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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL Curitiba SEED/PR 2006 História e cultura afro-brasileira e africana: educando para as relações étnico-raciais Mapa – “África em nós: cenas do cotidiano paranaenseArte de Criação: Eguimara Branco – SEED/DEF Fotos: Grupo Ka Naombo - Curitiba - PR Lápis Acervo Casa da Memória Diretoria Patrimônio Cultural Fundação Cultural de Curitiba Congada da Lapa Acervo Museu Paranaense – 2005 Wladimir Kosak Congada da Lapa Apresentação Museu Paranaense – 2005 Equipe de Artes – SEED/DEF Quilombo no Paraná Grupo de Trabalho Clóvis Moura

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃOSUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL

CuritibaSEED/PR

2006

História e cultura afro-brasileira e africana: educando para as relações

étnico-raciaisMapa – “África em nós: cenas do cotidiano paranaense”

Arte de Criação: Eguimara Branco – SEED/DEF

Fotos:

Grupo Ka Naombo - Curitiba - PR

Lápis

Acervo Casa da Memória

Diretoria Patrimônio Cultural

Fundação Cultural de Curitiba

Congada da Lapa

Acervo Museu Paranaense – 2005

Wladimir Kosak

Congada da Lapa

Apresentação Museu Paranaense – 2005

Equipe de Artes – SEED/DEF

Quilombo no Paraná

Grupo de Trabalho Clóvis Moura

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HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA: EDUCANDO PARA AS RE-LAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS - Série Cadernos temáticos.

Depósito legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Decreto Federal n.1825/1907, de 20 de dezembro de 1907.

É permitida a reprodução total ou parcial desta obra desde que seja citada a fonte.

Catalogação no Centro de Documentação e Informação Técnica da SEED-PR

Paraná. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de

Ensino Fundamental.

História e cultura afro-brasileira e africana : educando para as relações étnico-raciais /

Paraná. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento

de Ensino Fundamental. – Curitiba : SEED-PR, 2006. - 110 p. – (Cadernos Temáticos).

1. História do Paraná. 2. Negros. 3. 4.Educação Paranaense. 5.Escola Municipal de Ara-

pongas, Pr. 6. Lei n. 10639/03 7.Preconceito racial. 8. Currículo escolar. 8. Ferreira, Palminor

Rodrigues. I. Simpósio de história e cultura afro-brasileira e africana. II.Título. III. Série.

CDU37+572(=96)(816.2)

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃOSUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃODepartamento de Ensino FundamentalAvenida Água Verde, 2140 - Tel. (41) 33401500 Fax (41) 32430415Site www.diaadiaeducacao.pr.gov.brCEP 80240-900 CURITIBA - PARANÁ - BRASIL

DISTRIBUIÇÃO GRATUITAIMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

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Roberto RequiãoGovernador do Estado do Paraná

Mauricio Requião de Mello e SilvaSecretário de Estado da Educação

Ricardo Fernandes BezerraDiretor Geral

Yvelise Freitas de Souza Arco-VerdeSuperintendente da Educação

Fátima Ikiko YokohamaChefe do Departamento de Ensino Fundamental

Lilian Ianke LeiteCoordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental

Organizador:Sandro Cavalieri Savoia

Grupo de Trabalho

Almira Maciel Corrêa (MNU) - Berenice Schelbauer do Prado (SEED / DEJA) - Cassius Marcelus Cruz (Grupo de Trabalho Clóvis Moura - SEED / AREI) - Celso José dos Santos (APP-Sindicato) - Clemilda Santiago (Grupo de Trabalho Clóvis Moura - SEED / AREI) - Cleusa Batista (APP-Sindicato) - Cristiana Gonzaga de Souza Castro (SEED / DEF) - Cristiane Pereira Brito (Grupo de Trabalho Clóvis Moura - SEED / AREI) - Edmundo Silva Novaes - (APP-Sindicato) - Geraldo Luiz da Silva (Grupo de Trabalho Clóvis Moura) - Izabel Cordeiro Ribas Andrade (SEED / DEJA) - Jane Marcia Madureira Arruda (APP-Sindicato) - Jefferson de Oliveira Salles (Grupo de Trabalho Clóvis Moura - SEED / AREI) - Laura Jane R. G. Both (SEED / DEM) - Lilian Ianke Leite (SEED / DEF) - Lilian Mary Alberton (SEED / CEPE) - Luiz Carlos Paixão da Rocha (APP-Sindicato) - Maria Bethânia de Araújo (SEED / DEF) - Marlete Liocinio (APP-Sindicato) - Neide dos Santos Rodrigues (APP-Sindicato) - Rodolfo Bassani (SEED / DIE) - Romeu Gomes de Miranda (Conselho Estadual de Educação) - Sandro Cavalieri Savoia (SEED-DEF) - Walmir Marcelino Teixeira (SEED / DEE) - Willian Simões (SEED / DEF).

Colaboraram para esta publicação:

Almira M. Corrêa - Ana Lúcia Leal - Cassius Marcellus Cruz - Cristiana G. de S. Castro - Cristina Cre-moneze - Cristiane P. Brito - Dinorah F. de Campos - Eguimara S. Branco - Geraldo Luiz da Silva - Henrique Cunha Jr. - Ivonei L. de Lima - Jackson Cesar de Lima - Jairo de Carvalho - Jefferson de O. Salles - Kátia Mara de Jesus - Laura Jane R. G. Both - Lusinete B. dos Santos - Maria Bethânia de Araujo - Mide R. Ferreira - Nadia Maria Guariza - Nará S. Oliveira - Noemi P. C. Maynardes - Otávio T. Naufel - Osni de O. Silva - Palminor R. F. Júnior - Sandro C. Savoia - Vera Paixão - Vinicius P. de Oliveira.

Casa da Memória / Fundação Cultural de Curitiba - Conservatório de Música de Curitiba - Grupo de Trabalho Clóvis Moura - Grupo Ka-Naombo - Instituto de Pesquisa da Afrodescendência - Museu Paranaense - Instituto de Terras Cartografia e Geociências - SEMA.

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5História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

APRESENTAÇÃO

A Secretaria de Estado da Educação do Paraná oferece este Caderno Temático, como parte de uma série, produzido para subsidiar a prática educacional prioritariamente no âmbito das escolas da Rede Pública de Ensino. Mais amplamente, os temas propostos no conjunto dos Cadernos buscam oferecer informações sistematizadas, análises críticas e indica-ções bibliográficas para dar sustentação teórica ao professor das escolas estaduais. Esta iniciativa atende ao desejo da comunidade escolar de atualização e de aprofundamento de conceitos formulados em diferentes campos do conhecimento.

Ao propor a série de estudos e de debates de perspectivas educacio-nal, mostramos disposição para enfrentar o desafio de dar continuidade a um processo que leve ao aperfeiçoamento das atividades desenvolvidas na escola, nos Núcleos Regionais de Educação e no interior dos Departa-mentos de Ensino da Secretaria de Estado da Educação. Buscamos criar um instrumento que comporte as contribuições teóricas dos educadores paranaenses, com o intuito de fortalecer o debate das idéias em torno de campos específicos da educação. Nosso objetivo é fortalecer um mo-vimento coletivo de reflexão, que auxilie o professor na construção de parâmetros e o oriente em sua prática educativa, consolidada pelo estudo e atualização permanentes.

Este Caderno Temático marca o compromisso de nossa gestão com a melhoria contínua da qualidade da educação, com a necessária reflexão sobre o processo educacional e a relação do professor com o conhecimento e com os valores da cultura e, sobretudo, com a autonomia intelectual dos educadores.

Mauricio Requião de Mello e SilvaSecretário de Estado da Educação do Paraná

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7História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

PREFÁCIO

Lutar contra um mito explicativo fundador de um sentimento de nacionalidade que instrumentaliza a subalternização de uma parcela sig-nificativa da sociedade, requer a construção de uma nova leitura desta sociedade, que ela se veja e se perceba de outra forma. Neste sentido, a Lei 10.639,de 9 de janeiro de 2003, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro- Brasileira”, avança no que poderíamos chamar de implantação de uma pedagogia antiracista, valorizando a história e a influência do povo negro nos contextos social, cultural, político e econômico brasileiro. É, indubi-tavelmente, um instrumento importante para o processo de democracia e para a transformação social, para a construção de um novo Brasil.

A adoção de políticas afirmativas e de reconhecimento destinadas aos afrodescendentes, figura entre os temas de discussão dos movimentos sociais organizados há muitos anos. Tais reivindicações têm levado o país a assumir posturas e compromissos internacionais que visam combater as desigualdades, discriminações e racismo que ainda permeiam a socie-dade brasileira, construída historicamente sobre os pilares da chamada “democracia racial”.

No campo educacional, além da Lei 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais, a Deliberação Estadual 04/06, diz em seu artigo 2º que: “o Projeto Político-Pedagógico das instituições de ensino deverá garantir que a organização dos conteúdos de todas as disciplinas da matriz curricular contemple, obrigatoriamente, ao longo do ano leti-vo, a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na perspectiva de proporcionar aos alunos uma educação compatível com uma sociedade democrática, multicultural e pluriétnica”.

Tais conteúdos não se constituem como temas transversais, pois não são assuntos a serem esporadicamente trabalhados na forma de projetos ou apenas durante dias específicos como o Dia da Consciência Negra, são sim, conforme indicam nossas Diretrizes, conteúdos que devem ser trabalhados em todas as disciplinas da matriz curricular e assim devem estar contemplados no Projeto Político-Pedagógico de cada instituição de ensino.

Profª. Drª. Yvelise Freitas de Souza Arco-VerdeSuperintendente da Educação do Paraná

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9História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

SUMÁRIOAPRESENTAÇÃO ......................................................................................................................... 5

PREFÁCIO ................................................................................................................................... 7

COMO NASCEU ESTA PUBLICAÇÃO COLETIVA ...................................................................... 11

INSERÇÃO DOS CONTEÚDOS DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES:O QUE DIZ A LEI .................................... 13

DELIBERAÇÃO DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO ................................................... 15

TRABALHOS APRESENTADOS NO I SIMPÓSIO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA - 2004

Mayombe: a luta de libertação de um povo, Lusinete Barbosa dos SANTOS; Osni de Oliveira SILVA ............................................................................................................... 26

A Capoeira como instrumento de identidade social e cultural, Ana Lúcia LEAL .......... 29

A Lei 10639, a formação de professores e o curso a distância “Trabalhando o Imaginá-rio para a Democracia Racial” no Estado do Paraná, Jairo de CARVALHO .................. 33

Anacoretismo: expressão africana do cristianismo na Antigüidade Tardia, Cristina CRE-MONEZE ....................................................................................................................... 37

ARTIGOS DE COLABORADORES - 2006

Relações Brasil-África e a política internacional, Nadia Maria GUARIZA ..................... 41

Do patrimônio mundial ao patrimônio local: o que é importante saber do passado e o que pode ser esquecido? Sandro Cavalieri SAVOIA ...................................................... 45

O quilombo como patrimônio cultural: uma proposta educativa, Laura Jane R. G. BOTA ................................................................................ 52

Quilombos: referência de resistência à dominação e luta pela terra no Paraná, Cassius Marcelus CRUZ; Geraldo Luiz da SILVA; Jefferson Oliveira SALLES; Vinicius Pereira de OLIVEIRA ...................................................................................................................... 56

Construindo a Lei 10.639/03 em sala de aula: a experiência da Escola Arapongas, Almira Maciel CORREA; Dinorah Fernandes de CAMPOS ........................................................................................................................ 67

Historicidade da Fazenda Capão Alto, Noemi Pinto Correa MAYNARDES ................... 71

Projeto: Cultura afro brasileira, Nara Souza OLIVEIRA ................................................ 73

Lápis: um artista paranaense que fala de saudades e amor, Cristiana Gonzaga de Souza CASTRO ........................................................................................................................ 77

ARTIGOS REPRESENTATIVOS DE OUTRAS ENTIDADES E/OU INSTITUIÇÕES

História Africana para Compreensão da História do Brasil, Henrique CUNHA JR. ...... 85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 96

RELAÇÃO DE FILMES COM SINOPSES – 43 TÍTULOS .............................................................. 99

RELAÇÃO DE SÍTIOS .............................................................................................................. 110

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11História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

COMO NASCEU ESTA PUBLICAÇÃO COLETIVA

A Secretaria de Estado da Educação do Paraná tem como um dos princípios da atual gestão o respeito à diversidade. Neste sentido, a aprovação da Lei 10.639/2003 e a aprovação das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, foram imediatamente in-corporadas às discussões das equipes pedagógicas dos departamentos que compõem a Superintendência da Educação.

Estas discussões foram enriquecidas a partir de uma parceria entre a APP- Sindicato e SEED, originando a criação de um Grupo de Trabalho para acompanhar o processo de implementação da referida Lei nas escolas da rede pública estadual. Desta forma, as ações deste GT têm sido pautadas pela realização de grupo de estudos, elaboração e acompa-nhamento de propostas que favoreçam a inserção da temática nos currículos escolares.

Dentre as ações realizadas a partir da organização do GT, destaca-se o “Seminário de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, promovido pela SEED e destinados à 500 professores da rede pública estadual, em novembro de 2003. Nesse momento foi possível identificar o compromisso dos professores com a temática, bem como, a neces-sidade de propiciar subsídios teórico-metodológicos que favorecessem a implementação dos conteúdos propostos nas escolas.

Em 2004, com a aprovação das Diretrizes Curriculares para a Educação das Re-lações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a SEED organizou a “I Reunião Técnica” com representantes dos 32 Núcleos Regionais de Educação. Objetivo: divulgar o documento e realizar estudos e discussões relativas à temática. Como desdobramento desta ação, as equipes dos NREs assumiram o com-promisso de realizar atividades que favorecessem a divulgação das referidas Diretrizes aos diretores, professores e equipes pedagógicas das escolas sob sua jurisdição. Além disso, foram orientados à identificar professores interessados em divulgar trabalhos no “I Simpósio de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, para o qual foram inscritos 54 propostas.

O I Simpósio foi realizado no período de 04 a 07 de novembro, em Faxinal do Céu, contando com: a comunicação de trabalho pelos professores; de uma mesa redonda; de atividades culturais e de oficinas pedagógicas (Capoeira, Cultura Africana e Jogos, Grupo de Estudos e Laboratório de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana).

Nos “Seminários de Disseminação das Políticas de Gestão Escolar para Diretores da rede pública estadual”, promovidos pela Superintendência da Educação, a temática tem sido apresentada, na medida em que se reconhece a importância do envolvimento destes profissionais para a efetiva inserção dos referidos conteúdos, bem como, a necessidade de mobilizar o coletivo da escola na realização de ações educativas que favoreçam o reconhecimento, valorização e respeito à diversidade. Nestas ocasiões têm se destacado também, o papel dos órgãos colegiados, na formalização de medidas educativas a serem aplicadas em situações de discriminação que possam vir a ocorrer nas escolas.

Ainda em 2005, foram editados 6.000 unidades do “I Caderno Temático de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, sendo os mesmos distribuídos a todas escolas da rede publica estadual.

Em 2006, foi propiciado aos professores de todas as disciplinas a participação no “Grupo de Estudos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, novamente favore-cendo a inserção da temática nos conteúdos escolares.

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12 Cadernos Temáticos

Tendo em vista as comemorações alusivas ao do Dia da Consciência Negra, a ser realizada no dia 20 de novembro em todas as escolas da rede pública estadual, o GT organizou este II Caderno Temático com o título: “História e cultura afro-brasileira e africana: educando para as relações étnico-raciais”.

O Caderno é fruto das discussões da Comissão de Acompanhamento e Implemen-tação da Lei 10.639/03 / GT, realizadas no ano de 2006, sendo composto de preceitos legais relativos à inserção da temática, de inúmeras sugestões de filmes, livros, revistas e sítios, bem como, de artigos agrupados em três blocos distintos, segundo sua origem:

• amostras de trabalhos apresentados no “I Simpósio de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” (2004);

• artigos, relatos e biografias propostos pela Comissão de Acompanhamento e Implementação da Lei 10.639/2003 no Estado do Paraná;

• artigos representativos de outras entidades e/ou instituições.

É importante lembrar que, os referidos artigos são de responsabilidade de seus autores cabendo à Comissão, a seleção dos trabalhos encaminhados pelos professores e/ou entidades.

Este II Caderno Temático, juntamente com as referidas ações, poderá fomentar discussões e oferecer aos professores e consequentemente aos alunos e a comunidade em geral, contributos para a valorização e reconhecimento da história e cultura afro-brasileira e africana em nosso Estado.

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13História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

INSERÇÃO DOS CONTEÚDOS DE HISTÓRIA E CULTURA

AFRO-BRASILEIRA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES:

O QUE DIZ A LEI

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICACasa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI N.º 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003

Mensagem de veto

Altera a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B: “Art. 26- A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e polí-tica pertinentes à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3º (VETADO)”

“Art. 79-A. (VETADO)”

“Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’ .”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182.º da Independência e 115.º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVACristovam Ricardo Cavalcanti Buarque

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14 Cadernos Temáticos

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15História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

DELIBERAÇÃO DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO

Processo n.º 880/06

Deliberação n.º 04/06

Aprovada em 02/08/06

Comissão temporária – portaria n.º 08/06

Interessado: Sistema Estadual de Ensino do Paraná

ESTADO DO PARANÁ

Assunto: Normas Complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-lações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Relatores: Romeu Gomes de Miranda, Marília Pinheiro Machado de Souza, Lygia Lumina Pupatto, Domenico Costella e Maria Tarcisa Silva Bega.

O Conselho Estadual de Educação do Paraná, no uso de suas atribuições, tendo em vista o que dispõe o artigo 3º, IV, e 5º, I, da Constituição Federal, o artigo 1.º, III, da Constituição do Estado do Pa-raná, as disposições constantes da Lei n.o 10.639/03, que altera a Lei nº. 9.394/96, o Parecer CNE/CP n.° 03/04, considerando a Indicação no 01/06 da Comissão Temporária – Portaria nº. 08/06 que a esta se incorpora e ouvida a Câmara de Legislação e Normas.

Delibera:

Art. 1.º A presente Deliberação institui Normas Complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana, a serem desenvolvidas pelas instituições de ensino públicas e privadas que atuam nos níveis e modalidades do Sistema Estadual de Ensino no Paraná.

§ 1º. A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhe-cimentos, assim como de atitudes, posturas e valores que preparem os cidadãos para uma vida de fraternidade e partilha entre todos, sem as barreiras estabelecidas por séculos de pre-conceitos, estereótipos e discriminações que fecundaram o terreno para a dominação de um grupo racial sobre outro, de um povo sobre outro.

§ 2º. O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias e asiáticas.

Art. 2.º O Projeto Político Pedagógico das instituições de ensino deverá garantir que a organização dos conteúdos de todas as disciplinas da matriz curricular contemple, obrigatoriamente, ao longo do ano letivo, a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na perspectiva de propor-cionar aos alunos uma educação compatível com uma sociedade democrática, multicultural e pluriétnica.

Parágrafo único. Ao tratar da História da África e da presença do negro (pretos e pardos) no Brasil, devem os professores fazer abordagens positivas, sempre na perspectiva de contribuir para que o aluno negro-descendente mire-se positivamente, quer pela valorização da história de seu povo, da cultura de matriz africana, da contribuição para o país e para a humanidade.

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16 Cadernos Temáticos

Art. 3º. As mantenedoras tomarão providências efetivas e sistemáticas no sentido de qualificar os educadores no que diz respeito à temática da presente Deliberação, promovendo cursos, se-minários, oficinas, durante o período letivo, garantindo-se a participação dos educadores sem nenhum prejuízo funcional ou salarial.

Parágrafo único. O plano de capacitação a que se refere o caput deste artigo deverá constar do Projeto Político Pedagógico da Instituição.

Art. 4º. As mantenedoras deverão, gradativamente, ano a ano, adquirir livros sobre a matéria desta Deliberação e dotar as escolas de um acervo que possibilite a consulta, a pesquisa, a leitura, o estudo por parte de alunos, professores, funcionários e comunidade.

Art. 5º. As instituições de Ensino Superior deverão reformular seus programas de ensino e de cursos de graduação e pós-graduação de maneira a atender o disposto no artigo 2o desta Deliberação.

Parágrafo único. As instituições referidas terão o prazo de até um ano, a partir da data da publicação da presente Deliberação, para efetuarem as devidas adequações possibilitando o devido cumprimento do disposto no caput deste artigo.

Art. 6º. A Secretaria de Estado da Educação, assim como as Secretarias Municipais providenciarão para que os Núcleos Regionais de Educação ou estruturas similares de base, componham equipes multidisciplinares de caráter permanente, que, no âmbito de sua abrangência, darão suporte aos professores para o desempenho do que preceitua a presente Deliberação.

Art. 7º. Cada escola, no âmbito do Sistema de Ensino registrará no requerimento da matrícula de cada aluno, seu pertencimento étnico-racial, garantindo-se o registro da sua auto-declaração.

Art. 8º. Cada unidade escolar/instituição deverá compor equipe interdisciplinar que estará encarre-gada da supervisão e desenvolvimento de ações que dêem conta da aplicação efetiva das diretrizes estabelecidas por esta Deliberação ao longo do período letivo e não apenas em datas festivas, pontuais, deslocadas do quotidiano da escola.

§ 1º. Caberá à direção de cada estabelecimento de ensino da rede estadual, no primeiro semestre do ano letivo, informar à SEED via NREs, os componentes das equipes mencionadas no caput deste artigo.

§ 2º. As Instituições de Ensino, tanto públicas como privadas, providenciarão o arquivamento em local apropriado da escola, do relatório das ações desenvolvidas por seus estabelecimentos/instituições, no cumprimento do que preceitua a presente Deliberação.

§ 3º. Da mesma forma deverão proceder as unidades escolares municipais, encaminhando aos departamentos ou organismos correspondentes, as informações mencionadas nos parágrafos anteriores.

Art. 9º. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, como um momento de culminância das atividades desenvolvidas ao longo do ano letivo.

Art. 10. O cumprimento desta Deliberação será considerado na autorização, reconhecimento e avaliação das condições de funcionamento das instituições/Estabelecimentos de Ensino.

Art. 11. A presente Deliberação entrará em vigor a partir da data de sua publicação.

Sala Pe. José de Anchieta em, 02 de agosto de 2006.

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17História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Processo n.º 880/2006

Indicação n.º 01/06

Aprovada em 02/08/06

Comissão Temporária – Portaria n.º 08/06

Interessado: Sistema Estadual de Ensino do Paraná

ESTADO DO PARANÁ

Assunto: Normas Complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-lações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Relatores: Romeu Gomes de Miranda, Marília Pinheiro Machado de Souza, Lygia Lumina Pupatto, Domenico Costella e Maria Tarcisa Silva Bega.

1. Histórico

Com o objetivo de elaborar Normas Complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana foi constituída a Comissão Temporária Especial, designada pela Portaria n.º 08/06-CEE, de 17 de maio de 2006, formada pelos Conselheiros ROMEU GOMES DE MIRANDA, MARILIA PINHEIRO MACHADO DE SOUZA, LYGIA LUMINA PUPATTO, MARIA TARCISA SILVA BEGA e DOMENICO COSTELLA, para, sob a presidência do Conselheiro ROMEU GOMES DE MIRANDA, procederem estudos e elaboração de minuta para normatização do Sistema Estadual de Ensino do Estado do Paraná. Foram designados como Assessores Técnicos: José Roberto Faria, Gisele Cristina Seixas e Margarete de Souza e como Secretária Claudia Mara Rodrigues.

2. Relatório

Pelo Parecer n.º 03/2004, da conselheira relatora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, de 10 de março do mesmo ano, o Conselho Nacional de Educação regulamentou a alteração à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional provocada pela Lei n.o 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica de todo o país. E ao estabelecer tal obrigatoriedade, a Lei n.o 10.639 buscou o cumprimento dos preceitos legais como o artigo 3º e 5º da Constituição Federal que assim determinam:

Art. 3º., V - Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º., I - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-sileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)

Essa bela formulação, para uma enorme parcela da população brasileira, os negro-descendentes, não tem passado de uma igualdade formal. A Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil, em 26 de março de 1968, dispôs que:

Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivídu-os igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.

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Apesar de tantos anos de afirmação desse princípio internacional no Brasil os negros continuaram à margem, sobrevivendo das migalhas do sistema, mal morando, mal comendo, mal estudando, mal vivendo.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, comentando a Constituição de 1988 assim se expressa:

A Lei Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam como fundamentos da República Brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e não nos esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as leis; as leis é que são feitas para os homens. Do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual.

O Movimento Social Negro, que já vinha lutando nas sombras pelo reconhecimento do valor do povo negro e pela adoção de políticas de combate ao racismo, encontra nesses imperativos legais, forças e alento para impulsionar a luta.

Já em 1950, o I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro Experimental do Negro - TEN, no Rio de Janeiro, de 29 de agosto a 4 de setembro, em sua declaração final reivindicava: “o estímulo ao estudo das reminiscências africanas no país, bem como dos meios de remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a formação de institutos de pesquisas públicos e particulares com esse objetivo”.

A Convenção Nacional do Negro na Constituinte, realizada em Brasília nos dias 26 e 27 de agosto de 1986, apresentou aos membros da Assembléia Nacional Constituinte as seguintes reivindicações: “O processo educacional respeitará todos os aspectos da cultura brasileira. É obrigatória a inclusão nos cur-rículos escolares de 1º e 2º graus, do ensino de História da África e da História do Negro no Brasil”.

A Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o Racismo e pela Vida, realizada no dia 20 de novembro de 1995, entregou, ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, o Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial que, no tocante à Educação, assim afirmava:

• Implementação da Convenção sobre Eliminação da Discriminação Racial no Ensino;

• Monitoramento dos livros didáticos, manuais escolares e programas educativos controlados pela União;

• Desenvolvimento de programas de treinamento de professores e educadores que os habilite a tratar adequadamente com a diversidade racial;

• Identificação de práticas discriminatórias presentes nos estabelecimentos escolares e o impacto destas na evasão e repetência das crianças negras.

Estados e municípios brasileiros foram dando passos no sentido de garantir uma educação que se pautasse pelo respeito à diversidade étnica dos alunos, em especial do respeito à história e cultura negra no Brasil. Entretanto, faltava uma legislação de caráter nacional. É para dar conta desse vazio que vem a Lei 10639 , repondo , refazendo, cobrindo uma lacuna na formação escolar de nossos jovens, possibilitando que alunos afro-descendentes pudessem resgatar na escola sua identidade étnica.

A identidade é para os indivíduos a fonte de sentido e experiência.... É necessário que a escola resgate a identidade dos afro-brasileiros. Negar qualquer etnia, além de esconder uma parte da história, leva os indivíduos à sua negação. (Munanga, 1999)

Árdua tarefa! Tão largo como foi o processo de desconstrução da identidade do negro no Brasil, tem sido a demora em se reconhecer esse débito e se adotar medidas de recuperação e fortalecimento da identidade de nossos alunos negros, que agora, a lei acima mencionada vem, em parte, repor.

Importante destacar que a lei em referência não cai na armadilha da ingenuidade ou má fé da de-mocracia racial, achando que basta uma pitada de boa vontade da sociedade e os negro-descendentes, num passe de mágica estarão incluídos e respeitados.

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O texto joga seu peso em outra ponta: a organização/mobilização da sociedade para exigir a aplicação da lei, numa perspectiva de uma educação que permita aos alunos negros assumir-se como cidadãos “autônomos, críticos e participativos”, como bem afirma a conselheira Petronilha Beatriz Gon-çalves e Silva.

Faz-se também urgente e fundamental um eficiente programa de formação dos professores para trabalhar com a educação das relações étnico-raciais, pois o racismo/preconceito são atitudes, manifes-tações, pensamentos complexos que foram e vêm sendo engendrados pelas elites racistas, com objetivos tão perversos quanto ardilosos.

Informa-nos Hunold (1988), que no final do século XVII, um jesuíta italiano, residente na Bahia, Jorge Benci, pregou um sermão, publicado em 1705 com o título “Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos” que explicava aos senhores, com bases teológicas e filosóficas, as regras, normas e modelos que deviam seguir na relação com seus cativos. Enfatizava o autor que os senhores deviam propiciar a seus escravos: panis, et disciplina, et opus servo, ou seja, pão, disciplina e trabalho para o servo.

Antonil (1711), na mesma linha ensinava: no Brasil, para o escravo, são necessários três Ps; pau, pão e pano. E nesta ordem, em primeiro lugar o castigo, para dobrar a resistência, a dignidade ou qual-quer resquício de orgulho próprio.

A violência era intrínseca ao sistema. Pela violência o escravo se mantinha obediente, submisso e produtivo. O castigo foi, assim, “naturalizado”. O pouco de benevolência que havia, vinha de vozes que se levantavam por dentro da estrutura, buscando amenizar o castigo físico, mas sempre na perspectiva da legitimidade do castigo como parte inerente ao sistema escravista.

O Bispo Azeredo Coutinho, em sua Análise sobre a Justiça do Comércio de Resgate dos Escravos da Costa da África, de 1808, defendendo um tratamento mais humanitário aos escravos, orientava o sustento e o vestuário necessários, tempo suficiente de sono e instrução dos cativos na doutrina cristã e um castigo que não excedesse os limites da Justiça. Essas vozes “humanitárias” e “benevolentes” que recomendavam cautela e moderação, não chegavam entretanto, a propor a quebra dessa ordem econômica.

Exemplo clássico dessa “benevolência” vem do próprio jesuíta Benci:

Os açoites são medicina da culpa; e se os merecerem os escravos em maior número do que de ordinário se lhes devem dar, dêem-lhes por partes, isto é, trinta ou quarenta hoje, outros tantos daqui a dois dias, daqui a outros dois dias outros tantos; e assim dando-se-lhes por partes e divididos, poderão receber todo aquele número, que se recebessem por junto em um dia, chegariam ao ponto de desfalecer dessangrados, ou de acabar a vida. Haja açoites, haja correntes e grilhões, tudo a seu tempo e com regra e moderação devida, e vereis como em breve tempo fica domada a rebeldia dos servos; porque as prisões e os açoites, mais que qualquer outro gênero de castigos, lhes abatem o orgulho e quebram os brios. E tanto, que basta só que os veja o servo, para que reduza se meta a caminho e venha a obediência e sujeição do seu senhor. (Hunold, 1988).

Ao fim e ao cabo, para o senhor de escravos, aquele ser humano, para ser submisso às suas von-tades, precisava ser reduzido à condição de “coisa” posto que era uma mercadoria.

A naturalização da violência levou à naturalização da exclusão. As vozes que se levantam hoje con-tra qualquer política afirmativa de “ discriminação positiva” do negro, não argumentam, não protestam com a mesma veemência contra a condição subumana da população negra que subsiste sob as piores condições de vida nas favelas, becos e cortiços por todo este imenso país. E por que esta indiferença?

Porque parece-lhes “natural” essa condição subalterna, essa sub-condição.

O sistema escravista no Brasil não perdurou por tanto tempo (o Brasil foi o último país da América a abolir a escravatura) apenas porque era rentável. Rentável era em todos os lugares do mundo onde foi empregado. A diferença é que aqui foi produzida uma ideologia , uma ciência da dominação. E isto foi impregnando de tal forma toda as dobras da vida e da estrutura colonial que os questionamentos mais lúcidos vinham sempre pela via da reforma gradual.

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Rupturas drásticas a essa ordem, só vieram dos movimentos organizados pelos próprios escravos, pelas fugas em massa, constituição de quilombos, queima da produção agrícola, ataque aos senhores e seus capatazes e capitães do mato, etc.

Mas isto tem sido, ao longo dos anos, negado, especialmente dentro da escola, como uma ação de-terminada, pensada, organizada pelo povo negro, pelo povo escravo, por aquele povo “desumanizado”.

Diz Marx, em Concepção Materialista da História que:

(...) a primeira premissa de toda a história humana é, evidentemente, a existência de indivíduos humanos, vivos. Ao desumanizar o negro, ao coisificá-lo, estavam os dominadores a negar-lhe uma história, a negar-lhe vida. A violência do senhor era vista como castigo, dominação. A do escravo, como falta, transgressão, violação do domínio senhorial, rebeldia. (Hunold, 1988, 3)

A permanência e o êxito do sistema precisava de escravos submissos e dóceis. Qualquer possi-bilidade de afirmação de uma vida minimamente digna, era uma ameaça; e assim, religião, costumes, vestimentas, língua, tudo poderia ser um sopro em brasa adormecida. Poderia acender desejos e vontades e não cabia ao negro ter nem desejos nem vontades .

Ao mesmo tempo que se forjava uma ideologia que desse conta da dominação do negro, a classe dominante ia sendo tomada por um temor da africanização e haitinização do Brasil (temerosos de que se repetisse aqui a grande rebelião negra de São Domingos), dado o número bastante elevado da po-pulação negra no país.

Produziram-se, então, pensamentos que iam na direção da massificação de um conceito - “Os ne-gros eram responsáveis pela corrupção dos costumes. Por natureza são os pretos de um temperamento frouxo” – Vilhena-(4) Maciel da Costa, preocupado com o futuro da população branca no Brasil, dizia que a continuar o ingresso de africanos no Brasil, “veríamos em breve a África transportada para o Brasil e a classe escrava nos termos da mais decidida preponderância”.

A ideologia do branqueamento

As pressões externas e internas, as constantes rebeliões escravas, iam ensinando aos donos do sis-tema que o fim da escravidão negra era uma questão irreversível. Entram em cena os ideólogos a serviço da classe dominante, os intelectuais orgânicos, na genial concepção de GRAMSCI, e foram preparando essa transição com o menor dano possível. Era preciso preparar a substituição da mão de obra escrava, mas de uma maneira muito peculiar.

Assim, à medida que iam afirmando a naturalização da inferioridade do negro, iam tecendo a ide-ologia do branqueamento do país.

Já em 1818, ocorreram as primeiras tentativas de colonização por alemães no nordeste e no estado do Rio de Janeiro, experiências que resultaram fracassadas. Em 1824 foi retomada a idéia mas, desta vez, para o sul.

Só a partir da promulgação da Lei n.º 601 (lei que regulamentou a concessão de terras públicas), ganha corpo a política de imigração européia como solução para o Brasil. Em um panfleto de 1914, Caio de Menezes conclamava a todos que acolhessem bem o imigrante alemão com a seguinte argumentação :

Como coeficiente étnico de primeira grandeza, por que nenhum povo mais necessita da influ-ência de povos adiantados na formação de um tipo de raça do que o brasileiro, principalmente no momento histórico em que a percentagem da raça africana começa a diminuir e precisa desaparecer dissolvida pelo turbilhão da raça branca (...). A preponderência étnica do estrangeiro só trará resultados maravilhosos para a formação da nossa raça.

Em 1830, Henrique Jorge Rabelo publica um texto onde se propunha a estudar os obstáculos que a população do Brasil apresentava para o progresso do país.

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O Brasil não quer o aumento e progresso de sua população proveniente desses infelizes habitantes d’África (...). Sim, vão outra vez habitar as áridas margens do Senegal esses filhos de incultos campos, esses selvagens dignos de compaixão da humanidade. Se o Brasil quer aumentar sua população, mande vir colonos alemães, suíços e outras nações civilizadas que os podem dispensar. (Rodrigues, 2000)

Atente-se para o dado de que a imigração de africanos ou asiáticos foi proibida, e só mais tarde, em 1907, liberada.

O projeto de lei do deputado Cincinato Braga, de São Paulo e Andrade Bezerra, de Pernambuco, Projeto de Lei n.o 209, de 1921, que estabelecia cotas para ingresso de asiáticos, pura e simplesmente proibia a entrada de imigrantes negros no país.

Relato de Meade & Pírio (1988), dá conta de uma propaganda de atração de trabalhadores norte-americanos para adquirirem terras e virem ao Brasil. Não imaginavam os “propagandistas” que norte-americanos negros pudessem estar entre os pretendentes. Um grupo de Chicago se propôs a comprar terras no Mato Grosso, chegando inclusive a fundar uma companhia de colonização – a BACS – Brazilian American Colonization Sindicate, para melhor gerir a empreitada.

Mal soube desse intento, o governo do Mato Grosso prontamente reagiu contra e o Itamaraty tomou providências, negou vistos diplomáticos impedindo a entrada daqueles negros norte-americanos.

Centro das idéias de branqueamento, não poderia deixar de citar Oliveira Viana, autor da célebre afirmação de que as duas raças primitivas só se tornaram agentes civilizadores quando perderam sua pureza e cruzaram com a branca.

