paulo, ao lado de diversosperidicos judaicos em portugus. E a produo literria prosseguiu satisfatoriamente, com vrios livros publicados degnero diversificado, em idish e portugus, sobre temas judaicos e gerais. Tambm as atividades associativas tiveramforte incremento, com a fundao de numerosas instituies religiosas e clubes recreativos culturais de alto gabarito, noRio de janeiro e em So Paulo, e mesmo nos centros menores, afora a criao de Federaes e uma ConfederaoNacional. Finalmente, a situao econmica no ps-guerra experimentou enorme avano, tendo os judeus brasileirosquase abandonado a mercancia ambulante para progressivamente penetrar na indstria e no grande comrcio. Entretan-to, a partir de 1955, a vida scio-cultural judaica passou a definhar qualitativamente, fato este que se pode atribuir a vriascircunstncias de efeito conjugado: 1) a sensvel melhoria do nvel econmico dos judeus brasileiros e conseqente enfra-quecimento do seu esprito gregrio; 2) a consolidao e relativa normalizao do Estado de Israel e conseqente reduodo seu poder galvanizador; 3) a irresistvel ao assimilante do ambiente no-judaico;

    4) o imprio da improvisao nas atividades de criao e conduo das instituies, sem planejamento e semenquadramento democrtico em entidades-teto; e 5) a falta de entrosamento entre os lderes da gerao pioneira,refratrios evoluo do processo social judaico, e a nova gerao, vida de uma orientao mais condizente com oesprito da poca.

    CONCLUSO

    A histria dos judeus no Brasil uma longa e honrosa trajetria, pontilhada sem dvida de sofrimentos, mas tambmrepleta de sucesso, traduzido em contribuies positivas e fundamentais para o desenvolvimento do pas e para a forma-o do seu povo.

    Na explorao das costas brasileiras, no desbravamento do interior, no progresso da lavoura, do comrcio e dasindstrias, enfim nos movimentos ideolgicos de emancipao poltica da terra - em tudo os judeus dos sculos passadosdeixaram marcas indelveis da sua participao ativa, e tudo eles impregnaram do seu senso progressista e dos seusvalores de cultura; por outro lado, em conseqncia de ampla miscigenao ao longo de centenas de anos, entraram elespoderosamente na composio tnica nacional, e transmitiram ao brasileiro de hoje largos contingentes ticos, antropol-gicos e culturais.

    Os judeus brasileiros do sculo XX vm prosseguindo na mesma trilha construtiva e, conquanto no guardem estritacontinuidade com as populaes israelitas de antanho, eles tm, como coletividade, todos os motivos para se apossaremdaquele patrimnio histrico, de o integrarem com a sua prpria contribuio e, portanto, de se terem por legtimos partcipesda nacionalidade. Eis que seus ancestrais, por quatro sculos, foram deixando um legado precioso ao pas. Quatro scu-los: nem sequer um dia menos que a prpria histria do Brasil!

    Captulo IIDESCOBRIMENTO DO BRASIL (1500)Contribuio judaica ao descobrimento do BrasilO judeu Gaspar de Lemos, primeiro explorador do Brasil

    CONTRIBUIO JUDAICA AO DESCOBRIMENTO DO BRASIL

    Verificou-se o descobrimento do Brasil numa poca em que Portugal estava no auge da sua expanso no mundo.No era ento somente a glria militar ou a busca romanesca de aventuras, ou ainda o desejo de dilatar a f catlica,

    que impeliam os portugueses s suas grandiosas expedies martimas, em que singravam mares nunca dantes navega-dos, intimoratos aos perigos, insensveis s provaes.

    Ao lado desses motivos, e qui acima deles, o esprito comercial dominava as expedies. Visavam os portuguesesquebrar o monoplio que at ento, por intermdio das caravanas rabes, mantinham venezianos e genoveses sobre ointercmbio mercantil com os portos do Levante, e desse modo assegurar a Portugal a posio de centro as grandes

    13 Compilao de Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos

  • atividades econmicas da poca, a funo de emprio de produtos e especiarias intensamente procurados pelos meiosconsumidores da Europa.

