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ÀS MARGENS DA CIDADE: HISTÓRIA E MEMÓRIA DOS MORADORES DO CONJUNTO HABITACIONAL DIRCEU ARCOVERDE (Teresina 1976-1980) Prof. Dr. Marcelo de Sousa Neto 1 Verônica Viana de Sousa 2 Douglas Messias de Farias Sousa 3 Vários bairros sob o véu do mesmo nome O presente artigo centra-se na discussão da história e memória dos moradores do bairro Dirceu Arcoverde, na tentativa de desvendar esse bairro que de reduto de marginalizados ganha status de cidade, devido a uma relativa autonomia. A pesquisa surge da percepção da relação que os primeiros moradores do bairro desenvolveram com o lugar, a ponto de no ápice da simplicidade, emocionarem-se quando indagados quanto ao orgulho de terem escolhido este bairro para viver. O trabalho aqui apresentado busca analisar, através da formação histórica do conjunto habitacional Dirceu Arcoverde I, do cotidiano e dos desafios enfrentados por seus primeiros moradores, a relação de pertencimento do homem com o lugar que ele ocupa, busca compreender ou pelo menos discutir o processo que transforma um espaço de 10:20 m 2 em um ambiente diferenciado, uma casa, e como a memória aparece como indicador privilegiado dessa relação, utiliza-se de um caso especifico para compreender como o homem, “os homens” constroem o seu lugar, por que este espaço identificatorio é tão substancial? Por que pequenas casas brancas, de fachadas iguais, são capazes de provocar uma aflição inconsciente até que os que lá vivem se adaptem ao espaço? Ou até que o espaço seja adaptado a eles? A cidade como obra máxima do homem, é elemento privilegiado para o estudo deste homem preso a um tempo e a um espaço, e em constante ressignificação, estudar a cidade é também estudar os imaginários construídos sobre ela. Inutilmente magnânimo Kublai, tentarei descrever a cidade de Zaira dos altos bastiões. Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, das circunferências dos arcos dos pórticos, de quais 1 Doutor em história na Universidade Federal de Pernambuco e Professor efetivo da Universidade Estadual do Piauí (orientador). 2 Acadêmica do 5° período da Universidade Estadual do Piauí CCM e Bolsista PIBIC/ CNPq (2009-2010) (bolsista). 3 Acadêmico do 5° período da Universidade Estadual do Piauí CCM e Bolsista PIBIC/ CNPq (2010-2011) (colaborador).

HISTÓRIA E MEMÓRIA DOS MORADORES DO CONJUNTO HABITACIONAL DIRCEU ARCOVERDE

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ÀS MARGENS DA CIDADE: HISTÓRIA E MEMÓRIA DOS MORADORES DO

CONJUNTO HABITACIONAL DIRCEU ARCOVERDE (Teresina 1976-1980)

Prof. Dr. Marcelo de Sousa Neto1

Verônica Viana de Sousa2

Douglas Messias de Farias Sousa3

Vários bairros sob o véu do mesmo nome

O presente artigo centra-se na discussão da história e memória dos moradores do

bairro Dirceu Arcoverde, na tentativa de desvendar esse bairro que de reduto de

marginalizados ganha status de cidade, devido a uma relativa autonomia. A pesquisa surge

da percepção da relação que os primeiros moradores do bairro desenvolveram com o lugar,

a ponto de no ápice da simplicidade, emocionarem-se quando indagados quanto ao orgulho

de terem escolhido este bairro para viver. O trabalho aqui apresentado busca analisar,

através da formação histórica do conjunto habitacional Dirceu Arcoverde I, do cotidiano e

dos desafios enfrentados por seus primeiros moradores, a relação de pertencimento do

homem com o lugar que ele ocupa, busca compreender ou pelo menos discutir o processo

que transforma um espaço de 10:20 m2

em um ambiente diferenciado, uma casa, e como a

memória aparece como indicador privilegiado dessa relação, utiliza-se de um caso

especifico para compreender como o homem, “os homens” constroem o seu lugar, por que

este espaço identificatorio é tão substancial? Por que pequenas casas brancas, de fachadas

iguais, são capazes de provocar uma aflição inconsciente até que os que lá vivem se

adaptem ao espaço? Ou até que o espaço seja adaptado a eles?

A cidade como obra máxima do homem, é elemento privilegiado para o estudo

deste homem preso a um tempo e a um espaço, e em constante ressignificação, estudar a

cidade é também estudar os imaginários construídos sobre ela.

Inutilmente magnânimo Kublai, tentarei descrever a cidade de Zaira dos

altos bastiões. Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, das circunferências dos arcos dos pórticos, de quais

1 Doutor em história na Universidade Federal de Pernambuco e Professor efetivo da Universidade Estadual

do Piauí (orientador). 2 Acadêmica do 5° período da Universidade Estadual do Piauí – CCM e Bolsista PIBIC/ CNPq (2009-2010)

(bolsista). 3 Acadêmico do 5° período da Universidade Estadual do Piauí – CCM e Bolsista PIBIC/ CNPq (2010-2011)

(colaborador).

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laminas de zinco são recobertos os tetos, mas sei que seria o mesmo que

não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas das relações entre as

medidas de seu espaço e os acontecimento de seu passado [...] a cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se

dilata.4

A cidade objeto do historiador é a interação de inúmeras cidades convivendo sob o

mesmo recorte, inúmeras cidades coincidentemente denominadas a mesma. Como

qualificar-las em concepções mais ou menos verdadeiras? Como negar sua capacidade de

permitir o vislumbre do passado, se cada relato nos faz reviver uma época? Se for consenso

que estamos presos a uma moldura interpretativa, que limita nossas condições de

imaginação e produção, por que então, não buscarmos delimitar estes liames?

O trabalho apresenta dois pólos de discussão, optamos apresentá-los na ordem em

que se revelaram durante a pesquisa, o primeiro plano se debruçará sobre a face estatal,

esse modo de governar, onde o autoritarismo é disfarçado pela figura do pai, onde o bem

governar é medido pela quantidade de obras erguidas. Nessa abordagem o bairro Dirceu

aparece com um reduto de marginalizados, frutos de uma “cultura do silencio”, onde por

não terem, por não poderem são impedidos até mesmo de ser. Um bairro construído para

não dar certo ou na melhor das hipóteses, um bairro cujo futuro não interessava. Nessa

linha discursiva a figura do personagem governador Dirceu Arcoverde mostra-se elemento

chave para a compreensão da Teresina da década de 1970, onde os governantes

personificam as políticas administrativas por eles empreendidas, neste tipo de analise as

estruturas políticas e seus objetivos programáticos são atribuídos a qualidades ou defeitos

da figura representativa do poder.