O efeito de toda essa trama ideológica calou fundo na formação de uma consciência distorcida e preconceituosa em relação ao negro criando, inclusive, dificuldades na articulação de uma consciência negra, queixava-se Abdias do Nascimento em “O Negro Revoltado” (1968).

Na situação econômica-social, as conseqüências são igualmente dramáticas. A pesquisa do DIEESE, de 2001, A Desigualdade no Mercado de Trabalho, apontava um quadro onde a população negra inseria-se no mercado de trabalho brasileiro de maneira mais precária do que a população não negra.

Ressaltava a pesquisa que a população de cor preta e parda representava 46% da população total do Brasil enquanto a branca correspondia a pouco mais de 55%. Apesar da representação de 46%, os negros, em 99 segundo o PNDA- Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio, representavam 64% da população pobre e 69% da população indigente. Já os brancos, compunham apenas 36% dos pobres e 31% dos indigentes. Pretos e pardos aparecem na referida pesquisa ocupando os postos mais vulne-ráveis no mundo do trabalho. Em termos de rendimentos, os trabalhadores pretos e pardos recebiam metade do valor médio recebido pelos brancos. Também entre os desempregados os maiores índices encontravam-se entre os negros.

Quando a pesquisa focava as mulheres negras, as discrepâncias eram ainda mais severas, pena-lizando a mulher negra. Em 2004, o IBGE publicou um estudo inédito sobre a situação dos brancos e pretos ou pardos em relação ao mercado de trabalho. Nas regiões pesquisadas, São Paulo, Rio de Janei-ro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador, constatou-se que os brancos recebiam, em média, R$ 6,53 por hora de trabalho enquanto que os negros recebiam R$ 3,18. Em Salvador, cidade com 80% da população negra, enquanto os brancos recebiam R$ 9,69 por hora trabalhada, os negros recebiam R$ 3,39. As mulheres negras recebiam ainda menos – R$ 2,78. Enquanto o rendimento médio dos ocu-pados brancos era de R$ 1.069,00, o rendimento dos negros ficava pela metade – R$ 535,00.

No campo educacional, a marca da desigualdade se revela com a mesma nitidez. Em 1999, não completaram o ensino fundamental 57,4% dos alunos brancos e 75,3% dos alunos negros. Quanto ao ensino médio, enquanto 12,9% dos brancos completaram esse nível de ensino, somente 3,3% dos negros chegaram a concluí-lo.

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Esses dados demonstram de forma cabal que a pobreza no Brasil tem cor. O poder branco adotou um ideal eurocêntrico de sociedade e lançou mão de ideologias, métodos, técnicas, práticas e compor-tamentos, nem sempre sutis, de fechar as portas ao negro e expulsá-lo para a periferia do sistema.

Além da luta em outras esferas da sociedade, o movimento social negro inclui nos seus objetivos de luta também a ação no universo da educação escolar. E vem sendo uma árdua tarefa, pois o ideal de branqueamento, a negação/inferiorização do negro, está muito presente e forte.

O advento da Lei n.o 10.639/03 foi um grande passo. A seguir, a aprovação pelo Conselho Na-cional de Educação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, foi um mergulho de cabeça na questão, estabelecendo passos, ritmos, princípios e programas. Alguns ainda poderão dizer que isto é um racismo às avessas, que todos sempre tiveram direito à educação, que tudo é uma questão de mérito, etc, etc. Mentira ou mistificação; de várias formas, direta e indiretamente, velada ou abertamente, os negro-des-cendentes têm sofrido um processo de constrangimento e exclusão.

É preciso lembrar que Decreto n.o 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não seriam admitidos escravos. O Decreto n.o 7.031, de 6 de setembro de 1878, estabe-lecia que os negros só podiam estudar no período noturno. Subjetivamente, ao longo de todos os tempos, salvo honrosas exceções, aos negros tem sido negado o acesso ao conhecimento por todos construído.

Mais forte e mais contundente que impedimentos legais, foi e tem sido o processo silenciosos de inculcação ideológica que foi, como já vimos, habilmente tecido e imposto sobre toda a sociedade.

Efetivar a Lei n.o 10.639/03 é tarefa não só dos professores negros mas de todos os professores, pois esta não é uma lei para os negros mas para o Brasil, como sempre afirma Hélio Santos:

A história narrada nas escolas é branca, a inteligência e a beleza mostradas pela mídia também o são. Os fatos são apresentados por todos na sociedade como se houvesse uma preponderância absoluta, uma supremacia definitiva dos brancos sobre os negros. Assim o que se mostra é que o lado bom da vida não é nem pode ser negro. Aliás, a palavra negro, além de designar o indivíduo deste grupo étnico-racial, pode significar sujo, lúgubre, funesto, sinistro, maldito, perverso, triste, nefando, etc. (Hélio Santos – A Busca de Um Caminho para o Brasil)

Princípios e aspectos a serem observados no trabalho no interior da escola:

A. Um primeiro aspecto a ser observado por todos os educadores é a recuperação do orgulho de ser negro, isto é, a busca de uma pedagogia da auto-estima elevada, ao contrário da pedagogia da reiteração da inferioridade.Audre Lorde, em seu texto – Além da Ação Afirmativa, diz que a crise fundamental na América Negra é dupla: pobreza demais, amor próprio de menos. Entre nós não é diferente. Aqui entra o papel fundamental a ser desenvolvido por todos os educadores. É preciso conhecimento e atenção, pois as armadilhas são muitas; nas histórias mais ingênuas, nos propósitos aparentemente mais elevados, estão cenas e situações de ridicularização do negro, ou do índio, ou do diferente. Nossos livros didáticos transbordam de exemplos.

No livro de Português da 6ª série, de Soares- Editora Moderna-2005, livro aliás escolhido pelo PNLD – Programa Nacional do Livro Didático,distribuído em 2005 nas escolas públicas do Brasil, na pág. 118, há um texto do grande escritor Moacyr Scliar, “A glória do falso”, publicado na Folha de São Paulo, que traz como ilustração a figura de um boneco, a representar um menino preto, com um tênis nos pés, (cada pé de uma cor diferente) fugindo. Diz a legenda: “Nike destrói 45 mil pares de tênis piratas”.

Estou seguro que o ilustrador do texto não pensou em ofender os negros, rebaixar a auto estima dos alunos negros, ou coisa que o valha. Não pensou porque esta não é uma questão pensada, racional; está no seu subconsciente. É natural, para ele, que um menino negro só use um tênis de marca tão fa-mosa, se for falso. E lhe é também “natural” representar o menino correndo, com ar assustado, porque deve ter roubado o falso tênis e portanto, está fugindo. E um pé de cada cor? Bem, aí é só a pincelada final na ridicularização do personagem, a gag do comediante.

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Pode-se até pensar, inicialmente, que a autora tivesse escolhido a ilustração, para poder traba-lhar a questão da naturalização da inferioridade do negro, do racismo e preconceito presente nas mais variadas situações, et, etc. Ledo engano. Ao trabalhar o texto, nas sete páginas seguintes não há uma questão sequer que leve os alunos a refletir ou a debater o assunto. Também para a autora passou de-sapercebida a questão.

Entretanto, como reagem as crianças ou adolescentes em contato com o texto? Passam, também, a ser personagens indiretas contracenando cabisbaixas com o contexto e enterrando sua auto-estima no mais baixo de suas almas. Estas situações repetem-se diariamente por todo o solo nacional. Por isso, o movimento negro em todo o Brasil vem denunciando a ocorrência de um amplo processo de exclusão dos alunos negros da educação escolar em nosso país.

Portanto, devem os professores, ao tratar da História da África e da presença do negro no Brasil, fazer abordagens positivas, sem deixar de tratar do sofrimento provocado pela escravidão mas não se limitando a esse momento. Devem, antes, realçar a luta dos escravos contra o cativeiro, a contribuição do negro em todos os campos da cultura brasileira, no passado e no presente.

Da mesma maneira, devem os professores tratar da África antes da diáspora; dos conhecimentos em arquitetura, navegação, medicina, ciência, filosofia, matemática, geometria, agricultura, utilização do ferro, etc. e também da África atual, sempre visando a que o aluno negro-descendente mire-se positivamente, quer pela valorização da história do seu povo, quer pela contribuição atual ao país e à humanidade.

Devem todos os trabalhadores da Educação conscientes banir do cotidiano da escola, tanto dos livros didáticos quanto da linguagem e das ações, linguagens e expressões depreciativas, estigmatizadas, em relação ao povo negro, assim como a qualquer outra etnia.

B. É preciso também que os professores trabalhem com a individualidade das crianças . Elas serão tão mais sujeitos da história quanto mais forem sujeitos em seus quotidianos. Há que se valori-zar aquilo que as torna diferentes dos outros grupos que compõem a população. Destacar suas ancestralidades. Sempre que se pergunta a descendência dos alunos, todos os euro-descendentes falam com brilho nos olhos, com orgulho de seus avós, detalhando inclusive de que parte da Europa vieram e até o que faziam lá. Quando chega a vez do aluno(a) negro(a), não há o que dizer. Via de regra responde que o avô era francês, alemão, inglês e a avó índia, morena, de cor, ou... brasileira.

Cabe ao professor não escamotear esta situação mas potencializá-la, destacando a beleza de cada etnia, a riqueza da diversidade de tipos humanos. Isto vai fazer com que os alunos negros assumam, sem maiores problemas, sua negritude. Por que não debater essa questão nas salas de aula?

Um famoso jogador negro da seleção brasileira de futebol, ao ser perguntado pelo jornal A Folha de São Paulo sobre como via as manifestações de racismo nos estádios da Europa e no então recente caso envolvendo um jogador argentino e o brasileiro Grafite, respondeu: “Acho que todos os negros sofrem. Eu, que sou branco, sofro com tamanha ignorância”.

C. Auto-estima

Não é preciso ir longe para se entender porque um negro dá uma resposta como a dada pelo atleta em questão. Isto é o reflexo de séculos de depreciação, de negação, da despersonalização do povo negro.

Os livros didáticos ainda estão repletos de estereótipos. No trato da História do Brasil, o negro só aparece como primitivo, como povo escravizado, como vítima de castigos terríveis, como coitado, como miserável e quando rebeldes, são tratados como os derrotados. Que criança negra sentirá orgulho de sua etnia. Quem é que vai querer parecer-se com os tipos e com a vida dos negros postos em cena? E o lugar de onde vieram esses escravos?

Via de regra a África é representada como um lugar atrasado, primitivo, sujo, inóspito, cheio de animais ferozes, enfim, um lugar onde o Tarzan e o Fantasma andavam tentando civilizar e proteger. Quem não lembra dos gibis que povoaram a infância de milhares de brasileiros?

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A academia desconhece a História da África e os educadores não poderiam ser diferentes. Ago-ra, com a pressão do movimento negro, com o advento da Lei n.o 10639/03, com o parecer do CNE, a situação tende a mudar. Mas só mudará, de fato, se professores (negros e brancos) assumirem a tarefa de forçar as instituições de ensino universitário (a África nunca esteve neste universo) a incluírem a disciplina de História da África como obrigatória.

Cabe agora, aos professores e professoras nas escolas de ensino básico recuperar a África das grandes civilizações, destacar a grandiosidade do império egípcio que perdurou por trinta séculos, da grande agricultura já desenvolvida há 6 mil anos antes de Cristo, do majestoso rio Nilo, das monumentais pirâmides, da escrita, do calendário de 365 dias, do excepcional desenvolvimento da perfumaria, de uma medicina muito desenvolvida para a época, da extraordinária técnica da mumificação, do eficiente sistema de navegação, das monumentais pirâmides, ainda hoje mistério e encantamento para o mundo todo.

O cinema norte-americano popularizou a versão de que tudo isso acontecia numa terra de bran-cos, de faraós loiros e de rainhas hollywoodianas. Não esquecer também de mostrar os grandes reinos africanos que levantaram cidades, universidades, riquezas culturais e riquezas materiais. Uma coisa é falar dos vários processos de exploração, dominação e partilha da África , outra é folclorizar a África e seus descendentes.

Por muito tempo o próprio movimento negro caiu nessa armadilha e acabava reiterando a África do tambor, da magia, da selva impenetrável, do deserto árido, das guerras tribais. Foi em função da massificação desses preconceitos que o presidente da República, em visita à Namíbia, disse que a capital era tão limpa que nem parecia ser na África. Se os professores solicitarem aos alunos uma representação da África, certamente irão projetar o mesmo que o nosso presidente e daí para pior. Afinal, é isto que aprendem.

Agora, cabe aos docentes, reverter este quadro. Mas isto exige preparação, estudo, leituras, pes-quisas. Devem organizar, nas escolas, estantes que contemplem obras que venham em socorro desta formação; devem pressionar as mantenedoras para oferecer cursos, livros, palestras, filmes, tudo o que for necessário para rompermos com este atraso que atravessa as noites dos séculos.

D. Histórias e lendas

Professores do ensino fundamental devem dar a conhecer a seus alunos as lendas, contos, mitos, cantigas que têm como cenário o universo negro, a cultura africana. Não é comum encontrarmos obras com este teor, por isto indicamos desde já o excelente trabalho de Machado e Petrovitch (2004), Mitos Afro-brasileiros, editado pela Universidade Federal da Bahia.

Uma atividade que contribui nessa direção é solicitar aos alunos que recolham de seus avós ou pessoas idosas da comunidade, histórias, contos, cantigas,brincadeiras, e depois de classificadas, repas-sem ao demais colegas da escola e de outras escolas.

E. Dádiva ou conquista

Farta é a divulgação por todos os meios de que a libertação dos escravos foi uma dádiva de prin-cesa Isabel, um presente das elites.

Entre nós não houve necessidade de uma luta entre irmãos, de armas em punho, levantados uns em nome dos interesses da rotina agrícola, erguidos outros à sombra de um lábaro que traía os seus interesses egoísticos da sociedade industrial precisada de braço livre e barato. (Jornal Diário da Tarde, 13 de maio de 1909, Curitiba).

(...) parece que foi ontem tão profunda foi essa reforma social que fizemos sem derramamento de sangue, e que tem custado a outros países mais adiantados que o nosso, os horrores da guerra civil (Jornal Gazeta do Povo,1919).

Os professores devem, especialmente no ensino médio, quebrar essa visão paternalista, mostrando as várias lutas de resistência empreendidas pelos escravos: a Revolta dos Malês, em 1835; a Cabanagem, de 1835 a 1840; a Balaiada, de 1838 a 1841; a resistência de Palmares, o imortal quilombo que travou uma luta por cerca de 100 anos, só sendo vencido após uma cilada, uma armadilha arquitetada por Do-mingos Jorge Velho, que a nossa História oficial proclama como herói bandeirante.

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25História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Os professores devem aproveitar o dia 13 de maio, Dia Nacional de Luta contra o Racismo, para trabalhar para além da sala de aula a visão contra-hegemônica que o movimento negro já construiu ao longo dos últimos trinta anos. O 20 de novembro deve ser celebrado na escola e nas comunidades como o Dia Nacional da Consciência Negra e deve ter previsão no calendário escolar.

F. Remanescentes e comunidades quilombolas

Só muito recentemente, a partir de 2004, iniciou-se, um trabalho de mapeamento das comunidades de remanescentes quilombolas no Estado do Paraná. O governo do Estado, através Grupo de Trabalho Clóvis Moura, sob a coordenação de Glauco Souza Lobo e a Professora Clemilda Santiago, coordenado-ra do trabalho de campo, pela SEED, já catalogaram mais de duas dezenas de localidades, sendo que quatorze delas já têm reconhecimento pela Fundação Palmares como remanescentes quilombolas e cerca de vinte comunidades estão em processo de reconhecimento.

Assim, rasgando o silêncio geral que imperou por todo este período, graças a esse trabalho, hoje o Paraná, que até então figurava no mapa do Brasil como Estado sem comunidades remanescentes de quilombos, pode apresentar agora, número tão expressivo de um povo vivendo na mais precária situação, sem muita diferença das condições em que viviam sob a escravidão.

A título de reconhecimento, é preciso destacar a luta da comunidade remanescente quilombolas Invernada Paiol de Telha, que no município de Pinhão, em 1996 e 1997, organizando um acampamento num barranco à beira da propriedade que de direito lhes pertence e lhes foi, pela violência, tomada, ini-ciaram um movimento de denúncia e resistência. Foram os que primeiro chamaram a atenção, em nosso Estado, para a existência e situação dos remanescentes quilombolas, gerando um amplo movimento de defesa e apoio, integrado por várias entidades do movimento sindical e popular como a CUT – Central Única dos Trabalhadores, APP-Sindicato – Associação dos Professores do Paraná, Comissão Pastoral da Terra, Pastoral Operária, Centro de Direitos Humanos, AFATRUP – Associação dos Agricultores Familia-res, ACNAP – Associação Cultural de Negritude e Ação Popular, entre outras.

Os professores devem levantar a temática dos remanescentes de quilombos no Paraná, debater seu significado com os alunos e trazer para o interior da escola a questão. Propugnar pela organização de centros de documentação que possam recolher todas as informações não só sobre os agrupamentos remanescentes de quilombos rurais mas também as comunidades urbanas que ainda subsistem na pe-riferia das cidades. Envolver os alunos nesses projetos é tarefa da mais alta significância.

G. Garantia de condições de ensino

Cabe também aos educadores liderar a luta para que as mantenedoras de estabelecimentos de ensino garantam condições humanas, materiais e financeiras para a execução de projetos que tratem da Educação das relações étnico-raciais.

H. Situações de discriminação

São freqüentes as situações de discriminação ocorridas dentro das escolas. É comum o professor fingir que não viu ou minimizar o caso ou então dizer aos alunos que não é assim que se age, sem di-zer como se age. Esta atitude só favorece o agressor e cria uma clima de impunidade e de conivência, levando o agredido, mais uma vez ao caminho da busca da invisibilidade, da negação, da dificuldade no processo de aprendizagem, da recusa em ir à escola e por fim da evasão.

Muitas outras ações podem e devem ser desenvolvidas no universo escolar. Grandes desafios estão nas mãos dos trabalhadores da Educação.

É preciso afirmar, de forma peremptória, que um ser humano que carregue sua auto-estima no nível mais baixo de sua alma, como um fardo cada vez mais pesado, em verdade não vive, arrasta-se numa pavorosa ausência de propósito e de esperança.

Por fim, trazemos para esta Indicação uma citação da Conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva:

Não se trata simplesmente de incluir os negros e integrá-los numa sociedade que secularmente os exclui e desqualifica, mas oferecer uma educação que lhes permita assumir-se como cidadãos autônomos, críticos e participativos.

É a Indicação.

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26 Cadernos Temáticos

Mayombe: a luta de libertação de um povo

Lusinete Barbosa dos Santos Osni de Oliveira Silva Col. Est. São José – Londrina - PR

Resumo

Pepetela relata, através da ficção, parte da história de Angola. Mayombe mostra a grandeza e miséria de um grupo de guerrilheiros embrenhados nas florestas angolas durante a guerra de libertação nacional. Essa obra ficcional traz uma visão crítica quanto ao contexto histórico-político de um país, denunciando os atos autoritários do colonialismo português. Mayombe denuncia os ódios tribais, chamando atenção para os dramas individuais e existenciais que ultrapassam os idealismos. Teoria, Sem Medo e Novo Mundo sintetizam as inquietações dos personagens, politicamente nivelados no intuito de incutir em si a consciência dos direitos e deveres, levando-a a todo o povo angolano.

Palavras-chave: Literatura Africana; Angola.

1. Introdução

O trabalho aqui exposto visa retratar a obra Mayombe escrita por Pepetela (Arthur Maurício Pestana dos Santos), um dos grandes expoentes da Literatura Africana de Língua Portuguesa.

A ficção de Pepetela se caracteriza por um constante e lúcido olhar sobre a história de Angola. Seus textos se tecem por um intenso trabalho com a linguagem, o que impede que haja uma transparência em relação aos fatos históricos. Pepetela é um contador de Histórias e das estórias angolanas, havendo em seus textos uma visão crítica tanto acerca do contexto de seu país como da própria arte de narrar e escrever. Em sua ficção o autor opta por caminhos alegóricos, denunciando figuradamente os atos autoritários do colonialismo português.

Mesmo nas obras escritas durante as lutas pela libertação de Angola, segundo os cânones revo-lucionários orientadores dos ideais políticos do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), as narrativas de Pepetela não perdem a perspectiva crítica, a visão dialectiva em relação ao processo histórico angolano.

A literatura africana de língua portuguesa tem menos de cento e quarenta anos e abrange cinco países: Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau. Em geral, essa Literatura Africana caracterizou-se por uma forte denúncia da exploração, da opressão e da repressão do sistema colonial, exortando o colonizado à revolta e à revolução. Após 1979, crescem, na Literatura Africana de expressão Portuguesa, temas como o do contrato (trabalho forçado), prostituição, seca e fome, injustiça, clandestinidade, aculturação, alimentação, revolta, repressão, messianismo, organização política, resis-tência e choque de culturas, entre outros. Nas décadas de 60 e 70 os movimentos de descolonização portuguesa são mais fortes e constantes, as obras deste período são claramente marcadas pelo desejo de libertação seus temas versam quase sempre sobre as guerrilhas e conflitos gerados por esse anseio do povo africano.

2. Fundamentação teórica

O romance Mayombe inicia-se com uma sugestiva e metafórica dedicatória: “Aos guerrilheiros do Mayombe, que ousaram desafiar os deuses, abrindo um caminho na floresta obscura, vou contar a história de Ogum, o Prometeu africano”. Contaminando com a figura africana de Ogum a mitologia ocidental, a voz enunciadora abala os valores culturais impostos pelo colonialismo, buscando, em antigos mitos da África, as raízes identitárias estabelecidas pela conquista. Invocando Ogum, deus da guerra, orixá do ferro e das batalhas, o discurso enunciador conclama os guerrilheiros à luta. Mayombe denuncia os ódios tribais, mostrando que também eles foram responsáveis pelo dilaceramento do corpo social angolano. Chama atenção para os dramas individuais e existenciais que ultrapassam o puramente ideológico.

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Mayombe é um painel das tensões internas nos quadros da luta de libertação. É o retrato de intre-pidez, mas também dos vis procedimentos de um grupo de soldados.

As várias vozes que se alternam na narrativa, questionam-se umas às outras, convertem o texto em um corajoso debate cujo principio está na perspectiva de auto-crítica com que a realidade angolana. Mayombe mescla em si história, poesia, realismo, filosofia e sua tendência é socialmente crítica.

Em Mayombe, Pepetela, a quem chamamos de romancista-filósofo, retoma e desenvolve as cate-gorias dialéticas da cultura africana e do processo histórico angolano, usando em termos políticos três alegorias que formam um triangulo, que denominou de Sem Medo, Teoria e Mundo Novo, a fim de poder questionar a evolução e a complexidade das lutas pela independência de seu país. Escrito em 1971 e só publicado em 1980, inclusive por ponderação dos que achavam não ser o momento oportuno, este livro que aprofunda a consciência crítica do autor, ao pôr em xeque as próprias motivações e crenças em diversos combatentes, como a do Comandante que suspeita de que Mundo Novo, por exemplo, “deve estar a pensar na Europa e nos marxistas-lenistas”. Ao revelar a condição humana dos personagens, as fraquezas, medos, dúvidas, ilusões, angústias, mesmo quando teoricamente seguros da ideologia que professam ou dos objetivos políticos a atingir, como faz Teoria, o narrador, durante o desenrolar dos acontecimentos.

O texto é Mayombe, o escritor Arthur Carlos Maurício Pestana dos Santos (Pepetela), o espaço a floresta de Cabinda, os personagens um punhado de guerrilheiros.

Mayombe conta as relações humanas de soldados em uma base guerrilheira, soldados esses de origens étnicas diversas, mas que lutam pela mesma causa: contra o colonialismo.

No primeiro contato que se tem com as personagens, estas acham-se reunidas próximas ao rio Lombe (rio angolano que corta a floresta de Cabinda). Aparece o nome de Teoria, professor, que possui uma função didática dentro do grupo; ele é responsável pela formação escolar e também política dos combatentes menos instruídos, partindo do pressuposto que acabada a guerra e concretizada a vitória esses seriam os chefes políticos do país.

Outro aspecto em relação ao professor Teoria logo fica evidente: ele é mestiço. O mulato na socie-dade colonialista e africana em geral é mal visto, sendo repudiado tanto por brancos como por negros. É contra esse repúdio que o professor luta desesperadamente, pois somente combatendo, se oferecendo para atividades arriscadas, é que os demais de seu grupo esquecem a tonalidade de sua cor. Não pode fraquejar, cometer qualquer erro, pois sua pele o condenaria.

Dentro do quadro militar das guerrilhas o responsável maior pelas ações é o comandante. Essa é a função do personagem Sem Medo. Este já possui grande experiência nas guerrilhas, afinal era solda-do de Henda (herói nacionalista membro do MPLA morto em 1968). Uma das suas características mais notórias é a extraordinária capacidade de observação; ele estuda detalhadamente as reações de cada soldado, descobrindo os pontos positivos e negativos de seus soldados.

Sem Medo, por exemplo, é quem descobre toda a aflição de Teoria na sua luta contra o precon-ceito racial e procura ajudá-lo, amenizando o sofrimento do professor. É o comandante que ao mesmo tempo em que desperta admiração e respeito em alguns de seus combatentes, desperta também uma raiva surda por parte de outros. Sem Medo é morto em combate. Morrem com ele todas as suas certezas, suas dúvidas, suas virtudes, seus erros. Fica para seus soldados o exemplo de suas ações.

O terceiro vértice deste triângulo é Novo Mundo. Novo Mundo estudou na Europa e suas idéias são de conformidade com o Marxismo; um de seus juízos mais arraigados é o que Marx afirma quando profere que o homem como indivíduo não é nada, pois só as massas constroem a história.

Em Mayombe verifica-se que as inquietações das personagens estão no mesmo nível de politização, ou seja, o objetivo é incutir em si próprios a consciência dos direitos e deveres políticos e por extensão levar essa atitude de conscientização a todo povo angolano, tendo como instrumento para a concretiza-ção desse objetivo a guerra de guerrilhas.

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3. Conclusão

O livro é uma história por expor sucessos ocorridos na vida de um povo: a sociedade angolana, guerrilhas e guerrilheiros, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) não são criações da obra de ficção, mas fatos reais.

Mayombe é um anseio de liberdade, condição estabelecida em Angola no dia 15 de Novembro de 1975.

Hoje, Angola está livre do jugo colonialista porque teve a seu favor muitos homens como Teoria, Sem Medo, Mundo Novo e demais guerrilheiros dos movimentos de libertação, que não tiveram medo de morrer e ter como túmulo a floresta chamada Mayombe.

4. Referências

C.I.T.I. Pepetela. [on line]. Disponível na Internet via WWW URL: http.cit.pt/cultura/literatura/romance/pepetela/ acesso em 30.03.03.

DUTRA, Robson Lacerda. Arthur Carlos Mauricio Pestana dos Santos: Pepetela. [On line]. Disponível na Internet via WWW URL: http.www.vidaslusofonas.pt/Robson_dutra.htm acesso em 10.08.04.

MATOS NETO, Ramiro. Influências da literatura brasileira nas literaturas africanas da língua portu-guesa. Salvador: EGBA, 1996.

PEPETELA. Mayombe. São Paulo: Ática, 1982.

SANTILLI, Maria. Estórias africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1982.

SANTOS, Seomara. Na curva oblonga do tempo, uma alegórica parábola... UEA-Digital, 2003. [on Line]. Disponível na Internet via WWW URL:

http.www.uea-angolas.org/noticia.cmf?ID=193 Acesso em 10.08.04.

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29História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

A Capoeira como instrumento de identidade social e cultural

Ana Lúcia LealColégio Estadual Professora Júlia H. de Souza

Resumo

Este artigo refere-se a um projeto que teve início em 2001, através da iniciativa de alunos que praticavam capoeira após o horário das aulas, no Colégio Estadual Júlia H. de Souza, NRE de Pitanga. Considerada por muitos uma “cultura marginal”, tanto pela falta de informações disponíveis, quanto pelas deturpações propositais do status quo, buscou-se uma proposta que, além de divulgar a capoeira, proporcionasse aos alunos a oportunidade de praticar essa atividade física saudável de maneira estruturada e com objetivos definidos. O projeto foi também idealizado para resgatar a memória oral dentro do universo da capoeira, registrando, documentando e divulgando esse cenário popular por meio de informação histórica obtido através de pesquisas e da sua prática, realizada pelos alunos no espaço da escola. O incentivo maior para que esse trabalho fosse colocado em prática em uma instituição pública foi a possibilidade de incentivar a integração de alunos em atividades saudáveis, deixando de participar de grupos (gangues) extremamente violentos existentes na região.

Palavras-chave: Cultura; Capoeira.

1. Introdução

Apesar de toda a informação disponível nos dias de hoje, ainda é possível perceber muitas con-tradições no que se refere à cultura afro-brasileira. Exemplo disso é a Capoeira, atividade tipicamente brasileira, que é desconhecida por grande parte da população e que ainda sofre com atitudes de pre-conceito e racismo.

O projeto “Grupo Raça de Capoeira” procura reverter o atual quadro de escassez de informações históricas no universo da Capoeira, fato este que parece paradoxal frente à presença dessa manifestação cultural, encarada como esporte em muitos países e por inúmeras formas de organização como Confe-derações, Ligas, Fundações e até mega-grupos. A despeito da existência de milhares de praticantes que se dividem em estilos variados dentro deste ambiente, grande parte da história da Capoeira ainda se encontra apenas na memória de capoeiristas antigos.

O grupo busca, desta forma, reiterar uma forma de resgate dessa cultura popular que, atualmente, distancia-se de suas raízes, pelo próprio processo de modificação de conceitos através dos tempos.

As atividades relativas ao projeto abordam várias temáticas, como saúde, pois a capoeira pode ser considerada um esporte; educação e cultura, pois é arte, com elementos de dança e de folclore; cida-dania, pois é a manifestação e expressão de um povo oprimido em busca da sobrevivência, liberdade e dignidade, tendo como tema principal a educação para a paz, pois tem como objetivo principal diminuir a agressividade, com erradicação da violência e desenvolvimento de valores humanos.

2. A Capoeira

Toda atividade que se dê à criança ou adolescente na escola, na sala de aula e fora dela, precisa ter uma intenção clara, isto é, um objetivo explicitado tanto para o professor como para o aluno. E todo trabalho realizado no espaço escolar, para que possa atingir os alunos o mais completamente possível, deve englobar atividades teóricas e práticas.

Assim, para que o grupo de capoeira fosse criado, percebeu-se a necessidade de realizar um es-tudo sobre o que é essa atividade tão rica, mas ainda inexplorada na maioria das escolas. A cada nova informação encontrada, a pesquisa tornou-se mais e mais empolgante, pois a capoeira não é apenas um esporte, é um modo de vida.

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O universo da capoeira está se expandindo cada vez mais, embora ainda não tenha a dimensão que merece. Hoje em dia, apresenta faces muito diferentes das que apresentava antigamente e, no am-biente da capoeira, rico em diversidade, há uma confusão semântica na origem, no desenvolvimento e na complexidade de formas de capoeiragem existentes.

É interessante observar que embora seja muito antiga – surgiu na época dos escravos – pode-se apontar apenas dois grandes ícones e dois estilos: Mestre Pastinha e a Capoeira Angola e Mestre Bimba com a Capoeira Regional.

Mestre Bimba, cujo nome era Manoel Joaquim dos Reis Machado, aprendeu e ensinou a capoeira Angola durante quatorze anos, mas depois de muitos estudos, desenvolveu este novo estilo, mais obje-tivo e letal. Foi dele a primeira academia de capoeira organizada, com alunos de grande projeção social e até autoridades do governo, contribuindo assim para a ascensão sociocultural do esporte. A capoeira viria a ser sistematizada como forma de luta e instituída como desporto em 1973.

Outro ponto de grande interesse é que há menos de 100 anos, a Capoeira estava no código penal brasileiro, inclusive com presídio em Fernando de Noronha, para onde eram enviados os capoeiristas presos e, hoje em dia, possui a fama de único esporte genuinamente brasileiro, presente em muitos países, buscando se tornar esporte olímpico.

A evolução histórica da capoeira é tão grande que já há um curso superior específico em capoeira na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, e existe um grande número de capoeiristas em ativi-dade como nunca houve na história. Por outro lado, uma minoria desses capoeiristas fazem Angola ou Regional enquanto quase a totalidade não faz nenhum desses estilos.

Quando se fala em capoeira, o termo que mais se ajusta é arte, pois os termos “folclore” e “esporte” são mais rígidos e sofrem menos mudanças no decorrer do tempo, para conceituar a Capoeira. Sendo Arte, a Capoeira se modifica e preserva em sua própria estrutura o conceito mais arcaico de movimento: “viver é um processo emocional, de movimento. Viver é movimentar, e movimento é aprender”.

Ao longo do estudo, muitas informações interessantes foram sendo acrescentadas: a capoeira serviu por muitos anos como instrumento de luta dos escravos, mas os seus golpes quase acrobáticos e com aspecto de dança contribuíam para enganar os senhores de engenho, que permitiam a prática, julgando-a como uma brincadeira dos escravos. Segundo AREIAS (1983), a dança, por sua vez, representada pela ginga, servia para disfarçar a luta dando-lhe um caráter lúdico e inofensivo. A capoeira provavelmente tem esse nome pois era em áreas semidesmatadas, assim chamada, que os escravos treinavam seus golpes.

A capoeira é a única modalidade de luta que se faz acompanhada por instrumentos musicais. Isso se deve basicamente às suas origens entre os escravos, que dessa forma também disfarçavam a prática da luta, numa espécie de dança, enganando os senhores de engenho e os capitães-do-mato. No início esse acompanhamento era feito apenas com palmas e toques de tambores; posteriormente, foi introdu-zido o Berimbau, instrumento composto de uma haste tencionada por um arame, tendo por caixa de ressonância uma cabaça cortada. O som é obtido percutindo-se uma haste no arame. Pode-se variar o som abafando-se o som da cabaça e (ou) encostando uma moeda de cobre no arame; complementa o instrumento o caxixi, uma cestinha de vime com sementes secas no seu interior.

O Berimbau, que era um instrumento usado inicialmente por vendedores ambulantes para atrair fregueses, tornou-se instrumento símbolo da capoeira, conduzindo o jogo com o seu timbre peculiar. Os ritmos são em compasso binário e os andamentos, lento, moderado e rápido, são indicados pelos toques do Berimbau. Já o berimbau-de-barriga entrou na Capoeira entre os séculos XIX e XX. Antigamente, no lugar do arame, era usado o cipó-de-imbé e havia também o berimbau-de-boca. O nome “berimbau” é de origem portuguesa e espanhola e foi transferido para o arco-musical africano, que é um dos instru-mentos musicais mais antigos da humanidade.

O atabaque foi introduzido na capoeira provavelmente no século XX, na sua institucionalização. Apesar de constar em uma clássica ilustração de Johann Moritz Rugendas (de 1830, considerado o mais antigo desenho do jogo de capoeira), o atabaque não manteve uma continuidade histórica. Inclusive, há versões de que quem o introduziu foi Mestre Canjiquinha. A Bahia muito contribuiu para o desenvolvi-mento dessa arte na parte musical, introduzindo o pandeiro, o caxixi e o reco-reco, em substituição às palmas; e o berimbau-de-barriga com corda de aço, com voz mais sonora e muito mais recursos que o de boca.

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Numa roda de capoeira, o conjunto rítmico completo é composto por: três berimbaus, dois pan-deiros, um reco-reco, um agogô e um atabaque. A parte musical tem ainda ladainhas que são cantadas e repetidas em coro por todos na roda. Um bom capoeirista tem obrigação de saber tocar e cantar os temas da Capoeira.

O jogo da Capoeira na forma amistosa, ou seja, na roda, é verdadeiramente um diálogo de corpos. Dois capoeiristas se benzem ao pé do Berimbau e iniciam um lento desafio, formado por perguntas e respostas corporais, até que um terceiro ‘compre o jogo’ e assim desenvolve-se sucessivamente até que todos entrem na roda.

A Graduação do grupo é baseada na força das cores (do claro para o escuro). A corda Preta sur-giu como homenagem a Zumbi dos Palmares e a todos os negros, figuras fundamentais na história da capoeira.

A história da capoeira é a história dos excluídos da sociedade brasileira, dos conflitos étnicos, sociais e econômicos que ainda hoje se preservam em uma sociedade paradoxal em que a riqueza de bens de produção e consumo, contrasta-se com uma pobreza social, absurdamente aceita.