    Fossem quais fossem, entretanto, os mveis do alargamento martimo de Portugal, o certo que ele no lograriaproduzir-se sem o longo perodo de descobertas e aperfeioamentos cientficos, que precedeu o grande ciclo das conquis-tas, e no qual tiveram papel de sumo relevo os sbios da poca.

    Desde o sculo XII, alis, vinham os judeus ibricos se distinguindo extraordinariamente nos domnios da matemtica,astronomia e geografia, cincias essas bsicas para a arte nutica, especialmente para a navegao ocenica.

    Merecem meno, entre muitos outros:ABRAHAM BAR CHIA Autor das obras Forma da Terra, Clculo do Movimento dos Astros e Enciclopdia;ABRAHAM IBN ESRA Autor de Utenslios neos, Tratado do Astrolbio, Justificao das Tbuas de Kvarismi e Tbu-as Astronmicas;JOO DE LUNA Que escreveu Eptomes de Astrologia e Tratado do Astrolbio;JACOB BEN MACHIR Que escreveu Tratado do Astrolbio e inventou um instrumento de observao, chamadoQuadrante de Israel;ISAK IBN SAID Que elaborou um resumo concatenado das obras sobre astronomia dos gregos e rabes; RAB LEV BENGERSON (GRSONIDES) Que escreveu as obras Tratado sobre a Teoria e Prtica do Clculo, Dos Nmeros Harmnicos,Tbuas Astronmicas sobre o Sol e a Lua e Tratado sobre a Balestilha, e construiu dois importantes instrumentos: acmara escura e o telescpio, cuja inveno geralmente atribuda a outros;ISAAC ZADDIK Que escreveu Tbuas Astronmicas, Tratado sobre Instrumentos Astronmicos e Instrues para oAstrolbio de Jacob Ben Machir.

    Esse vicejante movimento cientfico foi de forma excelente aproveitado pelos governantes portugueses em prol daascenso do seu pas posio de grande potncia naval.

    Assim, o infante D. Henrique, apelidado O Navegador, ao fundar, em 1412, a primeira academia de navegao, atradicional Escola de Sagres, escolheu para sua direo um dos mais famosos cartgrafos do sculo XV, o judeu JehudaCrescas, indo busc-lo, especialmente, nas Ilhas Baleares.

    Jehuda Crescas, tambm conhecido como mestre Jcome de Malorca e ainda comumente chamado El judio de lasBrjulas - devido sua grande experincia na fabricao de bssolas - teve por essencial misso ensinar aos pilotosportugueses os fundamentos da navegao e a produo e manejo de cartas e instrumentos nuticos.

    Mais tarde, outros judeus de renome cientfico prestaram sua colaborao Escola de Sagres, destacando-se ossbios Jos Vizinho, mestre Rodrigo e, sobretudo, Abraham Zacuto - autor do Almanaque Perptuo de todos os Movimen-tos Celestes - figura de grande influncia em todas as decises que diziam respeito aos interesses do Estado, inclusiveportanto s expedies ocenicas, uma das quais - a importante e bem sucedida viagem de Vasco da Gama que trouxe adescoberta do caminho martimo ndia - foi por ele planejada.

    Afigura-se, desse modo, evidente que, em grande parte, a cooperao cientfica dos judeus do sculo XV tornoupossvel as viagens transocenicas e as descobertas realizadas pela frota lusitana.

    Mas, a contribuio judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas terras para a coroa portuguesa no selimitou ao campo cientfico de feio preparatria, seno tambm se traduziu na participao direta das temerriasviagens, nas quais os judeus se revelaram de vital utilidade, graas inclusive ao conhecimento que tinham das lnguase costumes de vrios pases.