O conjunto habitacional Dirceu Arcoverde, foi um bairro construído em uma

política já vivenciada anteriormente, o Estado com pretensões totais interferindo na

dinâmica dos espaços, indicando a função social deles, ou seja, delimitando que tipo de

serviço serve para determinado lugar ou então que camada social deve habitar determinado

canto da cidade, violentando a dinâmica natural aglutinadora do diferente, repartindo a

cidade em áreas comerciais, industriais, e bairros residenciais, estes por sua vez,

subdivididos em “rica, media e baixa renda.”

O segundo plano de entendimento levantado durante a pesquisa centra-se no povo,

que desejávamos inicialmente colocar como produto, mas que se revelou também como

produtor, utilizando a máquina administrativa para obter benefícios. Como silenciar nesse

4 CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Companhia das letras, 1990. p.14

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estudo as táticas do fraco? Como negar que o jogo político é uma conciliação de egoísmos

para a construção do social? Majoritariamente migrantes, sem casa própria, fugidos de

condições aflitivas, conseguem o que muitos valoravam como maior bem material

possível, “na vida do homem, a casa afasta contingências, multiplica seus conceitos de

continuidade [...] Ela mantém o homem através das tempestades da vida.” 5

De forma mais especifica, durante este ano de trabalho buscou-se: Compreender a

política habitacional empreendida pelo regime ditatorial na década de 1970; Analisar o

discurso que associava o bairro Dirceu Arcoverde a um reduto de marginalizados;

Entender o discurso modernista que construiu a Teresina “Cidade futuro” em oposição a

“Cidade verde”; e compreender a dinâmica de significação dos espaços da capital e como o

povo, sempre discutido como elemento a margem ou receptor, sentiu o processo

empreendido na segunda metade do século XX pelo Estado institucional.

E as fontes viram História

Le Goff 6 nos lembre que em Heródoto, o pai da história, o termo que intitula o que

Marc Bloch chamaria de “a ciência dos homens no tempo” 7, assumia o sentido de

“investigações”, “procuras”. A pesquisa nos aproxima destes primeiros historiadores, nos

aproxima do passado, trazendo a vida reminiscências do que se foi. O historiador permeia

através dos documentos as construções que fizeram o presente.

O historiador que procura colocar e resolver um problema deve achar os

materiais pertinentes, organizá-los e torná-los comparáveis, permutáveis,

de modo a poder descrever, interpretar o fenômeno estudado a partir de certo numero de hipóteses conceituais.

8

Jornais, documentos oficiais e escritos sobre a Teresina da década de 70 servem

como chave de leitura para a compreensão daquele primeiro plano de analise, baseado na

delimitação das “estratégias do forte”, daquele titular do poder institucionalizado. Mostrou-

se necessário também o estudo da memória dos primeiros moradores, em decorrência da

carência de escritos relativos a vivencias diária desses personagens, a fonte oral surge

como a argamassa que transforma fatos em história.

5 BACHELARD, Gaston. A Poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 242p 6 LE GOFF, Jacques. História e memória._5º Ed._Campinas, SP: Editora da UNICAMP,2003 7 BLOCH, Marc. O oficio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001.p.55 8 FURET, In: BRANDÃO, Tânia. A elite colonial piauiense: família e poder._ Teresina: Fundação Cultural

Monsenhor Chaves. 1995, p.25

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A ciência histórica sente intimamente o ônus e o bônus de ser humana, de ter o

“homem-subjetivo” como seu objeto e construtor.

A historia é na verdade o reino do inexato. Essa descoberta não é inútil,

justifica o historiador, justifica todas as suas incertezas, o método

histórico só pode ser o método inexato [...] a historia quer ser objetiva e não pode sê-lo, quer fazer reviver e só pode reconstruir, ele quer tornar as

coisa contemporâneas, mais ao mesmo tempo tem de reconstituir a

distancia e a profundidade da lonjura histórica. 9

Admitido a parcialidade do historiador e a intencionalidade da fonte oficial, a fonte

oral retorna ao rol de fontes privilegiadas para a compreensão da realidade. O trabalho

como memória é com certeza complexo, pois como nos esclarece Chageaux, “o processo

da memória do homem faz intervir não só na ordenação dos vestígios, mais também a

releitura desses vestígios”. Apesar disso ou talvez por isso o relato oral demonstra-se

produto direto do filtro sócio-cultural da época que se situa.

Documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades histórica

para impor aos futuro_ voluntaria ou involuntariamente_ determinada

imagem. No limite, não existe um documento - verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo [...] é preciso

desmontar, demolir essa montagem, desestruturar essa construção e

analisar as condições e produção dos documentos – monumentos.10

Para o historiador que enxerga além do relato, a memória mesmo que não seja real

é sempre verdadeira, pois revela a moldura interpretativa que esse homem esta inserido.

Quanto às dificuldades suscitadas por seu estudo, estes problemas estão inseridos em maior

e em menor grau no seio da própria ciência histórica, por seu caráter humano ela se perde

nas incertezas deste homem.

Da “cidade Verde” á “cidade futuro”:

O Piauí, como bem esclarece Tânia Brandão, pertence a um outro nordeste, um nordeste

iniciado pela pecuária extensiva e pela lavoura de subsistência, com um população escassa,

oriunda de sua maioria de outras capitanias que não mantinha contato estreitos e contínuos

com os grandes centros, onde as relações familiares tornam-se a chave para a compreensão

9 RICOUER, 1961 p.226 .in : LE GOFF, Jacques. Historia e memória. 5ed. Campinas (SP): UNICAMP,

2003. p. 22 10 LE GOFF, Jacques. Historia e memória. 5ed. Campinas (SP): UNICAMP, 2003. p.538

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da sociedade piauiense.11

Entender esta premissa é o pontapé inicial para adentrar no Piauí

do sec. XX e mais especificamente nas estruturas de sua capital e no passado que ela busca

negar.

A pecuária serviu de base á ocupação de uma extensa área, em rápido

espaço de tempo e com reduzido numero de pessoas. a forma como se

processou a penetração deste setor da economia colonial garantiu o caráter patrimonialista e mercantilista da colonização portuguesa na área

do sertão. 12

A historiografia piauiense atribui a esse passado os baixos índices demográficos

apresentados no inicio do século XX e a passagem pelo século XIX sem desenvolvimento

de grandes centros urbanos e conseqüentemente o desenvolvimento da atividade

comercial.13

O Piauí chega à segunda metade do século XIX com a pecuária em declínio e

com a missão de soerguer sua economia, nas palavras de Valfrido Viana,

Até o final da primeira metade do século XIX, pode ser considerado

como uma fase de bom desempenho das exportações tanto de gado quanto de algodão, definindo-se, pois, como uma conjuntura de

prosperidade da província. A partir da década de 1870, principalmente

nos decênios seguintes essa tendência se inverte. 14

A transferência da capital Oeiras para Teresina ocorrida em 16 de agosto de 1852

foi, o reflexo dessa conjuntura tendo como objetivo alavancar a economia piauiense

através da abertura de vias de comunicação da província com o resto do império,

expectativas não consolidadas ate o inicio do sec. XX.

