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COMPENDIO DE HISTORIA GERAL DO DIREITO

História Geral do Direito

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Noções básicas e históricas a cerca do Direito.

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Page 1: História Geral do Direito

COMPENDIO

DE

HISTORIA GERAL DO DIREITO

Page 2: História Geral do Direito

OBRAS JURIDICAS DO AUTOR :

FRAGMENTOS JURIDICO-PHILOSOPHICOS, 1 vol.

HISTORIA DO DIREITO NACIONAL, 1 Vol.

OBRAS LITTERARIAS DO MESMO :

A POESIA SCIENTIFICA, (estudo critico) l vol. VISÕES

DE HOJE, (poema) l vol. ESTILHAÇOS (versos) l vol. TELA POLYCHROMA, (versos) 1 vol.

Page 3: História Geral do Direito

COMPENDIO

OK

HISTORIA GERAL DO DIREITO

POR

J. I Z I D O R O M A R T I N S J U N I O R

Lente Cathedratico da Faculdade do Recife.

PERNAMBUCO RAMIRO M. COSTA & C ~ EDITORES

LIVRARIA CONTEMPOHANEA

1898

Page 4: História Geral do Direito

A

Sylvio Roméro

O GRANDE JURISTAPHILOSOPHO,

CUJA OBRA CRITIO-LITTERARIA É O ORGULHO DA ACTUAL

GERACÃO BRASILEIRA.

HOMENAGEM

De uni dos mais humildes da

Escola do Recife.

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Du jour où on a connu le sanscrit et entrevu les lois de la transformation du langage à travers les temps et les lieux, on s'est aperçu que la spéculation pure etait impuissante et qu'on perdait son temps à n' étudier qu'une seule langue, fût-ce le gree ou le latin. Il en est de même de la science du droit. Si elle se livre à la spéculation abstraite. elle s'égare; si elle se renferme dans Vétude d'un texte unique, fût-ce le Digeste ou le Code Civil, elle se condamne à voir sans comprendre. Elle ne peut trouver la raison des choses qu'à la condition de n'ignorer aucun des monuments de lé' gislation, de les rapprocher les uns des autres et de les embrasser tous dans leur ensemble.

R. DARESTE : Études d'histoire du Droit.

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Page 7: História Geral do Direito

HISTDHH GERAL DO OIBEIIO

I Evoluçào do Direito e

leis que a dominam

Oonsiderado como nnrma agetidi, como coniplexo de regras cousuebudinarias ou escriptas, o Direito nâo é sô uni engenlioso mffhaninmo regulador da co-existencia social ein tal ou quai griipo Jiuiiiîino ; é tambem, e principal mente, uni organismo, mu quasi ser estrueturado e vivo, nascendo, evoiuindo e fluando-se en» condiçôes détenu inaveis. (1)

Olhando-o por esse, prisma é que se pôde repetir, coin K. Von Jhering, que o Direito «présenta «fcodos os attributos de uni produeto natural : a unidade na maltiplieidade, a indivi-dualidade, o cresciinento, etc. »

K é sobretudo nesse ponto de vis!a que se pôde fallar jein mua evoluçào juridica, porquauto o lado mechanico e cul-tural do Direito presta-se ninito meiios à inanifestaçao desse pheuoiueno.

Talvez por nao ter attendido ao duplo modo de ser, orga-hnco e viechanico, do Direito, foi que 6, Tarde oppoz a idéa de

(1 ; Vid. Historia do Direito National, pelo ftntor, pags. 8,9 e 10.

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OOMTENDIO DE H1HTOKIA

evolaçâo juridica a de meras tranuformaçOet, determinadas, îa m6r parte dos casos, pelo espirito de tmUnçâo. (1) I Real mente, visto no geu aspoeto de instituto social, de np-p;trelho regiilador e «Hector fabricado voluntariainente para réalisai- na Cidade lui mai la «o accordo das vontadea, produziu-do a equaçâo dos intéresses », o Direito pôde apparecer-nos desegual, fragmentndo, imitativo, e em miiitos casos regrettaioo\ niesnio.

Nîlo assim si o virntos na sua feie&o fondamental e orga-nloa, conio nm prodûéto natural determinndo por fatal idades bio-sbc.iologicas.

EéimpoKKivnl recusar ver o Direito por esse priant», hoje que OH

methodoe das scioncias unturaee reunvaram OH estudos soeiaese dominant em nbaoluto o campo dos conhecimentos lui-manoa,

Passaram on tempos em qoe se podia dizer que «o Direito) é nm acto do livre-arbitrio, fundado na Ici moral e portait (o lima expansao da voutade detorminada pela Intelligeucia. (S) A propria modalidade cultnral, apparentement» voluntaria, do Direito, conforme o veinos entre on povos modemos. ôbedeee a il Mi deteriiiiiiismo especial. em «pie ON antécédentes e o laeio représentai!! o papel principal.

AMM»ntenios, pois, que te pode fallar desa»sombradameiito de umn eeoluçâo jttridictt, d<> inesmo niud<> que se pode fallar de nma truluriio dan e*p*d«ê (phllogênin..- on da evolnçao de uma especie végétal ou animal detorminada tiuttiygfnUt).

O niesnio jurintu philosopho que acima Htamoa, o autor do livro Le* Traiv/ormaUojtit du Ihoit nfto M auimon a repellir, de modo absolut*, a idéa de que se trala. <tejeitando • porito de vista biologico »<» eatudo da idéa,-typo do d«M*uvolvintento, pe-diu «Ile MM idéa àê iela da mechanica e da loglea, • propo«*«*B a « iudicar os priuçïpaea traçoa da emihtçêm <l<> IHrwHm, concebldal coroo uma alta e complexa operaçfto de logica noeial.» ;

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«J K K A I . DO DIKEITO 9

I A eoncepçâo de uni Direito orgnnismo, movendo-se, desenvol vendo-se ou evohiindo, no tempo c no espnco, alravez dos povos e dos paizes ; uurgindo do plasma piimitivo do facto ou do costume para especializar-se nas regras législatives e nos codigos ; liga-se iutiniamente a esta outra eoncepçSo da Socie-I dade-organismo, que ê a ceci ta e défend ida hoje polos melbores e majores espiritos, em que pesé a G-uniplowicz, o illustre au-tor da Luta dan riiçu». m A Sociedade-organinmo evoluiu e évolue anatomica, mor-phologioa, pbysiologica <• psycbologicamenle, por intermedio da luta e sob o agnilhao dos elenieutos bereditarios e mesolo-gieos ; o Direjto-organisnio, visceralinente ligado â .Soeiedade, evoh'ie coin ella e do niesuio modo que clin, fazcndo idoufciçà trajeetoria. supporfando egunes influeucias e In las, obtendo as mes mas victorias e der rotas.

fi' esta a lioao dos lac!os ; é este o depoimento da arcbeo-iogia, da antbiopok)giu e da historia. I Assim, porexemplo, qnando remontainos & phase inicial de associacionisnio, em que varies nueleos de iudividuos coiisan-guineos e afiins, divididos em tribus e bordas, viviam nomades ou sedentarios, sem mua organisacao politiea régular, entregueS exclusivanicnte as neeessidndes pbysiologicas da alimenraçâo e da procreacao : vamos encontiar types de familia eaboticos e rudiinentares, refleetindo o pro]*rio cabos das aggremiacôes primitivas. E' aqii i o hetairisnio, ali o nintriarobado polyan-drico, mais longe a polyganiia p.itriarcbal endogamiea e exo-gainica e raraniente, ncsle ou uaquelle ponto, o typo mouo-gamico da uuiao conjugal. (1) Tu do coufuso e informe, conio o envolucro sopial respective H Si enearamos o phenomeno da propriedade, vemol-a por

H (1) Para o fim ijue aqui temos em rista nâo carecemos Raber si promis-enidade, polyandrie, polyganiia e moiiog-areia dereni ser oonsiderados phases rejrnlareu e suoeessivas da evolneâo da familiii. Conheccnios as divergen-oias dos antorcs a esse reapeito e saluanos quaoto «5 atacavel n seriaçào de que se trata. embora propoata e defendida pela gvneralidadc dos sociolo-Igicos e juvistas,

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10 COMPENDÎO DE HISTORIA H

. sua vex evoluir, adnptaudo-se snceessivanieutû nos vavios roo-dos de coustitnicao social : isto e. vemol-a mobiliaria on im-movel, individual ou colleçtiva, colleetiva da fumilia ou dai tribu, conforme as eondieôes de existeneia e desenvolvimento dos agrnpamentos sociaes primitivos. (1)

Foi da familia patriarchal, e posteriormente do clan e da M'ibu, que nasceram as primeiras sautcnyas, portauto as pri-roeiras regras de Diieito. « Por toda parte, no régime patriarchal, a justica esta no arbitrio dos jimes, loi é a decis&o do pae» do chefë dessus aggregaçôes de pessoas, familias ou clans que por jnstaposiç&o constituent jâ uni povo nias nâo formaiu ainda uuia iiayâo. Isolados os homcus cm grnpos faïuiliarësj a palavra do pae é a Ici cm oada casa : é a nnica loi. Depois, aggregadas as familias cm clans, coustiluida a nnidadc da villa, os grnpos relaeionamse, e o enefe. ré'i, coude, consul, juiss, king, konig, graf, soplietim, etc.-r é coino o pae de mua familia mais vasta e o .juiz de «nui asseiubléa mais nniuerosa ; mas o seu arbitrio. inspirado pelas Ihàntistes e nâo apeuas caprichoso, é ainda a nnica lei, a maueira do que fora a do pae nos limites mais acanhados do l'ôro domestico. » (2")

Os primeiros institntos penaes bu ma nos. taes como o Miâo e a vinganya lamilial : o barbare instruinento processnal das ordaliwi wjuizox de Dcus, revelam tambem, de modo éloquente, a ligayao intima das eoncepeôea e ereacôes juridicas coin o es-tado gérai, — mental, affectivo e pratieo—das sociedades cm que ellas surgem.

Nâo teuios necessidade de mais para nos conveneermos de que o Diieito organismo tein, como o organisant social, de qne é commensal, uma evolnyao que se pôde déterminai- e cujas leis superiores precisam ser estudadas.

(1 ) Ainda neste ponto devranos advertir qne uào nos préoccupa a questâo de sabot si a marcha da evoluçfi" effeetuon-se, nascendo o communismo familial do oommunisxno da aldeiâ on da tribn. ou este dnquelle. Basta-nos ter certeza de que as dnns formas alludidas ezistiram, tendo alias como con-temporanea e talvez como predecessora a propriedade individual mobiliaria. \ enibora exeepcional e limitadissima.

(2) Oliveira Martin» : Qnadro das Instilniçôes primitivas, pâgf. 145,

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I

Encarando a qnesrào no se» aspeefco mais gérai, podeuios dizer que a lei que préside il evplûçâo do Direito é a mesma que rege a Historia, no seu desenvol viuiento secular, e da quai é uni resuino a vida intelleetual de cada individno j por isso que jà eni biologia, jâ em sooiologia, a ontogênia é uni resuino ou reproduclo individnal da pkilogênia.

Qualqner que seja a formula ofPerecida para traduzir a rel'e-rida lei da Historia, ver-se-lia que o instincto juridico da ha-inauidade adaptou-se seinpre as fatal idades da mesma lei. ES uueinos, por exeniplo, a célèbre lei dos très estados, forum lada pelo fiindador da Philosophia Position e pelo inesmo philosopho lançada eomo alicerce da Sociologia : — Todas asl nossas eoncepçdes, qner iiulioiduaes quer collectivas. passant pelos tres estados seguintes : o theologico, o metaphi/sico e o positivo.

Sabe-se que nessa concepçào de Auguste Comte o estado theologico caracterisa-se pela predomiiiancia do sobrenatura-lisrao religioso na explicaçâo de todos os pheuomenos ; o estado metaphysico, negativo e dissolvente, consiste ua explicaçâo dos phénomènes por entidades imaginarias, verdadeiros entes de razâo, desprovidos do earacter de Divindade ; o estado positivo, eiufim, traduz-se n1 unia interpretaç&o do miindo, fornecida pelos processos scientificos, se m preoccupaçao de causas originarias ou finaes.

Dada como verdadeira a lei comteaua, poder-se-ha dizer que o Direito perron e tanihem os très estados allodidosf Pa-rece-nos que si in.

Na India, na China, na Assyria. no Egypto, na Grecia, eut Borna, no Péril e no Mexico, para sô fallar das grandes civili-saçôes anfàgas, o primitivo Direito, quando nao foi francamente theocratioo, foi profundaraeiile theologico. E' o que verifica-remos amplamente no correr do nosso estudo, quando tivermos de tratar em particular das velhas civilisaçôes referidas, e den-

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COMPENDIO DK ItlSTOKIA

tro em ponco, qnando assignalarJUGs a confns&o originaria do| Direito coin a lîeligiao e a Moral.

O periodo metapUysico do Direito foi, e ainda é actual-mente. mua realidade ïrrecrisavél.

Quando, coin o correr dos tempos, os jurisconsultes e phi losophe* abri ram brecha, em nome dus idéas de justiça e de bumanidndc, no velho rednoto do Direito patriarohal e sagrado, comecou para a Jnrisprudencia a phase criticn e dissolvente, que do seoalo XV em dennte o espirilo humaiio inieiou, na theoria e na pratiea, oontra o regimen eatholioo feudnl. Basta recordar a obra dos» prudente* e dos pretor°s no Direito Romane para avaliar a importancia da trausformaçao re.nl isada na di- iweao a que alludimoa. A cequHm, o jux honorarimn, forain na vida jnridica pcoidentail a primeira lunuifcstayao do philoso pbisiuo qne (!rotins e sons discipulos transformaram liesse ex-1 tenso compendio de mi'taphysica qne veio a chamar-se Direito Natural, eein que l'allam ainda hoje uiuitosjnristas.

I O cstado poHtivo do Direito é, pot sen turno, uni facto in-negavel. Corrcspondendo a nma coneepçao scientifica do mun-do, que KO em ineiados do nosso seeulo nos ponde aer fornecida, elle esta necessariameute no seu inicio, e coexiste ainda coin os restos dos estados anteriores. Entretanto é indiscutivel que a concepcao qne hoje tomes do Direito saturase eada ve* mais de espirito scientitico, isto é. positivo.

A substitnicao do conneito de um Direito Natural, etemo. iinmntavel e anterior ao homeui, pelo de uni Direito hutnano, variavel e évolutive, fil lu» das necessidades organicas e cuit limes da sociedade, é o signal da crescente e definitiva positiva-e&o das iutniçoes e instituiyôes juridicas. Além disse ahi estào as récentes e progrcssivas applicaçôes dos methodos das sciencias naturaes aos problemas do direito pénal e mesmo do civil, para attestai' a entrada do Direito em uma phase nova, puramente naturalistica e scientifica.

Vê-se que, estudaudo a evoluçâo juridica, poder-se-hia as- j signalar-lhe conio lei capital a inesma que Auguste Comte deu coino base & Sociologia.

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GKRAJ", DO DIREITO

H Mas OH jinistiis nfto Ne téin contentado coni isso, e procura m as leis espeeîaes do phénomène que nos estd ocenpando.

E' assim que G. D'Agnanno, em sen notavel trabalho Lui \genesi e Vevoluzione del Diritto Civile, insère uni capitulo des-tinado a esfcndar as leis que governam a vida do Direito. I O illustre ci vi lista italiano, subordiuaudo-se ao ponto de vista anthropologico que domina toda sua obra, aponta a he-rança, o meio, e a Ivta, oomo sendo as lois em qnostao. (1)

Nâo ha d ii vidar que os l'a H os a que se réfère D'Agnanno H&O

verdadoiros e que tacs factos podem explicar a desenvo-Incâo do Direito, eomo parte intégrante do orgauismo social, que, por sua vez, obodoce as condiçÔes de licreditariedade, e que In ta. para adaptar-se convonicntemente ao meio em que évolue.

Mas o que torna pou eu apreciavel a explicaeîlo do mestre italiano é exactamente a ncnlmma peeuliaridade jnridica das leis que elle «présenta eomo doininadnraa das insitituiçôVs rcs- peetiv'iiH. Pedindo cinprestadas a os natiu «listas Darwin e Hn>- ekel as leis geraes du cvolm/ào das especies, D'Agnanno lez o inesiuo que t'aria queiu se limitasse a dizer, segundo a coneepeao de Comte, acima ex posta, que o Direito atravessa os très esta- dos revelados na Historia durante o evoluir da mentalidade hn- niana. ■

X estas condiçÔes nâo podemos considérai' as leis de D'Agnanno senâo eomo iudicadoras de que o Direito-organisnio évolue do mesmo modo, e soi» os inesmos impulses, que a Sociedade-orgunismo ; — exactamente eomo na hypothèse da lei comteaua. H Ao contrario de Oiuseppe d'Agiiauno, um sen illustre pa-tricio, Pietro Cogliolo, atiron-se résolu lamente na pista das lei* technico* e expeeifica* da evoJneao juridica. (2)

(1) Note-se que D'Agnanno, no munmario du capitulo cm que se occupa deste luwampto cnunicrti as leis alludidns destc modo ; 1* traditione, 2" crédita-S'lotta pel diritto ; muH no desejivorrànonto du su» thèse équipant si tradiçâo à herança (que iuïo difforcm rcalmcutc) e indien, o umbicnle on meio oomo o maior modificador do Direito. ao lado da hereditarieda.de e da lubi.

(2) Vid. Pietro Cogliolo : Filomfiu del Diritto Privato.

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u ■COMPEKOlf» PP. HISTOUIA

Eis as que elle fonnulon, clêpois do inquerito a que pvoce-deu nos dotai nios da historia :

0 Direito (• primrtramente formudo un OKXS e ua familim e pouco a pouco i tranxferido ao Estado;

A ewcciiçHo das sentaneos é primeiramente pessodl e dépôts \rwtl ; M As relttçôt'x juridicas antlgas ne enearuam ntis forma» pro-\ eessftae» ;

Todas a* formas ne modifieam. simplificamlo-se, e passa ado pelo est ad i» do HIMULATA PEO VBR18;

Os êodigÔS de uni poco surgnn unqiielle periodo em que os eostumes e an regras sâo nmue.rosos e est&o a eorromper-se. ■■

Algumas (lestas leis, especiulihetité a 3*. e a 4»., sîlo alta-meutc npreciaveis. A preeedencia (la aclio sobre o jus on do Direito adjectivo sobre o substaut-ivo, é uni dos facto» mais intéressantes e génies <la formucao (lo Direito ; a moditicayào e .siiupli fi cacao graduaes das foimas prooessnacs 6, coino veremos daqui a pouco, mua importante lei da evoluçao juridica, — loi, alias, jâ assignalada por Pierre Alex, no aeu intéressante estndo iutitulado : Le Droit et le Positivisme.

Ontro antor itaîiano, (i. Carie, l'ai la em mua M de progrès- j sir a tspiritualisaeào do Direito, em virlude da quai » força se subordina â razâo, o eerto se fax seinpre melhor interprète do ver-dudeiro <■ a autoridade procura eada vcz mais o apoio da razâo. « Por forya dêssa lei, dix. elle, o Direito veui seinpre se despindo do que tin ha de material e de rude mis suas origens para fazer-se de mais em mais interprète bénigne e huinnno dos principios de razâo ».

Podiamos adoptai- pnra e siniplesmente as leis on aigu mas das leis propostas por Cogliolo, on a indieada por Carie, simpli-ficando assiiu a nossa tarda e pondo remate aqui ao assumpto. Mas parece-nos que tomando ponto de vista différente do dos an- j tores da Filosofia del Diritto Privato, e da Vita del Diritto pode-remos obter, uesta materia, aigu nui cousa de mais simples e de mais précise.

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GERAT. DO DIREITO 15

TTina vez que considéra mos o Direito uni organismo social «Ni tjewrix, nâo é difficil :it(ribuii'-llie um aspecto physiologîco, ou antes, aiinlowo-physiologieo e um aspecto morphologico.

E' o que julgamus necessario fàzer para mais régulai' en-caminbameiito do traballio que temns cm vista. Vamos pois, indngar separadamei ite, 1', quai o modo de evoluçao do Direito o.ncarado como organismo activo, dotado de energias fnnceio-naes ; 2; quai o modo de evoluçao de suas Formas exteriores. Vejamos.

Nos primordioB dus vol h as sociedades. avôs da civilisacao, a vida collectiva ostentaria o vultuoso polymorpliismo que ve») rificamos lias sociedades de hqjeî

Absolutamente uâo. A confusao mais compléta, o syncre-tismo mais absolu to doiuiuavam auquel las epochas as iustitui-çôes soeiaes e as relaçôes iiidividuaes ; religiâo, moral, sc.itncin, arte e iudiistria eram rai os de um mesmo circulo, coincidiudo e sobrepoudo-se uns aos oiitros. A antoridade que autbropomor-pbisava Deus ou os Denses era a mesma que estatuia sobre os costumes privados, que dava a e.xplicaeào do euigma do m un do, que inspira va. as creaçôes artisbicas e regulava a actividade pra-fica. Tu do esta va como uo cabos biblico : escuro e araorpho. 1 " Abra-se o Mattava Dharma Saatra, a collecçao de leis de Manu, e. ver-se-ba que os sens doze livros te m por objeeto, além da creaçâo, da voeaç&o religiosu. das regras de abstiuencia, da penitcncia e expiaçào e da transmigra çâo das aimas, mais: o easamento, os modos de acquisiç&o, os deveres dos jnizes, as leis ci vis e criininaes, o direito de successao e os deveres dos agri-cultores, dos industriacs e dos famulos.

Quadro somelhante nos offerecem o Zend-Avetita de Zoroas-tro. es livros de Confucius, os hierogryphos egypeios, a legis-laçào de Mnysés o o livro sagrado da religiâo mahoraetana — o Koran. Em todos esses monuraentos da mentalidade antiga ha

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10 COM PENDU) DE HiSTOKIA

mn f'Oino sinete anagranuuatieo fia religiao. da moral edaartc, entrelaçadas an Dire.ito, marcaudn totlas as manifestaçôes (la aetividadë social priniitiva.

K' assitn latnbeui na Grecia, (;m Renia e entre os antigos germanos. Na Grecia, diz Ahre.ns, o direito e. a lei u&o se des-taearam iiiinca da ethica ; na tlieoria e na pratica o direito e iv politica sào eoiisideiados, notadamciite por Platao c Aristo-| te les, conio consti timide siniple.-nu-nte mu ramo das sciencias ethiens.

A se il tnrno os pri moires legisladores ruina nos obedeceram a fatalidatle liistoriea. O autor eitado assevera que a priineira epocha do direito romano teiu autos de tudo mn earneter re.li-gioso, tïindando a nnidade de toda a existeneia e de todas as instituiçôes eom a ligayao délias a religiao. B rei'erindo-se aos germanos, escreve: entre os autigos allemaes nos vamns achat* mua allianca do Direito e da Religiao analoga a aquella que eu-eoiitrainos nos tempos primitives do povo i iu l iano e na velha Renia.

Todos os autores cslâo accordes nesse ponto, e Biagio Brugi résume a opini&o dos confrades quando affirma o seguinte : « Xa-quellas lunginqnas sociodades, as quaes queiramos remontai*, o Direito, n&o se apresenta conio uni eonceito distincte dos outres lados da vida social : ha sim mua homogeneidade da vida priniitiva. O Direito confuude-se coin o costume, coin a moral e eom a religiao, que envolvem toda a vida do individuo, inclusive os principios juridicos. »

De tudo ifcto verifica-se que no estadio inicial das civilisa-Çôes, o Direito nos apparece visceraliuente uuido, ou antes con-fundido coin a religiao, a nierai e a arte, pelo menos.

Mas gradati va mente e dia a dia elle se vae differenciando, especialisando, individnando ; destaca-se pouco a pouco da placenta conimnm e arroja-se para a vida conio uni ser indepen-dente, automone, disponde de vida propria. Dâ-se ocaso, înuito conhecido pelés naturalistas, da reproducyao por sisciparidade.

E essa passagem do complexe para o simples, do homoge-neo para o etberogeneo, nao se effectua sô a partir da massa

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GERAT, DO DIREITO 17

synelirefcica das regras sociaës primitivas até cbegar a accen-tnayâo do canon juridico j<l espeeialisado e individualisado.

Primei rameute é o Direito que se sépara d» Religiao, daj Moral, etc. ; a differenciacâo é entîlo de natuiezn heteronomica. ISegue-se, poiém, a isto a differenciacâo autonomica do Direito, a evohiçao que, sô nelle e a partir simplesmcnte délie, se effectua, pela segmentaçâo constante e creseente do respectivo organis-1110, sob a aeç&o expansiva das suas euergius intimas e ao iufluxo do condicionulismo mesologieo. H E é assim que da massa primitivainente homogenea e compacta das regras juridicas salie m uo oorrer dos tempos as mo-dalidades diversas do Direito : distiiigucm-se o Privado do Publiée, o adjcctivo do substautivo pela scparay&o do jus e da aetio (para nos servirmos da linguagem romanft); no Privado o houorario ou doutiinario do escriplo, o real do pessoal ; noPu-blico o Jnternacional ou cxterno do interuo, etc.. (1)

Glîegados a este ponto, é-nos licito indii/ir, e proclamai'a seguinte lei de evoluçâo juridica :

Organica e phyniologieamtnte} o Direito eeuliie pmaaudn do [ttyncretico para o diwreto, do .simples para o componto, do ho-\mogeneo para o heterogeneo.

Confirma-se. assiui, ueste particular, a lei fondamental da philosophia spenoeriaua. I

Examineuios agora a desenvoluçao do Direito no tocante a sua morphoîogia.

Nao lia bistoriographo-jnrista que deixe de assignalar ol complicado formaiismo do primitivo Direito, em opposiçâo â| simplicidade das nossas actuaes regras de processo.

Todos os povos fornccem-nos documeiitos, mais ou métros abondantes, da existencia e predouiinio do symbolisme e das formas sac rame n tacs nos primordios da vida juridica. Em Borna, sobretudo, o facto é évidentissimo. As Institutax de Gaio nos iniciam no segredo das legis actio-\%es, isto é,

das cinco formas sacraïuentaes a que obedecia o primitivo processo romauo (a nacramentum, a postulat io, a condictio,

(I), Vid. Historia do Direito National, do autor ; introd. 3

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18 ̂ COMPENDIO DK HISTORIA

a manu» injeetioe a pignoris capio). Modificado este. meclianismo pelaLex JRbutia, o régimeii adoptado foi o An* formula- (ad fic-\ Ition-em legte action-uni) que vigoron até o tempo de Dioeleciauo, sendo entâo suplantado pelas cognitiones extraordinariw— ina-j nifcstaçâo ultima do direito prnccs.su al entre os romanos.

Esses très systemas, «spécialmente os dois primeiros, eram eminentemente. symbolicos e dramuticos, cbeios de actos e pala-vras consagradas, de formalidades e ce remontas rigorosas, iniu-friugiveis sob pena de perda da demaiidn. H Entre os germaiios o formalismo processual nao teve a fî-l que/.a e a rigidez do romano ; mas nem por isso deixou de exis-tir e de impor-se por toda parte. (1) Foi em face do phenomeno de que se trata que Frederick Pollock, na sua obra Introduction à r élude de la science politique, disse o segniutc : «Quanto mais remontamos ao passado mais eneontramos os povos esc-ravos do formalismo, e, como hoje diriamos, saerificando total mente o fnndo dos negocios â forma. »

Poderiamos a este juutar mu il os outros testemunlios de mestres respeitados. Relembramos, porém, apenas o estadio do simulutu pro verts assignai ado por Oogliolo, e a par délie o ,jà citado trabalho de Pierre Alex, que explorou o assnmpto com | proficiencia e exgotou-o.

Resta-nos sômente formulai* a lei que de tudo isso resalta, ' e fal-o-bemos nestes termos :

Morphologica ou plasticamente, o Direito évolue simplificando e abolindo gradualmente as cérémonies symbolicas e an formas sa- j cramentxies primitivas.

Para nos sao portant o estas, que vimos de formulai-, as dnas grandes leis teclinicas e especificas da evolnçâo juridica. Outras podevao ser ennociadas e propostas, mas s6 para completal-ns, nunca para anuullal-as. H

Ao fazermos nossa viagem atravez da historia do Direito, havemos de aehar, em cada povo e no conjuncto de todos elles, a verdade dessus leis, que acabamos de constatai'.

(1) Vid. ob. cit. do nutor ; introd.

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II

I Os primcrdios do Direito objectivo nas raças

inferiores.(*)

Disse H. Suniner Maine, uni dos inestres (lesta mater i a, que kf as idéas rndiiiientares do Direito sa» para o jurisconsulte o que as cainadas prinlilivas da terra sao para o geologo : con-teem poteneial meute todas as l'or m as que o Direito tomarâ mais1 tarde. »

A consequeucia a tirar deste îrrefutavel asserto é que o ju-rista-historiographo deve remontai' taoto quanto possivel aos primeiros dias da bnmanidade para surpreheoder no seu surto inieial a sementeira dos instiuctos juridicos.

E nao basta apreciar os primeiros brôtos da arvore do Direito nas raças superiores e nos périodes francaniente liistoricos.

(*) FONTES : D'Affunniio. La genesi e l'evoluzione del Diritto Civile ;| O. Miirtins. Raças hum. e a civil, primil. ; Topioard, L'anthropologie; Le-tourneau, La Sociologie ; Lubbock. Les origines de la civilisation ; O. Maintins, Quadrodas inst. primit, : Spencer, Sociologie ; Laveleye, De la propriété ; Letourneau, L'évolution, jurid. dans les div. races hum ; A. Bspinas, Les sociétés animales ; Bevilaqua, Contribuiçiiee para a historia do Direito (Re-vista da Faeuldade, anno I).

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20 COMFENDIO DE HISTORIA

Ha necessidade de ir mais longe, visitando com o espirito nao, s6 os povos que por defeito organico ou influeneîas do meio esta-caram logo na aurora da intell igencia e da cul tara, como tam-bem as régi Ces ante-historicas onde o homo primigenius se con-funde ainda com os mais graduados dos sens antepassados animaes-

Pov esta raz&o somos obrigados a tratar a materia deste capital o de modo mais lato do que o indicado pela sua épigraphe, lnuitando-nos, entretanto, a indicaçôes muito ligeiras.

Principiemos por affirmai- que sendo o Direito uni a fata-lidade social, lima nccessidade organica da vida em co uni m, nao se lhe pôde assignaiav mua existeucia limitada ao chamado \reino humiliai da velha philosophia inetaphysica. Os primeiros lineamentos rudimeutares de aigu mas iustifcniçôes de ordem ju-ridica podem ser encontrados entre certos animaes inferiores uos qnaes o instincto de sociabiluiade appareee em grâo apre-ciavel.

Convencido disto disse uni pnblicista notavel : «Todos os animaes procriam, algnns cbegam a amar ; todos combatem, al-gnus sentem a gloria e o orgulho da Victoria : observam-se che-fes em certos ban dos, veeiivse reis nas colmeias; distingue-se faoilmente o medo, embryao dos cultos, e quem sabe si no cere-bro dos brutos se nao desenham rudimentos de religiao ? »

Abundaudo no mesmo pensamento escreveu algures o nosso eminente collega Clovis Bevilaqna : « Algumas dessas organisa-çôes associativas (as dos animaes considerados inferiores) offe- j recem 1 nuit os pontos de semelhanya coin as nossas ; pôde-se mesmo dizer que existe ahi uni pbeiiomeno correspondent*! ao direito objectivo sob a forma de costumes imperiosameute obri-gatoi'ios. E tambem nao lhes poderemos uegar a face snbje-ctiva do direito, senao a idéa, ao meuos o sentimento juridico, vendo-os combater denodadamente, immolar-se pela defeza de sens nucleos associativos, de sens graueis de inverno, de suas cidadelas. O direito humano tera uni caracter proprio indnbi-tavelniente : o que se affirma é que équivale e corresponde as iusbituiçôes que encontramos em estadios meuos elevados da evoluçao do ser. Foi la que se debuxaram os primeiros esboços

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GEK.U. DO DIREITO m

do direito, como ('• là que cm peregrinaçfto descensinunl iremos deparar coin as radiculas de quasi todas as art es, e, o que é mais, de quasi todos os sentimentos hnmanos. » H Si qnizessemos voltar il nossu thèse do Direito-orgauisnio teriamos nesses dizeres mais um argnmento em favor délia. Devenu», poréro, prosegnir no deseuvolvimento do nosso assumpto actual.

Assentado que o estndo da enibryogenia juridica é uma 'necessidade para a expianayâo desta materia, e qne ella nos for-nece o nixux formativus do Direito pondo em relevo os costumes e mesmo os sentimentos de certas espeoies animaes, dotadas de forte instincto social ; temos precisâo de bnscar, nos grupos hnmanos mais visinhos da animalidade ancestral, o desdobramento dos institntos jnridicos iniciaes.

Para isso é necessario qne tcnhamos :i vista uma classiifca-yao ou divisao das rayas humanas, — cotisa que parece facil e que entretanto é problema dos mais complicados. Basta notai? que tratando-se de rayas, vem a ton a immédiat a monte o célèbre debate sobre a unidade ou pluralidade originaria das espeeies bumanas, — a diflicilima queslân do monogenUrmo e polygeninmu, ou alites, do tiionophyletismo o polyphylrtimw.

Força é, comtudo, dizer algumas palavras sobre esta materia, necessariaincute ligada ao nosso piano de estudo.

A.té principios do nosso seculo fallava-se geraluiente e con-victameute de uma experte liumana, o que iuiportava affirmai- à priori a unidade originaria de todas as rayas. A Sciencia eaPé davam-se aos ma os uesse ponto, e a legenda de Adào tinba fôros | de cidade nos dbiniiiios da philosophia. As doutrinas dos naturalistes casavam-se com a tradiyâo biblica.

Cuvior foi o grande defèiisor dessc estado de cousas e seu nome symbolisa o intransigente monogenismo classico, de que Quatrcfages, em nossos dias, se tornou o mais eminente représentante.

Agassiz, porém, rompeu com a doutrina dominante e fez-se o arauto do polygenismo, susteiitando que as rayas bumanas |nasceram separadamente em oito pontos do globo, distiiic.tos uns ! dos outros por uma fauna e uma flora propria.

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22 fJOMPEKDIO DE ÎIIHTORI.V

A questâo parecia insoluvcl quando os modernes traballios de Darwin, Wallace, Hœckel e sens discipulos vieram facUitar-v Ilhe a sollicita O trausforiuismo de Lamarck, revigoradoe eom-pletado na ïnglaterra e na Allemanlia veio Faxer arrefecer o de-bate, niodifioando os termos do probleina, que segnndo Topi-nard, sfto hoje os seguiiites :

«Os typos huinanos mais elementares nos qnaes se possa remontai', os typos de al g n ma sorte irrodiictiveis, tenhain elles |o valor de generos ou de especies no sentido dudo babitualmente a estas palavras, sahiram de varios antepassados anthropoides, pitheeoides ou ontros, —ou dérivant de uni sô tronco represen-tado por nm sô genero actualniente conheeido ou nâo î Os da-dos da anthropologia pareeem-nos mais favoraveis â primeira opiniîio. As rayas melhnr caraeterisadas, vivns on ex ti ne tas, nâo formam nma série ascendente unica, comparavel a uni a escala ou a uma arvore, mas rednzidus a sua mais simples ex-pressâo a uma série de linhas limitas vezes paralellas. »

E coin Topiuard a maioria dos hoinens de sciencia sustenta modernaiiiente a origem polyphyletica das raças e linguas hu-manas.

Mas esta conqnista scientiftea difticnlton ainda mais o probleina da taxinomia ou classificaçao das raças. Desde a antiga divisâo de Linneu (1) a té a classifieaçao lingnistica de Fr. Huilier tem-se procurado resolver a questâo, se ni que até esta hora se cbegasse a uni aeoordo sobre a inelhor das divisées propostas. M As eondiçôes geographieas, os caractères pliysipos externos, as partieularidades anatomicas, as aptidôes moraes, as diver-Isidades de idiomas -tudo têm si do procurado como base para as classificacôes das especies huinauas. Deixaudo de parte os niais antigos, podemos citar coino antores de divisôes notaveis : Leibniz, Kant, Morton, Agassiz, Isidore Sant-Hilaire, Huxley e Hœckel.

A verdade, porém, é que a mais simples e uma das mais antigas de todas as tentativas taxinoniicas foi a que se enruisou niais ibrteinente no canipo de sciencia : reterimo-nos aclassifica-

(1) Homo sapiens, homo férus, homo mtmstruosits.

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GERAT. DO DIREITO 23

ç&o de Bluinenback, resninida, ou an tes, redusida por Olivier. Distingnindo 1res grandes raças bnmanas (a hranca ou eau est sica, a amarella on mongolien e a negra ou ctbiopica) tal ilassi-iieaçào, apezar de superficial e aceentuadaniente mouogenista, ganhou até as adbesôes dos scientistas ;ict nues, adeptos d;> plu-ralidade originaria das espeeies. Para exemplo basfca citar Le-tonrneau, que adoptoua francnuieiite.

De todos os natiiralistas modernos loi Quatrefages 0 que inclhoi- desenvolveu a divisâo ciivieriana. Dos très troneos ci-tados sabem respect!vanicnte. os aryanos, seaiilas e allopliylos ; os mongol i.ios e oiigria.nos : os negrifos, melnnesios, alVieanos e saabs (hottentotes).

Tomaudo por base este quadro, ennipre-uos agora iudagar quaes das raças indicadas podeiu ser eousideradas inferiuies vo\ ponté de vista do desenvol vimento pbysiologico e psycliico. H O citado atitor de La sociologie d'après Vethnographie iim-nifesta-se. a respeito de modo inequivoco, di/.endo :

« O typo mais inferior eiu gérai é o typo uegro. Nunea o uegro, abmdonado a si niesnio, sein mistura com raças snpe-riores, soube créai' uma civilisaçâo elévada. Sob esta relaçîlo o boinein amarello, o mongol, é muito superior. Muito eedo os inelbores représentantes deste typo, os mongôes asiatieos, loi -niarain grandes soeiedades, sabiamente organisadas que, coino a sociedade ebineza. rivalisam coiu as civilisaçôes das raças brancas e sob cerfcas relaçôes podem ntê lhes servir de modelos. Mesino os inongoloides mais inferiores, os mais pobres cm cere-| bro, os a me ri rai) os, souberam, por sens typos superiores, dar outrora, no Mexico e no Perd, nofcaveis exemplos de progresso social. »

E' cousa sabida coin effeito que entre os varios grupos do typo negro é que se encontraiii os exemplares mais complétas da inl'erioridade buiuana, quer quanto â orgauisayâo physiea qner quanto ao desenvol vimento psycliico. Espalbado pelaOcea-n ia ( pu puas e wgritos) pela Africa (ethiopios on guineauos e ca\ \fres) e por alguns pontos da Asia (weddahs e negro» da india) os représentantes desse typo bumano começam a ser inferiores pelas condiçôes anatomicas. Todos os efclinograplios e antbropo-

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24 COMPENDIO DK HIHTORIA

logistas assignahtm-lhcs nm enuien alongndo on dolichocéphale» (quando muito mcMilicppluiln e $uh-brachic*phnl.o cm certas sub-raças). lima front© estreita na base e fugidfa no alto, lima nuta-vel salioneia dos maxil lares ( prognat'wnio) aU'm de militas outras particnlaridades osteologicas que se nfto encontram notyponma-rello o sobretndo no hranco.

E' claro que eoiu uni» tal estmetura e sobretudo coin a con-fornia<;âo craneana que lhe é propria, o negro na<» pôde possuir nui cerebro desenvolvido e npto as mais elevadas funeçôes dessej orgao— séde da iiossa vida de relaçao. Suas concepeôes, por-lanto,—religiosas, mornes, artisticas, juridieas—hao de ser forçosauiente rndimentares como o îespectivo apparelho cérébral. (I)

Estit démos, pois, os primordios do Diroito cm aigu ILS dos grupos mais conheoidos desxa raya.

Poetas c homeus de sciencia estao de accorde em affirmai' que a fome e o amor, o iiistinctu de conservaçao e o de repro-J dueeao, forant e sao os dois primeiros e grandes motores do des-envolvimento bumano. Délies surgiram a familia e a proprie-dade — dois institutos jnridicos fundamentaes.

Consequentemente vejamos quai é o esta do ou eondiçfio desses institutos entre alguus povos negrosdaOceauia eda Afri-ca. Em Beguida nos occupareuios das suas intuiçoes e institui-yôes de ordeiu repressiva ou pénal.

(1) Burchell quer que <> bosohimano esteja abaixo de todos os homens ; D'Urville dâ esse logar aos australios e tasmanios, Owen aos andamans. Os weddahs de quem Dury affirma nâo terem nomes individuaes medem m.1.50 ; as mulhercs menos. Os negritos après entam nos sens hnbitos évidentes re-minisoencias sîmianas. Bowriug vin cm Ceram nma tribu qne vivia nas ar-j vores e noton a agilidade corn que o negrito trepa e desce, snspenso polos pés, as enzareias dos nnvios. (0. Martins : A» raças Humana* e a civil, primit. vol. II).

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GERA t. DO 1MKK1TO

a) Oceaniu. — Os nsos familiarcs e mntrinionincs das popu-laçôes espalhadns pelas mimerosas il bas lia Oeeaiiifi sâo o quej ha de maisgrosseiro è rudimeutar. tînindo-se sexual mente de uni modo todo animal, more canino, o homciu e a mnlber nào teem, cm gérai, outra preoecnpaeao se nào a de dur pasto aos| Sens a petites seusuaes. Nas tribus mais atrazadas da Australia, da Tasmania e de Andamuii, o qne se nota oomo ponto do par-It ida da sociedade conjugal é mua larga promiscuidade ; cele-bram-se até Testas destinadas a annimciar nos rapazes e rapa-rigas chegados a certa edade que lhes é permittido entregar-se livremente as relaeôes sexnaes. Entre os andainans as nui Ibères pertencem a toclos os homens da tribu, seudo para ellas uni cri-nie negarem-se a qnalquer délies. I Ha entretaiito, no meio disso certas u unies relativamcnte d m'admiras, determinadaspela prenlicz da ni i i l l ie re nnscimcuto de uni lillio. Nesta hypothèse os progénitures de creanea eon-servaw-se nnidus até que o lilho possa alimentar-se pur si. Nisso uada teem os selvageus de sii|)erior aoa cliamados irraeionaes, que, coino se sabe, proeedem do mesmo modo para coin a proie.

Ao lado da promincuidade ou hetairismo, que éj pur suai natureza, endogamica, encontramos nos povos oceanianos uni processo especial de ncqnisiçao de mulbcres a que os au tores diamant exogamico, por se eflecluar entre individuos de tribus différentes. O que caractérisa esfe proewSSO c o rapto da mnlber, que ora é verdadeiro e brutal por meio de uma pancada na ca-beça e arrastamento pelos cabellos, ora 6 simulado.oii ficticio, eomo entre os tasmanios, segundo affirma o padre Bonwick.

Constitue essa pratiea uma forma de casaineuto, destinada a c on s t i t u i r familia regularf Peusaïuos coin Leloiirncau qne isso que os viajautes tem impropriauiente cbamado casameuto é « apenas a captura de uma escrava, que sein duvida poden't servir aos prazeres amorosos do douo si elle o qnizer, pois que ella é seu animal domestico, sua propriedade, uni ser (pie elle tem o direito de bâter, ferir, matai-, e mesmo, segundo a necessidade, de corner. »

£111 todo caso a apropriayao das mulberes pfelo rapto reall ou ficto dâ logar a uni certo esboço de relaeôes familiales, mais

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26 COMPENDIO DK HI8TORIA

extensas e profundas qiïe :is (las uttiôes livres endogamieas. Militas vt'/.cs as duas tribus a que pciteneem mptor e raptada' eonsagrain pybTicàuiciite a uniâo dos dois por nicio de festas e banquetcs, e até em algumas celebrum-se certas ceremonias es-! peciacs, como a de amarrai' os con,juges sV mosinn arvore, qué-brando a anibos o mcsmo dente iucisivo.

Por toda parte a miilhcr e propriedade do honieni que a toinou para si e que tant o direito de toinar quantas queira, pois que a polygamia é o costume dominante. Alguns chefes de| tribus, Bobrctudo, possuein centenas de mulheres, sendo uni pequeno numéro de légitimas (cujos lilhos sào os unieos reco-nlice.idos) e a maioria do eoncubinas ou escravas, — todas ellas passiveis de quaesquer encargos e desprovidas de quaesquer direitos.

Todavia esse ente rebaixado e nullo é, dcbaixo de eerto Iponto de vista, superior ao iiomem e dominador da l'ami lia, po-| dendo-se perfeitamente l'allar de uma gynecocracia geral'entre os povos de que nos oecupainos. O facto da maternidade sendo o unieo eerto para déterminai1 a filisiçâo c o parentesco (dada a promiscuidade e as pratieus adulterinas limitas vexes i m postas i'is mulberes pelos pi'oprios maridos) acontece que o matrîar-chado ea nota dominante lias tribus océan binas. Nas uniôes exogamicas, os lilhos pertencein â tribu de sua mâe e nâo & de seu pae, e îuesnio mis endogamieas o pae e o fil ho nao sào con-siderados como parentes., cabendo, quasi seinpre, a niutio a au- j toridadc patenta.

Em rosunio. e para encerrar esta materia, digamos coin o autor de La Sociologie (Va-j-rèn Vethnographie, o quai nos tem ser-vido de guia na présente explanaçâo : «Os costumes melanesios fazem nos assistir â origem do casameuto ua raça. Ha a prin-cipio uma promiscuidade compléta, subsistindo ainda maison imenos larganieute nos diverses grupos ethuicos; depuis a rari-dade dus mulheres e a necessidade de uma ou varias lestas de cargn levaram a praticar tanto quanto possivel o rapto exoga-l mico, a principio coin extrema violenoia. Posteriormeiitc as tribus iiiteressadas ratifiearam, dépôts de exaine e por conveni-îlo| débat ida, o facto consummado. Mas scmpre a polygamia foi

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«KR\I. DO DfREITO 27

1 ici ta ; sempre a miilber foi a propriedade do do no, nào poden-do ser-lhe infiel seuâo qnando elle o ordenava ; nao tendo jamais o direito de ser ci osa de sen mai ido e estando sempre exposta a todos os inaos tratamentos que elle llie qnizesse infligir. »

Pnssemos agora a observai- o phenomeno da propriedade) entre os oceanianos.

Como veremos no correr de nossa viagein liistorica, o col-lectivisnio é o caracter dominante da propriedade priinitiva. Conforme observa uni autor, emqnauto nos agrupamentos hu-niauos o nexo associaiivo repensa sobre o principio de consan-guinidade e nào sobre o da contignidade local, a familla, a gens, o clan, a horda, a tribu possuem moveis e imnioveis em com-nium, podendo se qnando mnito fallar no dominio individual de certes utensilios, adornos e armas. Nem entre os povos nomades, eaçadores ou pastores, se pôde coin p relie nder a apropria-yâo individual da terra.

Xa Oceania, entretanto, vamos encontrar o caso singular da existcncia' da propriedade individual reeabindo sobre a terra. O facto foi assignalado por Eyre, o autor do importante tra-balbo Discoveriex in A uxlralia e fcem sido coufirniado por ontros etlinogi-aplios, como Letonriieau, que a proposito escreve estas palavras : «é curioso acbar em unia das raças mais inferiores da humanidade a propriedade individual e alienavel ; isto é, tal quai existe entre os povos modernos. »

Cuuipre notar, porém, que é sobretndo ua Anstralia e na Nova Caledonia que se dâ o facto alludido. Em miiitos outros pontos da Oceania a regra gérai é o collectivismo da familia ou da tribu- Entre os tasmaniauos, por exemplo, a propriedade territorial, pessoal ou individual, nào existe. O que existe é o dominio venatorio da borda ou tribu, isto é, a cxteusâo de terra necessaria para a caça, de que vive a communidade. E essa terra é propriedade indivisa da commiinhao.

A propriedade individual australiana inanifesta-sc do se-guintc modo: cada individuo do sexo masculiuo possiie uma| parcella determinada do tcrrifcorio da tribu, e tem o direito de vender. trocar c repartir sua terra entre sens lilhos.

O mesnio se dâ em Ko va Caledonia, onde todo boinein, pos-

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28 COMPENDIO DE HISTOEIAl

sue nma extensâo mais ou menos consideravel de campos culti-vados. Aqtii o caso do individualismo domanial é menos extra-nbavel qne o da A nstralia, pois os ueo-caledonios sâo, era gérai, agrie-ultores e n&o caçadores.

Reduz-se a isto o que sabemos do institnto da propricdade entre os oceanianos.

I 6) Africa. As institniçôes familiares das numerosas tri-j bus africanas sâo fnndamentalmeute semelhantes as dos povos da Oceania. Entretanto a promiscuidade e o ebamado casa-inento pelo rapto s&o, no grande continente negro, mais raros do que entre os australianos e melanesios. Por outro lado o'| regimen do matriarchado appareee-nos aqiii mais nitido e des-envolvido.

Nas populaçôes da Costa de Gui né, no Sénégal, eni Loanda, uo Congo, o purentesco femiiiino on de procedencia materna é a| regra gérai. Tambem na Africa central prevalece identico re-Igimen, de moda a transmittir-se a soberania ao fllho da irmâ- do soberano e nâo ao deste* Em algnmas tribus guinéanas quando a mâe é escrava os fdbos sâo tambem escravos, inda que sen pae seja o chefe ou rei da tribu. Sempre obedecendo ao mesmo priucipio os filhos dos Kimbnndas perteucem ao tio materno, que tem o direito de vendel-os. Entre os Goinmi o filho de uni boniem da tribu e de nma inulher estraugeira nâo é Commi ; é estrangeiro como sua mâe. Os Tuaregs, por sua vez, obedecem a preoceupaçâo de que «é o ventre que tinge ofilbo». A criança tuareg é apenas filbo de sua mae : nobre si a mâe é nobre, es-eravo si a mâe é escrava. Além disso os bens adquiridos pela familia, de caracter collectîvo, sâo berdados pelo primogenito da irmâ primogenita, boni preterieâo dos proprios filbos da de-funta.

Quanto ao regimen das uniôes conjugaes, deparamos corn U808 muito variados, entre os povos da Africa negra. J& obser-vâmos que o casamento exogamico pelo rapto ou captura existe em algumos tribus, mas nâo é ali o mais geueralisado. Coin effeito, na môr parte das popnlaeôes africa nus a comprit toma-o logar do ronbo, o contracte oneroso substitue a violencia na constituiçâo da sociedade conjugal. Assim na Hottentocia os

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pues (la n i i i l hc r nubil trocnm-n'a amigavelntente por mua rez, considéra «do o ca sautento como nm aoto puramenfe commercial, résoluve] a vontade e desprovido de qnalqner sanccao. Os ca-fres coiuprani suas esposas aos pars desde que cl las salient dai prime ira infancia. Entre os Timatiis e Mandingas a mnlher n&o é consultadn iiunea para o cnsaniciito ; os pretendentes as compram aos paes, fazendo o pagamento eni espeei arias diver-aas. As hordas do Gab&o vendent as tillias desde a edade de très ou qnatro minus e os eompradores l'a zem-se sens ninridos ao eoiiipletarein ellas doze ou treze an nos — epocha normal dit tm-hilidadc feminina entre as populaeôes alricanas.

A polygamia é por toda parte admittida como na Oceania, e do ntesnio modo qne ali a mnlher é seinpre propriedade do| marido, qne pôde usar da pessoa e serviyos délia segundo os sens capriclios. tendu o direito de punir o seu adulterio eom a mutilaç&o de nui metnbro ou eom a morte. Eni certas tribus o divorcio é permittido quer A iiiullier quer ao marido, mediante.] compe-nsaçôcs ajustadas.

S&o estas asprincipaes iustituiydes atVieanas. eni materia de l'a mil ia e easameuto. Vejainos as eondicôes da propriedade. *-*.

Ao contrario do que viiiios na Austral ia, vamos ver ua Africa a propriedade territorial indivisa e collectiva. Quanto a movel, aqui, como ali, lia o comniunisnio e o iudividiialisiiio — este para os objectas de me.ro uso pessoal. H Os calres, ja. agricultores, alias, attribuent a tribu o dominin do territorio aravel, e nuia vez destribuido este entre os nieni-bros da commiitiidade pelo cliefe, cada porçâo de solo distribui-(la [tassa a ser propriedade collectiva da l'ami lia que aadqneriu. Entre os Yoloff's, u ici ou chel'e, assistido de uni couselho de aucioes, reparte anntialmente pelas familias os lûtes de terras a cultivai".

Ha entretanto regiôes da Alïica equatorial eni que parece nâo baver idéa de uuia propriedade territorial, seja collectiva seja individual. Sao as habitadas pur certas tribus muito pouco sedentarias que construem uma aldeia ltoje para queimul-a amanliâ, si uma doença qnalquer produz mua baixa entre os sens. Para taes tribus a propriedade ou riqneza comuiuni con-

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30 rOMPBNDIO DF 1ÏIHTORIA

siste priiicipalmente na porfsè do maioi- numéro de mulliPres e| escravos. I

Como se vê, nâo é possivel encontrar entre os negros da Afriea um» coneepçao précisa do doininio. como facto juridico. Podemos affirmai* talvez que o union direito de propriedade de que elles terni idéa é o do mari do sobre a mullier, proveniente da compra desta. Debaixo deste ponto de vista os negros austral ianos e neo-caledonios levam vantagem nos da Afriea. En-tretanto estes sao snperiores a aqnelles 110 que diz respeito ao| desenvolvimento das instituicoes familiaes e sobretudo no régi inen do casaniento, que deixa de ser nm producto da força para tornar-se mn contracto de compra e venda.

Inntitufos pennes oceano- a/ricos. Por mais atrazados que sejam os différentes povos da raça negra,

força é convir que os principaes délies cliegarain nao sô| a esbnyar a familia e a propriedade, como a coneeber e réalisai*I nlguinas instituicoes do que nos chaînâmes direito publico. A existencia entre elles de chefes ou reis e de assemblons e eonsc-Ihos das tribus encarregado de dirigir ou de julgar, segnndo «s usas ou costumes dominantes, nao deixa duvida a esse respeito. j

Assim, anteriorniente a essa phase é provavel que a vin*l ganya individnal fosse a regra em materia de pénalidadc ; mas nôsjâ encontrainos regularmentada essa vingança, que foi trans-ierida do homein para a tribu, fazendo-se gradnalmente collecta va.

Entre os ausfaralianos, por exemplo, assignalain os cthno-graphos a existencia, cm cada horda, de uni eonselho (teudi) que fnucciona como tribunal de justiya e cujas decisôes sao defini-tivas e obrigatorias. E' esse tribunal, composto dos mais velhos da tribu, que toina conhecimento das trausgressôcs dos usos eonsagradose décréta as pénalidades respect! vas.

O furto, o ronbo, as lesôes corporaos, o assassina to sao os I actes gérai mente cousiderados cornu criniinosos. Tambem o adultérin o é, mas nao como figura criminal distincta ; sim coiiio uni furto ou roubo de natureza espeeial.

Para tacs crimes, com excepcâo do hoinieidin, us pciins sfto, em regra, as bastonadas, os golpes de lança, os tiros de flecba,

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GERAI. DO DIREITO m

iipplicados segundo o principio do tali&o, isto é, produziudo no i"éo, (auto quaiito possivel, o mal (eifco ao oifendido. Aigu nias vezes é por meio de duellos entre offciisores e victimas que se effectua a pénal idade. Termina o duello desde que o offenser e ferido.

Onde b laliào se toron eoinpleto é no caso de pena)idade por lioiiiif idio. Quer o assassine pertença ao clan, quer seja (le t r i b u différente, a morte é purçida eom a morte. Mas a pena uâo (cm uni earacter pessoal ; o verdadeiro oriniinoso raraS ve-| zes ]>aga per si o crime counnettido. B' son irmào mais vellio, seu pae ou um seu parente proximo, do se.xo masculine, queni 11* m de ser victinnulo pela sentenea do tendi; sô na lai ta do quai quer délies lecalie a pena sobre o verdadeiro liomicida. Sise (rata de uni assassïnato por iudividno de outra tribu, os inciii-bros da do morte décrétai» o l a l i à o contra todo o clan do assassine e sàii todos solidarios na exeençâo. Conforme a jerarcliia d" assassinado, maior ou menof numéro de victiiuas estrangeiras lem de ser saeri/ioado.

H Explicam-se estes t'actos pela nalureza. especial dos agritpa-nientos tribaes, onde o i u . l i v i d n o desapparece na collectividade,| onde a nocîio de personalidade nao esta, aiuda nilidamenle l'or mulada.

Na Al'rica as regras ou anles OE costumei penaes differen-eam-se, embora nao fundanientalmente, dos da Australia. Viinoaj que a vendetta primitiva, exerci<la por ineio do desfbrço pessoal, ja uâo appnrece entre os a n si rai i an os ; entre os afrieanos, po-réni, cl la coexiste aiuda eom a regulamentaçâo instituida pelos elie(es. Km conipensacao encontramos na. Afriea uni progresso sobre o taliîio australiano ; cm alguiuas tribus e em certes cases adinitte-se como substitutive da pena a eoiuponiçâo, on compen-8'içao em val ores.

O quadroda cri m inalidade entre os al'rica nos, é uni poueo mais lato que o de sens irmàos da Oceauia. Entrelanto as prin-cipaes figuras de crimes sfw> as que ali notàmos e mais a feitiça-\rui. O roubo e o adulterio, sobretndo, sâo as mais notaveis, por isso que sîlo as mais terrivelmente punidas. Digamos desde jâ que a puniçao, qnando nao é uni restiltado da vingança pessoal

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32 OOMPENOIO DE HISTOBT&

o directn, 6 imposta petos rois ou ehefes de tribus, que, segundo «eu arliitrio, onveiu on n&n uni Oonselho de velhos. Compre-bende-se isto, uinn vez que sis tribus-nfricanas sao, em gérai,| monarcliicas.

H O roubo aoarreta a pena de morte, luesiao quando seja de; uni objeefco de peqne,uo valor. E' assim no Congo e é tanibem assim entre os Vuazaramox du Africa Oriental, que décapitai» o eriuiinoso e, expôe.m Ihe a eabeça na entrada do aldeiamenfco. Note-se. poréiii, que o furto ou roubo so é eonsiderado crime quando é praticado dentro da tribu e reeahe sobre objectes délia-A rapinagem e esbulho dos estrangeiros e espeeialmente dos brancos nao sô ficam impunes, eomo sào a té protegidos por uni fétiche espeeial — o fétiche do roubo, înuito venerado no Congo.

A puniçâo do adulterio— outra mod alidade do roubo eomo na Oceania — é realisada iinplïioavel e ferozmente, quando o crime é conmiettido coin mua mulher de al ta jerareliia. E' o que se dâ principal mente no Gabao e no Congo onde os crimi-l nosos sào quasi seinpre mortos violen lamente. Aigu mas tribus eomo em Fernando Pô, sein distingnir mesmo a condiçâo das niulheres, cor ta m os punlios aos culpados e os abaudouam fora e longe da aldeia. Em certos casos, entretanto, a pena do adulterio é simplesme.nte nma eompensaçao ou indemnisucao em objeotos do use ou coinmercio. Entre os povos da Costa Oriental, por exemple, a pena para o homem culpado é esta : paga-j inento de pinco escravos ao marido lesado, si este é uni cbefe ;j de uni sô escravo si o marido é de baixa condiçâo.

O crime de feitiyaria é tambem punido rigorosame.nte, ej coin a morte na nier parte dos casos. Por isso mesmo que sao fetichistas, os africain» acreditam que certos individnos sao outras tantos espiritos malfazejos, causadores de doenças e de mortes. Os individnos tidos eomo taes sao quasi sempre condemna-dos a morrer na fogueira.

Para o homicidio, entretanto, as penas .sào relativanionte nul las, por isso que se red nzem ao preço do sangue, indemnisa-] çao ou coniposiçâo, maior ou nienor conforme a qualidade da victima, e consistent^ as mais das vezes na entrega aos pa-

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GERAI. DO DIBBITO 33

rentes do oflendido de mua certa porç&o de gado, como car-neiros, cabras, etc.

Acciescentemof» apenas ao que ahi fira que é coi rente nas tribus da Afriea o uso dus ordalian, como nieio de prova nos casos crimes. O veneno, o fogo, a agnn fervente e ontros instrumentes de tortnra «fto àppli endos nos areusados para 8e lhes recoubecer a criiuinalidade on a innoceiwia. F" escusado dizer que coni taes expedicntes processuaes raro é o innocente que deixa de ser oondeinnado. Islo, porérn, nao p6de ser censnrado aos pobres negros i n fer i ores, porque os niesinos expedientes ireuios encontrar nu edademédia entre OH indn-europcus, de pelle branoa e cerebro largo.

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III

As grandes monarchias antigas da raça amarella» Institutos juridicos da China, Peru' e Mexico. (*)

§

Eni unia adniiravel lioyâo de liistoria, dada lia Escola Po-lytechnica de Bordeaux, no aimo de 1871, (lieyâo que infeliz-mente foi unira) o grande espirito que se ehainou Emile Littré, apresentou a se us discipulos uni programma completo do curso que se propunha a fazer, e nesse programma inseriu a seguinte nota: «Ooino entre o homein préhistorien e os egypeios, enja civilisaçâo apparece toda formada, uma lacuua existe, eu inter-calo uma civilisacSo intermediaria, cujo typo tomo entre os Mexicanos e Peruvianos».

Esta observaç&o do eminente escriptor francez aponta-nos o

(*) PONTES s-r E. Littrô, La science au point de vue philosophique;1

TrajaDO de Moura : Do Homem americano ; D« Naclaillae : L'Amerique\ préhistorique ; Th. Braga : Historia Universal ; P. Laffitte : Considérations générales sur l'ensemble de la civilisation chinoise ; A. Ott. : L'Inde et la Chine ; Ahrens : Encyclopédie juridique ; Lctourneau : Lu Sociologie e L'évolution jurid. dans les div. rac. hum.; Sylvie Romero : Ethnographia braaileira.

I

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ORK.VT. HO niRKITO

liiuiav que devenios transpor para penetrar no gigaulesco edi-ficio das antigas civilisaçôes ûo oriente, ftindadas sobre o empirisme» e artes industriaes.

BeaTuiente, de pois dos uegros inferiores que antecedente-mente estudamos, a propria classificaçâo das raças proclamada por Bluiueubac-.il, Olivier e Quatrefages, nos obrigava a descan-sar uni poiic-o no segmido degrao da escadaria que vae dos ini-| ci os das sooiedades ao s«u mais brilhanto apogeu. O troneo amarello da buiiianidudo, de craneo brac-hic-eplialo e de cerebro proporcionalmente desenvolvido, nâo podia deixar de prender-mos a attençao, conio o elo neeessario entre a selvageria priini-tiva e as elevadas civilisaçôes do oriente nsiatieo-africano e do occidente europeu.