    Assim, tambm tomaram parte saliente na expedio que resultou no descobrimento do Brasil, pois que, na frotadirigida por Pedro lvares Cabral, viajaram como conselheiros especialistas pelo menos dois judeus:

    Mestre Joo, mdico particular do rei e astrnomo equipado com os instrumentos de Abraham Zacuto, e que tinhacomo incumbncia realizar pesquisas astronmicas e geogrficas; e Gaspar de Lemos, tambm conhecido como Gasparda Gama e Gaspar das ndias, intrprete e comandante do navio que levava os mantimentos, e justamente consideradopelos historiadores como co-responsvel pelo descobrimento do Brasil.

    O JUDEU GASPAR DE LEMOS, PRIMEIRO EXPLORADOR DO BRASIL

    A importncia que merece atribuir participao de Gaspar de Lemos da expedio que descobriu o Brasil ressaltadesde logo da circunstncia de haver decorrido de uma ordem rgia vazada em termos elogiosos, conforme refere GasparCorreia nas Lendas da ndia:

    El Rei entregou ao Capito-mor Gaspar da Gama (Gaspar de Lemos), o judeu, porque sabia falar muitas lnguas, a

    Compilao de Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos 14

  • que El Rei deu alvar de livre e frro de sua comdia em terra dez cruzados cada ms, muito lhe recomendando que oservisse com Pedralves Cabral, porque se bom servio lhe fizesse, lhe faria muita merc; e porque sabia as coisas dandia, sempre bem aconselhasse ao Capito-mor o que fizesse, porque este judeu tinha dado a El Rei muita informaodas coisas da ndia mormente de Ga.

    Divergindo embora os historiadores quanto origem de Gaspar de Lemos e sua vida at haver entrado em contatocom os portugueses, a verso mais aceita a que o d como judeu nascido na Polnia, de onde foi expulso ou teve quefugir em 1450, quando criana, por no ter querido sua famlia converter-se ao cristianismo. Aps uma longa peregrinaoatravs da Itlia, Terra Santa, Egito e vrios outros pases, teria resolvido permanecer em Ga, na ndia, ali adquirindoprestgio e vindo a ocupar a funo de capito-mor de uma armada pertencente a um rico mouro na ilha de Arquediva.

    Foi nessa ilha que Vasco da Gama, em 25 de setembro de 1498, ao regressar de uma viagem ndia, conheceuGaspar de Lemos, que se lhe apresentou a bordo como cristo e prisioneiro do poderoso Saboya, proprietrio da ilha.

    No tendo conseguido burlar a perspiccia de Vasco da Gama, este depressa forou-o a confessar que tinha sob suasordens quarenta navios com instrues de Saboya para, na primeira oportunidade, atacar a frota lusitana.

    Paradoxalmente, o incidente acabou gerando uma slida amizade de Vasco da Gama por Gaspar de Lemos, a quemlevou consigo para Portugal, onde o apadrinhou no batismo, deu-lhe o seu nome - pelo que passou a chamar-se Gaspar daGama - e apresentou-o ao rei, D. Manoel, que o fez pessoa grata na corte e o nomeou cavalheiro de sua casa.

    Na falta de elementos informativos seguros sobre o real papel desempenhado por Gaspar da Gama no descobrimentodo Brasil, h quem admita inclusive que, apoiado na sua enorme experincia de viagens martimas, tivesse ele intencional-mente induzido Pedro lvares Cabral a afastar-se da frica por acreditar na existncia de outras terras na direo oeste davastido dos mares.

    Seja como for, e ainda que sem fundamento tais suposies avanadas, permanece fora de dvida que Gaspar daGama fez jus ao epteto de o primeiro explorador da terra, que lhe d Afrnio Peixoto, e mesmo ao de co-descobridor doBrasil, que lhe atribui Alexandre Von Humboldt.