A capoeira tem quinhentos anos, mas ainda simboliza a busca pela liberdade e representa um folclore.

3. Grupo Raça de Capoeira

A criação e realização do projeto foi uma iniciativa dos próprios alunos, que, ao saírem do colégio, após as aulas, reuniam-se para jogar capoeira. Sendo a escola um espaço comunitário, a direção permitiu seu uso para a realização dos treinos, que passaram a ser realizados no pátio interno. Durante cerca de um ano os integrantes do grupo, sem o auxílio direto de um professor, apenas praticavam a capoeira, sem conhecer seus fundamentos e sua história. Percebendo o interesse e a motivação dos integrantes, a professora de Língua Portuguesa passou a trabalhar junto aos alunos, procurando integrar a prática à teoria.

Não foi somente o interesse cultural que incentivou a participação de uma professora no grupo. Outro grande incentivo foi um estudo estatístico, realizado na escola, que mostrou que a agressividade é presença constante no comportamento dos alunos, sendo necessário uma alternativa para diminuir a violência presente no dia-a-dia escolar. Essa grande agressividade, gerada, principalmente, por problemas sociais, familiares e financeiros, poderia tornar-se um sério problema, uma vez que tanto escola como família enfrentam grandes dificuldades para afastar os jovens de atividades criminosas, pois o colégio localiza-se em um bairro de alto índice de criminalidade.

Assim, uniram-se os dois objetivos – trabalhar a cultura afro-brasileira e proporcionar atividades saudáveis – trazendo os alunos para dentro do colégio, fora do horário escolar, fazendo com que os mesmos pudessem utilizar seu espaço para o desenvolvimento de uma atividade de seu interesse.

A realização do projeto se dá, prioritariamente, pela prática da capoeira, com a realização de en-contros duas vezes por semana, para realização das atividades e dos treinos.

Grande parte do grupo é proveniente de classe baixa o que dificulta a possibilidade dos mesmos terem condições de lazer e esporte. Desta forma, o grupo de capoeira tem como objetivo principal envolver os alunos em atividades saudáveis, buscando aumentar a auto-estima, proporcionando uma atividade de lazer e elevando o nível de consciência crítica dos alunos quanto às questões sociais, tais como violência e drogas.

Além desse lado social, o grupo tem por objetivo, incentivar, divulgar e resgatar a cultura afro-brasi-leira e africana, a arte, a capoeira, contribuindo para uma melhor compreensão dos aspectos sócioculturais do país. Para tanto, o grupo realiza apresentações, tendo representado o colégio em diversos eventos a nível municipal e regional, bem como em encontros culturais realizados em Faxinal do Céu-PR.

Os resultados do projeto já superaram o esperado inicialmente. O Grupo conta com o apoio direto da comunidade escolar, tendo conseguido em 2004 o patrocínio da Caixa Econômica Federal, Agência de Pitanga, que arca com algumas despesas financeiras, como abadás e instrumentos musicais, propor-cionando, também, ajuda pessoal aos alunos com dificuldades financeiras mais graves. São atualmente 17 (dezessete) integrantes, dois instrutores e uma professora, mostrando que cada cultura transporta

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seu conteúdo ao longo dos anos, tendo sua contribuição na capoeira, pois foi de grande influência nas sociedades através dos tempos, seja como forma de expressão artística, esporte ou como simples entre-tenimento.

4. Considerações Finais

Desde a Antiguidade, a humanidade já tinha na expressão corporal uma forma de se comunicar. São encontradas influências culturais em todos os países, e no Brasil, não seria diferente. No entanto, ainda hoje, num país com maioria de descendência negra, sofre-se com o preconceito e a falta de respeito pela cultura afro-brasileira e africana.

A capoeira mexe com o corpo, a afetividade e a sociabilidade das pessoas. Assim, a criação do grupo foi uma forma de incentivar os alunos a desenvolverem suas habilidades tanto físicas e artísticas, quanto emocionais. Empolgados, os alunos sentem grande satisfação por ver que seus esforços são re-compensados.

Tanto a prática da capoeira, como os estudos realizados, proporcionaram aos integrantes uma troca de informações e experiências com relação a essa “arte”, difundindo suas filosofias, experiências e, ainda, contribuindo na formação cultural das pessoas junto às comunidades.

Este trabalho, realizado em uma escola pública, em uma cidade com grande imigração ucraniana e alemã, mostra que há espaço para todos. Sejam brancos, negros, mulatos ou índios.

5. Referências

AREIAS, Anande das. O que é capoeira. Revista Capoeira, v. 4, n. 3.

HISTÓRIA DA CAPOEIRA. Disponível em: http://www.abrasoffa.org.br/folclore/capoeira/html. Acesso em 17/07/04.

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A Lei 10.639, a formação de professores e o curso a distância “Trabalhando o Imaginário para a Democracia Racial” no Estado do Paraná

Jairo de CarvalhoColégio Estadual Santa Maria Goretti Universidade Estadual de Maringá Associação União e Consciência Negra de Maringá

Resumo

Após reconhecer a justeza da lei que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, este artigo discorre sobre os problemas para a sua aplicação, especialmente os relacionados à falta de formação dos professores para trabalharem esses temas e a busca por alternativas, como é o caso, no Paraná, do Curso a Distância “Trabalhando o Imaginário para a Democracia Racial”.

Palavras-chave: Formação de Professores; Curso a Distância; Democracia Racial.

1. Introdução

Em 9 de janeiro de 2003, com o início do Governo Lula, foi promulgada a Lei 10639 e, desde aquela data se tornou obrigatória a inclusão nos currículos dos estabelecimentos de ensino fundamental e médio conteúdos relacionados à História da África e à Cultura Afro-Brasileira, até então praticamente inexistentes, ou inadequadamente trabalhados. Evidentemente, essa era uma medida necessária e reconhecida como justa por todos aqueles que não acreditavam no mito da “democracia racial”, apregoada por Gilberto Freyre e amplamente aceito na sociedade brasileira, que não via a existência de conflitos étnicos no país. Esse mito que já era questionado1 sofreu novos desgastes com a divulgação das pesquisas do IBGE e do IPEA2 sobre a situação da população negra no que se refere aos índices de escolaridade, à expectativa média de vida, à renda e aos salários, em comparação com os descendentes de europeus residentes no território brasileiro. Vários estudos demonstravam que também a educação aqui praticada tem um perfil eurocêntrico, já que raramente dá visibilidade para as vertentes africanas e indígenas que, assim como o elemento europeu, também ajudaram na constituição da sociedade brasileira. Com a publicação dessa lei, o governo atendia a uma demanda do movimento negro organizado que há muito tempo reivindicava mudanças na forma e no teor da transmissão de conhecimentos para os estudantes brasileiros.

É fundamental que se resgate uma imagem positiva do homem negro, para que a criança negra possa se projetar numa imagem positiva e perceber suas possibilidades de ascensão social e de uma trajetória escolar bem sucedida. Os professores têm colocado um certo temor diante da questão racial, falam o menos possível sobre o assunto, como se na sala de aula existisse uma população homogênea. Para o enfrentamento dessa situação, é necessário que os professores comecem abordando o negro de uma forma positiva, portanto, contrária ao material escolar. Isso se faz resgatando os feitos das personalidades negras, a atuação coletiva do povo negro, a importância das civilizações africanas; é importante que as manifestações culturais negras, como a religiosidade sejam ressaltadas no seu caráter positivo, e não tomadas como superstições que devem ser banidas em nome do progresso. Grandes figuras da humanidade e, em particular, na história brasileira, eram negros; e quando a auto estima da criança negra estiver reabilitada ela estará preparada para fazer uma discussão sobre a questão racial a partir do ponto de vista, não de alguém a quem vai fazer uma concessão, mas a partir do ponto de vista de que ela é sujeito histórico e, portanto, importante no contexto sócio-cultural do seu país.3

1. Tudo indica que Florestan Fernandes (1964) foi o primeiro a questionar academicamente a “democracia racial”. Nos seus estudos, a noção de democracia racial brasileira é caracterizada como um instrumento utilizado para a manutenção do sistema de classes vigente.

2. Para comprovar que a exclusão do negro não é especulação e sim estatística, em seu artigo Ações afirmativas: limites e possibilidades, Olívia Santana (2002) apresenta alguns números do IPEA: 64% da população pobre é negra, contra 36% de brancos e 69% dos indigentes são negros, contra 31% de brancos; os negros representam 70% dos 10% da população mais pobre do país, enquanto os brancos somam 85% dos 10% da população mais rica.

3. José Carlos Gomes dos Anjos, em entrevista a O Diário do Norte do Paraná em 7 de setembro de 1997. In: CARVALHO, 1997, p. 74.

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34 Cadernos Temáticos

Diante da desinformação produzida por tantos anos de ensino baseado nas teses eurocêntricas e da carência de literatura especializada e acessível, fica a questão: onde os professores que atuam no ensino fundamental e médio poderão obter o conhecimento necessário para repassar aos seus alunos?

A resposta mais óbvia para essa questão seria: a universidade, já que tradicionalmente são as ins-tituições de ensino superior as responsáveis pela formação de professores. Porém, ela remete a outro problema: as instituições universitárias, em geral, não têm levado muito em conta o fato de que o Brasil é um país negro. Assim, quase sempre cultivam como referência os debates acadêmicos que tratam de outras temáticas e a História da África mantém-se desconhecida de quase todos os docentes das licen-ciaturas.

A necessidade de uma formação um pouco mais aprofundada não poderá ser atendida em curto pra-zo, devido à pequena quantidade de instituições e pesquisadores voltados para essa área de interesse.

Há que se reconhecer os recentes esforços das autoridades educacionais para preencher a lacuna existente na formação dos educadores, mas aqui, nos interessa particularmente uma outra iniciativa que vem apresentando interessantes resultados. Trata-se do Curso a Distância “Trabalhando o Imaginário para a Democracia Racial”, criado pelo Cecun - Centro de Estudos da Cultura Negra, com sede no Estado do Espírito Santo e implementado no Paraná pela Associação União e Consciência Negra de Maringá. Essa iniciativa tem recebido importante apoio de alguns órgãos públicos como a Prefeitura de Maringá através da Assessoria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, do Laboratório de Ensino de História e Multimeios da Universidade Estadual de Maringá e de secretarias e departamentos de educação de vários municípios paranaenses, além das equipes de ensino de vários Núcleos Regionais de Educação.

O presente trabalho tem o objetivo de apresentar informações sobre essa alternativa que tem sido adotada por um número significativo de educadores como um instrumento que possa minimamente fornecer subsídios para a sua formação no que se refere à Lei 10639.

O ensino a distância tem causado muitas discussões (ver, por exemplo, NISKIER, 1999 e PRETI, 2000), também são vários os estudos sobre a formação de professores, inclusive pela modalidade a distância (NEDER, 1999). Desde a década de 1980, tem aumentado a quantidade de estudiosos que se debruçam sobre a necessidade de reformulação dos currículos com a imprescindível inclusão da História da África (CRUZ, 1987; CUNHA JÚNIOR, 2000; SILVA e BARBOSA, 1997). Sobre a própria Lei 10639, com tão pouco tempo de existência, já foi editado um livro (ROCHA e PANTOJA, 2004) e vários artigos de pesquisadores renomados. Porém, especificamente, a formação de professores a distância para o atendimento à Lei 10639 é de uma originalidade tão recente que não possibilitou ainda uma análise mais pormenorizada de seu significado, nem de seus resultados.

2. Metodologia

O curso é gratuito, desenvolvido por correspondência. Ao todo são 11 módulos: 1- A Espécie Hu-mana; 2- A Teoria do Racismo; 3- A Reprodução e Produção do Racismo; 4- Cultura Negra; 5- Educação e Afro-descendência; 6- Resistência e Luta do Povo Negro; 7- Introdução à História da África; 8- O Negro e a Negra na Literatura Brasileira; 9- Saúde da População Negra; 10- Direitos Humanos; 11- Reparações/Ação Afirmativa.

Os Módulos l, 2, 3 e 5 desse curso foram extraídos do livro de Maria Aparecida Silva Bento — Cida-dania em Preto e Branco: Discutindo as Relações Raciais — e conta com o consentimento da autora. Os outros módulos foram produzidos por pesquisadores e educadores ligados à Coordenação do curso.

Os 11 módulos são distribuídos em capítulos no decorrer de nove meses. Ao receber os módulos, o cursista insere-se numa dinâmica que é: estudos em grupo (máximo cinco pessoas) ou individual e envio das respostas para a Comissão de Avaliação. Depois, elaboração de monografia ou artigo (versando sobre Racismo; Mulher Negra; Ações Afirmativas; Direitos Humanos; Desigualdades Sócio-raciais, Cotas e História da África), ou ainda, projeto pedagógico ou memória do curso para exposição final.

Durante o curso existem seminários presenciais, no mínimo dois por Estado, sendo um para expo-sição do trabalho final sob a organização da coordenação estadual do Curso, nos quais são convidados palestrantes locais, ou de outras regiões, que tenham conhecimentos na área e sejam integrantes de entidades do Movimento Negro ou de Instituições de Ensino Superior.

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35História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Em 2003, as pessoas que concluíram o curso e apresentaram o trabalho final receberam certifica-dos, com a chancela da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República e do Cecun-ES.

3. Resultado

O Curso a Distância “Trabalhando o Imaginário para a Democracia Racial” começou a ser imple-mentado no Paraná no início de 2003 e teve inscritos mais de setecentos cursistas, distribuídos em 60 diferentes localidades. Foram realizados 4 seminários presenciais em Maringá, 2 em União da Vitória, 1 em Cianorte e 1 em Telêmaco Borba. Esses eventos tiveram como organizadores algumas instituições que contam com alto grau de reconhecimento pela sociedade paranaense. É o caso da Universidade Estadual de Maringá, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória, da Prefeitura Municipal de Maringá, dos Núcleos Regionais de Educação de União da Vitória e de Telêmaco Borba, e núcleos da APP-Sindicato. Entre outras presenças ilustres, os eventos foram prestigiados pelo prefeito de Maringá, vice-reitores e outros membros da administração da UEM, diretor da FAFIUV e chefes e representantes dos NREs, um membro do Conselho Estadual de Educação e dirigentes da APP-Sindicato.

Em 2004, embora tenha havido pequena variação quanto ao número de municípios atingidos pelo curso no ano anterior (60 em 2003, 65 em 2004)4, o número de cursistas sofreu o significativo aumento de 37%. Essas duas edições do curso atingiram, somadas, mais de uma dezena de municípios paranaenses. São municípios de porte variado, inclusive os pequenos onde os professores teriam muita dificuldade de fazer cursos presenciais, assim como, normalmente têm menos acesso a algumas condições que os profissionais da educação possuem nas cidades maiores, como bibliotecas equipadas e em grande nú-mero, revistarias mais sortidas, grandes livrarias, cursos superiores que promovem ações que propiciam contato com intelectuais e educadores renomados como seminários, cursos, pós-graduações, etc.

Assim, esse curso tem servido para dar a muitos educadores paranaenses uma parte da formação que lhes falta para que possa exercer o seu trabalho de acordo com o que a lei exige5.

4. Considerações finais

É possível que, com a adoção da Lei 10639, dependendo da forma como se der a sua implementa-ção, isto é, se as autoridades educacionais e os demais interessados, como as entidades e os militantes do movimento negro, conseguirem dar formação adequada aos professores, talvez nós tenhamos, daqui por diante, uma sociedade em que o convívio entre as diferentes etnias se dê pautado pelo respeito recíproco. A disseminação do conhecimento da História da África pela sociedade, e especialmente sua apropriação pelas novas gerações de negros, pode reduzir a influência de uma ideologia do embran-quecimento, que marcou a formação da personalidade de muitos afro-descendentes, porque os levava à crença de que se renegassem as características de sua raça e adotassem o padrão branco de beleza e comportamento poderiam ser melhor sucedidos nas suas tentativas de ascensão na sociedade de classes. É possível que essa ideologia, seja substituída por uma postura altiva e um melhor desempenho dos negros nas atividades escolares.

Os resultados até agora obtidos com o Curso a Distância “Trabalhando o Imaginário para a De-mocracia Racial” podem levá-lo a se destacar como o principal recurso para a formação de professores no que diz respeito à difusão desses conteúdos tão fundamentais para uma sociedade em que a parcela negra atinge 44% da população, conforme os cálculos do IBGE.

4. As duas edições do curso no Paraná tiveram entre os inscritos moradores de municípios de outros estados. Em 2003 apareceram inscrições de Bela Vista do Toldo, Canoinhas, Irineópolis, Matos Costa e Porto União, cidades situadas em Santa Catarina e Itararé, do Estado de São Paulo. Na edição de 2004, além de Porto União-SC e Itararé-SP inscreveram-se também professores que residem em Nova Andradina, município sul matogrossense.

5. É importante que se diga que o fato de, até agora, a lei não estar sendo cumprida na sua integralidade não era por culpa dos educadores, afinal não se pode ensinar o que não se sabe muito bem.

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5. Referências

BENTO, Maria Aparecida Silva. Cidadania em preto e branco: discutindo as relações raciais. São Paulo: Ática, 1998.

CARVALHO, Jairo de. Questão negra, História da África e currículos. Cadernos de Apoio do Ensino, Ma-ringá, n. 3, p. 58-80,1987.

CRUZ, Manoel de Almeida. Pedagogia interétnica. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 63, nov. 1987.

CUNHA JÚNIOR. História africana na formação dos educadores: resenha do curso. Cadernos de Apoio do Ensino, Maringá, n. 9, dez. 2000.

NEDER, Maria Lúcia Cavalli. A formação do professor a distância: diversidade como base conceitual. Cuiabá: UFMT, 1999. Tese (Doutorado)

NISKIER, Arnaldo. Educação a distância: a tecnologia da esperança. São Paulo: Loyola, 1999.

PRETI, Oreste (org.) Educação a distância: construindo significados. Cuiabá: Nead/IE-UFMT; Brasília: Plano, 2000.

ROCHA, Maria José; PANTOJA, Selma (org.). Rompendo silêncios: história da África nos currículos da Educação Básica. Brasília: DP Comunicações, 2004.

SILVA, Petronilha Gonçalves e ; BARBOSA, Lucia Maria de Assunção (org.) O pensamento negro em edu-cação no Brasil: expressões do movimento negro. São Carlos: UFSCar, 1997.

Trabalhando o imaginário para a democracia racial. Curso a distância. Vitória: Cecun, 2004.

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37História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Anacoretismo6 : expressão africana do cristianismo na Antiguidade Tardia7

Cristina Cremoneze8 Departamento de Ensino Fundamental-SEED

Resumo

Em “Anacoretismo: expressão africana do cristianismo na Antiguidade Tardia”, propomos uma breve apresentação da temática anacorese, bem como de alguns de seus protagonistas mais citados: Antonio e Pacomio, sugerindo possibilidades de pesquisa em História da África. Pretende-se, através deste artigo, questionar uma perspectiva de análise predominante nos currículos escolares brasileiros, qual seja, a apresentação dos primeiros séculos cristãos no Ocidente como pertencentes a um contexto histórico-geográfico essencialmente europeus, não considerando o intenso e contínuo diálogo com povos circunvizinhos, principalmente aqueles territorializados na “franja” da bacia mediterrânica: gregos, egípcios, númidas, cartagineses, sírios, hispano-romanos e mauritanos, por exemplo.

Palavras-chave: Anacoretismo, Antiguidade Tardia, Egito.

O que sabemos do Egito, ou melhor, como e quando ficamos sabendo da existência desse espaço geográfico convencionalmente denominado Egito? Nossas respostas podem variar conforme nossas ex-periências escolares, nossas leituras extra-curriculares e nosso interesse particular pelo referido espaço. Entretanto, dentre as diversas respostas possíveis, alguns elementos são comuns, muito em função da apresentação de um Egito Antigo envolto em marketing editorial, com pretensos “mistérios”egipcíacos. Assim sendo, pirâmides, faraós, múmias... sintetizam o senso comum, favorecendo uma visão muito mais turística que interpretativa do Egito Antigo.

Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, em História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente (...), serão abordados temas relativos (...) aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade9. Ora, não somos todos especialistas em História do Egito. Contudo, como educadores podemos estar, eventualmente, vinculados a teorias pedagógicas e historiográficas propositoras deste ou daquele ensino e aprendizagem em História.

Sabe-se que para além da História congelada, desprovida de análise e sem estabelecer as neces-sárias relações com histórias e espaços próximos ao objeto em questão (Egito Antigo), há uma outra, problematizadora, indiciária e interpretativa, resultante, conforme expressão de Marc Bloch “...do vai e vem constante do pesquisador do passado ao presente e do presente ao passado”10. Neste sentido, pre-tende-se propiciar neste artigo, um exercício metodológico e conceitual que favoreça uma reflexão entre os dados históricos e sua interpretação. Para tanto, cabe estabelecer nossa problemática: a continuada apresentação, nos currículos escolares, dos primeiros séculos cristãos no Ocidente como pertencentes a um contexto histórico-geográfico essencialmente europeus.

6. Termo com o qual se designava desde a época dos faraós um fenômeno político-administrativo generalizado: a saída dos camponeses de sua morada para outra aldeia, a um templo, deserto ou áreas pantanosas do delta do Nilo para escapar da opressão fiscal, do serviço militar e outras obrigações. Neste artigo, anacoretismo está vinculado ao período imperial romano e à expressão religiosa cristã, conforme acepção desenvolvida por TEJA, R. Emperadores, obispos, monjes y mujeres. Protagonistas del cristianismo antiguo. Madrid: 1999.

7. Segundo os autores da historiografia especializada, esse termo está relacionado ao final do período baixo-imperial romano e ao recorte temporal compreendido entre os séculos III e VIII, relativo ao espaço geográfico diretamente vinculado à bacia mediterrânica. Tardo-antigo ou Antiguidade Tardia – Spätantike – é uma denominação apresentada a esses séculos que comportaria permanências políticas, sociais, econômicas e culturais do baixo-império romano, mas que traria consigo elementos que remetem a singularidades do período denominado pela historiografia como Medieval, qual seja, as relações de poder configuradas entre os diversos grupos nobiliárquicos regionais na Europa Ocidental. Contidas em diferentes percepções espaço-temporais, convém ressaltar que tais denominações a periodizações históricas não dão conta de explicar distintamente as especificidades locais não inseridas no contexto mais amplo.

8. Mestre em História pela UFPR; professora de História da rede pública estadual paranaense; [email protected], [email protected] .

9. Extraído das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, julho de 2004.p. 20.

10. LE GOFF, Jacques. Prefácio. In: BLOCH, M. Introdução à história. Portugal: Public. Europa-América, 1997. p.13.

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Em primeiro lugar, como professores, uma de nossas tarefas está em manter acesa a chama da curiosidade do aluno. Curiosidade esta que não se satisfaz com respostas evasivas ou fechadas. Outra tarefa é lembrar a este mesmo aluno que há versões e versões em História e, que conforme os interesses e estratégias deste ou daquele grupo podem predominar durante séculos determinadas interpretações.

Cabe lembrar, também, a necessidade de aprofundar pesquisas, investigar fontes, pois versões históricas podem ser “naturalmente” aceitas, quando indevidamente recortadas de seu contexto espacial e temporal. Assim sendo, há que se ter cautela com afirmações tais como: “...No período imperial, surgiu em Roma uma nova religião: o cristianismo.”11 Ou: “...o cristianismo desempenhava papel central na vida dos bizantinos. Os festejos, o esplendor dos edifícios, os jogos, os espetáculos teatrais – tudo fazia parte da homenagem a Deus.”12

Há que se questionar sempre: uma tradição religiosa não surge do nada. De onde veio? Como surgiu? Quando? Por quê? Quais as implicações diretas dessa nova configuração religiosa no cotidiano dos romanos e não romanos? Que outras tradições religiosas existiam? Como foi o “encontro” entre a nova configuração religiosa e as já existentes? Todas essas perguntas implicam em respostas que nossos saberes escolares não dão conta de responder num primeiro ou segundo momento. Contudo, despertam para a compreensão de que o conhecimento não é pronto e acabado. Tal compreensão pode e deve ser ampliada a partir da pesquisa.

Através das questões acima propostas, podemos iniciar uma pesquisa temática e verificar que Roma (ou o Egito antigo) não estava isolada de outras culturas, mas que participava de um intenso e contínuo diálogo com povos circunvizinhos, principalmente aqueles territorializados na “franja” da bacia medi-terrânica: gregos, egípcios, númidas, cartagineses, sírios, hispano-romanos e mauritanos, por exemplo. Isto posto, nossa proposta de pesquisa com relação a temática “Anacoretismo: expressão africana do cristianismo na Antiguidade Tardia”, pode ser entendida como contribuição para amenizar ou polemizar a problemática já apresentada.

Sobre a questão das origens do cristianismo em África, existem duas teses contrapostas: para uma corrente explicativa, o cristianismo africano veio do Oriente através do Egito e da Líbia; para outra, de Roma.13 Se optarmos pela via do diálogo intercultural para além das relações comerciais na bacia me-diterrânica, podemos assinalar uma terceira tese: a associação das influências culturais egípcias, líbias e romanas, durante os três primeiros séculos do cristianismo, favoreceram inclusive a difusão da nova tradição religiosa no interior dos domínios do Império Romano, inserindo-se nos três continentes cir-cunvizinhos: África, Ásia e Europa.

Dividida administrativamente pelos romanos, África correspondia ao território conquistado de Cartago durante as guerras púnicas14, apresentando a partir do século I, a seguinte divisão civil: África Proconsular, sujeita à autoridade de um procônsul e com capital em Cartago; Numídia, governada pelo legátus (embaixador) da III Legião Augusta, com capital em Lambèse; e a Mauritânia, ocupada a partir do ano 40, estendendo-se até o Atlântico, subdividindo-se em duas províncias imperiais: Cesariense e Tingitania.15 Entretanto, com a chamada “reforma” de Diocleciano (284-305), teríamos ao fim do século III e início do IV, nova divisão: Tripolitânia, Bizacena, Proconsular, Numídia, Mauritânia Sitifiense e Mauritânia Cesariense.

Nesse espaço geográfico mantido militarmente sob os mandos imperiais romanos, nasceram Antonio (Egito, 251-356) e Pacomio (Egito, 292-346). O primeiro, filho de uma família de prósperos camponeses do Egito, após freqüentar assiduamente a igreja cristã de sua aldeia, optou por adotar uma vida eremí-tica, embrenhando-se cada vez mais no deserto. Sem freqüentar escolas, tornou-se “pai dos monges”, exercendo grande influência sobre a Igreja cristã em todas as cidades do Império Romano.16 Pacomio,

11. Extraído de PILETTI, N. e PILETTI, C. História & Vida Integrada. Ática, 2002. 5a série, p. 135.

12. PILETTI, N. e PILETTI, C.op. cit., p. 148.

13. DICIONÁRIO patrístico e de Antiguidades cristãs. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 46.

14. A primeira guerra púnica(164-241 a.C.) nasceu do conflito entre as cidades sicilianas de Messina, apoiada por Cartago, e Siracusa em 264 a.C. A segunda (218-201 a.C.), originou-se nas campanhas de conquistas realizadas por Aníbal em território da Península Ibérica. A terceira (149-146 a.C.), foi decorrente dos ataques de Massinissa, chefe númida, culminando com a submissão de Cartago, após três anos de assédio militar.

15. Tais informações procedem do verbete “África”, DICIONÁRIO patrístico... op. cit., p.46.

16. Conforme dados contidos em BROWN, P. O fim do mundo clássico: de Marco Aurélio a Maomé. Lisboa: Editorial Verbo, 1986. p. 101-102.

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de origem pagã, era um egípcio comum. Alistado à força pelo exército imperial em Tebas, conheceu na primeira etapa dessa convocação, cristãos que consolavam os recrutas que viam-se obrigados a servir sob ordens de estrangeiros. Inspirado por esses cristãos, Pacomio faz voto de consagrar-se ao serviço de seus semelhantes caso fosse liberado do serviço militar. Licenciado, cumpriu sua promessa, fez-se instruir e batizar na fé cristã.17

A experiência cristã egípcia, particularmente expressa pelas ações desses dois sujeitos históricos acima descritos, dá origem a uma “modalidade” própria de vivência político-espiritual. Ao cortarem rela-ções com o meio citadino, buscando a solidão no deserto, Antonio e Pacomio tornaram-se personagens emblemáticos que contrastavam com os procedimentos e costumes até então adotados: constituem o modelo do novo santo cristão, inaugurando um fenômeno denominado anakhoresis cristã, uma forma de rebelião e de protesto social e religioso, espalhando-se em outros locais do Império.18 Contextualmente, Antonio e Pacomio compartilham das idéias e sentimentos relativos ao homem de um Mundo Antigo convulsionado por uma série de transformações que configuram, segundo os especialistas, o início da Antiguidade Tardia (sécs.III ao VIII), coincidindo com a integração crescente da Igreja cristã oficial nas estruturas políticas, sociais e culturais do Império Romano.

Se por um lado a Igreja cristã firmava-se institucionalmente como tradição religiosa nos comple-xos urbanos do Império, por sua vez, o anacoretismo expandia-se para regiões desabitadas do Egito, atraindo simpatizantes e defensores do cristianismo primitivo. Cabe ressaltar que o anacoretismo foi um movimento espontâneo, desorganizado, representando a concepção do cristianismo como salvação do indivíduo, contrapondo-se a concepção social defendida por Paulo de Tarso (10?-67?). Buscando or-ganizar e sistematizar este movimento, Pacomio, diferentemente de Antonio que dedicou-se à um vida solitária de provação no deserto, elaborou regras para um vivência em comunidade e, ao regulamentar seu espaço sagrado, recriou nos monastérios, locais alheios ao fisco romano ou, conforme Ramón Teja, espécies de sociedades paralelas à estrutura administrativa romana.

As experiências religiosas de Antonio e Pacomio, procedentes de um meio social e cultural copto19, percorreram rapidamente, as vias comunicacionais mediterrânicas e atingiram diversas partes do Im-pério Romano, transformando as colônias de anacoretas egípcios e monastérios pacomianos em centros de peregrinação, para os quais provinham gentes dos três continentes. Tais peregrinos, ao retornarem para seus locais de origem, levavam consigo as idéias e regramentos elaborados por estes “homens de Deus”, conforme os designavam. Tais idéias e regramentos conduziram a algumas das querelas e disputas teológicas, como o caso dos donatistas na África do Norte, bem como a elaboração, nos Concílios ecle-siásticos da história da Igreja, de cânones relativos ao patrimônio dos bispos e monges católicos. Muitos dos escritos elaborados por bispos e monges africanos – Tertuliano (150?-240?), Cipriano de Cartago (séc. III), Atanásio (295?-373), Agostinho (391-430) – migraram posteriormente para o continente europeu, mais especificamente para Roma e Constantinopla, contribuindo para a composição do corpo teológico eclesiástico do cristianismo ao longo não só da Antiguidade Tardia mas também do Medievo.

Assim sendo, após esse breve olhar para o norte da África, no contexto histórico abordado por esse artigo, pode-se concluir quão pouco sabemos sobre as relações interculturais entre povos que durante séculos mantiveram-se tão próximos, mas que foram metodologicamente e didaticamente separados em nossas práticas escolares, ao optarmos por estudos que nem sempre favorecem pesquisas verticaliza-das, que naturalizam ou banalizam conceitos e elementos culturais distribuídos em capítulos, resumos e baterias de questões que não problematizam a História, mas sim transformam-na num grande túnel em direção ao passado, distante, estreito e sem vida.

Contudo, se potencializarmos as curiosidades de nossos alunos através da pesquisa, quaisquer sejam seus momentos e oportunidades de aprendizagem, tal qual um caleidoscópio, possibilitaremos diversos olhares em direção ao passado, favorecendo o entendimento de que todos os sujeitos, comuns ou não, têm histórias.

17. Para mais detalhes, vide IRIGOYEN, F. M. Origenes del monacato cristiano. Disponível em: http://www.monografias.com/trabajos11 Acesso em 25/07/2004.

18. Conforme TEJA, R. op.cit., p. 156.

19. O adjetivo copto ou copta deriva do grego “aigyptios” (egípcio) através do árabe. Designava para os árabes egípcios, tudo o que fosse egípcio autóctone, em contraposição a eles mesmos: população, religião, costumes. A língua, é derivada do egípcio e em parte do grego, o alfabeto é o grego, nos caracteres da maiúscula da baixa Antiguidade, com o acréscimo de alguns sinais derivados da escrita egípcia demótica. Para maior detalhamento, vide verbete “Copta”, DICIONÁRIO patrístico... op. cit., p.339.

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Referências

BROWN, P. O fim do mundo clássico: de Marco Aurélio a Maomé. Lisboa: Editorial Verbo, 1986.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer no 003/2004, de 10 de março de 2004. Diretrizes Cur-riculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Relatora: Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Brasília: MEC, jul. 2004. p. 20.

DICIONÁRIO patrístico e de Antiguidades cristãs. Petrópolis: Vozes, 2002.

GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1991.

LE GOFF, Jacques. Prefácio. In: BLOCH, M. Introdução à história. Portugal: Public. Europa-América, 1997.

IRIGOYEN, F. M. Origenes del monacato cristiano. Disponível em: http://www.monografias.com/trabajos11 Acesso em 25/07/2004.

JONES, A. H. M. Le declin du monde antique. Editions Sirey, 1970. p. 309-328.

PILETTI, N.; PILETTI, C. História & Vida Integrada. Ática, 2002. 5a série.

TEJA, R. Emperadores, obispos, monjes y mujeres. Protagonistas del cristianismo antiguo. Madrid: 1999. p. 149-171.

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41História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Relações Brasil-África e a política internacional

Nadia Maria Guariza* (DEJA/SEED-PR) [email protected]

Resumo

O presente artigo pretende abordar a questão da política internacional e a formação dos Estados africanos, observando que a democracia representativa imposta pelas organizações interna-cionais não correspondem aos valores e aos princípios das populações locais. Além disso, apontar as especificidades históricas da construção dos Estados na África. O texto também discorre sobre a relação Brasil-África indicando algumas iniciativas do governo brasileiro junto aos países africanos e os pontos em comum entre os países africanos e o Brasil. Entendendo as relações Brasil-África como estratégicas para o governo brasileiro.

Palavras-chave: África, Política Externa Brasileira, Democracia.

1. Introdução

No mundo pós-guerra fria a política internacional nos primeiros anos tendeu a um único centro de poder, ao contrário do período da Guerra Fria, no qual a política internacional se dava no embate e na tensão provocada entre as grandes potências mundiais, a URSS e os EUA, o que tornava o poder bipolar1.

Sendo assim, nos primeiros anos que sucederam a fragmentação da URSS e a reformulação da política soviética, chegou a se pensar que a política internacional seria dominada basicamente pelos EUA. Atualmente, alguns especialistas em Relações Internacionais2 afirmam que o cenário mundial tor-nou-se multilateral com a emergência de novos líderes internacionais como a União Européia, a China e a Índia.

Não obstante, a criação de novos pólos de poder que contrabalançam o poder unilateral da política externa dos Estados Unidos, sobretudo da gestão Bush, esta potência tem mostrado sua hegemonia e ingerência nos assuntos de outros Estados.

A ingerência dos Estados Unidos e de outros países ocidentais sobre os países chamados perifé-ricos, entre eles os países da América Latina e os da África, continua a ser exercida por intermédio da imposição de valores e de referenciais de Estado construídos pelos países ocidentais.

Este artigo tem por objetivo pensar o lugar ocupado pelos países africanos e o Brasil na política internacional, bem como refletir sobre as relações Brasil-África como uma estratégia para estes países que se encontram na periferia do sistema internacional atual.

2. A construção do Estado nos países africanos

No período da Guerra Fria, o mundo internacional possuía dois modelos distintos de organização social, o capitalista e o socialista. Sendo assim, os países que passavam pelo processo de descolonização, podiam optar por um dos dois modelos. Obviamente, que havia a preocupação de cada bloco em deter a expansão do outro.

Por isso, muitos conflitos foram gerados, pois quando havia facções nos países africanos que pretendiam empreender uma revolução de viés socialista, logo os Estados Unidos como representante do bloco capitalista agia indiretamente financiando grupos de extrema direita para implantar ditaduras nos países africanos. Ao mesmo tempo, a URSS financiava grupos guerrilheiros cubanos para fortalecer a facção socialista3.

1. HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea. Organizações internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004. v. 1. 268 p.

2. GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros na era dos gigantes. São Paulo: Contraponto, 2006.

3. VIZENTINI, Paulo Fagundes. Revoluções socialistas. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira. O século sombrio: uma história geral do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

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Nesse sentido, os países africanos sofreram com esta ingerência em sua política interna, colocando em cheque a soberania destes Estados que estavam em construção.

