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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Caxias do Sul - RS – 15 a 17/06/2017
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História e Análise Do Retrato Na Fotografia1
Janaine Bizotto Perboni
Universidade de Caxias do Sul
Resumo
Esta pesquisa inicia destacando o valor que o homem dá a sua representação imagética,
desde muito tempo, e como essa valorização se intensificou através da fotografia. Após,
constata-se o poder do retrato fotográfico de captar e representar os sentimentos que
envolvem as pessoas tanto ao serem fotografadas quanto ao observarem sua imagem ou
a imagem de alguém importante. Ao final, são feitas entrevistas semiestruturadas com
um fotógrafo, seu retratado e um espectador a fim de cruzar as informações de suas
percepções valendo-se da metodologia de análise estética pesquisada anteriormente.
Palavras-chave
Representação; Retrato; Sentimentos; Fenomenologia; Percepção;
1. A História Do Retrato Na Fotografia
A observação de imagens projetadas através da passagem da luz por um pequeno
orifício é um ato relatado desde antes de Cristo. Estes princípios serviram de origem à
fotografia, mas, antes disso, foram suporte para estudiosos e artistas que desenhavam e
pintavam pessoas, objetos e paisagens utilizando-se da projeção das imagens através do
artefato que, no período do Renascimento, foi denominado “câmera escura”.
(ROSEBLUM, 1997, p.192).
Apesar da praticidade que a câmera obscura proporcionava para os desenhistas e
pintores (artistas em geral), ela despertava certo incômodo causado pela limitação de
sua usabilidade (NEWHALL, 2002, p. 11); pode-se entender a frustração dos artistas
daquela época se fizermos uma analogia da câmera obscura com a câmera de um
aparelho celular da atual era tecnológica, apenas exibindo a imagem da câmera na tela,
sem que ela pudesse ser capturada e armazenada na memória do aparelho, logo,
entende-se o desejo de fixar a imagem que era projetada pela câmera obscura. Esse
interesse do ser humano em captar a imagem sobre uma superfície tem relação com a
1 Trabalho apresentado no IJ 8 – Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XVIII Congresso de
Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 15 a 17 de junho de 2017.
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visão que é um dos sentidos mais importantes para o homem, pois ele aprende, através
dela, muita coisa sobre o mundo.
O desejo de ter a reprodução de sua imagem, cenas ou momentos, fez com que
muitas pessoas tentassem de alguma forma fixar as imagens da câmera obscura. Então
se iniciou uma ardente busca pela descoberta de elementos que pudessem fixar a
imagem em uma superfície, sem precisar da interferência da mão humana para isso
acontecer. (NEWHALL, 2002, p. 11) A primeira pessoa a tentar registrar a ação da luz
sobre uma superfície foi o inglês Thomas Wedgwood. Ele já fazia uso da câmera
obscura para seus trabalhos com cerâmica e já tinha conhecimento a respeito do
experimento de Schulze (um estudioso que descobriu que os sais de prata eram
sensíveis à luz). Wedgwood iniciou seus experimentos pouco antes dos anos 1800,
porém não conseguiu fazer grandes avanços. Quem realmente se destacou foi o francês
Joseph-Nicéphore Niepce que, primeiramente, conseguiu imagens em negativo, mas,
não satisfeito, buscou uma substância que diante da luz se tornasse clara, para tornar a
imagem um positivo, ou seja, tal como enxergamos, mas em tons de preto e branco e
cinza. Ele fez uso de uma substância chamada Betume da Judeia que ao ser exposta a
luz, endurecia e quando não exposto, dissolvia em azeite de lavanda, e obteve sucesso
em uma experiência utilizando estas substâncias e um desenho sobre uma placa de
cobre. As partes com betume que foram expostas tornavam-se insolúveis, mas o que
estava coberto pelas linhas do desenho era removido com o azeite de lavanda, deixando
na placa o real desenho feito pela luz, sem que houvesse interferência direta de ninguém
além da própria natureza dos elementos. Além de utilizar placas de cobre, ele passou a
fazer positivos em placas de metal e vidro; ele nomeou este processo como heliografia .