    Captulo IIIPRIMEIRAS EXPLORAES DO BRASIL (1501 - 1515)

    O arrendamento do Brasil e o ciclo do pau-brasilFernando de Noronha, o arrendatrio judeu

    O ARRENDAMENTO DO BRASIL E O CICLO DO PAU-BRASIL

    Logo nos primeiros anos aps a descoberta do Brasil, arrefeceu o interesse do rei D. Manoel pela nova terra. Aexpedio enviada costa do Brasil no ano de 1501, e que regressou a Portugal em 1502, no apresentou resultados quefossem de molde a entusiasmar o Governo portugus, cpido do mito do metal, pois no Brasil nada fra encontrado deproveito, exceto infinitas rvores de pau-brasil, de canafstula, as de que se tira a mirra e outras mais maravilhas danatureza que seriam longas de referir (carta de Amrico Vespuccio a Soderini).

    A corte era naquele tempo verdadeiramente uma grande casa de negcio e, como, por um lado estivesse fundamenteabsorvida com as dispendiosssimas expedies ndia, onde pretendia estabelecer um vasto imprio colonial, e, poroutro lado, no enxergasse lucros apreciveis e imediatos na explorao do Brasil, este ia sendo relegado a um simplesponto de ligao nas viagens ndia, uma escala de refresco e aguada. assim de todo compreensvel que, tendo omonarca recebido em 1502, de um consrcio de judeus dirigido pelo cristo-novo Fernando de Noronha, uma propostapara explorao da nova colnia mediante contrato de arrendamento, ele a aceitasse de bom grado; era a colonizao doBrasil que se lhe oferecia, para ser feita a expensas de particulares, sem riscos e sem nus ou quaisquer encargos para oerrio pblico, e ainda com a possibilidade de lhe serem proporcionados lucros e de, sob certa forma, ser sustentada,ainda que fracamente, a autoridade portuguesa na nova possesso.

    O acordo - que era um monoplio de comrcio e de colonizao - foi firmado em 1503, pelo prazo de 3 anos, ecompreendia os seguintes principais compromissos dos arrendatrios:1. Enviar seis navios anualmente;2. Explorar, desbravar e cultivar, cada ano, uma nova regio de 300 lguas;3. Construir nessas regies fortalezas e guarnec-las durante o prazo do contrato;4. Destinar Coroa, no segundo ano do arrendamento, a sexta parte das rendas auferidas com os produtos da terra, e, no

    15 Compilao de Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos

  • terceiro ano, a quarta parte das mesmas.Esse contrato foi, com algumas modificaes, sucessivamente renovado em 1506, 1509 e 1511, estendendo-se at

    1515.No prprio ano do contrato inicial - mais precisamente, em maio de 1503 - desferrou de Portugal com destino ao Brasil

    a primeira frota, composta de seis navios, sob o presumvel comando pessoal de Fernando de Noronha, tendo aportadoem 24 de junho de 1503 a uma ilha at ento desconhecida, que inicialmente recebeu o nome de So Joo, mais tardetrocado para Fernando de Noronha em reconhecimento aos mritos do seu descobridor, a quem acabou sendo doadapelo rei em 1504.

    Nesse ano de 1504, os navios de Fernando de Noronha voltaram para Portugal com enorme carregamento de pau-brasil (tambm chamado madeira judaica), artigo ento grandemente procurado nos mercados europeus para as inds-trias de corantes.

    To intenso se tornou o comrcio do pau-brasil durante o arrendamento do Brasil a Fernando de Noronha - exporta-vam-se nada menos de 20.000 quintais por ano - e de tal importncia econmica ele se revestiu, que deu origem denominao de ciclo do pau-brasil, sob a qual conhecido aquele perodo, alm de ter determinado a adoo do nomedefinitivo da terra - Brasil, em substituio ao de Santa Cruz (ou ainda Terra dos Papagaios), como era antes designada.

    Fernando de Noronha, o arrendatrio judeu Fernando de Noronha - tambm chamado Ferno de Noronha ou Fernode Loronha - foi sem dvida uma personalidade marcante na vida pblica de Portugal.