Teresina, como nova capital, contribuiria não apenas para a superação do

impasse gerado pela decadência da atividade, pecuária, mais também para

a criação de um pólo comercial próprio, emancipando-se do mercado do Maranhão. Entretanto, constatou-se que houve reduzidas transformações

com a transferência da capital, desde sua instalação. E se, até principio do

sec. XX, Teresina não adquiriu estrutura de grande centro urbano, outras cidades menores não apresentaram, igualmente mudanças importantes.

15

11 BRANDÃO, Tanya Pires. A elite piauiense: família e poder. - Teresina: Fundação cultural Monsenhor

Chaves, 1995. 12 BRANDÃO, Tanya Pires. A elite piauiense: família e poder. - Teresina: Fundação cultural Monsenhor

Chaves, 1995, p. 37. 13 LIMA, Antonia Jesuíta de. Favela COHEBE: uma historia de luta por habitação popular. Teresina-

Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996.p. 29 14 Valfrido Viana. PIAUÍ: APOSSAMENTO, INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (1684-1877)

in: http://www.ufg.br/this2/uploads/files/112/43_ValfridoSousa_PiauiApossamentoIntegracao.pdf 15 LIMA, Antonia Jesuíta de. Favela COHEBE: uma historia de luta por habitação popular. Teresina-

Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996. p..30

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O século XX trás consigo o rompimento do isolamento piauiense, com a sua

inserção no comercio internacional, através da atividade extrativista da maniçoba,

carnaúba, e babaçu, empreendida na primeira metade do século.

A economia Piauiense vivenciava a expansão da atividade extrativista

realizada desde o inicio do sec.XX que perdurou até a década de 1940. Os

recursos oriundos dessa atividade contribuíram para um maior desenvolvimento da maquina estatal, o que possibilitou o crescimento e a

modernização da capital. Muitas transformações estavam ocorrendo no

estado desde a chamada “revolução de 1930”, que se intensificaram com

a implementação da ditadura do estado novo. 16

A segunda metade do sec. XX é marcada pelo declínio do extrativismo vegetal e

pelos frutos da prosperidade trazidos por essa atividade, ressalvando o caráter não

democrático da distribuição dos louros, conservando-se o caráter patrimonialista e

latifundiário da sociedade piauiense, onde o aparato administrativo estava nas mãos dessa

elite donas das terras.17

Teresina a partir da década de cinqüenta é ligada estruturalmente ao resto do país,

através da abertura de rodovias e da instalação de meios de comunicação, provocando o

crescimento da cidade. É desta década a abertura da Avenida Barão de Gurgueia, que a

principio limitava-se ao bairro Vermelha, e da Avenida Miguel Rosa. Com a construção da

BR 316 foi aberto o acesso a Pernambuco, Bahia e o resto do país, e mais tarde com seu

prolongamento ligou-se a capital à São Luis, sendo a BR 343 responsável pela ligação

Teresina-Fortaleza. É também da década de cinqüenta a reabertura do jornal “O dia” que

fundado em 1923 sob a iniciativa de Abdias Neves, agora passa a liderança de Raimundo

Leão Monteiro, cabendo a esse jornal fomentar o desejo de modernidade.

Na década do centenário teresinense, a capital já apresentava contorno de

debutante, ganhando forma, um exemplo claro é a expansão de antigas avenidas como a

Frei Serafim, conhecido na época como Avenida Getulio Vargas, que passava por reformas

chegando a abrigar casas e pessoas da elite local, já no final dos anos quarenta.

Arquitetonicamente destacava-se o Hospital Getulio Vargas (1948), o Colégio Sagrado

Coração de Jesus (1906) a sede Paço Episcopal, o Convento São Benedito.

16 MONTE, Regianny. Teresina dos anos dourados aos anos de chumbo: o processo de modernização e a

intervenção do Estado autoritário. 2007. p. 11. 17 MONTE, Regianny. Teresina dos anos dourados aos anos de chumbo: o processo de modernização e a

intervenção do Estado autoritário. 2007. p. 12.

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Importante fato para esse processo de significação dos espaços foi a construção da

ponte de concreto, durante o governo de Jacob Almendra Gayoso (1952-1956) em

substituição da antiga ponte de madeira derrubada por uma enchente em 1940. Essa ponte

ligou a “cidade inicial,” planejada pelo Cons. Saraiva, á sua zona leste, conhecida como

região do Jóckey Clube, ocupada por alguns sítios e chácaras e uma pista de corrida de

cavalo, local de diversão da elite.18

E também nessa época a criação da CODESE (1956), a

empresa de economia mista, frigoríficos do Piauí S.A _ Fripisa (1957), o BEP (1958), a

CEPISA (1959), a AGESPISA (1950).

A capital desponta, na década de sessenta, como destino de migrações provocando

um “boom” populacional. Este acelerado processo de crescimento populacional veio

aprofundar os problemas sociais.

A cidade cresceu de forma segregada e desigual e a atuação dos

governos locais aprofundou as distorções. Os programas e projetos

implementados complexificaram mais ainda o quadro urbano, já

que concentravam ações em determinados setores econômicos e

sociais e em áreas pontuais, em detrimentos das demandas da

grande massa populacional empobrecidas. Proposta com o Plano de

Desenvolvimento Local Integrado_ PDLI (1970), o plano estrutural

de Teresina_ PET (1978) e a Comunidade Urbana de Recuperação

Acelerada _CURA (1980) tiveram reduzido alcance, por não

contribuírem para a melhoria do padrão urbano da cidade e,

conseqüentemente para elevação da qualidade de vida da

população. 19

Em 1964 é impetrado o golpe civil militar em cima do governo João Goulart. O

país vivenciava uma crise desencadeada pela mobilização dos setores populares que

pleiteavam melhores condições de vida. Era o tempo das “reformas de bases”, mudanças

exigidas por operários, estudantes e setores da classe media.

Sob o signo da ameaça Comunista, a elite local estabelece aliança com o

empresariado estrangeiro, em defesa dos interesses capitalistas e do ideário progressista de

elevar o Brasil a um país de primeiro mundo, 20

era a “revolução para a proteção da boa

sociedade”.

18 ARAÚJO, Cristina Cunha De. TRILHAS E ESTRADAS: a formação dos bairros Fátima e Jóckey

Clube (1960-1980). Teresina- PI, 2009 .p.28. [Dissertação de mestrado] 19 LIMA, Antonia Jesuíta de. Favela COHEBE: uma historia de luta por habitação popular. Teresina-

Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996. p..47 20 MONTE, Regianny. Teresina dos anos dourados aos anos de chumbo: o processo de modernização e a

intervenção do Estado autoritário. 2007. p. 16..