Jà deixamos dito, n'a nia citaçao de Letourueau, que nao Isô os mongôes asiatieos eoiuo os ebamados mongoloïdes ameri-canos. derain ao nmudo docnmentos notaveis do sen val or social coin as civilisaçôes chineza, peniviana e wexicana.

E', agora occasiào de apreeiar taes civilisaçôes, no pouto de vista juridieo.

A notaçao feita por Littré uo seu programma de historia parece que nos deveria conduzir a séparai' de qnalquer outro grupo buniano os dois curiosos typos das antigas populaçôes aniericanas, que sao commumente representadas pelos qqni-cbilas e Aztecs. Certas razôcs, porém, nos assistent para en-corporar a este capitule) o estudo da velha eivilisaçâo cbineza, lligando assim por uni laço meramente logico as .très grandes monarebias antigas da raya amarella. Dizemos por uni laço meramente logico para siguificar desde ja que nâo é nossa inten-çfto nom esta em nossas idéas dar como cousa provada a origem asiatica dos povos americanos, estabeleeendo uni cordâo um-bilical de natureza etbniea entre os ehinezes, incas e aztecs.

Sabemos que tal opiniao é valoutemeute defeudida por scientistas e sabios da maior competoncia e que se» o nome de uni délies, Huiuboldt, é cnpaz de impor adlièsôes a primeira vista. Mas a vordade é que a hypothèse das successivas e di versas migraçôcs de povos do velho para o uovo mundo cm e pochas tnte-historicas é aiuda lis aub judice, e parece uiesmo ir per-

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3b OOMPENDIO DE HISTOKIA

dendo terreno deante da idéa do antochtonismo das raças anie-rieanas. idéa que mais se coaduna coin a doutrina polyphyle-Itica, vencedora hoje nos dominios da ethuogenia.

Uma bel!a aflfirmac&o do que dizemos é o notavel trabalho do DOSSO illustre patrieio Dr. Trajano de Moura sobre o Homem americano ; trabalho que levou seu antor as conclusôes se-' guintes :

« Deslocamentos de povos asiaticos para a America poderiam se ter realisado ri a epocha quateruaria, si ja entao a fauna e a| flora deste continente nâo nprescntassem caractères pecnliares, inteiramente independentes, e si por ta! facto uâo fi casse plena-mente refutadaa hypothèse da chamada ponte aleutica e do célèbre continente da Atlantide, que sô ezistiu na imaginaçao de Platao. » — «Contactas casuaes tiverain logar, coino esta prova-do, entre os habitantes do Novo e do Velho Mundo uos tempos pre-colombianos, mas nâo forain sufficientes para prodnzir uma modificayâo dnradonra nos caractères geraes do homein americano.» — «O pretendido type mongolo-americauo sô existe mes regiôes hyperboreas da Asia, America e Buropa, onde aiuda hoje é patente e franca a mescla de sens habitantes.» — «Os povos americauos, pelo conjuncto de caractères physicos e moraes. podiam ser considerados, ao tempo da descoberta, como varie-dades multiplas, constituidas no espaço e no tempo, de uma \ mesma especie indigena — Homo americanus. »

Yao neste rnmo as nossas sympatbias theoricas; porém nâo nos é licite considérai* absolutamente inanes muitas das ail égayées produzidas em favor da thèse contraria.

Beduzindo a questâo do asiatismo dos americauos ao qmi dro do uosso trabalho, mencionaremos aigu us dos facto» que a varios autores serviram para levantar a hypothèse de estreito | parentesco entre chinezes e americauos do Peni e Mexico.

O principal dos referidos factos é a tradiçâo ehineza rela-tiva ao paiz de Fu-sang, si tu ado a leste do mar oriental. (Le pays connu des anciens chinois sous le nom de Fu-Sang, por D'Her-vey de Saint Denis). A esse mysterioso paiz se réfère taniheni a obra de Ch. Levand : Fusang or the discovery of America by chinese buddhist priests in the fifth century. Como se vê deste

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GEKAL DO DIEEITO 37

expressivo titulo o autor présume que no secnlo V padres bu-i dhistas chinezes cstiverani em uni ponto qnalquer do nosso continente. A autoridade de De Guignes veio dnr força a essa hypothèse pela uffirniae&o, que fez, de que o paiz de Fu-sang era de facto a America.

Por outro lado descobertas archeologicas vieram fortifies r as presumpeôes dos asiatistas : naa rainas de Chimu e Chinca-Alta foram encontrados idolos de typo egual aos do Céleste Im-perio. Accresce ainda que aigu us au tores n'aérant insistente-mcnte notai* a extraordinaria seii'ellia nça existante entre as raças mongol icas e os habitantes do uoroeste da America. (1)

Por nltimo, o Viscoude de Nadaillae resnmin deste modo 0 pouto em questao :

«De Guignes attribue à iminigraçôes chinezas aeivilisayao dos peruviniioB. As eu ri osa s analogias que se notam nos costumes, nos regnlameutos minuciosos que attingem a todos as acçôes exteriores do honiein, o putronato concedido â agriciil-tura. a lesta animal celebrada em boura dos agricultorcs pelo inca do Perd e o imperador da China, o systema das irrigaeôes, o paganieuto dos impostos em especies, o uso dos quipog, a con-strucçâo das pontes snspeusas coiu cordas, a semelhança de certes detalhes de architectiira. a das barcas pernvianas eom os jiincos chinezes, sao todas de natnreza a justitirai- esta hypothèse. »

C'hegados a este pouto nao ê déniais observai' que o etni-uente historiador e philosophe Theophilo Braga expressamente ligou os mexicanos aos chinezes, considerando-os como ramos «la iiiesma arvure ethnica — » nu;» turaniana- Segundo a clas-sificaçao perfilhada pelo notavel autor portugnez, as raças his-torieas distribuem-se em très grandes grupos : o turaniauo (cru-1 samento do typo branco eom o amarello) o IcuschUo-setiiita (cru-samento do braneo eom o negro) e o ârico (branco extrême de crusamento).

B' verda<le que esta classificayâo tem sido rudeiiicnte coin-

(1) A semelhança é tal, dix um autor ing-lez, que sem o seu rabicho e habitos différentes, séria diffieil distinpuir os chinezes dos indios.

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38 . rOMPENDIO DR HIKTORTA

batida, sobretudo nas suas subdivisôes e detalhes cthnographi-cos. E entre os adve.rsavios do turanùmo asiatieo auiericano estai o iiosso grande critieo Sylvio Roméro. Nada importa, porém, isso ao nosso proposito, que é siraplesincnte assignalar a exis-tcneia de valiosas opiniôes era favov da ideutidade de caractères cthiiioos e sociaes entre chûiezcs e ainericauos do Mexico e Perd.

Oonsignado isto volfcamos a affirmât que si ligamos neste capitulo as très grandes niouarchias antigas da raya amarella, fazemol-o por outras razôes que nao as de Th. Braga, Humboldt, De Guignes, Nadaillac, etc.

Fazemol-o porqno, no nosso ponto de vista todo xoeiologico, eheg&mos a verificaçao de que o conjuncto das coucepçoes re-| ligiosas e poli tiens dos qqnichûas e aztecs corresponde nosseus pontos Ciipitaes ao conjuncto das mesmas concepçôes entre os ehiuezes. E' assim que vemos qualquèr desses povos no mesmo estadio da evolny&o religiosa ; a astrolatria, a phase ultiina, do fetichismo iaicial, é que domina era todos elles, uni tanto me-diticadajâ por uni grosseiro esboço de polytheismo : o inipera-dor filho do Céo e o incafilho do sol obedecem à mesma preoe-cnpayao nstrolatrica. Quanto nos mexicanos, hasta Citar estas palavras de uin amerieanista notavel : «tudo provaque o polytheismo existia entre elles, e mesmo uni polytheinmo muito infe-\ rior eomo concepçâo a a quel le que a historia nos mostra entre os egypeios e os gregos. » Si cousideramos as respectivas organisâmes politico-sociaes, aindit ohinezes, peruanos e mexicanos nos appareceni ligados logicamente por n m mesmo vinculo instifn-cional, coino veremos daqui a pouco.

Accresce que as duas nayôes americanas nao passaram o limite que sépara o regiraen das classes sociaes mais on menos liierarchisadas do systema das castas. Outrotanto aconteeeu ua China, conforme nos diz A. Ott. E digamos de passagem, que por este motivo é que nao podemos ebamar theocraticus, noj rigor do teruio, as eonstituiçôes dos povos de que se trata ; pois seguuda a lucida observaç&o de Laffitte «o que caractérisa a theocracia, cuja base é necessariameute polytheica, é o rigimen das castas e a coordenaçâo das diversas castas entre si pela pre-

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GERAL DO DIREITO 39

pondéra nc-ia du cnsta sacerdotal.» Nâo qner isto dizer, porém, que as instituiçOes dos ohinczes, peruvianos e inexicanos nào fosseni profundaiiiente théologiens. Bem ao contrario, é essa a {respectiva earacteristica fondamental.

Ex postas a largos traços estas idéas introductorias, apres-senio-nos a 1 ratai- propriaiiionle do nosso assiimpto.

§

H China.—Este iiumenso paiz da extrema oriental do velho continente offerece aos olhos curiosos dos occidentaes o especta-culo de aina naçào de cerca de quatrocentos inilhôes de i n d i v i - duos, a quai dois mil an nos an tes da era christs jà possuia a original organisaç&o politico-social qiieainda hoje apresenta.

Tracejemos ein primeiro logar o sen direito publico ; vero-mos depois suas instituiçOes de direito pi'ivado.

A constiluiçâo politica da China é a de mua monarchia absolu ta e hereditaria calcada sobre o typo domestico do patrio poder. eujo ehefe éfilîio do céo sendo ao mesmo tempo pae e mâe de fodos os chinezes. A. suprema autoridade paternal, eoncen- traila nas mâos do imperador, dirige e régula todos os intéresses publicos e privados par iuterniedio de mua extensissima rede de fnnccionarios, sahidos da classe dos lettrados. Governando em vi r i i i de de um niaudato do ceo, o imperador te m a responsa- hilidade de tu do, até mesmo das pertu rbaeôes eli mater i cas. A m un lai responsabilidade é> natural que corresponda uni poder iiiiinenso. H

Segnndo Laffîtte, as duas forças que presidiram ao desen-volvimciito graduai da civiiisaç&o chinez» forain : 1* uniu lïnnilia impérial represcnta<ia pur uni individuo uiiieo, que é o sen ehefe, 2" unia classe particular, a dos lettrados, que nao a l t i n g i u a sua verdadeira constiluiçâo senâo depois de Confucio, mas cnjos fuiidamentos existiam desde niuito an tes. R Esta classe, uuica dirigente ou governante ao lado do imperador, uHo constitue entretanto lima aristocracia hereditaria. Ella é rccrntada em todas as classes da populac&o por meio de

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40 COMPENDÏO DE HI8TORIA

exnmes diversos que conferem titnlos analogos aos de bacharel, licenciado e. doutor. A. esses exames pôde eoncorrer qualquer individuo qne qneira habilitasse ao mandarinato (1) on funecio-nalisino publiée.

Os org&os da administraçâo snperior do Estado sâo, além do impcrador, nm conseilla privado o seis ministerios que se sub-dividem em uraa iufiuidade de reparti çôes secuudarias. Uni importante e enriosissinio documento attribuido a Tcheû-kong, irmâo do fundador da dynastia dos Tcheûs, nos fornece indica-çÔes intéressantes e complétas sobre o inechanistno do direito publico chinez, qne, alias nenhunia alteraçâo notavel tem sof-frido até hoje. Esse documento é o Tcheû-li (ritos de tcheû) — especie de almanack administrative do imperio chinez, na epocha em que foi escripto (secnlo XI mites da era christs..)

Segnndo o Tcheû-li. a (esta da administraçâo esta uni pri-meiro ministro, o ministro do eêo, que é quem centralisa toda a acçao administrativa e tem sob suas ordens cinco outros ministerios : o da terra ou do ensino, o da primavera ou dos ritos, o do verâo ou da guerra, o do outomno ou da justiça e o do inverno\ ou dos trabalhos publicos.

N&o ha na organisaçâo politica da China vestigios de inter. venç&o directa ou indirecta do povo na gestâo das cotisas pu-blicas. A lei ou esta feita nos livros de Confncio ou fal-a o imperador segundo o seu criterio. Todavia vê-se pelo Tcheû-li que em très easos a multid&o era consultada em assemblea gérai : quando o imperio estava em perigo ; quando se tratava de mudar de capital ou se transportava a populaç&o de uni ter-ritorio para outro por insufficiencia das condiçôes de subsisten-cia ; einfim, quando vagava o throno e era preciso eleger mu principe. Accrescenta o Tcheû-li que tambem se consultava o povo em caso de condemnaçao capital e sô se exécuta vain os cri-minosos quando a inultidao nâo pedia que elles fosse n perdoa-dos.

(1) Convem observât que as palavrns mwndarini, mandarinato, îifio siio de origem cbineza, e sim portugueza.

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GEKA L DO DIKEITO 41

O podcr judiciario uao teni existencia independente da do 'executive, entre os chiuezes. O ministro do oulomno éo grande j jni z criminal, que por si ou por sens agentes julga definitiva- ïhente no civel e no crime. Os processos criniimies que podem dnrlogar a pena de morte sao instrnidos pelos preboslcs de justdça masjiilgados pelos ministros a porta exterior do palacio. Quan- to â," qm>stô< « eiveis, as partes comparecem à andiencia eosi uni feixe do fleciias, emblema da rectid&o de suas intençôes ou dâo trinta libras de ouro para demonstrar sua sinceridade. Os po- bres ficam coin o reenrso de tocar uni grande tanibôr collocado a porta do palacio e destinado a chaînai- a attencao do ffflio do Cêo sobre os infelizes. I

Notemos, por fini, qne a siieeessao impérial nâo estasujeita ao direito de primogenitura, podendo o imperador escolher qualquer de sens filhos para succeder-lhe, e lereinos, nas suas linhiis geraes, o direito publico chinez.

A principal instituiçâo de direito privado, a l'amilia, é altamente considernda no Céleste Imperio. Foi pelo seu typo patriarchal que se modelou o Est ado e é ella quein J'ornece aos chiuezes uma das mais importantes modal idndcs de .sua religio-sidade. fetichista— o cnlto dos antepassados e respect!vos ritos fnnerarios. Subordinayao e respeito ao pae e irmaos niais ve-Ihos, veueraçao â mâe e aos antepassados. sao os caracteristicoB da fainilia chineza, eujo typo gérai, entretanto, r.âo é o niono-gamico, pois a lei, embora t-ô reconhecendo uma mulher légitima, permitte e saneciona uni coiicubinato régulai-. Comtudo a polygamia sô prédomina entre as classes elevadas e ri cas da so-ciedade, a partir do imperador.

E' quasi excusado accentuar a iniportancia do patrio poder pas relaçôes da ta mi lia chineza : o pae teni autoridade absolu ta sobre os filhos podendo vendel-os e castigal-os até o ponto de tirar-lhes a vida. Os filhos porém, succedeni â inteslado, por qoanto o direito de suecessao é baseado sobre a mauutenç-ao da unidade das familias. Quanto ao casa niento é elle gérai mente contrahido sob a forma de compra da esposa, sendo o eelibato prohibido qner para o houiom quer para a mulher. Eis, se-gundo A. Ott., o que ensina o Tcheû-H a esse respeito : Uni of-

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42 OOMPEXIMO DE KISTORIA

ficial dos easamcntos régistni as uni Ses conjugues e providencia para que toda mu Hier seja ensnda nos vinte annos e todo o ho-muni se case o mais tardai- aos tri ut a annos de idade. Na lua do meio da primavern é ordenada umn reuniao gérai de homens e mulheres. Aquelles que n&o se eonforiuum aos editos sein mua causa especial sao punidos pelo dito officiai dos casauientos,! «pie é (plein os effectua e qiieni jnlga todos os cusos de relacôes sécrétas entre homeui e inulher-

A legislaçao, on mellior o costume, permit te o divorcio por consentimeuto ni ut no ; além disso o iiïarîdo pode répudiai' a niulber por diversos motivos, coino sejam : esterilidade, immo-t'alidade, inclinaçao an fnrto, maledicencia, etc.

A propriedade individual, movel e iinniovel, existe un Chi-j nae é protegida por varias dispostçôes de Ici. O dominio territorial proprianiente dito soffren di versas niodificaeôes no curso da liistoria. Citareraos a este proposito, as seguintes palavras de A lire n s, que synthétisant sufficienteniente a materia : «Antc-riormente ao meiado do terceiro seculo A. O. o imperador era o i inico douo do solo e a propriedade territorial era repartida por elle entre os particulares, de modo quo sobre uma extensao de terreno determinada, uove décimas partes fosse m cultivadas em proveito do doado e a outra cm proveito do doador. Mais tarde as provinciasforain dadas pelo imperador aos sens logares-tenentes seguudo a maneira feudal, e finalmente a maior parte do solo foi cedida aos particulares, a titnlo de propriedade pri-vada alienavel e hereditaria. mediante o pagamento de dizimos e a prestaçâo de services feudaes.»

Resta-nos fallar das institnicôes chinezas em materia crimi-j nal e pénal. A este assumpto consagrou Letonr-neau dois grandes capitnlos de sua obra L'évolution juridique dans les diverses races humaines. E' elaro que nâ-o podemos condensar em alguns periodos a larga exposiçao do sociologo francez, ne m isso é précise a uosso ver. Além do que deixamos dito sobre a organisaçâo judiciaria da China, consignaremos apenas o segninte :

O Tcheû-li informa-nos que os crimes dos chinezes sao punidos coin a prisao temporaria, com a coudemnaçao a trabalhos ignomiuiosos, com a escravisaeao e ainda com estas outras pe-

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ORRA T. DO WRRITO 13

lias : a inarca uegra no rosfco, H ampufacâo do nariz, a reolusâo uo palacio (castracâo), a ampntaç&o dos pèse a execne&o capital. Podiani ser aecresceutadas a essa enumeraçao outras peu as ainda hoje em us<> ; nias nos limitaremos a citar a bas-tonada de bambû, pois no dizer incisivo de Letourneau KO bain-brt bastouante é a caracteristica da pénal idade chineza. »

Ha casos, porém. em que qualqner d'essas penas é suhsti-tuida por unia composiç&o pecuniaria, porquauto, coino ainda observa Letourneau o resgate pénal existe ua China desde a mais alta antignidade, e o Chouking (uni dos mais antigos livres sagi ados) estabelece que a inarca uegra na face pode ser resga-tada por 100 hoan, a amputaç&o do nariz por 200, a dos pes e a] eastraçao por 500 e a peua capital por 1.000,

H Além do homicidio, das offensas pbysicns em gérai, do adultérin, do rapto, do incendio e do furto, a legislacao clii-| neza elassiflca coiuo crimes, e dos mais graves : a rebelliâo, a deslealdade, a deserç&o, o parricidio, o massacre, o sacrib'gio, a discordia, a impicdade, a insubordinacao e o iucesto. O homicidio, em regra acarreta a pena de morte, e si se trata de parricidio o autor d'elle e sens cuniplices silo condemnados â| morte leuta e dolorosa. I Vê-se ahi uma revivescencia do taliâo e da vingança. Terni in aremos nota H do que a justiça chineza loin mais em vista a importancia do prejnizo causado pelo facto delictuoso do que a intençâo ou grao de perversidade do deliuquente, E' assim que os homicidios casuaes, fortnitos, ou por erro, sao pu ni dos pela estrangulaçâo, e que o incendio, mcsnio quaudo accidentai, détermina a pena de bas ton ad as.

Perû e Mexico.— Na epocha da conquista hespanhola, o im-perio dos in cas ou a velha nacao peruviana, tinba cerea de 3000 léguas de extensâo e 400 de largura, coinprehendendo nos seus limites o Perû, a Bolivia, o Equador, e mna parte do Chili e da Republica Argentina actuacs. Tinha cerea de dess mil Iules de habitantes e as raças prédominantes eram as dos qquichûs e aymâras que pelos costumes e liuguagem se tinham quasi iden-ti/icado, vivendo alias os aymaras no plaiô dos Andes e os qqui-chûas nos arredores de Cozco — a capital do imperio. A tra-

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44 OOMPENDI© DE HIOTOEIA

diyfto narra, diz Nadaillnc, qoe Manco-Capac e a bella Mauia-Oello, sua irm& e mulher. fizeram conhecer os primeiros ele-mentos da civilisaç&o a tribus atë entfio selvagens e barba ras, e que & sua voz tacs tribus quebrnram sens idolos para adorar uni dous do quai o sol e a hia eram a forma visivel. Segnudo o niesmo autor P de accordo eom a legenda, Manco-Capac e Oello sahiram da ilha de Titicaca, por ordem do Sol, levando uni ranio de ouro que n'uni certo ponto dévia in terra r-se no solo. Foi em Cuzco que o prodigio se operou e OR incàs, eheios de reeon hec.imento, estalieleceram alli a séda do seu i ni péri o. De Manco-Capac a Atahualpa (l(Mi2 a 1534) quatorze incas rei-n ara ni no antigo Perû, fundando e dirigindo uni a das mais ori-ginaes e brilliantes civilisayôes da terra.

Jâ sabenios que do niesmo modo que na China, a phase as-trolatricn do fétichisme era a que dominava entre os qqnichiias, eni materia de religiao e culto. E' précise» agora indagar quai a sua organisayao politica e juridica. Vanios fazel-o, reprodu-zindo as indicaçôes do autor da America préhistorien, que tam-liem quanto ao Mexico nos servira de guia. O systema de governo era a mouarchia absojuta e despo- tica fundada sobre o respeito religioso devido ao descendente do Sol. (Como na China, onde o Impcrador é fil ho do Céo). Uma hierarchia administrativa sabiamente combinada levava dos simples decuriôes (chefes de decurias e conjunctos de decurias) aos curacaH ou governadores de provineias, nui ni dos de poderes extensos e hereditarins. (Tambeui entre, os chinezes, segundoo Tcheû-U, cinco familias formant uni grupo : cinco grupos for mant uma seeçao ; quatro secçôes fazem uma commuua ; cinco comninnas uni cautào, etc.).

Os qquichiias uao conheciam poder legislativo e judiciario que nâo fosse a vontade do inca. Em direito privado, o casa-mento era obiigatorio (tal quai entre os chinezes). Em uni dia fixo de cada anno os rapazes de vinte e quatro annos e as rapari gas de dezoito eram réuni dos na praça publica e os représentantes do inca juntavani as màos de cada par, proclainando sua uniâo perante o povo. (Os chinezes, como vimos, praticam do niesmo modo, na lua do meio da primavera). Essa uniao ao ar

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GERAT. DO DTREITO 45

livre, independentemente da vont a «le dos eaposos, era n uni«a forma de casainento. H Nos termos da legisla<;&o ou direito consiictridinario dos peruvianos ncnhum homein podia possuir mais de inna mnllicr légitima ; todavia esta rogra nao attingia os curacus on gover-nadores e o soberano, os quaes podiam pratiear a polygamia, tendo uni numéro illimitado de mnllieres. (Ainda «qui a ana-logia eom a China é évidente). O instituto da propriedade entre os primitivos pernanos nao chegou' si phase do individualisme* polio nienos qnanto ao dominio immovel e territorial. lïem podia ter chegado, nma vez que o regimen economico nili dominante era o de nm noria-Hsmo de Entado rudimentar e grosseiro. As terras dividiam-se em terras da comninnh&o e terras do sol on do inca. As pri-îneiras era m repartidas pelos individnos e familias por deter-minaçao dos decuriôes e sô durante mu anno n'eavam no poêler j dos seus eultivadon's. Toda vez que se «lava um easaim-nto n'nnia deenria, esta era ohrigada a fnzer construir nma easa para] o novo casai e a eonceder-lhe um tvaeto de terra suffi ci en te para a sua manntençao. Ao nasciineuto de eada filho a doaç&o era angmentadn de nmfanepa por cada menino o de meio fanega por eada nienina. (O funegn era a area correspondent e ao se-meamento de ce m Ultras de milbo).

A crimiualidnde e pénalidade no imperio dos iueas era m mais ou menus semelbantes as dos chine/es. Homicidios, adul-terios, blasphemias contra o sol ou contra o inca, sodomia, in-cestos—tndo isso era punido coin a | ena capital. O sodomita era-esquartejado ; o incestuoso enforcado. O decuri&o que nao denunciava os crimes commettidoB em sua decuria era passive! da mesma pena «pie o culpado. Como as vestaes de Borna, as | Virgens do Sol, que mentiam a sens votos, eram euterradas vivas. Os outros crimes memts graves eram punidos com a prisao e a fuBtigaç&o.

Passe m os ao Mexico autigo, cuja civilisa«,ao foi talvez mais original do que a pernvi.ma.

Os traitai h os dos archeologos e ethnologistas téni quasi de-monstrado que alguns secnlos an tes da era christa a America

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46 -COMPF.VniO PF. ÏÏTSTORIA

central era nma regiao onde vnrios o. grandes fiôeos soeiaes pro-jeetavam a luz da sua eivilisaçâo. O Yucatan, Honduras, Gua-teniala. Nicaragua, o Mexico, ainda hoje ostentam as ruinas de antigas cidades e monumentos, devidos ao engenho.e esforço de povos que a historia conhece pelas denominaçôes de Olinecs, Toltecs, Miztecs, • Zapotecs, Chichi mecs, e Aztees — todos, ao que parece, deseendentes do tronco Nahnate. Uma dessas po-pnlaçôes, a dos aztees. fundon profavel mente em principiosdo seeulo XIV, a cidade de Tenofchitlan ou Mexico, cnjos primei-ros edificios foram aigu mas nxiseraveis eabanas feitas de ma-deira on de barro. Dizer conio desse estadio intérim- chegaram ■os m ex i eau os a civilisaciio que os hespanliôes vieram encontrar no secnlo XVI é difticilimo ; a verdade, porém. é que elles pro-grediram original e rapidamente.

Dissemos atraz que os aztees tinham uma reïigiâô"• poly-theista muito visinha do fétichisme. Isto demonstra que os primitivos habitantes do Mexico.tinham evoluido uni poueo mais que os sens irmâos do Peni. Vejamos a sua organisa çào politica.

Segnndo os melhores interprètes das velhas instituiçôes americauas, os aztees, do mesmo modo que os outres Nahûas, nâo constitniam uni Esta do compacte e eentralisado ; est a va m organisados em uma confederayâo de tribus, compostas de clans ou calpuUi, as quaes recouheciani conio chefe snpremo mu roi ou monarcha originariamente eleito e cnjos suecessores heredi-tarios e legaes deviam ser coufirmados pelo voto popular. Na tribu cornu nos calpulli nenhuni cargo ou dignidade era hère-ditario ; era a eleiçao que os dava, coin exeepçâo do titulo de Tecahtli que era conferido por notavel mereeimento militai* ou politico. A ovganisaçâo politica do Mexico era, pois, sensivel-mente différente das da China e Perû. Entretanto as instituiçôes soeiaes erara extraordinariamente parecidas.

A tamil ia aztees aprosenta-nos o regimen do matriarchado conio dominante nas relaçôes de paes a fil h os. O parentesco pelo lado paterno sô muito tarde começou a ser reconhecido no Mexico. Apezar disso a condiçfto das mulheres em baixa e dolorosa : como nas sociedades iuferiores ellas eram considéra-

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GEKAI, DO DIREITO 47

(las propriedade. dos m a ri dos. enibora se lues concedesse o di-reito de pedir o divorcio e (le réalisai-o dada a approvaçao do volpulli.

O casainento existia e era obrigjttorio (a semelhança da China e Perd). A os 20 uimos todo lioineiu era obrigado a ca-l sar-se, exceptiiando-sc apenas desta regra os que se dedica-vani ao service) do e.ullo e faziam por isso voto de castidade. À mouoganiia era a regra da soe.ie.dade conjugal, mas a poly-gamia era tolerada o largamente praticada coino entre es Chili e/es e pe ru via nos. Nao encontramos, porém, entre os mexi-canos vestigios apreciaveis de patrio poder e de direito succès-) soral. Quanto ao primeiro é fa cil de explicar-se a ausencia pela predominancia do uiatriarcado ; quanto ao segundo parece-nos que oppoz se ao seu apparecimento a organisayâo coniniiinista dos calpuUi. Real mente os calpuUi (nucleos de l'ami lias uiiidos pe.los laços de uni territorio coin m uni e de ritos religiosos e lin-gnagem tambem communs, sot) a direeçao de uni chel'e eleito) sâo a instituicao capital das veillas tribus aztecs. Era m elles que se encarregavam da edncacao das crianças e que possuiam indivisamente as terras (calpukdli) as qnaes nâo podiam ser alienndas. O solo era'repartido eni epochas fixas pelos liomens do calpuUi coin a eondiçâo de as cnltivarem. Certas terras) (tlamilli) eram reservadas ans chc.fcs, mas reentravam no do-ininio publico cessadas as funceôes dos sens donatarios. Aiguillas outras, emfiui, eram separadas e cnltivadas para o paga-mento do tribnto devido ao rei do Mexico.

A ausencia entre os aztecs de lei escripta estabelecendo crimes e applicando penas. uao impedia que a jusfciça pénal soi réalisasse, e coin o maior rigor. O boinicidio, o roubo, o adultérin, u estupro, o incesto, a sodomia, a cal uni nia, a einbria-guez, eram especies criminaes muito conbecidas dos inexicauos, e punidas na nior parte com a pena capital. Assim o liomi-cid.i era iiiorto ou reduzido â escravidâo perpétua ; o iucestuoso era enforcado, o estuprador erapalado, o sodomita queimadu, a) i in i l l i e r adultéra esquartejada. O autor de uni roubo de objectes consagrados aos deuses era condemnado à morte ; o rouba-dor de cotisas profanas era, porém, " condemnado â escravidâo

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48 COMPENDIO DE HISTORIA I

perpétua, si nao rostiruia o objecta) roubiido. N;i hypothèse 4H rest-ifcuiçao o crime desapparecia.

Poinos ponto aqui a longa viagcni que fizenios ueste ca-pituln.

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IV

0 Direito no antigo Egypte (*)

Atravessdnios a*té agora povos p paize» euja physionomia jnridioa diffici] monte podenios apanbar em linbas pouoo nnnie-rosas e quasi apagadas. Exceptuada a C'bina, tivemos de pedir a viajantes e ethnograpbos, a antbropologistas e arebeo logos os dados necessarios au nosso estudo, e é claro que fcaes subsidios nao nos podem ter inioiado de modo compléta e satisfactorio nos segredos da complieada trama do Direito entre povos, sel va-gens uns, desapparecidos outros.

Felizmente va m os agora pisar terreno mais firme, embora

(*) FONTES : A. Enuos : Hist. Univ. de Oantû, réf. e ampl. ; Th. Bra- ga : Hist. Unit) ; Lenormant ■' Leg premières civilisations ; Bevilaqua : Egy- ' pto antigo, art. na Revista do Norte (Recife. 1891) ; R. Dareste : Études ■ d'Jmt. du Droit ; P'Agnanno : Gen. e évolue, del djr. ci». ; Letourneau : So ciologie e Evolution jurid. dans les div. race* hum ; Antigo Testamento : tiv. do Gen. Além destas fontes de fucil acceaso devem ser consultados os I livros de Herodoto e do Diodoro de Sicilia e sobretudo o Cours de Droit Egyptien de Eevillont, partiouluruiente baseado sobre a interpretayâo dos papyros modernamente deacobertos e traduzidos, H

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50 COMPENDIO DE HIRTOEIA

aboi'demos o estudo da mais antiga dits eivilisaçôcs que a Histo-ria conhece — a civilisaçâo do valle do Nilo, a original e glo-| ri osa monarcliia dos pharaôs, tâo cheia de assombros niateriaes e moraes. Para nâo sobrecarregar a nossa tare fa e sobretudo para nâo engajar a nossa humilde respousabil idade n'nin assura-] pto que os inestres, os cjnnpetent.es, inda nâo consegniram liqni-dar ; deixamos do parte a questao ethnica, abstendo-nos de in-dagar quaes os tronc-os originarios dos pdvos que, fundidos sobj a acçâo de elenientoa diverses, eonseguirain réalisai1 no extrême nordeste da Africa, era epoehas remotissinias, a br il hante civilisaçâo egypcia.

Tambem nâo faremos aqni a historia politica do Egypte, enumerando as respectivas dynastins e os grandes snccessos gncrreiros on indnstriaes dos pharaôs. Liraitar-nos-hemos a uni qnadro resuinido das institniçôes politico-soe.iaes que domina-' vain a vida colleetiva entre os egypcios, e t'eito isso passareinos a occupar-uos propriamente das suas ereaçôes jnridicas.

« Tâo longe qualité se possa reniontar na Historia, o antigo Egypte apparece como nnia sociedudo submettida a uni governoj regular, a uma inonarchia apoiada sobre o" régi in en das castas | e revestida de uni caracter sacerdotal. « Sâo palavras, estas, de R. Daveste, a que nenhunia, contestayâo se pôde oppor. Poder- j se-ha apenas accrescentar que a nionarchisi egypcia era heredi-tari a e francamente despotica, embora a este nltiiuo respeito alguns autores notaveis, firmados na autoridadc de Diodoro.de Sieilia tenliani aventado opiniâo em contrario. Olovis Bevilaqua I faz notai', era uiu de sens trabalhos, <]iie o proprio poder ospiri-tnal ou sacerdotal, que alias era parte intégrante do governo, nâo estava isento de ser annnllado ou cereeado pelo detentor do poder temporal, isto é, pelo pharaô. E para comprovar son | lasserto cita estes factos, que sâo rea) mente significatives : « Khuwu (Keoppà) ieclia os templos e interdiz os sacriticios ; j Khasora (Kkephren) seu sncecssor, nâo abaudona essa politica anti-religiosa contraria aos intéresses dos ministros do culto officiai ; Amenotep IV nâo trépida cm abolir o culte nacional de Amnion paru impor a adoraçâô de Adcn ou Aten, que nada mais é do que o Adonai de Babylonia ; no tempo da XXI dy-

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GEKAL DO DJREtTO

nastia os chefes <lo poder theocratico sao deportados para a Nubia. » Quando os primitivos nomos (peqnenos e nunierosos foeos de

populaçào e deadministraçâo local, pelos quaes debutou a con-Istituiçâo politica do Egypto) se confederaram nos principados de To-niera (Baixo Egypto) e Tores (Alto Egypto) fornecendo a Mena opportunidade de unificar ein uni Estado grande e forte as varias circuiuscripçôes politicas anteriores ; jsî o fetichismo inieial dos egypcios ascendera, passa m lo pela astrolatria, a uni vasto polythei8iuo, elaborado e systematisado pela classe sacer dotal. Além e acima dos prinieiros fétiches como o crocodilo, o hyppopotaino, o iclineiimon, o boi, o carneiro, o chacal, o ini-1 bâfre, etc. surgeiii os denses Râ, Ammon, Plitat, ffor, (teins,— o inytbo solar eni maiiifestaçôes ou synibolisaçôes diversas — e limitas outras divinisaçôes dos phenonicnos ou forças da natu-reza, como Nepra, obblador dus senientes, Seb, o amigo da ceara, Hâpi, o dadivoso factor das innndaçÔes do Nilo e da fertilidade da terra, etc.

Uni a tal elaboraeâo polytbeica deterniinara fatal meule a predominane.ia inoral da classe sacerdotal e por isso inesino a eonstituiçao de uma verdadeira theoeracia, isto é de uni régime n de castas coordenadas entre si e subordinadas â cas ta su-perior dos saeerdotes. Segnndo Herodoto erani sete as castas egypcias : a sacerdotal, a dos militares ou guerreiros, a dos coin-mer ciantes, a dos pastores, a dos guarduâores de porcos, a dos pi lotos e a dos interprètes. A estas accrescentain e coin razâo, Dio-doro de Sicilia e Strabâo a castxi dos agricultures. E' escusado dizer que as du as classes dos padres e dos guerreiros eram as unie-as privilegiadas — as detcutoras das posiçôes e dos cargos e as isentas do pagameuto de iinpostos. No vertice dessa pyra-mide social estava o pbaraô soberano, omnipotente e limitas vexes divino. (1)

( 1 ) A càpo di tutti st.'i il uovrunn. di front*.* a coi g"li stessi saoerdoti. atteza l'assolutft costitnziont* monarchica, sono de grao huiga inferiori e nei inouu-nenti sono rappresentati colla faccia nella polvcrc al cospetto dcl| loro re. (G. d'Agunnno : Qen. ed, evol. dd dirit. civ.j

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52 COMPJKNDIO DE HISTORIA

A synthèse que acabamos de i'azer da o aspecto gérai da | civilisaçao cujos segredos juridicos vamos prescrutar. Mas para dar a esse aspecto uni niaior grâo de suggestibilidade, reprodu-ziremos aqui este intéressante trecho de Théophile Braga :

I « Para se comprehender a historia social do Egypto, basta procurai- comparaçôes nas di versas epochas da historia da hu-manidade : a instituiçao da realezw era uni mixto dos peiores imperadores roman os coin o apparato exterior de uni LuizXIV ; a aristocracia era analoga aos barôes feudaes emquanto ao seu direito sobre as classes operarias e aos eortezâos da» epochas cesaristas na sua dependencia das graças dos pharaôs ; nâo exis-tia povo, mas tâo somente classes ndstrictas ao trabalho forçado, entre as qnaes se inisturavam todas as variedades da servidao— a elientella, a gleba, o colouato, o mereenarismo militai" ; o po-der espiritual era exercido por nina classe sacerdotal aspira min A soberauia, como a Egreja no tempo de Gregorio VII, nias sub-mettida a uma protecçao tutellar como no imperio de Carlos Magno ; uma outra parte desse poder era exercida pelos scribœ, especie de classe formada dos que se emancipavain pela illustra-çâo litteraria, analoga aos se ri bas da Obi na, complicaudo a ad-ministraçâo civil com todo o desenvolviniento burocratico de funccionalismo e relatorios dos systemas politicos coustitucio- ' naes. » .

A essa curiosa civilisaçao, sô conhecida até conieeos do uosso seculo pelas narraoôes dos histbriadores gregos, como He-rodoto e Diodoro de Sicilia, foi que Chain poil ion, coin a deci-fraçao dos hieroglyphos, Letroune e Peyron com a traduccao dos papyrus egypcius escriptos em grego, Brugsb e Bevjlhiji|^_ coin a interprebaçâo dos textos demuticos, vieram atirar projec-çôes luminosas, sufficienteniente br il hantes e fecundas para con-stituirem nina nova sciencia, que hoje tenta os majores espiritos — a egyptologia. Os mnseus e bibliothecas de Paris, Londres, Berlin, Vienna e Ta ri m pussuem actual mente exemplares pre-ciosos de docnmentos egypcios, escriptos em caractères démo- 'ïj ticos, e que lauçam uma grande luz sobre o imperio dus pharaos. Baseados nos trabalhos dos interprètes de taes docnmentos e to-

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GERAI, DO DIRKITO 53

inandn principalmcnte por guia o sabio Dareste, (ï) que os es-tudou de perto, podemos emprehender nossa vingem atravez das iusfituiçôes juridicas do Egypto.

I I

Tanto qnanto se pode julgar pelas fontes conbecidas, a fei-çâo juridica da primitiva sociedade egypeia era esta : faniilia constituida em moldes patriarcbaes ; pleno poder do respectivo ehefe sobre suas mulheres, filhos e escravos : propriedade iiii-1 movel perteneente em çonnnuni â familia. e por isso inesino de facto inalieiiavel. Esta, )>elo m en os, éa opiniao gérai dos egy-ptologos, embora Herodoto e Diodoro, pelas descripçôes que fizerain dos cnstunips da sociedade conjugal egypeia, tenham feito su|>por que o matriarcado era ali o régi in en dominante. Ha exagero, de certo, lias refend as descripçôes ; nias o facto é que inesnio no regimen do patrio poder, que 6 innegavel no Egypto, ha vesfigios de niuâ outra phase de hegenionia feminina si assini nos podemos exprimir. Realmente pode-se dizer com Dareste que o conjuncto das instituicôes conjugaes e familiares entre os egypcios « consngrava a liberdade absoluta da mulber e a sua doininaçâo no ménage ».

O casainento realisava-se seni formaiidade religiosa ou civil, dependendo apenas de uni a inscripçâo em registre publiée para cstabelecer a filiaç&o. Era um contracte ordinario entre pessoas agindo em plena liberdade, no quai a mulber nfio précisa va ncui do consenti mente nein da assisteucia de pae ou tutor para se obrigar. Desde que um boinem resolvia tomar como esposa a nia detei ininada mulhcr, a ella dirigia-se para obter o seu coiisentimeiito. Esfcabelecido o accorde, era eutregue & mulber nma eerta quanti a, - especie de arrbus do contracto— e o futuro marido fixa va desde logo a importancia da pensao que

(1) NSo sô tomaremos por guia o antor dos Jitudes d'histoire du Droit, comii lhc furemos constantes emprestimoa de observa çôes e palavrus, repro-dnzindo aman o traduzindo outras.

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54 COMPENDIO I)K III8TOKIA

dévia'forneccr a esposa para as despezas lia fainilia a constituir. E estava feito e perfeito o contracte conjugal. Si a niulber pos-suia bens de aigu m valor, continuava a ser a proprietari» e ad-iniuistrudora délies, fazendo se uni iuventario estimative dos moveis o estipulando-se bypotheca dos bens présentes e fnturos do marido.

Este era o typo ordinario da nniâo conjugal. Dareste affirma coin toda segnrauya que até o présente nada veio confirmai' as conjecturas dus que snppôem ter existido no Egypto unia especie de casamento civil ou de bençâo religiosa.

Nâo pensa, poréni, do mesmo modo G. d'Aguanno, por-qiianto diz o seguinte : « Conheeiani-se très especies de casa-mentos : uni servi 1 (aqnelle cm que a mulber ficava escrava do boiiiein a que ni se unia), outro, uo quai era esta bel ecida aigual-dade de direitos, semelbaute a coiifarreatio dos roinanos e pelo quai dava-se certa coiumunhâo entre os conjuges ; outro, final-, mente, que pode collocar-se entre as dnas especies citadàs e que ge fundava sobre qnalquer dotaçao ou présente nnpcial que o marido fazia â mulber. »

Quauto ao chamado casamento servit, nâo temos du vida de que os egypeios o praticavam. Ha pelo me nos uni docunieuto que o prova e que vem trauscripto no Corso de Direito Egypclo de Revillont e ua- obra de Paturet sobre a oondiçâo juridica da mulber. E' uni contracte matrimonial eelebrado no aimo 4* do reinado de Psaninietico, da XXVII dynastia, entre unia mulber de nome T'énesi e uin tal Anuuon, e no quai entre outras de-elaraçoes bastautes expressivas se lecm estas pal a v ras : « tu me deste, e o meu coraçao ficou satisfeito, o preço coinbiuado para que en me torue tua escrava. »

Egual base documentai nâo tem o casamento que d'Aguanno compara a confarrèatw roinana. Para procéder coin segu-I va n ça, devemos porta nto fallar apenas de um casamento servil, naturalmente a forma priinitiva das n niées conjugaes no Egypto, e do casamento sein formaiidades civis ou religiosas, livre-niente coutractado pelos un bontés conforme o exposemos açinià.

A polygamia e o uso fréquente do divorcio eraui os contra-pesos natuvaes das regalias excepeionacs da mulber egypeia. O

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ru? K DE

RECURSOS GERAI. DO DIREITO

conjuge do gexri nmsculino, descle que nao fosse sacertrej^felQT££>* que. semlo-o era nbrigado a uionogaïriia) podia coutrahir casa-J tne.nto ou faze.r eonlraotn eguul coin varia» mulliere». Quaiito ao repudio da esposa, ou divoroio, fioava elle ao arbitrio do inai'ido. coin tantoque indemnisasse, a repudiada com nma certa qnantia e se obrïgasse a fazer sens herdoiros os filhos do casai.

('omo eoiisequeiicia deste regimén, a iudependenein dos filhos e a nenhuma disl.iue.eao entre natura.es e legitinios ei'a regra entre os egypcios. Todo» os filhos lierdavam, sein dis-tineyao, e por partes eguaes, cabendo, entretanto, ao mais ve-|lho, a t i tu lo de indeinnisayao polos euoargos da sncoessâo, uni quinhiio inaior. Tainbein era regra gérai no Egypto o cusa-mento entre parentes, sendo apenas proliibido o inoesto entre aseendentes e descendentes. Nada era mais fréquente, com ef-feito, do que os casumentos entre irmâos e irinans, os qnaes | porduraram até muito tarde, como se veriftea pelas narra<;<Vs relativamente récentes de Philon de Alexandria e de Diodoro de Sie.ilia.

Affirmamos em oomeço que na fa nii lia cgypeia o cominii-nisnio territorial era o régi mon da propriedade. E' isto verda-de mas uïio é a verdade inteira. Tal régi mon foi o dos pri-meiros tempos ; qnando sob es reis pastores e principalmente uo tempo dos Ramessides a proponderancia politica passou dos sacordotes para os mil i tares produzindo o ascendente da realeza, j o doininio emiiiente das terras passou tambem da familia para o Estado o a propriedade territorial foi reparbida entre o roi e as dlias classes ou castas snperiores. Nao parou ahi a transl'or-niaeau. No oitavo secnlo antes de nossa era, as reformas do rei Bocclioris lundiJiearam coiiipletainente o regiinen anterior. Foi no reinado desse pharaô que se estatuiu a liberdade dos contractes e tal progresso juridieo abriu eamiiiho a propriedade individual o alienavel. Affirmaui os tradnctores dos textes démo ticos que lia nelles provas decisivas de que na epocba refe-rida ,jâ a p r i m i t i v a connnnnliâo de familia estava dissolvida e a propriedade passava de mao em mâo por vendas ou aliéna-

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çôes, para as qnaes o chefe rie familia apenas preci.sava do consenti ine.nto da mnlher e fil h os.

Ein gérai os escriptores desta inateria assïgnalam apenas conio traço caracteristico da propriedade no Egypto o primi-tivo coramunismo da familia. Mosmo d'Aguanno nâo vae adean-te, litnitando-sea reproduzir os dizeres do Herodoto e Diodoro sobre a triplice partilha das terras entre o monarcha, os sacer-dotes e os militares. Os documentes hoje descobertos e deci-frados sao mais éloquentes. Assevera Dareste que elles « nos mostram a propriedade const ituida mais on menos como entre nos e raaito dividida, embora sen gozo permaneça commuai entre os co-partilhantes. »

A translaç&o da propriedade fazia-se mediante très aetos, que nos podoremos denominar : venda, juramento e tradicçâo. O primeiro, cbamado acto para dinheiro era o accord o passade entre o vendedor e o coiaprador, designando o objecto vendido, constatando o pagamento intégral do preço, e contendo a pro-niessa do vendedor de complétai' a venda pela celebraçâo dos dons outros actos e pela entrega dos titnlos de propriedade. O segnndo acto, de caracter religioso, era ara acto de affirmaçao coin juramanto prestado peio vendedor. O terceiro consistia na" entrega ou passagem da posse ao comprador- Com o correr dos tempos caliiu eiii desnso o segnndo acto e os contractos de com-pra e venda vieram a fazerse apenas por dous actos : uni que transferia a propriedade, otitro que investia na posse.

Uma dnpla originalidade notava-se liesses actos : — estipu-lava-se sempre o pagamento intégral e â vista do preço, e nâo se indicava a somma ou quantia que constitnia o niesino preço. A exigeneia do pagamento intégral e a vista faz suppor que no I Egypto nâo era conbecida a venda A oredito. Esta fazia-se, po-rém, e tambem de nm modo originalissimo : realisavam-se si-multaneaiuente duas operaçôes ou contractos : nm de venda a diuheiro a vista e uni outre de mntuo, pelo quai o vendedor emprestava ao comprador todo preço ou parte délie.

Expoudo e comme.iibando estas pecnlaridades do direito egypeio Dareste observa que a venda coin pagamento & vista era uma consequencia das idéas primitivas sobre a força obrigato-

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GERAI. 00 DIREITO 57

rit» dos contractos. Eis as snjis proprias palavras : c Os bomens so pouco a ponco chegaram a comprehender que uma obrigac&o civil pode resaltar do simples conçurso dp dnas vontades. Para que o compromisso fosse considerado como irrevogavel era pre-eiso nos tempos mais remotos algnma consa mais : por exe ni pi o : nma prestaçâo feita por nma das partes, e assim, para fallar al ling'.iagem ticbuica, os contractas reaes prccederam por toda parte os conl raetos puramente consensuaes. »

Esta coi clnsâo e gérai meute admittida como nma das limitas leis particulares da evoluçâo juridica, e de tal valor é cl la, que o proprio G. Tarde coufesson baver « nma verdade parcial e relativa » cm tal asserçâ-o de Dareste.

Uma vez que fallando de transi uissâo de propriedade abor-j dâmos a materia dos contractos coin pie t en i os coin aigu mas ou-tras as ligeiras noçôes dadas sobre o Dircito das obrigaçôes entre os egypcios. Jâ vimos que elles conbeciam o emprestirao como elemento constitutive da vendit a credito. Accrescentare-mos que eram communs os emprestimos de dinheiro ou de frigo e que o penhor. a hypotbeca. a locaçao tinbam uso fréquente. O praso dos emprestimos era sempre curto e a demora no paga--înento fazia incorrer o devedor cm uma forte clausula pénal. No caso de nâo pagamento o credor nâo tinha direitos sobre a pessosv, si m apenas sobre os liens do devedor. Os contractes de iocacào ou arrendamento de terras tinbam logar ordinariamente pelo praso de uni anno. A prova dos contractos dévia ser feita por escripto ; na ausencia délia era admittido apenas como prova o juraïuento do proprio devedor. A escriptnra podia ser particular ou feita perante officiai pnblico, da catbegoria dos nossos escrivaes e tabelliaes. mas dévia sempre ser feita deante de testeinunbas (cinco a principio e posteriormeute sete) as qnaes eram obrigadas nâo sô a assignai' como tambem a copiar o contracte.

Quand o tratâmos do modo de constitniçâo da faniilia egy-peia dissemos aigu ma cotisa sobre herança on snecessao ; por outra, sobre a maneira pela quai herdavatn os filbos, quer le gitinius quer naturaes. Aecicscentaremos nesta materia o se-gninte : Nâo era conhecido o testamento. Para bénéficiai1 al-

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guem que nao porteucesse a sua fa milia, o respective chefe tinha de recorrer a adopeao, que era ïnrgamenLo praticada. Dissemos que o fil ho mais velho era o encarregado de fazer a partilha dos liens, razâo pela quai o seu quiuhao era sein pré' ni ai or que o dos déniais herdeiros. Entretanto parece que na niôr parte dos casos a divisao da herança era feita pelo proprio pae de faniilia, quando se aproxiniava da morte. Pelos me.nos Kevillont, fundado em textos demoficos, affirma que o pae ou chefe dava a eada uni dos filhos sua parte de herança légal, njuntando uni» penalidade para aqnclle que offendesse os ou-tros herdeiros. Os filhos de pae desconhecido herdavain apenas de sua mae. Comtudo o reconhecimeuto ou perlïlhaçâo de quai-quer délies dava direito a herança patenta.

Passenios agora a dizer algo da organisaçao judiciaria e por Jim do direito pénal do Egypte.

Dada a organisaçao theocratica do Estado era natural que a al ta administrayâo da justiça coubesso aos sace idoles sob a su-prema direeçao dos pharaôs. Real m en te era m os padres os ma-gistrados superioves, do mesmo modo que eram elles os lança-dores de impostos, os fiscalisadores dos pesos e niedidas, etc. Xem podia ser de outre modo visto que eram elles os dépositaires da chave hieroglyphica dos oito livres de Thôt— os sa-j grades livres das l'êis decretadas por Isis.

O que sabemos da orgauisaçào judiciaria egypeia é innito pouco e chegou até nos por intermedio de Diodoro de Sicilia. O velho historiador fallu de um numeroso tribunal suprême, composte de trinta juizes escolhidos entre os mais notaveis sa-cerdotes de Heliopolis, Meniphis e Thebas e incumbido de diii-i i i i r todas as questôes, eiveis e crimiuaes. A existeucia desse tribunal esta hoje, alias, plenamente confirmada pela descoberta e traducçae de um papyro em que se faz mençào do présidente que dirigia os trabalhos dos triuta jnizes. As nor mas procès -suaes nsadas perante o referido tribunal eram simples. Osplei-teantes deviain comparecer pessoalmente e produzir por escri-pto suas allegaçdes. Cad a parte tinha direito apenas a u ma repliea- Os jnizes deliberavam em segredo e davam. as seu-tenças proferindo um aim ou um nâo, que nâo precisava ser mo-

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«ERW, no OIRErTO 59

tivado. O présidente do tribunal, entao. confirmava mnda-mente a sentença, applicandn sobre a fronte do pleiteante victo-rioso a figura da verdade — mua peqnena estatueta de olbos cerrados, que.trazia pendent* do peseoço' Abaixo do tribunal dos 31 estavam osjnizes das provincias e das cidades, que jfll-gavam as questôes de pouea monta ; aciina délie esta va o rei ou pharaô, que podia avoear todas as causas, jnlgando-as por si mesmo on fazendo-as jnlgar por qnem quer que désignasse, visto que era elle o grande jniz instituido pelos denses, o inves-tidor e o remnnorador das funcçôes-dos magistrados.

Do Direito pénal egypcio podiamos nos l imi ta i ' a dizer o que se lé em Davestë, isto é que os papyros gregos e domoticos nada revola m sobre elle, e que a interpretaç&o dos papyros hie-roglyphieos publicados por Bireh, CL a bas, Devenu e Maspero nao é ainda sunïciente para dar-nos uma idéa justa a respeito. Nao obstante resumiremos o que se encontra nos an tores de mais nota sobre tal assumpto, que alias é competentemente tratado por Letonrneau.

Na Biblia e nos eseriptores gregos temos referencias unine-rosas a oertos aetos deliotuosos e respectivas penalidades. Be-corrondo a estas fontes, verincamos, por axemplo, que o homi-cidio, o parricidio. o infantecidio, o roubo, o adulterio erani crimes puni dos severa e mesmo barba rameute. A morte, a re-dncçâo à escravidâo, as mutilaçôes de toda a ordem eram peuas comninmente applicadas conforme a natnreza do delicto e sem-pre n'uina intima relaçao coni este, isto é, obedecendo ao prin-eipio do taliâo. Verificamos, outrosim, que o processo criminal tinha a tortura como o principal meio de instrneçao e que em fait a de outras provas recorria-se ao juramento das partes ou a os oraculos dos deuses.

Acabamos de fallar em taliâo. Coin efleito pode-se affirmar que essa modal idado da vingançr. primitiva era a base das con-cepçôes juridico-penaes dos egypeios. Letournean faz notar que entre elles as peuas eram tanto quanto possivel expressivas ou analogas aos crimes. Por ontro lado Bevillont réfère se a nm dialogo 'entre dois fétiches, em que se le o seguinte : « Aquelle que mata sera morto ; aquelle que manda matar sera morto. »

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60 COMPEND!0_J)E_JIR5TOK!A

Entre as posas expressive» de que falla Letourneau, aigu mas nos fazeni conhecer outras especies de crimes, além das que in-dicamos. Sao ellas : a calumuia, a fabricaç&o de moeda falsa, a descoberta ou delaç&o dos segredos de Estado, a falsificaçao dos pesos e raedidas e a dos sellos publicos ou privados. O ca-lumniador soffria a pena que mereceria o calumniado si a im-i putayào fosse verdadeira ; o nioedeiro falso e o falsificador de medidas on sellos soffria m a niutilaeao de anibas ou uma das UI&08 ; o delator de segredos de Estado perdia a lingua.

O homicidio arrastava fatal mente a pena capital ; o par-1 ricida era pnnido coin a morte sobre uma fogueira, depuis de se lhe ter amputado as maos ; o autor de uni infanticidio era con-demnado a ter ligado ao eorpo durante très dias e outras tantas noites o cadaver de sua vietima. A mnlher adultéra foi a prin-cipio punida cou» a morte, posteriormente coudemnaram-n'a a ter o nariz amputado ; o estuprador era phallotomiaaâo, o que significa que era punido por onde tinha peccado ; o ronbo. a semelhança do adulterio do mulber, foi a principio punido coin a morte e mais tarde coin a inutilaçao do nariz. Quanto ao ho-meiu culpado de adulterio sem viol en ci a, a pena que lhe cabia era a de mil vergastadas.

Abstrahindo dos delictos sociaes, ou das disposiçôcs penaes que serviam de sancçâo as numerosas e miuuciosas leis policiaes — s&o estes que ahi ficam os tracos principaes do direito pénal egypcio.

Finalisaudo, oumpre-nos apenas observai- que a lcgislac&o por nos estudada refer«-se unicamente ao Egypto anterior as occupaçoes grega e romana. A partir dos Ptolomeus o Direito da velha monarchia pharaonica começou a sotïrer modificaçôes sensiveis, sob a influiç5o dos costumes e leis da Grecia. E' ver-dade que os gregos e romanos procui-aram respeitar quanto pos-sivel os usos e leis indigenas on locaes, ; mas apezar disso traus-forraaçôes importantes se operaram, que deram ao autigo direito uma physiouoniia difterente da primitiva.

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Aryanos e iranianos. ~~ 0 velho Direito da India e Persia (*)

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Como viajante tenterario que da entrada eni terras da pntria depois de ter ealeado por niuito tempo solo estrangeiro, chega-iiios nos agora âqnclla regiSo do oriente de onde sali ira ni eut epocha iudeteriuinada os geradores dos nossos caractères ethni-cos e de todas as nossas aptidôes sociaes. Estanios no paiz de origent, no berço tellurico dos avôs; estanios na India, que, no dizer de Bitumer Maine, é «o grande inttseu onde se aehant re-iinidos todos os pheiiotnenos de antigos usos e de autigas idéas

(*) FONTES : — R. Von Jhering : Les indo-européens avant l'histoire ; Adolphe Pictet : Les origines indo-européennes on les aryas primitifs vol. 1. ; Fompeyo Gêner: La mort et le diable; G. Carie : La vita del Di-\ritto net svoi rapporti colla vtta sociale ; A. Ott. : L'Inde et la Chine ; Ahrens :' Encyclopédie juridique, vol. 2',; H. Stunner Maine: Les communautés de village en orient et en occident e Etudes sur l'ancien droit \el la coutume primitive ; d'Aguanno : Oen. e evoluz. del Diritto Civile ; Letonrneau : Evol. jur. dans les div. rac. hum. ; Dareste : Etudes d'histoire du Droit.

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62 GOMPEXDTO DR HTSTORIÀ

juridicas ainda snscepbiveis de verificaçao. » Soraos latines, o,\ como taes, rennidos aos gregos, celfcas, gernianos e lithuanos-slavos fcivemos a tenda auccstral no traclo de terra asiatica onde medron e de onde irradion o poderoso nueleo primitivo da raça aryana. Este parentesco é lioje nm easo jnlgado. «O reconhe-cimento de. qae todos os povos indo-europeus descendein dos Aryas é uma das niais hrilhautes descobertas scientificas do sc-culo XIX»— disse R. Von Jbering, e acerescentou : «Na noîte do période de niigraçâo que nenhuma infonnnçâo eselaroce, pre-parou-se o fntnro da Europa ; é a obseuridade do sein mater no. O Hindû actnal e o enropen sâo seres absolnta mente différentes, e entretanto elles sâo os fillios de nina s6 e mesina mae, irmaos geineos de nina natnreza originariameute idrntica. Mas uni délies, o primogonito, fleon como herdeiro da casa paterna, ao passo que o mais raoço, entregue a si niesmo, atirou-s» ao mnr, peroorrendo todos os oceanos, affrontando todos os perigos. Vol-tando apôs longos an nos elle nâo reconhece sen irmao gemeo, de tal modo a vida os differenciou. O Hindû actnal é o primo-j genito, o enropen é o irmao mais moço. »

Coin effeito, as modernas seiencins da lingnistica. e da pliilologia, nmh.is estudadns pelo methodo comparative cotise-1 guiram assentar em bases solidas a doutrina de que as varias fa mi lias ethnicas componentes da eivilisaçâo occidental s.*o to-das ramificaçôes de nm mesmo tronco que a Asia central via brotar e crescer, coin nina seivosidade pnjante. Qne esse tronco é o da raça a qne se da o nome de aryana, e que tal raça creou uma lingnageni-inae de onde derivaram todos os idinmas dos povos indo-enropeus on indo-gerinanieos(l) —sâo consas actnal -monte quasi incontraversas. A descoberta e estudo do sanscrite e do zend e a coiuparaç&o délies coin as linguas europeas leva-ram il essa conclusao a generalidade dos lingnisfcas, philôlogos e ethnologos.

A palavra sanscrita arya, tomada snbstantivamente, signi-fica : dono, senJior ; como adjectivo significa : fiel, dedicado,

(1) R. von Jhering préfère a denoininaçâo de inâo-europeu» ; A. Pi-etet repelle ambas, adoptando a désignais o de familia nrijivnn.

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GERAI. DO DIKEITO 63

wiriind», excellente, Qunndo os nossos JIVOS nsiatieos a emprega-vam n'uni sentido genealngicu ou ethnico davam-lhea signifioa-y&o de eeneruvel, excellente, de boa raçn. E queiu dira que tae.s| aftribntos nâo cabem a gïorïosa estirpe liumana, de pelle braura, niais ou menus al va, de IVonte espaçosa e alla, de cranoo beml eonformado, de inaxillares reduzidos, eiifos dese.ender.tes e représentantes, toniando o rumo do sol, claboraram eni varios pontos do nosso plaueta a assumbrosa civilisa çao de que goza-■nos e nos orgiilhamos hqje?

Dissenios que foi a Asia centra] a patria origiuaria dos ttryiut antigos. Partic.ulurisando niais, podenios dizer que o énorme platô do Iran, «o innnen.so quadrilafero que se estende do Indu ao Tigre e ao Euplirates, do Oxus e do Iaxartes ao Golpho Persieo» foi a séde cotniiiuiii da grande raça. Quanto a deteriuinaçâo exaetn do ponto do platô onde viveram e dw onde se destacarain, eni direcçôes diversas, os nossos antepas-sados arycos, soinos obrigados a confessai- que a scicucia nâo den ainda a sua ultima palavra, liavendo aie sérias divergen-cias entre os autores. Coinludo ha uma hypothèse, apoiada por fortes dados sc.ientificos : é a que fixa aqnelle ponto na Bactria-ii;i- ou Balkh actual ; isto é, na regiâo situada entre os 33 e os 38 gràos de latitude, a quai se estende entre o Hindukoch ao sul, a Buckaria ao aorte, o Belotag a leste e os territorios de iMerw e Herat a oeste.