    Homem de extraordinria atividade e singular viso comercial, no tardou a entrosar muitos e vultosos negcios coma crte, a qual no lhe regateou manifestaes de reconhecimento pela sua destacada contribuio ao desenvolvimentocomercial e martimo do reino, concedendo-lhe vrios ttulos nobilirquicos, afora a permisso de usar o braso que lheconferira a Coroa Inglesa.

    Admite-se que Gaspar da Gama, ao voltar do Brasil, teria sugerido a Fernando de Noronha a convenincia de ser anova colnia portuguesa utilizada como refgio para os judeus perseguidos, e que essa sugesto teria induzido Fernandode Noronha a propor ao Governo o arrendamento do Brasil, visando assim facilitar a transmigrao judaica.

    Refere-se subsidiariamente, com base em documentos do arquivo da Torre de Tombo, que Fernando de Noronha,para ajudar o xodo de numerosos judeus, comprava-lhes as propriedades que, de outro modo, teriam de perder.

    Esses e outros indcios tm levado muitos historiadores a admitirem a origem judaica de Fernando de Noronha.Que tenha ou no tenha sido Fernando de Noronha descendente de judeus, cristo novo ou criptojudeu, no envolve

    especial interesse. Importa antes a afirmativa, de consenso geral, de que, nas expedies comerciais do sindicato deFernando de Noronha, judeus constituam a maioria, cabendolhes assim o mrito de terem lanado no solo da nova ptriaos primeiros marcos da civilizao.

    Captulo IVPRIMEIRA COLONIZAO (1515 - 1530)

    Expedies de guarda-costasPrimeiras tentativas de colonizao dirigidaParticipao dos judeus na introduo da cana de acar

    EXPEDIES DE GUARDA-COSTAS

    Tendem os historiadores a considerar que, at 1530, a Coroa pouco se importou com o aproveitamento do Brasil, nofaltando mesmo quem tache, englobadamente, de perodo da indiferena toda a fase de 1500 a 1530.

    Parece, entretanto, haver exagero em tal juzo, que s justamente aplicvel ao perodo 1500-1515, durante o qual,como visto no captulo anterior, o Brasil chegou a ser arrendado, todo ele, a uma empresa comercial, dirigida por Fernandode Noronha.

    Na verdade, o prprio fato de no ter sido prorrogado em 1515 o contrato de arrendamento com Fernando de Noronha- sem que jamais fosse dada qualquer explicao dessa soluo de continuidade - leva a supor que o Governo de Portugal,na altura do ano 1515, despertara para a realidade: teria que tomar conta do vastssimo territrio brasileiro se no quisessedispor-se ao risco de perder o comrcio com ele e mesmo a soberania.

    Efetivamente, tal perigo era real, pois, quele tempo, o litoral brasileiro era tambm freqentado grandemente por france-ses contrabandistas, que procuravam traficar com os indgenas, infringindo assim o monoplio portugus do pau-de-tinta.

    Compilao de Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos 1 6

  • Tudo parece confirmar, portanto, que tenha sido para obviar os aludidos perigos que o Governo de Portugal recorreua um duplo programa de medidas: por um lado, organizou armadas, ditas de guarda-costa, em cujo comando se notabili-zou Cristvo Jaques, para reprimir o comrcio dos entrepolos, sabendo-se de trs expedies, entre 1516 e 1519, 1521e 1523, e entre 1526 e 1528; por outro lado, tomou medidas de incentivo colonizao do Brasil, facilitando o embarquede todos quantos quisessem partir como colonos.

    PRIMEIRAS TENTATIVAS DE COLONIZAO DIRIGIDA

    Tem-se mesmo notcia de um decreto, baixado em 1516 por Dom Manuel I, rei de Portugal, segundo o qual todoaquele que emigrasse para o Brasil receberia, por conta da Coroa, o equipamento necessrio para a construir um enge-nho de acar, no se tendo o decreto descuidado de ordenar que fosse enviado um perito nova colnia a fim de dar anecessria assistncia.