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É desse modo cerceador que o Brasil iniciou um intenso processo de reestruturação econômica e social. A economia contou com um forte

apoio dos EUA, que viam no Brasil uma nação com possibilidade de

desenvolvimento. Não é sem razão que, em 1965 o Governo Americano liberou US$ 150 milhões para o Brasil, tendo em vista que havia

confiança por parte do Fundo Monetário Internacional no país recém-

iniciado na política autoritária, sob a presidência do General Castelo

Branco.21

A construção civil aparece na década de setenta, como ponto estratégico de

investimento, o regime militar assumiu o poder com três grandes problemas nas mãos, uma

crise na economia do país, a necessidade de amortecer os conflitos sociais decorrentes do

agravamento da questão urbana e descontentamento das massas com o Regime Militar. A

eleição da área de habitação como eixo central da política urbana aparecia como a medida

apropriada.22

Na década de 1970 o governo Federal cria as Companhias de Habitação

(COHABs), através do BNH, objetivando o desenvolvimento do espaço urbano,

minimizando o déficit habitacional brasileiro. As COHABs iriam atender, principalmente,

a população baixa renda. No caso de Teresina, iriam permitir a redução das disparidades

sociais e as contradições que se intensificaram com o crescimento da cidade em várias

direções.

Em resumo não foi exatamente a carência de moradia que suscitou a

fundação do BNH. Do ponto de vista do poder dominante, o problema

mais importante não era a casa, mas a abertura de oportunidades de emprego não só para absolver as massas de trabalhadores semi-

especializados, mas também para mobilizar um sem-número de

escritórios de planejamento e dar trabalho ás firmas e indústrias da construção civil, forças até então paralisadas na economia brasileira.

Montando nessas bases, o BNH garantiu sustentação social e política ao

regime militar e ao seu modelo econômico. 23

A Teresina da segunda metade do século XX sofre um considerável aumento

populacional, nesta época, em dados do IBGE, entre 1970 e 1980 a população urbana

passou de 181.062 habitantes para 339.042 habitantes, representando um incremento de

21ARAÚJO, Cristina Cunha De. TRILHAS E ESTRADAS: a formação dos bairros Fátima e Jóckey

Clube (1960-1980). Teresina- PI, 2009.p.19. [Dissertação de mestrado] 22 LIMA, Antonia Jesuíta de. Favela COHEBE: uma historia de luta por habitação popular. Teresina-

Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996. p..66 23 LIMA, Antonia Jesuíta de. Favela COHEBE: uma historia de luta por habitação popular. Teresina-

Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996. p.66.

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87,26% na população teresinense. A justificativa apresentada é uma forte migração campo-

cidade, fator confirmado nas entrevistas realizadas, que transformavam Teresina em uma

cidade de imigrantes, daqueles que aqui chegaram fugindo da seca, da inexistência de

terras para produzir, em busca de tratamento medico ou para estudar, inúmeras são as

razões residentes em uma mesma raiz, a busca pela felicidade. Nas palavras de Antonia

Lima, “em geral, os migrantes, ao se mudarem, desfazem dos seus parcos recursos de que

dispõem com legumes e pequenos animais e, com economias, compram um barraco ou

buscam um pedaço de terra para erguer suas casas”.24

Em decorrência do aumento do fluxo migratório campo-cidade e do

aprofundamento dessa problemática, o processo de favelamento inicia-se,

em meados da década de 1970, com pequeno núcleos, localizados em diversos pontos, predominantemente nas zonas centro, sul e norte, que

aparecem de forma espontâneas, constituídos por migrante recém-

chegado a Teresina ou por famílias já expulsas de outras áreas da cidade,

em razão das políticas voltadas para a infraestruturas, em especial a construção de ruas e avenidas. A primeira favela a requerer a atenção do

poder publico, em Teresina, foi a COHEBE, situada em área de jurisdição

da CHESF, com os habilitantes começando a ali se alojar em 1974, formando o núcleo original, que, em 1975, tinha mais de 150 família

(PIAUÍ, 1975) e em 1980, 987. 25

Os jornais da década de setenta alertam para os problemas de moradias e para as

contradições existentes entre o futuro que lhe chama e o passado ainda vivo, para os

casarões convivendo com casas de palha, para a pobreza enfeando a “Cidade Futuro”.

A mão estatal aparece através de uma forte campanha habitacional, onde o espaço

físico seria remodelado e atribuído de significação social, dividindo-os pela função social

que deveriam exercer.

Paulo César Marins (1998) enfatiza que a construção dos bairros

residenciais elegantes é uma forma de legitimar a homogeneização de

vizinhanças, como figuras econômicas e sociais próximas, ou seja, é

como se os pobres não pudessem partilhar lado a lado das moradias com os ricos por não haver uma semelhança econômica e de classe. Isso de

fato fica muito claro na formação do Conjunto Itararé, um bairro

destinado a pessoas pobres que levariam os seus problemas para longe

dos bairros nobres. Os bairros nesta perspectiva são as seleções do

24 LIMA, Antonia Jesuíta de. As multifaces da pobreza: formas de vida e representações simbólicas dos

pobres urbanos. Teresina-Piauí. Teresina: Halley, 2003. p.194. In: MONTE, Regianny. Teresina dos anos

dourados aos anos de chumbo: o processo de modernização e a intervenção do Estado autoritário. 2007. p. 14. 25 LIMA, Antonia Jesuíta de. Favela COHEBE: uma historia de luta por habitação popular. Teresina-

Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996. p.44.

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espaço urbano, ditando as áreas valorizadas economicamente

caracterizando assim bairro de elite, classe média e periferias.26

O primeiro empreendimento nesse período é o Parque Piauí. A zona Sul teve a sua

expansão determinada pelos bairros Piçarra, Vermelha, São Pedro e Tabuleta, preenchendo

os espaços entre os rios Poti e Parnaíba. O limite da expansão do espaço urbano estava

compreendido entre as avenidas Miguel Rosa e Frei Serafim. A ocupação da zona Sul se

deu devido à topografia favorável ao desenvolvimento do setor de serviços e a

consolidação de uma boa infra-estrutura. As avenidas Barão de Gurguéia e Miguel Rosa

contribuíram para a dinâmica econômica da cidade no sentido Sul através do

desenvolvimento de áreas especializadas de serviços e comércio, além de atividades

industriais, que permitiram o processo de descentralização das atividades econômicas. 27

O reduto de marginalizados

Em visita as obras do parque Piauí o então governador Dirceu Mendes Arcoverde

levanta a possibilidade de erguer um novo conjunto habitacional destinado às famílias que

comprovassem até um salário mínimo como renda mensal, este é o conteúdo da primeira

reportagem do jornal “O Dia” sobre o Conjunto Itararé, publicação de 13 de abril de 1976.