Além disso, alguns conflitos nos países africanos eram decorrentes das fronteiras estabelecidas pela Conferência de Berlim (1885) que tinha por objetivo resolver as diferenças existentes entre as potências européias colonizadoras (sendo as principais Grã-Bretanha, França, Portugal e Alemanha), no que se referia à ocupação dos territórios africanos com a finalidade de explorá-los. Essa Conferência propôs uma divisão artificial dos territórios africanos não levando em conta a grande diversidade étnica, nem tampouco as unidades políticas africanas (Estados e Impérios) já existentes. Segundo José Jaime Macua-ne, “a existência de uma entidade de dominação comum, no caso a potência colonizadora, facilitou até certo ponto uma convivência entre as etnias que em condições normais se revelaria insustentável”4, o que formou alguns movimentos nacionalistas que promoveram à conquista de independência de vários países africanos.

Sendo assim, o processo de independência e a instalação do Estado nos países africanos se de-senvolveu de maneira conturbada, pois se por um lado, o histórico colonial influencia na condução da formação do Estado, bem como acirra rivalidades ou agrega grupos étnicos, por outro lado, a ingerência estrangeira ainda atua sobre os países africanos.

Após a Guerra Fria, os países africanos receberam atenção especial de organizações internacionais como a ONU que começaram a adotar uma política de intervenção nos chamados Estados falidos ou em construção. Portanto, a ONU utilizando-se de conceitos ocidentais de Estado, empreende missões para monitorar as eleições de alguns Estados Africanos, criando inclusive um termo a partir de uma ação na cidade africana de Mogadicio5, na Somália em 1992.

A questão que deve ser posta a estas ações é a sua legitimidade, pois como instalar estados demo-cráticos exógenos à população local, ou seja, é possível impor a democracia como padrão universal para todas as populações mundiais, sem consultá-las e levar em conta as suas especificidades culturais.

Segundo o embaixador Alberto da Costa e Silva (Ministério das Relações Exteriores do Brasil)6, a África sofreu uma série de mudanças nos últimos 50 anos, com maior modernização e harmonização entre os países do continente. Um dos problemas enfrentados pela África se refere ao desenvolvimento da teoria das nacionalidades – idéia de que a cada nação deve corresponder um Estado. Isso promoveu uma série de guerras civis africanas, na busca desse ideal.

Esses conflitos ocorrem principalmente por não observar os costumes destes países, como os prin-cípios básicos africanos que valorizam a família, as linhagens e o clã que são mais importantes que o Estado. Por isso, nos países africanos ocorreu o crescimento da religião islâmica, que não separa tanto a questão política das questões familiares e pessoais, se aproximando mais a forma de se organizar das populações africanas. Portanto, ao impor um Estado que tem como parâmetros os valores europeus, não se respeita os valores dos povos africanos. Esta conduta das organizações internacionais e dos países ocidentais nos dias atuais não difere da dos colonizadores do século XIX, que acreditavam serem porta-dores do progresso e da civilização e por isso deviam guiar os povos bárbaros de outros continentes7.

Além disso, como aponta Rafael Villa ao tratar da agenda democrática da OEA (Organização dos Estados Americanos) na América Latina, a democracia representativa, que é o modelo imposto para os demais países, tem as suas diferenças da teoria para a prática, ou seja, nem em seus países de origem a democracia representativa é muitas vezes exercida de fato. Outro aspecto a ser observado, é que esta prática de imposição do sistema democrático se mostra contraditório, pois a democracia pressupõe a aceitação e participação da população e a soberania dos Estados8.

Ou seja, ao impor um sistema político, as organizações internacionais não estariam respeitando os seus próprios princípios, o que nos leva a pensar que há bem mais do que boas intenções nessas

4. MACUANE, José Jaime. Liberalização política e democratização na África: uma análise qualitativa. Dados v.43 n.4 Rio de Janeiro 2000.

5. HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea. Organizações internacionais: história e práticas. 1. ed. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004. v. 1. 268 p.

6. Primeira conferência de política externa e política internacional: O Brasil que vem ai. Palestra do dia 7 de julho de 2006.

7. HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

8. VILLA, Rafael. A questão democrática na agenda da OEA no pós-Guerra Fria. Rev. Sociol. Polit. n.20 Curitiba jun. 2003.

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iniciativas. Neste sentido, o que estaria mesmo em jogo seriam os interesses dos países ricos sobre a riqueza e o controle dos países pobres9.

Contudo, existem as organizações internacionais com propostas interessantes como a União africana que foi fundada em 200210, que sucedeu a Organização da Unidade Africana. A União Africana baseia-se no modelo da União Européia, por isso entre os seus objetivos estão a organização de um parlamento dos Estados africanos e conta com 53 estados membros.

A União Africana pretende ajudar na promoção da democracia, dos direitos humanos e do desen-volvimento na África, especialmente no aumento dos investimentos estrangeiros por meio do programa NEPAD (New Partnership for Africa’s Development - Nova Parceria para o Desenvolvimento da África).

As tentativas de colaboração econômica entre os Estados membros são impedidas, pois muitos países africanos estão em guerra civil, como já mencionado anteriormente. A União Africana oferece maiores poderes para governar economias africanas, pois prevê 5 zonas-base de livre comércio entre os estados africanos.

O objetivo era de se usar essas zonas para criar moedas regionais e, ao mesmo tempo, organizar os parlamentos econômicos próprios em cada pilar (os parlamentos regionais também já foram introdu-zidos), de forma a criar um bloco continental com divisões regionais autônomas.

Porém, esta organização vive os limites impostos pelos seus Estados membros, ou seja, é uma organização que representa países que estão na periferia da economia mundial, por isso o seu poder é reduzido. Neste sentido, seria interessante a aproximação diplomática e de cooperação entre organi-zações e países periféricos; a mesma posição que o Brasil ocupa, por isso é interessante para os países africanos e para o Brasil o estreitamento de suas relações.

3. Brasil- África

As relações Brasil e países africanos devem ser incentivadas porque ambos os lados correspondem à periferia da economia mundial e por isso possuem os mesmos problemas e interesses. Além disso, a aproximação do Brasil com os países africanos se deve ao passado de ambos que se entrecruzam. Sendo assim foi fundada em 1996 a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)11: uma organização que reune países lusófonos, para promover a aliança e a amizade entre os signatários. Os membros desta Comunidade são: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Esta organização promove uma integração cultural entre os países de língua portuguesa, entre eles o Brasil e os países africanos de colonização portuguesa. Porém, segundo o embaixador Alberto da Costa e Silva, é necessário que as relações Brasil-países africanos ultrapasse as questões técnicas e ocupem um papel socializador, envolvendo trocas políticas e culturais12.

Para o embaixador Fernando J. de M. Pimenta (MRE)13 o continente africano teve um papel fun-damental na formação do Brasil, o que se reflete na identidade cultural brasileira. O Brasil tem desen-volvido uma série de projetos de cooperação com a África, para além daqueles que envolvem o ensino da língua portuguesa.

Têm sido foco da política externa brasileira temas que vão além da cooperação técnica ou do campo econômico, enfatizando a importância de uma Agenda Social. No entanto, o embaixador ressaltou que o Brasil não é um país doador, no que se refere a África e que o foco está na cooperação, com a finalidade de desenvolvimento africano.

9. Poderíamos afirmar que as organizações internacionais possuem mais poder dependendo dos Estados que as compõem tendo em vista uma perspectiva marxista que entende que as relações internacionais são pautadas pelos interesses capitalistas. Entre os autores que assim compreendem as relações internacionais pode-se citar Eric Hobsbawn.

10. As informações sobre a União Africana foram extraídas do site oficial da organização. www.fd.uc.pt?CI/CEE/OI/OUA/acto_constitutivo-uniao-africana.htm. Acesso: dia 02 de maio de 2006.

11. Informações extraídas no site oficial da organização. < http://www.cplp.org/>. Acesso: dia 19 de julho de 2006.

12. Primeira conferência de política externa e política internacional: O Brasil que vem ai. Palestra do dia 7 de julho de 2006.

13. Primeira conferência de política externa e política internacional: O Brasil que vem ai. Palestra do dia 7 de julho de 2006.

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As similaridades naturais / climáticas entre Brasil e África têm contribuído para a cooperação, ressaltando que essa não está restrita ao campo bilateral, fazendo uso de organizações sub-regionais capazes de estabelecer acordos multilaterais.

Um exemplo que essa relação é estratégica para ambos os lados são as rodadas de negociação na OMC (Organização Mundial do Comércio), nas quais os países em desenvolvimento promovem acordos em bloco para inserir discussões de seu interesse, assim como pressionam para verem aprovadas ques-tões que preservem a sua integridade econômica e assegurem uma política de desenvolvimento para os países pobres14.

Portanto, o Brasil e os países africanos possuem vários pontos em comum, porém muitos brasilei-ros os desconhecem, por isso é interessante o incentivo à pesquisa e ao ensino das temáticas africanas e afrobrasileira, para que com isso se promova a aproximação e cooperação entre o continente africano e o Brasil.

14. HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea. Organizações internacionais: história e práticas. 1. ed. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004. v. 1. 268 p.

4. Referências

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros na era dos gigantes. São Paulo: Contraponto, 2006.

HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andréa. Organizações Internacionais: história e práticas. 1.ed. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004. v.1.

HOBSBAWN, Eric. A era dos impérios. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

MACUANE, José Jaime. Liberalização política e democratização na África: uma análise qualitativa. Dados. v. 43, n.4, Rio de Janeiro, 2000.

Primeira conferência de política externa e política internacional: O Brasil que vem ai. Palestra do dia 7 de julho de 2006.

VILLA, Rafael. A questão democrática na agenda da OEA no pós-Guerra Fria. Revista de Sociologia e Política. n. 20, Curitiba, jun, 2003.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. Revoluções Socialistas. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira. O século sombrio: uma história geral do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

www.fd.uc.pt?CI/CEE/OI/OUA/acto_constitutivo-uniao-africana.htm. Acesso: 02/05/ 2006.

www.cplp.org/. Acesso: 19/072006.

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Do patrimônio mundial ao patrimônio local: o que é importante saber do passado e o que pode ser esquecido?

Sandro Cavalieri Savoia (DEF/SEED-PR) [email protected]

A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.

Jacques Le Goff

Um monumento é antes de tudo uma referência a um momento na trajetória histórico-cultural de um povo, um instrumento da memória coletiva.

Maria de Lourdes P. Horta

Resumo

Este artigo visa uma reflexão sobre as políticas de preservação patrimonial, tendo como referência a Lista do Patrimônio Mundial, organizada pela UNESCO. Parte-se de uma contextualização geral deste organismo internacional à definição de patrimônio cultural e natural, bem como à forma de inclusão pelos países signatários de seus respectivos patrimônios na referida lista. Após contextualizar e conceituar esses termos, busca-se uma análise dos números apresentados na Lista do Patrimônio Mundial, tendo como preocupação entender como essa política se reflete sobre os países africanos, assim como questionar a visão eurocêntrica de cultura, de mundo, presentes em nossa sociedade, apontando para o campo da educação e do ensino de História uma aproximação entre a questão patrimonial e a Lei 10.639/03, bem como em relação às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Palavras-chave: UNESCO; Patrimônio Mundial; África; Eurocentrismo.

1. A UNESCO e o Patrimônio Mundial

Criada em 1945, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) tem como uma de suas ações a identificação, pre-servação e proteção do patrimônio cultural e natural mundial considerados de excepcional valor para a humanidade.

Fato que suscitou preocupação internacional e levou a estas ações foi, especialmente, a decisão quanto a construção da represa da Assuan no Egito (África). Essa obra levaria à inundação do vale do Nilo onde se encontravam os templos de Abu Simbel, antigo tesouro da civilização egípcia, construído à época do faraó Ramsés II.

Foi assim, em 1959, a partir de uma solicitação do governo daquele país, que a UNESCO resolveu lançar uma campanha internacional de salvamento. Dessa forma, aceleraram-se as pesquisas arqueológicas nas áreas que seriam inundadas e os templos de Abu Simbel foram desmontados, transportados e monta-dos novamente em um terreno a salvo da inundação. O sucesso dessa ação conduziu a outras campanhas de salvamento, tais como a de Veneza, na Itália, e a de Borobodur, na Indonésia, por exemplo.

Como desdobramento dessas atuações surge a idéia de combinar a conservação dos patrimônios culturais com os patrimônios naturais, sendo a mesma apresentada à Conferência das Nações Unidas em 1972, onde é assinado um tratado internacional denominado “Convenção Sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural”, aprovado pela UNESCO.

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Em reportagem especial, a Revista Planeta20 (2005) afirma que

o patrimônio cultural é composto por monumentos, grupos de edifícios ou sítios que tenham valor histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. Patrimônio natural significa as formações físicas, biológicas e geológicas excepcionais, os habitats de espécies animais e vegetais ameaçados e áreas que tenham valor científico, de conservação ou estético. (PLANETA, 2005, p. 40)

Atualmente, a Lista do Patrimônio Mundial totaliza 830 sítios, sendo 644 culturais, 162 naturais e 24 mistos (sítios que têm, concomitantemente, excepcional valor natural e cultural), espalhados por todos os continentes. Alguns destes sítios encontram-se em mais de um país, como é o caso do Parque Nacional do Iguaçu, situado no Brasil e na Argentina, ou ainda, das Cataratas Vitória, situado na Zâmbia e no Zimbábue, por exemplo.

Os sítios culturais, naturais ou mistos, pertencem a todos os povos do mundo. Segundo a UNES-CO, é justamente o seu valor universal que faz com que como Patrimônio Mundial, os mesmos sejam excepcionais. Etimologicamente, patrimônio significa “herança paterna”, e como tal, é um referencial, faz parte de nossa história e de nossa identidade. Independente do território em que estejam localiza-dos, estes sítios devem ser preservados, pois representam a memória do que fomos e do que somos, um legado do passado que temos a missão de transmitir às gerações futuras.

A solicitação de inscrição de um sítio na Lista do Patrimônio Mundial deve partir dos próprios Estados signatários. Para a UNESCO, um país se torna signatário ao assinar a Convenção do Patrimô-nio Mundial comprometendo-se a proteger o seu patrimônio cultural e natural. A cada ano, o Comitê do Patrimônio Mundial, constituído por representantes de 21 países eleitos pela Conferência Geral da UNESCO, se reúne para analisar as propostas de adesão de novos sítios à Lista do Patrimônio Mundial e definir quais serão aceitos.

Para que um sítio seja incluído na Lista do Patrimônio Mundial, ele deve atender a alguns critérios de seleção.

Segundo a UNESCO, os bens culturais devem:

i. representar uma obra-prima do gênio criativo humano, ou

ii. ser a manifestação de um intercâmbio considerável de valores humanos durante um deter-minado período ou em uma área cultural específica, no desenvolvimento da arquitetura, das artes monumentais, de planejamento urbano ou de paisagismo, ou

iii. aportar um testemunho único ou excepcional de uma tradição cultural ou de uma civilização ainda viva ou que tenha desaparecido, ou

iv. ser um exemplo excepcional de um tipo de edifício ou de conjunto arquitetônico ou tecnológi-co, ou de paisagem que ilustre uma ou várias etapas significativas da história da humanidade, ou

v. constituir um exemplo excepcional de habitat ou estabelecimento humano tradicional ou do uso da terra, que seja representativo de uma cultura ou de culturas, especialmente as que se tenham tornado vulneráveis por efeitos de mudanças irreversíveis, ou

vi. estar associados diretamente ou tangivelmente a acontecimentos ou tradições vivas, com idéias ou crenças, ou com obras artísticas ou literárias de significado universal excepcional (O Comi-tê considera que este critério não deve justificar a inscrição na Lista, salvo em circunstâncias excepcionais e na aplicação conjunta com outros critérios culturais ou naturais). (UNESCO, 2006).

20. Em 2005, a Revista Planeta estabeleceu um protocolo de cooperação com a UNESCO, objetivando trazer aos leitores informações a respeito do trabalho que este organismo internacional desempenha em todo mundo, no campo da preservação patrimonial.

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Por sua vez, ainda segundo a UNESCO, os bens naturais devem:

i. ser exemplos excepcionais representativos dos diferentes períodos da história da Terra, incluindo o registro da evolução, dos processos geológicos significativos em curso, do desenvolvimento das formas terrestres ou de elementos geomórficos e fisiográficos significativos, ou

ii. ser exemplos excepcionais que representem processos ecológicos e biológicos significativos para a evolução e o desenvolvimento de ecossistemas terrestres, costeiros, marítimos e de água doce e de comunidades de plantas e animais, ou

iii. conter fenômenos naturais extraordinários ou áreas de uma beleza natural e uma importância estética excepcionais, ou

iv. conter os habitats naturais mais importantes e mais representativos para a conservação da di-versidade biológica, incluindo aqueles que abrigam espécies ameaçadas que possuam um valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação. (UNESCO, 2006)

O Comitê do Patrimônio Mundial, após estudos e avaliações, toma a decisão final de inscrever, adiar ou recusar a inscrição do sítio na Lista do Patrimônio Mundial. Fazer parte dela é importante para os países signatários. Significa, entre outras coisas, subsídio para a proteção destes bens, que podem ser assim preservados, tornando-se instrumentos da memória coletiva e legados às futuras gerações, como também, servem de incremento ao turismo e, conseqüentemente, à economia local.

Segundo reportagem da Revista Planeta (2005),

A maioria dos sítios do patrimônio mundial situa-se no continente europeu. Isso se explica pela abundância do patrimônio cultural dos países da Europa, e pelo fato de eles terem aderido muito cedo à convenção. A França faz parte dela desde 1975, a Alemanha e a Polônia desde 1976, a Itália entrou em 1978, Portugal em 1980, a Espanha em 1982. Na América Latina, o primeiro país a assinar a convenção foi o Equador, em 1975. O Brasil aderiu em 1977, e possui atualmente 17 sítios que estão na lista do patrimônio mundial. (PLANETA, 2005, p. 44)

2. A UNESCO, o Patrimônio Mundial e a África

Nossa reflexão inicia-se a partir deste ponto. Será mesmo a explicação dada acima pela reportagem, o fator determinante de um maior número de sítios do Patrimônio Mundial se localizar em continente europeu? Ou melhor, seriam estes os únicos fatores? Acreditamos que não.

Apesar de nossa crença, mais que responder a estas questões, objetivamos aqui levantar algumas reflexões, fazendo-se assim necessária à observação dos dados referentes aos tipos e à localização do Patrimônio Mundial, contidos nas tabelas abaixo, bem como no conjunto de mapas que segue em ane-xo. Os dados foram transpostos nas respectivas tabelas com o intuito de facilitar a análise e reflexão do observador.

Tabelas com dados referentes à lista de patrimônio mundial

África

Cultural 37

Natural 34

Misto 2

Total 73

Países 26

Países Árabes

Cultural 58

Natural 4

Misto 1

Total 63

Países 15** Acrescido de Jerusalém, sítio proposto

pela Jordânia.

Ásia e Pacífico

Cultural 114

Natural 44

Misto 9

Total 167

Países 25

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Europa e América do Norte

Cultural 371

Natural 53

Misto 10

Total 434

Países 48

América Latina e Caribe

Cultural 80

Natural 35

Misto 3

Total 118

Países 25

Tabelas construídas a partir de dados extraídos de: http://whc.unesco.org – jul./2006.

É importante ressaltar que o objetivo deste estudo não é pôr em dúvida ou questionar a importância do trabalho desenvolvido pela UNESCO, mas mostrar a existência de uma visão eurocêntrica21 presente em políticas de preservação patrimonial. Da mesma forma, não temos a pretensão de esgotar o referido assunto, que para muitos certamente parecerá polêmico. Entretanto, a partir dele, procuraremos buscar subsídios para discutir a própria construção e percepção que uma sociedade faz dela mesma e dos ou-tros, expressa em espaços de memória. Mas, vamos por partes. Iniciemos com a análise dos dados das tabelas, destacando quatro pontos que julgamos relevantes.

O primeiro dado que procuraremos ressaltar aqui diz respeito à distribuição dos países onde se localizam esses sítios. Percebemos que não há uma preocupação em dividi-los geograficamente segundo seus respectivos continentes. Temos, assim, cinco grupos de países, que compreendem: a África; os Paí-ses Árabes; a Ásia e Pacífico; a Europa e a América do Norte e por fim a América Latina e Caribe. Países africanos como o Egito, o Marrocos, a Tunísia, por exemplo, fazem parte do grupo dos Países Árabes. Israel, localizada na Ásia Menor, faz parte do grupo da Europa e da América do Norte. Essa divisão pa-rece pautar-se por uma mistura de critérios culturais e políticos.

O segundo ponto que chama atenção é o número de sítios que compõem a Lista do Patrimônio Mundial. Alguns são computados em mais de um país como já dissemos, elevando o número total de sítios.

Em terceiro lugar, ainda quanto ao número de sítios que compõem a lista, é perceptível a despro-porcionalidade entre os grupos de países. Temos assim em ordem decrescente: a Europa e a América do Norte com o maior número de sítios, seguidos pela Ásia e o Pacífico, a América Latina e o Caribe, a África, e por fim, os Países Árabes, com a menor quantidade de sítios na lista. No entanto, se analisar-mos os números sobre outra perspectiva, ou seja, quanto à proporcionalidade entre sítios e países que compõem cada um dos grupos, notaremos que o grupo da África tem o menor número de sítios na Lista do Patrimônio Mundial, ao contrário do grupo da Europa e a América do Norte, que continua a possuir o maior número. Só na Península Ibérica, ou seja, em Portugal e Espanha, o números de bens culturais presentes na Lista do Patrimônio Mundial é maior que o número de bens culturais presente no grupo de países da África. A Lista do Patrimônio Mundial apresenta uma desproporcionalidade em favor dos marcos da cultura ocidental, européia e branca - representados pelo cristianismo, pelas cidades antigas e pelos “grandes monumentos” - em detrimento de outros povos e culturas. Talvez, um caminho para o resgate destas últimas esteja despontando com a valorização do Patrimônio Oral e Imaterial da Huma-nidade, mas esta é uma outra discussão, por hora ficamos por aqui.

Finalmente, como quarto ponto, ressaltamos o fato de que a África, diferentemente de outros grupos de países, possui quase o mesmo número de bens naturais e culturais na lista. O mesmo só não ocorre a este grupo, quando incluímos a ele os países árabes africanos. Muitos dos bens protegidos e considerados Patrimônios Mundiais na África estão relacionados à exuberância natural de seus países. São formações geológicas e/ou a fauna e a flora, que compreendem, savanas, florestas, enfim, os cha-mados parques. Dar ênfase ao patrimônio natural como contributo da África nos parece um equívoco, pois reforça estereótipos e acentua o menosprezo em relação ao conhecimento, a cultura destes povos. Também estão entre os locais de preservação na África as regiões que apresentam vestígios arqueológicos e, ainda, pontos de contato entre africanos e europeus, à época da colonização.

21. Eurocentrismo é entendido aqui como uma ideologia que tende a fazer da Europa, assim como de sua cultura, o elemento básico constituinte da sociedade moderna.

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49História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Poderíamos concluir este artigo afirmando, após estas observações, que um olhar eurocêntrico sobre a política patrimonial da UNESCO se dá de cima para baixo. No entanto, estaríamos de forma errônea simplificando a análise em questão. Vejamos este texto extraído do periódico eletrônico AngolaPress, em maio de 2006, portanto, recente:

(...) peritos africanos presentes num simpósio sobre o tráfico de escravos, co-organizado pelo governo congolês e a UNESCO, defenderam o reconhecimento do porto de Loango, um ponto histórico por onde passaram milhões de escravos africanos com destino ás Américas, como “local de recordação e patrimônio mundial”.

Segundo estatísticas divulgadas durante o simpósio, realizado em Ponta Negra de 9 a 12 de Agosto, mais de 2 milhões de escravos do Gabão, Angola, RD Congo e Congo Brazzaville foram transportados de navio através de Loango, a 15 quilómetros de Ponta Negra.

(...) Os participantes ao simpósio sublinharam a importância do ponto de trânsito durante o período da escravatura e recomendaram a sua inclusão na lista do património mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).

Representantes da UNESCO e do Centro Internacional das Civilizações Bantu (CICIBA), sediado em Libreville (Gabão), que assistiram ao simpósio, prometeram apoiar o projecto.

Segundo Simão Soundula, do CICIBA, é importante apoiar o reconhecimento de Loango como um local de recordação porque muitos negros nos Estados Unidos e nas Caraíbas precisam de arquivos para saberem a origem dos seus ancestrais.

(...) O seminário foi organizado sob os auspícios do projeto da UNESCO “A Rota dos Escravos”, que teve início em 1994 em Ouiddah (Benin). (ANGOLAPRESS, 2006)

Nota-se que mais um ponto de contato entre povos africanos e europeus está sendo registrado aqui como candidato à Lista do Patrimônio Mundial. Entretanto, essa iniciativa, como percebemos, parte dos próprios africanos, desejosos de preservar a memória da história que se consolidou na Diáspora.

Tal fato mostra o quanto é complexa a questão da propagação da visão eurocêntrica da História e como é relevante questioná-la, debatê-la. Afinal, a quem cabe decidir o que é importante saber do passado e o que pode ser esquecido?

3. Considerações finais

Acreditamos que uma reflexão crítica em torno da questão patrimonial, e não nos referimos ape-nas ao patrimônio mundial – se bem que, o exemplo da política de preservação patrimonial promovida pela UNESCO no continente africano, nos é significativo – se faz necessária. Assim como uma reflexão crítica em torno da visão monocultural e eurocêntrica de cultura, pois ao optarmos por uma política de preservação patrimonial representativa dos segmentos dominantes e em última instância de origem européia, relegamos ao ostracismo a contribuição dos demais segmentos étnicos.

No Brasil, tal opção segundo Oriá (2002), esteve ligada à historiografia tradicional de cunho positivista que destacava a ação dos “heróis nacionais”, desconsiderando as ações dos demais sujeitos históricos.

Assim, partindo do pressuposto de que um patrimônio é um instrumento de memória coletiva, devemos, como afirma Le Goff (2003) trabalhar de forma que esta memória “sirva para a libertação e não para a servidão dos homens”.

Hoje, aliar a questão patrimonial à adoção da Lei 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacio-nais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se faz necessário e pode, no campo da Educação, e em especial, no ensino da História, trazer boas perspectivas de estudos.

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4. Referências

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. In: http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/boletins2003/ep/tetxt1.htm

LE GOFF, Jacques. História e memória. 5. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.

BRASIL. Ministério da Educação. SECAD. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Brasília: SECAD, 2006.

ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In: Bittencourt, Circe. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2002.

REVISTA PLANETA. A Unesco e o patrimônio cultural mundial: 33 anos em busca dos últimos tesouros da humanidade. São Paulo: Editora Três, jul./2005. p.40-47.

http://www.angolapress-angop.ao/noticia.asp?ID=274758 file://U:\AngolaPress%20-%20Notícia.htm. Acesso em 29/05/06.

http://whc.unesco.org. Acesso em 20/07/06.

http://www.unesco.org.br. Acesso em 29/05/06.

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Países na Lista de Patrimônio Mundial: Europa e África

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O quilombo como patrimônio cultural: uma proposta educativa

Laura Jane R. G. Both (DEM/SEED-PR) [email protected]

Resumo

Neste artigo proponho uma reflexão - e um encaminhamento pedagógico - das possibilidades de apreensão do que são as áreas remanescentes de quilombos no Paraná como patrimônio cultural. Isso significa ampliar o entendimento usual que se tem, de quilombo como apenas um território de escravos fugidos. Quilombo é território, é fonte de sobrevivência, é materialização da resistência, é organização política, mas também e principalmente, é herança cultural e memória social. Por isso, se faz mais do que necessária a discussão acerca dos vários significados de quilombo ao longo da história, assim como dos significados de patrimônio, bem como se faz urgente a visibilidade das áreas quilombolas do Paraná e ações pedagógicas que possibilitem professores e alunos tomarem conhecimento de temática tão relevante da história social do Brasil.

Palavras-chave: Quilombo; Patrimônio; Ensino

1. Quilombo

Na Constituição Federal de 1988, as comunidades remanescentes de quilombos são definidas como aquelas que “constituem uma identidade étnica predominantemente negra, situadas em territórios nos quais desenvolvem atividades fundamentais à reprodução física e cultural”. No seu artigo 68 das Dispo-sições Transitórias, a Constituição ainda prevê o reconhecimento e a titulação de áreas remanescentes de quilombos, a partir do auto-reconhecimento, das perícias e laudos antropológicos – pré-requisitos que orientam os processos jurídicos que visam a regulamentação das terras reivindicadas pelas comu-nidades negras do Brasil.

No entanto, em que pese essa definição jurídica, o significado do termo quilombo não é único e nem unânime. Desde a legislação do século XVIII (Conselho Ultramarino, por exemplo), existem registros do termo com significados variados: quilombo poderia ser tanto um grupo de fugitivos que viviam de forma nômade na beira das estradas “assaltando” fazendas ou transeuntes, quanto comunidades extrema-mente organizadas e complexas como o Quilombo dos Palmares, profundamente estruturado de forma federativa. Pode-se perceber, nestes casos, que quilombo remete simultaneamente à idéia de escravos fugidos e à idéia de resistência histórica à escravidão. Contudo, de um modo geral, o termo acabou por configurar-se como uma marca distintiva (discriminatória) de grupos negros (“fugidos”) vistos de um modo geral como desestabilizadores da ordem social vigente.

De acordo com a Fundação Cultural Palmares22, “as denominações quilombos, mocambos, terra de preto, comunidades remanescentes de quilombos, comunidades negras rurais, comunidades de terreiro, são expressões que designam grupos sociais afro-descendentes trazidos para o Brasil durante o período colonial, que resistiram ou, manifestamente, se rebelaram contra o sistema colonial e contra sua con-dição de cativo, formando territórios independentes onde a liberdade e o trabalho comum passaram a constituir símbolos de diferenciação do regime de trabalho adotado pela metrópole”.

Conclui-se dessa breve reflexão que quilombo é um termo situacional e relacional, cujos conteúdos e os significados são atribuídos de acordo com o contexto, a situação, a relação social historicamente estabelecida, podendo, assim, ser apropriado de formas ou ideologias diferenciadas.

O Decreto Presidencial 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu artigo 2º, considera que “re-manescentes das comunidades dos quilombos, são grupos étnico-raciais - segundo critérios de auto-atribuição - com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. São comunidades portadoras de uma herança, de um legado cultural”. Desdobra-se dessa definição que, ao contrário da compreensão do senso comum, os quilombolas não formam um único grupo isolado e homogêneo. Os quilombos agrupam diferentes grupos étnicos, com diferenciados referenciais históricos e culturais, que, organizados sob uma forma específica, sob determinadas circunstâncias e contextos, conferem, uns aos outros, pertencimentos, filiações ou exclusões, a partir dos laços de parentesco e de vizinhança.

22. Entidade pública vinculada ao Ministério da Cultura cujo objetivo corporifica os preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à ação e à memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade brasileira.

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Conforme registros da Fundação Cultural Palmares, estão identificadas no Brasil, oficialmente, 743 comunidades remanescentes dos quilombos, mas este número pode ultrapassar mais de 1.000 comuni-dades. As maiores concentrações destas comunidades estão nos estados da Bahia e Maranhão, mas exis-tem comunidades quilombolas vivendo em pelo menos dezesseis outros estados do país: Amapá, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.

No Paraná, de acordo com dados preliminares do Grupo de Trabalho Clóvis Moura23 , existem hoje cerca de 80 Comunidades Tradicionais Negras ou Comunidades Remanescentes de Quilombos (rurais e urbanas), sendo que 11 já foram certificadas por auto-reconhecimento e pela Fundação Cultural Pal-mares. Essas comunidades estão espalhadas por aproximadamente 23 municípios do estado (Castro, Dr. Ulysses, Ponta Grossa, Campo Largo, Curiúva, Adrianópolis, Arapoti, Candói, Tibagi, Guarapuava, Cantagalo, General Carneiro, Guaraqueçaba, Jaguariaíva, Lapa, Piraí do Sul, Antonina, Turvo, Palmeira, Ivaí, Contenda, Foz do Iguaçu, Guaíra ). Nas comunidades em que alguns dados preliminares já foram levantados (quase 50% do total) vivem aproximadamente 897 famílias ou 3427 quilombolas.

2. Patrimônio

Segundo o IPHAN24, patrimônio histórico cultural é o conjunto de bens móveis e imóveis, mate-riais e imateriais existentes no país e cuja conservação é de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. O patrimônio material protegido pelo IPHAN, com base em legislações específicas, é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza em arqueológico, paisagístico e etnográfico, histórico, belas artes e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis, como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais e móveis, como coleções arque-ológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. A UNESCO25 define como Patrimônio Cultural Imaterial as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas e também os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associados e as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos que se reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.

O Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade. Mas, a compreensão desse conceito, assim como a de quilombo, pode e deve ser ampliada.

Para José Reginaldo Santos Gonçalves (2003, p.27), o patrimônio deve ser entendido como uma “categoria de pensamento”, porque essa noção traz em si as possibilidades para o desvendamento da vida social e cultural. O patrimônio não existe apenas para ser contemplado, ele é uma expressão (cons-truída, escrita, falada) de uma rede de relações sociais tecidas historicamente, ele encarna a memória social. Portanto, contrariamente a uma compreensão usual que percebe o patrimônio como estático e permanente, deve-se percebê-lo como marcado pela transitoriedade, articulado num diálogo entre o passado e o presente, entre identidade e alteridade, entre o si mesmo e o outro. Segundo Flávia Cristina Antunes de Souza (s/data, p.9), a experiência vivenciada através dos patrimônios, institucionalizados ou não, permite o reencontro com o universo de significação e re-significação das experiências em todos os tempos.

23. Constituído pelas Secretarias de Estado da Educação, da Cultura, de Assuntos Estratégicos, de Comunicação Social, do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e da Saúde do Paraná, assim como pela COPEL, SANEPAR e Polícia Militar do Paraná e encarregado de realizar levantamento de dados e diagnóstico da realidade social, educacional, econômica e cultural em que vive a população das áreas em questão.

24. O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, responsável por preservar a diversidade das contribuições dos diferentes elementos que compõem a sociedade brasileira e seus ecossistemas. Esta responsabilidade implica em preservar, divulgar e fiscalizar os bens culturais brasileiros, bem como assegurar a permanência e usufruto desses bens para a atual e as futuras gerações.

25. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura que foi fundada em 16 de novembro de 1945.

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3. Encaminhamento metodológico

Metodologicamente, a proposta de educação patrimonial em uma área remanescente de quilombo no Paraná poderia ser desenvolvida , em linhas gerais, nas seguintes etapas:

1ª Pesquisa bibliográfica e levantamento de dados sobre o tema em geral: a história dos quilombos no Brasil, a localização dos mesmos desde os primeiros registros até hoje, os processos de auto-reconhecimento e de titulação;

2ª Pesquisa bibliográfica e levantamento de dados sobre os quilombos no Paraná : a história, a localização dos mesmos, os processos de auto-reconhecimento e titulação;

3ª Essas pesquisas e levantamentos de dados podem ser feitos em bibliotecas, museus, institutos de pesquisa, órgãos públicos municipais, estaduais e federais, ONGs, entrevistas com membros das comunidades quilombolas, entre outras possibilidades;

4ª Elaboração de um pequeno, mas necessário, planejamento no qual estejam relacionados os objetivos do professor, os resultados esperados dos alunos, como o trabalho de educação patri-monial vai ser desenvolvido, como será o trabalho de campo, a discussão posterior em sala de aula (documentada por intermédio de uma exposição de fotos, ou a produção de um vídeo, uma dramatização, a produção de um texto, um debate com pessoas envolvidas com tema e também da comunidade em geral, a divulgação e a integração com a comunidade escolar, familiar e de vizinhança), quais disciplinas da grade curricular poderão ser envolvidas, como o trabalho será avaliado. A elaboração desse planejamento e do trabalho em si vai demandar conversas do professor (que está organizando o mesmo) com outros professores, coordenação e direção da escola;

5ª As ações propostas - a seguir - para o desenrolar do trabalho de educação patrimonial podem acontecer uma seguida da outra, ou mesmo simultaneamente e, mais do que isso, podem e devem ser modificadas, adaptadas, questionadas pelos participantes, sejam eles professores, equipe pedagógica, alunos.