    O decreto dizia explicitamente em certo trecho: Machadinhas, enxadas e outros instrumentos devero ser dados spessoas que vo popular o Brasil e um homem experiente e capaz dever ser enviado ao Brasil para dar incio a umengenho de acar. Dever receber toda a assistncia e materiais e instrumentos necessrios para a construo doengenho.

    A despeito das facilidades concedidas pelo Governo, sabe-se que eram todavia raros os colonos portugueses cristosque quisessem emigrar para o Brasil - provavelmente em virtude da atrao que sobre eles continuava a exercer a ndia -razo por que, ao lado de criminosos, condenados ou exilados, se destacaram os voluntrios judeus, constituindo amaioria das levas imigratrias.

    Ao que tudo indica, as providncias tomada pelo Governo de Portugal trouxeram os resultados almejados, pois docu-mentos de 1526 j se referem a direitos alfandegrios pagos em Lisboa sobre acar importado do Brasil.

    PARTICIPAO DOS JUDEUS NA INTRODUO DA CANA DE ACAR

    A suposio de que predominavam os judeus entre esses primeiros colonizadores do Brasil corroborada pelo fatoinconteste de que a indstria do acar j vinha sendo, desde muitos anos antes, a ocupao preferencial dos judeus dasilhas da Madeira e de So Tom, de onde provavelmente foi a cana de acar transplantada para o Brasil.

    Assim, pois, nesse perodo de transio, de 1515 a 1530, em que o Governo de Portugal fez os primeiros ensaios decontrole e ocupao do territrio brasileiro, parece ter cabido aos judeus uma parcela fundamental no cumprimento dessatarefa, como primeiros colonizadores do Brasil.

    Captulo VCOLONIZAO SISTEMTICA(1530 - 1570)Expedio de Martim Afonso de SousaBahia e So VicenteCapitanias HereditriasGovernos GeraisAs figuras histrico-lendrias de Caramuru e Joo RamalhoO papel dos judeus no perodo de 1530 a 1570

    EXPEDIO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA

    Verificando que as esparsas expedies de guarda-costa e os reduzidos ensaios de colonizao, empreendidos noperodo de 1515 a 1530, eram insuficientes para afastar do Brasil os traficantes estrangeiros, j agora acrescidos deespanhis, que, alm de negociarem, mostravam intenes de aqui se estabelecerem, o rei de Portugal, D. Joo III,passou a uma ao decidida, visando a uma colonizao sistemtica em larga escala e pois a uma ocupao efetiva doterritrio brasileiro.

    Assim, em 1530, mandou ele aprestar uma armada com 400 homens, sob o comando do seu amigo Martim Afonso deSousa, a quem nomeou Capito-mor e Governador das Terras do Brasil, dandolhe autorizaes especiais de muitaamplitude, que abrangiam o direito de tomar posse de todo o pas, fazer as necessrias divises, ocupar todos os cargos,

    17 Compilao de Documentos Histricos e Achados Arqueolgicos

  • exercer todos os poderes judicirios, civis e criminais.A expedio de Martim Afonso de Sousa, dando cumprimento sua misso, cobriu, em 2 anos, todo o litoral brasileiro,

    estendendo-se desde o Amazonas at o rio da Prata.Bahia e So VicenteMerece notar, todavia, que Martim Afonso de Sousa concentrou as suas atenes em dois pontos do litoral, pontos

    esses que perdurariam ao longo de toda a histria do Brasil como focos de progresso: o Nordeste (Bahia-Recife) e oSueste (Rio-S. Paulo).

    Tal bicentrismo econmico e social, j pouco comum, raramente se estabelece to cedo na formao de pases comoocorreu no caso do Brasil, onde j em 1530 se delinearam os dois focos, que viriam exercer, com alternncia de relevo,uma influncia decisiva sobre a histria econmica do pas, at os nossos dias: o Nordeste predominando nos sculos XVIe XVII - ciclos do pau-brasil e do acar; o Sueste se sobressaindo no sculo XVIII, poca da minerao do ouro; umcurto ressurgimento setentrional; e, finalmente, um predomnio meridional definitivo no sculo XIX, ao influxo da grandeagricultura, especialmente da cultura do caf; tudo isso, sem prejuzo das perspectivas de franco progresso que tornam adesenhar-se para o Nordeste, embora sem afetar o centro-sul.