O conjunto viria abrigar, em sua maioria, esses migrantes que chegavam à capital

fugindo das precárias condições de vida no campo e em busca de melhores condições.

Nossos entrevistados, especificamente, chegam por volta da década de sessenta se

dirigindo aos pontos crescentes na época_ São Cristovão, Vermelha, Ilhotas, Bairro de

Fátima e Bairro do Noivos_ morar com parentes ou invasões, as chamadas “pontas de rua”,

como dona Amparo, “eu vim morar no Dirceu porque eu morava em casa de meio de rua,

nas pontas de rua, perto dos barões, bem atrás do terreno deles.”

Irmani Veloso, assistente social encarregada no inicio do conjunto, relata o projeto

de catalogação ocorrido na zona sul, na época ocupada pela favela COHEBE.

Cheguei formada de Belo Horizonte e fiz a opção, em razão do meu estágio, pelo trabalho comunitário e fui escalada pelo governo do Dr.

Dirceu pra vim trabalhar no bairro que antigamente era chamado Itararé,

em razão da fazenda antes existente ter esse nome, que era dos Freitas.

26 RIBEIRO, Niovania Mourão. Itararé: Itararé: uma luta pela sobrevivência (1977 á 1981) Teresina:

Universidade Estadual do Piauí- Campus Clovis Moura, 2006, p. 16 [monografia de conclusão de curso] 27 VIANA, Bartira Araujo. O sentido da cidade: entre a evolução urbana e o processo de verticalização. In:

http://www.cepro.pi.gov.br/download/200806/CEPRO04_7f55491295.pdf

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Lápis
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Então vim preparar a comunidade não só para aceitar o centro social

urbano que já estava sendo construído, como também ajudar na remoção

das famílias que residiam no bairro saci, que era uma grande favela e que o governo desejava que a área fosse desocupada pra construir um

conjunto de classe média (...) A maioria foi, como eu disse pra você, de

uma invasão que havia na área que hoje é o saci, eram famílias que

moravam em casebres, era uma área invadida, então vieram para cá de procedências diversas, e depois quando o Dirceu foi tomando assim uma

posição melhor, aí já havia briga de pessoas querendo casa.

Em convênio com a prefeitura é lançado um projeto é lançado um projeto de

seleção e mapeamento, intitulado “João de Barro”, onde era feito o cadastramento das

pessoas interessadas que correspondessem ao critério de renda mínima.

Só vai para o Itararé que quer, ‟ disse ontem, o diretor executivo do

projeto Rondon, no Piauí, Edílson Albuquerque, ao dar início ao

reconhecimento das casas concluídas no conjunto pela companhia de Habitação do Piauí.

Realmente, das 400 famílias de baixa renda que viveram em favelas nos

bairros das zonas Leste, somente aqueles que querem ir para o Itararé

serão transferidas a partir do próximo final de semana, conforme a segunda etapa da operação “João de Barro,” realizada em comum acordo

com a prefeitura.

Explicou Edílson Albuquerque: „que se uma família quiser morar em Timon, e tem casa garantida lá, nós daremos todas as condições todas às

condições para a sua transferência, se outra quiser voltar para o Ceará,

então, a Prefeitura se encarregará de conseguiras passagens para ela. ‟

Embora sem fazer um levantamento, sabe-se que muitas famílias irão se recusar a deixar suas casas, mesmo localizadas em promíscuas favelas do

Jockey, Fátima e São Cristóvão, para morarem no Conjunto Itararé (...), o

Itararé contará de 3040 unidades (...) para beneficiar as famílias pobres que não tem condições de viver em casas melhores.

28

O bairro ocupa uma área que pertencia à Fazenda Itararé, de Pedro de Almendra

Freitas, daí seu nome (a sede desta fazenda localizava-se na área do atual bairro São João -

Eldorado Country Clube). A palavra Itararé, de origem tupi, significa curso subterrâneo

das águas dum rio através de rochas calcárias. 29

Os novos bairros foram construídos distantes do centro da cidade de forma que não

impedissem a expansão das áreas enobrecidas, o Itararé não foge a regra, construído em

28O ESTADO, 10/11 de JULHO DE 1977. In: NASCIMENTO, João Batista Sousa do. Itararé: uma olhar

histórico e social entre 1976 á 1983. Teresina: Universidade Estadual do Piauí- Campus Clovis Moura,

2005 [monografia de conclusão de curso]

29http://www.teresina.pi.gov.br:8080/semplan/arquivos/the_bairros/Bairros_PDF/Bairro_Sudeste/Itarar%C3

%A9.pdf

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um espaço que era denominado “zona rural” de Teresina. Inúmeras histórias em torno do

local foram disseminadas na época, dentre elas uma contada por Dona Amparo, “aqui era

mata dos algodões, chamado, dizia que aqui era cemitério, onde antigamente os barões

matavam o povo e enterravam, naquele tempo quando tinha os escravos”. Tal passagem

não foi levantada para discutirmos os méritos da sua veracidade, mas para discutir o

imaginário construído sobre o novo bairro que surgia.

Nossos entrevistados são unanimes em descrever que vir para o bairro era uma

condição imposta pelas circunstâncias, em sua maioria, sem condições de adquirir casa

própria, família grande, a opção era mudança para um bairro em construção, distante e sem

infra-estrutura. Nas palavras de dona Amparo,

A maioria das pessoas que vieram mora aqui eram funcionários públicos

era policial, zelador era o pessoal do hospital, mais essas casas foram praticamente para o pessoal que trabalhava no estado que ganhava pouco

e não tinha condição de compra um terreno para construir e a opção foi

essa.

Ou nas da “Tia Rosa,”

Então foi desse tempo pra cá de 79 que eu ando pela aqui, sai da Ilhota

porque precisavam das casas, dos trilhos e eu morava bem pertinho dos

trilhos e eles precisavam das casas ai a gente veio pra cá, foi o tempo que formaram aqui o conjunto ai eu vim pra cá tirei essa casa, mas sem nada,

até pra pedir uma chave era o maior trabalho da vida a gente pegar a

chave pra poder entrar aqui no conjunto que eles não deixavam antes de entregar as casas, isto em 79, quando foi no mês de julho de 79 ai a gente

pegou a chave... chegamos aqui só o tanquezinho ali até na porta que

tinham feito pra construir, sem água sem nada, nó íamos beber, buscar água La no terminal de petróleo

As casas construídas eram de três modelos, variando a entrega e acordo como o tamanho e

sua renda mensal. O tipo A consistia em três cômodos, sendo um a sala, uma cozinha e um

banheiro. O tipo B era composto por uma mini-cozinha, um quarto e um banheiro. E por

fim o Tipo C correspondente a dois cômodos, sendo um o banheiro.