4. Ações de educação patrimonial numa área remanescente de quilombo: observação, registro, exploração e apropriação

Depois de escolhido o tema/objeto/local de pesquisa e de interação educativa (neste caso, rema-nescentes de quilombos nas suas várias abordagens), o procedimento inicial sugerido é a observação, cujo objetivo é a identificação, dedução, comparação e investigação do significado e da função de uma área quilombola, da cultura quilombola, visando o desenvolvimento da percepção simbólica do aluno. Este procedimento consiste em exercitar a percepção sensorial por meio de perguntas, entrevistas, ma-nipulação de objetos, medições de áreas, contagem de casas, famílias, anotações de depoimentos.

Em seguida, será feito o registro de todo esse levantamento inicial, através de desenhos e fotografias, descrições (orais e escritas), elaboração de mapas, maquetes (inclusive explorando a modelagem), plan-tas das áreas quilombolas, da distribuição espacial das mesmas - e no interior das mesmas; a construção de gráficos (“barra”, “linha”, “coluna”, “pizza”, entre outros) com dados sobre faixa etária, distribuição das atividades econômicas, escolaridade. Esse procedimento de registro orienta o aluno na fixação do conhecimento, no aprofundamento da análise crítica, no exercício da memória, do pensamento lógico e do pensamento intuitivo. O terceiro procedimento consiste na exploração dos dados e informações observadas e registradas cotejadas com a pesquisa teórica sobre o tema realizada em bibliotecas, arqui-vos, cartórios, documentos das famílias quilombolas, periódicos acadêmicos, jornais, revistas, entrevistas colhidas em campo, acionando, com isso, a capacidade analítica e interpretativa dos alunos a partir das evidências e dos seus significados, da análise dos problemas, da formulação de hipóteses que expliquem esses problemas, da discussão dialogada e do questionamento, bem como da capacidade de avaliação. O quarto procedimento (não o último, uma vez que o processo educativo é contínuo), é a apropriação que consiste no envolvimento afetivo, na internalização, no desenvolvimento da capacidade de expressão, participação criativa e valorização do quilombo como bem cultural. Essa apropriação pode ser expressa por intermédio de recursos como a recriação, a releitura, a dramatização e a interpretação, através de diferentes meios de expressão como a pintura, a escultura, a dança, a música, o teatro, o filme, o vídeo, a fotografia, a poesia, a prosa, o texto dissertativo e a exposição/apresentação de todas essas formas de expressão.

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5. Conclusão

A compreensão das áreas remanescentes de quilombos do Paraná como patrimônio cultural, in-serida em um processo educativo significa, enfim, compreendê-las como fontes materiais e imateriais de conhecimento crítico, individual e coletivo. Significa, na prática, o aluno vivenciar, se apropriar e valorizar a herança sócio-cultural dos ancestrais, ao apreender a trajetória histórico-temporal-espacial do mundo que o cerca, da realidade na qual está inserido.

6. Referências

GONÇALVES, José Reginaldo dos Santos. O patrimônio como categoria de pensamento. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. Guia básico de educação patrimonial. Brasília: IPHAN/MINC, 1999.

LEITE, Ilka Boaventura. Negros no sul do Brasil: Invisibilidade e Territorialidade. Florianópolis: Letras Con-temporâneas, 1996.

MOURA, Clóvis. Quilombos e rebelião negra. São Paulo: Brasiliense, 1987.

SOUZA, Flávia Cristina Antunes. Museus, patrimônios e preservação: reflexões contemporâneas. Curitiba: Ed.UFPR, [s.d.].

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Quilombos: referência de resistência à dominação e luta pela terra no Paraná

Prof. Cassius Marcelus Cruz (Grupo de Trabalho Clóvis Moura) [email protected]. Ms. Geraldo Luiz da Silva (Grupo de Trabalho Clóvis Moura)– [email protected]. Jefferson Oliveira Salles (Grupo de Trabalho Clóvis Moura) [email protected]. Ms.Vinicius Pereira de Oliveira – [email protected]

1. Resumo

O processo de escravização ocorrido no Novo Mundo a partir do século XVI deixou marcas indeléveis nas sociedades americanas pós-independência. Todo o sistema sócioeconômico e, obviamente, a base cultural que nos identifica enquanto povo se construiu sob a influência do que ocorreu nos séculos de imposição do trabalho compulsório e da coisificação de todo um grupo étnico. No que tange a justificativas à escravização do negro, salta aos olhos aquela embasada no fato de não serem os indivíduos que o compunham dotados de alma. A América e especificamente o Brasil estão ambos impregnados de negritude. Porque seu solo foi cultivado com o trabalho negro, suas riquezas foram construídas com a participação não apenas dos braços, mas também do engenho e do conhecimento técnico do elemento africano e depois pelos seus filhos. Sua cultura está repleta de traços que vieram desde o outro lado do Atlânti-co, tendo sobrevivido, assim como as mulheres e homens negras e negros, ao terror que era a “vida” nos tumbeiros. O conhecimento, os indivíduos, os costumes, o jeito negro de fazer a vida se faz presente nessa terra. Nesse pedaço a que chamamos Brasil e pelo continente afora. Parte disso se percebe em quase tudo o que se entende por Brasil, sobretudo na sua face urbana e ainda mais vivamente, nas periferias das cidades. A outra parte sobrevive a duras penas em alguns recantos, em geral rurais, denominados comunidades remanescentes de quilombo. A definição do que isso vem a ser não é algo singular, ao contrário tem sido objeto de discussões de toda ordem. Do mundo acadêmico aos corredores do parlamento nacional, passando pelas salas e gabinetes do judiciário. Os quilombos que já incomodavam pela ação dos jaga em território africano, no século XVI, se mostraram ainda mais incômodos por aqui. Sua capacidade de impor, pela simples razão de existir, uma espécie de xeque-mate ao sistema que o gerou, incomodou tanto aos senhores de escravos do Brasil colônia, quanto incomoda a alguns dos senhores congressistas e outros representantes do pensamento conservador do Brasil atual. O sentido de resistência em torno da idéia de quilombo: é disso que trata o texto a seguir.

Palavras-chave: Quilombo; Escravização; Terra; Cultura; Resistência.

Nas últimas décadas a dinâmica da luta pela promoção da igualdade étnico racial no Brasil tem provocado o acirramento da disputa jurídica em torno de elementos fundamentais da manutenção dos privilégios da elite nacional. Exemplo disso são as ações jurídicas e o debate em torno do polêmico tema das cotas para afrodescendentes nas universidades do país. Não poderia ser diferente diante da centralidade do conhecimento na atual fase do sistema capitalista.

Outro tema que tem provocando embates não menos acirrados, apesar de não ter a mesma visibili-dade que o debate em torno das cotas, é o que diz respeito ao efeito da titulação das terras de remanes-centes de Quilombo em um dos elementos geradores de desigualdades (sócioeconômica e étnico-racial): a concentração fundiária. Esse é um debate cujo marco referencial é, sobretudo, a publicação do art. 68 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, que diz:

“Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhe-cida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos”.

Antes de entrarmos na atualidade do debate é necessário que vislumbremos a paisagem concei-tual que o permeia.

2. Quilombo: origem conceitual

Segundo Clóvis Moura, a primeira referência a quilombo em documentos oficiais portugueses data de 1559, mas só em 1740 o Conselho Ultramarino define-o como “toda habitação de negros fugidos que

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passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles” (MOURA, 1981, p. 16). Essa definição, produzida pelas autoridades portuguesas para referirem-se aos agrupamentos negros livre do domínio colonial que proliferaram-se após a campanha de destruição do Quilombo de Palmares no século XVII é, talvez, uma das mais difundidas.

Em contraponto a essa definição podemos destacar uma série de estudos que procuram recuperar os sentidos atribuídos ao termo desde sua origem africana. Ney Lopes (1988), além de apontar que o étimo é originário do quibundo, afirma que é um conceito próprio dos africanos bantos que vem sendo modificado através dos séculos.

Além de Ney Lopes, autores como David Birgham (1974), Beatriz Nascimento (1994) e Kabengele Munanga, ao caracterizarem quilombo como instituição africana, nos oferecem elementos para traçarmos relações de continuidade entre essa instituição e o quilombo brasileiro que surge no período e que tem em Palmares seu exemplo mais significativo.

Baseando-se nos autores acima citados, o termo quilombo encerra toda uma experiência africana dos jaga, também conhecidos como mbangala, cuja ação, em seu processo de migração em busca de terras férteis, teria ocasionado todo um processo de fusão, interconexão e miscigenação entre os clãs, além de alterações substanciais na estrutura econômica, social, cultural e mesmo psicossocial. Tal ação efetuou, no dizer de Beatriz Nascimento, um corte transversal nos clãs angolanos em virtude da orga-nização interna dos jaga que, grosso modo, configuravam-se num grupo de guerreiros hábeis e deste-midos. Um traço cultural marcante, eliminar seus próprios descendentes, adotando os filhos dos nobres dos clãs com os quais entravam em contato. Esses, por sua vez, eram submetidos a rituais de iniciação, como registram MUNANGA (1996) LOPES (1988). Registre-se que tal costume – dos rituais de iniciação – também se verificava no Quilombo de Palmares.

Há, segundo NASCIMENTO (1994), muitas coincidências ou, numa abordagem antropológica, traços comuns entre costumes verificados entre os jaga e os palmarinos. Um elo interessante seria a própria idéia de quilombo que, tanto seria o espaço geográfico quanto o indivíduo que dele faz parte. Some-se a isso a proximidade cronológica entre os dois eventos. De fato, os guerreiros jaga ou mbangala funcio-naram, a princípio, como instância de resistência ao domínio português, se incorporando na seqüência a empresa escravista, sendo muitos deles, inclusive, transferidos para o novo mundo na condição de elementos escravizados.

Outro elemento, portanto, que serve de referência para a compreensão das várias semelhanças na organização dos quilombos nos continentes africano e americano. Nas palavras de Munanga (1996, p.60) pelo “conteúdo, o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo africano, reconstruído pelos escravizados para se opor a uma estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos.”

Na historiografia brasileira, alguns autores, como Gomes (1996) identificam duas matrizes interpre-tativas quanto ao fenômeno dos quilombos no Brasil. Uma primeira denominada “culturalista”, iniciada na década de 1930, e uma outra surgida na década de 1960 e referida como “materialista”.

As interpretações culturalistas (década de 1930) buscam compreender tais formações tomando Palmares como referência e tratando-o como fenômeno do passado. Enfoque cultural que entende os quilombos como uma reprodução de padrões culturais africanos. É importante lembrar que nessa mesma época foi publicada Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 1933), que, em sua abordagem cultural, difundiu a idéia de que as relações senhor-escravo no Brasil teriam sido marcadas pelo paternalismo, harmonia e docilidade, e forjando o mito da democracia racial brasileira.

Arthur Ramos, Édison Carneiro e mais tarde Roger Bastide se destacam como pesquisadores dessa corrente. Segundo suas análises, “as organizações dos quilombos no Brasil representavam um fenômeno ‘contra-aculturativo’ dos negros escravos” (Gomes, 1996, p. 198). Organizavam-se em função da persis-tência da cultura africana e em resposta ao processo de aculturação imposto pela sociedade escravista opressora.

Para Arthur Ramos, o fenômeno seria uma “desesperada reação à desagregação cultural que o africano sofreu com o regime de escravidão”. Idéia de que os quilombolas mantiveram suas culturas originárias: religião, tradições sociais, linguagem, cultura material (Gomes, 1996, p. 198). Nina Rodri-gues já havia afirmado no início do século, a partir da análise de Palmares, que os quilombolas teriam reproduzido tradições organizacionais (política e guerreira) dos povos bantos da África. “Sobrevivências africanas”. (Gomes, 1996, p. 198)

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Ramos acaba por “reduzir a compreensão dos quilombos ao caráter simplesmente de ‘reação e/ou adaptação dos escravos sob o ponto de vista da cultura. A luta dos quilombolas contra a escravidão era tão-somente a luta dos africanos negros escravizados para preservar suas culturas longe da dominação dos padrões culturais dos senhores brancos” (Gomes, 1996, p. 199). Este viés de Ramos, influenciado pela produção de Nina Rodrigues, influenciou muitos estudos posteriores que se debruçaram sobre os padrões da cultura negra no Brasil.

Édison Carneiro, em sua obra produzida quase na mesma época, pautava-se também pela idéia dos quilombos como sendo um fenômeno contra-aculturativo de enfrentamento frente à cultura opressora. Procura formular um modelo geral “que explicasse o estabelecimento dos quilombos no Brasil durante a escravidão” (Gomes, 1996, p. 199).

Carneiro afirmou que o quilombo era uma “reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos. O tipo de organização social criado pelos quilombolas estava tão próximo do tipo de organização então dominante nos Estados africanos que, ainda que não houvesse outras razões, se pode dizer, com certa dose de segurança, que os negros por ele responsáveis eram em grande parte recém-vindos da África, e não negros crioulos, nascidos e criados no Brasil” (Gomes, 1996, p. 199). Aqui, o fenômeno social do quilombola é entendido como um processo contra-aculuturativo; abordagem fundamentada na idéia de resistência cultural através de um restauracionismo de padrões africanos.

Há, porém, alguns aspectos dessas abordagens que são bastante questionados pelos estudos posteriores, como é o caso da concepção de cultura apresentada, vista como algo estático e polarizado (cultura negra e africana versus cultura branca e européia) “que desconsiderava quase completamente os processos de reelaborações e transformações histórico-culturais de um povo” (Gomes, 1996, p. 200); ou ainda o fato de que os referidos estudos indicavam, de forma reducionista, “que as ações dos fugitivos reunidos em comunidades não representavam nenhuma ameaça à integridade do sistema escravista. O conteúdo de suas revoltas era apenas restauracionista”, visando restabelecer sociedades africanas, rea-firmar valores culturais deste continente (Gomes, 1996, p. 200).

A década de 1960 surge com uma nova corrente, qual seja, a de interpretações materialistas na qual a visão a respeito da rebeldia escrava passa a ser inserida no contexto analítico da luta de classes sob o escravismo (Gomes, 1996, p. 200-201). Ao enfatizar o caráter violento da relação senhor-escravo no Brasil, buscava-se contrapor àquelas concepções que viam a escravidão pelo prisma do paternalismo freyriano e da democracia racial. Destaque-se aí os estudos de Otavio Ianni, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, autores do que se denominou “escola paulista” da sociologia.

Nessa linha enfatizou-se os atos de rebeldia coletiva dos escravos. O conceito de resistência escrava daquele período tendia a considerar, porém, somente aquelas formas extremas de negação do sistema escravista como insurreições, quilombos e revoltas. Opunha-se estas formas de resistência a outras con-sideradas como acomodação ou passividade dos escravizados frente ao sistema que lhes vitimava. Esse enfoque era fruto da visão materialista que procurava se contrapor às abordagens puramente culturalistas até então em voga na historiografia brasileira.

Outro expoente da vertente “materialista” foi Clóvis Moura (1959), obra na qual o autor busca perceber os desgastes sofridos pelo sistema escravista em função da resistência cativa. O quilombo é entendido como algo inerente à escravidão, e “a resistência dos quilombos era tão-somente explicada na sua negação ao regime do cativeiro” (Gomes, 2001). Outros autores desta corrente foram José A. Goulart (1972), e Décio Freitas (1973; 1976) – este último preocupado em analisar o porquê dos quilombos não terem conseguido forças para destruir o sistema de opressão escravista.

Percebe-se que muitas das questões colocadas pelos pesquisadores de cada uma dessas correntes eram, em grande parte, fruto dos anseios e questionamentos dos momentos vividos. A corrente cul-turalista produziu seus estudos em um momento em que a identidade do Brasil estava ainda por ser construída. Questões como o papel do negro na composição da nação que queria aproximar-se dos padrões de civilização e progresso europeus perpassavam as discussões de parcela significativa da elite nacional, grandemente influenciada por teorias raciais do século XIX. Já a corrente materialista escreveu no contexto da ditadura militar pós-1964, especialmente da esquerda engajada em movimentos de ques-tionamento ao sistema de exceção vigente. Dessa foram, pautou-se em grande medida pela perspectiva da luta de classes.

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Ao final da década de 1970, o entendimento do termo é recolocado frente ao contexto de reabertura política; revisão da história nacional, com a emergência de novos temas e novos olhares sobre temas antigos, em que os populares e anônimos da história ganham mais espaço; contexto da ‘descoberta’ de comunidades negras rurais; contexto da constituição do movimento negro contemporâneo e a construção de uma identidade negra; estudo da cultura negra.

Em termos de historiografia, os estudos deste período procuraram dar mais atenção aos escra-vizados e negros livres como sujeitos de sua própria história. Buscou-se analisar a lógica interna dos quilombos, como se organizavam, o que pensavam e como percebiam o que acontecia ao seu redor. Palmares deixa de ser tomado como quilombo referência para os estudos dessa temática, já que se per-cebeu que a composição destas comunidades de fugitivos era complexa e variava de região para região, de acordo com as possibilidades locais que muitas vezes não propiciavam a reprodução de quilombos com a mesma dimensão.

Houve também uma relativização da idéia do isolamento total das comunidades quilombolas sob o escravismo, já que diversos estudos revelaram que elas costumavam manter estreitas relações com as comunidades de senzala, comerciantes e populares em geral, no que se chamou de quilombos relacio-nais ou sistêmicos, ou seja, contestação da idéia de quilombo como “sobrevivência africana”, mas sim como produto da inter-relação de africanos, crioulos, escravidão e outros grupos. Um caso interessante foi o Quilombo do Leblon, situado na cidade do Rio de Janeiro nos anos finais do escravismo. Este era um quilombo especializado na produção de camélias, flor símbolo do movimento abolicionista, e con-tava com a proteção de personalidades de destaque da sociedade carioca, inclusive da própria Princesa Izabel (Silva, 2003).

Cabe ainda ressaltar que, para além do percurso acadêmico do termo, os militantes do movimento negro, pela implementação do que atualmente é denominado de política de ação afirmativa, utilizam o termo “como um elemento aglutinador, capaz de expressar, de nortear àquelas pautas consideradas cruciais à mudança, de dar sustentação à afirmação da identidade negra ainda fragmentada pelo modelo de desenvolvimento do Brasil após a escravatura” (LEITE, p. 4).

A contribuição de Abdias Nascimento no 2° Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado no Panamá em 1980, e posteriormente publicado sob o título de “O Quilombismo: Uma Alternativa Política Afro-brasileira”, talvez seja o que melhor expresse o sentido de quilombo como um programa político do negro brasileiro. Nesse sentido “Quilombo não significa escravo fugido conforme ensinam as definições convencionais. Significa união fraterna e livre; encontro em solidariedade, convivência, comunhão existêncial” (1991, p.206).

3. Constituição de 1988 e as Comunidades Negras Rurais

Os Artigos 215 e 216 abriram a possibilidade de regularização de terras de comunidades remanes-centes de quilombos. Através do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, ficou estipulado que “Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Este foi um momento fundamental na ressemantização sofrida pelo termo quilombo. As comunidades negras rurais, que neste momento começavam a adquirir mais visibilidade, começam a emergir como “remanescentes de quilombos”.

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), juntamente com o movimento negro organizado, engaja-se no esforço dessa alteração de sentido, já que muitos grupos ligados aos grandes proprietários de terras questionavam o enquadramento dessas comunidades como remanescentes de quilombos. Ale-gavam que quilombos eram somente aquelas comunidades formadas durante o período escravista pela ocupação de terras remotas através da fuga. As terras havidas por escravos e descendentes através de compra ou doação dos antigos senhores – grande parte da realidade das comunidades que atualmente buscam ser reconhecidas como remanescentes – não deveriam ser, no entendimento desse grupo, be-neficiadas pela nova legislação.

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Enquanto isso, os movimentos sociais e a ABA defendiam a idéia de que aquelas comunidades negras que acessaram a terra, seja por doação, compra ou ocupação de áreas devolutas, podem e de-vem ter suas terras reconhecidas e regularizadas. Apesar da dificuldade de definição e da discussão acadêmica que permeia o tema, quilombo, no contexto do Brasil atual, pode ser definido como reduto de resistência e acolhimento constituído com base em critérios de etnicidade e parentesco, e ainda com critérios próprios de pertencimento em que seus componentes reconheçam presunção de vínculo com o período escravista.

Como conseqüência, abarca territorialidades negras constituídas não só por fuga e ocupação de áreas remotas e isoladas, mas também terras compradas por ex-escravos, recebidas por doação. Entende-se que áreas adquiridas dessa forma também foram resultado da resistência dos escravizados frente ao sistema escravista que, mesmo após sua desarticulação, não promoveu mecanismos de inclusão social aos ex-escravos e seus descendentes. A contra face desse processo, na historiografia, foi a ampliação da concepção de resistência, que antes abarcava somente aqueles casos mais extremos de luta (quilombos isolados, rebeliões e insurreições), mas que atualmente inclui outras formas de luta como o esforço do escravizado em acumular pecúlio para a compra de sua alforria, a formação de irmandades religiosas e clubes de negros, formação de família, etc., pequenas experiências de resistência e liberdade que mesmo não rompendo com o sistema escravista fazia diferença na vida dos escravizados26.

Atualmente, percebe-se a formação de um campo ‘pró-quilombo’: grupos e entidades do movimen-to negro empenhados no mapeamento, articulação e defesa de comunidades negras rurais; entidades e organizações de apoio e assessoria jurídica e ambiental, que apoiam também camponeses e povos indígenas.

A legislação que rege o processo de regularização de terras de remanescentes de quilombos sofreu diversas modificações desde 1988. Atualmente, está regida pela Instrução Normativa no 20 de 26/09/200, a qual “Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, de-sintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto no 4.887, de 20 de novembro de 2003”.

Note-se que, pelo próprio processo histórico de organização da sociedade brasileira em seu funda-mento econômico, sobretudo no que tange a sua vertente agrário-exportadora, além da marcante hege-monia étnica no que concerne ao coeficiente de propriedades rurais sob domínio de brancos e negros, a estrutura fundiária nacional alterar-se-ia sensivelmente em conseqüência da aplicação do referido decreto 4.887, porquanto a soma das áreas de posse das comunidades remanescentes, segundo ALMEIDA, (2005) equivale a 5% dos oitocentos e cinqüenta milhões de hectares do território brasileiro.

A dinâmica das lutas pela implementação de ações afirmativas, assim como algumas respostas do poder público em consonância com essas demandas tem, efetivamente, colocado em xeque a histórica reprodução de privilégios da elite nacional, acirrado os embates políticos e jurídicos como se percebe, tanto no caso das cotas para o ingresso nas Universidades Públicas, quanto na regularização e titulação das terras de remanescentes de quilombo. É emblemático deste último, a Ação Direta de Inconstitucio-nalidade (ADI no 3.239 – 24/06/2003 –) impetrada por um partido político de matiz conservadora com o objetivo de anular, junto ao Supremo Tribunal Federal o decreto 4.887. Impossível, portanto, discutir-se a questão quilombola divorciada da questão fundiária.

4. Afrodescendentes e questão agrária no Paraná

A origem do problema agrário em nosso país situa-se na implantação do regime de escravidão como elemento constitutivo do Antigo Sistema Colonial que, por seu turno insere-se no processo de formação e expansão do capitalismo na Europa. Dessa matriz resultaram os conflitos sociais mais vio-lentos do século XVI ao XX. Nesse sentido, a reivindicação de reconhecimento legal de remanescentes de quilombos e faxinais deve ser olhado na perspectiva de uma contínua resistência e enfrentamento da exploração e da expropriação da terra e do trabalho, quadro que transparece no período de “ocupação” recente em todas as regiões do Estado:

26. Neste sentido, ver REIS (1989).

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“Jacarezinho (1920-30), na região de Tibagi (1933-5 e depois em 1941), em Jaguapitã (1946-9), Campo Mourão (1948, 52), Porecatu (1950-51), Sudoeste (1950-57), Cascavel (final da década de 50 até 61), Alto Paraná (1961), apenas para citar os exemplos mais co-nhecidos, registram-se movimentos que marcaram a conquista da terra no Paraná, resultando, com freqüência, na expulsão ou morte de posseiros”. (FERREIRA, 1987 p.10)

A estes casos somam-se as guerras travadas contra os povos indígenas desde o XVI, a Guerra do Contestado (1912-15) e as ocupações de terra no final do século XX, conjunto de elementos que nos permite supor a existência de uma memória da rebeldia no campo.

O início da presença africana no atual território paranaense ocorreu na procura de ouro de alu-vião posto que estes eram os práticos na mineração. Posteriormente a presença africana no tropeirismo, setor hegemônico da economia entre os séculos XVIII e XIX, inaugurando um novo capítulo da questão agrária na história regional até o presente: o latifúndio monocultor destinado à economia externa. Esta característica irá estruturar a política e a economia agrária regional na qual o monopólio do acesso a terra foi, historicamente, motivo de grande preocupação por parte dos grupos dominantes27. Neste período o número de escravos africanos/afrodescendentes aumentará constantemente. Eram eles que realizavam muitas das tarefas especializadas: carpinteiros, marceneiros, arreeiros, tropeiros, roçadores além, é claro, de cultivarem a terra. Nesse sentido, é importante ressaltar a questão vinculada à agricultura e pecuária: os povos africanos trazidos à colônia portuguesa conheciam tecnologias e implementos agrícolas ainda estranhos aos povos indígenas (uso da enxada, pastoreio de animais, uso de engenhos etc.) e, embora os povos indígenas tenham apreendido logo tais técnicas, tais saberes não deixavam de ser um capital cultural importante.

No que se refere à presença dominante do latifúndio em nossa história é importante lembrar-mos que este não se sustenta por si. As pessoas não se alimentam apenas de soja, carne, cana ou café. Como em toda a colônia e, posteriormente todo o Império e República, a base alimentar garante-se por cultivares feitos em menores parcelas de terra, que são condição para a existência do latifúndio. No caso do tropeirismo (e da extração do mate) não foi diferente. As invernadas, locais onde os tropeiros costumeiramente pousavam ou mantinham seu gado para recuperar o peso, deveriam prover momen-taneamente esses indivíduos, além de providenciar outros pequenos serviços emergenciais. Daí que muitas das atividades agrícolas provavelmente eram desempenhadas pelos africanos/afrodescendentes escravizados para o abastecimento da fazenda e também para o próprio comboio de tropas. Este quadro leva à construção de uma série de perspectivas para a população negra escravizada (e também para os libertos). Se, por um lado, parodiando Antonil, essas pessoas eram as “mãos e pés dos fazendeiros criado-res de gado”, por outro, essa situação era central nas relações de conflito e na resistência ante aos seus senhores no sul brasileiro e, principalmente, no Paraná. Não obstante a constante relação de violência que caracterizava o cativeiro, os relatos do período registram a existência de negros escravizados que eram tropeiros ou que cultivavam roçados nos arredores das vilas sem a presença do senhor. Estes fatos denotam ao menos duas questões: estruturalmente a vigilância dos senhores não podia ser constante e, portanto, havia um grande espaço para algum grau de autonomia destes homens e mulheres. A ruptura deste espaço de “conflito e resistência” poderia levar a fugas e sabotagem da produção como retratam fontes documentais e bibliográficas.

No que se refere às relações entre fazendeiros, escravos e libertos nos Campos Gerais deve-se levar em conta que havia diferenciais, por exemplo, em relação à região das Minas Gerais, ao nordeste açucareiro e/ou às vilas do período: a pecuária requer uma menor concentração de mão-de-obra, porém, esta também deve ser qualificada para as atividades a que se destina. Essa característica, somada ao fato de que a mineração no Paraná logo entrou em declínio configuraram uma forma própria da presença e resistência negra no Paraná e, portanto, um formato das comunidades remanescentes de quilombo. Diferença esta que também deve ser considerada em nível regional: parte das comunidades até agora identificadas pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura encontra-se nos Campos Gerais e suas margens, como é o caso das comunidades negras rurais em Curiúva, Castro, Guarapuava, Lapa, Ponta Grossa, Campo

27. MACHADO:1968.

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Largo. Outra parte das comunidades negras rurais foi identificada no Vale do Ribeira e litoral (município de Guaraqueçaba). A par disto, o Grupo de Trabalho Clóvis Moura está realizando levantamentos de comunidades negras rurais em outras regiões do Estado como Foz do Iguaçu e Guaira28.

Sobre as diferenças entre os camponeses descendentes de europeus e afrodescendentes aqui estabelecidos é importante citar uma questão central: enquanto a transferência de elementos europeus para a América se deu em função das condições de pobreza e miséria na Europa, os africanos foram seqüestrados e escravizados – uma transferência compulsória, portanto – e que, para ambos os casos, a realidade vivenciada produz representações e significados simbólicos que permeiam nossa cultura e a forma com que nossa sociedade percebe cada um desses grupos étnicos. Esta reflexão é importante posto que é a ideologia hegemônica de uma sociedade que estrutura as leis de sua nação como de fato ocorreu com a Lei de Terras de 1850 que impedia o acesso a terra aos africanos/afrodescendentes “li-bertos”. Esta medida insere-se na crise progressiva do tropeirismo, levando à desvalorização das terras, destinadas à engorda do gado. Com a desvalorização das terras as populações residentes nestas regiões provavelmente continuaram as atividades costumeiras de plantio e criação de animais (agora para sua subsistência e comércio em pequena escala29). Ocorre que, para organizar a produção para subsistência, também é necessária uma organização social a qual reuniu formas ancestrais de organização comunitária africana e novas formas impostas pela conjuntura em que viviam, daí nascerá o que pode ser caracterizado como campesinato negro em oposição ao latifundiário e diferente ao camponês europeu ou eurodes-cendente que chega ao Paraná em maior escala no final do XIX e primeira metade do XX. Neste sentido seria justo afirmar que negros livres, antes e após 1888, foram base étnica significativa do campesinato paranaense30, sendo matriz de parte das realizações culturais em nosso estado. É importante salientar que, com a instauração das comunidades negras rurais nasceram formas de uso do território baseadas em tradições camponesas que remontam à África, existindo uma ancestralidade que permeia todas as relações de trabalho, culturais e econômicas da comunidade.

Com o a imigração européia do final do XX a preocupação referente ao controle do acesso à terra também estará presente nas elites dirigentes regionais: o presidente de província Lamenha Lins, ao criar políticas para promover a instalação de colônias nas proximidades de Curitiba, veta que delas façam parte “os nacionais”31 – grande parte dos quais eram afro-descendentes. Esse quadro nos remete a constatação de que o

“usufruto, a posse e a propriedade dos recursos naturais tornaram-se, ao longo do processo de formação social brasileira, cada vez mais, moeda de troca, configurando um sistema dis-farçadamente hierarquizado pela cor da pele e onde a cor passou a instruir níveis de acesso.” (LEITE)

Com a progressiva mercantilização da terra, os conflitos irão aprofundar-se, posto que esta passa a ser considerada “negócio” pelas elites e não território de reprodução social do campesinato, em parti-cular o afrodescendente. As elites regionais, aliadas ao processo de liberalização da economia ocorrido nas primeiras décadas do século XX, irão promover verdadeiras guerras étnicas na disputa por terras. O primeiro grande confronto envolvendo as comunidades camponesas tradicionais e formas capitalistas de uso da terra foi a Guerra do Contestado, que pode ser considerada uma guerra genocida contra a terri-torialidade cabocla, a qual possuía matrizes semelhantes às comunidades negras rurais (o uso comum e itinerante da terra, autonomia do sujeito frente ao capital, etc.) – foi confrontado com a forma mercadoria da terra sob o controle do capital. Em suma, no Estado Republicano as elites reificam um sistema que

28. O trabalho do GT Clóvis Moura ainda não concluiu o trabalho de levantamento e sistematização, mas os dados até agora levantados possibilitam estas conclusões. WACHO-WICZ p. 183, também refere-se a presença de negros escravizados fugidos na região do extremo sudoeste, bem como a presença de pessoas fugidas das guerras no Rio Grande do Sul. Este dado significa a existência de grande número de negros livres (fugitivos das guerras) ou escravizados, o que significa a existência de quilombo.

29. MAESTRI, 2005, 246-8.

30. PENA, p. 153-4 cita casos nos quais libertos e escravos eram responsáveis por roças nas cercanias de Curitiba sendo que a produção era parte da base alimentar da população.

31. OLIVEIRA, 2001, p.213-214.

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“exclui os africanos e seus descendentes da categoria de brasileiros, [...]. Desde então atin-gidos por todos os tipos de racismos, arbitrariedades e violência que a cor da pele anuncia – e denuncia –, os negros foram sistematicamente expulsos ou removidos dos lugares que escolheram para viver, mesmo quando a terra chegou a ser comprada ou foi herdada de antigos senhores através de testamento lavrado em cartório. Decorre daí que, para eles, o simples ato de apropriação do espaço para viver passou a significar um ato de luta, de guerra.” (LEITE, Ilka B. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas)

A grilagem de terras registradas em cartório são recorrentes nas comunidades quilombolas por nós conhecidas: a compra (como é o caso de comunidades remanescentes em Doutor Ulysses e Adria-nópolis) e doação de terras através de herança (caso de Paiol de Telha em Guarapuava) ou mesmo a ocupação secular (caso de Serra do Apon em Castro) não garantiram o acesso à terra pelos descendentes. Em TODOS os casos levantados, constatou-se que, com a valorização destas terras, ocorreram diversas formas de roubo de terra com uso de violência. Nós destacaremos aqui os exemplos das comunidades quilombolas Paiol de Telha e Varzeão pelo grau de violência usados na expulsão da população da ter-ra ancestral. A grilagem de terras, legalmente registradas em cartório desde o século XIX, foi efetuada com a participação de forças paramilitares (unindo policiais e jagunços) envolvendo atentados, torturas, envenenamento de animais, incêndios de roçados e sementeiras32. Não obstante, o processo de dester-riorialização destas comunidades negras teve resultados diferenciados devido às forças envolvidas: os quilombolas de Varzeão conseguiram resistir em uma fração da terra, mas maior parte da área ficou sob controle de industriais madeireiros vinculados ao governo estadual do período. No caso de Paiol de Telha toda a área foi tomada, em diferentes momentos, pelos grileiros. Não obstante a perda do espaço, esta é a comunidade quilombola na qual a busca da devolução das terras tornou-se mais visível devido à luta titânica dos quilombolas no sentido de reaver suas terras ancestrais33.

O quadro acima descrito existe em toda a nação há várias décadas, porém ao se conquistar políticas públicas (cotas etc.) e de garantia de acesso à terra, assumir a identidade de negra/o adquire novo caráter uma vez que luta-se pela terra (ou por cidadania) não “apenas” como herdeiro, proprietário legal e/ou posseiros, mas como camponeses quilombolas negro/as, pois este é o caráter do Decreto Lei 4.887/03, do ADCT 68 etc. Constamos, portanto, que as identidades étnicas são produzidas dentro das relações históricas sendo objeto de disputas ideológicas e políticas (quilombo já foi tido pelo Estado como lugar de marginais, hoje é um território que institui direitos). Este aspecto étnico, observado desde a luta de classes no campo, tende a unificar, politicamente, interesses de sujeitos sociais investidos de novas identidades na luta pela terra e pertencimento étnico-racial (povos indígenas etc.). Esta característica se revela na seguinte conjuntura: a união de interesses de várias comunidades quilombolas com o movimento negro, com outros movimentos camponeses, a existência de organizações quilombolas nacionais como a ACONERUQ e a CONAQ34. A força das comunidades quilombolas tem se expressado no fato de que a titulação e reconhecimento de suas terras tornou-se o segundo item da “Carta da Terra” (elaborada em 2003 pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo unindo 44 organizações envolvidas na luta pela terra) e também pauta da Carta da VI Jornada de Agroecologia do Paraná em 200635. O reverso desta articulação tem se verificado no aumento de conflitos de terra envolvendo as comunidades rema-nescentes, principalmente com setores ligados ao agronegócio – como por exemplo da monocultura do pinus e pecuária extensiva gerando atritos no tanto em quilombos do Vale do Ribeira como em áreas quilombolas no Espírito Santo. No território estatal, setores adversários do reconhecimento das terras quilombolas entraram inclusive com ação judicial no Supremo Tribunal Federal na tentativa de reverter o Decreto 4887. Percebe-se que o campo de luta está claramente demarcado e que estamos mais uma vez no limite entre ações progressistas e reificadoras da ordem: o nosso país foi o último do continente a proibir a escravidão e também foi o último a reconhecer legalmente o direito às terras tradicionais de remanescentes de quilombos36.