A única imagem que prova seu êxito foi feita em 1827 apesar de existirem cartas que
relatam sucesso com o experimento dez anos antes. Em uma viagem a Londres para
visitar seu irmão enfermo e levando várias heliografias, ele aproveitou a viagem e
visitou em Paris o pintor e litógrafo Louis-Jaqcues-Mandé Daguerre que ficou sabendo
da descoberta de Niépce e tinha interesse acerca da captura e fixação da luz em função
de possuir uma famosa casa de entretenimento chamada Diorama, nela, ele apresentava
espetáculos visuais fazendo uso de efeitos sonoros e de iluminação que eram projetados
sobre as suas grandes pinturas a fim de impressionar o público e ele realmente
conseguia pois tornou-se reconhecido e adorado.
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Impressionado com a descoberta de Niépce, Daguerre o convence a firmarem
uma sociedade principalmente pelo fato de Daguerre ter facilidade em conquistar o
público, o que faria a invenção ser rapidamente vista e aceita, e consequentemente
geraria muito lucro. O acordo aconteceu em 1829, e deveria ter duração de 10 anos.
Porém quatro anos depois, Niépce falece e Daguerre segue aprimorando as técnicas para
criação da imagem através da luz. Em 1838, Daguerre consegue finalmente patentear
um processo eficaz e que posteriormente passa a ser comercializado; o instrumento
criado por Daguerre foi chamado de daguerreótipio. Após a divulgação do
daguerreótipo, outras pessoas se manifestaram afirmando já terem descoberto técnicas
parecidas de fixação da luz, dentre eles destacam-se Hippolyte Bayard e William Henry
Fox Talbot por conseguirem fixar imagens em papel e Hercules Florence, francês
radicado no Brasil, que a pouco tempo entrou para história da fotografia como um
descobridor isolado e que graças às pesquisas de Boris Kossoy, comprovam seu
descobrimento três anos antes de Daguerre. Curiosamente, ele parece ter sido quem
nomeou a fotografia como assim é chamada sendo que o nome vem do Grego photos –
luz e grafos – escrita (ROSEBLUM, 1997, p.195, tradução nossa).
2. A Importância Social Do Retrato
Newhall (2002, p. 17) afirma que o desejo das pessoas comuns de terem sua
imagem retratada por um preço acessível era grande, pois somente a alta sociedade tinha
condições de contratar um pintor e em 1839, o processo de daguerreotipia poderia levar
até 60 minutos, tempo longo demais para uma pessoa ficar imóvel e ser fotografada.
Kubrusly (1991, p.42) cita o fato de que “O homem só não foi o primeiro tema da
fotografia por razões técnicas”. Acidentalmente, a primeira fotografia que registrou a
imagem de uma pessoa, foi feita por Daguerre em 1838 do alto de uma rua de Paris. A
fotografia icônica registrou um homem que decidiu engraxar seus sapatos e o ato durou
tempo suficiente para registrar sua silhueta (ROSEBLUM, 1997, p. 17, tradução nossa).
Segundo Kubrusly (1991, p.44), o desejo de fotografar pessoas e o desejo das
pessoas de serem fotografadas contribuiu para avanços químicos e óticos, então, em
1841, o retrato fotográfico de pessoas torna-se finalmente possível (mas não
instantâneo). A partir de então, surgem os primeiros estúdios fotográficos juntamente
com um público ansioso para obter suas fotografias, apesar do processo para imobilizar
as pessoas diante da câmera, ser um tanto macabro. O aparato utilizado para fixar as
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pessoas deveria ficar escondido, mas nem sempre isso era possível, o que trazia a
necessidade de se fazerem retoques na fotografia a fim de excluir da cena a lembrança
dos desconfortáveis e longos minutos pousando em frente à câmera e também por
consequência disso, segundo Fabris (1998, p.22) os retratados piscavam várias vezes
trazendo a necessidade de retocar ou desenhar seus olhos na imagem final, o que era
feito normalmente com lápis, carmim, grafite ou esfuminho e também levou os
fotógrafos a utilizarem técnicas de coloração das fotografias com óleo e anilina. Na
realidade essas técnicas de retoque tornaram-se tão comuns, que passaram a ser
realizadas por miniaturistas ou pintores de segunda linha que recebiam as informações
do fotógrafo sobre as características do modelo para fazer a pintura da imagem.