Tipo A Tipo B Tipo C

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As casas mostram-se verdadeiramente pequenas para acomodar as famílias que aqui

chegavam normalmente numerosas, sendo motivo de denuncia dos jornais da época. A

conta família grande aliada à casa pequena resultou em prolongações. As famílias

começaram a construir cômodos de taipa cobertos de palha o que alarma os dirigentes da

COHAB, no discurso oficial aparecia o medo de incêndios.

Achei uma pressa muito grande de trazer as famílias pra cá, eu tive

muitas vezes que entrar em confronto com o presidente da COHAB, tinha

o apoio do governo pra fazer isso, o doutor Lucídio, por que achava que as casas... O Alberto silva que na época chegou a concorrer o senado

junto com o doutor Dirceu, dizia que as casas não cabiam um jumento

inteiro, o jumento ficava com o rabo e as orelhas do lado de fora, e as

casa eram realmente minúsculas... Havia três tipos de casa, uma tinha só o quartinho e uma área, outro tinha uma sala, um quartinho e uma

áreazinha, e outro que tinha uma área sem ter paredes na frente, que era a

de maior valor... E muita gente, por essas famílias serem numerosas, você sabe que as famílias mais pobres, geralmente do interior, sem nenhuma

orientação de como evitar filhos “ficava parindo a torta e direita”, e não

cabiam, começaram a fazer puxados de palha, e para a COHABE havia o risco do Dirceu ser incendiado, haver incêndio, e o presidente telefonava

pra mim quase a me bater, mandava os fiscais, dizendo que iam derrubar,

e o povo corria pra mim desesperados contar, e eu dizia, vocês não vão

fazer nada, vocês vão simplesmente pegar um facão e quando chegar os fiscais da COHABE vocês só vão dá duas ou três lapadas na porta, não

vão bater em ninguém, matar ninguém, simplesmente coloquem o facão

pra fora, digam assim, entre! E dê três ou quatro lapadas na porta, que eu garanto que eles não voltam, e assim eu orientava as famílias... Tive que

ir ao governo contar a problemática que estava havendo e eles

financiaram tijolos para quem quisesse comprar, por valor muito

simbólico, pra aqueles que quisessem ampliar suas casas...30

A resposta estatal para o problema é o lançamento de um programa de

financiamento.

A Prefeitura de Teresina, atreves do Serviso Social do Municipio, vai

lançar, provavelmente a partir do dia 1 de julho deste ano, o Fundo de

Finnciamento Urbano, um progama de melhoria de imoveis na zona Urbana da cidade, pertencente as familias do chanado quarto estrato

social, ou de baixa renda.

Através do programa a prefeitura pretende combater os casebres de taipa e cobertura de palha, financiando, a longo prazo, o material necessário

30 Irmani Veloso em entrevista cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa.

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para que essas casas sejam transformadas em imóveis de semi-alvenaria,

com o requisitos exigidos para habitabilidade e, higiene e segurança.” 31

A inauguração do conjunto estava prevista para os primeiros meses de 1977, a obra

correspondia a 3040 habitações e se constituiu em três fases.

Até o final do mês será feito o julgamento da concorrência visando a construção das 840 casas do conjunto Itararé, no bairro São Cristovão,

como a primeira etapa de um total de três mil e quarenta unidade

habitacionais. A construção do conjunto prevê três etapas, conforme as

informações do diretor. Ainda no bairro Itararé será construída as casas embrião com apenas três

cômodos que podem ser ampliados de acordo com as possibilidades e o

poder aquisitivo dos compradores. 32

Os entrevistados ao descreverem a sua versão inicial chamam a atenção para ao

aglomerado desértico de casinhas brancas, relatando que muitas vezes chegavam a se

perder. Os primeiros anos foram marcados por grandes problemas estruturais sem água,

sem luz, sem calçamento, e totalmente isolados, foi assim que viveram os primeiros

moradores do conjunto.

Quando nos chegamos aqui não tinha nada só as casinhas e o chafariz que

a gente pegava água, todo mundo ia para esse chafariz, não tinha

calcamento, não tinha energia, não tinha nada, esse lado aqui só tinha uns montes de areia e os tocos, a gente pegava os tocos colocava aqui e a

noite fazia o carvão para conzinha, daí para frente a gente foi lutando...

Tinha um ônibus que a gente ia para o centro, eu trabalhava na Ilhotas

nesse tempo saia de casa cinco horas da manhã com unha menina a tira calo e uma bolsa vim muitas vezes pendurada na porta do ônibus.

33

A representação da intervenção estatal no bairro era personificada pelo centro

social urbano, tendo como principal atividade a aplicação de programas federais, como o

programa do INAN - Instituto Nacional de Alimentação - que distribuía alimento para os

mais carentes, anteriormente em um prédio na avenida central.

Isso aqui foi uma luta muito árdua, era dia e noite no atendimento, agente

chegava a morar aqui mesmo, e altas horas da noite era um morrendo,

doente, um que tinha morrido que a gente precisava arranjar caixão,

atestado de óbito... Tinha o INAN, aquele programa de alimentação, que

31 Prefeitura financia material para casas. Jornal “O DIA.” ANO XXVI. nº 4807. p.07. 05/06 de julho de

1977. 32 O DIA, 14 DE JULHO DE 1979. In: NASCIMENTO, João Batista Sousa do. Itararé: uma olhar

histórico e social entre 1976 á 1983. Teresina: Universidade Estadual do Piauí- Campus Clovis Moura,

2005, p.33 [monografia de conclusão de curso] 33 Dona Amparo em entrevista cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa.

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as famílias realmente não tinham... Era um dos bairros com o maior

deposito de alimentos...34

A atividade do centro comportava também programas de educação familiar,

acompanhamento nutricional infantil, capacitação profissional.

Era CSU mesmo, tinha o INAM que a gente recebia lá, tinham aulas para os meninos, eles jogavam na quadra, tinha dança, tinha um “bucado” de

coisinha que botavam os meninos pra fazer, como tem esses projetos agora.

Lá sempre tinham esses projetos, de receber as crianças para não ficarem

nas ruas. 35

Esta entrevistada, hoje assistente social da AGESPISA, núcleo Dirceu Arcoverde,

deste transparecer a dificuldade de seu trabalho inicial no conjunto, posto que não existia

nem mesmo hospitais, tendo apenas uma estrutura simples sem condição de atender as

demandas da comunidade, casa adquirida posteriormente por ela e seu marido na época,

líder comunitário “Chico Alves.”