Uma série de presuinpçôes cada quai mais plausive!, ou inelhor uma série de importantes subsldios fornecidos principal-; niente pela linguistica, autorisaram Adolpho Pietet, o sabio aviil or de « Le* origine* indo-européenne» ou les tiryas primitifs a | dar coino provavel a hypothèse de que foi a regiao geographica aeima delimitada aquella que foriicceu aos uossos antepassados o se u prinieiro ])ouso,.on antes a primeira morada coin mu m das tribus arycas.

Acceita esta hy| othese, que é, aliâs, a mais corrciiteinente admit lida, devemos quanto antes voltar os olhos para a épigraphe do nosso c a p i t u l o e lai lar dos iranianos. Nao ha uisso a miuima difliculdade porqiianto aryanos e iranianos sào apenas dois ga-lhos do înesmo ratno cthnico. Tratando da Persia no seu adini-

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64 COMPENDIO DE HIBTOBIA

ravcl livro intitulado La Mort et le Diable, o grande escriptor hespauhol Ponipeyo Gêner escreveu coin razâo : «Nasaltas pla-j nicies da Bactriana, em nina epoeha tao longinqua que se perde na noite da origem das civilisaçôes, encontramos o povo do Iran, povo ai .vano, irinao dos Aryas da India e dos Aryas que povoarani a Europa. »

A. opiniâo emittida neste trecho de P. Gêner esta fora de qnestào. Ha autores até que tratam os iranianos pela denorai-naçâo de aryas de, Zoroastro on aryas da Persia. Entre taes autores podemos citar A. Ott. E quando houvesse duvida a rcs-peito, fiearia ella defeita coni estas painvras de Pictet : « O que se pôde demoustrar de uina maneira précisa é que os Aryas deveni ter-se dividido priniitivamente em dois grnpos. uni oriental, outro occidental, dos quaes snhiram, de uma parte os Aryas da Persia e da India, e de outra os povos europeus. » Fnndados ainda na autoridnde de Pictet podemos dizer que, dada a Bactriana conio séde dos primitivos aryanos, os iranianos eram os aryas.de uordeste e os indianos ou h in dus erain os aryas de sud este.

Houve uma epoeha em que esses dois grnpos eniigraraui da morada conimum : nm marcliou a principio para os altos valles das nioii tai i l ias de leste, de onde vol ton mais tarde para povoar o Iran ; outra seguiu pelo valle do Indo, afcravessou-o, estabele-ceu-sc no Pendjab e espraiou-se depois por quasi toda a penin-sula liindostanica'

Sâbido isto, compreheude-se o niotivo pelo quai reuniiuos neste capitulo a India e a Persia antigas, para estudar-lhes as instituiçôes de Direito. Conicçaremos pelos hindus; occupar-nos-hemos depois dos persas.

§ '■-*

huila. — Quasi todos os autores tacita ou expressamente accordam em dividir a liistoria antiga dos hindus em dois pe-riodos principacs : o oêdieo e o brahmanico. Esta*» denominayôes sâo tiradas dos docmnentos ou fontes onde se encoutram infor-

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maçôes niais ou menés exaetas sobre a organisaçSo social e sobre as idéas e costumes dos aryas da Iudia. Mas a divisao alludida nfto tem s6 esse fuudaïuento de caractef docamentario : ellft é real e fecnnda porqne corresponde a du as epochas disti notas da oivilisaçào dos bindûs. Bloquante estes, organisados em lami-1 i fis, ou qnando uiiiito em clans ou tribus, conserva ru m as mo-destas iustiliii(;ôcs religiosas e patriarchaes que haviani trazido da B.:ctrianu e que os Vèdan cousagravain, a ciyilisaçâo dos aryo-indios t.*ve uni aspecto di verso da dos tempos subséquentes cm que preponderando os brahmanes, ella revestiu uni carncter politieo e social muito mais complexe.

Devemos, pois, ad m il tir coin G. Le Bon, G. Carie e outres autores, a suecessôo dos dois citados periodos na desenvolue&o social dos hindiîs. Abrens distribue esta desonvoluçuo em quatre periodos, que a final corresponde!» fiindamental mente aos dois iudicados. E' que o notavcl profess< r de Leipzig ligou a historia dos bindus «â inudança e a extensâo de sens estabele-ei montes » e nao as suas coneepcôes de ordem moral e politica.

Para o estudo do periodo vâdico temos os livros sagrados que ja citâmos (os Vêdtu, que sâo em numéro de quatre : o Rig-\ Yt'da, o Sama-Vêda, o TadjurVéda e o Atharva- Vêda) e como fontes subsidiarias possuimos os grandes poemas epicos institu-lados lïamapana e Mahabharata, eoniposicôos au inesino tempo historiens, mythologicas c pooticas, que. nos fascina ni pelo grandiose de sua concepçao e pela riqueza de imaginnacâo dos seus anlores. Recorrendo a esses citriosos docunientos indianos, ou autes a sens traductores e coinnientadores, ser-nos-hia taciJ com-Ipôr uni quadro largo e suggestivo do primitivo esta do social dos h indus. Mas como as indioaçôes de ordem juridica espontam muito rara e parcamente em taes obras que (sobretudo os Vê-1 dr/s) têm mua caracteristica essencialmente religiosa e mythica, deixamos de parte a analyse délias e vamos dar, em synthèse, uni esboço do Direito que apenas transparece atravez dos seus hymnes sagrados e das suas fieçôes poetieas. Neste intuito to-inamos emprestados a B. Da reste os periodos seguiutes : H « Quando os Aryas desce.ram as plan ici es do Indo e do Ganges assemelhavam-se aos herôes de Homero. A compra da

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66 OOMPENDIO DI. HISTOR1A

mulher era :i forma do casnmento, e o direito cri mi nid intciro consistia em uma série de compoinçôes exaetamente tarifadas se-| gundo a grnvidade do danViio. O preço dosaugue era pago emj 11 m certo numéro de vaeraa e un» tonro. Gaula ma (um dos livres brah maniées mais a litiges) nfto eonheee outra moeda. Vis-I chnu (nas suas Insiilulas) falla dp uma certn moeda de cobre, mas em sous eseriptos a tarifa conserva uma progressai» toda arcliaica : Si um homem levaiita a mào para bâter, pagarii 10 ; si levant» o pé, pagarsi 20 ; si levant»' um basf&o, pagarâ 200 ; si usa de uma arma, pagarâ 1,000. A oiganisuçôo patriarelial da familia on tribu, a pratica (la adopcâo, certas medidas toma-l das para assegn ra r uma posteridade li et ici a ao homem ni<>r.to| sem filhos, sîio outres tantes t-raços earaeteristicos de. civilisaçà.oj primitiva, que os primeiros codigos hiudiis constatam. bnscando supprimil-os e modifical-os. »

A esta perfunetoria apreoiaeâo do citado historiographo-Ijurista acereseentaremos apenas mis ponces traçoe, que se nos aligurani dignos de relevo.

Os A r y a s do peviodo vedico nào conslituiaiu um Est ado, iicm inesmo uma naçao ; nào ehegaram a coneebpr e organisa r uni governo além do patriarelial. (1) Familia, clan on tribu rennia-se no aldeiamento e délibéra va collectîvamente sobre os cases graves déliai xo da direcefto d<> pao on chefe. que era o de-positario despotico das fuiiceôes exeeurivas, judiciarias inclusive. O regimen da propviedade territorial era o do comnin-l nisnio de aldeia ou tribu, conforme deixon dito Sbrabào e foi modernameute contirmado pelos trabalhos de Spencer. d« Lave-) leye e deSumner Maine. As terras eultivàveis eram-n'o em co'm-I I I U I I I ]>or t pilon os habitantes da aldeia, sendo no fini de cada a u i i i i dividido o produeto da cultur». Vem a proposito citar

(1) Temos até agora indicado sufficientemeute a natureza do regimen pa-triarelial ; nào obatante julgomos conveniente aclarar a îioçâo que temos dado com a segminte esplendida definiçâo de Smnner Maine : <t A familia patriarelial é um grupo do homens e de mulheres, de filhos e de escravos, de proprie-dade animada e inanimada, tinidôs por um laço de sujeiçno commun ao pntrio poder do chefe da casa. >

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«KitAJ. no nrREiTo 67

estas palavras de S. Maine : « A vida que levava outrera en» conunnm o grgpo on a communidade fraginentou-se até permit-jtir a apropriaeao privada do solo cul tu i ado, nias nâo à(!é tolerar 0 abandono do systema de rnltura communi.sta. » Junteni-se a isto senti mentos altainente cavalheirescos para coin a» mtilheres e uni verdadeiro culto pela familia, e estarâ desenhado o typo do byndà primitive. (1)

Vejamos o que foi elle no periodo brahinaiiico, indicando préviamente as fontes p ri m arias e capitaes de onde sâo extra-faidos os conbeci mentos (pie sobre tal e pocha possuimos. 1 Até meiados do uosso seculo os imicos documentes da litte- ratura iudiana. que couheciamos, erani, além do Ramayana, do Mabbarabla e dos Vodâs, o célèbre Codigo de Manu (o Ma H ara Dharma Sastra) e o livro, inuito mais récente de Yajna-Valkya. Mas de uns trinta an nos a esta parte alguns ontros forain des- eobertos e traduzidns, forueccudo aos indianologos e principal mente à sciencia do direito liindù no vos e magnifions, stibsi- dios. Estes ontros doeunientos silo os seguintes : As Institutus de Narada, que sâo mais on nienos coutemporaneas da compila- ç&o Yajna-Valkya, as InstituUin de Vischnû (trndu/.idas pelo Dr. Joli y, que tambein foi o traductor de Narada) e as de Gau- raina, Baudhayana, Vasishtha e Apastamba (traduzidas pelo Dr. Biihler.)

A divulgaeâo destes trabalhos foi da mais compléta oppor-tunidade e eonveniencia, por quauto o classico livro de Manu jA era snspeitado de nos dar noticias inuito pouco authenticas da veilla civilisaçâo bralimanica. Bealmente é hoje pouto liqnidadoj que o Manava Dharma Sagtra é inuito mais récente do que a col-

(1) E' possivel que em epoeha muito remota. talvez contemporanea do estabelecimento na Batriana, a familia aryca nâo ostàvesse constituida como a oncontramos no periodo vedico. D'Aguanno apoiado em nm trecho do Mah-harnli ta faz ver qne deve ter existido entre OH primeiros hindus nm periodo de promiscnidade e de regimen matriarcal. Eis o trecho em que se baseia o civilista italiano : 4i Houve um tempo no quai vil a era um delito »er infiel ao esposo, antet um dever... As mulheres de todaa us classes sâo communs ; como\ \sSoai vaeeas sâo un mulheres... Foi Cweta-Kitoit que estabeleeeu restrieçôes] para os homens e mulheres sobre a terra.1> {Mahablwrata, 1. 503, v 4719—22.)

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68 OOMPENDIO DK HISTORIA

lecçao de IustUutas tradnzidas por Bahler, sei-vindo para argumente nesse senti do a circnmstanoia de ser elle escripto em versos— uso que na Iudia foi inuito posterior ao dos livros em prosa aphoristica, segundo provon M. Mol 1er. Este sabio che-gou a déclarai', e com approvaç&o de S. Maine, que o cita, o seguinte : « Quanto ao Manava Dharma Sastra, o Mann tradn-zido por William Jones e que sens institntores indigeuas affir-mnvam ser a base de todo o direito sagrado da India, é nnia re-dacçao tard i a da dont ri na légal dos Manavas, gêna ou clan por-tadora do uome de nui Mann mencionado freqnentemente na ilitteratura sanskrita mas que o antor do livro actual menciona como alguem différente do proprio. Si o velho Mann tivesse eomposto nm livro de direito (o que é duvidoao) elle nâo teria certameute escripto no métro poetico do codigo actual. » (1)

N&o obstante teremos de pedir a esse velho Codigo (que segundo todas as probabilidades foi redigido um on dois seeulos antes de nossa era) militas das informaçôes de que eareeemos sobre o direito hindii, na sua phase francamente brahmanica.

Este segundo periodo da evolnçae dos aryo-indios corresponde ao fixainento destes na parte su péri or do Hindostâ-o e nas margens snperiores e médias do Ganges. Caracterisa-se elle, no ponto de vista politico, pelo evento de uma constituiç&o mo-narehica, substituindo o velho pu 1er frngmentado dos chefes de familia ou de tribu ; no ponto de vista social, pela systematisa-çS.o do régi m en das castas e correlativa preponderancia da classe sacerdotal on brahmanica, — o que vale dizer por uma organisa-ç&o theocratica da sociedade. Uma louga elaboraçào polytheistu,' saliida da astrolatria, como no Egypto, dera a base mental para o predominio dos sacerdotes, meros poetas-philosophos na epo-cba anterior celebrada pelos liynmos vedicos. Dos denses na-turalistas Indéa e Agni passa-se à Irimurta, triada ou trindade

(1) Yê-se como é différente a versâo scientifica da outra em que Mann apparece, segundo a legenda, como o primeiro homem, sohido de Brahma, creador de Inêra e de toda a cohorte dos denses, tendo um filho que lh« nasce' do umbigo como as diversas castas haviam nascido da hocca. do l tuço, da cou e dos calcanhares do Dou.s supremo.

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«le Brahma, Yixchmî o Sirn c ao domina motaphysico da trans-migraçao das aimas ; de Brahma, o deus creador, extra.he-se a organisaçào cl as qnatro castas, corrosponden tes a hocca, ao bra-|ço, a perna e ao pé do ser snpremo. Quer a institnicao da rea-leza, quer a do régi me» das castas, explica-se facilmente pelas uovas eondiçôes de habitat dos h in dûs e principalmente pelas lui as continuas e prolongadas que tiveram elles de sustentai' coin os iiidigenas do Hindoatâo, a quem dispntarain o solo.

Nao se snpponha. entreianto, pelo que aeabamos de dizer que fazemos côro corn a opinifto dos apregoadores da absolu ta ansencia de antécédentes, no periodo vedieo. dcsfe regimen po-litico-social. Sabemos que cm uni dos Vidas e mis epopéas in-1

dianas ha vestigios da triade eneabcçada por Brahma, e sabemos tninhem que as castas nao forani uma ereaçâo do C'odigo de Ma-nu, nias si m uma systématisa yao de idcas e usos vindos de longe. De resto, nada niais natural do que isso : as sociedades, como a natiire/.a, nâo fazem saltos.

Feitas estas observaçôes estâmes habilitados à passai- en» revista as instituicôcs juiïdicas dos li indus no periodo brahma ni co.

Das (juatro castas cm que esta va rigorosaniente dividida a sociedade : & ùos brahmanes (padres, sabios, magistrados), a dos kchatryiax (iiiililares, gnei reiros), a dos caisyas (agricultores, conimerciautes, iudustriaes) e a dos mtdras (serves, cscravos)| sdmente as du as primeiras eram altamente previlegiadas e col-laboravam no governo ou adniinistracao publica- Exactamente como no Egypte ; havendo a in da este ponte de contacto entre l'a soeiedade do Njlo e a do Gauges : — o rei, da classe dos guer-reiros. iiiîpuzera se aos sacerdoles e domiuava-os, como os déniais su lui il os. Portante o Direito Publiée dos h indus é facil de coiicclier : o monarcha é o suprenio legislador, o snpremo exécuter, o snpremo juiz, enibora a té certo ponte peiado em seu arbitrio pelos dogmas da religiao uacional e pelas injuncçôes dos respectives exegetas. O Codigo de Manu todavia, consagra limitas regras re le rentes â adinioistraçao infcerior e aos uegocios exteriores ; disj'ôe sobre oasos de guerra, sobre tratados coin outras naçôes, sobre impostes, etc. Alias estas mi nu ci as regu-

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70 OOMPENDIO Dl: rtlSToRIA

1 amen tares sào cuininuns a toilos os Codigos primitives. E' aqui oecasiâo de fazer nofcar que o Manama Dharma Sa&tra é inenogl uni cotlign de lois do que nui tratndo de religiao. « Ainfla que eontenha uiiiilo de Direito, Mann é essencial menti- mu livro de r i tua l . de deveres sacerdotaes e de observa m-ia religiosn » dia Snuiner Maine. A este respeito recordaremos apenas que tal facto é nui dos que comprovam a primeirn lei de evolueao ju-ridica que no eapitulo inicia l deixamos enuuciada. I Passe ni os no direito privado- dos hindûs, comeyando pela organisayâo da l'ami lia, —a exemple» de Dareste que aqui, como fin rolaçào ao direito egypeio, vae ser o uosso principal gnia. I Oomo vimos, os codigos brnli maniées sâo de estructura e data diversas, de onde a possibilidade, ou autos, a neeessidade de d i v i d i r a respectiva legislacâo em dois periodos : o dos *«• trat, ou antigos livres em prosa, e o dos codigos niais récentes .OUI verso, liasear nos-lienms nos primeiros e indic.areinos depois os pontos da legislaç&o niodificados pelo Codigo de Mann.

Enibora as Institut as de Vasishtha e. Apnstamba fallem apenas em seis, oito eram as especies de casamento reconbe-cidas peins hindtis. As quatro prime iras realisavam-se por ir.eio de uma ce re mon "ni religiosa e coin o assenti monte do pai da noi-va ; — eram os easamentos honrosos e lègues. As outras qua-tro urain : a nniâo livre (modo don musicos célestes) a oontpra (modo dos mâos genios),o rapto, c a oiolaçâo da mulher quando privudn de sentidos (modo dos vampiros). Havia impediineutos entre parente ate seis grâos do lado do pae e quatro do lado înateriio. Tawbem nao se easavam pessôas que trouxessem o iiiesmo nome. A polygamia era permittida ans homens das cas-tas supedores ; sômente os sudra* on escravos eram obrigados | a monogaïuia. O poder marital era bâo respeitado quanto o pa-trio poder. Deseoiihecia-se o divorcio ; mas no caso de ausencia do marido por seis anuos o casamento era dissolvido. Segnndo Apastamba havia uma especie de esponsaes que coiistituiam na realidade mu casameuto civil. O nui vu fais i a ao pae da nuiva mu présente de cein vaccas e uni oarro — présente que dévia ser restituido si nao se réalisasse o casamento. O 6m da nniâo conjugal era procréar filhos qne praticassem os ritos fuuerarios em.

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GERAT. DO DIREITO 71

h on ru <lo pae. Dabi o nso constante «lu ndopçao, a pratica cl a leviraçâo on leviriilo, i.slo é (ht cohabitaçao du viuva sein fil lins «■«iin sou cuuhndn. o pedido do pue esteril feito a a m ontro ho-mem para engcndrar-lhe mu filho, etc. O rpgimen patriarchal nnido u'> cullo dos antepassudos explica cases costumes tâo | ulheios HO n.osso modo de ver ad nul.

A successao tcslamentaria nao exisMu ; o.substitutive légal do testa ineiito cra a adopeâo. Depois da morte do pa© a he-rança ora parlilhudu egnal mente entre os lillios varôes. As fi-llnis nao lierduvani ; mas herdavani OR lillios varôes dus Jillias. O filho mais velho tinhn uni quinliâo m'ai or qne os déniais, fal-ve.z, conio no Egypto, a titnlo de indemnisaçao pelo trabalho da distrihniyao du herauea. Ainda a semelhauça do qne se du va | no Egypto, uiuitus vezps o pue, cm vida, fa/,in por si mesmo a pari ilhu entre os lillios. Outras vezes a licruuça era pelo pue udjudicada toda ao filho mais velho, coma condiçao dp sustenta r elle a familia. Os présentes feitos a mnlher em rnzào de. sen cassuincuto e (pie constitiiianr soi) o nome de stridhana propriedade purlic.nlnr s nu, erain herdados pelas fil lias e nâo peins filhos.

O regimen da propriedade uo periodo brahmanico chegara jû em grande parte ao sen typo individual. Certo ainda perlais! iao collectivisnio familial e a. enltnra em cmnniiini dos cam-pos. a qne jâ livemos occasion de alludir. Mas a evoluçao es-tu vu- feilu cm grande esenlu. Assim os modos de acqnisiçào da propriedade. individual estâo determinados eom precisâo nus Institntas de Gantama. Eis as proprias palavras do texto : « Adquire-se a propriedade por successao, compra, part-il h a, ap-preliensào on achudo. E' preciso aeereseentar a aceeitaeâo de nui présente para «m brahmane, a couqaista para mu kchatryia, o traballio para um vaisya ou um stidra. »

Os h indus conheeiam e pratieavam quasi todos OR contractas do d i r e i to moderno : a compra e vendu, a bypolheca e an-tichrese, o ju'iihor. o emprestinio a jnros, etc. Este ultimo of-ferecia a parlicnlaridade de que a taxa do juro differia conforme a custa do devedor. Entre pessoas da inesma casta os jnros nao dcvi i im nuuca nltrapassar o capital ; mas entre contractan-

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72 COMPENDIO DK HI8TOKTA

tes de easta différente os jnros podiam ir nléni d«> capital 3, 4 e at£ oito vezes. As (lividas provavatn-sc quer por escripto quer pur testent unh as. quer peîojuizo de Deus ou o niai in. A. inexe-i cuç&o das obiifiaçôes era eonsidcrada crime. O depositario in- ftel tinha a mesina pena de uni ladrâo, e em geïil aquelle que u5o dava o que promettent pagnva mua multa de 250 pana» e era constrangido a exécutar-se. H

A organisayâo juridica de que fallu m os codigos brahma-nieos »'■ a mais rndimentar possivel■: ao rei iucurabia a distri-buiç&o da justica e elle se desenipenhava desse dever por si mesmo ou por intermedio de uni tribunal eoniposto de très ou| quatre brahmanes, versados un sciene.ia dos Vedas ; o processo era o mestuo quer se t ratasse de uegocios ci vis quer de criminaes. E' esta a opini&o valiosa de Da reste que se exprime a respéito nestes termes : « Toda esta parte do Direito nos autigos codigos brahmanieos é ainda confnsa, o as contratHeçôes que uella se eucontram mostram bem que. o legislador proenrando moditicar os vellios principios uâo conseguira l'azer triumphar definitiva-inente os uovos. » X&o pensa deste modo Letourneau, que fax dctalhada exposiçao da organisac&n judiciaria e processo hin-dûs. Segundo este antor, na In<lia a distribuiçâo da justica ema-uava de di versas jurisdicyôes que vâo desde a da Coinmuuidade aldea- e das corporaçôes d do rei. Havia a justica communal, a» justica urbana, a justica das baixas castas, a das corporaçôes, a justica familial, a dos brahmanes, a arbitrage m das comninnas, etc. No ciino de tudo isso estào dois tribunaes : o do cbefe de justica e do rei. Assignala tambem Letourneau como inuito fréquente o juizo arbitral. Quant») ao processo a <\piniâo do mesmo autor é que elle era complexo, reluti vaincute sabio, fa-vorecedor da pesquiza da verdade e restrictivo do arbitrio dos juizes. » Consignamos este juizo, mas n&o acompanharemos o autor de L'Evolution Juridique ua sua explanaçâo do direito crimiîial e pénal dos hindûs. Diremos apeuas coin Dareste que ao lado dos restos de uma antiga tarifa de indemnisaçôes ou composiçôes o direito pénal da India nos a présenta uma escala de peuas que vae desde a multa até a morte, passando pelo exilio e pelas mutilaçôes corporaes. O homicidio, sobretudo o

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de nra brahmane, arrastava a pena capital ; o ronbo, o adulfce-rio, a injuria verbal era m era gérai fracamente pu ni dos. O adultère pagava uma multa ; o roubador aie m de restitnir o obje-cto roubado tinha de apresentar-se deante do rei, de cabellos esparsos, segnrando uni bastâo, para fazer a confissâo do crime. O rei usava ou nâo do sen direito de perdao. Uma particula-ridade da lei hindû com relaçao ao ronbo era a segninte : O rei tinha obriga<,âo de fazer restitnir os objectes roubados e si taes objectos nâo erain eucontrados, pagava do sen bolso o valor délies. Isto queria dizer, segnndo a observaçao de Dareste que 0 cantâo era responsavel pelos crimes que se commettiam em| sen territorio.

A esta lcgislaçào dos Sutras o Codigo de Manu veio trazer certas arapliaçôes e aigu mas modificaçôes, nâo em grande numéro. Das ultimas indicaremos as seguintes :

As 8 especics de casamentos forera reduzidas a seis pela aboliçâo dos casamentos A moda dos mâos genios e &. rnoda dos\ vampiros. A leviraçào (Ne-yoga) foi perfei ta meute detalhada e| regulada, mas formalmente proscripta, embora pareça que tal proscripçao foi iuterpolada no texto inuito dopois da redacçâo do Codigo. Entretanto como remiuiscencia da leviraçào Manu deixou disposto que si o noivo de uma mulher fallecer depois dos esponsaes e antes do casameuto, o in nâo do morto deve des-posar a noiva. Aigu nia consa semelhante ao divorcio foi ad-mittido no Manava Dharma Sastra : assim o marido podia répudiai- a mulher si lhe descobrisse qualqucr vicio que lhe hon- 1 vesse sido occnltado. Quauto as ampliaçfies feitas ao velho direito pelo autor da collecyâo-Manû nâo nos é possivel entrar no desenvolvimento de todas. Diremos apenas, senipre acoin- panhando Dareste, que a base é a mesma, embora o edificio seja mais amplo, appareceudo o direito civil e o canonico mais desenvolvidos, senipre debaixo da influencia religiosa. Para terminar apontaremos, porém, certas novas disposiyôes intéres santes do Codigo de que se trahi. Sâo ellas : O recOnhecimento expresso de que a terra pertence a aqnelle que aarroteou como a gazella a aquelle que primeiro a feriu ; a consagraçâo tambem expressa da irrevogabilidade da consa jnlgada, com réserva da

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revisao por cnnan légitima ; por nltîmo, nm prinripio de direito de fn mi lin, que. fsi/. pensnr lias proticna ila pulyaiidria, alita iiAn existontes entre OH hindi'is ;— eil-o : «Qoaudo entre vitrios irmaos, diz Maori, nm délies tem uni fil ho, este flllm deve sér, consiricrudo eomo o fillio de todos. »

Dito isto. dumos por fiuda IIONHU tare fa qnanto aos ary<>-| indios e vamos passar no direito dos sous innaos irunianos.

§

Persia.— Qnizcramo* que outre, ninito mais largo, fosse o quadro do nosso t ru bal ho, para que podcssemos estudar a velha

e gloriosa IIHC&O de Zoroiistro, em lodas as mnnil'csfctçues de sua uctividnde. 80 a sua original e sndia couoepcao do inundo e da

vida humana— em eonfrouto coin as philosophais niais ou me- nos désolantes dos outros paizea doOrinte— merecia o mais

/ucurado dos exames e a mais nmpla dus apoîogias. «Tudo é / miiMeulo entre 0$ persus (eserove P. Gêner), a eonscieneia, o]

|ii'iisaiiiciilo, o braco, a lingmigem, e aie a escripta ; fiel reflexo de suas râeuldadi's iiiicriorcs f i l a appar.cee em pleno vigor : é

sobre o granit o que se fixa sua pnhivra- Para elles a lus e a I palavra sfio cotisas iibsoltitamentc eguues ; ludo (alla : monta

nliaa, prndos. rios, marcs, vcgelaes, animaes, ludo tem uma lin- ! gttngeui spbre a terra. K tumbem no eéo os astros proiiuncitim I um eteruo discnrso de luz que dâ a saberioria a quoi» salie eom- ;

prehemlel o. O mal subjective, o poecado, consiste someiite I em deixnr enfraqueeer a coragem, em abandomir-se a si mesuio, j em perder a diguidade e a esperanea. Elles 11&0 possuem nem

pont i liées, nom templos, nem cercmonhis, nem idoles ; uao re- f eonhocem outra autoridade seuao a do pae de Inmilia e distin-

[ gneni se pelo vigor e pelo boni sensu. Vê-se por esta ligeira syntese quanto séria proveitoso pénétrai' na

vida inteira afièctiva, mental e pratica, dos persas an-t igos e examinai-a de perto. Iiilclizmciite leiuos de nos limitai' ii apreeial-a iipeuus 110 pouto de vista juridiro, e isso uiesmo cm traces muito îapidos. E' o que passâmes a lazer.

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GERAI. DO DIRETTO 75

Sabidos do nord este du Baebriana, os iranianns ou aryo-porsas dirigiram-se priineiro para os altos val les das inontanhas de leste, retrocendo posterinrmente para o Irmi, — ja o disse-mos. PreciSiinios accrescentar que foi ao longo (la costa do golpho persico qne elles vieram estacionar definitivamente, coni Atlas familias, sua religiào e sens costumes, tao originacs. Nessa regîâ-o « esterUe, maie inaffiata, eaMixxima e motif noua per la mag-gior parte », no «lizer de Carie, foi que elles fuudaram a notavel civilisayao primitiva, cujas instituiçôes juriilicas vainos passai" oui revista, e a quai, no pensar de muitos au tores, pôde e deve ser considerada o elo que liga a Asia a Euro pu, o oi4iente ao oc-cidente.

Nao fosse Anquetil Du Perron ter descoherto. ha uni sec-ulo, lia quasi-illia de Guzzarat (India) o manuscripto do Zend-Aventa - o livro sagrado da vellia religiào persa - faltar-nos-hia indu, hoje uni dos poucos documentes com que podemos contai* para lo estudo da civilisaçao de que se trata, (1) porquanto os escri- ptores gregos e ronianos quasi ncnliuma informaçao apreciavel nos fornecein a respeito* Apezar disse, respigando aqni e ali, lia chrouica de Tabari, no poeiua epieo de Firdusi, no Talmud de Babylonia, tein sido possivel aos crudités de noSso tempo reproduzir as liulias geraes do antigo direito persa. Yejanios quaes sào ellas. I

Ja fizenios notar qne o inanuscriplo do A vcsta. que chegou até nos é mais tbeologico do ((lie juridico. Realmeiite sao in-significautes as noçôes de direito que elle nos da. Do easamento falla-se nelle ligei rameute, verificando-se apenas que a poly-gamia e a uniao entre irmaoe irma eram recommcndados. Ve-rifica-se tambeni qne elle reconhece o direito de vingança e manda acceitar o preço do sangue, quando o que o offerece é itm fiel. As on bras uocScs juridieas forueeidas pelo Aoesta sao

(1) Segiinclo mua certa tradiçâo o Zend-Avestu se compunlia de 21 livros, dos cjiiaes o 9.* e o 19." eram consagrados as leis e ao procosso. Taes livros desappareceram, e o Avesta on Vendidad, que possnimos hoje. c apenas um tratado de théologie, provavelm.9u.te tilho das locubraçôes religiosas de Zo-roastro.

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as segnintes :—A violae&o do contracta é nraa falfca punivel por lima pena pecuniaria. Ha seis espeoies de contractas : os que se formam pela palavra, os que se fazem pelo aperto de inâo| ou juramento e os que se effectuant pela daçao de uni penhor, que pode cousistir em uni carneiro, uni boi, uni honieni ou uma terra. Esses contractas, a partir da 3." classe regulam-se pelo valor do penhor. Nas offensas ha sete îuonientos distinctes, que sâo : toiuar a arma, brandil-a, bâter, ferir, derraniar o sangue, quebrar ura osso, tirar os sentidos. Oada um desses actos é pu-nido coni um certo numéro de açoites, de 5 a 90. Um açoite pôde ser resgatado mediante seis drachmas. A prova judiciaria pôde ser feita pelo juizo de De us ou ordalia, pelo einprego da agua fervente ou do fogo.

E ficam vistas as informaçdcs juridicas do Avesta. Como se vê é quasi nada. Busquemos portante os ensinameutos das outras fontes a que nos referimos.

Segundo o que se deprehende délias aorganisaçao politico-social des aryo-persas era a seguinte : — uma especie de ariste-cracia feudal subordinada a um rei absolnto ebaseado sobre uma constituiçao patriarchal da i'amilia, subdividida em gentes e tribus. A populaçâo estava dividida em quatro classes que nao chegaram a constituir-se em canins : ados magos ou mobeds, a dos nobres, a dos lavradores ou agricultures e a dos artistas raechanicos. Abaixo de tu do isso esta vain os escravos, feitos pela gnerra on pela insolvabilidade. Cadasenhor feudal eraobrigado ao serviço militai' e marchava a frente do contingente de seu cantâo. Os juizes era m altos funccionarios, tirados da classe dos mobeds, que faziam exeursôes, davam audiencias, e remet-tiam os negocios mais i in por tau tes ao julgamento do rei. As sentenças que proferiam nào eram motivadas, tal quai no Egypto.

O casameuto fazia-se pela compra da mulher, que liera por isso ficava escrava do inarido. As contrario a condiçao délia era, ua familia, das mais respeitaveis, tante assim que ape-zar de admittida a polygamia, no lar sô podia ha ver unni csposa légitima. Je vimos pelo Avesta que era permittido o casaniento

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GERAI. DO DIREITO

entre innâos e irmans ; devemos agora confirmai-o, adduzindo que o inccsto era tambem tolerado ira linha recta.

Havia einco especies de casamento na Pcrsia : 1.» o Sh«h-\ Zan ou casamento de moça solteira. que se tornava esposa légitima ; 2." o Yogan-Zan, na quai a mtilher estipulava que seu Ipriniogenito nao séria considerado como filbo de seu ma ri do mas si m de sen pae ou de seu irniao ; 3." o Sutar-Zan em que se estabelecia a mesma condiçao etn proveito de nm terceiro nao parente e mediaiite uma certa quantia; 4.' o Çakir-Zan, ou casamento coin uma v i u v a ; 5.", o J\hoda.iJc-liâi-Zan ou casamento de uma mullier que se espçsa contra a vontadc. de sens paes.

A adopçâo era fréquente e efl'eetnava-se coin uni cérémonial todo militai', pela tradicçâo das armas. Mas ao contrario do Egypto e cl a India, a Pcrsia nao usa va da. adopçâo para s u b s t i t u i r o testaniento. Este era conliecido, bem como a tu-tel la. A snccessâo ab intestato dava-se scndo os bens egual-meiitc reparti dus entre os û'Ilios, as fil bas nao casadas e as espo-sas. Quanto as filhas casadas o dote (pois que o dote existia e| era constituido cm regra pelo pae danubentej que cl las havinm recebido era considerado como- o équivalente da parte, que po-deriam pretender na snccessâo.

O regiineu da propriedade tinbacomo na India evoluido quasi completauiente ; o dominio revestia uni caracter indivi-dual, em que pesé a d'Agnanno, que ueste assumpto nos parece miiîto suggestioiiado por idéas preconcebidas. A propriedade immovel nao podia ser transleridn senào por acto escripto. Oo-nbecia-se por outro lado a prescripeao acquisitiva depois de uni praso de qnarenta aunos.

Em materia de obrigaçôes sao quasi nullas as indicacôes que temos. A este respeito ha- sômente a notai' o singular costume, ainda modernamente constatado por S. Maiuo, de ir o credor jejuar a porta do devedor em mora - costume que, alias se encontra tanibem na India c que nos esqueoeinos, de ineucio-nar em occasiâo opportuna. O symbolisme de tal costume é clarissimo : o credor demonstra desse modo sua inteuçâo de fi car no incsmo logar, sem corner, até que seja pago.

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O principio da vinganea do sangue e do taliao di*a para os borsas o fundainento do Direito cri minai. As peu-as as ruais rigorosas eraui applicadas obedecendo sempre a Val principio. Todavia podiam nâo ter execnçâo cm dois casos : si o rei as commntava ou si os parentes do offendido perdoavara, a occitan-] do uiua composiçao eui dinheiro. Eis coi no se passavant as cou sas u'um caso de liotuioidio : Os parentes iam ao juiz ein fortes brades, arrastando eomsigo o maior numéro possivel de possoas. Interrogados pelo magistrado, diziain : « nos padimos a observancia da lei. o sangue de mu tal, que matou um tal, | nosso parente». O juiz ei'a obrigadn a prometter a vingança. j Mas si o homicida t in l ia meios para resgatar sua vida mandava t-ratar coin os interessados por uni intermediario, que lhes dizia : « Foi uma desgraça. O criininoso qner fazer-sa derviche ou moiige para penitenciar-se até o fim de sens dias. Que farcis vos do sangue de um miseravel cao raeio raorto de dorf Elle quer dar tndo o que possue no mundo ; elle vos offereee tanto. » Si os parentes acceitavain a proposta o juiz nal i tinha que l'a-1 zer ; si porém recnsavam, o assassino era entregne ans parentes da victima para passai* pelo taliao.

Os crimes contra o Estado, como a trahiçâo, a desercao ou récusa do serviço militai' « o abaudono da religiao nacional, eram punidos coin a morte. Os ontros crimes menus graves contra o Estado e as offensas physicas oui gérai acarretavam penas corporaes diversas, inclusive a nintilaçao. Segundo attestant os rabbinos judeus o roubo era sempre punido coin a pena capital, qualquer que fosse o valor da cousa ronbada e houvesse ou nao restituicao délia. Todos os membres de uma familia eram considerados solidarios ua vingança do sangue de uni sen parente, assim eomo na responsabilidade para coin ter-ceiros offendidos. For esta razâo quando um chefe de familia comiuettia um crime dos mais graves contra o Estado, a familia inteira era executada ao mesmo tempo que son chefe.

A prova cri minai fazia-se por testeinunhas, e uma sô bas-tava para a condemnaçao do criininoso. Na ansencia de teste munhas a instruccao do processo era feita pelas torturas ou pelas

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<H3RAL_JDO DIREITO 79

ordnliiis. OR bons antécédentes do culpado influiam favora-veliiientp sobro o julgametito e limitas VPZCS élimina vain a peu».

Sâo estes, que ahi ficam, os traços geraes da physionomia inridica da veflia patria iraniann.

VQBH », > i

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0 Direito entre os semitas.«~Kebreus e Arabes. (*)

§

Unm das grandes raças da hnmanidade, — raça a que os liistoriadores, ethnologos o liugui'slas convencionarain chaînai*, semitica, e cuja linguagem, segnudo Renan, révéla n ma psycho-l Jogia identiea â da estirpe aryana — foi chainada, 110 enrso da historia, pela propria força de sua idyosincracia e de sua sî.-i tiiaçS.0 géographie», .a réalisai* a ligaçâo do oriente coin o ooei-| dente, servindo de elo entre as velhas civilisaçôes, fundadas sobre o empirismo e artes industriaes,.e as novas civilisaçôes, fundadas sobre, a scieneia.

(*) FONTEB : — E. Littré : De la civilisation et du monothéisme ched les peuples sémitiques ; E. Renan : Histoire générale et système comparé des langues sémitiques, apud. inesm. aut. ; César Ganta : Hist. Univ. réf. e ampl.\ por A. Ennes ; Th. Braga : As civilisaçôes semitas'e Hist. Vniv. ; Alirens : Encyclopédie juridique, 2.' vol.; H. Dnreste : Ktudes d'Mst. du Droit ; d'Aguanno : Oen. e évolue, del dir. civ. ; Biblia, seg. a Vulgata ; C. Bevila-qna : Legislaçtïo comparada (2.* ediçâo) ; Esohbach : Introduction générale à l'étude du Droit,

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GERAL DO DIREITO 81

« Diffluindo da Arabia, (diz Th. Braga) estabeleccndo-se no Oolpho Persieo, subindo o En pli rai es e fundando a civilisa-! yao assyrio-babylonica, entraudo na Syria, onde propaga as idéas religiosas do Egypto, alargando-se pelas costas do Medi-terraneo, feenndando a Grecia, descendo a Etbiopia, eivilisando a Africa septentrional, penetrando no occident* da Enropa, onde inicia os progressos métal 1 urgicos ; a raça serai ta prépara na Italia, na 11< spanha e nas II lias Britanicas os caininhos para a implantaçâo da grande raça arica, a que m dévia perteneer a eorôa da civilisaeSo inoderna. »

A uni tronco ethnico de tal ordem nao é passive! reçu sa r a homenagem das nossos referencias e do nosso estudo, na parcia-lidade qne nos occupa. Déniais, os sein il as nao forain sômente nui a raya cosmopolita, viajora e commereiantc ; forain nma raça creadora, cnjo genio eonteniplativo, retlexo dos désertes do paiz de origera, ascendcu muito eedo il concepçao snperior do mono-j theismo, fornecendo ao mundo os très grandes reveladores qne NO cbamaram Moysés, Christo e JVIahomet, e as du as poderosas religiôes que, ao lado do Brabmanismo e do budhisinc ainda hoje domina m a quasi totalidade dos homeiis—o christianisme e o islamisino. Nao é que nos scjamos do numéro dos que, a Witielhança de Ernest Renan, pensant que as « grandezas e aber-raçôes do polytheismo forain estranhas nos semitas. » Littré oppoz ponderosos embargos â opiuiao do citado sabio francez o apôs elle, moites outros nul ores amontoaram tact os e argunientos provando que as dnas primeiras nianifestaçôes do tbeologismo, o fetiebismo e o polytheismo, existiram, .sufficientemente cara-! cterisndas, entre os représentantes da faini"ia «emitica. Hoje é cotisa liquida este ponto e para além da phase fetichista conhe-cein-se os nomes dos numerosos deuses e deusas que eram ado-rados na Syria ou Pbenieia, na Chaldéa, em Babylouia, na As-Jsj ria. A hisfcoria desses paizes esta cbeia de sumptuosas e, por vezes, pavorosas ceremonias cultuaes realisadas em lionra de Brtfl/, Bel, Moloch, Zegreua, Eliun, Tammue, Artarte, Salammbô, Ashera, etc. Isto, pore m, apenas prova que a lei da evo-luçâo mental é inilludivel entic iudividiios e povos. E assim o valor da raça semitica nao diminue, coin ter sido ella successi-

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vamente, emborn rapidamenle, fcticliistn o polytheica. Accrescc dizer que os dois principaes esgalhos do ramo elluiioo em quès-t&o—liebrens e arabes—forain aqnelles em que nienos se acoen-l tuaram os estadios théologiens iniciaes. E' délies, exclusiv.t-mente, que nos occu pareinos, poudn de lado os diversos povos mais ou menos mesclados que sào eonhecidos pela denominaçâo de kuscleito-semitas e que tiveram a sua maior expressào social nos velhos e grandiosos imperios chaldeu-babylonio e as-l syrio.

ïlebrens.— Principiemos por dizer que a denominaçâo de Jtebreus é équivalente as de israelitas ejndnis que sào usadas por muitos escriptores indifferentemente, mas que, designando de facto uni sô e mesmo povo, correspondem entretanto a epochas di versas da historia desse povo. Hébreu (que significa o da ou-\ tra tmiraem, do lado de là) foi cT'nome dos evoa dores do jehovismo quando, tendo sahido de Hur e transposto o Euphrates, estabe-lecerain-se em Harran. E' o periodo abrahmida, que, seguudo Renan, rêve la-se nullo em cultnra intellectual e noçôes politi-cas. Israelita chamon-se o mesmo povo quando as varias tribus submetteram-se a Jacob e instituiram o oulto dos heloius. Este periodo comprehende o colonato egypeio, o exodo, a fixaçâo em Canaan e o subséquente estabelecimeuto da realeza. Jadeu foi nma denomi naçâo posterior, provenieute do nome da tribu de ! Judâ e respectavo reino. A. jnlgar pela importancia juridica de cada uma dessas phases deviamos fallar neste capitule de um direito israelita e nâo de um direito hébreu. A questâo, porém, de mais ou menos exacta denominaçâo nâo nos préoccupa uem pôde influir sobre o uosso estudo, visto ser de uma supernciali-dade visivel.

Coir.o todos os povos primitives, onde religiâo, politica, moral e direito surgiram crystalisados em um complicado syn-chretismo, os hebreus tiveram o seu codigo sagrada, em que o verbo do legislador-videute deixou definido o regimen rigide da

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vida individual e collectiva, ealcado sobre niandamentos divi-nos. Esse codigo foi o Prntutriun isto é a collecçâo dos cinco primeiros livres da Biblia, ou melbor do Antigo Testamento (1). Ahi esta resumido o direito hebraico, tal quai foi durante toda a existeucia nacional do respectivopovo. Bxponhamol-o em suas liuhas geraes, deixando para depuis o estudo das modificaçôes subséquentes, coutidas na Misehna e nos dois Thnlmuds de Pa-lestina e de Babylonia.

O direito publico dos hebreus, segundo as vagas indicaçôes da Biblia, pode ser delineado em poucos fcr&ços. O governo das familias e das tribus pertenceu snecessi vamente aos patriarchas, juizes e reis, coin poderes apenas limitados pelas injuncçôes nioraes e religiosas do monotheismo mosaico. A lei era a palavra de Deus interpretada pelo revelador e por sens sueoessores na direcçao do povo eleito. Assim o patrinrcha, o juiz ou rei| era o suprenio executor e julgador, segundo a palavra divina. O povo era, pois, o rebanho passivo coiuo nas outras naçôes an-| tigas do Oriente. Eutrutanto a consciencia jnridica dos israeli-tas, alargada pelos principios altamente humanitarios consagra-dos no Dfrcalogo, afastou-os singularraeute da constituiuao dos outros povos, eliminando o regiraeu das castas e déniais insti-tuiçôes correspondentes. Assim o elemento sacerdotal prépondérante agia como simples classe mental e moralniente superior, nâo como casta liermetica. Dahi a importancia relativa que os

(1) Peutateuco é nma palavra de origeni grega que corresponde em hebraico a tara h (a lei). O torah era a micra (leitura) dos hebreus e é o biblos (livro por ezcellencia) dos christâos. Os livros do Peutateuco têm as seguin-tes deuominaçôes : Genesis, Exodo, Levitico, Numéros, Deuterotiomio, a qu« oorrespondein, em hebraico, estas outras : Berechit, Elle cliemot, Vaicra, Bamidbar, Elle liadébarim,

Nâo entramos na questâo de saber ai a Biblia foi redigida por Moyscs. Este terâ sido un individuo, un symbolo. nma evehmerisaçâo de certos niythos ? Nâo é nossn obrigaçao discutir a respeito. Ditada ou escri-pta pclo jndeu salvo das uguas ou pelo esoriba Esdras, como algiins preten-dem. a verdade é que nella esta oontido o conjuncto do idcas, isto é, de oren-ços c de regras de conducta social, que 6 attribuido ao ohamado povo de Deus,

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hébreu* I?gavant BOB direitos das pessoas, como se verifica pelos textos que limitavam o eaptiveiro a 6 au nos, que m respeifcar a pessoa do estrangeiro amigo, que estatniarii a per-soualidadc do crime e das penas, etc. (1)

Mais rico do que o publico é o direito privado hebraico, embora, seguudo Dareste, elle se reduza a uni pequeno numéro de regv-is que nfto revelam nm conjuneto systematico e que uada teem do ahsolutameute originaes.

O casamento por cnmpra ou pelo tapto (este mènes fréquente) cra o modo gérai de constituiç&o da familia hebraica. A este modo, mencionado nos livros do Gênent* e dos Juizes, o Deuteronomio accre.scent« uni outro — especie de conçubinato légal entre um homem livre e unia mnlher escrava. O casamento entre parentes proximos era prohibido ; uao o era, po-rém, a polygamia. Praticava-se largamente o divorcio a vonta-de do marido e a peu as coin a formalidade de uma deçlaraçâo eseripta do repudio. Consagrava tambem a lei a instituiç&o da ileviraçâo ou levirato, — uso que temos encontrado entre quasi todos os povos até aqui estndados.

O respeito a personalidade humana, à que alludimos aeima, e os preceitos de caridade e amor ao proxiino limitavam muito o patrio poder entre os judeus. 86 excepcioual meute encontra-1 mos no Aidiffo Testamento casos de immolaç&o de filhos & Divin dade, e ainda assim taes immnlaçôes n&o podium ser feitas a idolos como Moloch. O Levilico é expresso a este respeito. Ou-bro-sim nào podiam os paes entregar a prostituiç&o as fillias e sô tinhani o direito de dar a morte a nm (ilho desobediente depuis do queixa eommum dos progenitores e em seguida a um julga-

(1) O direito publico dos hebreus teve très phases successivas e différen-tes : até a morte de Moysés foi o de um governo patriarchnl absoluto. espi-| rit nal e temporalmente ; depois da conqnista defûiitira da Palestina por Josué foi o de uma demoeracia federativa, cujos poderes eram o grande sa-nhedrim ou Senado e o schophet. chefe executivo e judiciario. enearre#ado da administraçâo publiai e da suprema applioaeâo da lei. For iim, no tempo darealcza, foi ode uma monarchia religiosa e politica, cuju"çbefe absorvia todes os poderes sociaes.

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iiieutn. Entretanto lia na Biblia casos de vend a dos fillios peins Ipaes.

Tambem, como ja fizemos notai*, e peln iiiesino motivoque a dos fillios, a condiça-o dos eseravos era relativanieiite benigna. entre os hebrens. • Cahiam eni escravidao os devedores insol-vaveis, os eriininosos de fnrto, os que se vendiam voluntaria-mente on os que eram veudidos pelos proprios paes* Si senhor o eseravo eram hebreus, o eaptiveiro dnrava apenas (i ami os, ■ conforme dissent os aeima ; si o seulior era estrangeiro e o eseravo era liebreu, este podia resgatar-se, e quando o nao fazia em jposto em liberdade no dia ilojubilf-u (1). Sômento para o eseravo estrangeiro o eaptiveiro era perpetno.

Os priniitivos usos dos jiideus negavam as iillias o direito de suecess&o ; o direito mosaieo, porém, deu-lbes esse, direito, I na lai ta de fillios varôes. O primogenito pereobia mua parte dupla na snccess&o do pae, sendo mais aeertado dizer que, por lei, devin perceber ; porquanto, de faeto. nos casos de partilha cm vida o pae aquinhoava melhor este ou aquelle tilbo que prête ria, fosse elle naseido do easameiito ou eoueubinato, fo.*se mais velho ou mais moço. O doicuis oflerece exemplos desses fa et os. Na falta de fillios e de filbas a suecessao era défi rida aos irmâos lu depois aos tios paternos. seguindo-se a estes os mais proximos parentes.

Nfto lia vestigios da existencia do testaiiienio entre os israe-llitas, e ontro tante se pdde e devo dizer da adopyâo, instituto •*ntre muitos povos snbstitutivo dnquelle. Nao assim eom rela-

(1) O jubileti era imm testa uaeional. de caraeter reUgioaQ, que se re-ulisavn de 50 em 50 aiinot*. Era a festa do desoanso e dus reivindicaçdes para os honii'ns c para itx cotisas. N<> anno jabilar nno s<5 eram restitiiidos â liberdade on eseravos o restitiiidos ans SBUS primitives douos as terras alienadas. ootno tambem deixava-se raponaar a terra pela suspensâo temporaria dos tra-ballios agricolas. Al<iu do a nno âo jubile u. featejavam os judetw o aniio mtb-batico, i|n«- ora um petiueiio jubilr u roalisavel de 7 em 7 aniios. No au no »<tb-> \baHeo nno sômento se deixava de lavrar e sotnear a terra, como eram consido-rados n-midos todos os débites.

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çfco an dote, de cnja instit-uiçao eucontramos abondantes provas em varies brèches da Biblia. Bin gérai a fllha feeebia do pae. por occasiao do casamento, o équivalente da parte que teria lia succèssao, — de que era em regra exchiida, como vimos.

O institnto da propriedade tiuha, no direito israélita, uma physionomia toda particular. À propriedade mohiliaria era individual e alienavel, como é a regra entre boclos os povos, mesmo OH mais atrazados. Nao assim a propriedade immovel, on melbor, territorial. Esta era snjeita a uni certo numéro de regras restrictivas, de caracter bastante singular. O livre do Genesis e o dos Numéros nos relatant como, segnudo as ordens de Jeovah, forain destribuidas as terras de Canaan entre as tribus e familias do povo eleito, trausformado de parte em agri-cuit or qnando se fixou no Paiz da promitttÛo.

Uma ves repartidns as terras' a communhao familial era a regra précipita do dominio. Mas nao ficava ahi ; a propriedade territorial era inalieuavel em absoluto, ficando qualquer vendade immovel rural snjeita il clausula do resgate pelos mem-bros da familia vendedora. E dado mesmo ocaso de que se nao effectuasse esse resgate, a que os juristas fraucezes dao a deno-ininacao de retrait lignager, a revogaçâo das veitdas se fazia, de pleuo direito, de meio era meio seculo, por occasiao da testa do jubUeii. Por essa coucha cada familia reentrava no dominio e posse dos bens alienados. De tndo isto conclue-se que o contra* j cto de coinpra e venda, no iireito hebraico, era an tes uma figura oîio toda origiual do contracto de penhor do que mit meio de transmissào alienatoria dos tiens. Da reste, referindo-se a este pouto, diz positivamente : « quanto a venda, n&o é, na m6r parte dos casos, senao um contracto pignoraticio ».

Além do de venda os contractes gérai mente usadoseram o emprestimo, a locaçao de cousas e de services e o deposito, sen-do absoluta e expressamente probibida a usura. Qnanto as aeçoes instituidas para garantis! da propriedade e dos direitos contractuaes, tomavam quasi todas as formas «le procodimento cri minai, promovido peraute os Anciâon ou juizes que erant

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encontrados as porta» (las eidades e que ahi diiimiam as con- It.ClIllil.S. (1 )

Passonios sis instituiyôes ni mi mies e pennes do chamado povo de DeiiH. *,

Uina analyse, inesino ligoij:'a, do Pentitteuco é sufticiciite para mostrar que o primciro estadfo pénal dos hebrens durante |o periodo pastoral foi o da vingança privada on pessoal inspi-rada no tali&o (2) e tendo oomo succedanea a composiç&o peeu-niaria. O primeiro e snpremo legislador. isto é Moysés, foi quem substituai o regimen anterior polo da vingança social e proliibiu Icrmiiiantemente o pagamento do preyo do sangue. \{Nnmero8, XXXV, 31) E' cnlretanto certo que a composiçao peeu maria perdni'on cm rectos csisos cri mi mies, iiiesmo apôs a proliibiçâo mosaica.

O vingador do saugne era, segundo a loi, o parente niais proxiino do morto; a elle cabia o dever de persegnir o crimi-noso. de apresenfal-o aos juiy.es, fazeiido depor du a s testomu-nhas, e de exeentar a sciitença, dado o caso de condeninac&o. O iinsassinato involniitario, porém, nâo era pimido si o eriininoso se àsylava cm mua das seis eidades de refugio sitnadas :1s mar-gcns do JordâiO-

O mccliaiiisiiio pénal do direito israelitn quasi que se redu-zbi a nina peça iiniea - - a pena de morte. Ella era applieada eonslaiitemente aos crimes de homicidio, idolatria, adnlterio, bhisphemia, e em gérai a todos os crimes contra os costumes. A prova do acto delictuoso fazia-se por testcmmilias, podendo al-gumas vexes o accnsado jnstiflcar-se por meio de jurainento. Quanto si prova do juizo de Deux, soi lien te era ella nsada qnando

H (1) A organisai,"!» jndiciaria vigerite, na Palestina. até a epooha da réalésa era a seguinto : très tribunaes collectives, représenta n do très grâos de jurisdicçào e rluinmdos tribunal do» 3. tribunal do» 23 e San lied ri m on 8e-nadn. A' porta de cadn cidade tiulia séde uni tribunal do» 3 acompanbado de IUH juiz do tribunal dos 23 (quando a cidade oontinha mais de 120 familins). Esta delegndo dos 23 decidia em grâo de appellacao.

(2) O livro do Exodo (XXI) consagra o célèbre prinoipio : olhopor ollw.i dente par dente, inilopor inâo, pé por pe, etc.

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se fcratava de mua mnlher suspeitada de adulterio, nao havendo lesteiuniihas que depozessem a respeito.

Ahi ficain, em traços larg.m, as institniy-ôe.s jnridicas dos hébreu*, segiiïhlo a Tonte bibliea. Assignalemos agora aigu mas dus priucipaes modifteaçôés postêrinres, «le que nos dao eonhe-elmento a Mixehna o os Tlmhiimlx, dizendo prinieirameute aiguilla eousa sobre estas outras fontes da materia de que nos occupa ums.

Mixchim é o nome de uuia especio de [nstilnUis do direito liebraieo, redigidas, uni seeulo apés n eouqiiista roinana e a des-truiyào do teniplo de .Terusalem. pelo jndeu Babbi Jelin la. Este trabalho de poditicay&o e dmitriua foi, desde o seu appa-rccimenlo. adoptndn por toda parte em que existiam nucleos de populueào israelila, e, especi al mente em Palestina e Baby-lonia, onde se lornoii ob|eeto de rommentarios e desenvolvimen-tos uuiuoriisos e notaveis, por parte dos rabbinos ou don tores judeus. Tae8 poininentnrios adqueriram no correr dos tempos valor semelhanle ao dus rtsponsd prudentiiim da legislaç&O roinana, e assini fnrueeeruin maleriâ a dois ontros eodigos hebrai-Lços : — o Thulmuil de Pulextiim e o Babylonien, sendo o primeiro redigido em fins do seeulo IV e o segundo em principios do Vj seculo. ( 1)

Fallando da Mischna e dos dois Thalmuih dix o sabio autor dos Étude* d'histoire du Droit que elles sao « uni înonumento ju-ridico de mu grande iinporlaueia» e que ha nelles « nma verda-deira codilicaeao, u ma lei compléta, e nma exégèse que lembra a eertos respeitos a dos jurisconsultes romanos. \ , Todas as antigas e no vas leis hebraicas esta-o eontidas na S." e 4.- parte da Mise/ma, as qnaes expôem os respectives di-reitos civil e eriiuiual soi) os titnlos seguiutes : — Dus mulheres, Dos domnos. As outras partes do Codigo (l." e 2.*, 5." e 6.") coûtent apenas as regras de religiâo e de moral decorrentes do IPcntuteueo, Nâo eabendo no nosso programma fazer uni estndo

(1) As citadas oodificai/ôes suocederaui-se alfrumas outras nieuos impor-tantes, sendo a ultima deltas o Go ligo de Knro, enja denominacâo provém do nome do seu autor, um jttdeu hespanhol que viveu no seculo XVI.

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compléta, uma analyse detalhada da codificaç&o de Babbi Je-huda, li mitai"-nos-hemos a indicar suinmariamente os pontos do velho direito por ella ampliados ou modificados-

As principaes alteraçôes le i tas no direito antigo, das quaes nos da testeinnnlio a Mischna, sâo referentes as relaçôes de fa-niilia. Jâ ahi nao encontramos como modos de casamento o rapto e a comprit. A uniao conjnga! realisa-se pelo consenti-mento livré da mullier e pelo das pessoas que sobre ella têra au-toridadé. Interveui no contracta o elemento pecuniario ; mas nao a titulo de pagamento, si m como uni doui ou présente sym-bolico feito a noiva pelo futuro mari do, que é obrigado a dizer na occasiao da oft'erta :— tû es sagrada para mim, ou — In es minha exposa.

Uma outra instituiçao de natureza nupcial culmina no direito da Mischna ; é a khetouba : — o dote constituido a mulher pelo murido. No periodo

mosaico esse instituto dotal era apenas couhecido e raramente usado. Coin o correr dos tempos, poréni, | elle veio a ser elemento essencial e constitutivo do| casamento. ■ A khetouba dévia ser constituida por

escriptura e a lei lixa-va-lhe o minimo da importancia ein dinheiro, que era este : 200 \zouzes para uma mulher sol te ira e 100 zouzes para uma

vin va. A administraçao e livre disposicao <\»khetouba, do niesmo modo que us do dota e dos bens paraphernaes da mulher, competiam ao marido,

sobre cujos beus recahia hypotheca légal em garan-tia da esposa. Era por morte do marido on no caso de divorcio que a mulher percehia a

importancia da khetouba. A proposito de divorcio devemos observai* que tambein nesse

ponto a Mischna e on ThaJmudê modificaram a legislaçâo anterior, concedendo a mulher, em nlguns casos, a quel le direito, que primitivamente sô pertancia ao marido, como vimos. Vi-mos tambem que Moysés nao cogitara do testamento ; os novos eodigos instituiram-n'o, sent o submetter, entretanto, a quaes-quer formalidades. Bxigiu-se apenas para existenoia e validade do testamento que houvesse uma declaraç&o, escripta ou mesmo verbal, da vontade do tastador.

O direito pénal antigo foi tambem alterado pelas novas co-dificacôes. O taliao foi quasi totalmeute substituido pela eom-

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hiffîtii

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posiçllo em dinheiro. O 4." livro da Mischna eatahelercu, para) lis golpes e ferimentos, mua tarifa de iiideinnisaçôes pecuhia-j rias, segnndo a qnal o culpado tinha de pagar : 1.°, pelo damuo,| 2.°, pela dor, 3.°, pelas despezas do curativo, -t.", pelo impedi-l raento do trabalho, 5.", pela vergonha. Esta eu ri osa dynamisa^ ç&o do delicto e da pénal idade nâo é, de reste, para admirar,! porqtianto a legislaçao dos rabbin os esta eheia dessus snbtilezas, em materia repressiva. Basta notai' que a Mitchna, ao estabe-leeer a responsabilidade de alguein pelos damnes causados a outrent por nm boi de sua propriedade, distingue : 1.°. si o boi feriu eom os cornos ou coin os pés, 2.", si o animal era inoffen-, sivo on inalfazejo. No primeiro oaso o proprietario nâo pagava seuâo a inetade do prejuiao, no segundo pagava a totalidada délie.

Bastam as amostràs que ahi ficam para se poder avaliar do alcance e earacter do direito rabbiuico on thaînindico — o brilhante jus honorarium da legislaçao dos hebreus.

Arabes. —Jâ o monotheisnio cliristao, filiado ao de Moysés, t i n h a revoluciouado philosophiea c politieamente o mutido an-j tigo : jâ o poderoso imperio roinano havia ruido, sob os barba-roe, coin toda a coltnra polytheica que o christianisnio avassa-lara ; quando a raça seniita lançon ao muudo uni outra révéla-dor de verdades theologicas, uni novo fàbricador de dogmas religiosos. lieferimo-nos a Mahomet ou Mafonia, o mystagogoj arabe appareeido no seculo VU coino portador da dontrina do] islainismo ou da salvaçâo, —dontrina nionotheiea baseada no î inosaistuo, temperada de christianisnio e enxertada de nm certo numéro de idéas e praticas agnosticas.

Nâo teriamos razâo para oecnpar-nos dessa outra manifes-taçâo do genio religioso dos semitas, si os dogmas fundamentaes do islamisino nâo houvessem transposto o fôro intimo dus tra" bus arabes que soffreram o ascendente moral de Mahomet. E' sabido, porém, que a nova rcligiâo iez-se instrumente de cou-

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qtiistas e tic fundaçôes politicas importautes, clando nascimeuto a uma orgauisaçâo juridica peeuliâr, nos varies pont os dos continentes ein que troou o verbo do propheta e refulgiu o al fange dos kalifiis.

YejamoB, pois, qnaes as fontes e os institatos da alludida organisaçâo juridica, que, seguudo affirma Sawas Pacha, édigna da atteuçao dos historiadores e dos philosophes de todos os paizes.