Tantas técnicas diferentes sendo praticadas deram força à popularização da
fotografia, incentivando o mercado a se reinventar. Por volta dos anos 1880 surge o
chamado cartão de visita, inventado por Desidéri, onde eram feitas oito fotografias de
uma vez só em um tamanho pequeno de 6x9cm barateando seu custo e garantindo que o
retrato fotográfico chegasse às classes menos favorecidas. Desidéri introduz a ideia da
criação de um cenário e também caracterização de quem iria ser fotografado para tentar
disfarçar a pobre condição financeira e social, mas Fabris (1998, p.21) relata que era
notável no resultado das fotos que não se conseguia disfarçar o “acanhamento” ou a
“timidez” da pose e do olhar dos fotografados, por estarem fingindo ser algo que não
eram, usando roupas que nem mesmo cabiam em um cenário enfeitado com
“decorações exóticas ” visando dar um ar de “opulência e dignidade”.
A popularização da fotografia foi marcada pela a comercialização das câmeras
Kodak em 1888, permitindo que qualquer pessoa que a comprasse, tivesse a experiência
de registrar imagens em milésimos de segundo, sem se preocupar com a parte química
da revelação do filme, pois a empresa fazia essa parte e garantia aos clientes que o
esquema funcionaria e a fotografia seria entregue “sem erros” (SONTAG, 2004, p. 67).
Mas esses avanços técnicos, mais precisamente a questão da instantaneidade, causaram
certo alvoroço, pois mais rápido que um piscar de olhos, o fotógrafo poderia captar
expressões inesperadas, denunciar atos, muitas vezes sem que a pessoa fotografada
percebesse. A partir desse momento, o fotógrafo passou a exercitar ainda mais seu
cérebro antes de dar um clique, exigindo que seu olhar fosse mais apurado evitando
perder momentos que expressassem emoções inusitadas, valorizando assim sua
profissão diante de qualquer pessoa comum que tivesse uma câmera.
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Muitas pessoas alegam não gostar de serem retratadas, por não se acharem
fotogênicas ou mesmo não gostarem de sua aparência, mas ser fotografado de surpresa
vai além de gostar ou não de da sua imagem, pois envolve nossa imagem como
identidade. Segundo Kubrusly (1991, p.37) a imagem do rosto das pessoas faz com que
os seres humanos se reconheçam em qualquer idade e situação, além disso, as
expressões faciais são capazes de comunicar e por vezes capazes de transpassar a
linguagem verbal.
No dia-a-dia, o corpo humano funciona automaticamente, expressões, gestos e
movimentos nunca são pensados ou ensaiados, mas diante da câmera toma-se
consciência do próprio corpo, fazendo com que muitas pessoas sintam-se
desengonçadas frente ao equipamento. Essa preocupação pode ter relação com o fato de
que tal fotografia poderá ser observada minuciosamente por diversas pessoas, que
poderão julgar cada detalhe da imagem e interpretar como bem entenderem. Essa
questão em torno da fotografia envolve também a vaidade, pois normalmente quem
gosta de sua aparência ou tem uma autoestima elevada, tem melhor relacionamento com
a câmera, apreciando ser retratado.