Foi um início muito árduo, primeiramente que, a gente era abastecido

pelo chafariz, era uma guerra, porque eram pessoas de varias

procedências com costumes e hábitos diferentes, todos de procedência

rural, acostumados a morar distante um dos outros era muita briga, era muita confusão.. Eu chegava a dizer que dizer que eu não considerava

isso aqui uma comunidade e sim um aglomerado de pessoas, já que os

costumes eram totalmente diferentes, os hábitos e tudo mais... E pra gente conseguir manter, fixar, esse povo aqui no Dirceu, nos usamos a

motivação, criamos reisados, criamos escolas de samba, criamos times de

futebol, criamos uma serie de atividades pra automaticamente fixar as famílias em nossa comunidade (...) a gente fazia de tudo, era delegada,

medica, conselheira, padre, era tudo.36

A falta de estrutura do bairro se evidencia mais especificamente em 197, quando

Teresina passa por um surto de sarampo, e o bairro revela-se foco da doença.

O sarampo está matando as crianças no Bairro Itararé, na zona rural de

Teresina, onde moram hoje mais de 4 mil famílias. Já houve casos em que morreram duas crianças por dia. Mas de trinta crianças estão agora

com sarampo, pneumonia, febre, vômitos, e gripe. No posto medico do

bairro, a situação é de total abandono: o medico raramente aparece e não existe medicamento, “nem um melhoral”. As Sras. Maria cândida da

cruz, mãe de oito filhos, dos quais uma menina de nove anos que está

34 Dona Irmani Veloso em entrevista cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa. 35 Dopa Amparo em entrevista cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa. 36 Dona Irmani Veloso em entrevista cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa.

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com sarampo, e Maria Santana do Rêgo, mãe de três filhos, dos quais um

de um ano está com sarampo, afirmam que a situação do povo no Itararé

é por demais triste.37

Uma das grandes preocupações de uma cidade que se expande de forma muito

drástica em um curto espaço de tempo é o alargamento da área de cobertura dos serviços

ofertados pelo Estado, como saúde, transporte, segurança. O transporte publico era uma

das questões levantadas pela cidade na década de setenta.

Em Teresina, o povo reclama de um velho problema: o sistema de transporte de massa. Para todos os bairros, a situação é a mesma com

raríssimas exceções, como a do bairro piçarra, considerado o mais bem

servido, devido aos veículos de outros bairros. Espera de até uma hora e meia. Chuvas no período do inverno. Poeira na época do verão. Irritação.

Ônibus superlotados são os problemas comuns que enfrentam todos os

dias, em Teresina a comunidade pobre. Como resolver o problema do transporte coletivo numa cidade onde o numero de ônibus não

acompanha o crescimento populacional. 38

Em um bairro, majoritariamente de operários, diaristas e funcionários públicos de baixo

poder aquisitivo essa problemática se torna questão de primeira necessidade.

Tinha ônibus, mas só um, que rodava de lá do cruzeiro e vinha pra cá, se

eu queria ir pra uma consulta 6h...7h da manhã era preciso levantar de

madrugada e ir a pé por que não tinha ônibus, e o ônibus só passava aqui 8 horas, só tinha um ônibus pra cá assim que começou.

39

O conjunto Itararé é citado em enumeras reportagens com zona rural de Teresina,

representação criada em parte pela dificuldade de transporte de seus moradores, tanto pela

a escassez de ônibus com pela a precariedade destes. Tal situação rende um curioso apelido

aos nossos personagens.

Nós éramos conhecidos, e eu ficava morta de ódio, pois eu amava isso aqui, aliás, amo isso aqui, isso aqui faz parte de um grande período da

minha vida, a gente era chamado por careca do pé cinzento, careca

porque levava a lata d‟água na cabeça, pé cinzento por que não tinha

calçamento, você sabe que terreno que é passado um trator, com desmatamento e tudo a terra fica solta, então pessoal ia mesmo pro centro

da cidade mesmo era com o pé cinzento então, a gente era chamado

mesmo de povo careca do pé cinzento.40

37 Sarampo é surto no Itararé. “O DIA.” ANO XXVII. nº 5029. 4 de março de 1978 38 População reclama de coletivos. “O DIA”. ANO XXVII. nº 5054. p. 5 de abril de 1978 39 Tia Rosa Em Entrevista Cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa. 40 Dona Irmani Veloso em entrevista cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa.

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Nas palavras de Irmani Veloso “no Dirceu pra se ter gente, basta ter um tambor”, em

referencia a fácil mobilização dos moradores do bairro. Nos jornais, nas falas dos nossos

entrevistados e nas políticas publicas, fica evidente a relação proporcional entre a

modificação estrutural do conjunto e a construção de uma consciência reivindicatória de

seus moradores, nas palavras e Nilvânia Mourão.

O Itararé é assim não pode ser visto como uma simples parte da geografia

que compõe a cidade, pelo contrario, ele é uma representação ativa que

vai no dia-a-dia constituindo parte do conjunto geográfico, pois o Itararé vai adquirindo aos poucos uma nova paisagem, na medida em que seus

moradores passam a ter consciência política reivindicativa. Nesse sentido

o conjunto se torna uma comunidade. È o coletivo que o torna coeso com

as trocas de experiência e necessidade vividas cotidianamente, sobrepondo-se ao individualismo.

41

A igreja católica aparece nessa conjuntura como elemento mobilizador. Segundo

Jesuíta Lima no final da década de sessenta e no começo da de setenta, os focos de

organização reivindicatória eram caracterizado por seu caráter grupal e pela forte ligação

com ações da igreja católica.

A ação da igreja católica centrava-se mais nos jovens e adotava como a

orientação uma linha de trabalho identificada como de “conscientização e

organização”. Enfatizava-se o caráter educativo e a formação social (tarefa desenvolvida nas paróquias e centros sociais), embora também se

incentivasse a criação de outros espaços de discussão, como o clube de

mães e conselhos comunitários.42

A igreja de São Francisco de Assis foi para os primeiros moradores elemento

unificador daquele aglomerado de pessoas, de inúmeras procedências, uma vez que a sua

construção foi fruto do trabalho coletivo. Irmani Veloso ao analisar os moradores do bairro

“Eu chegava a dizer que dizer que eu não considerava isso aqui uma comunidade e sim um

aglomerado de pessoas, já que os costumes eram totalmente diferentes, os hábitos e tudo

mais...”, cabe a Igreja forjar o sentimento de comunidade. À medida que o espaço

disponibilizado pelo estado foi adquirindo estrutura física de um bairro, a população foi

ganhando a consciência do coletivo, da existência de um todo.

Era preciso criar pilares de sustentação dentro do bairro, esse foi o papel

desempenhado pelo financiamento mercado.