Do raesino modo que a Biblia é o livro fundamenlal do direito hebraico, o Al Koran ou Korcn o é do direito mnsul-uiano ou arabe, dautlo-.se a té a circumstaneia de significarcm a mes ni a cotisa (livro ou tritura por excellencia) as palavras biblos e koran.

Assim é no Koran qne acliaremos os principios basicos da legislaçâo que vamos ligeiramente esboyar ; (I) porqne sendo elle ao mcsmo tempo o livro da crença e o do direito, a obser vaut'ia dos preceitos juridicos 6 lias suas paginas imposta como um dever religioso. Note-se, porém, qne mtiito pror>osital-| mente s6 attribuimos ao Koran «os principios basicos» do direito islamico, e uao o direito mnsiiliuaiio ampliado, eniique-cido e mais ou menos systematisado, que nos releva ainda boje a aptidao juridica dos arabes. Este ultimo foi o dcsdobramento natural do primeiro, e sô pelo esforco dos doutores e professores do Islam sahin do quadro resumido e iucompleto que lhe era assignado no Koran.

Forant coin effeito os jurisconsultes arabes que crearam o verdadeiro direito musulmano. tomando por base o velho direito nacional acceito com modïficaçôes por Mahomet, e descn-volvendo-o largamente pela introdticçao de novos elemeutos respigados nas leis judaicas e christaus.

* Dada a fuga de Mahomet e seus scctarios de Méca para Médina (a cidade do propheta), ou antes, realisada a liégira, que

(1) O K«nu: II dividido ein duus partes : Imau (doutriiia du i!ê) e Diu (duatriua moral). Ambas sulnlividem-so cm capitules (surnj e versos ouveroi-cnlos (ajat.)

*» ^* "'Jl*

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ficou sendo a base do kalendario arabe, começou o trabalho de desenvolvimento scientifico do Koran. O proprio Mahomet ini-ciou-o, proferindo e colleccionando as hadits, especie de senten-cas ou decisôes obrigatorias entre os arabes. A colleeçao defi-uitiva ou codificaçao de taes sentenças, feitas ja pelos successo-res do propheta no 2." seculo da hègira, constituiu a Sunnah (t-ra-diçao).

Foi o estudo exegetico da Sunnah que deu logai* ao desen-volvimento e systematisaçâo scientifica do direito islainico, pelos ulémas (os homens versados no direito, os jurisconsultes). Qua-tro destes mestres de jurisprudencia forain os verdadeiros créa-dores do direito mnsulinano : Abu Hanifat, Malek, Chaféi e Hanbal, cada uni dos quaes fez escola. E tâo brilbante foi a agitaçao juridica produzida nesse periodo (seculos VIII e IX), que Dareste a compara a que teve logar em Borna no tempo das controversias entre sabinianos e procnleianos, fazendo observai-que, como o direito roinano, o Islam teve as controversias dos Jtanefitas, màlêkitas, chafeitas e hanbalitas.

Desta vasta elaboraçao scientifica e doutrinaria alguma cousa de pratico dévia surgir como complemento da Sunnah ; surgiu, com effeito, a Idjma, — colleeçao ou compilaçao das sentenças, decisôes e opiuiôes dos qnatro chefes de escola e dos respectivos discipulos.

O Koran, a Sunnah e a Idjma sao, pois, as très grandes fontes do direito musulmano, cujas linhas geraes passamos a traçar. (1)

E' bem de ver que a (errenha organisaçao politico-religiosa das tribus arabes naolhes podia fornecer um direita publico amplo e rico. Direitos politicos apreciaveis nâo os podem ter povos subjugados por autoridades espiritual e temporal mente

(1) Algiunas outras fontes secundarias existem ; sâo ellas varioR manuaes ou livros destinados ao ensino. As mais notaveis délias sâo : o fflulteka, de Ibrahin Halebi e o Mukhtacar, do ulema egypoio Khalil. Todas as fontes ei-tadas servem apenas para o direito musulmano orthodoxo ; os heterodoxos êchiitas discipulos de Ali, repellcm a Sunnah e a Idjma, baeando-se apenas no Koran.

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absolu tas, e individu os dom inados pela ohaessao do fatalwmo. A este respeito, portanto, podemos qtiando niuito referir-nos a lorganisaçao judiciaria, ao processo e. ao direito pénal dos mu-sulman os. E como pouoo ha a dizer mesmo em relaç&o a esses institut-os, fallarenios em primeiro logar dos de direito pri-vado.

A primeira cou sa a notar é que coin relaçâo â capacidade juridica, e isso quer no direito publieo qner no privado, a lei de Mahomet estabelece differença formai entre musulmanos e Hâo musulmanes, sujeifando estes a disposieôes especiaes em Imateria de imposfco, de penalidade e de propriedade. Nada mais mit u rai em uma legislaçâo baseada sobre a intolerancia i-e-i ligiosa.

O mol de gérai da familia isl arnica é o polygamico ; o arabe! pôde ter quatro mnlheres légitimas e ter aléin di&so nm numéro illimitado de concubinas. Algnns escriptores prétendent mesmo que entre os antigos arabes sao facilmeute cnconfcrados vesti-gios de uma polyandria primitiva. Eiitretanto a instituiyâo do levirato nao faz parte do direito musulmane».

O easamento arabe, anteriormente ao advento do islamisme, era contrahido sob a forma de vends e ordinariameute tï-nha uma duraçao temporaria. A mulber passava a fazer parte dos bens comprehendidos na suceessâo. O Koran porém dispoz que a mulher dévia dur o seu consentiniento expresso ou taeito para a nniao, declarou-a proj>rietaria do dote ou présente nup-j cial, concedeu-lhe a conservaçao e gozo dos sens bens particu-lares e iseufcou-a de qualquer autorisaçâo do marido para a pra- tica de actos juridicos.

O principio da perpetuidade da uniâo conjugal é procla-Imado, mas sômente em thèse ; o divoreio é permittido e é tam-bem permittido aos divorciados toinaiem a unir-se até nove vezes.

Consagram as leis musulmauas a du pi a snceessâo testa-mt-ntaria e légitima, seu do a primeira com a eondiyâo de sô dispor o testador da terça parte de sens bens. O testamento pode ser feito verbal meute ou por escripto em présenta de duas testemunhas. A ordeiu de successao estabelecida por Mahomet

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para a légitima ou àb intestato é realmente curiosa e original, j Querendo dar as mulheres uni direito de snccessâo que até o seu tempo ellas nao possuiani, creou o propheta duas classes de lier-deiros : uns eom direito a nma parte légal da herança ; outros com direito à herança inteira, mas sem projnizo das partes lega.es. Estas partes pertenciam, conforme os casos, ou ao ma-rido, ao pae e avô paterno, on a vinva, a mac, a avô materna e la filha, a irmâ, etc. Apôs os herdeiros de partes legaes veem I os herdeiros simples pela ordem segninte : deseendentes, ascendantes e collacteraes snccedendo cada um por cabeça e cada grâo exclnindo o segninte, Ein falta de herdeiros a snccessâo ; pertencia ao patrimonio dos pobres : — o beit el mal.

O Koran nao admitte a adpoçào. Admitte, entretanto a es-cravidâo. Comtudô o casaniento dos escravos é reconhecido pela lei e produz effeitos ci vis. Tambem é perniittido ao escravo pactnar com o senhor o seu resgate.

O institnto da propriedade apresenta, no direito islam ico, um caracter especial, mixto de collectivisme e individualismo. Si por um lado o Koran dâ varias vezes a entender que a terra é commnm porque pertence a Deus, e estabelece o chef/a ou resgate de indivisao ; por ontro lado textos expressos nos mostram que o direito mnsulmano proclama como fuudamento do dôminio a oc- cupaçao individnal fnndada sobre o trabalho. Parece que a differença provém das diversas situaçôes sociaes do povo arabe : onde este se estabeleceu orgauisado apenas ein tribus predomi- non o régi mon collectivista ; o contrario deu-se onde as tribus | constituiram uni a. nacionalidade politicamente organisada. j

A prescripçao acquisitiva uao era coubecida dos arabes ; o respectivo direito estatue que a reivindicaçâo da propriedade 6 sempre possivel. Isto quer dizer que a posse, a posse longa, a posse de bôa fé, nâo existent no direito musulman» como titulo de dominio.

Os contractes mais geralmeute conhecidos pelos fieis do Koran sâo a venda propriamente dit», a troca, o canvbio de moedas, a locaçao, a venda a termo, (salant), o oaucionamonto eo penhor. Este ultimo era mais um uicio de prova do que um contracto como hoje o teuios. A .hypotheca, a usnra e oui

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gérai os contractes aleatorios sâo dcseonhecidos ou prohibidos pelo direito islamico. Escriplnra on testémunbas nâo sâo exi-gidas para prova dos contracte» senâo tratando-se da venda a termo c do casamento.

E' ao trahirent do contracte de venda qne os jurisconsultes musuliuanns érigent a sna tlteoria das obrigaçôes. Aléni das obrigaçôes "religiosase cnltuaetf subdivididas cm obrigaçôes nul-venues e parciaes, expôent elles très classes de obrigaçôes : as qne dérivant de um facto on delicto e independem da vonhtdo I das partes, as que uascem da voutade de uma sodas partes, e as qne se originam do aocordo de du as vontades. O objecte, o consenti mente e a capacidvde sâo os eloinentos constitntivos de lodo contracte.

O direito pénal dos arabes consiste principal inente cm um systema de reparaçôes on oomposiçôes peenniarias. E' o regi-incn do preço do sangne, snbstibutivo do da vingança privada, tal quai o vimos jâ entre outros povos. O homicidio e as offensas physicas sâo tari fados conforme a inteusidade do delicto c a condiçâo das pessoas offendidas. Assim o preço do sangne (diu) é para uma inulher a mutade do de nra bomem, para mu pag&o a décima ([ii i ut a parte.

As outras infracçôes da lei criminal sâo punidas com penas différentes. O ladrâo, por exemplo, é condetunado, pela pri-meira vez, a perder a mao direita, pela segunda a perder o pé esquerdo, e da terceira vez é condeniuado a prisâo. A rebelliâo e a apostasia acarretam a peua de morte, coin confisco dos bens no caso de apostasia. O réo de ad ni ter io soifre a lapidaçao, uma vez provado o delicto pelo depoimento de qnatro testemu-nhas de vista e pela confissâo do culpado. Qnarenta açoites é o miuiino da peua para o individuo que infringe o preceite de nâo beber vinlio.

A organisaçâo jndiciaria entre os musnlmanos é shnplissi-ina, A jnstiça é destribuida, quer no civel quer no crime, pelo \kadi, juiz singnlar, de nomeaçâo do soberano, que julga cm pri-nicira e ultima instancia e que nâo pôde ser destitnido sem mo-itivo juste. O kadi pôde ser assessorado por mu ou alguus muf-

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A6 OOMPENDIO DE IIIKTORIA

Un ou ulémas (jurisconsultes ou doutorcs notaveis) mas a res-poiiHtihilidude dit serifeença s6 a elle eabe-

0 processo, crimiiial ou civil, seguo esta marcha lapida e uada formalislica: oifcadas as partes, eoinpareccii) ellas ein pes-soa p tirante o kadi ; explicam-se verbal nie rite ; produzeui suas prova». O julgamonto é proterido in continenti. A confissao, 118 tostiMiiunlias e o juramento sào os nieios legaes de prova ; os documentas oscriplos iiTio tf-iii viilor senao qunudo eonfirnindos pelas pa ri os ou Icsteniunhas.

Tal é a pliysionoinia gérai do dircito mulsuniano, estndado no Koran, ua Snnnah e na Fdjma.

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-vxx

A vida juridica na Grecia antiga. (*) _

I I

Avisinhamos-nos do Oceidente. Para traz fiearnm as agwas sagradas do Ganges, o delta feeundo do Kilo, as planicies perfn-madas e risonhas da Mesopotamia. Desapar ecem, ao longe, no ho ri son te, os cimos nevados do Hymnlaia, as cumiadas pensativas do Libano e as arestas rijas das pyramides, dominadoras dos desertos ci r camj a ce n tes.

Bffectuanios a viajem do sol, que foi a mesnia dos avôs, que foi a mesnia da Historia. E o primeiro pouso que se nos dépara é a Grecia, a peqnena peninsula do Mediterraneo,—jardim pro-digioso qne a natnreza préparant para a floraçao snprema do genio aryano.

.TA ti vemos opportunidade de explanar a theoria gérai mente)

(*) FONTES :—G. Carie : La vita del Dvritto nei mot rapporti colla vUa\ sociale ; Fustel de Conlanges : La cité antique ; 0. Martin» : Raças hmnanas e civil, primât ; A'A guanno : Gen. e evol. del Dir. Civ. ; Eschbnch : Introduction gen. à l'étude du Droit ; Ahrens : Encyc. Jur. ; Letourneau : Evolut. jur. ; Victor Durny : Histoire de» Grecs. ; Delacroix : Constitutions de l'Eu rope et de l'Amer, vol. 1°.

là.

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98 OOMPENDTO DR HTSTORÎA

recebida da origcm connu uni dos cliamados povos indo-eUropêus on indogermanicos. Vimos que géographes, historiados e 1 inguis-tas, sâo hoje accordes em admit-tir que a grande raça aryca, primitivamente acampada na Àsia central, dividiu-se n'uma epocha indeterniinavel, em dois grandes grupos : o . iraniano e o aryano, o segnndo dos quaes subdividiu-se em ramos. que emigraram do habitat dos antepassados para os lados do'occidente. E agora occasiao de complétai- as indicaçôes ent&o feitas.

Foram em nnmero de cinco as correntes ethnicas que pas-saram da Asia & Europa, trasendo comsigo a bagage m psycho-Rociologica dos nossos antepassados. Uma dessas correntes—a primeira, provavelmente) a sahir da patria primitiva—foi dire-ctainente do Caucaso il extrema occidental da Europa, fixando-se na Gallia, na peninsula iberica e na Gra-Bretanha e Irlanda. É a familia dos celtas. Très outras correntes seguiram-se a primeira. Est-as tomaram rumos di versos, seguindo dnas para o sul e uma para o norte e centro. Sâo os helenos, os italos on latin os e os germanos. Veio entâo a ultima leva de aryanos, que procu-rou principal mente as partes oriental e septentrional da Europa. É a familia dos lithuauo-slavos.

E da corrente grega ou belenica que temos de nos occupar neste capitule, deixando de parte, por estranhas ao nosso pro-gramma de estudo, as questôes relali vas a existencia e origem dos primitivos pelaago* — o povo que, segundo as lettras clas-siqas, formou o strato basico da formnçâo ethnica da Grecia.

Principiemos salientando uma dupla cireumstancia, que / suppomos de alcance largo e fecundo : A Grecia nao nos appa-f rece apenas como uma estaçâo geograpbica intermediaria entre as costas do Egypto e da Mesepotainia, por um lado, e as da Italia, por outro ; apparece-nos tambem como fecundo élo social e politico entre as civilisaçôes trans e cis-mediterraneas, isto é, entre as conquistas inoraes e materiaes do oriente asiatico-afri-cano e as do occi dente europeu. A filiaçâo e a continnidade historicas accentûamse aqui claramente pela contiguidade geo-graphica e nesta solidamente se esteiam. Si é verdade que foi das migraçôes proviudas dos arredores do Caucaso e Mar Negro que

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____________GEBAL DO DIREITO 99

a terra dos snppostos pélasgos recebea o elemento colonisante dos ario-gregos, nao é me nos certo que foi das eivilisaçôes kaniito-semitaâ da Aaia Meuor e do Egypte que os vencedores dos pélasgos receberam os primeiros i.iiHnxos, as iniciaçôes fun-damentaes, da cultura coin que depois illnminaram a Europai

Vista por esse prisma, a cidade (1) helenica toina um aspect» parti en lar, altamente snggestivo de uni certo numéro de con-sideraçôes que* ligeiramente enuneiaremos.

B' bastante couhecida a divisao que H. Kenkle fez, dos povos, eiu solares, crepusculares e planelarios. Os primeiros représentant o lado diurno da humauidade ; os seguudos o lado dilucalar, matutino ou vespertino ; os ultimos o lado nocturno. Esta divisao pôde ser transplantada para o terreno do Direito, eomo em parte jâ fez Cl o vis Bevi laqua, nas suas Licçôes de Le-gislaçâo Comparada.

Applicando a classificacao de Kenkle ao cas» particular da Grecia juridica, parece-nos que a civilisaçâo helenica pôde ser iucluida no segnndo membro da divisao. Na historia do direito a Grecia é uma nacionalidade crepmeular, isto é, de transiçâo ; nao é creadora ; é assimiladora, modincadora e transmissora. Confirma este modo de ver a segainte phrase de Oliveira Mar-tins : «A Grecia é um turbilhao luminoso e cahotico ».... I De facto : o senso juridico nao foi, de modo algum, o apa-nagio dos gregos. Confrontando-os coin os romanos, G. Carie observou nuiito bem que o genio latiuo alliou o senso juridico a virtude militai', ao passo que o genio grego foi apenas bel-licoso e philosopbico. O proprio Platao, o divino, referindo-se ao espirito do povo a que pertencia assignalou apenas que era « um espirito curioso e avido de sciencia. » À unaniraidade de ppiniôes neste sentido autorisaram Eschbach a pronuneiar-se nestes termos : « Entre os gregos o Direito nao se elevou jamais a altura de uma sciencia especial : sua inntginayao poetica e

(1) A palavrs cidade 6 aqni empregada n'um sentido différente do moder-no. isto é. signifioondo aesociaçâo religiom e poliHca. Os gregos e romanos dûtingniam a cidade — associacao da cidade — area edifioada e povoada.

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100 COMPENDIO DE H1STORIÀ

movel u&o se prestava a cultura de. mua seiencia tâo severa e tao înathematica coino a Jurisprudencia ; houve entre elles emineutes publicistas, mas uuuca jurisconsultes propriainente ditos. » É sabido, alias, que Plat&o e Arigtoteles consideravam o direito e a politica como simples capitulos da Ethica.

Assim, éi fora de duvida que podemos insistir em nosso modo de ver, baseado sobre a divisâo de Kenkle : os heleoos, que fora m nui povo solar no que respeita a philosophia e as artes, foram simplesmente mu povo erepuscular no tocante a iutuiçôes e instituicÔes de Direito. A civilisaç&o groga, no ponte

/de vista juridico, foi a madrugada do luminoso dia roniano ; Spart ha e Atbenas foram o dilueulo auroreal do esplendido

I meio-dia de Borna. Isto, porém, u&o quer dizer que o conjuncto do direito grego

offereça a mesmisaima pbysionomia do bindû, do chinez, do judaico on do egypeio. Corn serein uma raça desprovida de genio juridico, nem por isso os gregos importaram em bloco tal ou quai legislaç&o estraugeira. Uni povo novo, em uni meioj novo, assimila ou imita, modifieando largamente as idéas ou institut os transplantados. E militas vezes, depuis desse pre-cesso de adaptayao, rcage contra os sens primitivos empresta-dores de instituiçôes. A propria Grecia fo.rnece uni exempta disso, com as modificaçôes legislativas iutroduzidas no Egypto logo apôs a conqnista macedonia. Déniais, sendo a organisaçâo politica das cidades gregas profitndantente diversa da das outras naçôes antigas, o direito publiée respectivo n&o podia deixar de ter uni caracter proprio, especial.

E é, com effeito, pelo seu direito pnblico que a Grecia an-tiga se torua digna de nota, no curso da evolnç&o juridica bu-ntana. Instrumento de transiçâo entre o typo patriarchal do oriente e o typo de eidade que surgia sob a press&o de no vos idéaes, a gloriosà Helade forneceu ao mundo uma boa parte dos thesonros que foriuaram o patrimonio juridico dos posteros, no que concerne as relaçoes de ordem publica. Podemos mesmo affirmai' que o trabalho e fuucçôes capitaes da Grecia em ma-teria de Direito, foi dar individualidade e autonomia ao direito

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GERAL DO DIREITO 101

pablico, separando-o do privado ; foi séparai* o patrio poder do poder publico, firiuando uni uovo modo de «convivencia civil e\ polit ica » em que puderam medrar as noçôes de causa municipal, de causa national, de causa publica. E assini preparou ella o terreuo para o broto auspicioso du soivosa arvore romana.

I §

De todos os pequenos Estados que constituiram a urdidura social e politica da Grecia antiga, de todas as cidades esparsas nas planicies da Phocida, da Beocia, da Attica, da Megarida, da Corinthia, da Argolida, da Lacouia e de Mantinéa, dois l'o-ram os nucleos de populaçâo que synthetisaram as qualidades e defeitos do ramo aryano para ali transplantado. Sparta, a cidade lacedomonia do val le do Eu rotas, e A thon as, a cidade attica visinha do Hyiuéto e do Pentélico, forain os grandes fôcos politicos, oada um por sua vez hegemonico, da civilisacao hele-nica. É pois na Laconia e na Attica, ou an tes, em Sparta e| Athenas, que podemos encontrar a expressao juridica do genio grego. Minos, Zaleuchus e Karondas, os pretensos legisladores de Créta, da Locrida e da Grande Grecia, nao têm relevo liera authenticidade historica bastantes para que nos occupemos das| iustituiçôes que lues sao attribuidas. E corao o spartano Ly-curgo e o atbeuiense Solon — os dois eupatridas da jurispruden-cia helenica — floresceram em epoeha relativamente moderna, é bem de ver que nâo fazemos remontor nossas indagaçôes aos tempos priinitivos e heroicos do povo grego.

Penetrando tanto quanto possivel no passado desse povo cora o auxilio da poesia legendajia e épica, conseguimos dis-tinguir duas phases do seu desénvolvimento social. A primeir.i é a phase da vida barbara e nomade, assignalada pela couquista gnerreira do territorio e pelo subjugamento das primitivas po-pulacôes nelle domioiliadas ; é o tempo fabuloso de Theseu, de Hercules e de quantos herôes e semideuses a imaginaçao popu-lar forjou para symbolisai' as lutas e victorias dos aryo-gregos. A segunda é a phase semi-historioa da fundayao dos reinos e

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102 COMPENDIO DE HIHTOBIA

das cidades, apôs a Victoria dos conquistadores ; é a epocha do sedentarismo agricola e da constituiçâo da cidade religiosa e politisa. Este segundo periodo da historia légendaria da Grecia tem fini no seculo XII ou XI. A. C. e é sô nos seculos IX e VI da mesma era que apparecem Lycurgo e Solon coin as respect! vos obras législatives.

Nestas, porém, e particulai'niente na de Solon, eucontra-reinos nos crystalisadas, embora jâ com profundas modificaçôes as principaes institûiçôes sociaes e juridicas dos dois prinieiros périodes da evoluçâo grega, a partir das realezas primitivas até a democraeia atheniense, coni as respect! vas creaçôes religiosas e politicas da familia, da patria, da tribu, da cidade, das assemblons do povo, dos anciâos, etc.

Passemos, i>ortanto a examinal-as

SPABTA — E por intermedio dos autores classicos gregos e romanos, depositarios nao de documentos escriptos si ni de rae-ras narrativas tradicionaes, que podeiuos reproduzii* us lin lias principaes da organisaçâo juridica da Laconia, ou mais propria-mente da cidade lacedemonia. As leis de Sparta nunca forain escriptas, e basta isto para dificultar nm estndo corapleto e ex-acto da îuatcria. Por outro lado o proprio legislador sparciata é lima individiialidade sobre a quai os historiadorcs projectaiu grandes sombras de duvidas e de contradiçôes. Plntarcho, por exemplo, afiirma convictamenle que « nada se pôde dizer de certo sobre Lycurgo, sendo diversameute relatadas sua origem, suas viagens, sua morte, suas leis e inesmo a forma de governo que elle estabeleceu. » (1)

O que é, comtndo, gérai mente admittido é que Lycurgo, homera de sangue real e de alta intelligeuoia, nascido era Sparta no seculo IX, foi D'uni certo periodo de sua vida publica, obri-gado a exilar-se, por motivos de ordem politica. Réfère a tra-

(1) Segundo os mais autorisados historiadores înodertios pnrece que a obra legislativa de Lycurgo foi elaborada o'uma dada epocha do Reinado de Teleklos, 8." rei de Sparta, ao tempo em que occopava o outro throao o roi Caarilaos, pertencente a dynastia dos proklidus e gobrjnlio de Lycurgo,

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ftER.W. TK) DIREITO 103

Ifliçâo que o nobre sparciata aproveiton o tempo do exilio para cultivar seu espirito e reforyar s fias uptidôes politicas viajando por Creta, pelo Egypto e pela India, enjas instituiçôes estudou profundaraente. Voltando ao seu paiz. apôs dezoito annos de desterro e de estudos, solicitaram lhe os conterraneos sua inter* veuçâo para a restauraçao do bem pnblico, gravemente prejn-dicado pelo mal estar provenieute da desegualdade das fortuuas entre os lacedemomos. O recem-viudo accèdeu, e, depois de onvir o oraculo, que se lhe mostrou bonigno, metteii hombros) à empreza, que consistiu, ao ver de uni historiador moderno, no seguinte. : « fazer reviver, coordeuando-os. antigos costumes, précisai1 o que era vago, completar o que era imperteito, e for-mar de elementos esparsos mas vivazes uni corpo de leis rigo-rosamente encadeiadas. »

O legislador sparciata surgi u no solemne momento historien mn que se effectnou a prime ira revolnçâo das que agi tara m o muiido politico—juridico formado e dirigido pelos aryo-gregos.

[- Houve na Grecia, eoino em Roma, très movimentos sociaes e politieos que determiuaram outras tan tas sifcuaçoes juridicas da sociedade occidental. Forant elles o dos patricios ou riôbres contra a realeza, o dos clientes contra os patronos e o da plèbe contra os patricios e clientes. No primeiro os reis antigos forain despojados de sua autoridade politica, ficando reduzidos aopapel de meros chefes religiosos; no segundo os clientes on servos, homens de inferior condiç&o ligados ao patrao ou patri-cib pelo culto domestico, fizeram-se eguaes dos se us superiores conqnistando o direito de propriedade sobre a terra ; no ter-ceiro a multidâo que nâo tiuha culto nem direitos conseguiu ] uina religiao e leis egnalitarias, ascendendo ao nivel dos outres clenientos sociaes.

Lycurgo apparecen na passagem do primeiro para o segun- [ do de&ses movimentos. Foi elle o représentante do pensamento

dos patricios nobres contra a dictadura real. Da familia pa- triarchal e do culto domestico tinba sahido o rei-pae. soberano

I entre os paes e snpremo ministro da religiao. Era preciso li- [ initar e diminuir essa autoridade oppondo-lbe os magnatas das

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104 OOMPENI>IO DE HISTORIA

fniuilias, phratrias e tribus constitutivas da cidade. Foi o que teve era vista o tio de Charilaos com a legislaçao que formulou.

Dcsenheinos os raios principaes dessa construcçae, que nao chegou inteira até nos, mas cujos fragmentes nos demonstram

que foi erigida para abrigo de uma sociedade aristocratica e gnerreira, em que o cnlto da força era tao grande como o culto.

: • dos devises. I I Lycurgo, acceitando e systematisando os usos em vigor, deu

I a Sparta a segninte organisaçSo politica ; uma Assembléa popu- lar, uni Senado (Geroniia) e uma Réalésa eonfiada a dois reis — o que sô por si prova que o governo sparciata era nionarchieo apenas nominalmente.

Bealeza, Seuado e Assembléa do Povo exerciam sua anto-ridade e attribuiçôes sobre cerca de 30,000 dorios; 120,000 pe-riêcos e 240,000 ilôtas. (1) dos qnaes sô os primeiros, isto é, os dorios, tinham direitos politicos e podiam gosar do titulo de cidadaos.

A Assembléa popular era composta de todos os cidadaos sparciatas maiores de 30 aunos. Em regra reunia-se mensal- mente, na epocha do plenilunio, e tinha como principal attri-

I bniçao approvar on regeitar (o que era feito quasi sempre sem discussao) os projectos formnlados pelo Senado ou pelos reis. A essa attribniçao veio juntar-se posteriormente a de jnlgar os crimes politicos, sobretudo os dos reis, quando accusados pelo Senado. As votaçôes faziam-se por acclainaçao ou separando em dois grnpos os cidadaos, conforme os votos eram de appro-vaçâo ou rejeiçao.

O Senado ou Gerontia era uma corporaç&o formada por 28

(1) Periécos e Hâtas eram os dois grandes grnpos de povos lacedemonios guerreados e subinettidos pelos conquistadores dorios Os primeiros que eram quasi todos cnltivadores e que eram obrigados ao pagamento dos impos* tos e ao serviço militar gozavam de liberdado individnal, emborà nâo fossem oonùderados cidadaos ; os segundos nâo sô nâo eram cidadaos como nâo eram homens livres. Eram escravos que nâo tinham esperança de libertar-se, porque a lei prohibia que fossem manumittidos ou nlforriados, prohibindo ■ tambem que fossem vendidos para fora do territorio spartano.

S :<

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GKRA.L DO DIREITO 105

cidadaos niai ores de 60 un nos, nomeados ou eleitos direetamenta pelo povo o enjo mandate) era vitalicio.

O processo de que se serviam os spartauos para a eleiçâo dos iiMMiibros do Senado oftereee uni aspeoto tfto singular, ou an tes, tôo original, que uâo nos podemos furtar ao desejo de deixal-o eonsignàdo, niesino ligeiramentp. Era o seguintP, o processo eleitoral a que alludimos : I V Marcado o dia da eleiy&o e conheeidos os candidates ao cargo sénatorial, era m estes e o povo eonvoeados para a praça publica.

Alii, h'a nia orderu estnbelecida por nieio de sortent, desfilavaiii, uni apôs ontro os aspirantes a senatoria, camiubaii-ûo cada um cm

sileneio c de olhos baixos. O povo manifesta-va-se entao por meio de gritos de apprevayao mais ou nieiios numerosos, mais ou me nos fréquentes. Estas acchunacôes eram registradas por uni

certo numéro de individuos occultes em ruina casa de onde os candidatos nâo podiam ser vistos, e effo-etuada a passageiu do

u l t i ino candidate, taes individuos vinham declarar quai o momeiito ou a vcz em que os gritos de appro-vaçâo liaviam si do

mais fortes, mais coiitinuos e em maior numéro. Sabido pelo numéro de ordem o canilidato que passara Loin tal momento,

estava conliecido o eloilo do povo de Sparta. A litulo de présidentes da corporaçilo os dois reis faziam parte do Seuado. Este t inlia conio attribuiçôes principaes : a alla gestào das finanças publicas,

as declaraçôes de gnerra e de I pnz, os t rata dos de alliauça, o julgnincnto de todas as causas ca pi ta es e a accnsaçâo e

julgameuto dos proprios reis. A. Realejsa spartana foi, a partir de Lycurgo, quasi simples-'

mente decorativa. Mantendo a iustiliiiçao dos dois reis, o logis-lador sparoiata procurou fazer, e fez, coni que elles fosse m ape-nas os présidentes do Senado e os exécuteras das deliboraçôes dessa eorporaçao. Do facto, era o Senado que governava Sparta, sendo a jurisdiçao real, em tempo de paz, ineramente religiosa. Por isso diz uni bistoriograpbo-jurista corn toda verdade que os reis Spartanos eram apenas « primeiros cidadaos eem côrte e se m fausto ». Em tempos de guerra, entretanto, eram elles os choies roues do exercito e nesse caracter tinhaui uma jurisdieçâo raili- tar ex te n si ssi ma, H

14

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106 OOMPENDIO Dl. HISTOB1A

Oonhecidn. iissim si nrgauisaçào dos po'defès pablicos doini-j liantes fia capital (Ta velha Lacedcmonia, vejainos as respecti- I vas iusHlniçôes de direito privado, deixando para mais tarde, conforme o méthode que adoptâmes, o exame de sua organisaçacj jndiciaria e de seu direito repressivo. . I Principiemos pela eondieào das pessôas* i

H Da menyâo que lia poneo lizemos das très classes eni que se dividia a populaçao subiiiettida ao governo de Sparta, in fève-se iiniiiediatainente que nao s6 os direitos peliticos mas tambem os civis erani desegnaes entre os individuos que a compnnham. Si os dorios e sens descendentes erani cidadaos e liomens livres, os ppriêeos erani livres mas nao erani cidadaos, e os miseros ilotas, adstrictos a gleba, nao erani cidadaos nem liomens livres. A es-eravidao, coin todos os horrores (\ojus vit» et necis e sem o ado-çainento da manumissao, pesava sobre a grande maioria dos lacedemonios e laconios.

A fa m il i a spartana baseiava-se sobre o casamento effectua-1 do pelo rapto verd nleiro ou si mal ado, e contrahir casamento, ou antes, procréai" tilhos para o serviço da patria, era unia nc-cessidade de ordem pnblica, um verdadeiro dever civico. O ce- ; limonial do acto nnpcial era nenhnm. Ordinariamente a m ni lier tingidamente raptada era conduzida a uni lugar afastado, onde lbe cortavam os cabcllos e davam-lhe a calyar os sapâtes do fu-turo marido. Consumado o casamento, a mulher passava ao gyneceu domestico, onde ficava recolliida c occulta.

Nao se conhecia a polygamia ; nias o concubinato era per-mittido e largamente praticado. O divorcio, on an tes, o repu-1 dio simjiles c voluntario da mulher pelo marido era consa coin-mnm. Sendo o fim exclusivo da uniâo conjugal a procreaçâo de tilhos permittia a lei que o honieui aban do nasse a mulher esteril e que o marido esteril cedesse a mulher a outro hoinem capaz de | fecundala. Os casunentos effectuavam-se de preferencia entre | parentes, nao havendo impedimeutos, na linha collatéral, se-nao entre irmaos nascidos de uma m es m a uiae.

O poder marital nao era limitado senao pela vontade ou condesceudeucia do marido ; a mulher obedecia sompre, ainda

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'GERAI, DO DIREITO 1071

luesmo qnaudo era offerecidit ou einprestada a nui ontro homcm. O patrio poder, ao contrario, era muitissjmo reduzido, por isso que os fillios de uni cidadao spartano perteiiciam nao a seu pue mas ao Est-ado. As crianças que por naseerem boni conformadas eseapavani ao matadouro do Taygétes eram educadas pelés paes I sômente até aedade de se te au nos ; dahi por dcante passa va ni ao gyranasio ou plianlansterio onde iam desenvulver e exercutar os musculos e aprender a bravnra e a in?ensibilidadc.

Os spartànos praticavam a adopçâo, e esta materia foi, nos priiueiros tempos, da competencia privativa dos reis. Nao te-! mos, porém, uoticia segura do uso dos dotes e da tutella, em Sparta. Quanto ao direito de suecessao a!i vîgente, sabemos apenas, por vagas indicayâes dos tiistoriadores, que o direito de primogenitnra era observado e que as fil bas sô hcrdavam na 1 falta absolu ta de filhos varôes. A herauça de immoveis passava aos herdeiros sempre indivisa, nâo havendo absolutameut:- parti! ha.

Este facto provinha da natnreza do regimen de propriedade insti tu ido por Lycurgo. TJma dus principaeS tnedidas deste legislador foi dividir o terri torio do paiz oui 30'mil lot.es assim destribuidos : nove mil, do solo de Sparta, a outros tantos cida-dâos de origem doria, e trinta mil, do resto da paiz, aos laconios periécos. Estes receberam as terras em usufructo e sbb condicao ■ de pagamento dd impostos. Os sparciutag tiveram os lotes ter-ritoriaes sob as olausulas de indivisibilidade e inalienabilidade e coin o caracter.de propriedade conimum da familia. A mes-ma feiçao commiinista imprimiu Lycurgo a propriedade movel estatuindo que os instrumentes e os auimaes de trabalho de cada proprietario podessem ser utilisados por qualquer dos sens visinhos, que délies nécessitasse.

É cousa corrente nos manuaes de historia que o legislador spartano, no intuito de dar a seu povo uni idéal exclnsivameute I guerreiro, proscreveu o uso dos metaes preoiosos e baniu de sua patria o commeroio, a industrie e as actes. Nestas condiçôes é inû|;il procurar na legislaç&o que estâmes analysaudo qualquer iustituto juridico notavel, filiado ao direito das obrigacôes,

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108 OOMPENDIO DE UISTORIA

Passemos adeante, portante

Quando acinm fallamos do meebauisino governanieiital de] •Sparta dissemos que o Senado e a Assembléa do povo tinhain attribuiçôes de ordem judic.ial. E assini era. A oi?ganisa$5o jn-l diciaria por meio da quai se exercitava ajustiça spartana nâo nos apparece seu&o nas suas assenibléas politicas, que erain ao mesnio tempo sens tribunaes superiores. Na epocha de Lycnrgo très jurisdicçôes coexistiaiu em Sparta : a dos rois, a do Senado e a da Assembléa popular, sendo que a primeira foi rapida-inontc absorvida pela seguuda. Na realidade o tribunal spartauo por excllencia era o Seuado, ao quai exdusi v ameute cabia eo-uhecer (las causas-crimes e décrétai- peuas capitaes coulra os| cidadâos.

A marcha do processo, em taes casos, era régularisai ma ej garantidora do direito de defeza. Designava-se dia para andieu-cia do aecusador e do accusado ; este era citado para compare-cer ; produziam-se testemunhas on provas documentaes, e o tribunal depois de maduro exaine que, por vezes, durava roui-tos dias, pronunciava o seu veridictum. Nem todos, porém. po-( diam ser julgados pelo Senado ; tal privilegio cabia sôaos sparta nos que tiuhaiii direito ao titulo de cidadâo.

O direito cri minai iustitnido por Lycurgo tiuha mua phy. siuuomia peculiar, quiçâ extravagante. Assim era in considera-Idos crimes o celibato, a obesidade, o talento culinario, o uso do ouro e da prata como iutermediarios de trausacçôes ; entretauto nao erani c.lassificados como delictos o assassinato, o furto, o adultérin, etc. Ao contrario, a lei sanecionava o adulterio pér-'l mittindo ao ma ri do céder a esposa a ontrem ; a soeiedade ap-plaudia os au tores de l'urtos praticados coin coragem, agilidade. astucia ou sangue frio ; o bomicidio em tao pequena conta era tido que a cryptia ou caca aos ilôtas, em que os jovens sparcia-tas matavam de emboscada aquelles miseraveis, era cotisa oâo s6 nat ural como até ensinada e applandida. É certo que sô contra os esoravos era permittida tal selvageria : mas nem por isso o facto torna-se menés répugnante.

Nao obstante isso, o systhema pénal dos spartanos, sendo

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grosseiro e barbaro por uni lado, era, por outro, adcantado e superior. A par da morte pela estraiigulnçao e pela dilaceraçâo, do bauimento e da flagollaçâo, viiihani as peu as pecuniarias e| as penas montes, entre estas a atimia, que feria o culpado nos sens direitos eivicos e na sua honra. O atimico, que era quasi sempre u eidadâo accusado de eovardia na guerra, perdia os direitos politicos, era obrigado a céder sua mulber a outrent, ficava légal mente incapnz de contractai" e tin lia de eobrir-se de andrajos para receber os insnltos e ataqucs dos caminhantes.

Sâo os que ahi ficain apoutados os traços geraes da legislaeâè de Lyourgo, isto é, da estruetura juridica de Sparta, n«i sec.iï-j lo IX. Resta uotar que cterca de seenlo e nicio depois essa organisaçâo politico-juridiea foi graudeniente inodifieada em alguns dos sens detalhes. O advento dos ephoros, magistrados cuja creaçâo os reis favonearam para enfraquecer o Seuado e que acabaram por aunullar ao mesiuo tempo os seuadon s e os! reis, veio altérai* profundamente a ordeni de cotisai) estabelecida. Em numéro de eiiico e eom o titulo de chefes e orgaos do povo, os ephoros tomaram a. iniciativa da propositura das leis e ustir-paraiu a preponderaucia exécuta va e judiciaria, conûada il Réalésa e ao Senado. Xenophonte diz que tinham o direito de accusai* e premier quai que r pessôa e Isocrates affirma que elles décréta vain, por sua propria autoridade, a morte de qaalquer eidadâo. Uni aut-or moderno compara os ephoros aos con-sores dp Huma, que fiscal isavain os costumes, e nia outro affirma que elles intervinham a té na intimidaile domestica dos reis, inda-gaudo da fidelidadedas raitihase velaudo pelo ciimprimento dos deveres eonjugaesque doviam perpétuai" nos dois thronosa raya dos Héraclidas Nao admira que desse modo o novo poder poli-tico spartano tivesse domina do tudo e honvesse feito em pedaços a obra leaislafciva do sobrinlio de Charilàos.

ATHENAS. —Aqui pisamôs solo mais firme e teniosluz mais inteusa projectada pelo sol da Historia. Aléui da tradiç&o temos doeumentos, e encontramos uma figura de legislador sobre cuja existeiicia pessoal uenluuua du vida séria se le van ta.

Jâ tivemos, incidentemeute, oecasi&o de observai* que no

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110 COMPENDIO DE HISTORIA.

periodo da civilisaçao greco-romana a palavra cidade tinha uni significado différente do que moderuaniente Ihe damos. Précisâmes agora insistiv nessa observaçao, que nos habilita a eom-l prebender a formaçâo e a constituiçao dos esta dos gregos fini gérai, e em especial da rcpublica atheuicnse.

A. cidade greco-romana era uma confederuçao religiosa e polibica, formada do fmnilkis, de phratrias (grupos de familias) e de tribus (grupos de phratrias). A. organisaçào dcssa cidade antecedeu a fundaçao das cidades materiaes— accumulos de habitaçôes e edificios construidos em um determinado sitio — cidades de pedra que forain primitivamente fundadas para servirent de sautuario ao culto da cidade moral :— niera associa çâo pohtioo-religiosa.

Familias, phratrias e tribus eonfederadas derain nascimento a uma organisaçào politica, sacerdotal e aristocraliea em quej dominavam exclusîvamente os patricios on nobres —aqnelles que eram chefes do culto domestico e os que délie participa vain pelo direito do sangue. Abaixo dessa classe ficavam os clientes e os plebeus, servos e protegidos uns, estranhos e perseguidos ontros.

Jâsabemosque a Grecia inteira, do mesmo modo que Borna assistin a lut» desses elementos uns contra os outros. Vinios que em Sparta Lycurgo foi o orgâo législative dcssa lut», quando ella se travou especial mente entre a nobresa e os reis que a pro-pria organisaçào patriarchal fizera surgir. Agora, no solo athe-niense vainos presencear o segundo acto do draina, —aquclle em que a classe dos clientes bâte a dos patricios e coin ella cou-1 segue nivelar-se, elimiuando definitivamente a réalésa antiga. E' aqui que apparece Solon, eupatrida da raça de Codrus, eleito .archonte nos ultimos annos do seculo VI.

Nesta epoca Athenas tinha jâ effeetnado como Sparta sua revoluçao contra a réalésa, reduaindo a um an no o praso de go-verno do monarcha e rebaixando este a cathegoria de archonte, | isto é, de um dos nove magistrados annnaes que governavain a cidade. Mas a lu ta entre pobres, l-icos eoupatïidas eslava no seu auge. Sentindo a necessidade de pôr um terme a agitaçâo

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GERAT. DO DIREITO 111

pin qno sa oxgotavam, os très parti dos accord arara era escolher <> cnpatrida Solon, n-itural de Salami lia, para reformai" e fixar os direilos publico e privado da patria. I Evideneia-se o ncerto da e-jcollia pelas seguintes palavras de Fustel de Conlangcs : «Solon tinha a rara fortuna de perten-cer aoB eupatridas por sen nascimento e aos commerciantes pelas occu payées de sua mocidade ; su as poesias nol-o mostram coiuol iim homein desligado dos prejuizos de sua custa ; por sen espi-rito conciliador, por sen gosto pela riqneza e pelo luxo, por sen amor do prazer, elle afastase ninito dos antigos eupatridas e pertence ii nova Athenas.» K Resta - n os saber como Solon se desempenliou de sua ingento e nobre tarefa. Vejamos.

O meclianismo governamental foi censtruido com du as pe-çasapenas : uma Assembléa do povoe uni Senado. A este cabiam as priucipaes funcçôes executivas e ambas asassembléas tinham uni certo numéro de attribuiyôes judiciarias.

Faziam parte da Assembléa do povo, que se reuuia ua| praça publica, todos os cidadàos mai ores de 20 an nos inscriptos nos registres lexiarchicos. Era ella prusidida por um episluhi (1) que abria as sessôes expondo os assumptos sobre os quaes os cidadàos tinham de délibérai*. Esses assumptos eramordinaria-nie n te a adopyâo de leis, a eleiçâo dos magistrados, a declaraçâo de guerra ou de paz, os tratados de allianca, a concessâo do dircito de cidade, etc. Ao contrario do quesuccedia cm Sparta, as discussôes da assembléa atheniense eram lougas e brilhaules. Os o-adores faziam-se ouvir de mua alta tribnua e como signal de sua inviolabilidadé parlamentar (si a palavra pode ser cm-pregada) traziam a eabeça cingida por umacorôa. As votayôes eram feitas symbolieaiueiite por meio de um gesto que consistia cm lcvautar uma das niaos aoima da cabeya. Ha via entretanto Ciisos em que. o veto por escrutinio secreto era de rigor : tacs eram as resolucôes sobre concessâo e dcsHluiçâo do dircito de cidade.

(1) O epistata era uni sonador tirado dentre os prytants e que serriii de grande tbesoureiro e auardu-sellos da Cidade.

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O Senado compunha-se de 400 cidadaos maiores de trinta a n nos, design ad os pela sorte dentre os mais elevados représentantes das quatro tribns cm que no tempo de Sol on estavam di-vididos os athéniennes possui dores do direito de cidnde. S6-monte no tempo deKIistbéues o numéro de senadores foi elevado a 500 por ter si do o povo dividido cm 10 tribus. Nessa epoca eada nina das tribns veio a ser representada por 50 cidadaos.

A. al ta assembléa dos représentantes das tribns reunia-se diariamente, uienos nos «lias de testa e do lato social. A convo-j caçân do Senado, seu regimento interno e a promnlgaçao e execuçân de sens décrètes estavam a cargo de uni certo grnpo de senadores chamados prytanag que se di vidiam cm varios sub-grupos ùe proêdra*. Da corporaçao dos prytane* sabiam os epi»-\ tatas que presidiam as sessôes.

As attriboiçôes do Senado erain as da Assembléa do povo, augmentadas de militas outras, de natu resta exeentiva especial-mente. Tinba elle a iniciativa de todos os projettes de lei que iain ter a Assembléa, e como supremo représentante do povo era elle o snperintendente da administraçao pnblica, sobretudo no tocante as finanças, e era ainda elle que recebia as mensagens on relatorios dos generaes e envi ados da Republiea, que dava audiencia aos embaixadores estrangeiros, etc.

As votaeoes da assembléa dos senadores eram feitas por t'scrntinio secret o, lança ndo cada uni'délies n'nma mua nma fava branca ou prêta, conforme approvava ou rejeitava a me-dida.

Snggerida senâo i m posta por uma notavel revoluçâo social, a legislaçao de Solon estabeleceu antes de tndo a egualdade pe-rante a lei, apagando as distincçôes antigas entre patricios e clientes, entre eupatridas e thêta*. Oom excepçao da classe dos escravos, que foi mantida mas sob uni regimen relativamente brando e impregnado de tendeneias bumanitarias, todos os habitantes da Attica t i n b a m uma oondiçao honrosa. A prevençâo contra os estrangeiros nâo encontrou gnarida nas lcis, e isotéles e metoêea* sentiam se bem ao lado dos cidadaos athënienses, po-

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£ deudo uns « outros entrar para o gremio da cidade por meio da naturalisaçao e gozaudo os primciros de plenos direitos civis.

■ Isto basta para caractérisai" on anfres para définir clararaente I o espirito da oodificaçao de qne nos occnpamos. O direito pri-[ vado de Solon BO em alguns pontos horaologou a iegislaçâo an-< tiga, — Iegislaçâo da quai Dracon, trinta an nos an tes, havia sido I o ferrenho codificador. (1) Nos ont rus pontos, isto é, na maio-1 ria dos casos, o direito soloniano afaston-.se notavclmente das I leis anteriores. ■ E corao este facto é o earacteristico sn|K>rior e gérai do mo-

■ viinento juridico a que nos reportâmes, poinos de parte a indi- ■ cacao simples dos diversos institntns do direito p ri vado insti-I tuirio por Solon e paasamos n expor as modificaçfles que a nova j Iegislaçâo trouxe ao direito antigo. Na impossibilidade de fa-I zel-o melhor do que o sabio Fnstel de Cou langes, tradu/iremos | apenas o que esse autor escreven a respeito e que se résume no

Es Seguin te : « O direito antigo prescrevora que o fil ho primogenito fosse | o

union herdeiro. A loi de Solon diz em terraos formaes : oa\ I irmâos dividirâo entre si o patrimonio. Mas o legislador nao se ■ a l'as ta do direito primitive até o ponto de dar & irman mua I parte na snccessâo : A parfUha, diz elle, ne farâ entre o» filhos.

[Mais ainda : si uni pae uîio deixa senâo uma fillia, esta nao pôde ser herdeira ; é ainda o agi)ado mais proximo que tem a suc-çessâo. Xisto Solon conforma-se coin o antigo direito, mas pelo incnos elle consegue dar â filha o goso do patrimonio, forçando o licrdeiro a desposal-a.

« O parentesco pelas mulheres cra deseonhecido no velho direito; Solon o admitte m» novo, indaque collocando-o abaixo do parentesco masculino. Eis o que elle estatuia: Si um pae

(1) O archonte Dracon. enpatrida imbnido dos preoonceiton relifriosoB e politiooa d'is da ana cliiaw», foi o homem da tradiçâo iuflexivel e aeu nome ainda hoje adjeotiva toda lei violenta e de im placavel severidade, Seu oo-difro, promulgudo no moment» ng-ndo da lntn entre eupatriclns e thêta», era uni conjunotode re/rrns oppresairas<1 estes e. na parte criminal. em prodigo de penas capitaes para OR menores delictos.

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innrto inlestado sô ck'ixn utnn filha. o ngnado mais proximo herda casaudo-se coni a orphft. Si nfto deixa filho algum, seu irmfto, o nfto sua irotft, herda, preferindo seu irmfto germano on consanguinco a seu innîlo nfieririô*. Na falta de irniftos ou de filhos de irniâos a siiccess&o passa â innan. Si nfto ha nein \v-inftos, nom irmaus, nein sobrinhos, herdam os primos esegnn- \ ■dos-prinios do lado paterno. Na falta desfcps é a successfto defe-rida aos collateracs do lado materne.

« Assim as mulherps conieeam a ter direito il successfto, inda que oui posiç&o inferior & dos bornons. A lei enuucia formal-niente este principio : o» oarôes e descendrai es de varôes excluent on mulheres e on deHcendenies dan iiiiillurts.

m Sol on introduziu ainda na legislaçfto atheniense ama cousa novissima : o tcstamento. Antes délie os bens passavant neces-saiiamento ao mais proximo agnado on, lia falta de agnados aos t/ennf'tas ; isto résulta va do facto de serein os bens considerados como pertencentes nfto ao individno porém <t familia. Mas Sol on coineçou a eoncebor de outro modo o direito de propriedade. O legislador permittiu, pois, aô bomem dispôr de sua fortuna e eseolher seu legafcario.

« A religifto pr imitiva tinha deixado ao cbefe de familia, ao \ pae, uina antoridade soberana no lar doinestico. O direito an-tigo de Athenas ia até o pooto de permittir a venda e a morte de uni filho. Sol on, eouformando-se coin os novos costumes, poz limites a esse poder ; sabe-se corn certeza que elle prohibai a venda de uma filha por sen pae, a monos que ella liouvesse commettido falta grave, e é verosimil que a niesina prohibiçfto fosse feita qnauto aos filhos varôes. A antoridade paterna en-fraquecia-se a medida que a antiga religifto di min nia de ascen-dente : assim o direito atheniense permittiu ao filho chegado a uma certa edade libertar-se do patrio poder. O costnme, senfto. a lei, veio insensi vol mente estabelecer a maioridade dos filhos, mesmo em vida do pae. Conhecemos uma lei de Athenas que impnnha ao filho a obrigaçfto de alimentai- o pae velho ou enfer-1 ino : uma tal lei mostra que o filho podia possuir bens proprios, o que importa na sua emancipaçâo.

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x Quiuito â mnlher. a loi de Solon conformava-se ainda coin o direito autigo quando a impedia de fazer testament», porqne a mu Hier nâo era realmente proprietaria e nào podia senâo usa* frnir ; mas affastava-se daquellé direito quando permittia a mailler retomar o seu dote. Uma outra uovidade do codigo solo-niauo foi o direito concedido a todo cidadao de procéder judicialmente contra mu criminoso ; anteriormente tal direito so eabia â familia ou a gens da victima. »

I Depois destes substauciosos trechos do autor de La Cité Antique limitai1-nos-hemos a deixar consignado : que o regimeu conjugal atheniense era o da monogamia, sendo tolerado o con-cubinato ; que o casamento coin estrangelros era permittido e que os impedimentos por consanguinidade limitavam-se ao parentesco em linha directa ; que o divorcio era admittido o que o simples repudio da m ni lier pelo marido era tambem permittido ; que o dote, a adopçào e a tu tel la era m conhecidos | e praticados ; que o direito coutractiial ou das ohrigaçôes, si uâo| cbegou na Attica ate a perfeiçâo do dos romauos, foi eut retanto objecto de estados e de regulameutaçao legai, tanto que uesse assumpto tiveram os helcnos uma creaçao que passou para o direito moderne—a das arrhas, em materia de vendu.

Dito isto fallemos ligei rameute da organisaçâo judioiaria e [do direito pénal da Attica.

Letourneau faz notar com razao que a immobilidade e o Spëgo ao passado nâo predominando naGrecia e principal mente . em Athenas, a evoluçao historica dos helenos foi assignalada I por incessantes progresses raesiuo ua organisaçâo dos tri bu unes e do processo. De facto, a estructura judieiaria e processual que ali vamos eucontrar depois de Solon é riquissima em orgaos de maior ou menor extensâo e importaucia. A's priraitivas magistraturas dos nove archontes, ao autigo tribunal areopagico

j da colina de Marte e ao tribunal dos epliêtas, iustituido pur Dracon, vieram juntar-se outros muitos, dos quaes o principal, traduzindo a orieutaçao democratica de Solon, foi a Helièa, o grande jury popular, com ampla alçada criminal e tambem com nlyada nas causas civeis em grâo de appellaçâo. O Areopago inesmo foi reorganisado e constituido em Côrte suoïema, inVeg-

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tida de uni alto direito de fiscalisaç&o sobre os magistrados, I admiuistradores e casos refereut.es :'i moral publiea.

Pelo que acabaïuos de dizer evideucia-se que ua Athenas 1 post-sol on iana havia os seguintes tribunaes : 1." o doit archonte»,* 2.* o' Areopago, 3." o dos ephétaa, 4.» o dm heliastas, isto é, a Jfeliéa.

Os archontes julgavani delictos de pequeua importants ] nias cxerciam fnncçôes do nosso moderno miiiisterio publico, j aflVctaudo certas causas aos prinieiros tribunaes ; os areopagiUu além da funcyao fiscalisadora que jâ llies attribua in ôs, julgavani : ('spécial mente os honiicidios preineditados e os crimes de im-piedade e al ta fcraîcSp. Este t r ibuna l , como o dos ephêtan, era 1 composto de eu pat ridas, sendo que, pela reforma «le. Solou, sô j délie podiam fazcr parte os velbos archontes de mais illibada j reputaç&o. Os ephétaa forain por Solou despojados de su.is prin-cipaes attribuiçoes aut-igas e ficaram julgando os honiicidios \ iuvolnntarios. Este tribunal é tambem conhecido por Palladio n. j Os heliastas eram em numéro de cinco mil, e esses milhares de J jurados constituiam a Heliêa. Mas este numerosissimo tribunal nfto fuuccionava ein reuuiao de todos os sens membros ; os heliastas foram divididos em 10 secçôes.ou tribunaes parciaes, ] composto cad a mu de 500 délies. Eram sorteados an nu al mente 1 pelos archontes e recebiam, como symbolo de sua jurisdiccao, 1 um bastao com a côr e o numéro da secçâo ou tribunal em que deviam funccionar. A heliêa conhecia de todas as causas que 1 interessavam o Estado e a religiao, recebia os relntorios dos magistrados cujas funcçôes haviam cessado, jnlgava osoradores que tinham defeudido ou proposto decretos illegaes, e com o ' correr dos tempos veio a decidir dos litigios entre particulares, j Suas sentenças, em assumptos de interesse publico eram defini-tivas e prima vain sobre as da Assernbléa do povo.

Além dos quatro tribunaes citados havia outros de uienor ; importancia, que passamos a indicar. Taes eram : o dos dietélax ou arbitras, o dos qaadragintaviros e o dos nautôdicos. Xenhiim délies tinha jurisdicçao criminal, sendo o segundo uni tribunal'ambulante que tinha competeucia para julgar as questôes

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GEBAL DO DTBEITO 117

cujo val or nâo passava de 10 drachinas. Ao terceivo cabia o co-ulieeiiuento dos pleitos coin niereines.

A marcha do processo peraiite 08 tribu unes athonienses era régulai' e criteriosamente encaminhnda. Uni escriptor diz que ella era « complicada, sabia e de urua ieiçâo quasi moderna. » Sol ou proscreveu os advogados e estabelcceu que todo cidadao dévia defeuder-se a si mesuio ; nus causas publicas, porcin, ô povo desiguava uni orador para sustentai- a accnsaçâo. Quer lias causas criminaes quer nus civeis o processo hclcnico faxia-se coin citaçâo das partes, juramentos dus tesiciuuuhas, pruzos para a exhibiç&o de provas, direito à defesa, etc

A legislaçâo pénal deSolou obedece a este pensaiiiento capital, contrario alias ao das Icis draconiuiias : a punicâo nao deve ter o curacter de mua expiacâo religiosa, si m o de mua intiiuidaçâo preventiva, consistent^ em uni souri inento pliysico ou moral ou em uma perda de dinheiro. Dabi uni systema de penas aftiietivas e pecuniarias. Ta es penas era m a atiiiiia (dc-gradacâo civica eomo em Sparta), a prisâo temporaria, o boni-\mento, seguido ordinariamente da atimia e da confisoaçâo de beus, a morte (pelo envenenameiito, pelo estrangulaïucnto, pela decapitaçâo, pelo lançamento em abysmo, pela lapidaeâo e pela bastonuada trataudo-se de escravos) a mntta e a confiscaçâo dos benn. Nao menciouamos o ostracismo porque elle nâo era pro-priamente uma pena e sim uma medida politica, dextinuda a afastar teraporariamente de Athenas uni cidadao que podia tornar se perigoso as instituiçôes e a patria.

Os principaes crimes de ordem politica era m : a alta truiçâo, a prevarioaçâo, a eorrup.eâo, a impiedade, tifurto ou roubo dos betis \publico8, a fabrieaçâo de nweda falxa, a offensa contra funecionarios \publico8 no exeroicio de suas ftincçôes, a prostituiçûo vénal. Os de or-dem privada eraui : o homicidio volunturio ou involuntario, o enve-\nenamento, a prooocaçâo do aborto, a reducçâo â escravidâo de pessoa \ttvre, as offensas physicas, a violaçâo de uma mulher, o adultrrio, o furto e o roubo. Selon nao reeonliecen os delictos especilicos de parridicio e infanticidio ; entravam ambos na classe gérai dos homicidios. Tambem em materia de estellionato sua legis-

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laçào era lacniiosa ; entretanto a fraude era pnnida eui certes casos, como tambem o era a ayeophantia—espeeie de chantageni exercida por meio de denunc.ias contra os cidadâos.

Terminaremos assignalando duas enriosidades do direito criminal'e pénal de Athenas, na cpocha a que. nos referimos : 1." — O grâo de maldade no animo de alguem era tu do em ma-teria de delicto ; o facto delictuoso era aferido mais pela per-versidade do animo do que pelo damno causado ;— razao pela quai as leis de Solon puniam os maos I ratos aos an'imaes ; 2."— Os objectes iuanimados que serviam de iastrumento ao crime ou que produziam inconsciente e casualmeute uni damno pessoal eram castigados ou puuidos, effectuan d o -se a retirada délies do solo da Attica. Nao deixa de ser intéressante esse phénomène juridico em virtude do quai, nos seres conscientes, a disposîçâo malevola bastava para a punicao e, nos inconscientes, a puuiçao dava-se inesino na ansencia absolu ta de intençâo criminosa.

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Roma. — Phases principaes de sua evoluçâo jurldfca. (*)

§

Pela esplendida ponte que os ario-gregos nos lançararâ atra-vez do Mediterraneo somos «gora chegados em plena terra oc-cidental, -no fôco niesino da portentosa eivilisaçâo qae irra-diando-se das margens do Tibre e do Anio levou a força o a grnndeza do genio indo-enropen as paragens mais longinquas e as mais notaveis das sociedades coévas.

Temos d ian te de nos a primiti va Borna guadratn, a sagrada Quirium, a cidade das sete colinas, debrnçada sobre as «agnas barrent as de pnzzolana avermelhada» do Tibre. U Como e por onde cliegaram até a sua séde os italiotas des-taeados do tronco aryano,—os italos, irmaos dos gregos e primos dos celtas, dos germauos e dos slavos ? A Historia guarda dosa mente osen segredo debaixo das sete chaves inysteriosas com que as lendas soem trancar as origens dos povos.

O que apeuas se podc asseverar, uao obstante as pro fondas

(*) FONTES : —T. Moinmsen : Historia Romana ; O Mnrtins : Historia da Repvblica romana; B. vou Ihering: 0 espirito do Di<eito Romano; J, Ortolan : Histoire de la législation romaine ; Saverio de Cillis : Il diritto ro-mano a traverso la civiltâ. européu ; G. Carie : La vita del Diritto ; Aurons : Encyelop. jurid. ; P. Cogliolo : Storia del diritto privnto romano ; F. de Coulanges : lia Cité Antique.

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dissemelhanças de idiosyncrasia entre os dois ramos ethnicos, é que helenos e latinos, sabidos da riiestha placenta asiafeica, ainda depois do est a bel eei dus eni dois pou tus di versos das terras beijadas polo Méditerraneo, iinmixtarain-se estr como saudosos do tempo em que vi ver a ni e viajsiram juntes. Sobre este ponto ha miraerosos testeniunhos n&o sô da historia eomo da tabula, que é mua «reveladora da historia. »

E Hignificativa a lenda de Evandro, o arcadiano de saugne real que fuudou nina cidade ao pé do Palatino, e mais significativa ainda é a legenda do trojano Euéas, o filho de Anchyses e de Venus, —legenda a que o estro de Virgilio deu a radiosa iin-mortalidadc das cousas d'Arte. NSo foi do Bhéa Silvia, filha do rei Numitor, descendente de Euéas, que Tito Livio e outros classicos, baseados na tradiçâo, affirma ram ter nascido Rouiulo e Remo, o primeiro dos quaes foi o divino fuudador da antiga capital do niiiudo la t iuo?