A tecnologia tornou-se a principal mediadora da divulgação constante de
retratos permitindo a qualquer um fazê-lo. Mesmo com a evolução tecnológica
constante e a superexposição das pessoas de seus próprios retratos, a fotografia não
perde seu poder de expressar e transmitir mensagens, muito pelo contrário, para Joly
(2002, p.55) “uma imagem sempre constitui uma mensagem para o outro mesmo
quando esse outro somos nós mesmo” por isso ela aponta que é fundamental “buscar
para quem ela foi produzida” para que haja entendimento acerca de sua “mensagem
visual”.
Até o momento resgatou-se a história do retrato mostrando sua evolução até os
tempos atuais e abordando os aspectos que o envolveram e garantiram sua importância
para a fotografia. A partir de então, será buscado o entendimento acerca das relações
entre o retratado, o fotógrafo e o espectador, e processos que envolvem a percepção e a
fenomenologia, pois como disse Kubrusly, além de ser um tema “muito rico para ser
apenas mencionado” ele merece uma abordagem especial.
3. Percepção e Análise da Imagem
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Para que uma imagem seja captada pela câmera, o elemento físico é
indispensável é a luz. Dubois (2001, p.221) ressalta como a luz é determinante na
fotografia por estar presente em todas as etapas do contexto analógico. Desde o
momento em que se fotografa uma pessoa, é preferível que ela “irradie”, que faça uma
expressão ou transmita alguma energia; a película do filme fotográfico, que é
supersensível à luz, é responsável por captar a imagem, para no fim ser feita a revelação
da imagem numa sala escura, mas que também necessita de uma luz concentrada apenas
no papel fotográfico quando for ampliada e fixada a imagem do filme previamente
revelado. Para que a imagem seja observada após a revelação também é necessária a
luz. Então a luz é responsável por todo processo de captura e fixação da imagem,
estando presente no começo, meio e fim do processo, mas Dubois ressalta que ela
também pode fazer a imagem “desaparecer” caso não seja dosada cuidadosamente em
qualquer parte do processo. Segundo Arnheim (2005, p.293) sem luz “os olhos não
podem observar nem forma, nem cor, nem espaço ou movimento”, o que tornaria o
processo de reconhecimento das imagens em nosso cérebro impossível. Portanto, a luz
caracteriza-se como a principal determinante para o processo de percepção visual.
A partir do processo fisiológico da visão, pode-se falar da percepção que está
ligada à capacidade de nosso cérebro de compreender as coisas e a partir delas criar
maneiras de expressar e reproduzir o que foi entendido. Ao investigar o processo da
percepção, Arnheim (2005, p. 37) afirma que, diferente de uma câmara que capta todos
os detalhes frente à lente, a percepção humana é atraída por formas e traços previamente
conhecidos que vem sendo vistos desde a infância e contribuem para o entendimento e a
relação entre diversos processos básicos que abrangem a noção de espaço, controle
motor e visual. O cérebro cria “padrões” capazes de identificar “componentes
essenciais” para cada forma física que os olhos veem, assim o autor explica que se torna
possível identificar um rosto familiar em meio à multidão onde todos possuem as
mesmas características físicas. Cria-se então a imagem padrão de cada um.
Qualquer meio de expressão visual caracteriza a palavra imagem, seja ela
estática ou em movimento, fixada e exposta em algum suporte ou apenas imaginária,
podendo carregar diversos significados, representações e emoções; segundo Joly (2002,
p.13) a imagem “depende da produção de um sujeito”, pois “passa por alguém que a
produz ou reconhece”. Toda imagem criada, provém de algo já existente, tornando-se
uma representação e estas permitem que seja feita uma análise para que haja um
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entendimento acerca de seus significados. Joly explica o processo de percepção do
seres-humanos sobre seu corpo físico como uma imagem e de onde este conhecimento
provém; Ela justifica isso segundo duas referências: Segundo a Bíblia que diz que
“Deus criou o homem à sua imagem” e segundo o mito de Platão que aborda a relação
da imagem com o imaginário, e ela finaliza afirmando que “Do mito da caverna à
Bíblia, aprendemos que nós mesmos somos imagens, seres que se parecem com o Belo,
o Bem e o Sagrado”.