32. HARTUNG, 2004, VANDRESEN, 2004. Conforme documentário Paiol de Telha, entrevistas GT Clóvis Moura, etc. Ao que parece as estratégias dos grandes fazendeiros serão comuns em várias regiões do país como é caso ocorrido no região do Pinhão e Guarapuava entre 1950 e 1990. Jornal Brasil de Fato, n. 137, de 13-19 out 2005.

33. LEITE, http://ceas.iscte.pt/etnografica/docs/vol_04/N2/Vol_iv_N2.

34. Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas.

35. Este Fórum constrói uma pauta unificada para os povos camponeses, entre os signatários estão MST, CONTAG, CPT CNBB, MPA, MAB, Fetraf-Sul/CUT, ABONG, etc (STÉDILE:2005b p.233-5). A Jornada de Agroecologia reuniu milhares de camponeses em Cascavel em 2006. Desta carta foram signatários ONGs, movimentos sociais, representantes de entidades de direitos humanos.

36. ALMEIDA, 2005.

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5. Sugestões de Atividades

– Selecionar e passar trechos do filme Quilombo (Cacá Diegues) e do documentário Paiol de Telha (APP Sindicato), debatendo-os a luz das variações do conceito de quilombo e de seu contexto de produção.

– Propor debates utilizando como material base o art. 68 das Disposições Transitórias da Cons-tituição de 1988; trechos do Decreto 4887/2003 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.239-9/600 e trechos do parecer n° 3.333/CF contrário à ADIN 3.239-9.

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Construindo a Lei 10.639/03 em sala de aula: a experiência da Escola Arapongas

Almira Maciel CorrêaDinorah Fernandes de CamposEscola Municipal Arapongas – Ens. Fundamental

Resumo

A partir da aprovação da lei 10639/03 que altera a LDB 9394/96 incluindo o ensino de His-tória e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos escolares a Escola Municipal Arapongas participou de palestra e debate proferida pelo professor Ivo Pereira de Queiroz no intuito de subsidiar a prática pedagógica da equipe docente. O texto apresenta breve relato a respeito do desenvolvimento destas atividades e a organização do planejamento durante as permanências e sob coordenação da pedagoga do turno da manhã, professora Almira Maciel Corrêa, destacando o trabalho desenvolvido pela professora Dinorah Fernandes de Campos, regente de uma turma de 3ª Série. Fundamentado teoricamente em documentos e estudos realizados por pesquisa-dores da temática, o trabalho pedagógico objetivou a desconstrução dos preconceitos e das visões distorcidas acerca da participação dos africanos e dos afro-descendentes na produção de riquezas culturais e materiais, inclusive no estado do Paraná.

Palavras-chave: Lei 10.639/03; Trabalho Pedagógico.

1. Introdução

Aprovada em janeiro de 2003 a Lei 10.639 ainda encontra dificuldades para sua implementação, entre outros motivos, pela grande carência de profissionais da educação capacitados para abordá-lo numa perspectiva atualizada e com o necessário aprofundamento teórico. As causas deste vácuo acadêmico, podem ser encontradas na própria história do surgimento da escola e da educação formal associadas ao contexto de uma sociedade escravista como é o caso da brasileira. As produções acadêmicas abordando estas questões, entretanto, vêem sendo produzidas há algum tempo, devido à preocupação dos militantes do Movimento Negro que atuam profissionalmente na área educacional, principalmente, ansiosos com o combate à discriminação e ao preconceito do qual tem sido alvo os africanos e seus descendentes. Ocor-re que são pouco divulgadas. Neste sentido, a lei 10639/03 vem atender a esta demanda, possibilitando uma releitura sobre a história desses povos e sua participação enquanto trabalhadores e construtores de riqueza não só material, mas também cultural, base da própria identidade brasileira.

A Escola Municipal Arapongas, observando neste contexto outros fatores como, por exemplo, as constantes queixas das crianças e/ou das famílias sobre a forma preconceituosa com que eram tratados pelos colegas através de expressões pejorativas e discriminatórias as quais originam dificuldades por parte das professoras em lidar com tais situações, iniciou uma reflexão no sentido de compreender a questão e, ao mesmo tempo, procurar solucioná-la. Assim, na busca de uma educação comprometida com a construção de uma sociedade democrática e igualitária, em reunião pedagógica, definiu em Novembro de 2003 que durante os dias da Semana de Estudos Pedagógicos sob responsabilidade da escola, em 2004, realizaria uma palestra para debater o tema, tendo sido indicado o Professor Ivo Pereira de Queiroz para ministrá-la. Objetivando tratá-la pelo viés educacional e pedagógico, contribuindo de maneira adequada para combater esta face da exclusão, assim como, repensar a importância de valorizar sob outros aspectos a participação histórica no processo de desenvolvimento da humanidade dessa significativa parcela da população brasileira e mundial, o tema passou a ocupar o espaço devido nos momentos de planejamento e organização das atividades escolares. Procuramos com este trabalho ampliar o conhecimento sobre a História da África, as civilizações que ali se desenvolveram, o impacto das ideologias racistas no processo educacional, propondo alternativas de superação das práticas discriminatórias e, assim, construir com alunos e alunas outros olhares e novas vozes sobre os afro-descendentes. A atividade didática desde seu início contou com a assessoria permanente da coordenação pedagógica, a qual articulou e integrou-as de forma a envolver todo o corpo docente, propiciando o subsídio necessário às regentes. Observamos ser fundamental, inclusive, sua explicitação nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas para assegurar

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coerência e consistência fundamentada teoricamente e de forma a garantir seu planejamento em todas as áreas do conhecimento e sob esta ótica conduzir as reflexões junto às professoras. O presente relato refere-se às atividades pedagógicas e didáticas executadas na Escola Municipal Arapongas, coordenadas pela pedagoga Almira Maciel Corrêa, dentre os quais foi eleito o desenvolvido pela professora Dinorah Fernandes de Campos - regente de 3ª. Série no turno da manhã, em 2005.

2. Objetivos

Sensibilização do corpo docente a respeito da temática e sua aplicabilidade em sala de aula com alunos do ensino fundamental de pré a 4ª. Série.

Conhecimento da História da África e dos africanos e seus descendentes no Brasil.

Reconhecimento da participação histórica dos africanos e seus descendentes na produção de ri-quezas materiais e culturais em África e no Brasil.

Ressignificação dos conceitos historicamente acumulados a respeito da África e dos africanos na diáspora e da auto-conceituação dos/as alunos/as negros/as.

Reconhecimento da realidade paranaense desmitificando a idéia de um Brasil europeu e branco ao sul.

3. Fundamentação Teórica

Embora retratada como “descobrimento”, o Brasil tem na colonização um dos seus marcos refe-renciais, assentado na ideologia racista e discriminatória. Neste contexto, a história da Educação Brasi-leira tem suas fundamentações teóricas demarcadas pela visão de mundo eurocêntrica, o que determina a manutenção de profundos resquícios nas práticas didático-pedagógicas adotadas, transformando-as em promotoras de exclusão e desigualdades. Os setores oprimidos e discriminados têm resistido a este modelo excludente de diferentes maneiras, organizando-se nos movimentos sociais, inscrevendo-se e participando nos espaços destinados às práticas educativas, elaborando aporte teórico em teses de mes-trado e doutorado, propondo alternativas de superação das dificuldades e de promoção da igualdade. Entretanto, tais fatos têm sido invisibilisados através de uma pedagogia que nega a participação histórica e a luta pela liberdade empreendida pelos africanos(as) tanto em África como no Brasil.

As leis existentes na atualidade versando sobre esta temática são a concretização da resistência dos povos escravizados, explorados e discriminados na luta por igualdade e cidadania.

Vivemos um momento histórico de intensas e rápidas transformações. Cada vez mais a Educação é exigida a responder efetivamente a este mundo em mudanças. Paralelamente convivemos com núme-ros alarmantes de analfabetismo e processos de exclusão de grande parcela da população dos espaços escolares, responsáveis em garantir o acesso ao conhecimento enquanto direito, uma vez patrimônio da Humanidade. Perceber estas contradições, ainda que importante e necessário, por si só, torna-se insuficiente. É imprescindível rever os mecanismos adotados até então, analisá-los à luz da história e confrontá-los com os resultados encontrados pelas pesquisas oficiais. Este trabalho deve ser mediado pelo estudo profundo dos fundamentos e da História da Educação Brasileira. A partir destes estudos, a revisão dos métodos didático-pedagógicos empregados poderá estar apoiada em uma visão mais crítica e conseqüente a respeito do processo educativo. Os conteúdos devem igualmente sofrer alterações con-ferindo coerência à totalidade do processo.

Conforme a relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva:

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de educação étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os bran-cos a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. (Parecer CNE/CP 3/2004:16)

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Combater o racismo é responsabilidade da sociedade como um todo e não deve ser compreendida enquanto tarefa exclusiva da escola. Trabalhar pelo fim da desigualdade racial e social, as quais permeiam todos os setores da sociedade, permitindo o nascer de uma realidade social humanizada, compete a todos, inclusive à escola. Por ela passaram os equívocos sobre as civilizações africanas, o silêncio a respeito das produções e elaborações teóricas, filosóficas e científicas, artísticas, políticas realizadas pelo povo negro. A complexidade existente na formatação da identidade negra no Brasil não pode desconsiderar o processo de desvalorização da cultura de matriz africana, da imposição dos padrões estéticos europeus, da ideologia do branqueamento ditando as normas de superioridade de brancos sobre negros. A reversão deste processo está vinculada ao reconhecimento da diversidade, à valorização das pessoas negras e sua visão de mundo, à crença na importância de uma educação que não negue sua participação histórica para o renascer de uma outra sociedade.

4. Metodologia

O desenvolvimento do trabalho empregou momentos de tomada de decisão coletiva, debates, leituras e reflexões que possibilitaram a sensibilização do corpo docente para a atividade pedagógica. Para iniciá-lo, durante uma reunião pedagógica e administrativa, apresentamos a lei, suas perspectivas e desafios e sugerimos debatê-la na ocasião da Semana de Estudos Pedagógicos do ano de 2004, o que foi aprovado pelo coletivo. A palestra proferida pelo professor Ivo Pereira de Queiroz (MNU/PUC/CEFET) abordou os aspectos filosóficos, históricos e educacionais contidos na lei. Na continuidade, durante os horários de permanência, sob a coordenação da pedagoga, os planejamentos foram organizados incluindo a temática nas áreas de História e Língua Portuguesa, num primeiro momento, para depois avançar para outras áreas a exemplo de Ensino da Arte e Ensino Religioso. A introdução do tema se deu por meio de problematizações seguidos de leituras, debates, reflexões, filmes e produções de textos e cartazes. Em sala de aula, o relato da professora Dinorah conta que:

“Tudo começou quando, ao realizarmos estudos sobre os indígenas, os alunos(as) perguntaram a respeito da Abolição e porque os negros foram escravizados. Montamos assim um projeto intitulado 13 de Maio – Para Além da Escravidão. Então iniciamos os estudos sobre a África, a partir da música Mama África do compositor Chico César e apresentando às crianças fatos relativos ao surgimento da humanidade naquele território, algumas noções das culturas ali desenvolvidas, um pouco da história da Rainha Nzinga. Entre os textos lidos e interpretados, foi muito significativa a história intitulada Uana e Marrom de Terra (Lia Zatz) permitindo ressig-nificar traços identitários e civilizatórios dos povos africanos e outros padrões estéticos e de beleza, questões de auto-estima. Abordamos o Quilombo de Palmares e Zumbi, líder negro na resistência à dominação escravista e as razões da escravidão. Assistimos o filme relatando as condições de vida dos afro-descendentes do Paiol de Telha, fato real da História do Paraná. Trabalhamos algumas personagens de destaque na História do Brasil após tomar contato com um calendário onde figuram inúmeros negros e negras e sua participação na vida e cultura brasileira.Todo o projeto foi realimentado e analisado nos horários de permanência quando discutíamos as dúvidas, alguns conceitos, encaminhando o planejamento para dar seqüência ao processo”.

5. Resultados

Os resultados apresentaram-se em forma de mudanças de atitudes por parte dos alunos que de-monstraram compreender a importância de combater o preconceito e a discriminação, reconhecendo a participação dos africanos e afro-descendentes na produção das riquezas materiais e culturais das sociedades, especialmente a brasileira. Nas palavras da professora Dinorah:

“Percebi então o quanto se poderia fazer se todos os docentes trabalhassem a temática, o resultado que teríamos. Até então não sabia o verdadeiro significado de quilombo; tivemos dificuldades em encontrar literatura infantil com enfoque de famílias negras nos livros didáticos.

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Os alunos se sensibilizaram com a condição de desumanização a que foram submetidos os escravos. Entenderam que a humanidade teve início na África e que os negros tiveram partici-pação na formação da cultura brasileira e passaram a considerar Zumbi como herói africano. Foi então que tomei conhecimento dos problemas que minha aluna negra estava enfrentando na hora do recreio. Colegas a excluíam das brincadeiras e a chamavam de verme e negrinha nojenta. Numa produção de texto, li os relatos dos alunos implicados na questão onde se diziam envergonhados de tais atitudes. Também o da aluna onde dizia que não se importava, achando normal e que ainda os desculpava.Antes de iniciarmos ora trabalho com a temática, ela mal conseguia produzir um texto legível e coerente.Não falava, não ouvíamos sua voz, não sorria nem brigava por seus direitos de criança. Ao final, era outra pessoa: ria, brincava, pedia para apagar o quadro, ajudar a professora. Começou a agir como uma criança que tinha voz. Suas produções melhoram em conteúdo e na apresentação com desenhos e pinturas, pois antes não usava lápis coloridos em seus trabalhos. Acredito que foi uma sementinha minúscula dentro do enorme número de crianças que sofrem com o descaso com os negros desde a ‘abolição’, mas que foi bom para minha aluna e melhor para mim, pois não tinha a noção do mal que a discriminação e o preconceito causa ao ser humano. Pelo menos ela não deixará de ter voz ”.

6. Considerações Finais

A implementação da Lei 10.639/03 começa a dar seus primeiros passos. Ainda consiste num desa-fio. É imprescindível um processo de formação permanente e continuada possibilitando às professoras ampliar seu conhecimento sobre a História da África e dos Africanos e Afro-descendentes, sua participa-ção histórica e cultural na formação e organização das sociedades e a importância deste trabalho para a construção da cidadania e da igualdade, através do reconhecimento da diversidade.

Outro aspecto a ser ressaltado diz respeito à necessidade de revisitar os currículos escolares, ana-lisando-os criticamente assim como aprofundar o conhecimento sobre as Diretrizes Curriculares Nacio-nais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

É igualmente importante levar em consideração o papel de co-responsabilidade a ser assumido pelas equipes pedagógicas e administrativas no interior das unidades de ensino na efetivação deste tra-balho como meio para sua concretização, assim como, sua ampliação às comunidades.

Com relação ao processo iniciado na Escola Arapongas é possível afirmar que, apesar das dificul-dades, as condições para sua aplicação e desenvolvimento são concretas.

7. Referências

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Historicidade da Fazenda Capão Alto

Noemi Pinto Corrêa Maynardes (Colégio Estadual Cruzeiro do Sul – Curitiba – PR)

1. Relato: Estudo e visitação à Fazenda Capão Alto – Castro-PR

Com o objetivo de divulgar a criatividade e o modo de vida dos diferentes grupos e segmentos sociais que compõem a população do Paraná, iniciou-se um projeto ligado a um importante período sócioeconômico e conseqüente processo de povoamento do território paranaense: a Fazenda Capão Alto que é um testemunho privilegiado do Tropeirismo.

Em um primeiro momento, fez-se uma visita à fazenda, para o reconhecimento concreto do campo de trabalho. Após, recolheu-se fontes históricas para embasar a pesquisa. Tais fontes foram coletadas na sede do Jornal do município (Página Um) e na Casa da Cultura da Cidade de Castro.

Começou-se o trabalho com os alunos, em sala de aula, com a análise desse material e mostrando as fotos que haviam sido feitas no local. O conteúdo sobre a permanência dos africanos escravizados em nosso país era explorado durante as aulas, depois trazido para a história local. Foram trabalhados a diversidade cultural, o trabalho escravo, os costumes, a religião, a economia, enfim, a importância desse povo na formação da nossa cultura. Também foi explorado o povoamento do Paraná a partir dos períodos econômicos, sendo a fazenda Capão Alto importante palco para a consolidação do Tropeirismo.

O primeiro retorno conseguido foi o interesse despertado nos alunos. Ficaram fascinados ao des-cobrir como é rica a historicidade local e como são vividas, no dia-a-dia, experiências que remetem às heranças culturais que não se imaginava de onde vinham.

O interesse foi concretizado através de atividades de pesquisa e representação lúdica, em vários momentos, de alguns períodos de nossa história.

Exemplos de atividade: em folha sulfite, os alunos representavam, através de desenhos, em seis momentos, o tema: Cultura africana: trabalho escravo. Montavam como uma história em quadrinhos a representação do tema, de modo que usassem uma seqüência apenas de ilustração, para que houvesse entendimento do período solicitado. Após, montavam painéis e colocavam em exposição no pátio co-berto da escola e em salas de aula. Foi gratificante ver em vários momentos grupos parados em frente aos painéis observando, descobrindo e comentando sobre o conteúdo.

Após conhecer um pouco dessa diversidade, iniciou-se o sonho de uma aula de campo. Então aumentou, mais ainda, a curiosidade pelo assunto e exploraram-se outras áreas do tema. Através das fotos/fatos, vividos na fazenda, que foram parte da nossa história e cultura como:

• Religião - o altar que permanece até hoje em uma sala do Casarão, entendendo a influência católica dos padres Carmelitas que permaneceram na Fazenda.

• O cemitério e ruínas da capela também expostas na fazenda - fazendo um comparativo com a religião dos povos africanos que viviam naquele lugar.

• O trabalho escravo - ligado à economia local.

• A criação de gado - que tem como mostra os currais e local de alimentação e pasto do gado.

• O castigo escravo, o tronco que é preservado na fazenda, a senzala, que parte de seus enormes e espessos paredões se conservam até hoje, como viviam, como dormiam, onde dormiam.

• A pintura interna do Casarão, conservada desde o século XIX.

• A vida do escravo - que por um período de quase 100 anos viveu também como liberto na fa-zenda.

• A vegetação - trabalho que rendeu um projeto sobre as “Araucárias”, lenda, simbologia, locali-zação geográfica e história. Trabalho exposto no colégio;

• Exploração do tema tropeirismo - caminho do Viamão, tão importante para a formação da po-pulação paranaense.

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De um ano letivo para outro não foi esquecido o ideal: visitar a Fazenda Capão Alto e os Museus relacionados com o tropeirismo no município de Castro. Agora, esses alunos, que no ano anterior, no início do projeto, freqüentavam a 7ª série, estão formando a 8ª série, mais maduros, interessados e com-promissados, continuam seus estudos em relação à história do Paraná.

Até que chegou o grande dia, 18 de maio, desse ano, realizou-se o sonho: a viagem a Castro. Houve a aula de campo tão esperada, foi possível presenciar, dentro do possível de conservação, aquilo que foi ouvido, lido e pesquisado. Eram tantas informações que a bagagem cultural e o entendimento, cresceram significativamente. Também houve a possibilidade de visitar o Museu do Tropeiro e a Casa da Sinhara, situados no centro da cidade. Cada lugar em que se chegava, tinha-se uma recepção acolhedora por parte dos monitores, que tudo mostravam, explicavam e respondiam.

Foi possível também visitar o Moinho de Castrolanda. Presenciando uma realidade moderna, ago-ra com uma construção atual de um outro período da história. Aprendeu-se sobre cultura holandesa, imigrantes, músicas, roupas, economia, geografia e, o que mais fascinou os alunos, dentro desse tema, o funcionamento do moinho. Foram explicados e mostrados os processos de moagem dos grãos e trans-porte, bem como a arquitetura do moinho.

Acreditando não só oportunizar essa contextualização para os alunos, mas também para a comuni-dade. Através do relato das experiências dos educandos, confirmou-se que esse trabalho veio contribuir, enriquecer e motivar novos projetos. Este não é o término do trabalho, continuam-se usando, em outros conteúdos, paralelos à historicidade da Fazenda Capão Alto, novas propostas para enfatizar a importância da nossa história local e da diversidade cultural.

2. Referências

BUBNIAK, T. Relatos de um visitante a Castro. Castro: Jornal Página Um, 2003.

CULTURA, S. E. Cadernos do Patrimônio Fazenda Capão Alto. Curitiba, 1984/88.

FOLHA DO IAPÓ. Moinho Castrolanda. Castro: Jornal Tribuna do Iapó, 2005.

SOUZA, M. M. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006.

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Projeto: Cultura afro-brasileira

Col. Est. João Batista Vera – Ens. Fundamental e Médio - Piraquara - PrDiretores: Laércio Pereira e Maristela Miranda Pessoa ZaroProfessora: Nará Souza Oliveira

Relato:

1. Apresentação

O Colégio Estadual João Batista Vera, mantido pelo Governo do Estado através de sua Secretaria da Educação, está localizado à rua Engenheiro Pontoni, 245 em Jardim Primavera, Piraquara - Paraná (região metropolitana de Curitiba). O colégio que oferece o Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio, em 2004 teve 1150 matrículas divididas nos turnos: manhã, tarde e noite, totalizando 29 turmas.

No contexto brasileiro, cuja educação tem no decorrer de seus quinhentos anos, um histórico racista e excludente, tornou-se urgente, a implementação de políticas públicas que permitam a emancipação da população negra. A comunidade escolar do referido colégio não traz realidade diferente.

Ao interpretar as desigualdades raciais em prejuízo para a população negra estudantil brasileira, percebe-se a importância da Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, conquista das lutas do Movimento Negro Brasileiro, e o grande poder que a escola tem para valorizar as diferentes culturas, saindo da visão apenas eurocêntrica de mundo.

Foi interpretando a Lei e na necessidade de implementá-la no referido colégio que o projeto foi dire-cionado para ser desenvolvido na disciplina de Língua Portuguesa e Literatura Infanto-Juvenil e Artes.

O projeto foi elaborado para ser desenvolvido nos meses de fevereiro a setembro de 2004, como “Projeto Piloto”, na turma “B” de sétima série do Ensino Fundamental diurno, envolvendo trinta e um alunos em idade de treze e catorze anos e que acabou causando interesse na outras turmas e resultou no envolvimento de toda a comunidade escolar no grande desfile cívico em 02 de setembro do referido ano, tendo a cobertura jornalística da TV Educativa.

2.Metodologia

Seguindo o planejamento, estudou-se a História e a cultura da África , dos africanos e da diáspora brasileira, na literatura, na música, no teatro, nas resistências e em outras expressões culturais, não partindo da história da chegada dos tumbeiros neste país, mas resgatando o passado e o contexto histórico africano, culminando com a participação atual dos afro descendentes no contexto mundial.

O projeto foi desenvolvido em três aulas semanais, sendo uma aula na disciplina de Literatura Infanto-Juvenil , uma em Língua Portuguesa e uma na disciplina de Artes. Assim houve:

• apresentação do projeto à classe (motivação): música africana;

• trabalho com mapas e Atlas geográficos: localização e construção do histórico anterior às invasões e após a partilha do continente e localização dos países africanos invadidos por Portugal;

• filme: Sarafina, com comentários sobre a necessidade de atitudes e resistências;

• aula expositiva, leitura, pesquisa sobre vida e obra de poetas afrodescendentes e recitação de po-esias: Luís Gama, Castro Alves, Francisco Solano Trindade, Elisa Lucinda e Joel Rufino;

• contação de histórias africanas: contos ao redor da Fogueira;

• trabalhos com transparências de fotos da cultura africana;

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• a arte na África: aula expositiva, trabalho em grupo, pesquisas e construção: religiosidade nas bonecas, vestimentas e penteados, construção de máscaras de papelão e de gaze gessada, esculturas, danças, tatuagem e apresentação para o grande grupo;

• literatura oral na África: contação de histórias, narrativas, provérbios, adivinhas, cantos de guerra, fábulas, etc., leitura e dramatização;

• poesia de resistência em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, leitura, e recitação;

• diáspora brasileira: música, literatura, artes, engenharia, dança e religiosidade, alimentação e capoeira;

• leituras, vivências, pesquisas em grupos e dramatização: Pixinguinha, Clementina de Jesus, mestre Pastinha, Antonio Francisco de Lisboa, Abdias do Nascimento;

• pesquisa e exposição da culinária afro-brasileira: receitas, alimentos reais e modelados;

• pesquisa sobre destaques de negras e negros nas diferentes áreas do conhecimento científico;

• desfile cívico com o tema do projeto: História e Cultura da África.

3.Objetvos

Geral:

• combater o racismo existente no contexto escolar e na sociedade, divulgando a verdadeira História da África e dos africanos, a importância da sua cultura tanto para o progresso do Brasil como também da humanidade, atendendo assim, o parágrafo segundo do artigo vigésimo sexto da Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2004, que por sua vez, visa à emancipação da população afro-brasileira, com embasamento no Parecer 003 de 2004 do Conselho Nacional da Educação.

Específicos:

• envolver a turma buscando despertar a harmonia entre as diferentes etnias não só no contexto escolar como em todo o contexto social;

• conscientizar sobre o valor cultural e espiritual da arte, da tradição oral e da tradição escrita africana sobre a importância do respeito à cosmovisão africana;

• despertar a auto estima e auto conceito dos estudantes afros descendentes partindo do conhe-cimento da própria história;

• conscientizar sobre a importância das religiões africanas na preservação do meio ambiente;

• reconhecer e respeitar as diversidades étnicas e culturais do povo negro através do conhecimento dessa cultura no cotidiano escolar;

• dar novo enfoque sobre a participação socioeconômica e cultural da população negra nas so-ciedades mundiais;

4.Conteúdos Curriculares

• Prática de pesquisa.

• Leitura e interpretação de diferentes tipos de textos produzidos por negros africanos e por afrodescendentes: provérbios, contos, poemas, fábulas, adivinhas, etc.

• Produção de textos nas normas da língua padrão, formas de composições escritas: características e elementos principais.

• Expressão oral: declamação, canto, relatório contação de histórias, dramatização, danças e brincadeiras (cantos de guerra, cantos de colheitas, rodas, jogos de buracos).

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• Enriquecimento do vocabulário.

• Modelagem.

• Confecção de máscaras.

• Teatro.

5. Desfile Cívico do Col. Est. João Batista Vera

Organizadoras do desfile: Professoras:Nará Souza Oliveira , Maristela Miranda Pessoa Zaro e Débora Ilário da Costa Lopes

Tema: Cultura afro-brasileira

O Colégio levou o tema: Cultura Afro- Brasileira, descrita em onze alas, ambas caracterizadas e representadas por estudantes:

• abertura com a fanfarra “João Batista Vera” abrilhantando com o ritmo afro-brasileiro: OLODUM mostrando a influência rítmica do continente africano;

• realeza Africana: uma demonstração da riqueza e do luxo dos povos africanos com destaque para a abundância do ouro e do diamante nas vestimentas pomposas e festivas;

• cores da África: grupo de alunos e alunas representando as cores: preto,branco, amarelo, verde e vermelho;

• Oceano Atlântico: o azul significando a separação, a diáspora, dispersão das populações negras através do Atlântico;

• resistências femininas:

- as baianas representando o poder feminino na guarda dos bens culturais, no manuseio das ervas medicinais, na arte da culinária e na representação do sagrado, do espiritual;

- a revolta dos Malês: a frente desse povo, vem uma aluna representando a guerreira Luísa Main que liderou os momentos decisivos da famosa revolta que tinha como objetivo a tomada do poder e a liberdade;

- Anastácia: representação da força de uma mulher negra jovem e bela que mesmo sendo im-pedida de falar.

• capoeira: ala representada por alunos do Colégio e pelo grupo “Ginga Cultura” da Secretaria de Esporte e Cultura de Piraquara. O nome é uma homenagem à rainha N’Zinga da nação Bantu, responsável pela resistência de seu povo contra a opressão dos portugueses na região do Congo e Angola;

• os quilombos: Dandara e Zumbi dos Palmares representavam os quilombos de todo o Brasil, seguidos por uma ala de quarenta adolescentes;

• Teatro Experimental do Negro: ala composta pelo grupo de teatro do Colégio que fez uma en-cenação em homenagem a Abdias do Nascimento em frente ao palanque;

• ala Pixinguinha: quarenta crianças de quinta série usando camisetas brancas com um grande coração vermelho prestaram homenagem ao compositor negro , autor de Carinhoso;

• ala dos destaques: engenheiros, médicos, poetas, escritoras, artistas, compositores (as) eruditos (as) e outros;

• faixa com a Lei 10.639.

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6. Avaliação

Partindo de uma interpretação do envolvimento de toda a comunidade escolar no projeto que visava a ser “Piloto” em apenas uma turma do diurno, e que acabou sendo tema de desfile cívico na Semana da Pátria, a avaliação do processo de aprendizagem dos estudantes e do trabalho pedagógico das professoras é uma avaliação positiva em seis aspectos:

• o projeto tornou-se base para os encaminhamentos da Proposta Pedagógica que norteará a prática e os planejamentos para os anos vindouros;

• as alunas e alunos negros, que nunca tiveram o direito de segurar uma bandeira nos desfiles municipais, foram para a avenida com emoção e determinação, por terem conhecimento de sua história, e saberem de sua importância para a humanidade. Da mesma maneira, com consciência e orgulho, levaram os nomes de representantes das diferentes manifestações da cultura para que a comunidade os conhecesse também;

• o interesse dos demais professores em implementarem a Lei 10639;

• o interesse dos alunos na continuação do Projeto;

• o desfile documentado pela TV Educativa e noticiado em todo o Estado do Paraná, em 02 de setembro de 2004;

• por fim, o fato do colégio Estadual “João Batista Vera”, apresentar hoje, uma realidade menos excludente, com mais respeito às diversidades.

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Lápis: um artista paranaense que fala de saudades e amor*

Cristiana Gonzaga de Souza Castro (DEF/SEED-PR) [email protected]

Quantos sorrisos vêm nascendo lá do alto

Trazendo um céu de lua cheia e asfalto

O rancho abriu-se em flores coloridas

Vestindo a calçada de cores

Enchendo de encanto a avenida

Se avenida tem fim não faz mal,

Tem fim a vida e o carnaval...

1. Biografia

Se pudéssemos escolher uma frase que retratasse o vigor e a ale-gria com que Palminor Rodrigues Ferreira, mais conhecido como Lápis, viveu, talvez a conhecida música do talentoso Gonzaguinha, no trecho que diz “ Viver e não ter a vergonha de ser feliz”, nos ajudasse nessa missão. Nascido em Curitiba, no bairro das Mercês, em 5 de outubro de 1942, é considerado uma das personalidades mais carismáticas do Paraná. Lembrado até hoje como um dos mais importantes representan-tes do panorama da música popular em Curitiba, Lápis foi compositor, intérprete e instrumentista.

Filho de Aberlado Rodrigues Ferreira, original do Rio de Janeiro, e de Maria Luiza Ferreira, nascida numa família tradicional paranaense, Lápis foi o filho caçula do casal e teve uma infância modesta e feliz. Entretanto, ainda na infância apresentou uma deficiência cardíaca que o acompanhou por toda a sua vida, sendo esta uma das causas de sua morte prematura em 1978. Seu pai, apreciador da boa música, gostava de samba e choro, dedilhava violão e chegou até a compor marchi-nhas carnavalescas para o tradicional bloco “Apinagés” em Antonina. Fazendo parte de uma numerosa família composta de muitos irmãos, Lápis em sua meninice foi exímio construtor de carrinhos de rolimã, brincou na rua e, com um talento todo especial, confeccionou muitas raias e balões. Cresceu em uma época em que Curitiba encontrava-se em pleno processo de desenvolvimento.

Localizado nesse contexto de transformações, os programas de rádio no início da década de 1950 se popularizaram em Curitiba. A Rádio Clube Paranaense, uma dessas emissoras, inaugurada em 27/06/1924, foi considerada, nesse período, a terceira rádio mais importante do Brasil. Outras rádios como a “Marumbi” e a “Voz Nativa da Terra dos Pinheirais” também faziam sucesso. Em suas programações destacavam-se, com grande audiência, os programas de auditório, que contavam com apresentações de artistas iniciantes, de faixas etárias diferentes e variados estilos. Esses programas de rádio, ao vivo na época, tinham a participação do público e são considerados percursores dos atuais programas de auditório de TV. Foi em uma dessas rádios que Lápis, aos onze anos, se apresentou, levado pelas irmãs Mide, Nilza e Didi. Desde criança mostrou um precoce talento musical, que se aprimorou ao longo de sua carreira .

Acervo Casa da Memória - F.C.C.

* Colaboração no panorâmico da MPB, de Jackson Cesar de Lima.

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No decorrer de sua vida, Lápis teve a oportunidade de tocar ao lado de muitos de seus irmãos, sendo este fato motivo de alegria para si e seus familiares.

Na década de 1960, paralelo sua carreira musical, o compositor trabalhou como entregador de telegramas nos Correios e Telégrafos de Curitiba, função que desempenhou até 1968, quando, depois de três licenças médicas e alguns contratempos deixou essa profissão. O nome artístico nasceu nesse período e engana-se quem pensa que o mesmo surgiu nos redutos e bares da noite de Curitiba. Lápis era a forma carinhosa com que seus amigos de telegráfo o chamavam, devido sua fisionomia, alta, magra e negra. Esse apelido nunca inco-modou o músico que durante grande parte de sua vida ficou conhe-cido como tal. Muitas pessoas jamais souberam o verdadeiro nome do cantor e compositor.

Casou-se em 1962 com Romana Ulrich, de origem suíça, com quem teve dois filhos: Palminor Júnior (1963) e Alexandre Carlos (1964). Lápis era romântico, instável e apaixonado, por conta de sua impulsividade, seu casamento resistiu por algum tempo.

Lápis, músico presente em seu tempo, retratou em suas compo-sições as múltiplas influências da década de 1960, momento histórico quando a construção da MPB (música popular brasileira) adentrou o panorama da música nacional. As várias características de cada um desses estilos encontram-se marcadas nas canções desse artista. A forma nova e mais harmoniosa de compor e interpretar o samba da Bossa-Nova; as baladas românticas da Jovem-Guarda e dos Beatles e o tropicalismo, que é mistura de vários estilos, do samba de roda ao bolero urbano, do repente nordestino à música de vanguarda, inspi-raram de modo expressiva as obras e forma de ser desse importante músico paranaense. Esse período é considerado por muitos uma de suas fases mais promissoras. Também nessa mesma época, Lápis participou do grupo instrumental vocal, Bitten IV. A banda realizou inúmeros shows, participou de programas de televisão e festivais de música no Rio de Janeiro. O Bitten IV vivenciou na cidade maravilhosa momentos marcantes de sua vida artística, chegando a ser reconhe-cido como um dos oito grupos de melhor composição musical no famoso Festival de Música de Carnaval do Rio de Janeiro, realizado no Maracanãzinho.

Com o “Dia de Arlequim” uma canção que mistura samba e nostalgia de Lápis e Paulo Vitola, amigos e parceiros na vida e em muitas composições, o grupo alcançou nesse festival o seu ápice. Infelizmente, como tantas outras bandas da época, O Bitten IV se desfez por motivos de ordem financeira. Entre os vários prêmios que a banda recebeu no decorrer de sua existência encontram-se também: o primeiro lugar no Festival de Música, promovido pela TV Paranaense, com a música Roteiro, letra de Lápis e Paulo Vitola, e um terceiro lugar no I Festival Nacional de Música Popular no Rio de Janeiro, com a mesma canção.

Depois do término do Bitten IV, muitos de seus integrantes afastaram-se da música, enveredando quase todos por outros ca-minhos profissionais. Lápis, porém, enfrentando as dificuldades de uma vida de artista, ficou mais um tempo no Rio de Janeiro e iniciou sua carreira solo. No final de 1960, buscando um espaço no cenário músical carioca, Lápis conheceu e ficou conhecido por muita gente

Acervo Casa da Memória - F.C.C.

Acervo Casa da Memória - F.C.C.

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importante que compõe até hoje o panorama da musica nacional. Entre elas: Jair Rodrigues, Wanderléa, Caetano Veloso, Gilberto Gil entre outros. Teve suas canções Paticumbá e Meu Novo Amor, música tam-bém conhecida como Silêncio, gravadas por Eliana Pitmann e os Originais do Samba. Entre suas músicas mais famosas destacam-se também: Vestido de Noiva, Lençol de Flores, Onde Ela Mora e Meu Paraná, música composta no período que esteve no Rio de Janeiro, longe de sua terra natal.