Mas como bem se avalia, nao podo ser nosso intuito pêne-1 trar no labyrintho das versôes mais ou menos historicas, relati-vas a Roma e a sens primitives habitantes. No ponto de vistaj que nos é peculiar tanto important as londas refereutes a Evandro e Euéas como a fabula de Caco e da terri vel caverua onde esse filho de Ynlcano vomitava cliammas que sô Hercules teve| a coragem de affrontai-.

Tomemos o assumpto no ponto e m que elle apresenta uma feiçâo menos lai ml usa : o ponto de onde partiuTh. Mommsen as-signalando os Tapygios, os Etruscos e os Italiotas como a base ethnico-social de Roma, ou. mais particulaimeiite, aquelle que outros aitfcores caracterisaram pela co-existencia e federaeao dos ramnes, ticios e lucéres, nos arredores do monte Palatino.

Em Olivoira Martins, seetario de Mommsen, lê-se que os ramnes erain gente latina. os ticios eram sabinos e os lucéres provavelmente latinos tambem. Pietro Cogliolo chaîna os pri-fheiros Minos de Romulo, os segniidos sabinos de TU» Tacio e os tereeiros etruscos. Ahrens, por sua vez, diz que a naeionalidade roma na se for mon de très elementos : latinos, sabinos e etruscos. Vé-se que a divergenc.ia, si ha, é insigniiïcante, podendo-se

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apenns levantin* dnvidas sobre o latinismo dos lueéres e sua identificaçao coin os efcruscos.

B, portante, acoeitavel a hypothèse de que a civilisaçao ro- mana tenha sido uma equaçâo sociologica dos terni os cthnicos que acabamos de noraear. Os latin os oon tribu ira ni para ella coin os concoitos de força e disciplina reveladores do poder da| vontade individual e da aptidao social ; os sabinos coin o élé ment n religioso creador das formas sagrndns ; os etrnscos coin as ceremonias do rit uni juridico e com a technica do primi tive direito. I H No inoineiito eni que esses povos começaram a gravitar uni para ontro, preparando inconscientemente a eomstituiçâo do nvnndo romane, o estado social de cada uni délies era provavel- ni en te o que pnssamos a esboçar :

A estirpe latina appnrecia jâ regularinente organisada, des-tribu ida pelas suas t i in ta cidades abertas on nncleos prineipaes de populaçao que constitniam uma especie de coufederacAo a qnal servia de centra polit-ieo Alba Longa—a cidade chefe. rTendo li ligna, costumes e religiao communs, possuiaiu os latin os n ma organisaçao familial e gentilica, e eram entre elles corren-tes as idéas de tribu, de populun, de civitas, de urbs, além das de vici e pagi.

Os sabinos (povos nuibro-sabellicos) apresentavam uni as- pecto m 11 ito menos definido e uni desenvolviiuento social muiro niais atrasado. Monta nhezes e pastores, vivendo eni com mu mis ruines on aldeiamentos abertos, ostentando uma independetieia selvagem e bellicosa, caractérisavam-se elles pela mais profun- da religiosidade e por uma poderosa organisaçao gentilica. Os conecitos de povo, de naçâo, de cidade, nâo liaviam ai ml a sur- gido do conjuncto de suas concepçôes estreitas, baseadas no fa- milismo. H [ O povo etrusco, sobre cujas origens & relaçôes com os ro-manos tanto se teui discutido, mas cuja existencia foi alinal comprovadu pelas cscavaçôes feitas eni Ronia nos annos de 1874 e de 1883 e principalmente pela descobertn dos restes de Raaéna — a cidade reveladora de mu riquissinio sub solo historiée romane -—esse, mais do que os sabinos e do que os latin os, tinha,

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no momcnto H que nos 1 cportamos, uni physionoinia aecentiiada de povo organisado e culte. Os etrnscos viviam em communas urbainis on cidades, prnticavam a navegaçâo e o commercio, conheeiam as urt**8 c a moeda, repartiam-sc cm nobres e ple-l bons, cm tribus e ou ri as, e haviani jit sali i do dos mol des pro-priainonte ge.n#l Lcos para mua forma superior de organisaçao civil è politica. As teudencias religiosas dessa gente, que, alias, erani profnndas, culniiiiavam no sen ritualismo coinplîcado, lias snperstiçôes de sua artc augurai e no synibolisino de suas, praticas sagradas.

Foi de todos esses cleincntos combiiiados que saliiu, pri-meiro, a Homa palatina on qmdrata, depois a eonfederaçâo do wptitnontium e por nui, coin o correr dos tempos, a Roina dos tribunes e dos prêter es, dos censores c dos consulcs, dos Cezaresj e dos jnrisconsnllos.

Oumpie agora saber qnal o conj-uncto das caraeterisfcicas Ida Roma primitiva, unia vez realisada a fnsâo ethnica, consti-tuida a cidade, e antes que se réalisasse a exteqmtio juris, da quai | foi portadora a célèbre Lei dsis X M Talxvas -o mais velho nionn-mento juridieo do povo roinnno. Esse conjnncto de caracte- j risticas corresponde ao priineiro dos très systemas da historia do direito roniano, aqnelle que, scgnndo R. Von Ihering, représenta o capital originario recebido da historia e remonta ao periodo do coiniiinnismo inicial de todos os povos indo-ger-m an i cos.

I O antor do Expirito do Direito Roiiiaiw pensa dteste modo il «Nu historia do direito roma no distingnimos très systemas ; o scgnndo destes, cuja floraçao corresponde a da Repnblica, é o| systema especifico roniano : résume otriumpho das vistas nacio-naes romana8 em materia de direito ; os dois outros systemas sâo os elos oppostos por meio dos quaes o direito romauo se liga a historia estranha a Roma :—o primeiro représenta o capital originario que Roma rccebe.u da historia, e o terceiro, o niesmo capital, augnicntado de jnros opnlentos, que Roma restituiuj ao ninmlo.»

Quai foi esse capital originario que Roma recebeu da bis-

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G Rit Al DO DIREITO 123

toria e que*, no |>en.Siir du grande jurista do Gœttingen, remonta aepocba remotissima du commnubao iîido'germanica?

Nâo é dilBc.il respondêr. Foi cm primeiro logar o aeervo das coucepeoes juridieo-roligiosas dos uossos avôs aryanos e foi |ein seguida 6 complexe don institutos sociaes e politioos décor-rentes daquellas coneepeôes,—inst i tutos H que a civilisaeâo gre-co-latina den o desenvolvituento reqnerido pelas «uns einincnte.s qunlidadese pela sua cultura snperior.

Eni Roma, coino na Gree.iu, enoontrainos as velbas crencas aricas sobre a morte e a aima, e eomo conseqnenci» o cnlto dos mort os, o uso do fogo Siignulo, a religiâo dôiilesfiica, n l'amilia| eomo iustituiefto religiosa ao mesmo tempo que politica; eneon-tramos taïubem as curian, équivalente das phratrùit, as tribus, « por fini a Oidade—assoeiaç&o politico religiosa de ordem supe-rior, confederaçao de tribus, que por sua veat erani eonfedera-yôes de carias, eomo estas eram de lamilins. (1) A gens, o patri-ciado, a clientella, a oscravid&o, s&o institutos greco-roumnos egualineute.

Dadas essas condiçoes geraes é facil coinprebendi-r que o primitive di re i to privado dos romanos loi, semclluintcmeute ao dos gregos, uni direito de cameter tbeologieo e sagrado, fnndado sobre o cnlto dos niortos e a organisaçao religiosa da lamilia .J Assim o casamento roligioso, o sieerdocio do pae de familia, a jnterdicçào do eelibato, o divoreio em caso de esterilidade, a adopçâo, a emaneipaçRo, as rclaçôes de parentesco e principal-

(1) Na obra de O. Carie iutitulada Le Origini tlrl Diritto Romano (que sô por desouido deixâmos de indioar entre ai foule» deste capitule) lû-ae o segninte a respeito da cirtade romana : H *A oidade primitiva apparece oomo un oentro e t'ôco de vida public* entre as varias oommnnidades uldeùs, enja vida doniestica e patriarchnl con-tinua a desenvolver-se nos vki e nos pag: ; de onde a oonsequencia que elln nâo se apresenta originariamente oomo reunifo de habitacôes privadns, mas sim oomo reuniâo em uma area sagrnda dos edifioios de destinaçâo pu—| blica. corne a fortalezn, o sanotnario commun), aa casas do rei (cwtos wrbia) e dos sacerdoles (saeerdotei populi), o lugar onde se administrava a jus-tiça (forum) o sitio onde se renniam os eomicios e as curius, etc.

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124 COMPENDIO DE HISTOKIA

meute a agnacâo, o proprio caracter da propriedade ;—tudo isso decorria da coucepçao theologiea dominante, da quai sahirani tambein os priineiros vagos esbocos de um direito publieo que sô mais tarde dévia eonstituir-se regnlarmeute.

«O Direito (diz • Saverio de Cil lis) surge em Borna como gnarda das sagradas tradiçôes dos patres, qne se reuneui uas eu ri as, sciuelhantes as phratrias gregas, para resolverem sobre os negocios importantes de suas familas e as necessidades supre-mas do Estado, o quai résulta naquelle primeiro moment») dos aggregados das varias genten qne aspiram à gloria de ab.iter a grandeza dos autigos Estados italieos e formai1 a Cidade que dévia ser a métropole do mnndo.»

Durante um larguissimo période foi esse o quadro da vida juridica na velha Borna : perfeitameute semelhaute. répefcimus, ao quadro juridico da Grecia antiga. (1)

86 muito tempo depois, com o correr dosseculos ecom o de-

(1) A proposito do caracter religioso do primitivo Direito dos romanos devemos deizar aqui oonsignada a observaçfio de Hegel, reproduzida por Ihering, de que em Borna «a religiâo nâo nasce senâo depois do Estado» e que é portante poaterior ao Direito. Entendemos que esse modo de ver é determinado por nm ponto de vista todo especial dos mestres citados. A religiâo que apparecea depois âo Direito foi a religiâo officiai, mettida nos moldes politicos consagrados, acommodada as conveniencias da orgauisa-çâo governamental. A essa, porém, preexistin a religiâo popnlar, herdada dos avôs aryanos, qne alias conservon sempre sna velha base familista prédominante em todo o velho direito romano.

O proprio B. Von Ihering escreve o segninte, no mesmo capitule em que se p5e de accordo com a opiniâo de Hegel :

<A legenda romana prétende reinvindicar para os romanos a gloria de ter oomeçado de nada e de ter tndo produzido por elles proprioa ; é por esta razâo que ella nâo collooa no coineço da historia de Borna nem nacionalidade, nem religiâo, nem direito. A verJade é, ao contrario, qne tudo isso existia antes de Borna. Poder-se-hia oomparar os fundadores de Homa a emigrantes que continuam em outra parte a communhâo na quai viviam em sua patria e que trouxeram comsigo sua familia e sua fortuna, sua religiâo e suas instituiçôes.» H Jnlgamos-nos, pois, autorisados a manter a opiniâo emittida no texte e que é a que mais se conforma com a logica e com a histeria.

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GERAI. DO DIBEITO 125

Renvoivimeiito natnral das aptidôcs peculiares de cada uni dos dois povos irmàos, foi que a civilisaçào romaiia si* diflferenciou profundaineute da grega. Para fazer lima idéa mais ou nie uns compléta dessa differenciaçào, basta ler-se o seguiute (recho do eminente Moiuruson :

« Esse geuio beleuico, que sacrificon o eonjuncto ao detalhe, a naç&o A communbâo e a commuubâo ao cidadào ; cuja vida idéal era o bello e o béni, mas limitas vezes tambem a doec ocio-sidade ; cnju deseuvolviuiento politico consistiu em ultra passai* o particularisme primitivo do cantào, o que mais larde trouxe a dissolnçào compléta do poder governameutal ; es.se Grego cujo pensaniento" religioso inventou deuses â imageni do borne ni e mais tarde negon sua existencia ; que deixava totla liberdade a os menibrus uns das erianças em se us exe r ci ci os corporaes o abria um campo livre ao pensaniento, para que elle se desenvol-bvesse em toda sua grandeza e magestade : eis abi certaniente um contraste frisante coin o caracter romano, que mantinb i o filbo no teinor do pac, o cidadào un temor do magistrado e todos 110 temor dos deuses ; que pesquisava e nào ustiniava senào a ncli-vidade util, e que obrigava todo cidadào a encher cada instante de sua existencia rapida pur um fcrabalho incessante ; que ini-punba mesj.no a criança o dever de cobrir modestamente a niid»'z de seu corpo ; que tinha por mâo cidadào aquelle que desej iva| distinguir-se dos outros ; para quem o Estado era tudo e a gran-deza do Estado a unica paixào descnlpavel.»

Mas, conio confessa o bistoriador c.itado e coiuo jtt deixânios dite, uào foi senâo depois da coustituicào dclinitiva das cidades gregas e romauas que se maiiifeslou essa profunda diversidado intellcctual cujos eff'eitos se perpetuaram aie os tempos moder-nos ; no ebainado période greeo-italico faltavam ainda as causas que deram îiascimento aos coutrastes acima a pont ados, e 6 que existia, na cidade de Romulo. uni niatcria de crenças, costumes e lois, era cabedal iuteirameute formado noseio da unidade pri-mitiva.

Uni» vez porém dada a individualisaçâo romaiia, effecfcnada a cspecialisacào do geuio latino, caracterisada deiinitivaniente

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pela cultnra do direito a fuucçao kistorieu do povo du Laciq, quaes forain o estraebos que compuzeram o solo juridico da| grande uacionalidade ; quaes forain, em snmiua, as phases capi-taes da evoluc&o do Direito Romano t

O illustre autor de La vita del Diritto faz notai- coin todâl razao, que qoando se encara a jurisprudencia latina tal quai ella chegou até nos, parece, a primeira vista, que sua Iransfor-niaç&o lent a e graduai fez—se cohérente e narnion icainente ; mas que quando se a examina de perto veem-se-lhe os vestigios de materiaes e epoeas di versas, indieadores dos varios periodos em| que se dividiu sua trabalhosa forniaçâo. As idéas directoras do inovimento juridico, diz o ci ta do autor, v&o se transforiuando conforme as epoeas ; de modo que a jurisprudencia roinana pôdel ser dividida em très periodos distinctos, dominados respeetiva-mente pelos conceitos do jus civile, do jus gentium e ùojus na-turale.

Eis como G. Carie caractérisa cada ura desses periodos : j No primeiro délies Roma, pequena aggregaçâo de cominu-nidades aldeas e asylo aberto a plebeus e clientes necessitados de proteeçâo e defeza. inspira-se quasi exclnsivamente lias suas proprias tradiçôes e nas necessidades de sua vida ecouomica, essencialinente agrioola ; apega-se estreitamente aos mores vete-l rutn, à longa eonsuetudo ; gnarda zelosamente os ritos, os sym-bolos e as formas sacramentaes do proprio direito ; inantem-se fiel A expressS.0 littéral da lei, erabora para accoinmodal-a aos factos invente as ficçôes. Neste periodo o Direito de Roma, apezar de codificado jâ- nas Leis das XII Taboas, tem ainda ri ni caraeter tradioional e cousuetudinario e ehama-se justameute Jus datte, porque é exclnsivamente proprio dos cidadâos romanes, ou jus ipsum, porque se considéra o direito por excellencia. No segundo periodo, porém, ja iniciadas e desenvol vidas as conquistas, ■Roma nfto sente diffîculdado em offerivor asylo uoa proprios templos aos deuses das cidades eouquistadas, e assim

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GERAT. DO DIREITO 127

ii ceci In facil monte as instituiçôos est range! ras que pudem de qnalqner modo linrnionisar se coin ;i sua eonstrucçâo juridica. Desde esse inoineiitp, o commercio coin os povos alliados on ven-cidfis, nseontroversins quolidianas entre estrangei ros e cidadâos, força in o pretor e o jiirisoonsnlto a confrontos e compa-raçôes continuas entre o direito proprisimente l'omano e o dos outres povos ; pelo que, ;io lado ûojnt civile, vai se formando graduai-mente o conceito de nm jus genlium eoiuninm a todos os povos. £ nm periodo ein qne melhor se révéla o poder do genio legisla-tivo romano ; porquanto atravez e apesar do dualismo e du lu ta do jus civil*' e do jus gentium, do jus ut ri et u m e da crquifns. dos contractas stricti juris e bonne fidei, do vinculo da agnaçâo e da cognaçâo, da propriednde ex jure quiritium e in bonis, o inovi-1 ini'iito législative accentua se sempre, admiravel mente harnioni-en e pro])orcionado em todas as suas partes.

Por fini, no terceiro periodo, a G-recia é conquisbada e der-1 rama sobre os conquistadores os tliesouros da sua idéalidade. Di'Sde enlfio os conceitos da philosophia grega relatives ao.justo jietiorram mais largamente em Borna, perdent a sua transcenden-cia, enccrrain-se uns formas definidas e précisas que sao o apana-gio da jnrisprndeiieia romans, e inipriincin a esta uni caracter mais philosopliico e rnciomtl, do quai encoutramos évidentes ' signaes nos grandes jurisconsultes do Imperio. N'este periodo perdura aiuda o dualismo anterior, mas a Victoria vae sendo i cada vez mais da equidade sobre a stricto, jusliça, das inbituiçôesl do direito das genres sobre as do direito civil, da cognaçâo sobre ' a agnaçâo, da bôa fé sobre o direito littéral. () respeito polos ritos e soleinnidadcs antigas (juris antiqni fabula?) desapparece graduai mente e coin elle a su perst.içâo da lettra da Ici ; o jurisconsulte, em vez de ater-se ao texte procura de preferencia a rasîlo e o espirito délie. Ao lado do jus genlium, couceito for-[necido pela comparaçâo das instituiçôos romanas coin as dos! povos visinhos, apparece jâ o couceito mais idéal e especula-t-ivo de um direito natural. jus nalurale, no quai se concentrant Lis vistas dos.jurisconsiiltos.

É Iniuiiiosissiina esta vista synthetica da desenvoluç&o liisJ torica do Direito em Bouta. De cima destas très grandes emi-

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nenctiM do Direito Privado :—o Ju» iïvûë, e J«w gtnlium e o Jn» nntunilr—deacortiiia se o panorama prodigioso «la vida roman», j im que ell» love «le unis feeundo, original e bri]hante.

lïstsi rtisto o nterito tla divisilo adoptada pur G. Carie (1) e. correlHtivHmente, a iniprinridade. das divisOes propostas e Idclcniliilus pela geuornlidade dos roman istas, ineliisivé Guido Padellelti, que pretendeu fmidar a sua nos «cambianifinU la-\ ti'nli r profondi <h'Wcennomia, délia socictâ, délia moralité na—\ sionalr. » (2)

l'm cstndn da natureza do nosso nao comporta a exposiçao «• analyse il as divisôes o sulalivisôcx mais on iiienos clnssicas da liistoria do Direito Koniano, a partir da distinoç&o capital for-mnlaila por Leibniz entre a jurisprudencia historica interna e a oxterna.

86 n'um cni-sn régulai- e completo da matoria caberia orna apreoiuv&o dossas. A nos, o que nos eoiivém e uni apanliado das priuoipaos phases da olahorayao juridica na velha Roma, feito do niesmo ponto de visia em que se oollocarani Muirhead e Carie. (3)

1" m tal prooesHo ofTereee nao sô a oarneterisacao exacta das grandes epocas da liistoria legislativa do povo-rei, coniotam-boni a vantngem de podermos verifioar nessa liistoria a existon- I Ci a. das grandes linhas da evolnç&o jurirïica gérai.

(1)0 autor du La vita del DirUto déclara que foi na obra de Hnirhead iutitulada Hiatorical Introduction to the priva te Lato of Borne, qne aehon 0 sriterio fuudamental da referida divisilo.

(2) A divisâo de Fadelletti é a seguinte : 1.° periodo, dos inicios de Romn até prinoipios do seciilo VII e destruiçâo de Carthago ; 2.", dos prineipios do seonlo VII até fins do seculo III de nossa era, on até o reinado de Dcocleciano ; 3.", clos fins do seonlo III até a qneda do Im-porta romano do Oceidente. 1 Em nosso trabalho sobre o coneeito da xquitas tivemos ooeasiao de uns oceupar dessa divisno. "Vid. Fragmentas Jvridico-phUotophicos.

(8) Explioaremos em outra parte deste livro a razâo pela quai, neste oapitnlo, segnimos methodo différente do qne adoptâmes nos estndos sobre as lejfislaeôes orientaes e da Grecia.

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GERAT. DO DIREITO 129

Essas grandes linhas sâo perfeitamente inclicaclas por Saverio de Oillis, nas seguintes pal a v ras :

«Em très periodos pode dividir-se a legislacâo de todos os povos : o primeiro é aquelle em que o direito se révéla como direito patriarchal ou de casla, adstricto a uni principio eminen-temente theocratico ; o segundo é aquelle em que o direito de casta se aniiuncia nïio mais exclnsivo porcin em lut a e nn collisâo coin o pratieado pelo povo ; o terceiro é aquelle no quai o direito se manifesta mais conforme ou accorde coin o espirito gérai du sociedade. »

Adoptandn este fecundo criterio historico-philosopliico, o nutor da niagni/ioa prelecçâo intitnluda // Diritto romano à Ira-verso la ci cilla europêa cliegou ao mesmo resnltado de Muirhead e do Ourle ; isto é : encontrou como estadios superiorcs da evo-Inçao da jurisprudencia hit ina as très grandes epocas enraete-risadas pelo jus civile, pelo jus gentium c pelo jus naturale.

Em uni trabalho nosso, submettido outrora ao criterio da Faculdade cm que lioje temos a houra de professai1, procurainos desenhar syntheticamente aqucllcs très emiuentes aspectos da vida juridica de Ko m a. É agora opportuno reprodiv/ir, devida-mente ampliadas, as palavras que entâo escrevemos.

O periodo inicial do jus civile, do striclum juv, do optimum jus rfvium romanorum, esteude-se desde os primordios de Borna até o secnlo V anterior & nossa era, podendo-se dar-lhe como linha do delimitaçâo a Lex Plœtoria, promulgada em 490 A. C.

Essa epoca é a do direito aristocratico e sagrado, que Saverio de Oillis chaîna de casta, 6 a phase do direito quiriturio e patriarchal, culminando na patria poteslas a que Vioo den o appellido de direito cyclopico. Os costumes e as leges que forma-ram a trama essencial desse periodo crystal isaram-se na Lex Duodecim Tabularum—primeira Victoria dos tribnnos da plèbe sobre os représentantes do patrieiado.—303-304 A. C. (1)

(1) A Loi clas XII Taboas on lex decémviralie que foi chamada por Tacito finie lequi juris e reoebeu do povo romano a denominaçâo de car-

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130 COMPENDIO DE niSTOIHA

O Direito, ciitâo, proelauiava a aiitoeracia do pae de fsuni-îia,

comprchendido nclla esse tcrrivel jus vilce et nccin sobre os lillios ; attribut»

caracter s.igrado ao direito de propriedadc ; cnnsagrava : a mancipatio c a in jure

ccssio soient nés, a manu» e a tu tel la perpétua dos proximos agnados para as mal

hères sali Mas do patrio porter, o JM ncxus ein virtnrtn rto quai o crertor fazia seu

escravo o rtevcrtor insolvavH ; cstabclecia, por sobre isso, o regimen proeossnal

(iaslcffis actiones, e entoava o oanto

Hicit necessarium, foi considerada por Cicero como superior, por sua força e sua utilidade, as bibliothecas de toclos os philosophes.

Pelos fragmentas, «lue chegaram até n6s, desse monumento legishv iivo, vorifioa- se qne a Lei das XII Taboas foi redigida n'um estylo concise, iinperativo e rijo como suas disposiçôes, — o qne nno impede que niuitos autorcs tenham visto nella nm codigo cm verso E a verdade é que encontram-se facilmente desinencias rhythmicas em muitos dos fragmentas conhecidos, sendo certo, por outro lado, que o synchretismo ju-j ridioo-religioso dos povos em formaçào autorisa a crença de que elles cau-iavam os sens hymnos religiosos.

A lèse decemviralis. uma vez gravada nas 12 Taboas (dez primiiivas e dnas snpplementares), foi exposta no Forum, e era alii que ella se impuni i a aos romauos e desaiiuva a memoria das crianças, que eram obrigadas a eonservnl-a de cor.

As palan-as que deixâmos escriptas no texte indicaui que considérâmes a Lei das XII Taboas como redacçâo do direito costumeiro. vigente em Roina ua sua phase de formaçào. E realmente c esaa a feiçâo da legis-laçâo decsrn viral. A legenda da legaçâo ou deputaçâo enviada â Grecia para trazar de la os elementos da codificaçâo do direito, c mais qne muito contestavel. apezar de estar insert'a em quasi todos os manuaes de his-toria.

Dizemos, pois, com J. Ortolan : <g Si bem qne pareça terem os de-cemviros tido sob as vistas documentas de legitdaçâo estrangeira e nota-damente as leis athenienses ; si bem que elles tenham colhido «estas algu-raas disposiçôes que nos sâo assignaladaa pelos esoriptores e pelos juris-cousaltos como transcriptas quasi litteralmente, e cuja semelhança, em cousas de detalhe arbitrario, nâo pode ser attribnida ao puro accaso nom â razâo commum ; entretanto é justo dizer que o direito qne elles estabele-ceram foi o direito quiritario, o direito dos homens de lança, cvelusiva-•mente pi'oprio ao cidadâo romano, radicalmnete destacado, por seu caracter, do direito dut outras tiaçôes.1>

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OF.lt AI. DO DIREITO 131

doecmviral, do seutido cruel para os eslrangciros : ailrersvii lian-tes a'ferna autorilas eslo !

O Corpus omnis romani juris, fons publici pricaliquejuris de que fallaiu os cl assieds latinos, jsto é, a Lei dus Dozo, Ta boas, estereotypu uns suas laconieas é ferrenhns disposiçôes aquella sociedade patriciu fuiidada sobre a rcligiâo domestiea, na quai o pac 6 HO îiiesino tempo logislador, juiz o sa ce ni oie, cm que o Direito é sagrado, symbolico, formai ista e licnnetico, perten-ceudo a guarda e interpretaçao respectivas no collegio dos pontifices ou a uni determinado numéro de patres. Da se alii o syncretismo juridicoreligioso dus civilisucôes primitivas, ex-actamonte, como o obscrvilmos nas sociodades do oriente e espe-cialmente no Egypto Ihcocratico.

Ao periodo doininado por esse Direito «esclusivo, intolérante, violente» succedeu, como cra natural, uni outro, mais largo, mais libéral, mais luimano. TTma sociedade, como uni ijidividuQ, n&o se pôde isolar cm absolu to se m risco de atro-pliiar-se c de perecer. A cioitas roniana teve de transigir. De fins do seculo V para oonieços do V[ aecentiioti-se uma trans-formacao que j;i o estabelcciiuento muito anterior da pretura urbana ha'via prenunciado.

A partir da publicayâo da Lex Plwtoria, jâ citada, cujos corollurios nnturaes forain a Lex JEùulia (do data incerta) que extinguiu as acçôes da lei, e as du as lois Julia; que esta bel ece-rani no [iroeesso judieiario o System a dnn/ormulie ; abro-sc para o Direito lioinauo uma era de brilhautes c feenridas transfor-maçôes.

Creada em principios do seculo VI (507) a magistratura do preetor peregrinus, accentuain-so valo.nfcoinonte as tendencias da legislaeâo edictal uo seutido de uiljuvare vel supplere, vel eorrir\ \ger~e jus civile, propter utilitatem publicam, conlbrmo se diz no fragmento de Papiniano iuserto no Digesto.

É a epoca dus fictioncs, das exceplioncs, dus restilutiones in \integriim, dos inlerilicta, das bonornni possessiones ; final monte dos in numéros insti tu t os destiuados a alargar o circulo bronzeo do direito quiritario, iutroduziudo uelle a bvnu /ides, o respeito

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132 OOMPENDIO DE HISTORIA

pela cognatio c todos os elcineutos necessarios à existencia juri-dica dos nao cives, isto é, dos estrangciros. I Ao trabalho dos pretores veni, logo depuis, juntar-sc a no-| brefaina dos jurisconsultes. Do meiadoa do scculo VI por deaute couieçam a surgir os juria interprètes, os fnndadores do néo-di-reito civil, aquelles enjas casas crani, segundo o tcstemunho de Cicero, totiua civitatis oraculum, e que exerciam a eminente func-çâo social de respondere, cavere, agere, scribere. Gajns Cornélius Scipio Nasioa, eleito consul em 563, a quem o Senado offerecen uma casa para que podessc ser mais facilmente consnltado, e| posteriorinenle os dois Calôes, Publins Scœvola, Servais Snl-picius, Quintus Scœvola, além de alguns outres de estât tira menos elevada, surgira m gloriosos, acceutuando o movimento gigante que se esta va a operar ua esphera <lo Dircito.

Todo esse movinieutoera o da elaboraçâo Aojus honarariu>n,\ ùojus prœtorium, do jus genlium, final mente. O couceito (la U-\bertas, opposto ao da civitas, conforme observa inuito bem Tobias Barrctto, havia triumphado clas vclbas idéas e dos velhos mol-' des. A logislayao edictal, compilada no Edietum Perpetuum de Salvio Juliano, é o uionuniento jnridico dessc periodo, é o segundo marco da eslracla pereorrida polo genio juridicp dos ro-inanos,—aquclle quo assignala o raeio camiuho entre a Lei das XII Taboas e o Corpus Juris de Justiniano. (2)

(2) Salvio Juliano foi um notavél jurisconsulte, da classe dos proto-res, que viveu ao tempo do reinado de Adriano, — o divus Hadrianus do que nos fallu Justiniano em uma de suas conslituiçôes.

An tes do trabalho de Salvio Juliano. uni outro legista, Aulus 01i-lius, havia compilado a logislacSo edictal. ooico se pode ver de uni fru-gmento de Pomponio, que vem no L. 1." T. "2." do Digestn, de origine juri*. Mas o Edietum Perpetuam teve sobre a obra de Otiliua a vantagem de ser ordenado pelo imperador e sanecionado por um senatuaconsulto.

O fini do Edietum Perpetuum foi fixar o diroito honorario, dando-lhc expressamente uma alta autoridade. Elle pontinha, ao que dizem os nu-tores, uma codrdennçfio methodica do dircito pretoriano, segundo os varies I edictos puhlicados até o reinado de Adriano.

A proposito desta compilaçâo ha duas consas a notar : 1.", que a ex-pressâo edietum perpetuum, dada como titulo ao trabalho de Juliano, en

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HEU Aï. DO PIKEITO 13.1

O terceiro période ovolucional do Dircito Romano é pro*| priamento a obra dos jurisconsultes, iufliieuciados pèlsi philo-sophia grega e trnnsfbrmados de jurix interprètes, que nnterior-meute cram, eiu juria coud i tores, que passa ra m a ser.

Jâ no tempo da priinitiva renleza a culliira lielenîcn tinlia invadido Roma, inoculando-llie no organisait) vigoroso o ger-men das espeeulaçôcs philosophicas. Km lins do sccnlo V e no correr do VI cram cm grande numéro os romanes que iam a Allumas e Rhodes busoar os thesouros da sciencia e arte grogas,| voltando â pat lia para fnndar csoolas liliadas nos syslewas dos îm-xtros. E do VII sccnlo on diante, qnaiido Diogencs, Crito-Jâos e Oarneadcs—os très depulados de Allumas "attirèrent par \lear éloquence Vattention de» romains, conio inlbrina Ortolan, a agitnçao helenista cbegon ao seu auge.

É curioso observai' conio se eflectuou em Roma a coitHnen-cia das di versas cor rentes philosophions da (îrecia, c conio a jurisprudencia foi o lcito que cl las mais faeilmente poderam cavar para serpearem atravez da Italia e do innndo.

O atoinismo de Leueippo e Democrito, o Pythagori-mo, o Socratismo, oEpicurismo, oaeudeminmo de IMatiio, o xtoicixmo de Zenao o Crisippo, o peripatetismo de Aristoteles, vicram t rnns -fnudir-se em Roma na doutrina academicostoica de Cicero, no

corrente om Roma para désigna r os odictos an n naes de cada pretor ; 2.", que depois de promulgado por Adriano o Edietum de Sulvio Juliano. os magistrados continua rain a pnblicar anuualmente os sens edictos. Uma passagem das Instituta.i de Gaio da testemunho disso.

Deve-se concluir desse facto que o Edietum Perpetuum nâo tore se-nûo UID

val or secnndnrio e passa gelro ? De modo algum. As soient nidu-des de que Adriano o rêves tin e a propria natureza do trabalho, que c-ra, conio jil dlssenios, uma coordenaçâo roetbodica do dircito pretoriano nnterior, eatno a iudicar que o Edietum de Salvio Juliano mauteve-se e perdnrou como codigo gérai e regimonto commum do dircito honorario. Os magistrados que vieram depois dessa conipilaçno conformant m-su coin ella em seu conjunoto, edictando, quando inuito, disposiçôes accessorins ou nieras regras do forma, reclamadas pelas condiçdes do momento.

E' essa a opiniâo da generalidade clos autores. Vid. Histoire de ta teijululion romaine de J. Ortolan.

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134 COMPENDIO DK HISTOKIA.

plalonismo erudito de Favori no e Alcinoo, no scientificismo-poe-\ tico de Lucrccio, no nêo-pythagorismo de Quinto Sexto e Nigidio| Fignlo, e na brilhante escola stoica do Anneo Senecn, Eplcteto e Marco Aurelio. Como era naturul, os juristas do tempo nâo po-deram fiigir a inlluiçào das idéas reniantes. Por isso o Digesto da-nos tcsteiiiunlio da sympathia de Callistrato pelas dontrina«| platonicns, da autoridade de que gosava Aristotelcs para Ju-liano, da veneraçâo coin que Marciano fa lava do stoicismo, c do respeito que Ulpiano e Jnliano votavani aos philosophos oui gérai.

Dalii para a concepeâo e sustciitaçâo de uni jtis ntittti'ûle, de mua lex nulurœ e de iiina ratio nuturalis inipondo-se aos hoiueus uas suas rdaçôes de sercs intelligentes e responsaveis, nâo ha— via se nâo uni passo, desde que os philosophos tinhain aberto o caininho para tacs conecitos. E o Digesto esta, cheio de textes eloqueutissimos a esse respeito. Os grandes espiritos da juris-prudeueia classica, a pléiade memoranda dos Gai os, Papi nia-nos, Paulos, Ul pianos e Modcstinos, conseguem réalisai' o cou-' sorcio da philosopliiagrega coin o direito patrie, realisando ao| niesmo tempo, com a crcaoâo i\o jus nalurale, a equaçâo ad mira vol diis duas vol lias fontes legaes : o jus civile e o ju» hotio-variant.

Uina vez effectuado esse trabalho, o Direito Komano desse terceiro c ultime période quasi nada mais tem do commum coin o velho direito quiritario, in in iigo dos estrangeiros e da plèbe. Theodosio c Justiniauo acham o terreno desbravado o podem cnt&o effectuai* suas codifieaçôes, mis qnaes os traços do philoso-pliismo grego e cliristâo cniergein, cm relevos altos, das profun-didades cahot i cas do antigo jus strintum. Foram-se as disfcinc-çôes entre propriedade quiritaric e bonitaria, entre res mancipi o née mancipi, entre latinos junianos e dediticios, entre nsucapiâol e j)rescripçâo, entre obrigaçôes dois e honorarias, entre hoeredi-\ tas e bonorum possessio, etc.

De tudo isto se conclue que o texto do Digesto e das lus-titubas que divido todo o Direito privado oui naturul, das gen-tes e civil (Privalum jus tripertitum est: aoUectum etenim est ex\ natiiralibus prœeeptis, aut gentinm, uut civilibus) 6 nâo 80 uma

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G JOUAT. DO DIBEITO 3 35

divisào didactica eomo tambem, e principal monte, uma synthèse (la evo]uçâo historien do Dircito Itomano, indu que chronolo-gicamente invertida.

Podeinos, pois, repetir aigu mas pal a v ras que esere.vemos aigu res :

COIIIO de uma ecllula on de uni organismo simplissimo, no dizer dos naturulistas modernos, sali cm monogaïuicamente, e por scissiparidade, novas eellulas c novos orgauismos (loi a cl os de vida propria ; assim do direito patricio c qniritario, do optimum j un cioium romatiortim, do jus civile oui su ni ma, naseerain, primeiro o jus gentium, e depois o jus naturel?, que alargaram o circulo da actividade juridica dos romauos, e reunidos a final trausmittiram até nos o inexgotavel thesouro da legislaçao e Ijurispnulencia latinas.

Esse thesouro esta encerrado na compilaçilo jns t i i i iauea, ou melhor, no Corpus Juris CU'His, que é a erystalisaçâo snpcrior de mais de dez seculos de faiua juridica a que se entregara m os melliorcs espiritos do povo-roi. O Digesto, as lustitutas, o Co-digo c as Novellas sâo ontros 1 autos areos do abobnda de uma grande nave, sob a quai resam a ntissa eterna do Dircito as gentes da civilisaçâo occidental.

Foi no Corpus Juris— arca que durante o preamar da inun-daçâo barba rica sobrenadou gloriosa—que se conservou vivo e fecundo o espirito juridieo que anima hoje os codigos e leis do inundo culto. Rcsurgida no seculo Xfl eomo base da Glosa, a codiiîeàçâo de Jiistiniano injecton nos povos modernos os sens principios cardeaes, a sua orientaçao, c infini, as idéasc senti-montes que formaram a trama intima das nossns aetuaes eonec-pçôes juridica». Diz m u i t o bem Ihcring : «TSo fundo eomo na forma todas as legislaçôes modernas baseiam-se sobre o Dircito romano : elle tornou-sc, para o muudo moderno, eomo o christianisme, eomo a litteratura e a arto gregas o romanas, um ele-meuto de civilisaçâo ; nosso pensamento juridieo, uosso methodo, jiossa forma de iutuiçâo, toda nossa educaçao juridica cm uma palavra, tornou se romana.»

E hoje, apezar de morfco eomo codigo, eomo legislaçao activa

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130 fOMPENDIO DE HISTORIA

o coereitivn, o Corpiu Jnris Civilis âge c commanda, transfun-dido na eonsciencia juridica de todos os povos. B sobre elle idi-bruçam-so demoruda c méditât ivuincnto us juristas de todos] os paizes, relendo nas suas paginas e lias suas disposiyOes a ac-cidentada historia de «mu desses povos cent raes nos quuos se coneentram, como cm mu l'ôeo lmninoso, os raios disperses da liumanidade», no dizer de Iluschke.

lîssa historia, na quai a logica rigorom e o espirito conserva-\ il or. dos romanos representaram o papel principal, é a historia de uni povo dotndo do uinn «vontade firme e energica» que scr-vindo-se dessa qnalidade superior fez triumpbantciiieute sua trnjcctoria, lutaudo e fazeudo da luta o instrumente de son progresse e da sua grandezn. A historia romana, c com ella a historia do direito romano, é uni campo de batalha. nbstrahindo inesuio das gnerras militires ou dos feitos mareincs que nella cnxameiani. Lu tas entre os primitivos povoadores, lu tas entre patricios e plcbens, lu tas entre a idéa uacional e o senti nient o cosmopolita, lu tas entre o direito stricto o honorario emenda-rani-se, superpuzcrain-se e domiuaram fcoda a vida de Iloma.

Dabi os contrastes ou as antithèses que offereec no observa-, dor o inniido roinano. Toinemos ao profundo e sabio autor do Espirito clo Direito Roinano uni quadro dessus antithèses :

« De mu lado a soberauia do povo c todo orgulho do espirito de independencia individual, do outro os poderes os mais extensos da magistrat ma, a disciplina de ferro do chefe do exer-cito lora de Borna, e, cm caso de necessidade, a autoridado i 11 i-in itada. inesmo cm Koma, do dictador ; aqui a casa fechada com a plena soberauia domestica, ali o censor que, scmelhnnte a uni pedagogo, submette a sua jurisdiccîlo todos os segredos da casa ; aqui o niais cioso araor da liberdade ; ao lado a popula-ridado de uin fuuccioiiaiio que cm vez de lisougcar o povo exer-cia suas funeçoes com a autoridado de uni rci. Em logar de mu sô titnlar para cada alta fnneçâo, dois, podendo cada um| paralysai" a acçîlo do outro ; cm opposiçâo com a magistratnra patricia a instituiçao plebéa dos tribunos, encarnaçâo organi-sada da negnçîlo politica . Entre o povo o inesmo dualisnio : duas especies de assembléas populares—os couiicios por centu-

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. OBRAL DO DIREITO 137

rias e por tribus. Mais acima o Scnado, coin o son poder elas-tico, coin o direito, notadaniente, de annullar as leis c as elei-çôcs,—direito que senâo cm seu espirito, ao menos na pralica, implicava a possibilidade de uma negaçao da vootade do povo.»

Entretauto atravez dassnas In tas eapezar dessas antithèses, o povo romano chegou a este resultado tanibem eonstatado por Ihering :—força, ordem, unidarfe.

É que—explica o mcsnio antor—para Roma o contraste, a coutradieçâo, a luta, nâo erain, nos sens bellos tempos, senâo o exercicio de sua força.

Orgnlhcnios-nos nos outres dessa força, de que fomos lier-deiros pela raça c pela cdncaçâo jiiridica.

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1

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IX

Celtas e slavos ; sua antiga physionomia juridica. Os

Germanos e suas instituiçôes primltivas. (*)

§

O minuit) roiuaiiu confina va coin o niundo barba ro ; a bis-toria romana, c portail to ado sen Direito, confina com a historia dos germanos e a do Direito gc.rmauico.

É pois nos costumes o lois dos povos germauicos que deve-mos agora di r igi r os uossos olhares.

Mas iiîlo é licito la/.cl-o sein consagrar algnmas palavras e referencias, mesmo ligeiras, nos dois ontros ranios da fa initia indo-curopéa, que, coin os grogos, latinos e germanos, trouxe-rain da Asia a seineiiteira moral em que vinhani enenbados os frtietqs da civilisa çâo do occidente.

(*) FONTES :—César : De bello gàllico ; Dareste : Et. d'hiet. du Droit ; Snmner Maine : Etudes sur l'hist. âe» inst. prim.it. ; Ernest Nya : Etudes de droit, intem. et de droit polit. ; Letourneau : L'évolution jurid. dan* le* fii». rae. humaine» ; Von Soholte : Histoire du Droit et des inst. de F Alle magne (trad. (U Fournier) ; Ginonlhiao : Hist. générale du Droit Français ; A. Esmein : Cours el m. d'hiet. du Droit Français ; Tacito : Mœurs des germaine (trad. de Burnouf) ; Carie : La viln del Diritlo j Ewhbaoh : Introd. gen. à l'blude du Droit. H

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140 COMPKNPIO DE HIBTOKIA

Qucreinos referir-nos aos celtas o slavos, que, coiuo ante-riormente deixâmosnotado, fixaram-se, osprimeiros, naextretua occidental da Europa (Gra-Brctanha e Irlanda, Gallia e penin-sula ibericaj e os scgundos lias partes oriental e septentrional do velho muudo.

Estes esgalhamentos do vetusto e fecundo tronco aryano nao abrigarain, sob seus ramos, civilisaçôes originaes c pode-rosas, capa7.es de impor-se ao glorioso imperio latino e a vigo-rosa Germauia. Dominados inuito cedo — especialiuente os cel-tas — pela cuitura roniana, subiuetteram-so ou retrahi rain-se ambe-s, apparecendo-nos iï'uni periodo relut ivainente nioderno, jâ trausformados por influencias alicnigcnas e especialiuente pelo influxo das idéas e institniçôes do cliristianisino.

Em todo caso nao é licito dcixal-os eni esqucciinento, n'uina| epocha em que as pesquizas linguisticas, arcbcologicas e historiens, estao a reeonstruir povos e civilisaçôes desappareeidas, j empregando nesse trabalho a mesiiia teuacidade e segurança com que um paleontologista reconstruc especies aniiuaes extinctas. j

Dao-se aléra disso as circumstaucias de ter si do a attençâo dos eruditos contemporaneos attrahida, de ciucoenta nnnos a esta parte, para o estado e interpretaçâo dos velhos documentas relativos aos celtas e ao sen Direito, e de terein sido os slavos; estudados hirgamente na sua organisuçao familiar e territorial I primit-Lya,— o que veio fornecer mais unia prova de sua filiaçào indo-européa.

Na Historia, como uo muudo material, nada se perde ; as institniçôes iguoradas de lima raça esquecida sao, cm regra, o ndubo fecundissimo de unia civilisayao subséquente. Tanfco é assim que uni escriptor notuvel jâ asseverou tercm sido os celtas uni dos elementos influenciadores do peiisamento moderno. 53e-gundo esse escriptor, ao quai se réfère o eminente prolcssor E. Nys, Konia deu-nos as tradiçÔcs de ordeni ; o genio germa-nico o vigor intellectual que permit tin ao homem um cxaine aprofuudado das cotisas, e o elemeuto celtico o espirito de eu- j riosidade, o amor da nuvidade, a prcdilceçâo pelas soluyôcs | radicaes.

Si é isto rerdade temos razao em determo-uos neste ponto.

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GERAL DO DIREITO 141

Tado quanto se tenlia n dizer tins instituiçôes juridicas pe-culiares aos celtas deve ser procurado na eollecç&o das antigas leis irlandezas, que até principios do seculo XVII mantiverain-se em vigor, lutando valentemcntc contra as invasôesdo direito inglez. (1)

Essas leis, de unia «profunda originalidadc» no dizer de Sumner Maine, estiveram esquecidas e frngraentadus até meia-dos do nosso secnlo. Mas em 1852 o Governo britanico orde-nou a collecta, copia e publicaçâo dos manuscriptos existent es, encarregando desse importante trabnllio os sabios Curry c Do-novan, cujas pesquizas forain pustcriormcntc complctndas por DLancoek, Mahony, Richey e Hennessy.

Graças ao esforço desses eruditos podoiuos hoje enconliar reunidos cm uma publicaçâo notavel (Ancieni laïcs of Irelanil, Dublin, 1865—1879; 4 vol ) os principaes documentas du velha legislaçâo irlandeza e portanto do priiuîtivo direito celtico, £ d'entre esses docuinentos uni lia, que pela sua oxtcnsao e valor intriuseco, pôde ser considerado uma cspccic de Dige&to da ju-risprudencia celtica. Senchus Mor é o nome irlandez desse docu-

(1) Dos onfcros paizes onde se looalisou o elemento celtico pouoo on quasi nada se sabe a respeito das primitives instituiçôes. Os escriplos de Cczar sobre a Gallia, as pesquizas feiiaa sobre as antigas eartas da Bretauha e sobre os costumes da Escossia e do paiz de Galles, nenhuma base Iarga e forte offerecem para a interprétaç£o das autiguidades desses paizes. «Desses dados, dis Dareste, foram tiradas inducçôes engenhosas mas nada de certo nem de positivo.S> Un ontro autor, B. Nys, eboreve a respeito o seguinte : 4 Ha vinte e très secnlos a maior parte da Europa era dominada pelos celtas. Mas sucoessivamente estes foram obrigados a reouar deante dos earthagi-nezes na Hespauha, deante dos romanos no norte da Italie, deante dos ger-manos na Europa Central ; a Gallia foi conquistada por Julio Cezar, os paizes celticos da margem esquerda do Dannbio foram invadidos pelo Impe-rador Auguste ; as armas romanas submetteram uma parte da Grâ-Breta-nlia. Na propria Gallia o direito celtico foi esmagado ; npenas tioaram délie vestigios na Bretauha. Elle se manteve, porém. no paiz de Galles, nos Ihighlands da Escossia e na lrlauda. O direito gaulez, tiugido de romano, foi conservado nas oollecçôes do XIII seculo, attribui las a Hoel le Bon ; raras indicaçôes ficaram sobre o direito da Escossia.»

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142 COMPENDIO DE HI8TOKIA

mento e significa, ao que parece, grande colleoçâo de nnligwiA dudes.

Esse trabnlho, enja redaeçao remonta provavcliueiite ao seculo V, ao dar-so a inlroduceâo do Obisliauisino lia Irlanda, é verdadeirameute uma compilaçâo de velhas regras de dircito costuiuciro revestiudo uma forma tâo nrcliaica quantos os uses em que se funda. Ao lado do velho texto apparocem duas glosas, de data incerta mas em todo caso muito posterior a da redaeçao do documento.

Eis como Dareste descreve os moldes do Senclius Mor : ■— « Nada de methodico nem de systeinatico. Deeisôes particnlares soin laço apparente, jipplicando regras que uao sao formutadns em parte aigu ma, cinprogaudo termos que uâo defmem. Pouca ordeni, iiculiuma idéa gérai. Portoda parte versoscujo métro fui quebrado para délies fazer-se prusa>■•

Esses defeitos de forma, porém, n&o auniillam o valor liis-torico-juridico, a alta importancia scientifica do Scnchus -I/o/-, a cujo estndo se tem applicado espiritos como os de Curry, Sullivan, Samuel Maine, Jubaiuville o niuitos outros. Tanto qnanto os mais antigos codigos brabmaiiieos, coin os quacs, aliâs, tem afitnidades estreitissimas, o livro principal das lois irlandezas 6 de inestivavel preço para a historia, para a philulogia, para o direito, c mesmo para a ethnologia. Por elle comprova-se a liliaçao dos cclfcas â familia indo-euro péa, a filiaçâo dos idio-inas celbios ao sanscrito, a filiaçâo dos velhos nsos jnridieos irlandczes as instituiçôcs da India brahmanica. Por elle, e polos outros livros da collecçào das Ancient Laws of Ireland (1) verifica-sc que os celtas, como os outros povos indo-ouropeus «conlieceram e pratiearam a viugança privada, o preço do san-gue, a tarifa d:vs offensas physicas, a compra das mulheres, a

(1) Keferimos-nos ao Livro de Ai itt, intéressante 1 ratado de regms de direito entremeiadas de pro verbios, representando as sentenças doufcri-naes dos dois célèbres jurisconsultes Cornac e Cennfaeladh, e ao Crith Ga-\ blaeh, outro pequeno livro das Ire'uml's laws, em que se eslabelecem as classes e prerogativas dos membres da tribn iilundez», isto c, o rei, os nobles e os simples homens livres.

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GERAL DO DIREITO 143

vida de tribu, a propriedadc collectiva do solo, as ordalias, a provA por juramento o os cojuradores.»

Vf'-se daqui que o direito celtico 6 digne de toda attcuçao por parte dos que arroteiani a gleba jnridica.

As relhas leis irlandczas nao constituer», conio bem observa Smnmer Maine, nui verdadeiro edificio legislativo; ellas silo antes uni Digesto de regras e sentençns fbrmnladas por uma classe de legistas officines, ou titulados, que tinhani o nome de prenons. Dabi o chainar-se tainbem o direito celtico — direUol brehon. (I) «Esta vasta litteratura jnridica recenteinente exhn-mada (diz o sabio autor da Eatîy Mstory of Institution») dû testent unbo da autoridnde dos Brebons cm todas as materias legaes e faz presumir fortemente que elles cram os arbitres exclusives de todos os processos. Entre os sens escriptos encontram-se tra-jtados isolados sobre os direitos successorios e us demarcaçôes, o quasi a cada pagina das traducçôes faz-se allnsao ao eric, ou composiçâo peenniaria por homicidio.» (2)

Parece que a classe dos b relions da Irlanda correspond ia ao que era, entre os celtas da Gai lia, a classe dos druidas. Suin-ner Maine, comparando as narraçôcs de Cezar, relativas aos drui-\da8, coin os textes do Senchus Mor e do Livro de Aicill e os escriptos referentes aos brehons, déclara que existera entre as dnas classes analogias sérias e mêsmo frisantes.

(1) A palavra brrhon vem de uni verbo que sig-nifica arbitra r. Os brehnnx (In-UemJ tinhani (lias raarcados, nos quaes, sobre uma colina fllerada, diaiam ou déclaravara o direito entre os demandistas ou partes litigantes. <No di-reito irlandez, (diz o autor dos Etudes de Droit International et de Droit politique) nada de poder législative nem de peder judiciario ; sentençns arbitrais que podera nao ser acoeitas, mns que sâo acolhidas e respeitadas, tal 6 a siluaçâo, Aos olhos dos brehon» legislar séria uiu exeesso de po-der o jnlgar parecia nm injustifioavel ntaque â liberdade do individuo.

(2) Convem notar entretanto que o emineiite Dr. Sullivan emittiu a opiniiîo de que se pode dar a certas partes do systema légal irlandez o nome de Direito statutario, porquanto havia em certas partes da Irlanda rerda-deiras legislaluras. Suinner Maine procura conoiliar essa opiniiîo com a sua. explicando que nos tempos primitivos nâo se conlieeia a distincçiïo entre fnncçôes legislativas e judioiarias, sendo o legialador e o juiz, nâo innovadores, mns siin meros declaradores do direito.

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144 COMPENDIO DE HISTORIA H

Achamos pcrfeitamento acceitavel a opiniao do mestre, porqnanto é naturulissimo que duas familias do mcsmo grupo cthnico —gaulezes e irlaudezes - tivesscm insfcituiçôes sen&o! similaves ao menos équivalentes.

E façamos ponto aqui sobre o direito ecltico, do qoal jâ dissemos bastante para que se faça mua idéa do que elle foi.

Do direito dos primitivos si a vos uao nos é preciso dizer senâo que suas instituiçôes apresentam os mesinos caractères fundamentaes c génies que teinos constauteniente encontrado na base de todas as sociedades de sangue indo-curopen.

Fallaudo dos tchèques, diz E. Dareste: »0 antigo direito da Bohemia, como o dos outros paizes sl&vos, te m sua base na com-\ munidade de familia ; os mais antigos inonutnentos do direito tchèque mostram-nos uni estado de cousas rauito primitivo : as guerras privadas, a vingança do sangue ja temperada pelo nso das composiçôes, as ordalias pelo ooiubate jndiciario, o ferro cm braza e a agua fervente. »

O estudo das populaçôes russas, polonezas, balkanieas, e em gérai de todas as familias slavas, confirma os assert os que alii ficam. Ch. Letonrneau passon em vevista os velhos costumes dos servios, dos montenegrinos, dos dalmatas, dos bohe-mios, dos russos, dos polonezes e dos lithuanianos, e em todos elles verificou a existencia dos institntos juridicos penaes que tCm a sua raiz lias concepçôes e creaçôes sociaes dos aryas priniitivos : a vingança, a responsabilidade collectiva da familia ou da tribu, as ordalias, os cojnradores, etc.

For outro lado constat on se que a propriedade collectiva da aldeia (do clan ou da tribu) tâo conhecida no Oriente, mante-vc-se entre os si a vos atè uma epocha relativamente récente, e isso vcio reforçnr o pensamento da continuidade ctlmica e jn-dica entre os.povos da Asia e da Enropa. Nao ha necessidade pois, de recorrer ao Estatnto de Conrado Otton (jura zuppano-nim) ao raanuscripto do Elbing, aos t rat ad os de Oleg, Igor e Sviatoslav, aos estatutos de Mathieu e do cantâo de Vinodol, (1)

(1) O Estatnto de Conrado, tamljem ohamado jus Coweadi, oondensou em 32 artigos a primitira legislaçâo da Bohemia e da Moravia, isto ô, o

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GÉRÂT. DO DIREITO 145

para apanhar a pbysionomia do autigo diroito slavo. Ella ahi fica photographada, uas siiiis linhas gerces c sali en tes, evidcn-ciando, alias, o parcntesoo qnc une os slavos aos celtas c uns e outros aos gregos, romanos e germauos.

I

Qiiando bruxoleava ji1, batida polos ventos da fatal uladc historica, a dosluinbrante lu/, do iniperio romono do occidente, o centro da Europa cstava occupado por uni povo independente e bravo, cnjos représentantes imprcssionavam os romanos polo seu aspecto de ferocidadc e de força. De cstatnra clcrada, de cabcllos ruivos e do olhos ao niesnio tempo azues e ferozcs, eomo os dcscrevo Tacifeo (traces et cerulei occuli, rutilai coma; magna corjyom) os Gerumnos (bornons de guerra, lieermeti) do-minavam a l'ogiiio limitada ao norte pclo mar, ao nord este polos sarmatas, a leste polo Oder e o Wistnla, a oeste polos celtas e ao snl pelos Alpes.

Desde quando esses barbaros, nomades c caca dores, indc-pendentes e valoroscs, que entilo acampavam ils portas do iniperio roinano, viriam ali, coin a sua castidade e a sua bravura,| coin as suas crenyas e as suas lois i seu tas de qnalquer inllueu-cia extranba f l'ara rosponder a isso séria précise tcrlhcs acompanbado a aventnrosa viagem foi ta da Asia Central aie o Caucaso e dabi ils paragens cm que se localisaram afinal ; séria necessario fasse r a bistoria do estupendo movimcnto emigratorio que atirou ils terras da Europa as varias familias da stirpe aryana, apôs o desmembramento da nxçn-matei:

dirait» tchèque ; o manuscripto de Elbing, redigido no seculo XIII c cajo original existe na bibliotheca da cidade do Elbing, 6 o mais antigo inonu-mento do direito polonez ; os tratados de Oleg, Igor e Sviatoslar, em numéro de quatre, aâo os mais vellios docnmentos do direito russo ; os estatutos de Mathieu o Viuodol sâo as fontes mais remotas da legislnçSo dos slavos do sul. O nome do primeiro vein do seu redactor e o do segundo dorira do oan-tfto em que foi promulgado.

19

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146 COMPENDIO DE HISTORU

Nem uin clatlo scienfcifieo possuimos para pisar com segn-iranea esse terreno ; coiitentcnio nos pois com o facto vorificado o j estudemos os gennanos no sou habitat do coiucço de nossa era.

Segundo o dizer dos bistoriadores esfcavain elles divididos, no momento da invasâo do imperio romano (secnlo V) cm très ramos : o dos ïstavons, que hahitavam as margens do Illieno até o mar, o dos Tngavons, que ficava a leste do dos ïstavons, e o dos Henni nous. Algumas outras popnlaçôos destacadas coin-plefcavam o ni un do germanico.

Segundo a narraçâo de T.icito (Do situ, ritu, moribunque Oermaniœ) que, no dizer de Esinein, passon durante mnito tempo por uma especie de roman ce- philosophieo, masque a critica moderna rehabilitou dando-lho o vâlôï de uma obra de obser- j vaçâo e do precisao, os ge.nn.ino3 era m uni povo puro, extrême de liga com qualquer outro, que vivia da caça cm perpetno no-madismo, tendo uni gonerodè vida simples e uni caracte r aberto, franco, cheio de uni forte inst ino to de iudepindeneia e liberdade, e de respeito c amor pelos antepassados e pela familia, o que nâo impedia que fosse m amantes do ocio, das bebidas c do jogo nos interstieios das occ.upayées venatorias e gnerreiras.

Do todas essas notaçôes do caraeter germanico a mais im-J portante e que niais intéressa ao nosso estudo 6 a do senti mento de liberdade e de indepondeneia pessoal, que animava os bar-barosdo norte.

Nio é esta a primeira oecasiâo que te m os de saliontar tal car acte ristica do teiuperaincnto germanico. Desde Alirens, Laurent e Guisot até G. Carie e Savorio de Oillis, todos os an tores afiirmam que os gennanos trouxeram aô inundo moderno a nota vibrante do senti meuto energico de independencia o de an ton o-inia pessoal, da conseiencia da força c do valor do individuo. E essa feieâo psychologica reftectiu-se no respective Direito, diffe-venciando-o profundaraente, sobretndo na parte processual, da intniçao jnridico-romaua. (I) Nocapitnlo seguinto faremos de-tidanientc a demoustraçiio destc nosso asserto.

(1) Vid. : Fragmentas .hu-idico~philosophicos o Bùtoria do Dirait t Na-tional, do antor.

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GEHAL DO DIKEITO 147

Naepocha do Tacite a roça gcrinanica, sem cohes&o o uuida-de, estava divididn ein iiiiinemsos grnpos imlependentcs tendo a mcsmn lingua, os mes in os nsoso a niesina rcligiâo, nuis sem laço politioo que os lïgasso, que os intégrasse cm mn corpo nacional organisado, ou cm uni Estado. Sua religiao era uni polytheismo grosse iro, sahiilo a peu as da iiltimn phase fetichista, em quo os denses cram reprcsentnçôes das forças da nnîureza o enjos tem-plus erani os bosques sagrados. COIIIO

entre todos os povos na in-fauria os nsns e p rations religiosas misturavam-so nos costumes le regras juridicas, as qnaés, cou forme observa Von Schulte, tinliam sempre o son fundaincnto uas necessidades dos individu os.

Cad a uni dos varies gnipos ou popnlaçôes independentes jcm que se dividiani os germanos constituiu mu pequeno Estado a que Tacito da o nome (locit-itas. Tu do leva a crerque as civitutes genuanieas era m, como as primitivas cidades gregas c italiens, agloineraçôes de familins, que eousorvanrto embora suaindivi-dualidade projiriu, viviani sol) mn governo communal, de forma deuiocrnticn. Àpenas lia a notar, nesto assit in pto, que o elemento jurbano-faltnva inteirainento d eivitas dos germanos. Tacito diss exprossamente : titillas gernutiioram populis urbes habitari satin \notitm eut.

A forma polit ica ùiiseivituteaeva cm gérai republicaua. Cad a \civitct8 sesnbdividia em circuinseripcôes inferiores Ghamudaspagi pelo historiador romano, as quaes t i n l i a m suas antoridades sin-gularos c loeaos. (1) Mas a soberania, o poder supremo, residia em nina assemblés! composta de todos os homens livres em edade de tra/.er armas. îfenliuni germano (escrêve Tacito) usa armas de guerra sem que a eivitas o tenba iuvestido dessa eapacidade. Na fpocha dévida nui dosebefes, ou o pae do maucebo, ou uni de sens parentes, n arma em pi en a assemblés!, com a lança e com o escudo. É essa a toga viril dos germanos ; sao essas as suas primeiras lionras : auteriornicnte elle era membro da familia;

(1) Spgtindo lodus as probubilidudeg o jiagus foi no comrça um agrupa-mento de 100 chef es de familia.

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sô entilo passa a soi" menibvo do Estado.» O nome geriuanico Idessa. investidura 6 stcertleite, e de tal importancia cra ella que alguns autores attribuemlbc a naturcza e os effeitos de um acto de emancipaçao.