Pozza escreve sobre a estética fotográfica vista sobre o ângulo da
fenomenologia e serve-se dessa relação para analisar obras de arte. Ele defende que a
fenomenologia como determinante para a avaliação da arte, abre um campo vasto para o
estudo da fotografia, visto que ela “pensa a estética pelo viés da percepção e da
experiência” (POZZA, 2015, p.644). A experiência abrange os pontos de vista do
fotografado e do fotógrafo chegando até o observador da imagem que pode ser tanto
ambos quanto uma terceira pessoa, afinal, todos fazem parte do que foi feito direta ou
indiretamente, pois assumiram seus determinados papeis, mas estes são facilmente
trocados; o que quer-se dizer com isso é que a maior parte das pessoas já esteve no
papel de espectador, de fotografado e de fotógrafo.
Pozza baseia sua análise nos métodos propostos pelo filósofo Embree. Ele
propõe uma desconstrução da estética fenomenológica separando-a em quatro passos:
“reflexão, intuição, análise e descrição; além de três outros procedimentos
complementares: epoché psicológico-fenomenológica, investigação regressiva e análise
intencional de horizontes. ” (POZZA, 2015, p.648) em seguida ele explica o significado
de cada ação proposta para que não haja dúvidas na hora de analisar uma obra com estes
elementos citados.
O ato de reflexão, relaciona-se ao momento de apreciação da obra onde busca-
se “a atitude estética ou apreciativa e a estipulação do objeto percebido como objeto
apreciado” (POZZA, 2015, p.649). Entende-se com esta citação que ao fazer uma
reflexão sobre a obra de arte serão encontrados elementos que agradam a ponto de
serem apreciados. Quando o autor produz a obra, pressupõe-se que ele subjetivamente
aprecia o que é produzido por ter havido uma intenção em fazê-lo. Mas em um retrato,
ao refletir sobre os traços fisionômicos do retratado, o espectador ou o próprio retratado
pode não apreciar o que é visto, remetendo ao caso já citado de pessoas que não tem
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agrado ao ver sua própria imagem. Mas de qualquer maneira, é importante o ato de
reflexão pois é ele que dá início ao processo de análise de uma obra.
A intuição, segundo Pozza, provém de lembranças captadas pela percepção de
cada um sendo são capazes de criar critérios na hora de observar algo, aqui ela é vista
como se fosse um ato intencional mas na verdade ela acontece automaticamente, afim
de criar possibilidades que podem levar a conclusões. O próximo elemento citado foi a
análise que o autor caracteriza como “instrumento para a materialização das
experiências estéticas” provindas dos elementos anteriores, reflexão e intuição e toma
como critérios de análise termos capazes de medir a credibilidade da obra. Os termos
são: “positivo, negativo ou neutro” (POZZA, 2015, p.649).
A descrição é caracterizada pelo autor como o relato simplificado do que algo
é, sem se importar com seu significado ou sua representação. É a concretização final das
ações feitas anteriormente, portanto, apenas após a reflexão, a intuição e a análise
chega-se à descrição e com ela, pode-se comparar a percepção de diferentes
observadores sobre uma mesma imagem.
Sobre os outros procedimentos complementares descritos por Pozza, a epoché
psicológico-fenomenológica, propõe que o observador se isole de seu mundo exterior
para encontrar-se inserido apenas no “universo estético da obra” afim de perceber
elementos de maneira mais “pura”. A investigação regressiva permite que o observador
relacione os dados de sua percepção a outros elementos conhecidos, identificando-os
como parte de um mesmo grupo. A análise intencional de horizontes propõe o
entendimento do objeto como uma representação, permitindo sua diferenciação da
realidade.
A fim de poder analisar a estética fenomenológica das três partes envolvidas
(fotógrafo, fotografado e espectador) foi feita uma entrevista com um fotógrafo, seu
retratado e uma terceira pessoa como observadora da imagem. Após, foram feitas
perguntas a eles relacionadas à experiência de cada um permitindo no final o
cruzamento dos dados provindos de suas percepções.