Expandindo seus contatos, no decorrer dos primeiros anos da década de 1970, Lápis dividiu-se entre o Rio de Janeiro e Curitiba, participou de programas de TV, cantou em clubes, foi escolhido para representar o Brasil no Festival Internacional de Punta Del Leste, Uruguai, e assinou contrato para gravar seu primeiro compacto simples. Porém, nessa mesma ocasião, devido ao problema congênito que tinha no coração, precisou ser submetido a uma cirurgia e a gravação de seu compacto ficou comprometida.

A partir desse acontecimento, Lápis fixou residência em Curitiba e em 1975 participou de um im-portante espetáculo nessa capital. O Funeral para um Rei Negro, montagem inspirada em uma de suas canções que leva esse mesmo nome. O espetáculo, realizado no teatro Paiol, obteve um recorde de público e foi organizado e dirigido pelo paranaense Oraci Gemba.

Lápis, artista de talento nato, autodidata, forte e vigoroso, viveu uma realidade artística de quem se aventura pelos caminhos musicais. Sua música e sua maneira hippie de vestir tornou uma presença mar-cante nas noites frias curitibanas, ambiente que serviu de inspiração para muitas de suas composições.

Em 1978, com 35 anos de idade, sofreu um acidente automobilístico. Não resistiu à intervenção cirúrgica e faleceu. Sua presença vive em suas composições. Sua alma de poeta ainda hoje expressa o amor, a saudade, a alegria e a tristeza, sentimentos existentes no nosso dia-a-dia e em suas canções.

2. Referências

MARCONDES, Marcos Antonio. Enciclopédia da música popular brasileira. São Paulo: Ed. Art – Publi-Folha, 1998.

MILLARCH, Aramis. Lápis, Um compositor paranaense. In: SOUZA NETO, Manoel J. de. A (des)construção da música na cultura paranaense. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2004.

WORMS, Luciana Salles. Brasil século XX – ao pé da letra da canção popular. Curitiba: Nova Didática, 2002.

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3. Anexos

Segue algumas partituras de músicas que marcaram a trajetória desse compositor. As mesmas podem ser trabalhadas em sala de aula como meio de ampliar o conhecimento dos alunos a respeito deste artista negro paranaense.

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História Africana para compreensão da História do Brasil

Henrique Cunha Jr.Presidente do Instituto de Pesquisa da Afrodescendência – IPAD.Professor Titular da Universidade Federal do Ceará.Programa de Pós-graduação em Educação [email protected].

1. Abrindo caminhos

A falta de conhecimentos sobre a história e cultura africana formava uma barreira intelectual e mental que impedia a compreensão completa da história e da cultura brasileira a partir da visão dos afrodescendentes. A história do Brasil sem o conhecimento da historia africana era uma história unila-teral, branca, marcada por concepções eurocêntricas. Por vezes essas concepções eurocêntricas eram marcadas pelos preconceitos e por concepções históricas racistas. Para termos uma história brasileira ampla e justa se necessita da imersão na história e na cultura africana, visto que a sociedade brasileira resulta da imensa participação de africanos e afrodescendentes, transmitindo conhecimento material e imaterial para a cultura brasileira. As civilizações africanas realizaram um imenso acerto cultural e tec-nológico que foi transmitido na pessoa de escravizados para a cultura brasileira.

Africanos e afrodescendentes constituíram a massa trabalhadora durante todo período da colo-nização brasileira. Essa mão-de-obra executou todos os tipos de ofícios e realizou todas as formas de trabalho existentes, formou a população majoritária dando a base cultural do país em associação com povos de outras origens. Os africanos vieram com conhecimentos técnicos e tecnológicos superiores aos dos europeus e dos Indígenas para as atividades produtivas desenvolvidas no país durante o período de Colônia e império, o que tornou esta mão-de-obra africana responsável pelas atividades de traba-lho desenvolvidas durante este período histórico. Em todos os campos, da agricultura, da mineração, da manufatura, da pesca e do comércio, o Brasil é em grande escala conseqüência do conhecimento e da experiência histórica dos africanos. Estes povos foram para aqui trazidos sob a forma de imigração forçada de cativos africanos. Foram pessoas capturadas em guerras no continente africano realizadas por diferentes razões internas e externas, em diferentes contextos históricos, por mais de 400 anos, em diversas regiões africanas. Temos que lembrar que essa imigração forçada durou quase quatro séculos e trouxe mais de seis milhões de pessoas que constituíram a principal e quase única força produtiva do país neste período da Colônia e do Império no Brasil.

A África é o continente de mais antiga ocupação pelos seres humanos, por isso é denominado como berço da humanidade, tendo sido o lugar de desenvolvimento de grande parte do conhecimento das populações humanas. As primeiras culturas agrícolas e pastoris tiveram seu desenvolvimento impor-tante em solo africano. As culturas das manufaturas e das artes também foram intensamente processadas pelos diversos povos africanos. No campo da filosofia, da matemática e da cultura letrada a África pre-cede outros continentes, realiza um significativo e inesgotável acervo. A realização de cidades, reinos, impérios e sistemas comerciais fazem parte do passado africano em todas as regiões do continente. Toda essa enumeração de partes do processo civilizatório da humanidade é necessária para ilustrar a comple-xidade e a importância da bagagem africana trazida para o Brasil. A cultura Portuguesa e da península Ibérica também se beneficiou destes conhecimentos africanos antes do Brasil. Antes de 1500, Portugal e Espanha receberam imigrações importantes de africanos. Os africanos invadiram a península Ibérica e aí estiveram por mais de 700 anos. Então, parte da formação da cultura Portuguesa e Espanhola repou-sa na cultura africana. Esses povos europeus receberam fortíssima colonização africana realizada pela ocupação pelos Mouros da península Ibérica. Os mouros foram populações africanas vindas da Mauri-tânia de povos Berberes e Tuaregues que, depois do século VI, baseados na fé islâmica, realizaram no norte africano um grande império que se expandiu pela África e Europa. Por outro lado, mesmo antes das invasões dos Mouros na península Ibérica, a Europa, na sua constituição Grega Romana, teve uma grande influência da base cultural africana, exemplos importantes são as contribuições das civilizações Egípcias, Núbias e Etíopes para a Antiguidade.

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A escravidão e servidão foram formas de trabalhos forçados que fizeram triste e repudiante parte da história da humanidade em todos os povos e para todos os continentes em épocas históricas variadas. As escravidões e as servidões perduraram em todos os continentes durante longo período histórico. Es-tas escravidões e servidões eram denominadas de domésticas, não se tratando de um sistema amplo de produção, nem mesmo dirigido para um determinado povo ou para um só continente. Na Europa, entre europeus, este sistema de escravidão doméstica existiu até o século 15, na maioria dos países, e até o século 19 se considerarmos a Rússia. Depois de 1500, o escravismo sofrido pelos africanos faz parte do asseveramento desta escravidão doméstica européia. Asseveramento do sistema de escravismo Europeu, pois se tornou acelerada e única forma de produção intensiva e comercial realizada por Europeus, em benefícios dos europeus, dirigida contra os povos africanos e indígenas, no Brasil e na América. A única justificativa possível desse escravismo asseverado foi a avareza, a desumanidade e a criminalidade dos europeus relacionados com esta forma de produção implantada no período histórico de 1500 em dian-te. Dado o longo período histórico e a forma extensa que ocorreu, este escravismo foi qualificado de escravismo criminoso na construção do Brasil e da América na visão dos povos africanos e indígenas. Este reconhecimento do sentido criminoso desse sistema de produção foi recentemente realizado pelas Nações Unidas que declara qualquer forma de escravismo como crime contra a humanidade.

Teorias racistas e colonialistas européias tentaram justificar o escravismo criminoso por um possível atraso cultural dos escravizados africanos. Mesmo que existisse tal atraso cultural isto não justifica este ato criminoso de implantação deste imenso sistema de produção. Escravidão é crime perante a humani-dade. Mas tal condenação deste sistema criminoso de produção só foi conseguida recentemente. Embora as consciências confessaram a culpa criminosa e se declararam envergonhados pelos crimes, medidas práticas de indenização e reparação dos povos prejudicados ainda não foram realizadas. Os herdeiros dos crimes continuam a se beneficiar das fortunas acumuladas indevidamente, sem o compartilhamen-to, reordenamento e redistribuição dos benefícios com os povos prejudicados. No Brasil, falamos da escravidão entre senhores e escravos. Senhores europeus que não são mais que criminosos usando do poder de armas para escravização de africanos e indígenas. Com o sistema criminoso do escravismo o poder das armas foi legalizado transformando-se em lei de um regime criminoso. Mesmo a Igreja Católica Romana reconheceu os seus erros criminosos e pediu perdão para as populações africanas e afrodescen-dentes. Em nome da religião, erros foram cometidos levando a morte e sofrimento milhões de africanos e descendentes de africanos. O pedido de perdão tem importância moral, mas no entanto não altera as condições de vida dos prejudicados.

As populações das regiões de Angola, Congo e Moçambique, das regiões denominadas Bantas da África foram as primeiras a serem trazidas para o Brasil. As populações dessas regiões foram as que vieram em maior número, durante maior tempo e mais marcaram a cultura brasileira. São populações de um imenso território africano, de culturas variadas e tendo formas filosóficas e culturais bastante complexas, cujo entendimento somente recentemente foi possível para a cultura ocidental. Esta incapa-cidade de compreensão dos ocidentais da complexidade das culturas denominadas de Bantos, levou-os a classificá-las como primitivas. Depois das populações das regiões denominadas de Bantos começaram a vir os povos da África Ocidental, dentre eles um número significativo de Yorubanos e Daomeanos. A marca africana é indiscutível na cultura brasileira. Existem erros de nomenclaturas e dificuldades de interpretação da origem dos povos africanos vindos para o Brasil. Desta forma, os textos históricos e antropológicos usam dividir os africanos no Brasil, de forma imprecisa, em Bantos e Sudaneses. Estes povos africanos e afrodescendentes nas suas epopéias de busca da liberdade e da igualdade social rea-lizaram os eixos marcantes da história social do povo brasileiro. Empreenderam milhares de quilombos, de rebeliões, de instituições no combate ao escravismo criminoso. Executaram uma intensa participação em todos os movimentos da história nacional. No pós-abolição, a história de africanos e afrodescenden-tes se transcreve na organização de novos movimentos sociais, religiosos e culturais, entre os quais se destaca um atuante movimento negro.

Dados os contextos históricos e geográficos, tanto na esfera social e econômica mundial e como brasileira, africanos e afrodescendentes constituem uma especificidade histórica que tinha sido, por di-versas razões, deixada de lado ou com tratamento insuficiente na educação brasileira. Os movimentos negros insistiram por mais de um século para que realizassem esta devida incorporação das histórias e das culturas, de africanos e dos afrodescendentes, ao ensino da História Geral da humanidade e a do Brasil, sem, contudo lograrem sucesso até o ano de 2003. Os movimentos negros persistem na necessidade e no direito de pelos menos as populações afrodescendentes terem estes conhecimentos históricos e culturais

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expressos na educação nacional. Como conseqüência da Conferencia Mundial de Durban, em 2002, e das negociações políticas nacionais, eis que em 2003 é decretada a lei da inclusão da História e da Cultura de Africanos e Afro-brasileiros a educação nacional. Essa lei de 2003 é uma conquista importante dos movimentos sociais negros. Este artigo tem como principal propósito tratar dos aspectos curriculares dessa lei, apresentar uma proposta de abordagens e de conteúdos dos temas a ser ensinados.

2. A proposta de eixo teórico para a compreensão dos afrodescendentes na sociedade Brasileira

A história social brasileira, pelas formulações do marxismo clássico, não conseguiu dar satisfatória notoriedade à especificidade dos africanos e dos afrodescendentes. Essa história não deu evidência aos africanos e afrodescendentes como sujeitos da história, como protagonistas da história. Nos transformou apenas em mão-de-obra e mercadoria e não como seres pensantes e realizadores de uma epopéia de lutas constantes. Não conseguiu retirar do eixo das lutas de classe a formulação que explicasse a parti-cularidade da história e da cultura desenvolvida pelos povos africanos e pelos descendentes destes na história do Brasil. Entretanto, esta base teórica do marxismo clássico possibilitou entendermos que a essência do trabalho histórico no Brasil é negra. Que a classe dominante realizou um significativo leque de aparatos ideológicos e coercitivos contra as populações negras. Esta dominação teve e tem importan-te significado de imposições culturais, sociais e econômicas. Uma destas imposições é a invisibilidade da história africana. Uma outra é a de confundir a figura do escravo, com a africano e do negro. Estes se tornam sinônimos na cultura brasileira e a rigor não o são. Os africanos e afrodescendentes foram escravizados, semi-livres e livres no sistema de produção do escravismo criminoso. Foram a base do pré-capitalismo no Brasil e a essência do trabalho capitalista. Mesmo assim temos que admitir que a história social não se resume a oposição entre trabalho e capital, existindo os fatores de ordem cultural. A situação da população de africanos e afrodescendentes se explica pela especificidade dos processos de dominação sofridos, mas também pela base cultural trazida e realizada. Explicita-se a necessidade de uma ampliação conceitual que nos explique as inter-relações entre a cultura e a história social, sobretudo que leve em conta a base cultural africana.

Embora nos últimos 50 anos as diversas áreas das ciências, notadamente a biologia, se dedicaram a superar a idéia de raças humanas, estes conceitos ainda operam estragos sucessivos no imaginário social e nas representações sociais. No esforço de superação da idéia de raça os grupos sociais passaram a não serem mais comparados procurando diferenças raciais. O conceito de raça deveria ser totalmente abolido da esfera da ciência e da cultura dado os equívocos e malefícios causados pelas teorias raciais, que redundaram todas em racismo. A raça biológica está sepultada, superada como forma de pensamen-to, mas os problemas persistem. Outras formas derivadas dos resquícios da raça biológica estão ainda em evidência. Uma delas é a teorias da mestiçagem, que parte da existência de três raças biológicas, as transforma numa raça social e faz apologias da mestiçagem brasileira como solução de um problema social. Nesta discussão da mestiçagem, o que está em evidência é o fato biológico, mas se confunde este com os fatos de ordem política, econômica e social. Mestiçagem não democratizou a distribuição dos bens materiais e nem dos bens simbólicos. Assim esta mestiçagem não teve importância na esfera econômica e política. As tentativas do uso de uma ideologia da mestiçagem são de evitar a declaração da existência de aparatos desestabilizadores e produtores de desigualdades específicas contra os afro-descendentes. Tentam impor a lógica que havendo mestiçagem não haveria racismo. Na realidade, o que temos no âmbito social é que o racismo, como forma de dominação, é tão amplo que mesmo parte dos mestiços são racistas “à moda brasileira”.

Mesmo que as divergências sobre a natureza do racismo sejam diversas, os estudos, do presente e do passado, sobre os afrodescendentes permitiram um consenso sobre a existência de uma enorme desigualdade estrutural de ordem socioeconômica sofrida pelos afrodescendentes. As divergências con-ceituais estão na explicação da origem e da natureza da conservação dessa desigualdade. Quando que o fato importante que deveria nortear a discussão é que esta desigualdade é injusta e desumana. Que deveria ser combatida por todos os meios, não importando a sua origem e natureza. Nesta formulação da necessidade de combate à desigualdade, a educação figura como uma das formas importantes de mudança da estrutura social dos afrodescendentes. Para o combate a esta desigualdade é que a educação precisa teorizar, realizar práticas efetivas e específicas que modifiquem concretamente a situação dos afrodescendentes.

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No campo teórico, a superação da raça biológica levou à formulação da idéia de raça social. En-tre 1989 e 1992, dediquei muito tempo ao exame destas duas idéias de raça, a biológica e a social. Na época, usava a referência de “raça antiga” para biológica e de “raça moderna” para a social. Nos estudos verifiquei que raça social era também antiga, formulada entre 1945 e 1950. O argumento de que a raça social era socialmente construída é recente, vem acompanhando a formulação de que gênero é social-mente construído. Quando aprofundamos as críticas às definições, a diferença entre a raça biológica e a social desaparece. Ambas foram socialmente construídas, ambas têm constituição do fenótipo e das formas biológicas. Do ponto de vista teórico, se mostrava necessário para mim a superação da idéia de raças. Outros problemas se seguem à idéia de raça social, o da explicação das experiências culturais, por exemplo. A idéia de raça social se mostra útil na explicitação dos preconceitos e dos racismos na sua superfície e não na sua profundidade das conseqüências sociais e econômicas. Os estudos que tentam o aprofundamento e alargamento temporal conceitual pela via da raça social têm entrado em conflitos teóricos quase sem saída. Face às dificuldades, sugiro uma abordagem pela via da história sociológica (CUNHA JR., 2000). Tomando como base africana a base geográfica, onde se consolida a cultura e a história. Desta cultura e desta história, da base africana, derivam as histórias e a culturas dos afrodescen-dentes. Um conceito de base histórico sociológico, que articulado como tal permite um contínuo entre a história da África e da América. A etnia afrodescendente permite esta continuidade. A etnia, não como é concebida aqui como na antropologia, mas sim como história sociológica.

Mas ainda resta a necessidade de explicar os conflitos entre africanos e europeus, numa história que precede as lutas do capitalismo, mas que se adaptam à existência deste. Assim, parece útil que aliado ao conceito de etnia estabelecermos o da dominação ocidental.

Ainda, do ponto de vista conceitual, vamos preferir usar afrodescendente a afro-brasileiro. A razão desta preferência é que afro-brasileiro surge entre 1930 e 1940, em linhas de pensamento distintas das atuais. Além de que afro-brasileiro faz parte de um período no qual os grupos de intelectuais brasileiros eram totalmente desinformados, para não dizer ignorantes, sobre a história africana. Nutriam teorias racistas sobre a cultura de base africana. Vejam que, nessa época, Gilberto Freyre e os seus seguidores consideravam a cultura africana inferior à européia. O conceito de afrodescendência nasce com o pleno conhecimento do passado africano, nasce sobretudo em decorrência deste conhecimento e da necessi-dade de relacionar o passado africano com a história do Brasil.

3. A dominação ocidental não é reconhecida

A presença de africanos e afrodescendentes na cultura e na história do Brasil não se dá de for-ma completa e satisfatória como seria simples e natural de se esperar. Esta ausência se dá devido ao não reconhecimento da contribuição da África ao conhecimento da humanidade. Deveriam africanos e afrodescendentes estarem presentes em todos capítulos da história brasileira dado a sua existência e participação constante em todos os setores da produção, em todos os momentos da história. Essa repre-sentação na história e na cultura não é realizada, pois estamos submetidos a um processo de domina-ção e de imposição da cultura denominada de cultura ocidental que é basicamente européia. Estamos dentro de um sistema de educação considerado como universal que transmitiria em hipótese a essência da cultura humana na sua diversidade. No entanto, esta visão de universal funciona como a imposição de uma visão eurocêntrica de mundo. As idéias de ocidente e a cultura ocidental trabalham como parte da dominação cultural. No trato dado ao universal desaparecem as especificidades, ficam as categorias gerais, que são as da cultura grego-romana, judaica-cristã. Estas culturas que fundamentam o eurocen-trismo. Essa dominação ocidental anula como relevante as expressões de africanos e afrodescendentes nas culturas ocidentais.

Além destes complicadores eurocêntricos, que se dão no âmbito da denominada cultura universal e da história universal, aparecem outros, que são produtos dos grupos de pensamento sobre a cultura brasileira. As ideologias da cultura brasileira tendem sempre a colocar os africanos no campo do exótico, do precário ou do incompleto. Principalmente porque partem de um imenso desconhecimento sobre a África. Nestas ideologias, os afrodescendente são representados no campo do espécime em extinção. A ideologia da cultura brasileira sempre anuncia o desaparecimento das culturas afrodescendentes, das identidades e dos seres. As idéias culturais que temos de mestiçagem, hibridação ou sincretismo sempre levam à conclusão ideológica do desaparecimento das culturas de base africana na cultura brasileira, e também do desaparecimento do povo negro ou afrodescendente.

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Temos uma versão de cultura oficial onde é entronizado o português, ficando como o eixo colo-nizador da cultura brasileira. Sendo os demais, indígenas e africanos, colocados como complementos dispensáveis, adereços e penduricalhos para enfeite. A introdução da africana é uma reação política a esta cultura oficial passada e errônea. A presença da cultura e da história, de africanos e afrodescendentes, na educação brasileira hoje é devido à compreensão política que temos dessa importância. Nos fazemos representar nesta educação por compreendemos que assim deva ser, como protagonistas da história e como cidadãos de direito a uma história.

Cultura, identidade e história

Neste tópico, cabe falarmos sobre a importância da cultura, identidade e história. Separar a cultura da história ou a história da cultura parece um exercício difícil. Dentro da perspectiva africana, impossí-vel, visto que todos os conhecimentos aparecem entrelaçados na cultura africana. Mas estamos falando numa perspectiva européia do conhecimento. Esta divisão em disciplinas obedece a um critério ocidental. Critério que mesmo o conhecimento ocidental tem tentado modificar, trabalhando com as formas de in-terdisciplinaridades, com os conceitos de integralidade do conhecimento. Quando falamos em ocidente, estamos pensando num conjunto político de idéias hegemônicas, como uma forma de dominação.

Cultura, identidade e história apresentarão sempre aspectos críticos ao serem tratados pela carga política que estas definições e conceitos encerram. A educação transmite a cultura, assim, ela se reserva o direito de dizer o que é cultura. Cabe, antes de qualquer coisa, perguntarmos qual educação, para quem e para quê? A educação faz a seleção dos temas por um critério unicamente ideológico, político, mas se ampara nas ciências para justificar as escolhas. Vendo que as ciências fazem um esforço para serem consideradas neutras, e também verdadeiras. Consideramos as ciências como não neutras. Como espelho de uma sistematização dos conhecimentos provisórios, portanto mutáveis, sem o sentido de certo ou errado, muito menos de verdadeiro ou falso. As definições de cultura e história abrangem sempre concepções sobre as quais não existe uma unanimidade de perspectiva, e as definições fazem parte da cena do confronto políticos entre os grupos sociais.

Por que da discussão de identidades?

Nas sociedades de democracias liberais, o reconhecimento das identidades dos grupos sociais se constitui numa justificativa para o acesso aos direitos individuais e coletivos específicos. Pela via da identidade os grupos, adquirem direitos conservando seu valores particulares e específicos. Depois da Segunda Guerra Mundial, no resguardo ante a brutalidade política contra as minorias étnicas, se cristalizou uma defesa do direito a especificidade, a particularidade em relação aos valores hegemônicos. Proteção que a democracia liberal desenvolveu devido aos conflitos internos nas sociedades européias, mas ela pouco praticou fora da Europa. Este discurso que sustentou o direito a diferenças propiciou o direito de expressão de gênero, contra a hegemonia masculina, portanto foi um avanço conceitual importante. Mesmo assim, a idéia de diferença é perigosa, pois ela pressupõe um padrão de igualdade, que leva a comparações valorativas. Os preconceitos estão assentados nestas comparações valorativas. Em lugar de diferenças o melhor é trabalharmos com o conceito de diversidade.

Os direitos sociais são regidos e reconhecidos pela via das identidades sociais. Estes estão basea-dos no direito de expressões e de visões de mundo própria dos diversos grupos sociais. São os direitos às especificidades e às particularidades culturais. Desta forma temos o direito de religião e de credo religioso, por exemplo. Neste sentido, o tema da identidade cultural tem um significado político forte, corresponde aos direito de inclusão social sem a perda de identidade, sem perder os valores próprios. Nos processos de dominação e de imposição dos valores de um grupo social sobre os de outro, a do-minação rege sobretudo pela imposição cultural, pela destruição da cultura e dos valores culturais dos grupos subjugados. Um exemplo desta luta de dominação é o que está ocorrendo com relação às culturas religiosas do Candomblé e dos Evangélicos. Este último, na procura da hegemonia religiosa, constrói um racismo contra a cultura do Candomblé. Através deste racismo, prega a eliminação dessa cultura religiosa de base africana. Combatendo todos os elementos de expressão que marquem a existência de uma identidade do Candomblé. Reduzindo os elementos da cultura negra a “coisa do diabo”. A nossa defesa jurídica contra essas agressões racista tem base na liberdade de expressão dada pela constituição

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brasileira. Penso que assim podemos entender onde cultura, identidade e história fazem parte de um jogo político de dominação.

Examinando os aspectos políticos das relações sociais, que são de relações de dominação social, econômica e política, que aparece a importância da expressão e do reconhecimento de uma identidade social grupal. Também se caracterizam os esforços da negação da existência de identidades, como é o caso da identidade negra ou afrodescendente. Neste terreno da luta política pela hegemonia ocidental nas sociedades industriais, os grupos dominantes sempre insistem na inexistência de outras identidades. Hoje muito se fala na inexistência de identidades particulares. Na produção de uma identidade produzida no mercado pelo uso de produtos industrializados, na perda de identidades na sociedade pós-moderna. As identidades particulares também subvertem os projetos políticos da constituição de uma identidade nacional única. No Brasil, esta formulação de uma identidade nacional única é nutrida pelas ideologias da mestiçagem. A unidade conceitual primaria pela perda das identidades especificas e pela fundação de uma identidade mestiça, onde a cultura é uma cultura híbrida e a história é uma história de concordância pacífica entre os povos originários de culturas diversas.

A discussão das identidades está na base da discussão dos direitos dos grupos sociais e das lutas contras as hegemonias culturais, que são políticas e econômicas. A existência de uma identidade dos afrodescendentes tem sido contestada devido a essa luta política. Entretanto, esta identidade afrodescen-dente não é construída pelos caracteres fenótipos como muitos acreditam. É constituída por conjuntos amplos, complexos de motivações e condições culturais, sociais, econômicas e políticas.

Uma breve definição de cultura, história e identidade cultural para orientação do pensamento aqui desenvolvido se faz necessário. Passamos a esta tentativa de definição em seguida.

Sobre a cultura, talvez possamos começar dizendo que os seres humanos são coletivos, formam coletividades humanas, vivem em sociedades. Esta coletividade reuniu sempre uma diversidade de ex-periências sociais. Portanto, não são coletividades homogêneas. Os seres humanos e suas coletividades participam da construção de conhecimentos materiais e imateriais. Através de uma capacidade criativa os seres humanos inscrevem a sua passagem em determinado espaço geográfico, produzindo este espaço geográfico na produção de si mesmo, passando por uma constante transformação. A cultura é a experi-ência humana. Um legado imenso de expressões materiais e imateriais é parte daquilo que chamamos de cultura de um determinado povo, ou de uma determinada região. As definições de cultura e sua apli-cação ao conhecimento ficam dificultadas pelas ideologias que cercam o assunto. A cultura passa a ser vista como aquilo que temos a possibilidade em registrar e compreender. Tudo que não foi registrado e tudo aquilo que não foi compreendido, embora tenha existido, fica externo ao que é considerado como cultura. A cultura transmitida na educação é uma parte pequena e “seletiva” da experiência humana. Não devemos tomar a palavra seletiva no sentido daquilo que tem maior importância. “Seletiva” significa cortada pelos critérios de apreciação de quem está definindo a cultura e a educação.

Toda cultura é diversa, e as culturas humanas são diversas e não se constituem de forma isolada. Sempre por razões variadas, muitas das quais ao longo do tempo fogem à nossa compreensão e ao nosso conhecimento, as culturas têm formas de comunicação entre si. Devemos, sempre quando falamos de uma determinada cultura, lembrar que se trata de um recorte parcial e tendencioso daquilo que foi uma experiência de existência muito mais ampla. A cultura é vinculada ao processo de existência humana e de formação das sociedades, interdependente ao desenvolvimento dinâmico de formações sociais, expres-sando referenciais de valores e comportamentos, produzindo a identidade cultural do grupo social.

A identidade cultural tem um caráter dinâmico, multidimencional, variável e diverso. A identidade é definida por uma síntese de diversos fatores sociais que fazem sentido para um determinado grupo social. Esta síntese, por sua vez, não faz sentido e não é nem compreendida por outros externos ao grupo social. As identidades culturais têm significados diversos para os diversos grupos sociais e cumpre aos grupos sociais falar das suas identidades. A identidade é um conjunto subjetivo de significados próprios aos grupos de mesma identidade. Chamamos atenção de que não existiria propriamente uma identidade racial. Não são os caracteres fenótipos da raça biológica e nem os atribuídos a esta da raça social que definem as identidades e sim um conjunto de práticas sociais e culturais. A identidade negra ou afrodes-cendente é definida a partir das experiências sociais passada pelos povos originários da África e pelos descendentes. A cultura processada, que serve de referência à identidade, não inclui apenas pessoas de fenótipo considerado “negro” na sociedade brasileira. Também a experiência cultural não é estanque,

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comportando a associação de pessoas e povos de outros continentes. A definição de identidade, como vemos, tem sempre um caráter político.

Quanto à história, podemos dizer que as presenças coletivas produzem conflitos de interesses. Vamos trabalhar a história como o registro das relações institucionais coletivas produzidas na mediação, na solução ou na erupção dos conflitos. O sujeito social se constitui nas relações sociais, é ao mesmo tempo criador e produto de si mesmo, assim o ser humano produz a sua própria história na produção das relações sociais. Podemos dizer que a história é um conjunto de interpretações sobre os conhecimentos que temos destas relações que produzem as sociedades (BORGES, 1988). Conjunto que é mutável na medida que os valores de interpretação mudam, e as informações disponíveis também mudam.

A relação entre identidade cultural e história é relação de realimentação, uma idéia interfere na produção da outra, ou seja, uma se apóia na outra. A compreensão do significado que a identidade cultural produz depende do conhecimento histórico retido por uma comunidade ou grupo social. A identidade do grupo social se alimenta da própria história deste grupo social. Produz no significado político dado a esta história a transformação da própria história. Uma boa lição atual da relação entre cultura, identi-dade, história e lutas políticas podem ser tiradas da observação do que se passa atualmente no Iraque. A identidade dos grupos é fundada na cultura religiosa. Os fatos políticos são baseados na história que alimenta a cultura religiosa e reconstrói as identidades. Mas, estas se expressam com violência dadas a lutas contra a dominação interna e externa.

4. A história africana

Vamos começar o estudo da história e da cultura africana lembrando um conceito importante que nos foi ensinado pelo brilhante cientista e historiador do Senegal Anta Diop. Diop fala da “unidade cultural africana na diversidade” (DIOP, 1959). Isto significa que existem eixos comuns, norteadores do conhecimento, da história e da cultura africana. Esses eixos partem de concepções filosóficas válidas para todo o continente africano dando o significado de unidade cultural africana. A diversidade surge das lo-calidades e das épocas históricas específicas e contextos históricos particulares em que se desenvolveram esse eixos culturais. A unidade cultural surge da existência de uma unidade geográfica. O continente é um território único, construído pelas relações comerciais e políticas entre os povos africanos.

A unidade territorial e histórica africana é importante para interligarmos a história africana às histó-rias de outros povos. A idéia de Europa e da Civilização Ocidental tem seu nascedouro cultural na cultura Africana (BECKER, 1967), mas não é visto como tal por deixarem o Egito e a Etiópia como peças à parte da história Africana. Este erro significativo, em ver o Egito e a Etiópia como histórias independentes da história Africana, vem do fato de falarmos numa história da África Negra, como sub-sahariana, e de uma África de pele dourada, como acima do Sahara. Temos nesta formulação mais um erro do pensamento, das percepções equivocadas, focalizando a região através de um possível tipo fenotípico predominante. Digo “possível” visto que não é exatamente aquilo que a média da população pensa que é a realidade. Friso aquilo que a média da população brasileira pensa, pois esta se refere ao Egito como uma popula-ção de pele clara, sendo que a população real desse país africano é como a do nordeste brasileiro, com uma diversidade de tonalidades de cor de pele. No Antigo Egito, muitas dinastias vinham da Núbia, atual Sudão, onde a população tem pele de cor escura retinta. Este é mais um exemplo onde os conceitos de raça social se confundem como os da história, em prejuízo de uma compreensão unificadora do passado Africano. O conceito de unidade geográfica, econômica e cultural é importante, pois integra a história africana, permite uma compreensão da dinâmica interna do continente africano (CUNHA JR, 1999; CUNHA JR, 2000; GIORDANI, 1993). Esta unidade histórica e cultural que vai permitir a compreensão e avalia-ção da bagagem cultural dos afrodescendente na Diáspora Africana. O conjunto da cultura africana se reproduz nos trabalhos, nas formas de socialização, na formação da cultura brasileira.

Qual História Africana?

Em virtude da amplitude que é a cultura e a história africana, em razão dos diversos enfoques e versões que temos da história africana, muito se debate sobre qual história africana deveria ser traba-lhada na educação brasileira. Esta dúvida não é compartilhada com os setores do movimento negro que

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vêm ensinando a história e a cultura africana de longa data. As muitas experiências de ensino da cultura e da história africana já consolidaram um referencial sobre qual história africana deve ser ensinada. A história africana que nos interessa é aquela que possibilite a compreensão do Brasil. Aquela que explique os aportes significativos dos africanos e dos afrodescendentes para a construção da sociedade brasileira (CUNHA JR, 1999). Deve ser uma história africana que abarque toda a dinâmica das sociedades africa-nas nos aspectos econômicos, sociais e culturais. Uma história que destaque as aquisições tecnológicas, políticas, econômicas e sociais das sociedades africanas, com destaque ao período que vai do século 12 ao 18, devido este ter uma incidência mais direta na sociedade brasileira. Das conseqüências diretas deste período histórico através de todo o continente africano é que se funde a complexa e rica bagagem africana carreada para o Brasil. A ênfase no “todo”, na “totalidade” do continente, de uma experiência histórica comum a todos os africanos é porque a separação em partes desconexas do continente africano tem servido à diversas manipulações de idéias racista sobre os povos africanos. Estes são apresentados como tribos isoladas no meio da selva, dando a entender que são de civilização de menor importância. Os conhecimentos na matemática, na astronomia, na tecelagem, na escrita, na filosofia, na arquitetura ficam caracterizados como fatos isolados, como se não produzissem uma experiência histórica comum a imensas regiões, disseminada entre muitos povos do continente. Vejam que desde o Antigo Egito a África produz tecidos, passando pela importantíssima tecelagem das regiões da Nigéria e do Congo, que entre os séculos 16 a 19 exportavam tecidos para a Europa, no entanto, os africanos escravizados no Brasil são pensados como originários da tribo dos homens nus. Isto porque a história africana não foi vista no seu conjunto e nas interligações entre as diversas regiões. Por pensarem a história africana como blocos isolados não chegam a pensar nas relações diplomáticas e culturais entres as regiões africanas, e destas com o resto do mundo. Então, ficamos com dificuldades em entender as embaixadas apresentadas nos Reizados e Congados brasileiros. Dizem que são de origem portuguesa os fatos que foram consolidados na história africana e transmitidos para o Brasil. São pensados por pesquisadores que só vêem as rela-ções diplomáticas como parte da política européia, e não da africana, como se esta relação diplomática entre países não fosse necessária no passado africano.

Na linha da história africana que traga explicações importantes para os afrodescendentes destaca-mos o trabalho de Walter Roney (RODNEY, 1975). Juntamente com esta abordagem de Rodney, outros trabalhos de africanos como Obenga (OBENGA, 1974), HamPate Ba têm uma trajetória interessante para termos uma história africana.

5. A cultura africana

A cultura de base africana é muito ampla e constitui o traço de união entre africanos e afro-descendentes. O traço fundamental desta “cultura de base africana” está nos princípios civilizatórios africanos. Estes princípios aparecem na literatura com diversas denominações tais como Cosmovisão Africana, Filosofia Africana ou Gnose Africana. Formam um núcleo consistente fundamental presente no pensamento africano de todas a regiões e passando pelas diversos povos e formações religiosas do continente africano. Esses conjuntos de fundamentos inspiram os desenvolvimentos das diversas áreas do conhecimento, indo da matemática e astronomia à medicina, dando consistência às idéias políticas e jurídicas, determinando os ideais e práticas cotidianas da população. Atravessa o Atlântico e organiza o pensamento afrodescendente nas América e no mundo em colaboração com outras culturas (SANTOS, 1995; LUZ, 1995).