A assembléa do povo (concilium ua liuguagcm de Tacito, e wwttum. thing e allting ua dos autores germanicos) deliberava sobre todos os grandes uegocios da coinmunbào c especini-mente sobre a guerra e a paz ; os casos de menor importancia | evam decididos pelos cbefes dos pugi (principe») eleitos pelo ■concilium. Este reuuia-so ordiuariamente em dias marcados, nas conjuncyôes da lua. Bis como Tacito descrevo as forma-lidades das sessôcs das assembléas germanicas : I «Q.uando a reuniao se apresentava bastante numerosa, (o- . mavam todos assento, completaineute armados. Os sacerdotes ou cbefes religiosos ordenavam silencio. Em seguidao rei (l) ou chofo mais distincto pela edade, pela nobreza, pelos feitos j ou pela eloqueucia, tomava a palavra e fazia-se escutar pelo ascendente da persuasâo mais do que pela autoridade do com-mando* Si o al vitre desagradava era repellido put murmurios, no caso contrario era approvado pela agitaçao das lanças. Este j suffragio das armas era o signal mais bonroso do asseutimento a medida proposta.»

Disscinos que a assembléa dos boiuens livres occupava-se dos altos uegocios da commuubao, deixando os menores ao cui-dado dos cbefes locaes. Précisâmes accresecuta;- que élla nao

H (1) Nao pareça extranho odito de Tacito om confronte corn a nossa affirmaeâo. feita algnmas liuhas aciraa, de que a forma politioa das soc.ie-dades gormauicas era, em gérai, a republicana. Primitivamonta esta forma de governo era, oom toda probabilidude, a universalmente estabulccida. No tempo de Tacito, porcin, uma modifioaçâo so havia operado. entre grande îiumcro de bordas, no sentido monarchico. Além de um chefo militai' ou dux, que era eleito em tempo do guerra, os germanos liariara iustifcuido a realeza, sera destrnir nem modificar profundamente a antiga constitniçao republicana. Os rei» desse periodo, eleitos vitaliciamente e tirades da classe dos nobres, tiuham, ao que pavece, poderes mnito restrictos e privilpgios muito insignilicautes, nâo possuiudo nem a soberania do concilium nem a autoridade do dux em tempo de guerra.

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cm sô nnia corpnruçao politica c legislativa, sim tainbeiu uni tribunal judiciario que dccidia os casos crimiunes mais importantes ou de àcaùsâçôes cap i tacs, e pelante o <|iial se effectua-vain eertos actos soleinnes, tacs eonio a manumissao, o casa-mento, a Iruusmissiio dos bons, etc.

Oschefes IOC.KIS a que temos alludido—chofes dos eantôcs du dos pttgi — erain os principe*, elcitos vitaliciamcntc d'entre os noînes, coinn os rein. As nlfribuicGcs délies consistant cm commandai- o contingente, militai' do payas c cm adniinistrar

jnsliea nas causas ordinarias. Principe» rcgionnm (tique pngorut» \int<r g nos jus dicunt, coitiromrsiusque minuunt, diz Cessai* falando

dessus antoridades de ordeni seciindaria. Elles julguvnm assis- tidos por ceni companheiro* ou liomens livres, que constituiam

oui tempo de guerra seu corpo de exercito e em tempo de paz flua guarda de honra. Essas centurion, que sao uma dits mais

euriosas institniyôes gerinanicas (sein serent alias piivativas dos gerinanos) o que reeeberani de Tacifco a deuoiuiuucao de comiia-

\tus, erani tin ni especie de clieutela militai', que licou ua l i t t c r u - tura juridica «la Franya eom o uonie «le compnyuontuiyc o na du

Alleiuanha coin o tic t/efolysehafl.

Falilinos ha ponco cm houiens livres, o que da a eiitcudar quo entre os gerinanos existi icscravutur.i. Assim era effeeti va meute. A eioitus compunlm-so de i-nflividiios livres e de eseravos, sub-dividindo-se os livres em simplesmenlt Itères ou ingenuos e nobres.\ Era boineiu livre todo aqnelle eujos paes erani livres por occa-siao do seu nascimonto. O.signal caracteristico da liberdiule para o germano estava, dix. Von Sehulte, no facto do nao ter elle outro senlior alem da cioiUts, sendo, nos limites da Ici, inde-pendente de qualquer outro poder c tendo o pleuo dereito de| niundar na sua f'aïuilia e na sua terra. Os liomens l ivres fa-ziain-se distiuguir exterionnciite dos uao livres pelo uso de vestes espeeiacs e de uma longa enbellcira ; sô elles tinliam ca-paeidade paraser proprietarios? para carregar armas, para fazer parte das assembléas pnpiiktrcs c para usar do fcalïâo contra os oHensores dos sens parentes.

Os nobres oram liomens livres ans quaes osgermaiios attribu iam qualidades mais elevadas que as do commuai, por sua

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1;>0 OOMPENDIO DE HISTORIA

ascendcneia on por sua situaçào pessoal. Os autorcs uilo cbo-garant ainda a accordo sobra a érigent provavel <la nobreza gcr- . nianica, que alias uâo pareco ter tido conto privilégie senâo o de fornecer â cioitas os sous rois, os sens principes, e talvcz os | respecti vos comités.

Os escravos erani os iudividuos submcttidos sein restriceio ao poder (mundhtm, mnndeburdium, band, que cquiv-.iliaui a ]»>• tentas romana) de uni liomein livre. O-s lactorcs «la eseràvidao erain a descendencia de pues escravos, a Captura feita ua gaerra c a passageni voluntaria ao ëslado de eseravo. A esta ulliina ] espeeie du eseravidsio referiu-se Taeitoquando disse : rictus vo-- litnlurùnii sevvilutem adit. '

Os escravos eram incapazos de possuir, probibidos de. eoit-traltir casumenlo e niio gozavain de protocyao publica. Pareco ] que elles eram classiticados cm dois grupos : o dos escravos objecta de commercio, entre os qnaes c provavel que estivesseiu os devedores insolvnvcis, o o dos escravos at/ricolas, que eram tinta espeeie de colonos, eultivadores das terras do sctilior.

( 'onu) meio termo entre hoincns livres e escravos coulic- ciain os germanos duas outras classes do iudividuos : a dos li bertés e a dos (Mes (lazzen, liti ou leti c mais tarde uldicn, aldio- nen). Os libertés ou munumiltidos licavam soi) o inuiidiam du senbor ou passavaiu ao do rci ; nao gozavain do pleno direito de propriedade ncm podiam exercer direito aigu m politico. Os lazzen ou liti eram provavel mente prisioneiros de guerra redu- zidos a uni» espeeie de servid&o ejn proveito da ci citas conquis- tadora. Conto os libertés, os liti uâo gozavain de direitos poli- ticos e cultivavam certes campes sob o gravante de numerosos tributos. H

A' seinelbança do que vîntes dar-sc entre os déniais povos na iufancii du civilisacao, cncoutrauios o direito privado dos velbos gerinanos inlimamcnte ligado ao se.u direito publico e politico. O laço que estreitava esses dois aspeetus da vida eut communi era a familia, eu jus direitos eram hiseparaveis dos da contiuuuliâo. A familia, alias, c unia das instituiçôcs earaete-risticas da constituic&o gerniaitiea, no dizer de Giitoulhiac. A base da sociedade fantiliar cra o casamento uiouogauiico, para o

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quai o horaom, do raesnio modo que si mullicr, dévia entrai-puro o silo. O casamento effectua vase pela eompra da mullicr a seu muntporo, ist.o é, a pcssô.i que a t i n l i i sol) seu poder ou mundiuin, o prceedia'm-n'o espousaes, on convciiçôes sobre o prc<;o da eompra e sobre o dote, os quacs craiu auiiuneiados ua assembloa da tribu, ou mallum.

Si beiu que pelo casamento por eompra a mullier eahiase ^ob o muiidiiiiii do marido, iieni por isso a sua cnudicao na familia era a de orna escrava ou de um ser inferior ; os germa-nos tinham o eulto da mullicr e se m usurpai' a autoridade do home m olla occnpava, na familia, como esposa, mua posieao elevada e cheia de prestigio. Por isso mesmo era que ao homcni e nâo â m u l l i c r cabia a constituicao do dote, por oceasiiio do casamento : Dot cm non uxor marito, sed uxori marilus offert.

Em todo easo ua soeiedade conjugal o marido era o ehefe,' como o era na soeiedade familial' : si a esposa l'ai ta va aos sens dovercs elle tinlia o direito de punil-a. Egnal autoridade excréta o chefe de familia sobre todos os membros délia, a partir dos iilhos e a terminai' nos eseravos. O mundium do germa no ehefe de familia exercia-se sobre sua casa, sua terra c respect i vos moradorcs on habitantes ; uina offensa feita a qnalquer (las pessoas submettidas ao seu poder era coiisiderada como feita ao proprio chefu de familia. A elle é que competia tomar a neeessaria vingança ou perseguir cm justiça o olfensor. Uma i n t i m a solidariedade entre todos os sous membros, ligados por dircitos c dévores reciprocos, era, de resto, o caractcristico da lfa.mil ia germaniea.

lira ]>or familias que os gcrinanos se organisavam o mar-pavani para a guerra ; era a familia que decidia sobre todos is aetos niodificadorcs da capacidade do uni de seus membros, como a einancipaçâo e o casamento ; era cm familia que o ac-ensado apparecia cm juizo para se defender ; era cm nome da familia inteira que se proinovia a pnniçao do offensor de um dos membros dessa familia ; era ainda esta, no seu conjuncto, que recebia a roparaçîlo do ultrage ou offensa. Dessa organisa-çao do assisteneia e garantia mutua derivavam certes institutos (le caracter cspecial, como fossem : o direito c o dever do vin-

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gança para cada membro dit familia respcetiyani.cnte aos out-ros e coino consequencia o direito e o (lever do roccbcr on pagar a j composiçaopecuniaria (wergeid) polo offuudido on offensor ; ohrigaeâo imposta a todos os ntcmbros da familia de p resta rein- j se entre si ao ofticio de cojuradorcs; o direito de.successao para todos os parentes mesmo contra a vontade do decnjun. Ilefedes j tmecennoresque mi cuique liberi, et nullum tenlamentum, deixon dito Taeito. O parentesco era compntado por linhas masculina | [(sawlint'it/r, f/rriniit/c) e féminin» (spill mage, knnkel) e por gr&os que se contnvam do pc> •> nt(> as nuhas da mîio, podendo-se j assim cnninerar 5, 6 on 7 gernç&es.

A propriedade immovcl individual nilo existia entre os germnnos, polo menos coni relaçao uo solo cultivavel on de Ipastagem ; o direito «omnium era a propviedndo eolleetivn, re- » pnrtida periodicamente para uso pi-ivado. (Marcha ou Marke). Kis coino A. Esmein expôe o regimon entûo oui vigor :

« A <:icila.t ou talvez cadu iecntnria tomava posse de uni terrent) proprio paru a cnltura, de (pic olla se fazia proprieta* ; ria, e periodicamonte, por intermedio do principes cram deniar-oados os loi es o destribuidos us fainilias que délies gosavain e _. roColhiani os fructos nié mua nova partilhà } os pastos e nvattas j fleavnm sendo do uso e goso eoininura. As partillias reuova-vam-sc toiloà os nu nos e faziaiu-se segnndo regras que nos nilo eonlicccmos.»

Assove'ra o auto? citado que tal era o ceginien agrario no ' tem'po de César e no de Taeito ; aecreseenta,, porcin, c eom ra* l'sùo, que elle nfio exeluiaein ahsolnto' a propriedade individual ^ do sûlo, porquanto nao se pode negar que o terreno em que assentava a casa do chefe de familia coin as respectivas depenJ dencias, era t.ido coino propriedade deste, formando assim um™ espeeie de ilha do propriedade individual no mar do eollceti-visiuo gérai e dominante. (1)

(1) A respeito drste assumpto 6 util conserrar na memoria o sfigninto treoho do Michelet (Oriij. du Droit Franc):

« O traço mais origiual do direito romano primitiro é o ager, ou cam-po limitado, orientado ; o do direito allemâo é a Marcha (marie) on terra

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Kcforindo-se a este assumpto, que alias tom sorvido de base, modernamente, a notaveis theorias collectivisfcas sobre a origem e natureza da pvopviedade. esereve Ginonlhiac : «Cada an no os magisbrados assignavam a cada familia uma porçâo de tcrrn mais ou me nos considcravel sogniulo o numéro c a dignidadc dos sens membros, c no an no scgninte uma nova partillia cra ici ta, passando se de uni sitio para outro. E.vplica-se isto pelo facto de nâo serein os germa nos agri cul tores, no tempo de César c Tacito pelo nienos, e de viverem priucipalniente de leite c de carne dos sens robauhos, nos varios sitios onde os levava o sen nomadismo.»

Limitant-se ao que alii fica as noticias que tumos sobre o direito das pessôas c das cotisas entre os primitivos germanos. Como se vô sâo apenas os traços geraes das instituiçôcs, sendo impossivel, por falta de documentas, entrai* nos detalhes da an-tiga organisaçao juridica do innndo barbare As narraçôes de César e de Tacito nao vâo al oui do que aqui deixamos consi-gnado.

Digamos, porcm, alguina cousa do direito pénal germanico. Na epoca cm que inradiram c desmembraram o iniperio roinano do occidente, os barbaros do nortc estavam na phase de passa-gem da viugança privada para a composicao pecuniaria. «Todos os delictos contra parla cul ares davam ensejo a vingança privada, a guerra de familia a familia ; mas a paz se fazia de ordina-rio inediante uma indemnisa çsio paga pelo cnlpado c consistente em cabeças de gado—a nioeda primitiva.» Nada de penas cor-poracs a nao scr para os grandes crimes que intéressavam a segurança do Bstado ; os trahi dores o os transfugas cram enfor-cados e os covardes afogados na lama ; poréni para o homicidio,

indivisa, que perteneia A cemmuna. Nas vastas florestas da Allemnnh* a Marcha era a elareira. A florcsta m ni tas vozes era coutada na Marcha, assim como os ri os, régates, pastos, prados incnltos, os animaes sel valons, OB

passaros, as abelhas. A Marcha, propriedade coinmum, indivisa, 6 uma dependencia da propriedado dividida, individnal. Nâo se tem direito il primeira emquauto nâo se participa da segunda. Todavia sâo duas inimigas que lntam para levar vant&gem nraa n outra. »

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os ferimentos, as injurias, o roubo e o furto, as pcnns eram pe-j coniarias o tari fadas segnndo a gravidadc do dclieto o a digni-dade da pessôa offendida. A composiçîio cm dinliciro ou an tes o preço do crime chamavaso wergéld, coino ja fizemos notai-, eera exigido ou page solidariamento pela familia do oftendido on offensor, como tainbcin ja tivomos occasiâo de d'user. Qnando o regimen monareliico substituai as primitivas instituicôcs de-j inoeralicas, o wergeld dividiu-sc oiii/dià, composiçâo dévida il parte lesada, c oui J'redum limita ou penii pecuninria pngsi 110 soberauo.

Ao tratarmos da assembléa popular dos geriuanos, na quai vesidia o supremo poder, disseuios que perante ella eram levados os casos jndiciarios de uatureza grave. Tauto basta para significar que o maUwiii, ou assembléa do clan on tribu, era o tribnnal por cxcellenria dos barbaros. A prineipio a as sembléa. in te ira tomava conhccimcnlo das accnsaç5cs e jnlgava ; depuis essa attribuieào passnu nos raohiinbourff*, delegados da assembléa, que asscntavain-se cm quatro b.uicos de pedra dis- postos cm quadrado, c que sonticcavam pela maioria de 7 votos, quando meuos. A prova ordinaria, dix Letourneau, era a tes- teinunhal : maso juiz podia pedir o dopoimeato dos çojurado- resou uraa jirova que ordinariamente era a da agita fervente. O combate ou dnelo judiciario era tumbem lVcqnenteinente cin- pregado. .'•.' ■

A existencia das institniyôes que acabamos de desenhar pallidaraente, quer as de ordem politica qner propriameute as de ordem jnridica, nâo é attestada apenas pelos escriptos de Cezar e Tacîto, as mais antigas foules, que possuimos, dos pri-initivos usos e costumes da Ger mania. Os institntos barbaros que foram descriptos pelos dois grandes historiadores podem ser reconbecidos c examinados mis pritneiras leis redigidas entre os varios povos germanicos aigu m tempo depois do scu estabeleciniento mis terras romnnas do ocçidentc.

Postos em contacte immediato coin a popnlayao romana, os

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barbares veocedores sentiraui cm brève a necessidado de définir e fixar pela eseripta o son antigo direito eosfcnineiro, E assim se fez pouco a ponco, sendo compilados para cada povo on tribn pequenos codigos locaes que receberam o nome de Leges, e que forain redigidos em uni latim barharo, inçado de voeabulos allemaes apenas latin isados por certas desineucias, como ve-inos, por exemplo, na palavra mmidium.

Dessas leis havemos de oeenpar-nos posteriormento qnando tivermos de descrever o Corpun Juris Germanlci. Digamos por ont apenas que de todas as compilaedes foi tas pelos germanos do seculo V cm deante na Buropa continental, as unicas que podem scr consideradas îuonumentos de pura legislaeao barbara sâo : a lex frlsonum, a lex saxonnm e a lex thuringorum. Todas as outras soffrerain mais ou me nos a inlluencia da legislaçao romann, iuclusive a loi salica, que é alias fundameutalmeute ger-mnuica. (1)

Para terminai' este capitulo resta-nos sômeute fazer uma observaçao :

De accord o corn a môr parte dos esc ript ores ([lie se fcem oc-cnpado do uosso assumpto nâo jnlgamos preeiso nein util o estu-do das velhas instituiçôes do ramo scandinavo da raça germa nica. Apezar da opiniâo de Pardessus, que para explicar certos institntos do direito fiancez julgava nocessario remontar ao Jons-Bok e aos Gragas, collccçdes das mais antigas leis dinain a rquezas, pensamos que non huma influeucia exerce ram os primitives costumes scandinavos sobre a formaçîto do direito moderno, podendo-se, quando muito, dizer que alguns délies apresciitam pontos de contacto, natnralissimos alias, coin os do

(1) "Bis a lista (las leges barbarorwn, que compendiaram e tixaram o direito costumeiro das varias tribus germanicas :—Lex salica, Lex ripva-ria, Lex franco»'uni, e^amavornm, Lex Imrgmviïonmn, ou gundobalda, Lex alamannorum, Lex icisigolhi ntm, Lex I ujuvariorum, Leges longoburdic;e\ ou longobar lof uni, lex frisonnm. Lex saxonuin. Lex migliorum, werino-rum it thuringoruni. Todas estas leis podum ser consnltadas na grande collecçâo denomiuada Monumenta Germoniœ a organisnda por Stein, Porta e Waitz.

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l.Vi UOMPKNDIO DE HIHTORIA

r.uuo propriaiuenta genuauieo. Déniais as varias compilaçôes ou oollecçôes das velhas leis SUCCJIS, noruegnezas, dinainargue- zas c islandczus sâo rolativaiueutc récentes, porquc datai» dos seculos XII c XIII, e as juterpolsiçôesque nollas tizeraiu os seus rcdactorcs dâo-lhes uiu aspecto moderuo, para o quai muito contribue o elemento christâo uellas introduzido. ; ■

É isso o que se pôde faeilinente verinear, coiupulsandu os niagnilicos cstudos de B. Dareste sobre as alludidas legislayôcs.

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X

0 Direito germanico da epocha franca. 0 «Corpus Juris Germanici.»~"Intuiçào do Direito peculiar aos ger« manos, revelada nos seus institutos processives. (*)

§

Nas vespéras do dcsmoronuinento do Imperio roinano do oocideuto nui posante ranio da l'ami lia germanica es bava esba-bclecido sobre a mai'gcin esquerda do Klicno, prompto coino os déniais heenncn a ealiir sobre a presa que se Ihe ofterecia pavidu c palpitante. Bra o grupo ùos/i'ancos, mais tarde divididos oui nation e ripuarios, u quai comprebeudia numerosas tribus, como fosse m as dos chattun, sieambrox, chumâvos, etc.

Ao povo dos francos estavam reservados o destino o a glo-

(*) FONTES :—F. Von Sehulta : Hist. du Droit et des instit de l'Allemagne ; G-inoulhiac : H'st. gêner, du I)ro t français ; Ksmcin : (Jours elevi. d'hist. du Droit français; R. Sohni : La p>ocudmc de la lex sa-Uea s trad. de Tevenin ; Guizot : Histoire de lu. civilisation en Europe ; Thierry : Récits des temps mérovingiens ; Miohclet : t riyines du Droit français; D<i Cillis •. 7/ diritlo rom. à trav. la civil'â européa; Carie: La tita del Diritlo ; E. Littré : Les barbares et le moyen âge : Ahrens : Enc. Juridique; Eselibach : Inlrod. gêner, à l'élude du Dioit; Letonrneau : L'tvol. Juridique.

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ria de dur o nome a nuia cpocha da historia, cxeroendo uma poderosa acçae hcgcmonica entre ns popnlaçôes européas, pela constifcuiçâo de nin grande estado gcrmaidco, absorvcnte o do-minador da quasi totalidade dos clemnntos barbaricos. Epochm frmica, periodo franco, ssio cxprcssôessigni (icadoras de nuia phase da evoluçfio humana em que a cspccie ethnica dos germanos fraucos impoz-se a Enropa e a civil isnyao, resumindo e centra-) lisando ns encrgias dos vcncedores da Borna occidental. A (•allia ccltica jâ romanisada foi o theatro do notavel aconteci-incnto liistorico, e a iniciativa destc facto cminentc pcrtcnceu ans francos sulios, os quacs, cm meindos do scculo V, invadi-rcm, su bj égarant e occnpanun a vclha terra dos vonerandos brehonn gaulexes e dos sagvados niysterios druidicos.

Duos dynastius de reis sali os, a dos nierovingios e a dos carlovingios, presidiram, como se sabo, à fundayao o ao desen-volvimente do grande imperin franco. Çlovis, da priineira, o Carlos Magno, da segunda, tsnbmettcraiu a sens sceptres a îuôr parte dos povos germauicos, e submettidos, por seu turuo, a influencîa do Christianisme trouxeram a antiga constatai eâo social dos barbares inodiAcaçôes politicas e joridicas das mais no-taveis. A' historia nniversal eabe dizer como Carlos Magno, atravez das suas "»g PAnip^nh,!!!*, ponde reunir e mauter sob son pulso de ferre as populaces germanicas e romanas de quasij toda a Enropa, até o punto de lu udur um novo Imperio do Oc-cidente, coin a ex pressa c solemne sagraçfio da Egreja. A nos o que compote é dcixar consignado o facto da hegemonia franca sobre a Enropa, do soculo V ao IX, c indagar qnal foi a feiçâo juridica do grande imperio germanico, successor do roraauo.

Dissemos no capitule antcri«r que logo depois da*; invasôcs, qnando estabeleoidos em novos penses e postos em contacte coin as populaçûes romanas ou romunisadas, os germanos sentirai» I necessidade de reduzir a oscripto seu direito pnpnlar c enstu-meiro, até entao cotnpendiado apenas na moumria eolleetiva de oada uma das tribus. Mostra-nios entao que dessa necessidade nasceram as leai's barbarorum. redigidas em baixo latiin (liiigua rndica) c destinadas a regular as relayées du direito entre os membres das varias i>opulayôes germanicas.

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Montesquieu, o imperecivel autoi* do Espirito das Leis — prolem sine maire crealam — referindo-se as citadas leges disse que as dos salios, ripuarios, alainanuos, b.ivaros, thuringios o frisées eram de uma simplicidadu adiniravcl ; que as dos bor-guinhôes Ihc pareciam jtidicios:is e que as dos lombardos inda niais.

Vf"-se que a legislaçâo b.ub.ira de que se trata merece aiguilla cotisa mais «loque uma simples mençâo ; como, porém, as legen iiïlo flzeram mais do que systématisai' o reduzir a regras os nsos e costumes juridicos anteriores, que Tacito e Cczar nos revelaram e que antcriornionte expnzemos, julgamos-nos dis-pensados de fazer um resumo dos dispositivos de cada uma.

O que devemos assigna lar, por ser cotisa capital neste as-su nipto, 6 o caracter de persomialûlade das leis a que nos estamos referiudo. O direito nellas condensado uao cra um estatuto territorial iucidindo egu al mente sobre todos os indiv id nos existantes cm uma circumscripcîio dada ; era, ao cuvez, uni estatuto pessoal, pectiliar c adhérente a nacionalidade de cada tribu, exhihindo-sc e actuando oiidc ciuer que fosse invocado. Si, por exemplo, um borguiuhao era accionado perante um tribu- ^**-*»-v* nal saxào ou franco, a demanda ou processo era ordenada e jul-gada segundo a Ici dos borguinliôcs. Si eram muitos e de di-; versas nacionalidades os demaudistas, o tribunal julgador t i n h a que applicar tsintas lcgislaçôes différentes qnautos os litigantes. E o que se dava coin os barbares entre si dava-se entre estes c us populaçôes romanas ; os germanos regiam-so em toda parte pelas leis germanicas c os romanos pela legislaçâo romami.

Eis como Esmein explica essa situaçâo : «Deixar ao vencido suas leis é uma necessidado que se iiupôe ao

vencedor, sempre que a conquista jnstapôe duas raças différentes pelo gr&o e forma de civilisacâo. Era essa uma ne-cessidade tsinto mais imperiosa para os barbaros quanto é certo que a lei romana cra muito snperior aos costumes germanicos. Déniais os homcus do raça gerraanioa nao conheciatn por sua tradiçao propria a Ici propriamento dita, que sendo a ordem da autoridade suprenia concebe-sc como podendo ser imposta ; todo o direito para elles se resumia no costume : ora, este résulta

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100 COMPENDIO DE HISTORIA

necessai'iamentc, para cada homem, do passado da raça a quai elle pertence ; cada homem te m naturalmer ncstc systema, o direito de vi ver segundo o costume dos seus autepassados. Mas pela mesma rasao nao podiam os barbaros abaudonnr seus cos-tûmes nacionaes. Nestas condiçoes a soluçâo que se impuuha era que os homens de raças diversas vivessem sob sua loi on costume de origein, na medida da compatibilidade desse regimen com a unidade dos novos reinos. Isso era possivel quer para o direito privado, quer para o c.riminal. O systema ao quai assim se ehegou fatal mente reeeben o nome de m/stevia (7a personnali-ilade dus leis, que era simples na apparencia mas que na rcalidade era complicadissimo e fort il em difflcnldades.»

Estas difficuldades forain rcdnzidas na pratica tanto quanto possivel por convençôes e no correr dos tempos pela formaçao dos costumes locaes ; mas mesmo assim o principio da personna-lidado arraigou-se tanto, que ainda no seculo IX Agobardo, bispo do Lyîlo, declarava que «cinco homens reunidos viviam, na mor parte dos casos, sob einco leis différentes.»

Algnns au tores prétendent que os inconveuientes da person-nalidado dus leis poderam ser quasi eliminados pelo jijgfçx&io riMxiSjjm declaraçâo feita pelos individnos de que queriam viver sob tal on quai direito. Isso, porem, nâo parece exacto ; a loi applicavel a cada homem era neerssariamente, como opina Es-mein, deterniinada por seu naseimento : o filho legitimo toma-va a nacioualidade e a lei de seu pai c o filho illegitimo as de sua mao. A primeira pcrgnnta feita a uni réo em jnizo era a segninte, que é bem significativa : siû> qua lege viois? E esse estado de cousas perdnrou até o advento do regimen fondai.

Dcssa permanencia o prédominancia do principio da perso-nalidadc atravez de mais de cinco seculos (pois qne o fcudalismo sô no seculo XI apparece complctamente organisado, e a mo-narchia fundada polos francos salios data do meiados do seculo Y) conclue-se facilmente que o direito da chainada epocha franca teve como elcmento fnndamental, como baso gérai, as prescri-pçôes das legea barbarorum, na parte relativa aos povos germa-nicos submettidos a dominaçâo das dynastias merovingia e car-lovingia.

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GERALJX) DIREITO 161 [

M:is o direifco franco propriamento dite, aquellc que foi nma résultante fatal do moviraento politioo encabeçado polos sali os e da constitniçâo do imperio franco cm terras da Galba, foi ojitro (pic nào o das leget.

A proporçao que o poder renl on-impérial foi augiitentaudo de prostigio e de força e «pie, sob a uce&o desso poder, a mn-nnrehia

franca se foi crystalisando cm nma miidade poli tien on Estado capaz de arremedar o lypo de absolntismo

administrative do Imperio romano ; au lado, ou niclhor, acinia do direito popular das legen surgi n poneo a ponco uni direito de imperio, earacterisador da nova phase social.

«Era preciso (diz Von Schulte) régulai- o que dizia respeito ao exercite. ao commercio e il segurança publica, nos négocies roligiosos, â instriicçao, as finanças, â policin, â fiscal isaçâo [administrât! va, eiiifim. â organisaçào da justica. Era preciso tombent régulai- as rclnçdes publicas e privadas, eousos que podeni ser consideradas eumo fazendn parte do direito tribal, mas que entretanto deviam estai* cm harmonia com os priu-cipios do direito impérial.»

E évidente que todas estas i ran s fo r m aeôos, filbas das nu vas condiçôes de vida da grande maioria dos povos germanicos, uâo podiaui ter a sua expressao ou tradneçao légal nas com-pilaefies c redacçôes do antigo direito eostnmeiro, consubstaii-ciado nas Leges. O direito de imperio, a que acinia lizemos refe-rencia, vcio portante fazer a equaçao dos velhos uses com as novas necessidades sociaes.

Esse direito impérial manifesteu-se, sob os merovingios, por ordenauças, edictos ou décrètes, em fini por prescripçôes renés, couliecidas entao por qualqner destes nomes : wœceplio. \prwceptum, deeretio, décretum, constitutio, ediciam. paclum, pactio, etc. 'Tacs denomiiuiçôes duraram até que Carlos Maguo. em 742, publicou nma ordenança, que foi chamada Capitulai: A partir dahi todas. as leis iinporiaes tourna ni o nome de Capitularen, I quer se destinasse m a interprétai' o complétai* o direito popular, / quer visassem junovacôes, quer consistissem apenas em instrne-, çoes dadas as antoridades adiuinistrativas e judiciarias. Conforme esses différentes eseopos nasecram as capitula legibus ad-

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dita, addenda, pro legc. tenenda, as capitula pet se scribewlu, c 5 capitula inisHorum.

Fallaremos mais largamente tlentro eni pouco dus Capitula- I ria. Digamos, porcin, desde. jsi que clins nâo constitue m si unira fonte do dircito vigorante na monarchia lYanca. Ao lado dclins appareccm mais tarde os chamados documcntox (la pratica, que I sendo nma espeuic de direito nâo ewipto, muitos snbsidios for- j necem ao csfcudo desta phase da historia juridiea.

A très grupos rednzein-sc os referidos documentes : o dus formula? ou inslrumenla, o das charta' on diplomata o o dos polg- \ ptycha.

As formulât ernm modelos de actes jnridicos orgauisados de antemao para servirent nos julgameutos e ein gérai nas cere-monias judieiarins, — alguiua cousa de scmelliaiite aos formu-larios dos nossos oscrivaes e tabcl liftes. Varias collecçôes délias ehegaram até nos, porém a mais conhecida e importante d'entre lodas 6 a do monge MarcnlfoJlMarculfi tnonachi formula?), pro-vavelmente redigida entre o setimo e o~"oTtïrvo socnlo.

A donominaçao de charlas, diplomate privilégiât, etc, ô dada a vclhos documentes ou escriptnras, cm que se encontranr reali-sados todos os actos juridicos de que se occupavam nu formula: Aquillo que as formulas l'a/.iain in génère as châtia* fasriam in xpecic. De tacs documentes ha publicada uma colleeçao que se intitula : Diplomata, charla- cpislola; aliaque documenta ad re» francican, spectanlia.

Os polyptyca (1) cram livres de tombo ou cadastras : — re-gistres de propriedades e de impostes, deserevondo a condiçao

(1) Segundo sua otyinologia a palavra polyptyca signifioa nma fôlha de papel dobrada varias vexes sobre si mestua, formando um livro on regis-j tro qnadvado.

«Ch ama v aui - se polyptycos, livros polyptycos, os registres mautidos nos mosteiroa e conventos e qne nelles serviam de livros territoriaes on de cadastres dos fendos e possessôes. Os polyptycos forneoem preoiosas infor-raaçôes nâo sô sobre a divisâo e administra çâo das immensas possessôes] monacbaes daqnella epocha, como tambem sobre o estado civil das pessoas le composiçâo da familial (Eschbacli).

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GKUAL DO DIREITO 163

das terras e de sens possuidores, coin si indicaçao dos serviços ou trilmtos a que erain obrigados os mesmos possuidores. Sâo muito conkoeidos na historia do Direito o Polijptyco do abbade Irmiuon, do convento do Saint (lermain-des-Prés, e o do abbade Edelin, do convento do Wissemburg, (l)

Apreeiando esses documentas du pratiee diz Es ni ci n : «Elles fassent conhecer o direito realmente applicado, n'ntna epocha oui que a lei escripta, posto que imperafciva, era mal observada ; sâo elles egual mente que nos fazem conhecer como, apezar da Personalidade das leis, o direito romano o os costumes germa-nicos fusionavam-se pouco a pouco.»

Existe uni Corpus Juris Germanici como ha uni Corpus Juris Romani T Jii pur varias vezes, em outros trabalhos nossos, res-pondcnios convictamente pela affirmativa. Convém entretanto fazer mua distiucçao.

I Si para a existeneia de uni Corpus Juris se quizer exigir, como no caso da codifiençâo justinianen, a condiçâo rigorosa de unia origem officiai e de uniii promnlgaçâo da inesma uatureza, nâo poderemos fallar em uni Corpus Juris Germanici. Mas si, menus exigeâtes e mais seusatos, abstrahirmos da condiçâo apontada para sô vermos em uni Corpus Juris a floraçâo legis-lativa de mua raça ou de uni povo n'uni deterininado periodo de sua evolnçâo, o Corpus Juris Germanici, entâo, existinl inne-gavel c necessariameutc. E isso ahida mesmo que se considère como presupposto de uni Corpo de Direito a idéa de col 1 cecio-nauiento on compilaçao de fontes legaes ; porquauto ahi estâo, além de muitos outros, os trabalhos de Georgisch (Corpus Juris ''Germanici antiqui, 1738) e de Wolter (Corpus Juris Germanici

(l) Sobre o polyptyco do Abbade Irmiuon lia, na obra de E. Littré, het barbare» et le moyen âge, wn enriosissimo esludo, rheio de erudiçâo e pliilosophia que devo ser lido por quem quizer aprofundar a materia.

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1<»4 OOMPKNDIO DE HlSTORIA

untiqni, 1824) para attesta rem que o velho direilo barbarico fui objecte de caidados de tal ordcm. (I)

Podemos, pois, seni ineorrer cm erro, fallut' de mit Corpus j Juris Germanici, couio aliâs se falla de um Corpui Juris Gftjiô-nici, vis-à-vis do Corpus Juris liomani.

Resta, poréni, sabei- quaes as fontes legaes que dcvein sèi1

eousideradas conio fazcudo parte desse corpo«dedireito. Alguus autores estendem-o'as até a epocha do direito fondai, o que nào achanios rasoavel pclos motivos que daremos depojs. Por outro lado é précise uâo eoufundir coni as germauicas as leis romaiw-barbants, que vigoraram por muito tempo ao lado dus lois barbants propriameute ditas, servi udo, em virtude do priucipio de pcrsoualidade das leis, ils necossidades juridieas das popu-laçôes romauas domiuadas pela raça iuvasora. (2)

Quanto a nos o cireulo do direito propriaioente gerinanieo -. nâo transpôe a fronteira historiea do seculo IX ; o sen diamctro parte deste pouto da circuntfereueia : o direito popklar primitivo le acaba mis Gajntularesj passando pelas li-sum. Dissemôs aiuda ha pouco que uâo concordavamos corn os colleccionacïores que juntam foutes da epocha feudal ao Corpus Juris Germanici- Do -. facto, as eollecçôcs que taes autores auncxam ao systema do direito germai»ico silo o S.tchsempiegél e o ffchwahempiegél, obras ou livres de direito porteuceutes ao seculo XIÏl e tendo por objecto a cxposiy&if dos principios de direito provincial e fcudal dos paizes de Saxe e ftuubiu. Or a, qiier pela data do s'en' apparecimcnto, quer pelo espirito das regras e doutriuas nelles exaradas, esses livros pouco te m de commuai com auutiga Icgis-liçâo germa no-barbara.

(1) Prefririvel aos trabalhos de Georgisi-h e Walter c a eolleci/iïo dos Monumenfa Germanise, dévida aos esforços de Stein, Pei-tz e Waita. Gosa tambem da grande reputaçiio. apezar de anliga, a collecçào de Canciani. i*-| itnlada Biirbororum legex autiq»m

(2) As principaos leis roronno-barbaras fora ni : o Edicto de Thcodo-\ rico (lei romana dos Osti'ogodos, promnlgada provavelmente no começo do| seculo VI.' o Liber responearum on reeponaum rapiani : (lei romana dos borguinhôes baseada nos endigos Gvegoriano, Hcraiogeniano. Theodosiitno, eto e o Breviario de A ai nui (loi romana dos Wisigodos) maïubido redigir por Alarioo II.

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GEKAL DO DIKEITO 165

O Sachsenspiegel (Espelho de Saxe) foi eseripto ein latim pelo magistrado Eike, de Bepgov, entre os an nos 1224 e 1235, e coinpôc-se de duas partes, que na traducç&o alleinS tem os nomes de Landrechtbueh e Lcharcehlbnch. Suas fontes prineipaes forain odireito costuiueiro feudal ein gérai, as lcis imporiacs e os julgamentos dos tribunaes tainbem imperiaes.

O Schwabeimpiegel (Eupelho de Saxe), de autor dcsconhccido, e da inesma natureza juridica do primeiro, parece ter tido por uni oxpor os principios de uni direito coinmiim, fora da inflnen-cia <los direitos loeaes. Do incsmo modo que o Espelho de Saxe, foi divididn om duas partes, trataudo do direito provincial e do direilo feudal, e teve coino fontes, aléui do Nachttempiegel, os direitos roinnno e canon ico, as leis imperiaes a té Rodolplio I, o direito municipal, a Biblia e os livros de prcgay&o.

Basta isso para que se nos de razâo nao contemplando esses dois coHluvielvoH (lieclitabucher) no quadro do direito germanico propriauieute dito. |

Isto posto, affirma m os convictos que o Corpus Jurin lier-tnanici, existente apezur da aiisencia de uma codineayao e pro— mulgucao officines, comprelicnde exclusivameute as Legen bar-\ barontm e o direito impérial da mouarcliia franca resumido uns | ('npiliihiri.il regain fraiworum. I Fasseinos agora a dar uma rapida notiuia sobre cada uni dos eleuiciitos componentes desse corpo do direito barbarico.

Ora os principios do direito impérial nao erain ne m podium ser os mesmos dus legen barbaroi'iim. A' forma democratica on republicana do tempo de Tacito tondo suceedido o regimen da realeza pela trnusformaçâ-o dos autigos duces ou chefes militares cm soberanos bereditarios, os direitos publico e privado da nova monarebia tiveram de soffrer largas e profil ndas modi-ficaçôes.

Vcjamos c coiistatcnios, em trayos largos, aigu mas dessas modiiicaçôcs.

H A assembléa dos homens livres, que era, entre os germanos, 110 direito popular primitivo, a autoridade soberana, foi na epoclia franca sabordinada, senâo iutei rameute substituidu, pelos moiiarclias, quer quanto as fuucyôes législatives que*

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160 OOMPENPIO DE HISTOBIA

quanto As jndiciarias. O ant-igo concilium nao apparece mais, de Clovis por deantc, scnao conio reuniôes ou rcvistas do cara-cter militai' ou como assembléas consultivas, couvocadas durante a primavern, para o fini do opinai- sobre a coordenaçao admi-j nistrativa do Estado. Estas ultimas chàmaram-se placita, e ool tempo de Cirlos Magno chcgaram aser couvocadas regiilarmento, duas vezes por au no ; sempre, porém, em caracter consultivo. | Tutîo o que t in h a natureza e forma de regra ou disposiçâo logis-lativa era acto individnal e oxclusivo do mouai-eha, que aie ni do imperinm militai' possuia o direito do bannit*, isto é, o diroi toi de expedir onleus permanentes c obrigatorias, sob a saiicçâ-oJ pénal de uma multa do GO solùlos.

Quanto a funcçôes judieiarias tambeiu o concilium viu-se muito cedo despojado délias. O rei ou imperador franco administra va por si ou por sens delcgados a jiutiça, tendo o seu tri -bunal in palatio ou em qualqner ponto onde so lichasse. B sua judicatura nâo era sô de nltima instaneia ou de appellaçâo ; sua competencia era illimitada o indeterminada, segundo seu pro-prio arbîtrio. Os delegados da justiça real urani os courtes-1 (comités), autoridades ao niosmo tempo administrât!vas e judieiarias, que governavam as'provincias ou payait. Directaniente ou por intormedio dos sens centenarios (magistrados inferiores encarregados do substituil-os) os coudes presidiara uni simulacre do velho malluni (que jA enfêto era composto de individuos denominados rachimbuvgii, honni hominea, etc.) e seuteuciavam de accordo com elles. Mais tarde, sob o gnverno do Carlos Magno, os rachimbtirgii) rep rese n tau tes dii-ectos do povo, forain substituidos pelos scabini, de nomeaçào do imperador, c os coudes mais directaniente infini ra m na decisâo das causas ou processus.

Para nao limitarmos ao que acabamos de di/,cr as modifi- caçôes de di reito pnblioo surgidas no periodo franco, diremos quaes as differenças capitaes entre o velho e o novo di reito cri minai. I

Vimos que no primitive direito costuineiro a vïngauça pri-\ ada e, como succedaueo, acomposicao pceiiuiaria, era o regi-men adoptado em materia pénal. Vimos tambem que cm vir-

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SERAI, DO DIRËÎTO 167

tude da solidariedade absoluta, activa c passiva, entre os mem-bi'08 de uma mes m a f.uuilia, esta pagava a composiçâo pelo criminoso ou percebia a indcmnisacâo em logar délie. Na legis-laçâ-o da moiiarchia l'ranea jâ nao é assi m : a lei o.briga a vieti-11 la do delicto e sens parentes a nbritvm mao do direito do vingança pessoal e adstringe-os a acceibaçâo da pena pocuniaria ou wergeld ; por outro lado limita o de ver juridico do paga-meuto da indcmnisacâo ou composiçâo ao proprio criminoso, abolindo a respousabilidade collectiva da familia. Além disso o novo direito differftitciou-se tanibsm do antigo no ponto de vista processual, tomando a intuiçâo romaua a pratica do procedi-mento judieial ex o/ficio, para certos c.isos em que as penas poenniarias cediam o passa as alïlictivas, Conscqueutemente a legislaçâo criminal niodifieou-se no fundo e na forma, e m boni cm solcmnidades seenndarias. conr> a theoria dus provas, snb-subsistissem as praticas an te ri ores dos eojuradores, das orda-lias, etc. (I)

Si depois disso, abstraitind o inesin > dos direitos pessoaes, que ' passaram por modi ftoagôes potico nota vois, oncaramos o

(\) Militas vezas, no correr clesta trabalho, temos f.illaclo em provas por juramento, em jvizos de Dent, em crdalias, eto—praticas processuaes que se encontram no aurorear da vida juridioa de qua« todos os povos indo-curopeus. Taes praticas vigoraram Iargamente ainda na Edade média e talvez seja nma emanaçSo délias o juramento d'nlma, do velho direito por-tuguez, passado para o nosso pvocesso civil. Aproveitamos agora n oppor-tunidade para dizer que o juramento purgalorio, seonndado pelo depoimen-to des cojwador-e era o meio de prova mais gérai na processualistica pri-mitivit. Esse juramento cabia alias ao réo e nSo ao autor. Como substitu-tives do juramento intervint;!m, no direito antigo, os juizos de Deus, que se dividiam em ordilias (de ordeal, urtheil—julgamento) e dutllos judicia-riof. As crdalias eram provas unilateraes, produzidas pelo réo, e podiam ser realisadas pelo ferro candente, pela agna fervente e pela agoa fria ; o dnello cra uma prova bilatéral (pug/ta duoruw.) em que tomavam parte autor 9 réo. Na primeira hypothèse a prova ou innocencia do réo estava em sa-int- incolume do supplicio ; na seganda a justiça que assistia ao autor ou ao réo era um resultado do combate. O vencedor era o innocente ; com elle estava o direito.

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168 OOlfPENDtO DE HI8TOKIA

direito privado da epoolia franca ; verificamos que o respe-ctivo régi mon de propriodade soôren uma alterayao fnndnraen-tal, que nâo pôde dcixar de ser assignalada.

O typo gci-nïanieo da propriedade territorial em principio era o do collectivisme, conio tivemos occasiîio de inostrar, N<> periodo franco, poréin, foi o typo contrario, o typo individualisa do direito roinauo, que prevaleccu, deixando de ser exec-pçào para tomar-se regra. Apezar das reminiscencias on revi-vescencias do primitivo regiraen, de que se encontram amostras | em algnmas das leis vigontes sob a monarchia franca, a propriedade iininovcl individaal predominou por toda a partecomo I um direito privative e absoluto, acompanhado dos sens corol-larios natoraes.

Lex salica. — Esta Ici é considerada o mais antigo e uni dos mais pnros mouamontos do direito germanico popnlar. 80-gnndo os proprios dizeres dos sens primitives prologos ella foi feitaper très mallos (em très reuniôes da Asscnibléa popular) por qnatro pessôas para isso escolhidas, provavelmente sob o rcina-do de Clodion. Era a lei gérai dos francos c especialinente dos francos salios. Sua prime ira redaeçao recebcu o titulo de Fœtus legis salue, tendo sob o rein ado de Clovis, soffrido uma revisâo, dépois da qnal to'mon o nome de Capitula pacto legis salica, ad-âita, extravagantUi. Sob a dynastia carlovingia, reinando Carlos Magno, foi a lex salica novamente revista, surgindo entâo como Lex salica emendata ou à Carlos Magno emendata, e contendo G5 titulos.

A lei salica é quasi cxclnsivamente conhecida hoje pela in-torpretaçâo a qne deu logar uo seculo XIV, qnando se qniz em Franca exclnir as mulheres da successâo ao throuo. Os-jnristas e exegétas recorreram entâo ao seu tit. LIX, refereutc as suc-cessôes {de alodis), no quai esta inscripta a célèbre regra qne exclue as mulheres da herança territorial, dada a existencia de , herdeiros varôcs. Essa circumstancia, porém, 6 de mero valor historico. O méreeimento e a importancia da lex salica estâo em que ella é, como jâ observâmos, profundamente germanica, tendo ficado estranha a qualqner influencia do direito romano. O objecte principal délia foi estabelecer a tarifa das compo-

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siçôes pecuniarias pelas offensas feifcas, seguudo o costume primitive ;—tanto assim qne dos seus 65 tifculos somente 6 on 7 se réfère m ao direito privado, As relaçfies de failli lia, de proprie- dado, etc. (l) I

Lex Hpuaria seu Ripuariorum. — Foi a lei pnrticnl.ir on an tes, o dire i to nacional, dos francos ripnarios. Di'z um anfcor que ella é a irma mais moça da Ici salica. Eealmente snâs rela- çôes e sciiielhançns coin aquclla sao extraordinarias ; ha somente a notar, como pontos de differenciaçao, qne ella foi innito mais influenciaila d<> que a primeira pelo Direito romano, qne suas disposiçôes accusant o desenvolviincnto do poder real, qne seu eslylo (>, cm gérai, mais puro, c que ha nella mnito nienos sym- bolismo. I

A lei ripiiiiria compôe-sc de S9 titnlos, segnndo algumns odieôcs, c de 91, segnndo outras. Ha todas as probabilidades de que fosse redigida o promulgada, em seu conjnncto, pela antoridade de mu rci franco, que, a acreditar-se no seu prologo, nada authentico, séria Theodorico I. Carlos Maguo fez a

(1) Ha, intercaladas no ter tu da lei salica, palavras nâo latinas prece-didas do vocabulo mal ou milb. A essas ititercalaçôes e notaçôes dâo os escri-ptores o nome de glosas malbergica». Uni professor tedesco sustentou que feies palavras tèm origem celtica ; depois de Jacob Grimai, porem, licou veri-ficado que as referidas palavras sâo termes germanicos e propriameute francos, que remontant talvez ao seeulo Y. G-inoulliiac explioa deste modo, e perfeitamente pareca-nos. o origem e a naturoza das glosas malbergieas :

<&Si se admit te nma redacçâo oral primitiva da lei salica, a unica pos-sivel em lingua franca na epocha îndicada pelos prologos, tudo explioa-se e ooDcill'a-se nas indicaçoas que possuimos relativamente â redacçâo da lei. A esta redacçâo primitiva pertenceriam como restos as glosas malbergieas, que por occasiâo da redacçâo latina deveram ser oonservadas como termos sacramentaes intraduziveis, e o qne o prova é que essas glosas, as palavras que us comprehendem, revelam um estado de cousas anterior ao que é indi-cado pelo texto latino ; o termo Malb que as précède explica-se perfeitamente porque ellas pertencem â autiga redacçâo feita per très mallos, como dizem os prologos, on in mallobergis ; emfira assim se explicam as palavras hoc est, indicadoras de que a disposiçâo latina é a tradnocâo da disposiçâo franca.^

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1T0 ______ COMPEtfDIO DE filSÏORIA

essa Ici addieçoes que tomaram o nome de Capitula quœ in lege ripuamorum miltenda sunt.

Lexfraaeorum chamaoonim. — A. tribu franca que habitnva 0 districto dos ehamàvos, a leste do Rheuo, teve a sua lei escri- | pta na compilaçâo assim iutitnlada, a quai remonta aos começos do seculo IX Apezar de ter a sua base ua lei salica, a lexfran- cornm chanta vortun separa-sc dclla cm muitos poutos, consi- guando os usos ospeciaes, ja modificados, da populaçâo gorma- nica do districto dos ehamàvos. Eutretanto nada de snperior ou notavel offerece essa compilaçâo. 1 Li'X alamannorum tint sueooruui ; lex alamaiiniea.—. redacçâo da lex alamnnnica parcce ter tido logar no seculo VI sob o nome de Paetus Atamaniwnini, seguindo-selhe diversas redacçôes e revisôcs nos seculos VII e VIII, sob Olothario II, Dagoberto I e Carlos Magno. Seguudo uni preambulo da Ici salica teria sido o rei Theodorico quem ordenou a fixaçâo pela escri pta dos costumes alamannos ; mas o proprio prologo da lex alamannorum da a entonder que foi Olothario II quem mandou effectuai1 a sua redacçâo. A pnrticularidade des! a lei consiste cm ura pronunciado caracter religioso, senau theocratioo, e n'uma tarifa de composiçôes poi offensas physieas, que se torua notavel pelas minndencias anatoinicas cm que se baseia.

Lex burgundionum. — A lei germanica dos burguinhôes 6 attribuida ao rei Gondcbaldo (474—516) da quai tirou o nome de lex Oundobada e mais tarde l1r> *fif ^,tin,"lf,f^j''ln quai é mais conhecida. E aqui recordamos que é preciso nâo confuudil-a coin a lei romana dos burguinhôes (Iiesponsa Papiani) que tam-bera foi redigida no tempo de Gondebaldo para servir aos ro-manos que viviam na Burgonha. A lex burgundionum é uma compilaçâo de constituiçôes ou edictos rcacs c nâo uma redacçâo de costumes. Ella ressente-sc de uma forte inflnencia do direito romauo, sem deixar de ter uma physionomia vlsivel mente germanica. Scu escopo snperior foi a fixaçâo das lesCes de direito privado, passiveis de penas. Os direitos de familia, de pro-priedade e os successorios, forain tambem objecto de uumerosas e importantes regras suas.

Lex Wisiffothorum. — Esta lei, sobre cuju data nâo estâo de

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GERAI", DO DIREITO 171

aeoordo os eseriptores. é posai vel que tenlia si do mandada re-digir pelo rci Enrico e revista polo roi Leovigildo. Eut retanto a opiniâo niais corrente.è que foi Recarred, o primeiro roi ea-tliolico dos wisigodos, quem a ma»don esorever o quein a pro-îmilgou. Do mesmo modo que a Lex burguiidionum ella é umaj

- collecçao de constitiiiçôes reaes e diffère da lei romann dos wisi-godos (Breviarium Alariei ou Aniani) eomo a loi gombetta da RcHpowmm Pupiani. A redaeçao de Reearred nao ficon defini-tiv«i, de modo que o texto que lioje pos.su ii nos da lei dos wisi-go dos é uni resultado dus revisôes e modificaçôes que ella soffreu sob os reinados du Cliindaswind o RcccsAvind, sendo mesino pro-vavel que os successores deste ultimo inonarcha tivessem-n'a retocado. ïal quai a te ni os lioje, a lex wixigolhorum é um codigo de typo egual ao dos roui a nos. dividido em 12 livres, subdivi-didos em titulos e ca pi (ni os. Esta circumstaiicia prova que ella foi mais iuflueneiada pelo espirito c direito ronianos do que qualquer das outras lois hachuras; entretanto um autor modem o ehamou iiltimamonte a altenyao dos erudifcos sobre a semelhanea existente entre certas passagens délia e outras das leges salioa c burgnudionum, attrihuiudo tal semelhança a mua filiacao das du as (dos burgundios e wisi go dos) a dos francos salios.

Lex bajuvarioritin. — Os costumes dos bavaros foraui, se-gundo todas as probabilidades, maudados redigir por Theodo-rico, no'mesmo tempo que foi ordenada a ïixaçâo da lex alu-manniea. Sô mais tarde, porém, exactanic-nte como se deu com esta lei, love logar a compilnçao do que agora nos occnpamos, por iutermedio de mua commissao nomeada pelo rei Dagoberto. Tbeodorico II, Tassilon II e Carlos Magno fizeram successiva-mente alterayôes nessa lei, que é um mixto de direito gernia-nico, romano c canonico.

Lex longobardorum. —Foi em meiados do seculo VII que *""». rei Itotbaris fez esorever o direito oostumeiro dos lombardes, soh o

t i tu lo de L'dictum Rolharit.' A este primeiro trabalbo vieram juntar-se depois as Capitula in brève Slalula dos reis poste i-iores como Grimoaid, Luitprand, Ratchis e outros, e por fini os Décréta Spuria de Didier. O Edicto dos lombardos, acceu-

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172 COMPEKDIO DE H1KTOKU

tuadaniente germauico, révéla uni certo parcnteseo coin os dirai tos saxâo e thuringio, uao deixando transparecer senao uns j fracos laivoa de roujauismo. Isto serve para disl-ingnil-o da chnmatla lex lomhanla, compilaçâo systematica feita para a Loin-bardia no sec.ulo XII pot* uni juristu descouhecidn, a quai tem uni earacter eiiiiucnteineute romane.

Lm /Wfc*o»ttJH. — Odiruito da Frisa paroeo ter sido eom- | pilado durante o aeculo VIII, aob os reinados de Carlos Martel ou de seu filho Pepino e de Carlos Magno, c contfiu 22 titulns divididos cm capitules. Ao Lexto foi depois uunnxada a Addiclio «apieutinm, colleeyâo tle regras dadas aos juiies frisoes e provavelmeute votada pelo reiachsttig do Aix-la-Chapelle, eu» I 802. Xa primcii-a parte da loi, que se réfère a Frisa média, a face sali en te é o turifamenlo das composiyoes, on o «onjuncto do rcgnis para estipulae&o do teergetd ; na sua seguiida parte a j Itx friitonum contem principaliucuto disposiyoes rclativas ao 6a H uns real.

Lex MixoHHui. —» £ mua lei franeaiuente germanion, feita segundo os costumes de Saxe o 0 direito do Imperio. Foi pro-veluiente publicada, aob Carlos Magno, em 802 e conté m 19 ti-tulos nos quaes sa c.statue sobre dii-eito crimiual, sobre snecessâo e sobre o régi mon de beus no ensamento. (1)

Lex (tiii/lioinm et werinoruiii) hoc eut Thurinffonim.— Esta lei, que todos os antores déclarant obsenra o diflteil, formou se de elemeutos diverses durante os scculos V e VII e esteve cm vigor no Holstein, na Dinnmarca e na Inglaterra. Coinpoe—se da 17 pequeuos titulos, que provavcliuentc sô forain coordena-uados oui 1812.

' Gapilularia. — As capitulâtes (legnm appendices et suppedi-

(I) Nâo se dove ooufundir a /<x «axonum eom as lei* do» aiitjlo-sa#tïes. \ Esta legisla<;âo insular ô uniii oollucylo chronologie», das lois de 13 reis iuglezes. a partir de 561 e a terminai- em 1087. Suas disposiyoes siofnn-dauiofitulmente germanicas e o respeclàvo texto foi escripto em lingua do paix e nSo em latim comou outras lege» barbarorum. Por este niotivo tal-vez os autoves em géra! nfio as iuoluem na enumeniçâo dus fontes do Corpus Juris Gcrnutnici.

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lamenta, caque in Sjnodis saitcita, no dizor do Dncange) cram, como jâ dissemos, ordcnanoas, edictos ou décrètes, expedidos polos monarclins francos para servir as necessidades da justiea real, serviudo fcainbem as conveiiieiiotas da uni fi cacao do ïmpe-rio. Dahi o e iraoteristieo que as différencia fuudainente das leacs : ao passo que estas cram particu lares ou locaes, nquellns éc.i'in lois geraos, applicaveis a tôdos os subditos da monarchia. Eiitretauto como portnneia ao arbitrio dos nronarchas logislar qiier para o piiz inteiru qncr para mua localidade cm espocial, !jA confirumndo, ,ja inodiucando o respective direito costumeiro, dcii-sii militas vczes o facto do serein expedidas capitulares espe-ciaes, applicaveis a uni detorniiiiado povo ou a uma regiâo dada. Por este mot ivo aigu us escriptores dividem as capitulares eiu a pur rut ta o spécial'in.

Deixâinos IV il a, ainda ha pouci), a dislïuerîio entre capitu-Uiria ter/ibus addenda, capitulai'in per se scribenda a capitula mis-soi uni. Digamos agora que n'uni ontro ponto de vista podem as capitulares ser dix ididas cm ecclesiasticas e seculares. As capitulai ia ecclesiustica cram as que os nionarelias francos, om sua qunlidade de eh e l'es da Egreja das f «al lias, expediam sobre disciplina ecelesiasttiea. quasi sempre repelindo as decisôes dos coiicilios.

Einbora proviesseui e dependessem ollas exclusivamentc do monarelia, custiimavam os autores das capitulares publical-as e promulgal-as peraute as placita,— assemblons geraes do povo franco, que se rcuniain diras vczes i>or an no, pela priniavera e pelo outomuo. Isso depois de serein cl las redigidas pela chan-cellaria rc-al ou impérial cm varios exemplairs, uni dos quaes era guardado nos arehivos roaes o os outros enviados aos prin-( cipaes fuiicciouarios.

As capitularia imiica foram officiai mente colleccionadas.| Mas como isso acarretava diffieuldades grandes para o fuuccio-nal isino c vexâmes para os governados, as proprias necessidades da situacâo determinnram o appnrecimento de eonipilaçôos ou codiiicaçôes de origem partiedar, as quaes tiverara a maior voga c transmittiram a té nos, quasi intcgralmente. o conjunebo da legislaçâo impérial. A. priineira de taes colleceôes foi orga-

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nisada cm 827 por Attsegise, abbado do Foutenello. que a divi- | din em quatro livros contendo : capUnlaria ad ordiiem pertinen- | tia ecclesiasticum, eupitularia eoclesiustica, aapttuUrria ad manda- \ nain peHinenlia legem e capitxdaria ad au-gmentum mundanœ legi».

Em meiados do seculo IX appareçoit nova collecçao accre- \ scentando très livros aos do Attsegise o tendo cotno autor Beuc- \ \dlclus Levita, pcrtencpnte il Egreja do Mayença. Este t raballm | 6 tido cotno suspoibo aos olhos dos juristas-historiograpltos. A-respeito dello dix A. Esmein : « Elle content ponças poças&in-ceras, poueas capitnlares roaes e autltcnticas ; a môr parte 6 de peças forjadas, conhccidas por faim» cupitularcs ; a critica clie-gou a ntosfcrar em detalbe os elemeutos constitutives dessus peças o o sen processo de composiçslo.» E assim parece, rcal mente, po-dendose dizcr que do mesmo modo que hotivc uni Ixidorus Mercalor para a contposiçao dits faim» Vecrelaex, liouve uni lie-nedictus Levita para a coufecçao das _/a/«a* capitulai'?».

Pica, pois, reduzido si collecçao nnica do abbado de Fon-tcuelle o subsidio que tcmos para conheoer em globo, atû-uma certa epocha, a legislaçao do Iutperio franco. De 827 por deante as capitnlares ehcgiun-nos mua a uiiia, peça por pcça. Feliz-inente as necessidades impostas pelos estudos histurieos e juri-dicos dorant logar nos tempos muderuos, an vestabelecimonto do tcxto original e da orilent chronologica dus capitulares, para o que foi preeiso colligil-as e publical-as rennidas. Foi assim que em 1623 o padre Sirmond fez conhecidas as de Carlos o Calvo, que cm 1677 Bal use pttblicou a sua collecçâo intitulada Capitxdaria, regum. francoriim o que ainda eut nosso seculo os an-tores da Monument a Gcrmania; deram uuta ediçâo compléta das célèbres ordenanças.

Somos cltcgados no fini da onunievaçao, que nos propttzemos fazer, das fontes do Corpus Juris Qcrmanici. Eilo alti, agora, na sua inipcrfeiçâo itnponente de produeto nattnnl a que o buril le o einzel da artc nao qitebramm as attestas item modelarani os contornos ; eil-o na sua vigorosa magestado de erenç&o expon-tanea e secular, engendrada u'niu berço de costumes niillena-rios, transiuittidos de geraçao etu geraçao atraves do tempo e

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GERAT. DO DÎKElXO 175

do espaço, e abrolhados vigorosa e vicfcoriosamenfce n'a ma civi-li.s.iyâo nova,— rival da glorississimi e formidavel civilisacao roinana.

§

I Fizeinos notai" oui mna passagem do nosso capitulo ante-rior que a idiosyucrasia moral dos gerinanos tinha uni panel ton mllem, uma caracteristica dominante, que exerceu a mais deci-dida infiuencia na creaçâo dos sens institntoH polilicos o juri-| dicos. Essa caracteristica era o sentimento de antononia e de indcpendencia pessoal ou do val or do iudividio, unido ao cultoj da coragem e da força.

Dessc facto, que é attestudo pela gêneraiidade dos escri-ptores, e da aeçâo on effeito que elle produziu na vida juridioa dos gerinanos, tcmos tido occasiâo de oecupar-nos em trabalhos nossos, como os Fragmentes jnridivo-philosophicoH e a Historia do Direlto National, especialmcnte no primeiro. I Os actos de uni individuo sâo a traducçâo pratica de suas idéas, e estas sâo, incoutroversamente, nma cmanaçào de sua organisaçâo pliysio-psyeliologica, posta cm contacto coin o meio ambiente. Esta proposiçâo, que se pôde considérai' axiomatica, basta para provar que os gerinanos, de tim teinpcramento différente do dos romanos, nâo podiam ter a mesma intuiç&o e coinpreliensâo do Direito, que foi apauagio destes nltimos.