4 ENTREVISTAS
Para a escolha do fotógrafo a ser acompanhado em uma sessão de retratos foi
dada preferência por alguém que já tivesse uma trajetória de atuação significante na área
da fotografia já sendo reconhecido por ser trabalho. O fotógrafo escolhido foi Ale Ruaro
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que é caxiense e trabalha como fotógrafo a mais de 20 anos, já tendo realizado projetos
autorais e também trabalhos comerciais em vários países e em diferentes estados do
Brasil, mas neste momento ele está buscando realizar projetos em Caxias do Sul, afim
de expressar sua visão sobre a cidade. A sessão de retrato acompanhada faz parte de um
projeto que visa retratar pessoas da cidade que são consideradas importantes para sua
trajetória. A pessoa fotografada na sessão foi Guilherme que é barista (profissional
especializado em cafés) e para Ale, ele é a pessoa que faz o melhor café da cidade. Ale
também é barista por hobby então em função disso nasceu a amizade com Guilherme e
os dois se conhecem há mais de 5 anos. A relação de amizade do fotógrafo com seu
retratado é determinante na hora de fazer um retrato pois já existe intimidade e
confiança entre ambos.
É interessante considerar que a intenção do retrato neste caso partiu do próprio
fotógrafo, sendo que o mais comum são as pessoas buscarem o fotógrafo para serem
fotografadas. Com isso pode-se notar que o fotógrafo está querendo expor seus gostos e
sentimentos relacionados ao retratado, resta saber de qual maneira ele conseguirá
introduzir essa mensagem na fotografia.
No momento de fazer o retrato Ale disse que seu foco principal era fugir de
clichês. O clichê para ele seria retratar Guilherme preparando café ou posando ao lado
da máquina de café. Para ele a fuga dos padrões estéticos mais comuns é o que cria sua
identidade na fotografia. Nota-se que o fotógrafo busca diferenciar seu olhar do olhar
comum a fim de valorizar seu trabalho.
Ele descreve ainda que o trabalho de cada fotógrafo tem reflexo de suas vidas
pessoais, como aquilo que comemos ou bebemos, os cheiros que sentimos, o estilo de
vida, o modo de se relacionar com as pessoas, ou seja, diz respeito às experiências
pessoais de cada um. Ale citou algumas características que, para ele, levam seus
retratados a aceitarem posar em momentos e formas inusitados: paciência, confiança,
investigação, determinação, foco e persistência.
O local escolhido para fazer o retrato foi o próprio bar que Guilherme trabalha
como funcionário, sendo que o bar é um ponto de conveniência de um posto de
gasolina, localizado no centro da cidade. O local é bastante movimentado mas isso não
impediu Ale de fotografá-lo ali mesmo, em seu horário de trabalho. Ale fotografou
utilizando apenas as luzes do ambiente e utilizou dois espaços diferentes do bar para os
clicks, o primeiro foi em um canto do bar dedicado aos clientes e cercado por vidraças
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que davam vista à rua movimentada e ao posto. Ele pediu que Guilherme se sentasse em
uma cadeira e o deixou bem à vontade sem interferir em sua expressão ou sua pose.
Guilherme não encarou a câmera, olhava para a rua ou para dentro do bar e Ale fez
algumas variações de ângulos ao fotografá-lo. Deixar o modelo à vontade sem dirigir
sua pose é permitir que ele transmita o que quiser para a foto através de sua expressão
corporal, mas é comum que os retratados esperem orientações sobre a pose, o olhar e a
expressão pois toma-se consciência do próprio corpo preocupando-se com cada parte;
neste caso, como ambos já se conhecem, tudo aconteceu naturalmente, como se o
modelo já soubesse o que o fotógrafo esperava dele e como se o fotógrafo já previsse
sua reação serena diante das lentes, apesar de Guilherme nunca ter sido fotografado por
Ale antes.