Para a constituição de um pensamento de base africana (OLIVEIRA, 2003) alguns elementos foram fundamentais: a comunidade e o seu enraizamento na terra, e a ancestralidade. Estas marcas trazem para o africano a noção de repetição dos ciclos de vida, dos astros e do universo. Seqüência que se repete, mas com modificações, com acréscimos. Como trajetórias que são próximas, mas não se repetem, com idéias que hoje no mundo ocidental são representadas na matemática pelas teorias do caos. A idéia da comunidade e da cabeça humana inspira as circularidades de representação do mundo para os africa-nos. A terra sempre foi redonda para os africanos devido a essa concepção circular de representação da perfeição. O ser humano pensante está sempre no centro do pensamento dos diversos povos e filosofias africanas. A ancestralidade é a marca de permanência do ser sobre o tempo, neste se assentam todos os processos de conhecimento e de evolução do mundo. No conceito de ancestralidade e do respeito a ela se fundam os princípios da organização social e da interação do ser humano coletivo com os demais

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seres da natureza. O pensamento africano procura sempre a explicação da totalidade como um conjunto indivisível, complexo e de conexões múltiplas. A comunidade, sua terra e seu povo constituem a base da identidade e da construção das sociedades africanas. A força vital e a palavra são dois conceitos que explicam os dinamismos as mudanças nas sociedades africanas. A força vital é a energia a ser acumulada para a continuidade e para a mudança. A palavra é cultuada com conhecimento e como elemento de criação. A palavra precisa ser pronunciada com cuidado dado o seu poder de criação. A palavra tem um sentido rítmico na sua expressão. Para os africanos também os tambores falam.

Estas bases conceituais do pensamento africano se refletem por todas as expressões da cultura. A apresentação da cultura africana e dos seus signos e significados poderíamos tê-los por vários caminhos. Um deles seria pela literatura africana, desde a oralidade, pelos provérbios, pelos mitos e pelos textos literários. Exemplos desta pode ser dado por Achibe Achebe (ACHEBE, 1983).

Uma ampla apresentação da cultura de base africana pode ser dada pelo estudo da Arte Africana (GILLON, 1984; VANSINA,1984). Começando pela arte rupestre africana que representa uma exposição da pré-história da humanidade. Seguido pela arte dos períodos da história antiga da Núbia e do Egito. A arte Nok se constitui num caso importante da arte africana dada sua originalidade e também antiguidade. A arte Akan é um conjunto de grande expressão com representações diversas em vários suportes, metais, tecidos, madeira e telas. A arte Akan expressa um excelente exemplo do domínio de varias técnicas e da relação da arte com a matemática e como a religião e o poder. A arte das regiões do rio Níger, que poderia ser denominada como Igbo – Ukwu, como a do Benin e Yoruba, tem uma significativa importância para compreensão dos elos da cultura africana com a brasileira. A arte das regiões do Rio Congo e do Rio Zambeze, principalmente a Luba, Kuba e do Congo, completam a base que instrui a interpretação da cultura transmitida para o Brasil. Para terminar, a arte da região Suarili e Etiópia representam os universos de variação da arte africana e da influência árabe e indiana.

O estudo das religiões de base africana também nos permite representar a cultura africana. Devemos lembrar que parte da cultura originária das religiões, Cristã e Mulçumana, estão no continente Africano. O Cristianismo tem um início Africano, no Egito e na Etiópia, e depois é reformulado e produzido uma versão Européia que se consolida apenas depois da Idade Média.

6. As conclusões

A proposta da lei de inclusão da História Africana e Afrodescendente, Lei 10.639, é ampla nos seus aspectos sociais e é necessário que haja o justo reconhecimento dos diversos fatores da participação de Africanos e Afrodescendente na História do Brasil. Ampla, pois liga dois espaços geográficos continentais, África e Brasil, através de um período histórico e cultural longo, de pelo menos 5000 anos. Tem como principal tarefa fazer a ponte de conhecimentos entre os elementos da História e da Cultura Africana ao dos Afrodescendentes. Essas histórias repercutem na atualidade no âmbito local, de cada bairro, de cada município, com as dos estados e regiões aos aspectos nacionais, e estes a um contínuo do passado africano. São elementos da história da humanidade no sentido geral deste, e tem como principal efeito cumprir o direito que a constituição nos dá do conhecimento da nossa história e da nossa cultura.

Os obstáculos à aplicação da lei estão na falta de hábito em contemplar os afrodescendentes com a sua história e a sua cultura. Em contemplar com benefícios que são de direito. O país ficou mal acos-tumado na sua história em não realizar nada de importante e específico para os afrodescendentes. O erro do silêncio sobre esta história e cultura se uniu a preconceitos e discriminações e tornou natural a ausência destes conhecimentos (GONÇALVES,1985). Quebrar com este mau hábito é difícil, pois o erro se cristalizou no tempo. O erro passou por inversões de valores, e muita gente pensa que o exercício deste direito é “racismo às avessas”. Precisa dizer que não é racismo, mas sim um direito. Não é racismo às avessas, pois não está retirando os direitos de outros nem impedindo a expressão de outros. Todos os povos e grupos sociais que virem como importante a expressão da sua história e cultura na educação nacional devem por direito realizá-lo.

O parecer sobre a Lei realizado pelo Conselho Nacional de Educação precisa ser conhecido por todos os educadores, sendo que todos os estados e municípios devem realizar pareceres do mesmo teor instruindo sobre a execução da lei em nível local. Torna-se necessário a realização de debates para

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compreensão, ampliação e realização dos objetivos deste parecer. Estes seminários competem às escolas, aos movimentos sociais, aos municípios e estados em realizá-los. Nos serve como forma de acompanhar a execução e o aperfeiçoamento da lei.

Uma das dificuldades para implantação da Lei 10639 está no campo dos educadores de terem dificuldade em reconhecer a importância da história e da cultura africana para compreensão da história do Brasil.

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98 Cadernos Temáticos

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99História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Relação de filmes com sinopses – 43 títulos

Os filmes abaixo relacionados são apresentados aqui como mais um subsídio de apoio. O uso pedagógico dos mesmos requer atenção teórica e metodológica por parte do professor.

A cor púrpura

Direção: Steven Spielberg

Sinopse: Georgia, 1909. Em uma pequena cidade Celie (Whoopi Goldberg), uma jovem com apenas 14 anos, que foi violentada pelo pai, se torna mãe de duas crianças. (..) Celie imediatamente é separada dos filhos e da única pessoa no mundo que a ama, sua irmã, e é doada a “Mister” (Danny Glover), que a trata simultaneamente como escrava e companheira. Grande parte da brutalidade de Mister provém por alimentar uma forte paixão por Shug Avery (Margaret Avery), uma sensual cantora de blues. Celie fica muito solitária e compartilha sua tristeza em cartas (a única forma de manter a sanidade em um mundo onde poucos a ouvem), primeiramente com Deus e depois com a irmã Nettie (Akosua Busia), missionária na África. Mas quando Shug, aliada à forte Sofia (Oprah Winfrey), esposa de Harpo (Willard E. Pugh), filho de Mister, entram na sua vida, Celie revela seu espírito brilhante, ganhando consciência do seu valor e das possibilidades que o mundo lhe oferece. Drama. EUA: 1985, 156 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/cor-purpura/cor-purpura.asp#Sinopse

Adivinhe quem vem para jantar

Direção: Stanley Kramer

Sinopse: Em São Francisco, Matt Drayton (Spencer Tracy) e Christina Drayton (Katharine Hepburn), um conceituado casal, se choca ao saber que Joey Drayton (Katharine Houghton), sua filha, está noiva de John Prentice (Sidney Poitier), um negro. A partir de então dão início a uma tentativa de encontrar algo desabonador no pretendente, mas só descobrem qualidades morais e profissionais acima da média. Comédia. EUA: 1967, 103 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/adivinhe-quem-vem-para-jantar/adivinhe-quem-vem-para-jantar.asp#Sinopse

A encruzilhada (Crossroads)

Direção: Walter Hill

Sinopse: Jovem viaja pelo sul dos Estados Unidos, em companhia de um velho músico, para buscar as origens do som negro. O filme faz referências ao mito do blues, Robert Johnson. Trilha musical de Ry Cooder. EUA: 1986.

A hora do show

Direção: Spike Lee

Sinopse: Um programa de TV que denuncia o preconceito e o estereótipo dos negros na televisão americana causa polêmica e faz sucesso entre os telespectadores. Com direção de Spike Lee (Malcolm X) e Damon Wayans no elenco. Comédia. EUA: 2000, 136 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/bamboozled/bamboozled.asp

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100 Cadernos Temáticos

ALI

Direção: Michael Mann

Sinopse: Cassius Clay (Will Smith) era um grande lutador nos ringues de boxe e uma pessoa inte-ligente fora deles, onde impressionava pelo seu fácil palavreado. Ele logo se tornou uma das principais personalidades do esporte mundial nos anos 60, principalmente após se converter ao islamismo, trocar seu nome para Muhammad Ali e se recusar a lutar na Guerra do Vietnã. Drama. EUA: 2001, 167 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/ali/ali.asp#Sinopse

Amistad

Direção: Steven Spielberg

Sinopse: Costa de Cuba, 1839. Dezenas de escravos negros se libertam das correntes e assumem o comando do navio negreiro La Amistad. Eles sonham em retornar para a África, mas desconhecem na-vegação e se vêem obrigados a confiar em dois tripulantes sobreviventes, que os enganam e fazem com que, após dois meses, sejam capturados por um navio americano, quando desordenadamente navegaram até a costa de Connecticut. Os africanos são inicialmente julgados pelo assassinato da tripulação, mas o caso toma vulto e o presidente americano Martin Van Buren (Nigel Hawthorn), que sonha ser reeleito, tenta a condenação dos escravos, pois agradaria aos estados do sul e também fortaleceria os laços com a Espanha, pois a jovem Rainha Isabella II (Anna Paquin) alega que tanto os escravos quanto o navio são seus e devem ser devolvidos. Mas os abolicionistas vencem e o governo apela e a causa chega a Suprema Corte Americana. Este quadro faz o ex-presidente John Quincy Adams (Anthony Hopkins), um abolicionista não-assumido, sair da sua aposentadoria voluntária, para defender os africanos. Drama. EUA: 1997, 154 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/amistad/amistad.asp#Sinopse

A negação do Brasil

Direção: Joel Zito Araújo

Sinopse: O documentário é uma viagem na história da telenovela no Brasil e particularmente uma análise do papel nelas atribuído aos atores negros, que sempre representam personagens mais estereoti-pados e negativos. Baseado em suas memórias e em fortes evidências de pesquisas, o diretor aponta as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação positiva do negro nas imagens televisivas do país. Documentário. Brasil: 2000, 90 min.

Fonte:http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/negacao-do-brasil/negacao-do-brasil.asp

Atlântico negro: na rota dos Orixás

Direção: Renato Barbieri.

Sinopse: Viagem no espaço e no tempo em busca das origens africanas da cultura brasileira. Histo-riadores, antropólogos e sacerdotes africanos e brasileiros relatam fatos históricos e dados surpreendentes sobre as inúmeras afinidades culturais que unem os dois lados do Atlântico. Visão atual do Benin, berço da cultura iorubá. Filmado no Benim, no Maranhão e na Bahia.

Documentário. Brasil: 54 min.

Fonte: http://www.fundacaoastrojildo.org.br/filmes/filmes_abrir.asp?cod_filme=201

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101História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Canção da liberdade

Direção: Phil Alden Robinson

Sinopse: Nos anos 60, a pequena cidade de Quinlan, Mississipi, encontra-se dividida graças ao Movimento pelos Direitos Civis. Esse ativo momento da sociedade americana é registrado pelos olhos atentos de um adolescente afro-americano (Vicellous Reon Shannon, de Hurricane O Furacão) que, inspirado pela chegada de um organizador do Comitê Coordenador Estudantil para a Não-Violência, engaja-se no processo, correndo o risco de desagregar totalmente a cidade e, principalmente, a relação com seu pai (Danny Glover, Máquina Mortífera). Glover, aliás é um dos produtores executivos deste filme dirigido por Phil Alden Robinson, que conta com a trilha sonora do consagrado compositor James Horner. Drama e suspense. EUA: 2000, 118 min.

Fonte: http://www.warnerbrosvideo.com.br/catalogo/catalogo.asp?filme=386

Carolina

Direção: Jeferson De

Sinopse: Filme sobre Carolina Maria de Jesus, favelada e empregada doméstica que escreveu o livro Quarto de Despejo, no qual relata seus pensamentos em forma de diário, e que foi traduzido para 15 idiomas. O filme traz raras imagens da escritora que, apesar de tudo, morreu na miséria e é vivida no filme por Zezé Motta. Ganhador do prêmio de Melhor Filme e Melhor Fotografia de Curta-Metragem do Festival de Gramado de 2003. Documentário.15 min.

Fonte: http://www.cinemando.com.br/especiais/negroeocinema/filmes.htm

Cidade de Deus

Direção: Fernando Meirelles

Sinopse: Buscapé é um jovem pobre, negro e muito sensível, que cresce em um universo de muita violência. Buscapé vive na Cidade de Deus, favela carioca conhecida por ser um dos locais mais violen-tos da cidade. Amedrontado com a possibilidade de se tornar um bandido, Buscapé acaba sendo salvo de seu destino por causa de seu talento como fotógrafo, o qual permite que siga carreira na profissão. É através de seu olhar atrás da câmera que Buscapé analisa o dia-a-dia da favela onde vive, onde a vio-lência aparenta ser infinita. Brasil: 2002, 135 min.

Fonte: http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/cidade-de-deus/cidade-de-deus.asp

Crash - No limite

Direção: Paul Haggis

Sinopse: Jean Cabot (Sandra Bullock) é a rica e mimada esposa de um promotor, em uma cidade ao sul da Califórnia. Ela tem seu carro de luxo roubado por dois assaltantes negros. O roubo culmina num acidente que acaba por aproximar habitantes de diversas origens étnicas e classes sociais de Los Angeles: um veterano policial racista, um detetive negro e seu irmão traficante de drogas, um bem-suce-dido diretor de cinema e sua esposa, e um imigrante iraniano e sua filha. Drama. EUA: 2004, 113 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/crash-no-limite/crash-no-limite.asp#Sinopse

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102 Cadernos Temáticos

Crianças invisiveis

Direção: Mehdi Charef, Kátia Lund, John Woo, Emir Kusturica, Spike Lee, Jordan Scott, Ridley Scott e Stefano Veneruso.

Sinopse: Uma série de curtas mostrando a dificuldade das crianças em sobreviver ao enfrentar a realidade das ruas. Drama. Itália: 2005, 116 min.

Fonte:http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/all-the-invisible-children/all-the-invisible-children.asp

Distraída para morte

Direção: Jeferson De

Sinopse: Três adolescentes negros caminham por São Paulo, sem destino. Distraídos, perambulam por vilas, ruas e grandes avenidas. Diversão e tragédia caminham juntas, enquanto os personagens se descobrem. Drama. Brasil: 14 minutos.

Fonte: http://www.cinemando.com.br/especiais/negroeocinema/filmes.htm

Duelo de titãs.

Direção: Boaz Yakin

Sinopse: Herman Boone (Denzel Washington) é um técnico de futebol americano contratado para trabalhar no comando de um time universitário dividido pelo racismo, os Titans. Inicialmente, Boone sofre preconceitos raciais por parte dos demais técnicos e até mesmo de jogadores do seu time, mas, aos poucos, ele conquista o respeito de todos e torna-se um grande exemplo para o time e também para a pequena cidade em que vive. Drama. EUA: 2000, 113 minutos.

Fonte:http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/duelo-de-titas/duelo-de-titas.asp#Sinopse

Duro aprendizado

Direção: John Singleton

Sinopse: Kristy Swanson, Omar Epps e Michael Rapaport estrelam como os novatos alunos em rota de colisão com a diversidade, identidade e sensualidade nesta forte visão do escritor/diretor John Siggleton sobre a vida numa escola contemporânea. Também estrelando Laurence Fishburne, Ice Cube, Busta Rhymes. Jennifer Connely e Tyra Banks. Drama. EUA:1995, 128 min.

Fonte:http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=3713

Febre da selva

Direção: Spike Lee

Sinopse: Bem sucedido arquiteto negro (Wesley Snipes), feliz no casamento e pai de uma menina, inicia romance com sua secretária branca, de família italiana (Annabella Sciorra). Lee aborda de maneira crítica os inúmeros conflitos que este relacionamento inter-racial irá provocar. Mais um filme polêmico do diretor de Faça a Coisa Certa. Drama. EUA:1991, 132 min.

Fonte: http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=4800

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103História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Homens de honra

Direção: George Tillman Jr.

Sinopse: Carl Brashear (Cuba Gooding Jr.) veio de uma humilde família negra, que vivia em uma área rural em Sonora, Kentucky. Ainda garoto, no início dos anos 40, já adorava mergulhar, sendo que, quando jovem, se alistou na Marinha esperando se tornar um mergulhador. Inicialmente, Carl trabalha como cozinheiro, que era uma das poucas tarefas permitidas a um negro na época. Quando resolve mer-gulhar no mar em uma sexta-feira, acaba sendo preso, pois os negros só podiam nadar na terça-feira, mas sua rapidez ao nadar é vista por todos e assim se torna um “nadador de resgate”, por iniciativa do capitão Pullman (Powers Boothe). Quando Brashear solicita a escola de mergulhadores, encontra o comandante Billy Sunday (Robert De Niro), um instrutor de mergulho áspero e tirânico que tem absoluto poder sobre suas decisões. No princípio Sunday faz muito pouco para encorajar as ambições de Brashear e o aspi-rante a mergulhador descobre que o racismo no exército é um fato quando os outros aspirantes brancos - exceto Snowhill (Michael Rapaport), que por isto foi perseguido por Sunday - se negam a compartilhar um alojamento com um negro. Mas a coragem e determinação de Brashear impressionam Sunday e os dois se tornam amigos quando Brashear tem de lutar contra o preconceito e a burocracia militar, que quer acabar com seus sonhos de se tornar comandante e reformá-lo. Drama.EUA,2000,128min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/homens-de-honra/homens-de-honra.asp#Sinopse

Hotel Ruanda

Direção: Terry George

Sinopse: Em 1994 um conflito político em Ruanda levou à morte de quase um milhão de pessoas em apenas cem dias. Sem apoio dos demais países, os ruandenses tiveram que buscar saídas em seu próprio cotidiano para sobreviver. Uma delas foi oferecida por Paul Rusesabagina (Don Cheadle), que era gerente do hotel Milles Collines, localizado na capital do país. Contando apenas com sua coragem, Paul abrigou no hotel mais de 1200 pessoas durante o conflito. Recebeu 3 indicações ao Oscar. Drama. 2004, 121 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/hotel-ruanda/hotel-ruanda.asp#Sinopse

Kiriku e a Feiticeira

Direção: Michel Ocelot

Sinopse: Uma tradicional lenda africana ganha vida neste longa-metragem de animação francês, que mostra a história de um menino minúsculo que enfrenta uma poderosa feiticeira. Animação. França: 1998, 71 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/kiriku/kiriku-e-feiticeira.asp

Madame Satã

Direção: Karim Aïnouz

Sinopse: Rio de Janeiro, 1932. No bairro da Lapa vive encarcerado na prisão João Francisco, artista transformista que sonha em se tornar um grande astro dos palcos. Após deixar o cárcere, João passa a viver com Laurita, prostituta e sua “esposa”; Firmina, a filha de Laurita; Tabu, seu cúmplice; Renatinho, sem amante e também traidor; e ainda Amador, dono do bar Danúbio Azul. É neste ambiente que João Francisco irá se transformar no mito Madame Satã. Drama. Brasil: 2002, 105 min.

Fonte: http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/madame-sata/madame-sata.asp

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104 Cadernos Temáticos

Malcolm X

Direção: Spike Lee

Sinopse: Biografia do famoso líder afro-americano (Denzel Washington) que teve o pai, um pas-tor, assassinado pela Klu Klux Klan, e sua mãe internada por insanidade. Ele foi um malandro de rua e enquanto esteve preso descobriu o islamismo. Malcolm faz sua conversão religiosa como um discípulo messiânico de Elijah Mohammed (Al Freeman Jr.). Ele se torna um fervoroso orador do movimento e se casa com Betty Shabazz (Angela Bassett). Malcolm X ora uma doutrina de ódio contra o homem bran-co até que, anos mais tarde, quando fez uma peregrinação à Meca, abranda suas convicções. Foi nesta época que se converteu ao original islamismo e se tornou um “Sunni Muslim”, mudando o nome para El-Hajj Malik Al-Shabazz, mas o esforço de quebrar o rígido dogma da Nação Islã teve trágicos resulta-dos. Drama. EUA: 1992, 192 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/malcolm-x/malcolm-x.asp#Sinopse

Meu Mestre, Minha Vida

Direção: John G. Avildsen

Sinopse: O professor Joe Clark (Morgan Freeman, de “Amistad” e “Os Imperdoáveis”) retorna à escola pública de onde fora demitido para assumir o cargo de diretor. Em meio à desordem geral, ele aplica métodos nada ortodoxos para disciplinar alunos envolvidos com drogas e gangues. Sua conduta, no entanto, acaba gerando grande polêmica, dentro e fora do ambiente escolar. (...) “Meu Mestre, Minha Vida” é baseado numa história verídica. Romance/Drama. EUA: 1987, 109 min.

Fonte: http://www.video21.com.br/padrao.php?page=acervos_&res=277

Mississipi em chamas

Direção: Alan Parker

Sinopse: Numa noite quente de verão, no início dos anos 60, em Mississipi, três jovens ligados ao movimento de defesa dos diretos civis são brutalmente assassinados, Para resolver o caso são destacados dois agentes do FBI, um veterano e cético (Gene Hackman), e outro jovem e idealista (Willem Dafoe). apesar de suas diferenças, eles são obrigados a resolver o caso juntos. Mas poucas pessoas estão dispostas a colaborar na investigação, e as que se atrevem são surradas e ameaçadas. Todos sabem que por trás de tais atrocidades está a Klu Klux Klan. A grande questão é saber quem está por trás do capuz branco. Baseado em fatos reais, o filme torna-se uma brilhante denúncia de racismo e intolerância no sul dos EUA. Filme ganhador do Oscar de Melhor Fotografia. Drama. EUA: 1988, 122 min.

Fonte: http://www.100video.com.br/portal100/lancamentos_mysql.asp?cod=25677

“O filme foi criticado por muitos, incluindo o historiador Howard Zinn, pela sua ficcionalização da história real. Enquanto os agentes do FBI são apresentados como os heróis do filme. Na realidade, o FBI e o Departamento de Justiça mal protegeram os civis ameaçados da pequena cidade e alegadamente observaram pessoas sendo espancadas sem intervirem.

Recentemente, em 21 de junho de 2005, 41 anos após os assassinatos, Edgar Ray Killen foi con-denado a sessenta anos de prisão pelo assassinato dos três civis (cujas histórias são contadas no filme) em 1964.”

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mississipi_em_Chamas

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105História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

“Narciso RAP”

Direção: Jeferson De (Cineasta, co-fundador do Cinema Feijoada e/ou Dogma Feijoada, movimento que busca enfatizar a questão negra nas telas)

Sinopse: Conta a história de um menino negro que encontra uma lâmpada mágica. O problema aparece quando ele busca a igualdade, remodelando sua personalidade a partir do ponto de vista das pessoas. Produção: Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Duração: 13 mim

Fonte: http://www.mundonegro.com.br/noticias/?noticiaID=388

No balanço do amor

Direção: Thomas Carter

Sinopse: Sara Johnson (Julia Stiles) é uma garota de 17 anos que sempre sonhou em ser uma bailarina profissional. Porém, seus planos vão por água abaixo quando sua mãe morre em um acidente de carro e ela é obrigada a viver com seu pai em Chicago. Intimidada pela sua nova vida, ela busca refúgio nos clubes locais, onde conhece um jovem (Sean Patrick Thomas) que compartilha com ela o mesmo amor pela dança. Porém, eles logo descobrem que a pressão existente entre os dois irá se tornar uma barreira maior do que a diferença de cor ou de classe para que eles possam iniciar um romance. Romance. EUA: 2001, 112 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/save-the-last-dance/save-the-last-dance.asp#Sinopse

O jardineiro fiel

Direção: Fernando Meirelles

Sinopse: Uma ativista (Rachel Weisz) é encontrada assassinada em uma área remota do Quênia. O principal suspeito do crime é seu sócio, um médico que se encontra atualmente foragido. Perturbado pelas infidelidades da esposa, Justin Quayle (Ralph Fiennes) decide partir para descobrir o que realmente acon-teceu com sua esposa, iniciando uma viagem que o levará por três continentes.Drama.2005,129min.

Fonte:http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/jardineiro-fiel/jardineiro-fiel.asp#Sinopse

O poder de um jovem

Direção: John G. Avildsen

Sinopse: Um garoto branco sul-africano de origem inglesa, que sofre o ódio dos brancos Afrika-ners (descendentes locais de holandeses, franceses e alemães), torna-se campeão de boxe e defensor dos negros contra o sistema de segregação racial (o Apartheid). Filmada em deslumbrantes cenários em Bostswana, esta história mostra ainda todo o vigor primitivo da bela música africana, com o magnífico coral Masibemuye Bulawayo, da África do Sul. Uma lição de vida e coragem, com um elenco de alta classe: Armin Mueller-Stahl (de “Trauma”), Sir John Gielgud (de “Gandhi”) e Morgan Freeman (de “Robin Hood” e “Conduzindo Miss Daisy”). Aventura. EUA: 1992, 127min.

Fonte:http://www.choveu.com.br/choveu_buscas/choveu_busca_capa.asp?codigo=2747&tipo=vhs

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106 Cadernos Temáticos

O RAP do pequeno príncipe contra as almas sebosas

Direção: Paulo Caldas e Marcelo Luna.

Sinopse: O documentário pernambucano contrasta a história de dois garotos que, cada um à sua maneira, sobrevivem à violência que reina na periferia. Enquanto Garnizé dedica-se à música e à co-munidade onde vive, o outro jovem, conhecido como Pequeno Príncipe, é um matador que tira a vida daqueles que podem tirar a paz da comunidade.

Documentário. Brasil: 2000.

Fonte: http://www.cinemando.com.br/especiais/negroeocinema/filmes.htm

PASTINHA - uma vida pela capoeira

Direção: Antonio Carlos Muricy

Sinopse: Documentário filmado no Rio de Janeiro, Salvador e Nova York, abrangendo a vida do Mestre Pastinha. Conhecido como “Guardião da Capoeira Angola”, o mestre recebeu no final dos anos 30 a missão de defender a Capoeira Angola tradicional das mudanças introduzidas para aumentar sua eficiência como luta. Documentário. Brasil: 52 minutos.

Fonte: http://www.cinemando.com.br/especiais/negroeocinema/filmes.htm

Quando o crioulo dança

Direção: Dilma Lóes

Sinopse: Entrevistas mixadas com ficção de situações de racismo e preconceito vividas no coti-diano pelo negro, mostrando o contraponto entre as duas formas em que o crioulo dança. Obs: Roteiro premiado Fund. Ford, conc. “O Negro no Brasil”, 1989. Documentário. 1989, 40 min.

Fonte:http://www.iar.unicamp.br/biblioteca/nova/default.php?chvfilme=557&op=60&cpcond=&cond=&valor=40&or=&campo=duracao&genero=&npag=6

Quanto vale ou é por quilo?

Direção: Sérgio Bianchi

Sinopse: Uma analogia entre o antigo comércio de escravos e a atual exploração da miséria pelo marketing social, que forma uma solidariedade de fachada. No século XVII um capitão-do-mato captura um escrava fugitiva, que está grávida. Após entregá-la ao seu dono e receber sua recompensa, a escrava aborta o filho que espera. Nos dias atuais uma ONG implanta o projeto Informática na Periferia em uma comunidade carente. Arminda, que trabalha no projeto, descobre que os computadores comprados fo-ram superfaturados e, por causa disso, precisa agora ser eliminada. Candinho, um jovem desempregado cuja esposa está grávida, torna-se matador de aluguel para conseguir dinheiro para sobreviver. Drama. Brasil: 2005, 104 min.

Fonte:http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/quanto-vale-ou-e-por-quilo/quanto-vale-ou-e-por-quilo.asp

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107História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Quilombo

Direção: Cacá Diegues

Sinopse: Em torno de 1650, um grupo de escravos se rebela num engenho de Pernambuco e ruma ao Quilombo dos Palmares, onde uma nação de ex-escravos fugidos resiste ao cerco colonial. Entre eles, está Ganga Zumba, príncipe africano e futuro líder de Palmares, (...) Mais tarde, seu herdeiro e afilhado, Zumbi, contestará as idéias conciliatórias de Ganga Zumba, enfrentando o maior exército jamais visto na história colonial brasileira. Aventura. Brasil: 1984, 119 min.

Fonte: http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/quilombo/quilombo.asp

RAY

Direção: Taylor Hackford

Sinopse: Em 1932 Ray Charles (Jamie Foxx) nasce em Albany, uma pequena e pobre cidade do estado da Georgia. Ray fica cego aos 7 anos, logo após testemunhar a morte acidental de seu irmão mais novo. Inspirado por uma dedicada mãe independente, que insiste em que ele deve fazer seu próprio caminho no mundo, Ray encontrou seu dom em um teclado de piano. Fazendo um circuito através do sudeste, ele ganha reputação. Sua fama explode mundialmente quando, pioneiramente, incorpora o gos-pel , country e jazz, gerando um estilo inimitável. Ao revolucionar o modo como as pessoas apreciam música, ele simultaneamente luta conta a segregação racial em casas noturnas que o lançaram como artista. Mas sua vida não está marcada só por conquistas, pois sua vida pessoal e profissional é afetada ao se tornar um viciado em heroína. Drama. EUA: 2004, 153 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/ray/ray.asp#Sinopse

Retrato em preto e branco

Direção: Joel Zito Araújo

Sinopse: Objetiva retratar a situação de desigualdades entre negros e brancos no Brasil. O docu-mentário tem linguagem simples e apresenta a dificuldade de implementação de leis e práticas governa-mentais de combate ao racismo, desmascarando, assim, o mito da democracia racial no Brasil. Explicita o contraste entre a imagem que durante muitos anos o Brasil manipulou como um modelo harmônico das relações raciais e a realidade de discriminação e preconceito vivenciado pela população negra. Bra-sil: 1992, 15 min.

Fonte: http://www.mundonegro.com.br/noticias/index.php?noticiaID=388

Sarafina

Direção: Darrel Roodt

Sinopse: Na África do Sul, extraordinária professora ensina seus jovens alunos negros a lutarem por seus direitos. Para uma aluna em especial, essas lições serão um rito de iniciação na vida adulta na forma de uma brutal tomada de consciência a respeito da realidade que a cerca. Baseado na peça de Mbongeni Ngema. Drama. EUA: 1993, 98 min.

Fonte:http://www.choveu.com.br/choveu_buscas/choveu_busca_capa.asp?codigo=6492&tipo=vhs

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Tempo de matar

Direção: Joel Schumacher

Sinopse: Em Canton, no Mississipi, dois brancos espancam e estupram uma menina negra de dez anos. Eles são presos, mas quando estão sendo levados ao tribunal para terem o valor da sua fiança decretada, o pai da garota (Samuel L. Jackson) decide fazer justiça com as próprias mãos e mata os dois na frente de diversas testemunhas, além de acidentalmente ferir seriamente um policial. Ele é preso rapidamente, mas a cidade se torna um barril de pólvora e, além do mais, a defesa tem de se defrontar com um juiz que não permite que no julgamento se mencione a razão que fez o pai cometer o duplo homicídio, pois o julgamento é de assassinato e não de estupro. Drama. EUA: 1996, 149 minutos.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/tempo-de-matar/tempo-de-matar.asp#Sinopse

Uma história americana

Direção: Richard Pearce.

Sinopse: A violência do preconceito racial causa um boicote aos transportes por parte da comu-nidade negra. Uma aristocrata decide, por conveniência, ajudar sua empregada. Porém seu marido a proíbe. Mas essa imposição faz com que as duas se unam ainda mais. A resistência pacífica que exercem é um retrato autêntico e comovente das mudanças que sacodem o mundo no fim da década de 50. Dra-ma. EUA: 1990, 86 min.

Fonte: http://choveu.com.br/choveu_buscas/choveu_busca_capa.asp?codigo=6502&tipo=vhs

Uma onda no ar

Direção: Helvécio Ratton

Sinopse: Jorge, Brau, Roque e Zequiel são quatro jovens amigos que vivem em uma favela de Belo Horizonte e sonham em criar uma rádio que seja a voz do local onde vivem. Eles conseguem transformar seu sonho em realidade ao criar a Rádio Favela, que logo conquista os moradores locais por dar voz aos excluídos, mesmo operando na ilegalidade. O sucesso da rádio comunitária repercute fora da favela, trazendo também inimigos para o grupo, que acaba enfrentando a repressão policial para a extinção da rádio. Drama. Brasil: 2002, 92 min.

Fonte: http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/onda-no-ar/onda-no-ar.asp

Um grito de liberdade

Direção: Richard Attenborough

Sinopse: Inesquecível amizade entre dois homens inesquecíveis. A tensão e o terror presentes atualmente na África do Sul são vivamente retratados nesta arrebatadora história dirigida por Richard Attenborough sobre o ativista negro Stephen Biko (Denzel Washington) e um editor jornalístico branco liberal que arrisca a própria vida para levar a mensagem de Biko ao mundo. Depois de travar contato com os verdadeiros horrores do apartheid através dos olhos de Biko, o editor Donald Woods (Kevin Kline) descobre que o amigo foi silenciado pela polícia. Determinado a não deixar que a mensagem de Biko seja abafada, Woods empreende uma perigosa fuga da África do Sul para tentar levar a incrível história de coragem de Biko para o mundo. A fascinante história real oferece um relato emocionante do ser humano em seu lado mais nefasto e mais heróico. Drama. EUA: 1987, 157 min.

Fonte:http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=4334&categoria=3&genero=1

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Um sonho de liberdade

Direção: Frank Darabont

Sinopse: O diretor Frank Darabont (“À Espera de um Milagre”) conta a história de um banqueiro condenado à prisão perpétua pelo assassinato de sua mulher, que faz da amizade com um prisioneiro veterano e o sonho de um dia ser novamente livre os motivos para continuar vivendo. Com Tim Robbins e Morgan Freeman. Recebeu 7 indicações ao Oscar. Drama. EUA: 1994, 142 min.

Fonte: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/sonho-de-liberdade/sonho-de-liberdade.asp#Sinopse

Vista a minha pele

Direção: Joel Zito Araújo

Sinopse: “VISTA A MINHA PELE” é uma divertida paródia da realidade brasileira, para servir de material básico para discussão sobre racismo e preconceito em sala de aula. Nesta história invertida, os negros são a classe dominante e os brancos foram escravizados. Os países pobres são, por exemplo, Alemanha e Inglaterra, e os países ricos são, por exemplo, África do Sul e Moçambique. Maria é uma menina branca pobre que estuda num colégio particular graças à bolsa de estudos que tem pelo fato de sua mãe ser faxineira nesta escola. A maioria de seus colegas a hostilizam por sua cor e por sua condição social, com exceção de sua amiga Luana, filha de um diplomata que, por ter morado em países pobres, possui uma visão mais abrangente da realidade. Maria quer ser “Miss Festa Junina” da escola, mas isso requer um esforço enorme, que vai desde a predominância da supremacia racial negra (a mídia só apre-senta modelos negros como sinônimo de beleza), à resistência de seus pais, a aversão dos colegas e a dificuldade em vender os bilhetes para seus conhecidos, em sua maioria muito pobres. Maria tem em Luana uma forte aliada e as duas vão se envolver numa série de aventuras para alcançar seus objetivos. Vencer ou não o concurso não é o principal foco do vídeo, mas sim a disposição de Maria em enfrentar essa situação. Ao final, ela descobre que, quanto mais confia em si mesma, mais possibilidades ela tem de convencer outros de sua chance de vencer. Curta-metragem. Brasil: 15min.

Fonte: http://www.ceert.org.br/publicacoes/videos.htm

Xica da Silva

Direção: Carlos Diegues

Sinopse: Escrava que, durante o ciclo de ouro, na atual e rica cidade de Diamantina, aproveitou-se de sua sensualidade para conquistar a alforria e se tornar a rainha do Diamante. Brasil: 1976, 117 min.

Fonte: http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/xica-da-silva/xica-da-silva.asp

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110 Cadernos Temáticos

Relação de sítios

http://www.app.com.br

http://www.casadeculturadamulhernegra.org.br

http://www.ceert.org.br

http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br

http://www.geledes.org.br

http://www.gper.com.br (ensino religioso)

http://www.mulheresnegras.org

http://www.mundonegro.com.br

http://www.nen.org.br

http://www.nzinga.org.br

http://www.palmares.gov.br

http://www.portalafro.com.br

http://www.unidadenadiversidade.org.br