«O helono herdou dastirpe arya primitiva uma parte inaior no poder da intélligencia ; o romano apparece dispoudo sobre-tudo de uma vontade pertinaz e constante ; o germano, por fini, ao comparecer na historia, distingue-se tuais pela /orra e vigor physico do que pela aptidâo para o racioeinio. O primeiro é de prefereneia uma mente que aspira cm todas as cousus o idéal ; o segundo é sobretudo uma vontade que depois de se baver dis-cipliuado procura con qui star o niundo c submettel-o as suas leis ; emquanto que o germano personnifica o homem primitive, e é uma força ou aetividade aiuda inintegra e irrequicta no pro-prio surto, porquo nâo tem conscieucia do lira a que se deve propor.» Sâo palavras do eminente antor da Vita del Diritto,

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que desenham nitidamente as différentes physionomias dos très grandes grupos iudo-enropeus, porfcadoves das mais eminentes qualidades da especie hninana. E a concl.tsâo a tirai* délias, evidentemeute, é a de que a civilisaçâo germanica inicial dévia ser em todos os seus departamentos dissemclUante cm alto grao da civilisaçâo greco-rcmana. Nâo se trata aqni de saber —por-que é outra a uossa tarefa—si a iuvas&o germanica vcio ro-jn-veneseer a raça latiuae foi uni beneficio ou uni désastre para a cnltura roinana c para a cvolnçâo gérai. Quacsquer que sejam as opiniôes de Guerard e do illustre Littré sobre esse ponto, a Ivordade 6 que as duas popnlaçôes rivaes encoutrarain-se, uiua em frente da outra, armadas de aptidôes c de teudencias di-versas. E que tacs aptidôes e tendeneias reilectiramso 110 seu direito é ao mesmo tempo uma questâo do logica e uni facto comprovado.

Perlustraudo este assumpto, o profundo Carie mostron que] entre os romanos predominou o conceito juridico da familia e do respectivo patrimonio, de modo qne a rea publiai veio a ser uma derivacao das res privata dos patres,— de onde'a idéa do patria como uni desdobramento da idéa de familia ; ao passo que, entre os germanos, si bem que profundamente radieada a institniçao da familia, o direito foi concebido como KHI poiler inhérente â personnalidade individual, fundado ha força e liber-dade pcssoaes.

E coin efteito : o Direito em Homa foi uma consagraçao da força e do poder do Estado,— uma institniçâo eminentemente social onde a consideraçao da re» publiait subrepujava todas as outras ; entre os povos germanos elle foi uma emanaçao da sel-hsthulphe, uni simples reconliecimento légal das prerogativas do individuo.

Isto qncr dizer que o direito roinano foi estatnnomico ou socîonomico, emqnanto o direito germanico fui autonomico ou demonomico. Bethmanu Holweg confirma tal modo de ver quan-do diz que «a intniçao juridica romana accentua preponderan-temente o direito, e a germanica accentua a offensa.»

Onde essa dualidade de intuiçôes juridicas apparece patente e irrecusavel é no processo germanico, quando comparado

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GERA t. t)û DÎREÎTO .\ J 177

coin o romano. E sabido que, assi m cotno as formas servent para assignalar a idéa, o direito adjectivo on processual, serve para pôr cm acçâo o dircito substantîvo primario ou generico-Alias esta lin je reeonhecido que este direito, em vea de ser an* terior, é posterior a nquelle. Histnricamcntc a nctio precedeu an jus, como n prnvou cxnberantcmcnte Pietro Cogliolo em sua notavel thèse : l'origine del dirilfo slâ nella procedura.

Assi m. uas uormtis prneessuacs do vellio direito germanico nés vaiuos achar a deinonstraçâo pratica de que ns barbaros tiveram do Direitn uma cnmprchcnsan cspecial, fil ha do sou tempernmeutn ethnicu c dus côndiçôes mesologieas em que snj ncharam desde que tiveram de se paraisse dos sens collateracs] grogos o roinanos.

Eis os principaes caractcristicos differeneiues entre os pro-cesses romano c germanico :

1." O processo germauico apresenta uma modalidade extra-judicial ; o romano nâo conhece tal modalidade ;

2." No processo romano a prova compete ao autor, como omis; no germanico ella ]>erteuco ao réo como direito ;

3." O processo germanico 6 syiiehrctieo, isto é, permitte a aocnmnlaeâo de acçôes ; o romano c profundameute analytiro, e nâo concebe tal aceninnlaçâo ;

4.° No processo barbarico effectundo perante os landgeiiahle e stadtgerichte a causa avança va c marchava por julgamentos successives ; nâo assi m no direito romano, enjas cesnras processuaes nâo eorrespondem a taes julgamentos ;

5.» O processo civil romano baseia-se sobre a separacao das| funcçôes judiciarias nas ordens do jus e do judicinm : o processo germanico nada tem de somelhante ;

6." No processo germanico havia casos em que o processo da prova tinha logar dépôts do julgamento ; no processo romano nâo ha exempta disso ;

7." Entre os primitivos germanos, e mesino na epocha francn, o prneesso se dcsenrnlava perante uma assemblca popu- lar que votava sobre o litigio ; tal pratica democratica nunea foi conhecida nas causas civeis dos romanos.

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178______________ OOMPÉNDJO Î)Ë riiSTOBiA.

Todas essas asserçôes forain largamente exptanadàs e docu-meutarias cm nosso cstudo sobre as infcniçôes romana e germa-nica do processo, inserto nos Fragmentm juridico-philoxophico». Para este trabalho remettemos aqnelles que qniwrem por si esmerilhar o assnmpto e extrahir délie as fecundas illaçOes de qnc é snsceptivel.

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Correntes juridicas medievaes : 0 Feudalismc ; 0 Direito Feudal. «~ A Egreja ; o Direito Canonico, O «Corpus Juris Canonici». (*)

«A Ëdadc Media e ;i successora do impcrio barbaro, conio este o fora do impcrio romaiio, conio o impcrio romano o fora ■tla era republicana na Itaiia e na Grecia. Desdc que no occi-dente, 'coin a vinda dos barbaros, ronipeu-se o laço que ligava Bonia as provincias, estas parodias do grande todo procura ram organisai' se e viver, vindo a complétai' sua orgauisacâo ao tempo da queda dos carlovingios, pela constibnieâo do reginien cnthnlico-fcudal.»

Assiin se expressou Emile Littré, o grande erudito e con-sciencioso philosoplio, que tanto mais cresec uo couceito dos

(*) FOMTKS : — E. Littré.- Les barbares et le moyen âge ; G. Carie : La trila del diritlo ; Saverio de Cillis : II Dir. rom. à trav. la eiviltâ européa ; Giooulhiae : Hist. gêner, du Dr it /m». ; A. Esraeiii : Hist. du Droit français : Esclibncli : Iatrod. gt ner. a l'étude du Droit ; Alirens : Encyclopédie juridinuo ; Guiwit : Hùtoin de lu civilisation en JSun-pe ; Michelvt : Origine» du Droit français ; Giovauni Liuviu : Diseguo d'una storia del Diritlo in ltaliu.

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posteras quanto maior é a distancia que se vac fa/.eudo entre uôs e o termo de sua vida objectiva.

Siguilicnm as citadas pal a viras do philosophe que, ao atra-vessiirinos as frontciras historieas da monarchia frnuca, pono-ti-aiitos em plena situayào leudul, uo sitio mesiuo da evolnç&o liumuua em que o ngitado cbraçaû da odadc<iuedia bâte as systoles o dyastoles do seu amplo desenvol vimento funccioual.

Houve mu tempo eut que era veso eoimuuni condemnar ou mulsinar a edade-media, aponlando-a çonio uni poriodo sombrio île i"etrogradne&o, do supurstiyao, de aniquilamento psychieo e de iiTciuu.liavel decadencia màterial —mu pareuthesis de tire va] aberto na lauda luininosa da civilisayao occidental. (traças a Augusto ( 'ointe e a sens discipulos esse tempo passou. A, des-uobertn da Ici fundnmeutil da historia, e, coiuo corollario, o con-eoito de uma evolnç&o gérai das sociedudes ; o recmtheciuieuto do inetliodo de liliayâo como o grande instrument" das pesqui-zas sociologiuas, trouxerain a todos os bons espiritos a eonvieçâo de que a edade-media foi o que tinba de sec, o que nao podia deixar de ser, por bem mcsnio da eivilisayâo huuiaua. Uni estudo mais demorado e imparcial dos antécédentes e das con-diyôes historiens da epocha mostrou que o periodo médiéval, lierdoiro dos destroyos do imperiu roman o, foi o operario que reuniu e um.ilgamou esses destroyos para coin elles coustrnir as ultras île li-ansiyùo necessarias â edilicayâo do fatum. É isto mesmo o que dix Littré nas sciguiutes Huilas : «Cmtiniïo a sustenlar a opiniao de que si edade-media compete uni logur liouroso no cursn do desenvolvimento hiimano. e que, tomando as cotisas no pouto em que as deixou Ruina, incnpaz de réalisai' pur mais tempo a tarefa social, ella nao deixou perceur iiem rétrogradai' os acoutecimontos que o mnudo antigo lhe dera em heranya uns mais graves e criticas circuinstaucias que possam ser imnginadas».

l'ara nos, jâ uma vez o dissemos, a Edade-Media é como quo uni cadiuho immense» omle se apura m e dépurant as grandes barras de métal preeioso cm «pie se veio a lundir a civilisa y ao liodieriia.

A priucipal obra provisoria, de trausiyao. que a Edade—

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GEKAL DO DIBEITO 181

Media rcalisou, foi o esbabclecimeuto do regimen feudal on, mais propriamente catholico-feudal, instituido gradati va mente do seculo X até o XI c sobcrananiente dominante dahi até o seculo XIV.

«No começo do seculo X (diz Ouizot) nâo se tratava mais do imperio de Carlos Magno nem dos gloriosos coneilios de Tolcdo ; nias a barbaria nao tocava meiios a seu termo.» Foi, coin effeito, por essa epocha que cessou o movimeiito das inva-sôcs ao uorte e snl da Europa e que a sociedado nnscente se ponde fixai" e desenvol ver. Eis como o citado Guizot expôo a situaçao ine se accentuon nesse tempo e que era nada nicnos que o coujuncto das mauifestaçôes prodromicas do feudalismo :

oVêseentao, no iutcriordo territnrio cui-opcu, cessai* a vida errante ; as populaçôes estabcleccin-se, as propriedades fixain-8e, as relaçôes dos homciis nâo variam mais dia a dia ao ca-priclio da força e do accaso. O proprio estado moral do Iiouiem começa a mudar ; suas idéas, seus sentimentos adquirem algunia fixidez, como sua vida; elle apéga-se aos logares que habita, as relaçôes que contralto, a esses domiuios que elle começa a pensai* em transmit!ir a sous fillios, a essa babitaçâo que elle diamant mu dia seu castcllo, a esse miseravel agrupamento de col on os e de osera vos que tornar-se-ha um dia uma povnaçao. Por toda parte foiinain se pequenas sociedades, pequenos Esta-dos talhados, por assim dizer, pela medida das idéas e da sabe-doria dos homens. Entre taes sociedades, pouco a pouco, iiitroduz-se o laço de que os costumes barbaros conté ni o prin-cipio—o laço de uma eonfederaçao que nao destrée a indepen-dencia iudividual. De um lado, cada homem notavel estabc-lecc-se em seus doniinios, se com sua familia e seus servos ; do ouiro, firma-se niiîa certa liierarchia de serviços e de dircitos entre todos esses proprietarios guerreiros esparsos sobre o territorio.»

O quadro é profundaineute suggestivo ; estao nulle traça-das linias as grandes liuhas do systeuia feudal, coin o seu cara-| cter aristocratico, com a sua preoecupaçao da propriedade im-immovel, com o seu fédéralisme particularista, com a sua bie-

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1S2 COMPBNDIO DE HI8T0BIA

rai'chia de suxzeranos e vassallos, coiu suas senliorius, sens vil] I3ea, sens sa-vos da,glebu, etc.

Os brotos iiiiciaes do feudaliBino vinhani du longe. A>|t epoeha bai'baricii kaviasido u ma phase cahotioa de dosaggroga-yâo c de negativismo politico a que sô o genio de Carlos Maguo podera pôr nui certo tVeio de eobesào social e de direccilo go-| veniamental, ainda assim corecado Rompre polo principio da personualidado das lois. Mas a propria mouarehia francn, quer sob os nieroviiigios quer sob os oarlovingios, t-iuliu deixado quel surgissent c floreseessem inslituiçôes que haviam de solapar lbel 0 edilicio. Qiiamlo su dou o dosnienibraineuto do imporio de Carlos Maguo as seiitinellas avançadas da fend alidade eslavam seuhoras da praça : o seniorato, a vassal idade, a apropriaeib» dus funcçôos pu'biicas, a transformaçiio da propriedade territo rial, as cartas de iuuiuiuidndos o a foriutiy&o das jurisdicyôes privadas eraivi instituiyôes reeonlieeidas o prahicadas ; os ««- truslioncs o convives régi* do période» incrov.iugio baviaui desap- parucido, mas tiuham si do substituidos peleis rusai ou PUHHUIH do rei, «pic represeutavam uni papel somelhante ao dos liomcns Ugion, ligados ao ninuarclia pot* uni jurauioiito ospecial de fido- 1 idade. (1)

Aei'iTsceii que os sureessores do grande inonarcha earlo-vingio nâo t iver .im pnlso b.istaute forte para nianter na niesuia posiyâo as redeas da goveriiamciitay&o do iniperio. Longe du chaniarein ao podur do listado as propriedades du que se lia* viani iuduvidameiite apossndo os nobres, deixaram que estes fossein pouco a poneo usurpaudo as do domiuio impérial, e ao passo que "isso fa/àam abaudonavam o scu direito, autes de ver, de pvoteceâo a os frac-os c afronxavaiu os laços de central isayâ-o administrât! va, consentiiulo que. fosse dcsrospeitada gérai u uontinuaniente a autoridade dos mixsi.

(1) 0 antruaiionuto parère ter sido nmu roiuinisconcia il» ouiHotu* pei nianioo, O untvustiâo (a palavra vem (lu trustis on trost, IMH> signifie»] fi,tlcl'dade) prastava juruini-nlu desarmadu e onllorando sua înâo onli-o MH 4U| rtii tal quai oomo uo inraïueuto feinlal d<'S Louions liyio».

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GERAL DO DIREITO 183

As conscqueneins dessa fraqneza sâo assim dcscviptas pelo illustre professor «la Faenldade de Direito de Toulouse, o pre— claro autor do Couru Elémentaire tVhistnrc générale, du Droit français :

«Entâo viu-sc cada uni, nâo eontando mais senao comsigo, organisai* meios de defoza : elevaram-se de todos os lad os os castellos, os muros, as fortalezas, para protéger os grandes, as cidades, as abbadias on mosteiros. Mas precisamente porque cada u m flcou, para se defunder, entregue as proprias forças, dense o isolamento, a independencia para coin o poder central, o quai nâo existât mais senâo nominal mente. A França, divi-dida nâo mais em reinos mas cm tantos territorios quantos eram os grandes vassalos e proprietarios, separon-se em uni a multi-dâo de pequenas sociedades que se J'ormarain da grande soeie-dade naeional. Quanto â realeza fi cou iuteiramente â mercC* dos grandes, que davain ou tiravam aos rcis as corôas. O unico laço que ficon ligando o soberano aos sens subditos foi o jnramento ou prestaçâo de homenagem dos grandes vassalos.

A partir dahi é o sysfcema feudal, triumphante, organisado c omnipotente, o dominador da Europa. E é atravez délie, desde sua phase do apogeu at« a de declinio, que nos vaincs ver serpearem, opulenfcas e marulhosas, as varias correnfces jnridi-eas que sulcaram o occano da vida médiéval, ora correndo cm leitos différentes, ora confluindo em um so alveo gigantesco.

0 Feuilalismo : Direito feudal.— Tendo de encarar o fenda-lismo apeuas no sou aspecto juridico, nâo nos é necessario nein util penetrar larga e profundameute no exame da trama i n t i m a desse complexo phenomeno social, que de modo tâo notavel alteron as condiçSes politicas e cconomicas da Europa medie-vica. (1) Em todo caso daremos perfnnetoriamente uma pequena

(1 ) Acerca da origem dos fendos tem havido grande divergencin entre jnvistas e philosophos. A escola historica e a pfailosophioa divergem no

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184 COMPEXDIO DE IIISTOltïA

noticia dos principios cardeaes do System», a fin» de que possam sor niclhor comprohendidas as respect»vas instituiçoes coneer- nentes s'i condiçao du» pcssôus » das terras e & adtninistrae&o da jnstiçn. Para isso pediromos a Esmeiii, o cmcrito professor da Faculdadc de Dircito de l'a ris, os principaes subsidius. H

O systema fondai assentava cm dois elemcntos basions : o agrnpamento feudal e o tenhoriato ou tenhoria, os quaes titiliam conio ponto de partida o/rudo. Este en» nma terra ou um dirait» iiuinovol coiHH'dido por algueiu que t inba o nome do senhorl do fend» a uni honicm que tomava o nome de rastallo o que se obrigava para coin o senbor a lima eertn pregtaçao de servi-ços. (I) Tal contracte, de nina natnreza toda especial, célébra-va-se por meio île nimi snlemnidade rbamada homenagem, na quai o vassalo jura va no senbor an tes de tudo nina fidelidnde absolut a promettendo p restar-1 h e uni certo numéro de services' e cm nlguns casos excopeionaes certos auxilios pecuniarios. A. esssis ohrigaçôes correspondia o direito, para o vassallo, do exi-gir do senbor protcoc&o e justu/a.

l'ni 'nesino senbor podia fazer, e ordinariamente fazia, concessôes de l'endos a varias pessôas,— do que resultava ogru-pareinse ao redor do senbor e sob o poder délie vnssalos em numéro mnior ou nienor. Os diverses vnssalos de uni inesino senbor, tinidos a este por identicos deveres, lbrmavam o agru-jtumento feudal, que ha potico dissemos ser o priraeiro elemento ponto de vista e os représentantes de cada nma délias divergeai entre si nas eonolusôes a que ohegani. Assim ulguus historicistas encontram a origem dos feudos no Imperio romano, discordando sobre a epoclia do seu appare- cimento ; outres d&o-lhes nma origem germanie», discatindo si elles appn roceram primeiro entre os longounrdos on entre os franoos. Os adepte da escola philosophica ou explieam o appnreciraento dos feudos pela theoria dos r'icwêi de Vioo on os consideram como um resultndo i nma cotisequeneia fatal do germanisme.

(1) E. Secretan défi ne feudo deste modo :—<Um oontracto de mna nntu-roza particular (pacium s ni yen cris) segundo o quai a posât* e o gozo de uraa certa terra sâo assegurados a alguem, mediunte o coinpromisso que loma o possuidor de prestar ao proprietario directo da terra certos serviços) comprelieudidos em gérai no derer de fidelïdade.»

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GERAI. DO DIREITO 185

constitutive (la feudal idade. E comn cada senhor e cada vas-s;ilo tinhani soi) seu poder e jnrisdicçâo varias classes de indi-viduos 1 igados as snas pcssôase as suas terras ,jâ por eoncessôes sujcitas a prestaçôes pecuniarias, jâ pela condiçao servit, con-siderava-se como constituindo o agrupamento fendal nâo sô o senhor e sens vassales como os vilôes e servos, dettes dopen-dcuîes.

Gonvem além disso sabot- que um grande senhor, chefe de nin grupo fondai, nâo esfcava inhibido de outrai- em ontro grnpo, na qualidade de vassal o do uni senhor mais poderoso, e era| isso o que se dava na mai or parte dos casos. De modo que veio a constituir-se na Europa occidental uma hierarchia de grandes seuliores, em enjo cimo estava quasi sempre o principe on rei, na qualidade de soberano feudal do reino. Esta oircnmstancia,) uliâs, teve o increcimento de permittir que a ficoîio de uma uni-dade nacional podesse subsistir no mcio do profundo retalha-l mento dos povos c ostados da Edade-Media. E foi esse, segimdo Littré, um dos grandes scrviços do regimen fondai, ao lado dos dois outros seguiiitcs : o roconhccimcnto de mua autoridade espiritual, independciite da temporal, e a trunsformaçao da eseravidâo antiga cm servidâo.

O senhoriato. ou mais propriatueutc, a senhoria, que an dava as mais das vezes, ligada a cada grnpo feudal, entretanto nâo enincidia coin este em todos os pontos. A senhoria cru o dircito do soberania, ou an tes uni desmembramento da soberania on poder publieo, p.iss.ido para o doininio particular ou proprie-d-ule privada, c ora oxercia-se sobro uma certa rogiâo, sendo entào considerada como appendice de tacs ou quaes proprie-; dades territoriacs possuidas e transmittidus coin a mesina regiâo ; ora constitnia uma propriedade distincta ton do uma existencia propria. Em su in i ua : na senhoria* eram complexos de certos direitos de soberania, destacados do poder ou autoridade real e attribuidos o certos grandes titulares fendues, como os ditqties, os coudes, os barons, os viscondes e os casieïlôes. Coinprehende-se perfeitamente a origem c nutureza da institut-i çâo qnnndo se nota que forain as grandes divisûes administra-tivas da mooarchia carloviugia que deram nascimento aos duea-

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186 OOSÎPÉNDÎO DE HISToRIA

dos e émula don pela apropriaçao lias fnnci'Oes pulilicas em pro-veito dos duques e dos coudes.

Nao C fncil di/,cr coin precisîlo quacs os direitos coinpo-ncntcs da mutilada snberania senliorial. Pode-se porém affirmai' que a senhoria mani l'es ta va-se. principal mente polos direitos de sentenccar cm juizo c de 1 an car impostos : a justiça e o fiseo eram sens clcmentos essenciacs ; assim o senhor de tilta jusliçw era a mais elevada autoridade de uni dado grupo feudal.

Traçadas assi m as grandes linhas da orgauisaçâo feudal, occupomo-iios da situaçâo jnridica das pcssôas c dos bons nesse curioso regimen.

Tivemos occasiao de ver que os agrnpamentos feudaes compunliam-se do senhor e seus vassal os e mais dos individuos a elles sujeitos, como os vilôes e os servos. Nobres, servos e rilôefif eram. coin effeito as classes do pessôas existcutes na socie-dade feudal. (1)

A nobreza fondai constituira-se pouco a ponco sobre os [destroços das nobrezas roman» c gerinanica, durante a existen-oia da monarcliia franca ; a fortnna c a coragem, o val or militai' e a posse de terras, haviam si do os sens titulos originavios, e esses traços accentuarani-seeoin o advento do feudal isino. Eram nobres em primeira linha os grandes propriétaires dados ao nfficio das armas ; eram ou forain nobres, no correr dos tempos, todos qnautos fizeram aequisiçao de fendos on forain admittidos na eavaltaria, Daqui se vê que apezar de ser, em Ivcgra, hereditaria, a nobreza feudal nâo era uuia posic&o inné-eessivel inesmo aos simples villôes. É verdade que estes encou-trarain difficuldades, e cm certa cpoclia tiveram verdadeira impossibilidade, de adqucrir a qualidade de nobre por qualquerl dos nieios indicados; mas ncui por isso é menos exacta nossa asserçâo* A propria Ordenançu de 1275, que foi expedida para

(1) Sabemoa que os eeclesiasticos e os burguezes reproseutarara no correr da Edade-Media eraiiiente papel ; mas os primeiros podeni ser ooio-prehendidos entre os uobres, tal foi o SPII aseendeuta moral e matériel como ministres da religino e oomo senhore» feudaes, e os segntidos fiû uo occaso do i'eudalismo fiaeram sua entrnda un seenn bistovica.

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GERAL DO DIREITO 187

pôr cmbaraeos A acquisiçâo de feudos polos vilôes, demoustra que elles os possuiam e mais aiudaque o rei Felippe reconhc-ccu-llies direitos c privilegios de //eiitinliomeim. L'or isso escreve Ginoulhiue. : «Que importa agora que os nossos antigos Costu-uieiros declarein que a posso dos feudos uao confère nobreza f O que délies se conclue é que de facto os villôes podiaut pos-suif feudos, e que cmquanto os possuiam tinham os privilegios uias estavam submettidos aos doveres dos gentishomens ; e| como résultasse disso, depois de um tempo mais ou meuosj longo, acquisiçâo cla nobreza por prescripç&o, teve-se de obri-gar o vassalo villâo, ou a rpgularisar sua posiçilo obteudo car-tas do principe, mediante o pagameuto do direito de franc-fief (propriedade livre) ou passar sens bens as màos de um gentil-lionieni. »

Os privilégies dos nobres, abstracçâo feifca -das vantagens provenientes da posse dos feudos e do seu direito de fazer parte das ordens de cavallaria, reduziam-se ao seguinte : serein jul-| gados pelos sens pares, segundo regras différentes das applica-das ao julgameuto dos villôes, e es ta rem isentos de impostes ou taxas em gérai e do pagameuto dos direitos fiseaes.

Os villôes (homme.H de jtoente, hommen coutuvûers) eram os] homens uâo nobres e uâo propriefcarios de feudos, que obtinham dos son h ores ou vassal os cou cessées de terras a explorai' mediante prestaçôes cm dinheiro ou em fructos, e que para isso uâo precisavam de prestar fé e homeuagem ao senhor. Essa classe deindividiios n&o podia invocar os privilegios dos nobres, pelo que uâo tiubam elles o direito de ser julgados pelos seus pares c estavam sujeitos as corveias e, em gérai, a todos os im-1 postos e taxas senhoriacs. Eram tratados comutumeute como os serves, embora destes se distinguissem juridieainente por nâo ostarem submettidos as incapacidades da mâomorta e do forma-riage, de que fallaremos dentro em pouco.

Os ser vos eram a classe intima do mundo feudal: alguma cotisa superiores aos oscravos, um tanto inferiores aos villôes. A antiga escravidâo—é sabido—foi trausformada no correr dos seculos X c XI em simples servidâo, o que coustituiu um dos uiaiores progressos sociaes realisados ua Edade-Media. Os ser-

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188 COMPENDIO DE IIIHTOKIA

vos, ao contrario do que se (lava coin os osera vos, tinham mua personnalidade jnridica e podiam, por conseguinte, pnssuir mua familia e mu patriiuouio ; uâo podiam porcin eotitràhir casa- mento coin pessôa de outra coudicao ncin de outra se.nhoria sejKl consentinicnto do senhor, traduzido n'uma imposiçao pocuuia- ria, o nao tinham tainbem o dircito de testar, nem sens descetï- deutes ou ascendeutes o de successao «6 intestato. A primeira dessas iucapacidades chi\m:\v;v&a fonnariage (furla inuritagium)] e a segnuda mâomortn. A Egreja cerceou mais tarde o for ma riage validando o casamento desegual sein cousent i mento do. senhor ; mas em tal hypothèse o sorvo iucorria quasi sempre ua peu a de oonfiscaçao de todos os sens bens. Do sceulo XIII por deaute tainbem a incnpacidadc il a maomorta fui ecrecadu, cm algiimas local idades admittindo se que o servo podia transmitlir bens ab intestato a seus filhos e a sens outres parentes de con- diçfto servit ; nras a grande maioria dos costumes conservou o primitive rigor. '

Os servos nasciam ou faziaiu-ss : nasoiam servos os filhos de servos, sahidos de casamento légitime) ; faziain-se serves os; que se submettiain por contracte e os que deixavani prescrever sua liberdado, acceitando durante uni largo periodo os encargos e as cousequencias da condicâo servit. A servidao cessa va : ou pela libortacào expressa coucedida cm carta senhorial. ou pela prescripyao (quaudo decorria um certo lapso de tempo vi-veudo o servo sein os en cargos do estado servi l) ou pda eiitraria do servo no clero on ordeus religiosaa. Resta diz.ii- sômente : os servos destribuiam-se em très classes : — sorvos de corpo (da gleba) servos de servidao pessoal, e servos de seroidâo real (de-tentorcs do uma propriedade servil) ; seus encargos coin mu us eram o ohevagium (somma fixa paga ao senhor animal mente) uni ii iipusto direeto sobre a renda e eeonomias (taille.) e as cor-veias (dias de trabalho devidos gratuitaïuente ao senhor).

O regimen dos bens, ou autos dos immoveis territoriaes, durante o feudalisnio, correspondeu exactameuto ao estado dus pessôas que nelle figuravam conio elementos do grupe fondai : os terrenos e respectives direitos possessorios eram uobres, vil-lôes ou servis. A propriedade nobre era o feudo, a terra dada.

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GERAT, DO DIltEITO! 189

no Viissalo polo grande scnhor. O fendu surgin conio uni direito iiuinovcl vitalieio, hrlransinissivel o inalienavel. Pouco tardoti, poréiu, para que elle sa tornasse hereditario o alienavel : —he-reditario a principio apcoàs ua liuha descendante o obedecondo ao direito de priniogenitiira, e posterionnente ua liuha collatéral, sabord in ado ao principio da inaseulinidude. A inulicna-bilidade do feu do docorrin do facto da sua vitaliciedade e (la pcrsonnulidade do contracto outré o senlior e o vassal lo, por isso| quaudo o principio da patrimonialidado provaleceu, as ccsaôcs ou vendas forain (citas, cm oo:ucço, coin o consentiluento do scnhor, u por fiai suit deppiiduucia d fisse consenti niento, nias coin a coiidieîio do pagamento do quiulo (indemuisiçlo p'cunia-ria elevada) ou dos direito» de resg.it» e de rcivindicuçao (re-\ tïuit) fend al. T.uubein no caso de transiuissào liercditaria do fendu o st'uhor percebia uni i indeninisi<;âo que tiulia o nome de relccinm.

As possps.sôcs villas eraui eoustitiiidas por conecssôes ou cessées de terras ici tas polos senhorcs aos uao nobres (rolurierx).] Fallando dacondicila ppssoal desles ja ussignalainos a n i t u r c z a e earaetor de suas obrigaeflaa p ira eoui o seuhor ou vassale] feildal. A rensiua, o c'uimp.iii e a vendu feutlnl sHo os types do tacs conecssôes, tendo sido soiupro mais usado o prirauiro. A vrnsioa cra mua terra cone.cdida mediante o pagamento animal de uma certa somma de. diuhciro, cens us. Coino o l'eu do cl la apparoecu a principio coin os caractères de vitaliciedade o ina-lienabilidadc. Mais l'acilmeute porcin do que aquelle tornou-sc patrimonial, c por cousequeucia hereditaria c alienavel, cm-bora, coino sua congénère, sujeita liesses casos de transuiissâo ao pagamento de indcmnisaçdcs pccuuiarias ao senlior.

As terras servis, isto c, concedidus por um scnhor a sons sei'ros, supportavain régi mou se me I ha nie ao dus terras villas ; eiitretaulo difl'erençavam se profundanientc destas no scgiiiutc : nao eram obtidas por contracto ne,ni forain iiunca hereditarias e iilieuaveis.

Os typos de propriedade que ahi ficam apontados cra m os vigorantes cm quasi toda a exteusâo da Europa médiéval : mas uao se deduza dalii que a plena propriedade iudividual e livre

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190 COMPENDIO DE H1STOKIA

estivesse banida em absoluto da sociedade occidental : nqui e ali| apparccia, cmno exeepçâo, o frunc-nlleu on francum allodium,] que se distinguia do regimen territorial do fondai ismo por estes traços al ta mente expressives : pcrteneia intégral meute ao| sen proprietario, o este, nâo devendo serviço nem prest-aç&o a pessôa alguuia, podia transmittil-o livreinente a sens herdeiros ou alienal-o.

Foito este resnnio dos direitos das pessôas e das cotisas no regimen fondai, urge dizer algo sobre a organisa çâo da ju.stica respectiva c compétente processo.

O poder judiciario, como o poder propriameute govcrna-'i mental, pertencia, no période a qnc nos reportamos, a os senho-res feudaes, que o exerciam conciirrentcmente coin a renleza, o clcro e as cidades privilcgiadas, nias guardando ciosamente intra muros os principioa de sua jnstiça senliorial. Esta justiça era administrada em regra gérai, quer no civel quer no crime, pelo proprio senhor, mas era, cm grande numéro de casos, dofe-1 rida a certos fuuccionarios chamades prebostes e bnillios, que presidiain tribnnaes eompostos diversamente segnndo acondiçâo Idas pessôas a julgar. Distinguia-se entre aita e bâtira justiya, I coinpetindo a aqnella o conhcciinento das aecusaçôes diminues que arra&tavam peu as afflictivas, duelos judiciario», etc.

O processo em uso nos tribnnaes serdioriaes e feudaes era «oral e essencialmente formai ista, subtil e grosseiro ao inesmo tempo» ; elle conservava nui fuudo pronnuciado de idéas e instituiçÔes germanicas, mas entretanto apresentava jâ niodin-caçôes notaveis. Assim, a tlieoria das provas continua va a cou-sagrar as ordalias, o jurauiento purgatorio e os cojuradores, o duelo judiciario, etc : porém a obrigaçao da prova era jâ attri-buida ao antor, como no dircito romano, e por ontro lado, em materia criminal, as penns attlietivas tinhaiu substituido em grande parte as pccuuiarias, sendo estas pagas nâo a parte ven-cedora, mas ao senhor.

Xao precisamos ir mais longe na analyse das institniçôes peculiares ao systenia feudal. Passemos agora a indicar as foutes do diroito correspondentes a esse systenia.

É évidente que a legisluyao do tempo do feudalismo nâo

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OERAL DO DIREITO 191

poilia ser gérai, uniforme e e.ip.i/< <lo nma oodifieaçao rcgnlar. peparados os lioniens e os territorios polos nureos divisorios dos in numéros fendos, dos duculos, dos c»:idados. das baronias, ctc, dado o podcr absolnto dos senhoren sobre sens vassal os calonos e ssrvos, assiin nas relayées polifcieas como nas ju r i d i - cas, o direito objeetivo sô podia apresenfcar-se como uni conjun-cto de rogrus territoriacs variaveis, sub.H'dinudas nos costumes mas modificadas pelo arbitrio dos inaguutas dominantes.

Foi o que acoiiteceu de facto, produzindo como coiiscqiien-cia capital a substituiçâ-o do principio da pemonnalidade, vigo-| rante ua monarchia franea, pelo da terril-orialidade dan leis. 1 h-iitro dos limites de nm fuudo, pertencessein on nâo os sens habitantes il mpsma uacionalidade, sô nma Ici cra reeonbecida le applicada : a lei local constituida pelos usos c costumes prédominantes e pelas uecessidndcs da nova ordem de cotisas. No soculo X jà as Capitulares tiuham cahido ein desiiso e coin cl las as disposiçôes das leges barbarorum, pouco a ponco enxertadas do regras dos direitos c.monico c romano. E vnrdado que fora do (lireito particular a cada pequena circninscripç&o fondai, mante ve-sc um direito continu m para cada mu dos paizes sub-mettidos ao autigo iniperio,— direito que se baso.iva sobre as velhas leis e cap i tu lares, jâ cntîlo passadas ao estado de costumes. Mas a situaçao gérai era a segninte, conforme a cxpôc Von Schulte :

«O particularismo subsbibuira gradualmcute o antigo sysbe-ina das leis de tribu, e quanto mais as divisôes territoriaes se constituiain fixumeute, mais influencia adqueria no direito o principio da territorialidade. Eram os iuteressados por si încsmos que for m a va m o direito privado e cm parte o direito publico ; bastava que a ntilidade de nma medida fosse recouhe-cida para que esta fosse admittida e se propagasse pot* todo um territorio. O conhecimento do direito cra facilitado pelas formas symbolicas, as palavras solcmncs, as decisôes proferidas pelos tribunaes.»

As foutes juridieas eutao foram principalmente as carias ou diplomas, de que lallâinos no capitulo précédente, e os esta-tutos, ou coutume* redigidos, de certes inosteiros on fendos eccle-

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192 COMPEKDIO DE HIKTORIA

siasticos. Dentés nltimos sfto citados como mais importantes os intitnlados : Constietiidines et jura monnaiera regnlœ (do mostoirn de Reôle), Jiurchardi Epinropi Wornuttieiui* legea et gtatuta familier S. Pétri (do bispado de Worms), e Privilégia de justifia minwterialium ccclesitc Jiabebergenait.

Onde, porcin, o conjnncto do direito fondai nos apparece inenos fragment ado c mais digno de ser estudado é nos Lihri feudorum ( Feudirt, eonsuetadinen Feudorum)—compilnçâo. longo-barda attribnida a dois consnles milanezes de nomes Gcrhardns Niger e Obertns ab Orto, que parecc te rem vivido sob o reina-do de Frederico I. (I) Ape/.ar dasduvidas que pairam sobre a j antoria desse traballio, «spécialmonte no 'nie se réfère aGerhar-dus Niger, o donto Giovanni Bovio oscrcve o segnintu a res-peito : «Qticm resnmin cm nin corpo de lois o fondai isino foi Frederico I, que atravez de nao poncos obstacnlos consegnin I ver Gherardo il Nero c Oberto delf Orto lovarem a termo mini eompilaçaô das lois fendues, a qnal teve val or publiée, como o Decreto de Graciano.»

Coin cffeito 6 opiniao do algnns esc.riptores que os Libri Feudorum, depois do snbmettidos a uni i raballio de rcvisao, forain offerecidos a Frederico I, que presereven o ensino délies ein todas as Universidades snbmettidas a sen iinperio.

Os Libri Feudorum conteem a exposiçao dos nsos c costumes fendaes da Lombardia. Datant, provavclmcnte, de meiados do secnlo XII e forain a prineipio divididos em 2 livres, eom j 56 on 5S titnlos. O priinciro livro contem nai tratado sobre a differença entre os direitos romano e fondai, oxtractos de lois imper'mes. glosas, jnlgamentos, ete ; o segnndo coniprehende uni estudo do consul Obertns ab Orto, em forma de cartas diri-

(1) <5.0 Direito feuilal (diz Ahrens) formon-se géra Intente da tradiçâo, pov nui lado, e par outra dna leis imperiaes, que p iHicuUrniente na Lnm- I bardia forain promnlg.idas com o cononrso clos 13 stades no campo de Ron-caglia, e ao raesmo tempo das sentenças das côrtes fendaes, notadameate da oôrte do I'nperio. Elle n-onb^n na Lombardia nma primeira redncçâo seientifina, e este direito fend-il langobardo, adoptado ao mesmo tempo que o Direito romano, teve na Alleminba a raesma força de lei obrigatoria.»

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giflas a sfiu filho Ansclmus, ostndante cm Bolonh», sobre :i concopçao o organisnçao do fonde, um tratado sobre, sis rolaçôes dos scnbores o vassales, lois de Lothario II o Predorico I, do-eisôes dos tribnnacs fendues, etc. Os FMri Fmirtonun foram pos-teriormente revistos, refundidos, angmcntados eom as lois de Frederico I e Hoiirique VI, e annal esfcudados na Eieola de Bolonha, conio appendice do Corpus Juris Gimlis.

Vô-se pela doser ipeâo foi ta que a principal sonân unica coinpilaçâo das leis feudaes esta nuiibo longe de ser um traballio eoinpleLo e de resninir todas as niodalidadns legaes do fouda-lismo. B.ista notai* que ella nâo foi além do dircito vigente ua Lombardia. o quai difforia, cm ninitos pintes, do dircito fondai fraiieoz, ao inenos do dircito francez das provincias de oeste. Todos os eseriptores francezos assigna}ain ossa circniustaneia. Como quel" que seja o Lioro don Fondo* oxeroeu uma importante aeeao na Edado-Media, e 11331111 se explica o facto de ter elle passade das Universidados para as mSos de legistas 0 do roma-nistas célèbres do secnlo XVI, como Cnjas 0 D.uicau, os quacs lhe davain autori<ladc cgual I'I dos livros do Justiniauo.

Temos dito o que basta sibro o fondai ismo e o dircito fondai. E do qno dissemos podem ser tiradas, de aceordo coin G. Carie, as seguintes concInsôe.s coniparativas :

Ao passo que no période das invasôjs dominarani a força e a violencia, 110 periodo fondai prevaloeoram as idéas do consens» e do contracto ; emquanto uaqucllc periodo o sentimenfo de ihdividualisi.no manifestado pela força matcrial snbropiijou a todos, durante o fondai ismo o principio individualista cedeu terreno ao conecito de familia mettida cm moldes quasi patriar-cliaes ; no contrario do que se. don na phase germano-franea, mu que o objectivo das lois cra a segnranc; 1 o defo.ii poS3»al, a phase fondai encaminhou o dircito para roconhocimonto e de-feza da propriedade.

§

A Ei/reja : Dircito Gaiion'wo. — O eminente G. Bovio déclara —| résolu tain ente, oui scu notavel Disegno d'unu historin del Diritto

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194 COMPENDIO DE HlSTOBtA.

in Italia qne a Egreja «lève ser consideradâ o conlro da Edade-Modia o o Direito Canonico a nota jnridica nclla prédominante. E escreve : «Atravez dos casos infinités, rapides, inopinados o confusos da Edado Media, atravez das emigraçôes, coiifusôes o lhsôcs do raças e de povos, das origans dos feu dos, da institui-ç&o da cavallaria, do monarchisme, do dnpto poder législative», dos multiples codigos e jurisdicçôcx, das discussOcs pessoaes o\ d-.is lu tas oecasionadas pela herosia ; atravez das gnerrns pelas investi du ras, d» formaeïio das monarehias, dos nrbitrios, dos orros e crimes dos ponti lices ; om su m m a, atravez dessa epocha cm que se inicia 8 t'nnda. mua civilisaçâo nova, os périodes da historia médiéval devem ser proeurados prinoipalmente uns phases da Egreja.»

Sein attribuirmos tfu> deeidida e superibr inlluencia, no ponto de vista da creaçîlo jnridica, no Christianisino o A 'Egreja catholica, (1) roconheceinos

de boni grado a al ta missîio politicô-social do catholicismo durante a Edade Media, e somos ps pri-nieiros a ndmirar o lonvar o oxtraordinario talento do organisa-tjîio e systcniatisayào de que deram provas os sens représentantes.

E cireninscrovendo nos an eampo do nosso estndo, nâo tnmos du vida cm ailirmar que fol a Egreja, par intermedio do .Direito Canonico, o elemento

fusionador ' e seleccionador qne 'durante a phase médiéval combinou c depnron os direitos ro-fiuano e germanico, preparandoos para a grande obra

futura J da nnilicaçâ.0 e universalisaçîlo do Direito. S"estes termes esta-i mos de accordo coin O. Bovio, o lias linhas que vâo seguir tri-l lharenios o

caminho por elle indieado para uma viagem hisfco-

(l) Dizemos assini porque saberaos IJUH na Edado Media, durante a representaçào du grande drama qne dominou—a lnta do Saoerdociu e do Iraperio—osliverain soinpre em jogo e em oontradioçilo os elementos espi-ritual e temporal, e qun. apezar do asoeudente do primeiro (o qnal fez do l'oderalisrao fondai uni uuilarismo clvristâo, soparaado os povos da o pocha em créâtes e infiois) ao passo que a Egreja apoiava-se nus doutrinns dos philosophos gregos, o Impnrio buscava os sens elementos do acçfto nas re-gras da jurispriuleiicia romana, n quai veio finalmente a prevalecer.

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rica atruvcz das crcaçôVs n fundavôes da Egreja, o qiio valo di/.cr, sio lougo de sua marcha cvolucioual.

O indicidualismo absolut», as prelaiitras c 08 concilias marcaiu as phases priihitivàs da evoluç&o da Egreja. A primoira délias assignala a ansencia do domina no meio da primitiva domocra-ici» cspiritunl, ausencia justificada pelas palavras de Christo : Onde calao reunidasem mau nome dans ou très passons ahi eslou eu.\ Ncssc pcriodo a discussâô 6 de todos ; a sol dçîio é de cada uni. Mas nomo essa dontrina de livre exaine nâo fosse compativel| coin a ebiistilsuiçîlo de uni dogma, de uni enlto c de mu régi mou rigorosainento roligiosos. surgîu a idéa de cerceal a e de eliini-nal-a por fini. Para isso forain inslifiiidas as prchdnrus, «as qiiacs lia historia do cspirito christïlo représenta m a prinicira aristocraeia. da i i i lel l igencia, viiidaeui substitnicîlo da primitiva deiiiocracia. » Elias i'iinecionarain juiito ao vulgo como gui as cspiriiuaes snperiorcs, eapazes de transfuudir a verdade christà) no espirifco da gentc iguara. Entrctanto as divergencias natu-raes entre os représentantes dessa aristocraeia indicarain deutro ein potico a necessidade de reuiii l-os para a lixac&o du eertus pontes de dontrina. Nasetfcâiu dessa neeessidade os concilias, que forain ehaniados a esta bel eeer doginas e a cniidcmnar licrc-sias, scndo os priineiros os de Nic6n. de Constautinonlar de Epheso e de Calcedonia todos orientaes e todos nieraineiite espiritnaes e doginaticos. Aberto, poréui, o camiuho liuham de vir mais tarde, como vicrani. os concilies occidentaes de Lait râo, dcJLyao e de Trente, nos quaes a fixaç&o «la dontrina o do dogma-tuai encobria as pretcnsôes politieas da Egreja, entao jâ organisada como Esta-do inonarcliico. De resto esta orgauisaçâo politica da Egreja era uma conscqueucia fatal de sen proprio destine historien : o Dogma tinha de transformai'-se cm Poder c o Poder de constitnir-so cm. Estado.

As très primeiras phases espiritnaes do Christianisnio appa-rcccm, sec ni os depois, Irndnzidas nos très grandes périodes temporaes do catholicisme : !• o da aritunoinia ccclcsiastiea cm face do Estado ; 2' o da aristocraeia cloaj>rela(lo8j_3,'o da Egreja râouarçjiica.

A aiitoiiomia da Egreja coincçou como protecçâo do Estado,

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continuel! como costume ecclcsiastico e açaboti por eonstituir-so couio direito proprio. Consistisi ella cm ser considersidsi si Egrcjsi como mn poder «ut generis, iscnto dos tributos laucados polo Estado e oom jurisdiceào propria sobre os clerigos, subtrahidos :i jurisdicy&o leiga. (1) H

Coin os privilcgios ooneedidos si Egrcja, a prolsitura untiga dcixou do sor aristocracia uiorsil para torusir-so jurisdiccionsil : o modo de eleiç&o variou e os prclados couiccsiram a copiai1 os J'unccionarios do Impcrio cncarregados dos officia jmlulhut, i'a-zondoso nomcar para cargos de roprosontacà-o temporal e officiai j auto ao Papa. Fi'ito isso estavam lauçadas sis bases da 1 mounrchia da Egreja.

Esta veio uiuito natursil mente, como cousequcncisi forysida dos dogmsis procliiuiados nos concilies de Nicea, Eplieso e subséquentes. O papa de simples prelado passou si scr, si prin-eipio, bispo de Rom a, depuis episcopm >°pincoporum, vicarius christi, etc. O concilie de Psivia que deeretou para o cliefc da] Egreja o titulo de bispo don binpos fechou o anuo 1000 deixando Ifuudsidsi si monarchia da Egrcja. Durante os mil au nos décor-1 ridos a Egrcjsi tinhsi passade por très phases : uwa que se este tilde de 8. Pedro a Sil oestre I, outra que vae de Coustantino a Carlos MsigiiOy e uma terceira que começamlo cm Leîlo III ter-^ mina cm Gregurio VU. Na primeira a Egrcja organisa rsi-se como poder espiritusil, depositario de doginsi, e impuzera o| cliristismismo como religiâo do Estsido ; nsi segunda oomoçara por obter a sua uutoiiomia e tci-minarsi por fuuilar a Egrcju-Estsido ; na ultiina coiiseguira transformai' o Esta do da Egrcja cm mouai'chiii uni versai ou tlicocratiea. A partir desta ilcrra-

(1) A tul rospeilo sâo significatives os segnintos t< xtoa do eodigo Tlicodosiano : «Quoliens de religion o agititr. episcopos couwuifc agit arc (L. 1' de religîone) ; Clericos uuu îiisi npucl episcopos convenit accuisaro ClericoH etiani, qura indiscrelim ad sœculares judîces dol eiv deduci iufans-lus preosumptor edixerat, ppiscopali andientiœ reservamus (L. 41, Ut. 43, de JBpisciijiis). Nessas disposicôes esta expresse o privilegîo de fôro dos] clerigos. Mas nâo era sô isso. A Egreja desde Constant ino adqueriru o direito de eatonder sua jurisdiceno aos proprios leigos, conforme se vcrilica da Constituicâo 331, e mais tarde .Tustiuiano saiiceionou essa protica.

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deira phase couieya a decadencia rlo papado c da Egroja, coin o graude scliisina e coin a lteforma.

A Egrojsi, porcin, nâo se deixaria dcclinar e submettor sein 0 proteste do uma organisaeâo Icgislativa eorrespoiidente ao se» dcsenvolviniento organico e historien, .soin a construcçâo de uni inonuiuento que attestasse aos posteros a grandoza c a proemi- ueiicia de sua fuiicyâo social. O Corpus Juris Canonici foi o prolcsto e. foi o iiiouuuiento coiu que cl la afl'ronton a llenasceiiya e o inuiido nioderiio.

No correr da sua desenvoluçâo o clnïstianisino tinha con-st.ruido nâo sô uma doiitrina, nuia philosophia e uma artc suas, como tanibcni uma legislayâo propria : o Dircito Canonico— expressao, cm sou periodo culminante, da Egrcja-Estado o do l'apa-Itoi. () Gitliolieismo, protendcndo supplantai' a morte, | eoiuo na llicocracia egypeia, traton do inumiiiear-.se cm uni corpo de dirc ito revclador de sua pujnnyu scculnr. E o Corpus] Juris Canonici voio a ser uma realidade. Vcjaiuos a ordem eut que appareceram sens oleuientos coustitutivos e eouio elles forain depois codilicados.

No periodo inieial da Egroja, sob os priniciros 31 papas" chamades servi scroorunt I>ci, cuiqiiauto clla se organisa como dogina e scus chefos sâo martyres e santos, o dircito canonico positive nâo existe. Durante «ssa epoeha «a Egroja esta mais nas catacunibas do que sobre a terra», na formosa expressao] de Bovio. 1 No scglindo periodo (de Coiistantiiio a Carlos Slagno) jà o dircito canoiiino apparecc e constitue-se largameiite. Coineça a (a ina dos concilies e a auloridade papal expaude-sc cm çiuisLL: tniçôcs e doi'.ri'taos. Por essa epooha vô-sc apparecor a juris-! dieyâo episeopal, prinieiro coi fi p voluntaria, depuis como neces- saria—jnrisdiooào que se excreia nâo sô sobre os bens e pessôas «la Egroja- como sobre os négocies dos leigos que recorriam vo- luntariaiiHMite ao tribunal eeclesiasfcico.

No terceiro periodo (de Leâo III a Gregorio VII) a obra politica c Icgislativa chega ao seu apogeu com a Egroja feita Monurchia Dnioersal ; o niovimeuto começa pelas immuiiùlotlest e acaba nos diotatus papœ — suprcuia expressao da theocracia,

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ainda no diaer de B.>vio. Ao lado do Papa — imperador c elei-1 toi* do iiuperadoros, a Egreja ostenta o Papa-lcgislador e jniz. É claro que neste période dévia o Direito C.iuouïco ebegar a eonst ituieilo dennibiva o no maximum de sua intluoncia. " Aos surfcos da logislaç&o civil iuipregnada do Direito Koutano, a Egreja oppuuha uma croseonte o podoros i legislaçao, a a prevalecer sobre aquolla. E foi entîio que, fazendo se sontir a uecessidade de um.i codifinaçâo— sobrebudo pela conveni a de onsinur o Direitt> Canonico, ao lado do liomano, nas XJuiver-sidades—surgi u o Qncretiun Qratiani, ;i pcdi-a augular do edific-io | do Corp m .Tarin Cunonici.

Entreinos lia analyse pirticul.ir de cada uina das partes dosée corpo de direito.

Anteriormeiite a Graciano o Direito Canonico bavia tldo mua priiiieira eompilayan rogular no trabalbo de Dionysio o Pequono, elalv.mido no seculo VI (l). Esse trabalbo, iiibitulado Codex canon tua ecdeniasticornm, nîio podia mais, scculos depuis, servir ils neeessidades e conveiiieiieias da Egreja. T&o poticu podia servir a allas a colleeeîi) do bispo sevilbano Isidoro, o Codex Canonum confeocionado un seculo VII e mystificado aigu ni tempo depuis pela compilaca-n das fij.-l.sas decrebacs apparecidas sob o nome du Isidoro murcitor ou pnecator.

Nestas eoiuliçôes Graciauo, iiionge bénédictine do B>>lonba, uietteu niâos â obra de uma nova codificaçao, visaudo o mesmo escopo de Dionysio o Pequeno : oppor ao Direito romano a bar-reira da legislaeaociiuonica.

JXMç'crvtum Gratiani, que teve o siib-titulo de Discordantium Canonum Concurdantiu e cuja data é gérai mente collocada entre os au nos 1141 e 1155 (fixando-a milites uni 1151), foi buscar os scus îuateriaes nas colleeeôes anteriores, nos escriptos do abba-de Hegiuoii e dos bispos lia reliant e Yves, nos décrétas dos cou- ' cilios, nos canoues dos apostolos, mis deeretaes antbentieas ou suppostas dos papas, nas opiniôes dos p idres da Egreja. nas Ca-

(1) A boni da verdudu historioa do vu mus consignai" a qui que a mais ans tig;i colleoeâo de luis canonious é a dos Ganutie* ayostolorum, organisada por un

descooheoido, auteriormeute ao ooncilio de Nicéa.

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GERAI. DO DIKEITO 19!)

pitulnres e atô mosino no direito roman o. A oollccoao foi divi. iliflsi PI»

très partes intituladas : l.* dûtineciones, 2.» Canxcrr 3." Tractatus de consecralionc. Àcolhiiïi pclv E.rreja co in o inaior f.ivor, o papa Eagonio III npros3oa-30 a ordenar que clla servisse de texte as liçôïïs de direito can.iaieo nas Universida-des catholioas. Ahi o Décrétant Gralîani foi, no correr dos te ni. post, objocto do glosas dos deerclist/ts, ad instar do qno faziatn os legistas coin o Direito romano.

No seculo XITIjâ- o trâbalho de Grnciano esta va mnilo | abaixo do ni vol eanonico da epocha. Um nmnero prodigioso de deerctaes e grande qiiantidado de ooinpilacôes, como as do Ansolino de Manfcna, Boruurdo de Pavia, Joao de Val la, Ber-nardo do Oampostclla, tinhatn-so ariioivtoacto, oinbaraçaiido o ostndo do direito da Egrcja, o nrgia procéder ao trâbalho de eodifieayao das novas fontes. Esse trâbalho foi conftado por Grngnrîo IX no doiniiiicano catalan Don Rayinnndo de Peiina-fortc. que o apresenton acabado cm 1543. coin o t i tnlo de Décrétâtes Grcgorii IX. As Deerctaes forain divididas cm oineo livros, de accorde coin a classificacao qno o Brcoiario de Burnardn do Pavia tornara conhecida e qno fora rcsniiiida ncs'tc hexamètre : jade.r, judicium, clcruiii, eonaubùL crinten.

Esta coinpilaçào 6 tambeiii conhecida pela dononiinnçào de Extra,—isso pelo facto do ter sido foi ta extra Décrétant Gralîani e para complcmcnto .destc. Goino sua antecessora, clla foi innndada ndoptar lias Univcrsidadcs c serviu do base As glosas dos tbcologos.

Soin que decorressc uni seculo sobre o trâbalho de Don Rayinnndo Pcnafortc, mua outra coinpilaçào de direi to eanonico fez-se necessaria e veio a Inme. Foi ella o Liber sexius Décréta-Hum, on Deerctaes de Bonifaeio VIII. Este papa enearregon nma commissan do très hispos do offeetnar o trâbalho, c no on-cftrporal-o ao Corpus Juris Canonici dcn-lhe o nome de Liber Sextus para signifient' que elle de via ser considerado coin pie -mentar dos 5 livros das Deerctaes do Gregorio IX. Goino estas I o Liber Sert as foi alias dividido tain lie m cm 5 livros, que forain mais tarde glosados por Johanucs Andréa.

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Pouoo dcpois do Liber Sextus, cm prineipios do scenlo XIV-voio a Inz umà nova collecçilo do lois ccelcsiasbïcas, a nltima feita cm virtudo do ordcm pontifical. Foi a dus CoastitiUiones \ Glemcntinœ on Libri.. _ Clément inaruin., imindada organisai' polo j papa Clémente V o qno s6 apparcccn depois da morte dente, sob o papado do Joîlo XXII. As Qlenicytims continham, aléin j das décrétais de Clemcnbe V, os cannncâ do Concilie do Vieilli», qno o mesmo papa prosidira. Esta eompilaçîlo foi, por sua i vcz, dividida em 5 livros, sendo foita a dcstrilmiç&n das ma-terias segundo o méthode adoptado no Extra e no Sexto»'

Em rigor o Corpus Juris Canoniei compfle-so npenas das fontes que ahi ficam apontadas : o Decretmn, o Extra, o Liber Sextus o os Libri Clément inarum. Mas na o pocha cm que o papa | / Gregorio XIII deercton a constitiiiçîlo definitiva do Corp un Juris / Canoniei, claitsnm, (15S0) entraram a fazer parte deste as collée- çôes das Extravagantes (quia vugantur extra colleetiones tune, con- feettui) on compilayfles das decrctaos do Joîlo XXII o do sons snecessorcs atô Sixte IV—compilâmes foitas por canonistas nîlo autorisados a isso polo chefo da Egreja. De modo qno, a par- tir de 1580, o Corpo do Direito Caaonico ficon oflieial mente organisado pela juxtaposiyao das segnintos fontes : 1." Décré tant GraHani, 2.' Décrétâtes Gregorii IX, 3." Liber Sextus Deere- ] Italium, 4." Libri Clementinarum, 5." Extravagantes, divididaS cm extravagantes de Joîlo XXII c extravagantes communs. . Entrotauto as ertiçôes modernas do Corpus Juris Canoniei

I jnntam ils fontes oflleiaos estas outras, qno no correr dos tempos lho forain addiccionadas como appendices : uni 7.° livro de De-or etaes, contendo as dos snecessorcs do Sixto IV até Sixto V. as [ Decrctaos do Alexandre III no concilie do Latrîlo, as de Inno- j cencio IV no concilio do Lyîlo e as lnstitntas do Lvncclot. i<i exeusado dizer qno todas estas fontes extra-officines nîlo tOm | val or canon ico reconhecido.

Desenhado assim, om suas grandes linhas a r ch i tecton i cas, o gigantesco editicio do Direito da Egroja, é licite perguntar : | Em qno foi qno essa portentosa constr.ucçilo embellcson o me-lhorou a Cidado humana o ospecialmente a Cidado Juridica, tîlo custosamente edificada por grogos,* romanos c germanicos,

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rtKRAL DO JHRËCÏO 201

atravcz de In tas as mais ornais o no carrer de secnlos os mais agitados ? Coin que e de que modo contriluiiu o Dircito Cano-nico para o aceleramcnto da evolnçîio social no dcpai'tamonto juridico ?

Responderëmos n'uina rapida synthèse, porque a isso nos obriga a estreitoza do tempo o do esp-iço.

O Dircito da Egroja, com scr papal e intolérante, coin sor muitns vezes cruel e usnrp;idor, nom por isso dcixou de inflnir boncficaincnte na desenvolnçâo jnridica da linmnnidadc. O pri-III it i vo espirito christâo (pie o nnimara mis cataeutnbas de Borna infiltron-llie no organismo tendencias de gencrosidade c de dcli-cadeza moral que todos os horrores da Inqnisiçâo njo podorain climinar. Dcssas tendencias naseen a acyao que a logislaeiio e] jurisprudeneia canonicas exerceram sobre o dircito romano e o germanico para expurgal-os de uni cerfco numéro de instituiçôVs c p rat icas, in compati vois com os principios de linmanidadc e com a dignidade indi\ idual.

Abstraliindo dus largas modiïicaçôcs q'ie o Dircito canonico iiitrodiiziii no dircito snbstantivo romano-gcriuaiiieo, especial-| monte no que toca ao d i r c i t o (las pessôas ; assignalarcmos, no campo do dircito adjectivo, as conquistas capitacs por elle obti-das. Foi elle quem primeiro se bateu contra os primitivos e barbares processos de prova dos germanos, pela voz de S. Ago-| bardo e pelo voto do segnndo Concilio lateraueuso ; foi elle qncin, pelo orgao de Iunocencio III, proclamon a necessidade do processa escripto, cnm os trainitcs do citaçao, da prodnccâo de docuinenfcos, da prova testeinuiihal, etc ; foi clic quem intro-dnziu na pratica judiciaria o reinedio das appel laçons ; foi elle, finalmentc, quem, por intermedio de sens jnristas, creou a pa-lavra dcsignadora da lu ta judiciaria, substitnindo pelas exprès-sues processus, processus juris ou processus judiciariiis, o jiuli-cium c a ordo judicinrum prieatoruni dos roinanos. 15 basta isto para que vejamos ncile uma das poderosas alavancas da média-nica jnridica — uma alavanea do ferro c on.ro que tendo como ponto do apoio a fé imponderavel pou de dcslocar o cixo do mniido pagâo.

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Outras ccrrentes jurïdicas medievaes : — As Universida-des ; o Dïreïto Romano. «- A obra dos legistas ; os Costumeiros. (*)

Uni dos fil et os culminantes dit. Edade Media é a inllnencia que as ITniversitalex jurhliiru-m oxerceram na Knropa sobre a sciencia e a pratica do Direito. especial mente do soculo XII cm dénote. Si niio bastasscm o l'endalismo, a cavalluria, as ernza-das, a cotistituicao do direito canonico e o movimciito (las coin-miinas, para caractérisai" o largo e caliotico periodo de transiyao entre o miiiido antigo e o moderne, ahi estariam as Univer-sidades para dur-lue mua feicao particular, original e inerecc-dora de estiulo. A quel les que veem no periodo inedievico niua phase de retrogradvicao social e cntorpecinicnto intellectual csqnccein este facto eloque.ntissiuio, cnpnz por si sô de réhabilitai1 o periodo historico de que se trata.

A dominayao barbarica e o consequeutc estabelecimento

(#) FONTES : As mesniiis tlo capilulo nnterinr e mai» : Biagio Brugi : I fasti aurci d>l Dititlo Homwo; C. Cuntû : JJist. Vniv, réf. e arap). por A. Ennes. vol. 9 ; IheriDg : O espiriio do Direito Romano, trad. franc.