    Constituindo esse bicentrismo um fato em si notvel, acresce, como aspecto paradoxal, a circunstncia de que ambosos focos de progresso do pas se localizaram longe, e um de cada lado, da regio onde se deu o descobrimento.

    Evidentemente, no pode satisfazer o argumento da maior proximidade da costa nordestina com relao Europa,quando comparada com a regio de Porto Seguro, pois inclusive no explicaria a preferncia dada regio de SoVicente. Antes, deve-se admitir que havia no litoral sul da Bahia condies naturais adversas ao desbravamento e colonizao, no sendo de se excluir o fato de ser o clima daquele trecho da costa por demais chuvoso, quase noapresentando uma verdadeira estao seca no decorrer do ano.

    No que respeita questo dos judeus do Brasil, a existncia dos aludidos dois centros econmicos importantesmerece dois reparos: um de carter essencial, relativo s migraes internas dos judeus, os quais, sempre que acossadospelas perseguies no Nordeste, escolhiam em boa parte como refgio a provncia de So Vicente; o outro, de carterilustrativo, consiste na circunstncia de, em cada um dos aludidos pontos - Bahia e So Vicente (S. Paulo) - ter MartimAfonso de Souza encontrado um judeu influente - respectivamente, Caramuru e Joo Ramalho - que lhe prestasse decisi-vo auxlio na sua tarefa colonizadora.

    CAPITANIAS HEREDITRIAS

    Tendo verificado, pelas sucessivas expedies dos anos anteriores, a grande extenso litornea do Brasil e julgandoos meios at ento empregados insuficientes para assegurar a soberania portuguesa na colnia bem como para promovero seu povoamento, resolveu D. Joo III, em 1532, criar capitanias situadas ao longo da costa, medida que ps em prticaentre os anos de 1534 e 1536, mediante a diviso do litoral entre Maranho e Santa Catarina em 14 lotes, de 10 a 100lguas de costa, doando essas 14 capitanias hereditrias a 12 donatrios, escolhidos entre os nobres e mais valorososvassalos, os quais deviam explorar e colonizar sua custa as regies que lhes haviam sido confiadas, tudo fazendo peloseu rpido e seguro progresso.

    Apresentou-se a um novo motivo de estmulo para a vinda de judeus ao Brasil. Os donatrios, desejosos de imprimirprosperidade s suas capitanias, porfiavam em atrair colonos patrcios e, ainda desta feita, os portugueses cristos prefe-riam a ndia, cujos efeitos atrativos perduravam. No restava aos donatrios seno recorrer mais uma vez s famliasisraelitas, s quais concediam direitos e vantagens iguais aos dos demais colonos.

    Acrescia que os judeus se revelaram excelentes colonizadores: hbeis no trato com o gentio, a cujos hbitos e lnguaslogo se adaptavam, passando a contar depressa com a sua amizade.

    Assim, as possibilidades de progresso das capitanias dependia em bom grau dos judeus, e, graas a esta circunstn-cia, puderam eles gozar de ampla liberdade de costumes.

    Das capitanias, apenas duas se desenvolveram com resultados apreciveis: Pernambuco e So Vicente, justamentenos j aludidos dois focos de progresso - Nordeste e Sueste.

    Prosperidade excepcional conheceu a capitania de Pernambuco, superiormente dirigida por Duarte Coelho Pereira.Tendo verificado, pelas tentativas desenvolvidas nos anos precedentes, que a regio era favorvel agricultura - fumo,algodo e cana de acar - especialmente para esta ltima, resolveu Duarte Coelho implantar o cultivo intenso e sistem-tico de cana e incrementar a indstria aucareira.

    Nesse sentido, determino