Após, Ale pediu que Guilherme se dirigisse à mesa em frente à máquina do café
e se sentasse. Com a máquina no plano de fundo, ele fez algumas fotos alternando os
ângulos. E por fim, pediu que Guilherme preparasse um café, sem se preocupar com a
câmera e novamente Guilherme age naturalmente enquanto o fotógrafo buscava ângulos
inusitados, a fim de evitar os clichês como ele havia dito. A sessão foi rápida, em torno
de 10 minutos. O resultado pode ser observado nas figuras 1, 2 e 3.
Figura 1 - Ale Ruaro, 2016
Figura 2 - Ale Ruaro, 2016
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Figura 3 - Ale Ruaro, 2016
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Após o recebimento das fotos, Ruaro foi questionado quanto às escolhas
estéticas e à edição. Ele disse ter aumentado o contraste e adicionado um efeito de
grânulos à imagem em um programa de edição. Quanto ao preto e branco ele explicou
que apenas deixaria os retratos coloridos se ele tivesse visto cores significantes para o
contexto das imagens. Essas questões dizem respeito ao seu olhar e a sua percepção
sobre aquele momento e podem interferir de alguma forma no modo com que o
fotografado ou o espectador analisem a imagem.
Ao conversar com o retratado, alguns dias depois da sessão de fotos,
questionou-se como foi, para ele, a experiência. Ele descreveu o momento das fotos
como algo íntimo em função de ambos já terem uma amizade e também pela
proximidade física que o fotógrafo teve ao fazer as fotos. Para Guilherme a experiência
foi inédita e ele descreveu ter sentido algo que não havia sentido antes. Ele relatou já ter
feito trabalhos como modelo para catálogos e editoriais de moda e ressaltou a diferença
de posar para um retrato em que ele mostra sua imagem sem se preocupar com a pose
ou com sua expressão, pois no momento dos clicks ele estava simplesmente sendo ele
mesmo, exercendo sua profissão em seu local de trabalho. Houve a identificação do
retratado com seu próprio universo, desde o momento dos clicks até a observação de seu
retrato. Para isso, o local foi determinante nessa identificação. Se ele fosse fotografado
em um outro cenário ou em um estúdio fotográfico por exemplo, provavelmente ele
relataria a experiência de forma diferente.
Ao visualizar as imagens, o retratado conta que elas remeteram ao momento
em que abre a cafeteria e organiza tudo para atender o público, para ele este momento é
especial e ele se sente feliz com isso. Neste ponto nota-se que o retrato conseguiu se
conectar com os sentimentos, lembranças e momentos significativos do retratado e que
sua percepção sobre as imagens se relacionou à real percepção que ele tem dele mesmo.
O retratado afirma gostar do preto e branco das imagens. Para ele o preto e branca causa
maior ênfase à sua imagem e esconde imperfeições da pele. Ele finaliza afirmando que
achou sensacional o resultado final e avaliou positivamente toda experiência.
Por último, conversou-se com um espectador que não estava sabendo do
contexto das imagens e nem conhecia o fotógrafo e o retratado. O espectador escolhido
foi Clóvis Dariano, que também é fotógrafo há muitos anos e para investigar sua
percepção sobre os retratos de Guilherme, sugeriu-se que ele utilizasse o método da
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análise estética fenomenológica, refletindo sobre as imagens e deixando a intuição falar
para depois relatar sua análise e descrever o que sua percepção captou sobre os retratos.
Após observar os 3 retratos, e fazer uma reflexão ele descreveu sua percepção
sobre cada um deles que aconteceu de formas diferentes, sendo que o primeiro (figura
4) lhe passou mais intimidade ao mesmo tempo em que gerou maior mistério sobre o
retratado por não haverem elementos que pudessem fotografá-lo dentro do contexto da
imagem. Dariano comenta que naquele retrato ele “pode ser um escritor, um músico,
qualquer pessoa...” ou seja, como não há elementos na cena, não é possível a combinar
informações do retratado com o ambiente, há apenas a sua expressão e sua pose.