41 RIBEIRO, Niovania Mourão. Itararé: Itararé: uma luta pela sobrevivência (1977 á 1981). Teresina:

Universidade Estadual do Piauí- Campus Clovis Moura, 2006, p.21 [monografia de conclusão de curso] 42 LIMA, Antonia Jesuíta de. Favela COHEBE: uma historia de luta por habitação popular. Teresina-

Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996. p.51.

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Ali onde é o cruzeiro dessa igreja, fizeram uma feira livre, a feira da

poeira, porque era poeira minha filha, na feira tinha de tudo, o pessoal

vendia panelada, chega poeira cobria e a panelada pretinha de poeira, na poeira... Aqui quando era mercado antes daqui, não sei se você conhece

ou não, isso há uns dezoito anos atrás era tudo coberto de papelão, era

tudo nas mesinhas de tabua, hoje é que tá assim, veio começar isso aqui

já na gestão do Firmino, ele começou esse mercado aqui na gestão dele aí quando ele saiu entrou o Silvio Mendes e ainda hoje num tá terminado

ainda tem umas partes que falta terminar...43

O Lazer inicial ficava, segundo relatam os primeiros moradores, por conta do

chafariz, “agente colocava a lata na cabeça e ficava conversando com as colegas, ate que

veio o forró, o primeiro forró que teve foi o Mario Ferreira de Andrade, falecido.” outros

pontos eram o clube do “Chico Alves,” a churrascaria do Cabo Miguel e o DANCIN

DAYS.

Dirceu Arcoverde em 1979 pleiteia o status de senador com o ex-governador

Alberto Silva, conseguindo a vitoria. Esta é definitivamente uma eleição emblemática,

visto que contemplou os dois grandes modelos desenvolvimentistas vivenciados na época.

Durante o primeiro discurso em Brasília o então governador sofre um derrame

cerebral e não sobrevive.

O senador Dirceu Mendes Arcoverde faleceu as 10h20m de ontem em

brasilia, uma semana depois de ter sofrido um derrrame cerebral, quando

falava pela primeira vez na tribuna do Senado. O corpo foi velado no salão negor do congresso nacional, na presença do

presindente João Batista Fiqueredo e seu vice presidente Aureliano

Chaves, que estiveram ao lado do senador Petronio Portella, ministro da

justiça. imediatamente após a saida do genal Figueredo, encerrou-se o velorio no congresso nacional e o corpo foi conduzido ao aeroporto, de

onde rumou com destino a capital piauiense.44

Os jornais relatam a comoção vivenciada pela sociedade piauiense diante da morte

prematura dessa grande personalidade.

“não há, em verdade, palavras que bem expressem a grandeza desse

ilustre piauiense, constituído por um enorme elenco de virtudes

morais, intelectuais e cívicas e um incomparável amor ao seu

Estado natal, de quem acabara de receber mais uma difícil e

importante missão, e em que, nos seus instantes inicias de sua

investidura já revelavam as dimensões que alcançaria.” 45

43 Dona NEIDE em entrevista cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa. 44 Piauí inteiro comovido chora a morte prematura de seu senador. “O DIA. ANO XXVIII. nº 7022.” 45 PORTELA, Lucidio. Nota Oficial. IN: Piauí inteiro comovido chora a morte prematura de seu

senador. “O DIA”. ANO XXVIII. nº 7022. 17 de março de 1979.

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Em homenagem a liderança comunitária do Itararé lança a proposta, para a

comunidade, de mudar o nome do conjunto pra bairro Dirceu Arcoverde.

A mudança de nome foi em razão da morte do nosso grande líder e

fundador Dirceu Arcoverde, quando ele morreu nós fizemos um

abaixo assinado que foi realmente respaldado pela comunidade e

mudamos o nome de Itararé pra Dirceu Arcoverde.46

Em nota o jornal “O Dia” comunica a comunidade tal iniciativa.

A comunidade (...), encaminhou documento ontem, ao presidente da

câmara municipal de Teresina, vereador Moisés Caddah, para que aquela casa aprove a mudança do nome de Itararé para bairro Dirceu Arcoverde.

Segundo documento, além da vontade do próprio povo, o Itararé engloba

todas as metas prioritárias que teve no governo, Dirceu Arcoverde. Conta atualmente com 3040 casas populares, e já tem um projeto para a

construção de mais 4254. No campo educacional, ainda de acordo com o

documento da associação, tem 3 escolas com 49 salas de aula em construção, e mais Três unidades escolares com 60 salas de aula. Conta

com um posto médico, com previsão para a construção de um hospital no

atual governo e na área de lazer e assistência social, um centro social

urbano. Desta forma a comunidade da associação unida, entende que a mudança,

para bairro Dirceu Arcoverde é uma das homenagens mais justas que se

poderia prestar, a quem tanto lutou pelo engrandecimento do estado do Piauí (...) a filosofia de vida de Dirceu, era o de sacrificar–se para dar á

vida aos outros.47

O bairro-cidade

Após este breve relato talvez, o caro leitor compartilhe do questionamento que

moveu este trabalho: Por que o bairro cresceu tanto? Irmani Veloso sobre o assunto relata,

“A gente tinha uma força e nós sabemos muito bem aproveitar isso em favor próprio, em

favor da nossa comunidade, daí o Dirceu hoje ter um desenvolvimento que nenhum bairro

antigo tem.” Nessa perspectiva nos apropriamos de Jorge Ferreira e alargamos sua

abordagem.

As relações sociais estabelecem estruturas de escolhas segunda as quais as pessoas percebem, avaliam e agem. As pessoas consentem quando

escolhem determinadas linhas de ação e quando seguem na pratica as

suas escolhas. A aceitação de determinadas formas de poder não impedia

os trabalhadores na época de Vargas de identificar seus problemas de classe, apontarem as soluções que convinham a sues interesses e lutarem

46 Dona Irmani Veloso em entrevista cedida á Verônica Viana de Sousa e Douglas de Farias Sousa. 47 “O ESTADO.” 03 DE ABRIL DE 1979. In: NASCIMENTO, João Batista Sousa do. Itararé: uma olhar

histórico e social entre 1976 á 1983. Teresina: Universidade Estadual do Piauí- Campus Clovis Moura,

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por elas. Dentro dos padrões culturais da época, as pessoas comuns

davam novos e diferentes significados aos códigos, norma e valores

autoritários e, de acordo com suas experiências políticas, procuravam redirecioná-los em seu próprio beneficio, ao mesmo tempo que omitiam

as regras excludentes e autoritárias. Ao fazerem a leitura e se apropriarem

dessa forma do discurso dominante, abrirem brechas no regime

autoritário e procurarem saídas alternativas num quadro político e social em que estas eram bastante escassas.

48

Ou na simplicidade de uma moradora, “o bairro é grande por que as pessoas que o fizeram

são grandes”.

48 FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945). Rio de JANEIRO:

Editora Fundação Getulio Vargas. 1997, p.55