Dariano notou a pose de Guilherme sentado de modo relaxado, mas sua expressão
causou a sensação de que ele estivesse lembrando alguma situação um pouco
desagradável. Ao observar o retrato da sequência (figura 5), Dariano relatou sentir a
mesma sensação por ver seu olhar distante, como se estivesse relembrando de algum
fato, criando uma “incógnita: o que está acontecendo, o que ele está observando?” ele
relata que ele parece estar em um intervalo de trabalho por ter visto a cena seguinte que
denuncia todo contexto da imagem. Na última foto, os elementos identificados
permitiram a localização do ambiente relacionando-o ao fotografado. Dariano relatou
que o rapaz fotografado deveria ser um funcionário do bar e afirmou que através de sua
pose e expressão o rapaz parece estar concentrado em seu trabalho preparando um café.
Nesta última imagem, pode-se concluir que o processo de desconstrução estética
permitiu que fosse realizada uma análise mais completa da imagem através de todos os
elementos presentes na cena, enquanto nas outras duas imagens, a interpretação é mais
subjetiva podendo variar para cada espectador.
Por último foi relatado ao espectador as intenções do fotógrafo ao realizar esses
retratos e foi feita a identificação do retratado como barista. Após tomar ciência sobre o
todo contexto, ele não mudou sua percepção, apenas observou que a última imagem
parece fugir do tema retrato por apresentar muitos elementos criando uma função mais
documental ou ainda comercial. Para Dariano, a segunda imagem é a que melhor
resolve a ideia do retrato do barista, pois possui maior equilíbrio entre uma cena
totalmente ambientada e outra que não apresenta nenhum elemento que permita a
identificação da profissão do retratado em seu ambiente.
Após a triangulação entre fotógrafo, fotografado e espectador, pode-se concluir
que as intenções do fotógrafo são determinantes para a percepção de cada um sobre uma
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imagem, pois o modo que ele decide compor a cena vai influenciar na interpretação
subjetiva de cada espectador. Os ângulos escolhidos, a expressão do retratado e os
elementos que aparecem na cena vão colaborar para que a intuição traga maior
credibilidade na hora de fazer a análise. O fotografado pode ser surpreendido caso não
se identifique na imagem e isso pode ocorrer caso seja captada uma expressão diferente
da que ele estava exibindo ou sentindo na hora da foto, ou uma pose que o cause
sensação de desconforto e estranheza; de modo geral ele espera se identificar e fazer
uma análise positiva de seu retrato. O espectador sempre vai trazer em sua análise,
elementos que dizem respeito ao seu modo de perceber o mundo, por mais que tente se
distanciar disso, sua intuição vai fazer conexões para interpretação da imagem baseada
em suas experiências. Cada espectador ao analisar uma imagem, passa a fazer parte dela
criando sobre ela uma narrativa diferente. Cada um pode imaginar sons, cheiros, sentir
sensações que dizem respeito ao seu universo que se relacionam com a imagem.
Essa interpretação de cada espectador é uma experiência estética
importantíssima, mas que no dia a dia é feita inconscientemente e muito rapidamente
por todos num mundo rodeado por imagens. Por isso cabe aos fotógrafos sempre
pensarem com cuidado a maneira de retratar algo ou alguém para que a mensagem
visual seja captada corretamente pelo espectador. Mas cabe também ao espectador
treinar seu olhar para julgar atentamente os elementos que compõe uma imagem
buscando valorizar o trabalho do fotógrafo e também ter uma interpretação saudável
sobre as imagens.
Conclui-se assim que a análise estética fenomenológica consegue abranger todos
os pontos de vista e pode compreender a experiência causada através da percepção de
cada envolvido, por isso ela se faz necessária e importante para o estudo da análise de
retratos podendo se estender à arte de modo geral.
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