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204 COMPENDIO DE HISToKIA

do rogimcn feudal tiïio tiveram a força de ci rcuinsère ver cm absoluto as celhis dus conventos o aiiioir (las lettras u «las sei ci as ; o ostmlu do Dircito polo mcnos, scgundo a Iradieîio c orieutaçao roman as, mantcvcso pcrciiuc c publico, eonstituindo lia Europa occidental mu prolonganieiito das csoolas bysautiu.is de Constaiitiiiopla, do Beryto, do Alexandria, do Ccsarea e do Atlicnas. Sfio prova disto as escolus de Borna e Pavia, ua ultî-ma das qnucs 6 sabido que durante o sec.ulo X serviu de base-para o ensiuo o Bruckyloffiis, uni tratado de autor deseonliccido, calcado nos moldcs das Iiistitulas de Justiniauo.

Esta perinaneuoia da lettra o do espirito do Dircito Borna-no atravez d i invusào gorai initia o respect i vos estabeloeimeutos 6 alias mu facto que nîlo précisa do larga demonstrae&o. Ja lu ma vez tivciuos occasiâo de dizer : que m figurai' meiilalmcuto uni mappa ethnograpliico -juridico da Euro pu depuis da queda de Borna, principal mente no periodo que vue du scc.ilo VI ao seeulo XII, veiû que a parte su 1 u eentrooeste do continente apresenta a esse tempo uma pliysiononiia eomplicado onde os dircitos romauo e gernianico se acostam c se crusam. Déniais basta rccordarino-nos do priucipio da persoualidade vigoranto no periodo das legen c uo da monarchia frauca, para verificar-m os que o dircito germanico nfto climinou o dircito romauo dos paizes cm que penctrou. Na Italia, uns Gallias, na Hespanha, cm fi m mis nutigas provincias do Imperio decahido, a lcgisluçao latina lutou bravamente coin a dos iuvasores e nîlo siiccumbiu na luta, eomo o provani as colleeçôes de lois romauo b.irb.iras a que ja tivemos ensejo dereferir-nos.

Vivo ussiui o direito romauo em plena situacâo b.irbarica e feudal, uada mais uatural do que o son estudo e ensiuo entre as populaçôVs latinisadas, quer cm escolus propri iinenti' juri-dicas, coin» as citadas de Borna o Pavia. quer nos cursos onde e.ra doutrinada no sen coujuucto a sciencia médiéval.

A sciencia du Edade Media, on antes, a sciencia ensinada mis escolas medievicas, cra apoucada e pobre,—o que cxpliea, digamos de passage m, a possibilidade do apparecimento dos Picos de Miraudola dizondo de omni re scibile et quibusdam alivt. Sete artes, divididas em menores e maiores e constituiudo dois

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GERAL DO PIREITO 205

grnpos denoin inados trivium o quadrivium, abrangiam fcodos os conliccimentos (la cpocha* As artes menoros do trivium cram a grammatica, a rhetorica o a dinlectica ; as majores do quadrivium erain a arithmeticu, a geonictria, a nuisica e a astronoiuia.

A simples nouionolatiira das materias indica que o Direito nao entrava como disciplina cspecial e autonomica no piano de estndos das escolas medievaes. Dalii nao se concilia, porém, que elle nâo ont onsinado. Era-o, como fazendo parte da dia-lecticit e portante v i n l i a i nc l u i d o 110 trivium. « O mestre de dia-leetica (diz Biagio Brugi) dopois de ter dado as regras sobre o raciociuio, arguinsntnçao, divisôes, dofiniçôes, conclusôes, efce ; exeniplificnva todas as regras theoricas coin ev^niplos tirades do dirci to civil e assim exorcia o dnplo officio de mestre de dialcetica e de. direito civil. » Nas obras dos dialecticos mcdio-va es, cspecial inente na de Severino Boec.io (Dialectica) oncon-tram-se numerosos exemples desse enrioso methodo de eusiuo. Eis, duas passagens de Boccio bastante signifient! vas :

« Sed ad id totum de quo disseritur, eu in dcfiuitio adhibe-tnr, quasi invotntuni evolvir id de quo quœritur. Ejus argument! talis est forma : jus civile est conuitas constituta his qui ejusdein civitntis sunt ad res suas obtincudas, Ejus au te m œqui-tatis u t i l i s cognitio : utili s ergo est juris civilis scicutia. »... «Sit e i i im diibital. iile an in aliquo agro milii atquc vicino simul |pascere liceat pecus : id est au jus sit coiiip.iseere. Sithjrctum igitur, est agor, compasecre vero prédicat uni. Faiaeinus itaqne argunientum boc modo. Hic do quo quœritur ager coinpascus est, iu compascuo autem licet compascerc, in hoc i g i t u r agro licefc conipascere. »

Nada disse parceerâ oxtranbo si attendermos a que a Grammatica mit, na Edade Media a arte par excellai CM e entrava m uo circule de suas iudugaeôes as antigiiidades ci vis, juridicas e religiosas. Foi a grammatica, por interniedio de Isncrio, que do trivium fez passai' o dircito para a Universidado de Bolonba, e ninda oui pleua floresceiicia das Universidades militas vezes mu sô professor dava licôVs de poesia, de rhetorica o de iustituiyôes civis.

A trausieâo das escolas medievaes para as Universidades

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206 COMPENDIO DE HISÏOJRIA

( UniveraUatcs : île ni unum, vertere universiton) cra unia l'atali-dadc bistorica determinada pela necessidade que son lia a elite\ intellect uni, o clemcnto culto da Edade Media, de réagir contra a estreitoza do regimen fondai, por mcio do principio da associa-j c&o- A mesiua necessidade, no ponto do vista ntaterial, impu-i |zcra-sc ao olemento popular e democratico o fixera surgir as associaçôes on corporaçôos de officies—as nniversitates mitorum, i sartorum, etc.

Soja, porem, esta ou outra a causa do phenotueuo, a verda-1 de é que a partir dcsecnlo XII nos vaines encoutrar nà Ënropa, n&o ja como simples ostabclecimcntos de instracyâo particuln-rcs ou officines mas como verdadeiras coin nui ans espirituaes de lextensas regalias c privilégies, associaçôes ou corporaçôes eom-postas do professores e estudautes, nos quaes eram leccionados larga- e brilbanlemonte os dircitos cauonieo o. romauo, a tlioo-logia, n mediciiia, a pbilosophla, etc. Essns associaçôes ou corporaçôes eram as Universidades, das quaes as mais importantes e que mais rouome obtiveram fora m as de Boloulia e Paris, aliâs diversificadas nos respectivos typos de orgauisaçao.

Digamos alguma eousa sobre o modo de formaçao e sobre a nature/.;» de. cada nma.

A uuiversidaile de Bolouba, mais antiga do que a du Paris, | ■surgira pxpontaticaméntc da assoei.içao de mestres c diseipulos, dexejosos uns de propagar e ontros de aprender a sc.ione.ia do Direito. Os estudautes escolliiam livremente os sens professores I e remunernvaiu-n'os. A earencia de livres impualia naquelle a necessidade das preleeçôes ornes, e qnante mais profond» on brilliante era a palavra do professor mais coneorrido e afamado se tornava o centra universitario onde elle professa va. O de| Bolonhnja tinba nma gloriosa reputuçâo qnando Prederico Bar- baroxa, expontaneamente ou a pedido de estudautes e professores, concedeu a uns e ontros uni certa numéro de inununi-dades e privilégias, entre os quaes sobresnbia o de nîio poderem os estudautes ser poiseguidos pelas nutoridades ordi Hurlas por motivo de dividas e deliclcs quacsquer, tendu o direito de optar pela jurisdieçao parlic.ular dos professores ou do reitor da TJniversidade. A partir dabi Bolouha apparece como cidade

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depois do scia an nos. Apôs esses prasos O candidato sujoifciivase a du as provas : mua parti c.nlar, peranto » arcediago e os dontores, e outra publica, que era a de fessa du iiin.i thèse, feita na cafcbcdral, oom grande solemnjdado. O c.urso completo o coroado sommité pela prova pirbicular d.iva direito no tituln de licencitido. Passade» o 5." anuo de csfcndos o escolar era con-l siderado baeharél c obbinha o direito de cxpliear mn tifculo dos textes on inesnio uni t rat-ado.

A nuiversidade de Paris foi constituida cm 121)0 por Fi-Iip-pe Auguste pela ciicorporaçâo ou fnsâo das escolas de Foiiare e de Montagne Sainte Geneviève. Sua organisante divergia da| de sua rival de B donlia no facto de nâo ser, enmo esta dirigida por uni senado cleito pelos estudantes. Na uni vers idades do Paris somente existiain professorcs e estudantes snbordinados a estes, e nâo cliefes cl ci tes dos quacs depondessein os professorcs. Très faculdados constitniani a principio a nuiversidade : a de thcologia, a de direito civil o a de încdicina ; mais tarde teve ella unia cadeira do direito canonieo propriamente dito, e tal foi o cl aster io que tiveram os seus en rsos, que no coineço do seculo XIII ponde ella orgnlhar-se de abranger todos os conhccinientos lui ma nos o de uiececcr ôs apellidos do. foule do imber, arvore da vida, candelabro da casa do 8cnhorf etc.

Tao numerosos e tîlo importantes como os da universidade do Bolonba eram os privilegios da de Paris. Os estudantes nâo esta va m snjeitos a jnrisdieçâo ordiuaria, mas si m a da TJuiver-sidado nos assnmptos propriamente cscolares e a dasautoridados ecclesiasticas nas outras materias ; gozavam além disso de todos os direitos da communa, embora nclla nâo estivessem domicilia-dos; nâo podiam ser cxcomraungados—privilegio de que eout-partilliavam os inestres ; nâo eram obrigados a dar penbor aos burguezes para garantia do paga mente de alngucis ; nâo podiam ser coagidos, em caso aigu m, a intidar-se ou a p restar sprviços ao Estado, e tinham sens livros isentos de penbora. O cbefe da universidade ou reitor esta va por seu turuo isento da jurisdieâo real, assini como a universidade e os sens mensageiros esta vain isentos do pagameuto do portagens. O prebosto de Paris o o ca-j pitâo das guardas p restavam jurameuto perante os professorcs

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OKHAI. DO iHKKÎTO 207

ou coin mu na «le facto govcrnada pclos estndantes o mestres do Dircito encabeçados polo compétente reitor. A jurïsdiceao dos magistrados ordinarios c da Côrto Kpiseopal exercia-se talves sobre menor numéro do individuos do que a dos proféssorcs e do reitor da TJniversidade, — tal cra o numéro dos estndantes existeutes em Bolonha.

A administraçào snporior da Univorsidade cra cl ci ta pe os estndantes c conferida a mn Se»ado coinposto de très membros : o reitor e dois conselheiros, delcgados on deputados dos dois ) grupos do naçôen cm que se dividiain os estndantes. Estes gru- \| pos erain o dos ulIramonîtinoH, que eomprohendia dczuito naçoes, | c o dos citramontanoB, que conta va dezesetc. A Universidade l'cpresentava-sc em juizo por nm syndico clcito animal mente o | tinha uni pessoal administrativo coinposto de nui notario, uni maceiro, dois bedois o dois taxadorcs, —estes nltimos encarre-gados do fixai' o preço dos alojamentos dos estndantes. As cleiçôes, inclusive a do reitor, faziam se todas animal mente.

Os proféssorcs, por occasi&o da noineaçâo e depois délia «ma ve/. por an no deviam jurar obediencia an reitor e aos estai -tutos e estavani sujcitos a snspeusoos e peints pecuni arias. Os estndantes jura vam tambem todos os an nos obediencia ao reitor. Os do nationalidade ostrangeira (wleena: foreuses) gozavam de todos os direitos dos cidadaos bolonUesos e a mesina régalia cra coucedida aos meatres. Uni outro privilegio de que gozavam i mestres c estudantes cra o de serein indemnisados, pela cidade, ' dos roubos de que fosscm victimas, dado o c.iso de qne o crimî-noso nâo podessc por si effectuar a indomnisaçào.

A principio leccionon-se cm Bdonna apenas a seiencia juridica 5 mais tarde, porcin, cstabeleceram-se cadeiras de grammatica, de medieina, de theologiae de artes liberacs. Os enrsos do dircito dividiam-se em ordinarios c extraordinarios, conforme a materia sobre qne versavam : nos ordinarios leccio-nava-se o dircito romans 5 nos extraordinarios 0 canonico. Para os primèiros serviam de textos o Digesto e 0 Oodigo ; para os segundos 0 Deorelum e as Decrelaes. A obtençâo do grao de doutor em dircito civil on romano sô podia ter logar depois de 8 annos de estndos, e a do grao de doutor em dircito canonico

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GËtlAL DO DIREtfO

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da TJnivcrsidadc, por occasiâo de tomarem posse dos sens cargos—o que é altiimente significativo da autoridade nâo sô espi-ritnal como temporal de que cra deposifcaria a célèbre institui-. çâo. E o intéressante 6 que tal aufcoridade nâo reponsava sobre elementos de fortnna ou reenrsos pecuniarios, porqnanto a uni-versinade era pobro : rciinia-se a mûr parte das vezes n'a m claustro por nao possnir uma casa propria onde fnnecionasse. I As anias abriam-se pela manlia coin as prelccçôes dos pro-fessores ; ao mcio dia começavam as controversias e discussôes, que crain seguidas de no vas liyOcs on dissertaçôas e por fini de repefcigôes.

Podcriainos enclier grande numéro de paginas entrando em outros detalhcs e sobretudo narrando factos c anedoctas da vida cscolar nos dois grandes centros nniversitarios de Bolonha e Paris ; mas iicnhnina importancia real teria isso para o resul-tado a que queremos chegar e que se résume na determinaçâo do papel das Universidades na propagncao c desenvolvimento do direifco, especialmonte do romauo, no ultimo période da Eda-dc Media. Basta accrcscentar que o retombante successo das iiniversidadcs de Bolonha e Paris provoeou, polos tempos adean-te, a creaçao de cscolas congénères cm todos os principacs paizes da Europa. A Ilalia, além d i de Bjlonha, teve as de Sicnna, Perusa, Padua, Parma, Pisa, Ferrara, c Borna ; a França, a fora a de Paris, possuiu as de Montpellier, Orléans, Toulouse, Valence e Bourges ; a Allemanha as de Praga, Yicnna, Heidel-berg, Rostock, Greifswald, Tubingen, Wittenborg e Francfort; a Hespanba as de Salamanca e Alcalâ ; Portugal a de Lisboa, depois transferida para Coimbr.i. E todos esses iustitutos de instrueçao supei'ior, filiaram-se, com pequenas niodificaçôes, aos typos fundamentaes das cscolas do Bolonha e Paris, obedecendo aos mesuios intuitos e talvez aos mesmos méthodes.

Na epoeba em que se den a fcransiçâo das Eseolas das nete artes para as Uuivcrsidades o regimen catholico-fcudal tocava ao seuapogeu c entretanto jâ numerosos elementos de dissolnçao ameaçavam-lhe o coinplicado organismo : os monarebas procu-ravam injectai' sangne uovo na institniyao da realeza de modo n dar-lhe força bastante para lutar com a Egreja, na rocompo—

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210 CONtPEtfDIO DE itlttTORIA

siçao dos sens reinos o na unijicaçao de snos nacionulidadcs| sob a âcçâo do braço secular ou civil : as cidade» agiam ao mesino tempo ora contra a Egreja ora contra o Estado na conqnista de suas libard.ulcs c fraurjnias ; par outro lado o clemento culto da média cdade voltava-se para a cul tara classica on greco-romana, préparai!do o adveuto da Rcn-.iscençn, cm meio ils agitaçôes religiosas que prclndiavam as luta.» da Re-forma. No lundo do tndo isso, cm meio a es s» concerto de ins-| trnmcntos diverses, a nota prédominante cra a da volta ao pnssado, a do reatameato dofiilatino, eorbado pela invaslo gerraanica c pela situaçao social délia decorrente. Ao passe-que os homens de letbras dosentetravam os palimpsestos para estudar c commciitir a antiguidado classica, cspecialinento a civilisacâo rom.uia ; os homens de estado viam com ollios syni-pathicos, atravcz dos vclUos documentes c da compétente exc-j gése, nma ordem de côusas que lhcs convinha, restabelecer, a| quai ncm mais nom menos cra a organisiçâo politico-social da Borna impérial c centralista. (1) Dada tal situaçao o tal estado dos espiritos, o resurgimento dr> Direito Romano ora lima cotisa fatal. Foi dpsse vultnoso e fecundo aconbecimento que as Universidades se lizeram véhicule, por inieiativa da do Bolo-nha, qno se fascinara an tes de todas pelo saber c pela palavra de Irnorins.

Irnorius, Warnerius ou Gnarnérius, grammatico notavel do Bolonhn, foi, com effeito o iniciador do estnpcndo movimento

(1) Cal» aqni ura expvassivo treebo de Esmeiu :—«.Na compilaçào de Jnstiniano os logistas acharam a imigeni do ami monarohi-t absohtta e admiuistvativa, da quil a libardale esta va an'oute, mas do ondo estarnm egualmente banidas as vîoleucias e a grosses ria da sociedado feudal ; ondo reiuavam a ordem e a jnstiça e onlo a noyâo de "Estado estava plenamente desenvolvida com todas as suas c raorjuenuias. Elles aejavarn nnlla a pleua soberania na pessôa do Imperador, que eva o nnioo a fazer a Ici pola quai commaudava todos, lançando exclnsivatnente os impostns sobre todns opj snbditos do imperio, exercendo sô o direito de des tribun- a jnstiça par si niesmo ou por inagistrados. domiuando emfira até a Egroja, apezar dos gran-des privilégies que esta tinha iâ obtido.t»

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| ____ OERAL DO DIHEITO 211

(le rcvivesccncia c reliabilitaefio tlo direito justiuianco. On fosse pclo dcsejo de a char 110 texto das Pandectas (eujo manu- seripto, segundo a logenda, foi descoberto em Anialfi, o offcrc- eido a Pisa polo roi Lothario II) a significuyao da palavra as, (1) on fusse coin o intuito de scr agradavel à bella condensa Ma- lliildc (Titl Fiorentiiii : Memorie délia gran confessa Matilde); o ecrto é que, o bellctrista bolonlicz eiitrcgouae coin ardor ao estudo e iuterpretaçâo do dire i to roniano o terniinon por insti- t i t n i r na uiiivcrsidade de sua terra o ensino daquelle Direito coni o exito mais compléta e scnsacional que se possa imaginai'. Cercado de ccnlenares de discipulos que de todas as partes da Europa corriaiu a ouvil-o, Irnerius fez fort un a e fez escola na/ Italia, ao tempo cm que Abailard, na universidade de Paris, J dcrrainava as torrentes de sua crudieâo e de son prodigiosoM lalento sobre as questôes philosopbicas e theologicas que uo( moniento assediavam as intelligeucias.

A partir dahi o Direito roniano, rejnvenescido como scien-( ci a, ia sol idifiear-sena consciencia gérai comolei, como Iegislacâo substitutiva do Direito cominmn c como rival do Direito Ca-nonico.

Disscmos lia pouco que Irnerius fez escola. É couliecidis-sima coin effeito a escola dos glossadorcs, que durante 350 au nos, a partir do fundador até o epigono Odofredus, varejou de alto a baixo o edificio do Direito roniano, servindo se dus glosait, das suinnui, dos upparalus, dos casus, dos brocarda, das quœstiones o das ordiiws' jiulieiorum, para expor, interprétai*, commeutar, divulgar e adaptai- as necessidades da epocha a legislaçao do povorci (2)

(1) Nâo ignoramos que a data em que se aoredita ter Irnerius ini— ciaélo suas liçôes de Direito roniano é aoterior â do saque de Anialfi ; iras sendo causa gernlmente posta em duvida a legenda relativa ao achado das Pantleetas e ao offereoinieuto do manusor'pto, feïto a Pisa por Lotha rio , julgnmo-nrs antorisados a.snppor que o professor bolonliez nâo pré cisai i de espérar pelo saque de Anialfi para oonhecer a obra capital do Corpus Juris Civdis.

(2) A palavra glotsu ou glosa ou gh satura tem varios significados mas em regra quer djzer interpretafSo. Glossa eram as annotaçôes feitas

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213 COMPBSDIO DE HISTORIA

Qaatro foram os discipulos immédiates de Trnerius : Btil-garns, Martlnn), Hugo e Jacobns, a. vcspeito dos .quaes diz a tradiçao qno o proprio meslro espiûmia-se deste modo : Bul-garas, os aureun, Marti uns, copia ler/um, Hugo, meus leguiu, Jacobus, id quod ego. D'entre os muitos disoipulos posteriores uni, porora, foi o que fi cou como symbolisando os prbeessos e os intuitos dos glossadores :—foi A.ceiu\sio, o antor da Glpssii, Orili-, maria, coinpilaçâo ou codificaçîio dos traballios de seus anteecs-sores, que foi considerada om.v espp.eio de commeuturio perpe-tuo do Corpus Juris Cioilis e que durante os scculos XIII e XIV obtove a nuior voga. Todayia da seguuda metade do Secutpj XIV em deante aGlossi entrou cm umi phase de dccliuio ;n Bartolo o sons discipulos, que introduziram no estndo do dircito os metliodos e vicios da dialecbica médiéval, veduzindo todas las qnestôes a merojogo do palavras e a excroicios de logica nrgueiosa e subtil, de aeoordo com a seguiutc legouda :

Prcemltto, scinda, summo, casamqae figuro Perlegp, do causas, coimoto et objicio.

Esta decadeucia, porem, nâo podia mais affectar o Direito romauo, que jâ cutâo se alastrava, pujnnte e dominador, pela quasi totalidade da Earopa. De Bolouka passou elle successi-vainentc c conçurrentemeute com o Dircito canonico, para as cathedras de todas as outras escolas e univcrsidades daltnlia, peuetraivdo cm soguida na Frauça cujas universidades de Mont-pellier, de Paris, de Orléans, de Toulouse, aléui do outras, o acolhcram e propagaram. Restas escolas da França foi tal o iiieroinento tomado pdlo romanismo que os doutores c autorida-des da Bgreja sobresaltaram se coin o sou ascendento, o que determiuou o papa llonorio III a expedir nma Décrétai famosal a uma palavra ou a nma phrase & margein do inaunsoripto ou mesmo ei-tre as linhas délie,- dîvidiam-se, por isso mesmo, em mirginaei e tiit rli' ntares. Summi eram apanhndns geraes sobre o couteûdo de titulos inteiros do Corpus Juris ; apparatus erara glossas tralialhadns em forma de com-raentarios ; castit eram collecçôes de especies simuladas âa quaes erara np-plioadan as leisromanas; brocarda, broettdi ou brocardica erom collectons de adagios de direito ; orclines judiciomm eram tratados sobre pvooesso,

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GERAL DO DIREITO 213

(dcnominada Saper spécula G publicadaem 1219) prohibindo nos clorigos o cstudo da legislaçâo de Justiiiiano e banindo o seu ensino da TJnivcrsidade de Paris. Apezar disso ou por isso mcsmo o Dircito roinano introduzia-.se iras universidades da peninsnla ibcrica, c afinal pcnetrou lia Allcmauha, conquis-tando a principio as universidades, conseguindo do-pois para os roman istas as prerogativas da îiobroza c obtcndo por ultimo, cm 1495, ser officiaimonte recel)ido na patria do germanisme por acto cxprcsso c solcuine da Diéta de Worins.

Este estupendo muvimonto de renascimento, de expansao e de rccepçao adopçâo final do Dircito Ttoniauo é considerado) polo grande Von Iliering como «um dos phonoinenos mais mara-| vilhosos da historin, uni dos triiuuplios mais raros da força ititcl-lecfcual entregue a si proprio.» Eo profnndo juristn tndesco cxpli-ea-o pela prcdoniinancia do inodcrno espiriio de nnioermUdude sobre o caracter de iiaelonalulatlc do dircito antigo. Sâ-o ainda do Icmincntc professor de Gœttiiigcn as soguintes palavras : «Très vcaes Roma dicton lois ao mundo ; très vezes serviu de traço du imiâo entre os povos : pela uuidade do Estado n principio, rjuaudo o povo roinano estava ainda ua plénitude de seu poder ; pela uuidade da Ejrejn cm s 'guida, depois da queda do Imperio| rom ino, c a. terceira vez, euifini, pela uuidade do Dircito, cm seguida il rccepçao do dircito roinano na cdado-inodia.»

Pode-so por ahi av.iliar a iniporfcaneia do papel que repro-sentaram as Universidades e o diroito roinano no complicado cuncous politico-juridico do periodo médiéval.

§

A obra dos. legistas : Os coslunieiros. — As correntes juridicas que rogaram o solo moral da edade-media nao emanaram sô das fontes germanica, cauonica e roinana, consideradas separada-hicnte, na sua pureza originaria. Uni outro vcio, de signas meiios li m pi das, especio do braço derivado de u nia das grandes correntes c destinado a coiuinunical-as entre si, espraiou-se pela Europa trazeudo sua coutribniçâo de l'crtilidade â terra do Di-|

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214 COMPENDIO DE HI8TOKIA

rcïito. Qucrcmos rcferirnos ao tlircito costumciro e As suas prima pacs maiiifestiiçôes.

O advcnto do feudnlismoj jA o disse m os, ncarretara a sub-, stituîçîio do régi mon da pcrsomilidade, vigontc sob a îuonar-chia frauca, pclo da territorialidnde da.s leis. Quer isso diater que as leges priniitivas e o proprio direitn da.s capitulares forain-sc ponco a pouco trausformando cm costumes tcrritoHaes. (1) Esse plicnomcMU accentuou-sc principal meute do seculo XI por deante. sciido que jA no fini desse sccnlo podia sor elle nbser-vado ou conslatado do îiortê ao snl da Europa occidental. Os priuieiros costumes, mais on menés nicsclados de diroito cnno-l nico c de diroito romano apreseutaram-se, sognndo Esmcin, com dois caractères priucipaes : craui strictamento locacs, nâo se lapplieando se nâo a uni logar estroitamente limitado, c mant-i-verain-se por muito tempo fluctuantes, sem fornecer regra fixa para a destribuiyîlo da justiça. N&o tardon muito, porém, o diroito costumciro a fixarsc nitidamente na pratica juridica, toniaudo logar notavel ao lado das legislaçôes oauonica e ronia-na. eomo succédanco do diroito germanico. Uni facto que, ai primoira vista, pareoc que doveria produzir effeito contrario vcio dar mu alto relcvo historico ao dircito costumciro. Alln-dimos ao renaseimonto do Dircito romano, a propagayAo deste no sul da França c A conbceida divisâo dosta eui paizes de direito escripto e paizes de costumes.

A Frauça méridional, onde os costumes tinliam uni a base toda romana, estava por isso mcsiuo apta para a eonstituiçâo dos dos paizes de direito escripto ; assim quando o direito justi- nianco rejuvenescido transpoz-lbe as fronteiras, ella nâo sentiu difficuldade cm dar-lhe força de Ici viva. Foi, diz uni autor, ------------------ —-»

(1) Uns aufcores attribuera acs costumes mua oi'igem cellica (nn Frauça pelo menos) ; outros encontram-lh.es o berço nos primord'os do feud.v I lisrao. ornfim ontros fazem-n'os docorrer do antigro direito germanico. Esta ultima opiniâo é a mais commuinmente seguida. Os clementos con-stitutives do direito costumciro foram as luges barlarorum caliidas em desuso como direito escripto e rcduzidas a uni dircito nâo escripto que no vos nsos vieram modiijcar e complétai-,

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como nm paiz qno tendo perdido os sens codigos o havendo vivido tliir.intc alguns soculos sô eora a rccordaçïio délies, os tivcsso uni bello dia cncontrado. No sul da Fiança, portanto, o direito costumeiro recuou deanto do roinano, on melhor dci-xou se muito ccdo iib3orv*cr par clhs. Outrobanto nîlo se don na Fronça septentrional c centrai : ahi o direito roinano nîlo foi recel)ido na qnalidade de loi escripta o positiva, c os costumes territoriaes muntiveram-se firmemento, infiltrai! os, npenas, aqui on ali, polos priucipios c regras da legislaçâo romana. A essa| regiâo pertoneem os puizes de costumes.

Estabelecida de facto a divis&o a que ncnbainos de referir-nos— divisilo que foi officiaiinento rccouhc-cida cm França desde| o seeulo XIII, a situayilo jnridica das duas regiôes ficon sendo esta : O direito coin nui m o ger.il nos puizes de direito eseriplo \ sera o contido no Corpus Juris Chnlis,— o qno ciitri-tauto nîlo | qner dizer que as lois roinanas nîlo ecriessem aigu nias vezes a nui costume territorial reguludor de unia especio dada ; nos puizes de costumes, ao contrario, o direito commum c gérai era o costumeiro, o que nîlo impedia tanibem que o direito roinano fosse applicado uns duas hypothèses seguintes : 1." como direito subsidiario no caso de silcncio ou lacuna do costume; 2." como direito precipuo, derogador do costumeiro, cm inateria de contractes c obrigacôes.

A historia do Direito costumeiro fraucez te m duas phases capitaes ; na priincira délias os costumes apparecein dcsiiudos de qualquer s.iuccîlo officiai, sera outro modo do fixaeîlo além i do iiso ; na seguuda apresentam-so fixados por esoripto, cm rccacçôes parciaes, mandadas fazer pela autoridado publica e por clla approvadas o promulgadas. Este trabalho de roilace&o officiai dos costumes começou regulanneuto no seculo XV, soi) Carlos VII, que para conscgiiil-o baixon a Ordenança do Mon-. Lils-les-Tours, e estendeu-so pclos scculos seguintes, havendo [casos de rodaecâo atô no seculo XVIII.

Fallando dessa fixaeîlo dos costumes pela escripta, Esmciu observa o seguiuto : «Si os costumes se tornarnin loi escripta nom por isso se deve crer que elles passaram a ser vordadeiros codigos, comprehensivos e complètes. Elles contiuham muilo

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210 OÔMPEXDIO DE niSTOKèi

pouciis rogras sobre dircito criminal c sobre processo, e quauto no direito privndo c fondai nâo cneerravain senao nm cérto nu-

nicro de institniçôes fiança mente regulumcntttdas. » De resto o largo periodo cm que se realison a rcdacç&o dos costumes torritoriacs nâo foi o mais brilliautc du epoclia jnridïca o iracterisada polo dirci to costumeiro; 6 no periodo auterior, dos SGCUIOS XITI a XV, que nos vamos encontrar os numerosos e importantes documentes que nos podem servir de fontes para o estudo e apreciaçao regnlares do dircito cm qncstîio. Tues document os sao os coatumeiros e os lioros de pralicn — obras de legistas, in a i t os délies notaveis como Fontaines, Beau manoir e Bonteillor, dostinadas a facilitai- o conliecîmento dos nsos locnes e mcsnio do direito gérai on commnm dos paizes de costumes. Kcconlicccndo a necessidade de registrar e compendiar os institutos jaridicos npenas consagrados pelo uso, legistas e

jurisconsultes, advogados c jnizes, alguns fcxercendo altos car- gos da administraçâo publica, encetarani e levaram a termo mua série notavel do trabalhos, desde costumeiros propria meute tacs atO colIccçSen de jnb/.vn'uifos e srnlniças e compilaçôen de pro-verbio* « muxlmas jiiritUca*, Oeiaiparmos-hemos npenas dos contnmeiro», porque sao elles que caractérisant o periodo a que nos reportantes. Direntns primeiramento algo de sua natnrcza e espirito c darciuos depois ligeira notieia de alguns dos prin-cipucs.

« Kiitende-.se por Coatunieiro, diz Esmein, mua obra privnda (isto é, sent caracter officiai) na qu il nm particnlar rcuuin as disposiçôes de nm on de varios costumes.» Ginonlhiac define nssim os costumeiroa : « Sâo obras compostas pot* pntticos uns qnaes forain rccolliidos os nsos' de cada provincia relativos ao direito civil e criminal e algumus regras de direito publiée, de modo a abraear, cm uma ordem mais ou mcuos metltodica, o direito cm vigor no seu conjnncto.»

Jâ daqui se vê a superioridade dessus obras ou dessus redaccôcs particularcs de costumes sobre as redacçôes officines inieiadasno seculo XV : estas limitaram-se a fisar pelaescripta os costumes de tal ou quai localidade; sqnellas forain mais longe, copiando as instituicôes croadas e mantidas pelo uso cm

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GiîftAt DO DÎRËÎfO 2l? *■—------ - - - • —-— --------------- *—■---------------

certas circumscripçôes do paiz, no intnito do expor e divnlgar o direito costnmeiro coin mu m. A nccessidade de pôr o direito em relaçâo eom o dcsenvolvimento social, e mais a de oppor um direito nacional, detenninado, matôrialisado lia escripta, e por isso mesino mais capaz dé resistir as invasôes do Direito roina- no, para que nâo honvesse absorpç&o compléta neste uitimo ; tacs forain, affirma o donto professor de Toulouse, as causas geraes que fizeram nascer pouco a ponco, por toda a parte, na Enropa civilisada, obras jnridicas do mcsmo car acte r, seme- 1 h an tes fondamental mente ao direito gormanico entâo reduzido a condiyâo de costumé, mas tendo conservado a feiçâo uacional de origem.

Acabamos de dizer (pie o movimcnto de rcdaeçâo on coin— posiçâo dos costumeiros foi gérai e nâo resfricto a lira sô paiz. E' esta offoctivamcnte a verdade ; si neste assiuupto a França pode servir de base mais larga a caractérisa çâo do direito cos-tuineiro ex vi da constituicâo dos paizes de costumes em face dos d(! direito escripto ou romano, nâo qner isso dizer que se nâo constate a existeneia dos costumes territoriaes e de cosln-\meiros om quasi toda a Enropa occidental. Na Iiiglatcrra, |»)l> a dominaeâo normamla, surgirain, do soculo XI ao XIII, livros de costumes tacs eomo o das Loi» e costumes do rei Qui-Ikcrme, o Trutnttix de legibus et commetadinibux regni Angliœ, do Glauvilla, o De legibus et eousnetudinibus regni Angliœ, do Bra-cton, o de Britton, redigido em francez sob o reinado de Eduar-do I, etc. A Allt'inanha, por sua vez, teve, ao mcsmo tempo que a França, sens costumeiros (Rerhtsbiicher) c livros dé pra-tica. A este respeito, depois de ter notado as inodificaçôes trazidas pelo fondaiisiiio ao velho direito allemâo, escreve E. Olasson, o notavel jurista francez que prefaciou a obra de Von Sclnvlte : «...Dabi uina multidâo coufusa do estatutos e de costumes que ussemelham-sc mais a contractos passados entre associados do que a verdadeiras lois escriptas on nâo escriptas. Rcsultou disso mua confusâo tal que os csforços oommniis dos homens da lei e dos que governavam as cidades tenderam a dur uma certa liarroonia o uma unidade relativa a essa Variedade do costumes, — do onde os costumeiros e os livros de pra tica

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218 corâPEstoio ï>fi ritsfoittl

estes quasi todos consagrados ao processo.» A niesma cotisa acontocon por toda parte onde penetron o rcginien fondai, 6 que val o dizer ; por quasi toda a Enropa. Voltemos, porcin, nos costnmeiros f rancezes. Ja deix&mos indicados o son caraeter o o son espirito ; nias ha nolics ainda uma feîç&o a salientar, importante mais do que toda s, no nosso ver.

Os coulwniers soo os rocipicnt.es, on depositos jnridieos dos varios elemontos que formaram a trama do direito durante a Edadc-Modia. Ncllcs se fez o trabalho do fusîio e de élabora-ç&o do onde dévia saliir o direito nacinnal francez e desto, por intermedio do Onde Civil, o direito civil mnderno. Ginoulhiao assignalou o facto nestes dois periodos : «Nilo sfto so os usos ou o couimnin costume do paiz que formam o fnndo dos costnmei-1 ros ; elles se coinpôoui tambem de direito canonien c sohretndo do direito romano, cm maior ou mennr parte».... «Nâo sào s6 o direito germanico e o direito romano, o direito fondai c o cano-nico, que se encontrnni nellcs ; c o direito fraucez no son des-abrocliar.»

Este facto basta para dar nma idéa do valor dos trabalho» a que se entregaram Fontaines, Beau manoir e ontros. Passent os cm revista alguns dos refondes trabalhos, visando sompre os mais notaveis.

IjC Conseil de de Fontaines (Conseil a un ami, de Pierre do Fontaines).— E' o mais antigo costumeiro francez transmittido intogralmeute ate nôa. Como o titnln da obra parece indicar, acroditii-sc ^nralmeutc que olla foi rodigida por solicitasses do mu grande senhor, —S. Luiz talvcz, pnrquc seu autor peitcncou a um Conselho dessc roi. De Fontaines propoz se a descrever os costumes do Verniaudois c a pratica dos tribiinacs sce.nlares ; nias na realidade o qnc clic fez foi uma paraphrase, se nâo tra-j dncçào littoral do texto do codex de Justiniano. A data prova-vel do Conseil a un ami devo ser collocada entre 1254 e 125S. j

Les Etablissements de Saint Louis.—Por muito tempo igno-rôu-se n origem e disentiu-se sobre a natureza desto Costnmeirn. Montesquieu, cm faco délie, exclamavu : «O que 6 este codigo obscuro, confuse c ambiguë, onde se misturam iucessautemente |

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GliRAL PO DIREITO 2X9

ft Jnrisprudonoia franooza o a lei romana, onde go fui la conio mu legislador o sonto-se ma jurisconsulte, onde HO noha mu oorpo iuteiro du jurisprudoueia sobre todos os casos o poutos do diroito civil f» Realmento o titulo do livro e o facto do conter ollo uma ordenança uutboiitica de 3. Lui», na quai se pnwrovia o duclo, listera m crer durante unt largo periodo quoi OH Kiltibelecimenlos cru ni uma obra legislativa do rcl Luiz, o Santo, mu codigu do lois confeccionado por este principe. O ettudo MoiiU"N-.|uieu dtividnvu disse, o boje, depois dos traba. Ibos do Paul Viollet, n du vida do aiitor do Espirito dus Leis esta coufli'iiuidii, puis paroce averiguado que o un for du obra foi uni (officiai do rei, que a escreveu pouco antes de 1272, cm caracter purticular. Les Etablissements sïlo, por eouseqiieiicia, mu ver'-dadeiro custninoiro. Sun redactor nbeberou se nus (unies dus di roi tus ruinuiiu o oniionico e priucipalineuto dos uses do Paris] 0 Orléans. Eis a respeito uni texte expressivo da obra : «Cy commencent l'Estublissement, le roy de France, selono l'usage do Paris et d'Orlicus, et do Touraine et d'Anjou, et de l'office do ebevalerie et de court de baron...» D'outre os custuineiros esto 6 aliits o que encerra maior uiuuoro de délai lies sobre o régi mon fondai o o direito dos seuliores uo seculo XIII e sobre o direito civil e o processo.

Li livres de justice et de plet- — Este trabalbo, de autor des-1 coiibocido tambeiu, é attribuido a uni ustudauto da Uuivcr-j sidade de Orléans, e, conforme a opiuiûo du sou priinitivo edi-tbr, iiIJLo passa de uma especio de apustillas do eseolar orleauez a que so confère a autoria do livro. Esta opiniao ô por milites coinbntida e a gcueralidadu dos escriptores considéra Liliorea\ de justice it de plet como uni costumeiro, enibora infurior nos oui rus sob o pu n tu do vista doutrinal o prâtico. Quanto ao scu cotitoddo dia Ginoulbiac : «On reconnaît aisément, qu'il se compose de droit romain ot de droit canonique traduits, on\ [pourvoit presque dire travestis, de droit coutumier, d'établisse!-mciits ou d'ordonnances du roi, do jugements de la cour.* A isto necrescenta Ksinuin : «O direito costumeiro que elle cxpôc é origiualissituo o oprescuta uni caracter arebaico muito pro-nunciado». Do inesmo modo que o autor é dcsconhccida a data

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do costumeiro om questao, sèndo porêm niuito provnvel qne| O^le tivesse appareeido na segunda metade do seculo XIII. I

Coutumes de Beauooisis.— O trntado de direito costumeiro, esci'ipto etu 1283 e assim intitulndo tevo como autor Felippo de Beaumanoir, distincto pocta e jurisconsulte. E' uni dus, mais uotavois trabalhos do seculo XIII, no seu genero, porquu sou autor uîlo se lituitou, couio a oiôr parte dos outvos, a amal gamai' as fontes çosfcunioiras, roinanas e canouioas : no coutra- rio, cniupoz mn livro «absolntamente pessoal c original» un upiniâo doEsmeiu. Déniais os Costumes de Beauvoisis forain uni dos oostunioiros, e talvez o primeiro, que esteuderam o campo do aeçao desses livros ao direito gérai e commuai dos paizes de costumes, abandouaiido as estreitexas de uni costume local. E'| p que confirma ( î i u o u l h i ac quando assevera oseguinte : «A obra de Boaumanoir nio è someute, como seu titulo indien, uma calleccao dos uses de Beauvoisis ; 6 uni costumeiro, na quai estîlo réuni dos a uni tempo os tisos dessa provincia e o direito coinmum ou o costume dos paizes costumeiros do norto da Frauea.» I

Grand Coutamier de Normandie.— Este costumeiro n&u tem autor sabido mas pode-se fixar-lhe o apparecimento do 1270 a 1275. Seu autor dove ter sido mu hoinem de espirito snperior e culto, pois sâo notabilissiiuos à clareza e o methodo de sua exposiç&o. O Grandi- Cuutuinicr foi provavelmente eseiipto ein latim, mas ha délie uma versâo franeeza ici ta na epoelm ein quel é colloeado o seu apparecimoiito, o que tem dado logar a du- vidas sobre o idioma ein que elle foi primitivainonte rodigido. Como quer que seja, o Grand Costumeiro da Xormaudia eontein os costumes que a té fins do seculo XIII vigoravain nas il bas anglo-noriuandas, e obteve, logo depois de sua pnblicaoao, uma voga extraordinaria. Diz uni autor a preposito disso que os tribunaes referiraui-se a elle por mnito tempo como a uni texto officiai. I

Somme Rural. — O autor desta obra fui Jean Bouteiller ou Bontillier, quo viveu ua segunda metade do seculo XIV o fal- \ lecoii ein 1305, tcudo occupado cargos importantes como o de buillio c de conselbeiro do rei. Joâo Bouteiller era uni rega

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lista ardente, uni fervoroso advogado da roaleza disposto a for-talecer-lhe o edifieio coin o cimente du direito roniano. Pur este niofcivo o que elle proourou coin a sua Summa Rural foi «cxpor em liiigua franceza, eiu tennos in tel ligivoia para todos, fts regras do direito roinano na niedida eut que ellas orain reco-hidas pela, jurisprudencia dos briouiiaes secii lares, e iudicar, no lucsnio tempo, as prineipaes, divergeneias dos nos tu nies». Em todo caso, e apczar do sou roinanisnio, a obra de Bouteillcr o uni costume! ro aprociave), pois ul6m do direito roinano, nîlo sô c-itado mas tradnzido, o dus decisGcs profi- ridas pclos tri bu naos dos logares onde o autor exercera jurisdioçîio, ella contem os costumes (le militas localidades do norte da França.

Grande Couluviier de France (Cvutumier de Charles VI).—O costa nieiro doste nome é an tes de tudo uni tratado de direito pratieo que se suppfle escripto sol» o rein ado de Carlos VI (1380 —1122). Nilo 80 llie eonlieee o autor e é miiito provavel que elle fosse o resultado do uni trahallio collective; passa porcin, coino produeçao de Jacques d'Ableiges, persoiinagem notavul que viveu no ultimo terço do seeulo Xrv. Du quatre livres compile-se o costumeiro de Carlos VI : o primeiro contem uinaj parte referente & organisaçâo judiciaria- e em segnida mua série de ordonanças do rei de França ; o seguudo é consagrado aoj direito civil o trnta da justiya, do direito, do costume, dos usos, do estylo, etc. ; o terceiro e o quarto reforem-se ao proeesso.

l'odiamos levur inuito longe esta euumeraçào dos costu-meiros, fallando ainda do Livre de Guido, do Liere de la reyno lilnnche, dos Ancien* iïsHffes d'Artoin, dos Oontiihiôs du Châteht, dos Ancienu muiffeu d'Anjou, da Très ancienne coutume de Bretagne, etc. E mais longe iriamos si quizessamos ju i i t a r a essa lista os livres de pratica (colleeyoes de julgados e de maxiinas jnridic.is) que se succéderai!! aos costu m si rus. M is nâo lia ne-éôssidâdé disso para que teuhaïuos conseguido o nosso fini : — di'uionstrar a iniportancia do direito eosbumiiro e de suas nia-îiifestaeôes no niomeuto em que o Direito romtno reuaseia e rocoiiquistava a Europa, ora ajudado ora eouib.itido pelo direito canouico. Foi uesse momuuto que a aima do direito germauico, transfundida nos costumes territoriacs, oppoz se tenazinente aos

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dois udvorearios, nfco eupitulaodo afinal, sonâo com a condiyao du ter l'ôi'os de cidadît nu capital juridica dos a&saltaiitcs.

Gonsoquentoiuootc fuzeinos ponto aqui, accreaccntaiido entra tanto mua dnphi obscrvaçao que se fa/, ni-cessaria :

l"—Nâo fizomns retercueia «-spécial aos cosbumciros aile-miles, porquo délies (o Suchxavipiai/el e o Schwabenapicgel : cspis-Uni do 8.1x0, ospolho do Suabia) jâ d issu mus o bustaute quando cstutlamos o diroito da epoeha PrancoKa ; I 2. —Nada disscmos uesto cipitulo o no antorior sobre o diruilo luunicipU, ostatuurio ou foruleiro, das ciilaih-.se villas da Europa médiéval, porquo si 6 ver.lade que o moviiuento du liberbayîio das ooiiuuuuas tem uma al ta signiliuaeâo social u po-| litica ; nâo 6 inenos verdade que juridicuinciitu o seu alcance foi quasi uullo. As car tas, os ostatntos, os fonics, modificaram quasi sempro o diruito publioo das cidade-s ou villas, nias nutica HIRS alteraram o diivito privado auberior, mais ou inenos eauu-nioo o toniauo, feudal o coslumeiro.

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Individuaçâo univsrsalista do Dircito apôs a dissoluçâo do Feudalismo,

§

O trabalho de fnsao clos dircitos romano, germanico, começado no seonlo XTI coin o resurgi mcnto do priineiro c S)b o ascendento des te, nao fieou intciramentc roalisado don-tro do periodo médiéval c nom as condiçfias soéiaës o politicas |da epoolia pormittiam efïectnal-o eabal o defiiiitivamcntc.

Dissolvido o rogimen cathnlico-fondnl, a iinmixln<;ào d:is| très grandes correntos jnridicas foi se fazondo progressiva mas lentaincnta atravez do todos 03 grand os nnontecimcntos quo| propararam o mnndo mndcrno : a reconstituiçao das grandes nacionalidadcs, snbmcttidas ao pod.tr mal, a Ronasocnça, a Reforma, o movimento philosophico do secnlo XVIII, e o co-rollario natnral dosto : a revoluçâo franceza.

A rceonstrneçao on rcnomposiçao dos grandes osfados, on an tes a reconstituiçao do podor real effoctivo e soberano sobro os dcsfcroços da rcaleza fondât simplosmcnto honoraria, tronxo nm dircito novo reprosentado pelas conslitulionits prliwipum, di-vididas cm ordenanç.is, edictos, roscriptos, cartas patentes, ele c polos arentoH regulamcntarea dos parlamentos. A tondencia de tal legislnçao, toda iusufllada polo espirito do romanismo era a

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da nnificaçao juridica, ao mesmo tempo eomo causa e effuifco da nnificaçao politica. E ossa tendencia de nnificaçao era ja uni symptoma dos trabalhos de codificaçâo qne iam ser eflectuados na Europa continental e especial mente na França. Da luta travada na edade média entre os varios elementos sociaes e poli ticos qne disputa va m a proemiuencia espiritnal c temporal, navra sahido nm estado de consas que fatal meute daria a França a precodencia nessa faina de codificaçâo.

A este proposito couvem rocordar as segnintes pal a v ras de Ernest Glasson : «No pnnto de vista (la politica interior de eula paiz, a edade média resume-se cm um.i luta entre a naçâo, a egreja, a monarchia e a feudalidade. Estas qnatro forças) estiveram cm uni permanente estado de conllieto com o fi m do obter a supremacia, combatendo jâ isoladamentc ja- nllindas muas as outras. A luta terminou-se : na Inglaterra pelo esta-bclecimcnto de uma monarchia limitada que dcixou nas mâos da naçâo a porçâo maior de governo ; em França pela conso-lidaçâo de mua monarchia absolut» a té 1781) ; na Allemanha foi a feudalidade que triumphou e pouco a pouco rediuiu o im-perador a uni verdadeiro estado de impotencia.»

Abstraliindo da Inglatorra. eu j a si t naçâo especial, politica e juridica, subtrahiu-a as inlluencïas gérai mente dominantes no continente (l) a tendencia codifieadora eedo surgiu nâo sô na França fortomente centralisada eomo na AUcmanha retalhadal em grande numéro de estados independentes.

(1) Sobre o pretonso indiganismo abôolnto do dirailo ing]oi c oonreni-BiitiO onvir a «piniâo du Sumner Maine*, emittida m« spjruintes terraos : <&A opinido vnlg.ir d>* qne o costume inpfli-z serin inteiramonte iudiffena tem rido aempre tâo faoilmente ref utadn pela oomparaoiïo a mais snpnrfioinl dus taxlos do Bracton e do Fleta ,'The Fleel) com o Corp a* Juni que em favor da bôa fc dos historiadores qne a snstentam estâ-se hoje redntido a allefrar a violencia dos sons prajnizos. P resentemante sebretndo qno a noonmulaçAo dos fragmentes das collecçoes anle-justinianeas e a dosoobertn do mannsoriptb) de Gains augmentaram nosso c-nhaciinonto do Diraitn romane, sob a forma qne elle ponde ter no momento em qne ponetron na Bretanha, a hypothèse de uma filiaçâo paroiid, ao nien.es na origem, muda-so quasi em oerteza.p

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GËÎIAÎ, 1)0 DlREttO 225

Em França, comcçon o movimento de unificaçao, base do de, eodifieaeâo, com a redacçsio dos e.osfcnmes e coin a adopçilo do Dircito romano coino subsidiario do costnnioïro, — movimento do que nos occnpa-inos no capitnlo anlcrior. As ordenanças reaes vierain oui segnida collaborai* na grande tarefa. Sabo-se que as de. Lniz XIV sào verdadeiros codigos sobre o procosso civil o criminal, c sobre o direito commercial terrestre e mariti-mo. Na Allemanli.i, a partir do secnlo XIII a tondencia gérai da jiirisprr.dene.ia allemïl (diz o citado Glasson) foi 110 sentido de estabolccor a harmonia e a nnidado na mult-idfto confusa dos osfcatntos c dos costumes. O direito romano continua a obra de unifioaçào a uni tempo eonio loi e como sciencia ; como loi dando aos différentes costumes regras communs, como sciencia satnrando os jnriscousultos do mesmo espirito. Dontro em pouco a reforma dos costumes dâ a cada cidade son codigo ; depois vccni os de certos paizes soi) a dcnnminaçâo de Land-redit: o codigo de Wurtemberg (1555) o da liavicra (l(il'i) a ctmstilitiçâo do eleitor de Saxe (1592) c o Landrecht prus-siuno(17fU).

Este movimento coriosissiino, especic de rcacçâo neeessaria, | consciente ou inconsciente, contra a dispersa*) feudal; irradioti-se pelas outras regiôes do continente europen, mesmo as mais afnstadas do fôco romanista. Assim 6 que a Rnssia teve o Codigo de Catliarina II cm 1770, c a Suecia, a Nornega o a Dina-marca confeccionaram quasi «o mesmo tempo as suas priinoinis compilaçôcs de leis. Na pcninsula iberica o Codigo dus Set a | Partidas c as Ordenanças portuguezas de I). Affonso, D. Mannel o D. Fclippc II obedeceram a tendeneia da epochn. Qnanto a Italia, si soincnle mais tarde, cm principios do nosso secnlo, tomou clla parte no movimento, 6 que, impregnada do direito roiuauo, tinha no proprio espirito destc o elomento de unificaçao que os outros paizes procuravam nos compilaçôcs e codifi-caçôcs. Embora cmarankada em uma formidavel rode de fontes jnridicas como fosse m as lois longobardas e rômanns. as constituiçôos o os capitulos do rcino, as pragmaticas, os privi-legios, oa costumes geraes e locacs, o direito eanonico, etc., a Italia nfto precisou do mover-se durante a edade média no son

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226 OOMPENDIO DE HISTORIA.

tido indicado, porqne, coino se vcrifica do uni trccho do Save-rio do OU lis, «a tcndcnoia manifestada na soicnoia c no fdro fut de cooiàenar senipre mais cuda couiplexo de leis aos prln/ùpios do\ sah'-r diitlffo.»

K a vordadc desta nossa aprcciaçao sobre asitnaçfco jnridica da Italia evideneia-se flagrnntc.mcnte. qnundo se attenta n'nnia I circnnistancia capital nesto assnmpto, que 6 esta :—a tenden-ria para a nuincaçilo c eodifieaçâ-o jnridicas foi dotcrininada| polo ascendento do Direito roinano sobre os outras dircitos vigontes no deenrso do periodo médiéval. A dissohiçâo do regi-men fondai foi foi ta, cm grande parte pelo Direito roinano, oiu favor da rccoiistitniçfto do podor roal edas grandes monarobias ; estas, cm compensaçâo e tambem por intéresse proprio, forain 1 évadas a fazer a nnilicaçâo c a eodificaçîio das legislaçôos cm proveito do direito romauo, que eonsegnira primai* senâ-o absorver todos os dircitos rivacs.

Mas a plona e definitiva réalisa çâo da tendencia oodifica-dora, isto é, condensadora de todas as forças on. elcmcntos jnri-dicos mais on menos fusion ados do secnlo XII cm diante, sô vcio a dar-se no conicço do cadente seculo coin a confecçâo do Code Ci cil on Codigo Napoîcûo.

No meio da grande crise politica e social que rebenton na França cm fins do secnlo passado e qnc derrocon o regimen da monnrcliia absolntn, lançando os fundamentos do direito pn-blico moderno e da civilisa çâo actnal, a Asscmblca Constituinte nîio se esqneceu de prometter aos francezes a confceçJlo d« nia Codigo Civil cominum a todo o paiz. Conbc a Oonvonçâo en cotai" os trabalhos nossc sentido, sobre a poderosa iniciativa de Oninbaeérès ; mas foi o consnlado que teve afin al a gloria de transformai' cm re.didade a brilhante promassa da Constituinte. Por uni Décret o de 21 Thermidor, aiino VIII, foi nonieada aina commissâo incunibida de «comparai1 a ordom segnida na redae-Çâo dos projectos de codigo civil pnblicados a té entâo, deter-minar o piano qnc lhe parecesso mais convcnicntc e disentir cm segnida as principaes bases da legislaçâo cm materia civil.» Os jurisconsultes designados para essa commissâo forain : Tron-chet, présidente da Côrte de Cassaçâo, Portai is, Bigot de Prea-

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montai e Mnloville. Em pluviôse do an no IX cstava prompto o trabalho da couunissao, que depuis de submcttido a discussîlo Q approvaçîlo da Côrte de Cassaçîlo, (las côrtes de appellaeîio e du Conselbo tle Estado, fui por fini prnninlgadu pela Ici de 30 ventôse do anuu XII sub u titulu de Code Civil des Français.

Aprcciando u contoûdo desto notavel curpo de leis, escre-veu Ginuiilliiuc :

« Soi) a iiiûueucia das idéas nienos absolu tas, mciios cxclu-sivns, que tiubam eurso entâo na sociedade e que tciidiam eada dia mais a ligar o présente au passade, a reatur n cadoia inter-l'ompidu por uni nionieiitu das gornçôcs e das tradiçôes juridi-cas, os redactorcs du Codigo Civil, difierentomonte de sens antecessores cm materia de logislacao uâ-o tiveram a iutençao du répudiai' a rica lieranea de sens paes, como elles proprios a ebauiaraiu ; quizeram, se ni sacrifieal-os uni ao oulro, associai' o elomento juridico novo, a fini do que eoininunicaudo-se respo-efcivanuiiito sua propria força, dessein elles ao curpo iuteiro uni a onergia e unia vida novas. Foi assiui que depuis do ter feito unia Iransacçâo entre us dois grandes ramos do dircito antigu, entre o dircito escripto e os costumes, e de ter conciliado suas disposiçôus uu du tel-as uiudiûcado u mas pelas outras, sein roiu-per a unidade de systema, elles cuiiservarain das ulthnas ordu— un n cas tu du o que se referia & ordem esseucial da sociedade, a. I manuteiieao da doeencia publica, a seguranea dos patriinonius o â i>ruspcridade gérai ».

Mais espressivo, porcin, do que Ginoulbiac 6 Saverio do i Cillis quaudu diz :

H Uma triplice urdem de idéas enferma u Codigo de Nupo-leao: (I) — o clemcnto germanico consngrado no dircito cousue-

-

(1) O titnlo de Codigo NapvhSo, substituido ao do Cudv Cnil dus Français foi decretado em 1807 pelo primeiro Bonaparte, que, alins, tomara parte, como primeiro consul, uns discussôcs do Conseille do Estado por occusino de elaborar-se o Codigo. Sob a restauruçâo foi supprimido o titnlo do Codigo Napoleâo e manda do comervar o primeiro. Ainda porom em 1852, sob o segundo imporio, foi reslubi'lecido o titulo que coiisignuvu o nome do grande conquistador.

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tudiuario do militas provincias daFrança, o elemento phtlosophioo\ modcrno, desenvol vido au influxo das idéas rovoliioiouarias, ng-grossivas do todos os priuoipios do autoridade o de familia, o o elemento romano. Ao primeiro dostes elemontos correspondent nsseguintes iustituiçôes : o couselbo do familia, a communliao do bons entre os coujuges, o conçu rso do herdeiro testameutario coin o nocessario, a saisine, isto é a transforencia ipso jure da posse da herança aos licrdoiros, indepeudentemente dii posso luatorial dos bons, a posso animal, base da ueeîto possessoriu, e o prinoipio tpio attribue o valor do titulo à posse, nas cousus inoveis. Ao segundo elemento perteneem : a restrice3.o do patrie poder, a aboliçâo das substitniçôes fidoicoininissarias c das desherdaçôcs, o sasamento civil o o divorcio. Ao tereeiro elemento ligam-sc iinalmeute : as regras relativas & propriodade, ils servidôos, exceptnadas as dus cdiQcios, oslogados, os cou-traotos c as obrigaeôes.» I Destc quadro, tilo singcla e eloqnentemente traç.ulo polo douto professer italiano, infero-S3 a rigorosa exactidao do que te m os vi i ido affirinando sobre a synthèse germano-canon ico-romana, que ao iinpulso intell ectuil dos humanistas da Remis-cença o dos pbilosophosdo seculoXVIII, andaram inconsciente-mento operando, por largo tempo, as sociodades ciiropoas. Infere-se tambem, e principal mente, que fui no Code Gioil que 80 roalisou a fusâu deiiuitiva das alludidas corrontes juridicas medievaes, de volume e de curso ja niodificados pelas uovas iiecessidadcs e aspiraçfles luunanas. Fui, al i ils, a adapta va» daquelles elementus a tacs uecessidudes 0 as aq>iraçô..'s que J trouxe au CWe Civil a voga iininunsa e a prepouderaueia extra-ordinaria que lbe furaiu apauagiu e que aiuda boje fazem délie o puutu de partida e 0 fôeo de attraeeâo de todas as legislaçôcs 0 legisladores.

Com elle i tu, nao furam sô as couquistas de Napole^o I que li'varaiu por toda a parte e iizeram acceirar a grande codilicacilo i'ranceza ; fui tambem, e talvez mais do que tudo, a inl ini a currelacau duquel la ubra legislativa com as teudencias eus ideacs du luuudu moderne 0 das nuvas nacionalidades. O grande imper ado r îiâo ostoudeu suas couquistas até a America

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GEKAL DO DIREITO 229

o ontrotauto nesfca parte do ni un do tauibim ponctrou o sou Co-digo, que tem servido du modelo a quasi todos es da America do Sul, que entro nos 6 considerado direito subsidiario, e que na propria America do Norto iulluoneion fuudauiento o Codigo da Luizinuia o os projectos do cousolid.ioao on codificaçao das lois do New York.

Sâo insuspeitos a este respeitoos assortes do Sninncr Maine, no son adiniravel estudo sobre O Direito romano e a educaçûo juridica. Diz o emincuto jurista-pkilosoplio :

«A eonqnista iiiiplantoii esta collccçao do lois (o Code Cioil) por toda extensao do Imperio franeez e dos roi nos que dollc dépend iam iinniediatiiincntc; e é incoutestavel que tacs lois ahi orcaram riiizës coin uma rapidez e umi tenacidade extraordi-narias. A mais bella liomcnagom que se poss.i prestar nos oodigos fraucozes é sua grande e dura vol populuridudo junte do povo, do publioo profane, dos paisses cm que elles forain intro-duzidos. Por ocoasiîlo da queda do imperio dos Bouapartos cm 1815, a niaior parte dos governos restau rades experimontarain o mais vivo desejo de expulsai' aquella jurisprudoiicia iutrusa que se tinha substituido nos antigos costumes do paiz. Aeon-teceu porcin que o povo a estima va conio o mais precioso dos sens bans. Baramcnte ousou-se persévérai' uas tentativas foitasj para derrubul-n, c na môr parte dos casos os codigos franeczes forain restubclecidos depois de uni curto exilio. E nie sô o rcs-peito do suas lois se confirmou em quasi todos os paizes cm que tiubam vigorado algum tempo, eoino aleui disse ellas iizeram cnuiiulio cm limitas outras"sociedades, por vezeS mesmo a des-peito dos obstaculos politieos os mais formidaveis. Tâo continua e tâo irresistivel foi a diffusao dessa jurisprudencia romunisada, qner sob sua forma original quer sob mua forma ligeirameute altcrada, que o Direito Civil de todo o continente esta destinado claramentc a vir absorver-se o perder-so nolla.»

Tudo isto 6 perfcitaniento exacte e claro ; mas lia alii um poiito obscure que ô preciso i l luminai ' . Dissemos que o Direito romano contribuira, cornu uni dos princip.U'S factorcs, para a reconstituicao do poderreal e das uovas uacionalidades, grandes e un»8, em que se traosforiaaraiu os pequcuos estados fendues ;

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230 COMPEXDIO DJ3 BIBTORIA

nccresccntâmos a issoquc as naeion,alidados reeonstituidas, como que pagaram uma divida do gratid&o ;\i> direito l'onisino peloâ services délies recebidos, procurando eonsagrar a sua supra-, macin sobre os outres direitos pela canfeecao do compilâmes ou Codigos obedientes no espirito gérai da jurisprudeueia romana. Pela expos'içâo feita sabeiuos que o Code CioU foi n expressâo niais elevada dessc designio, e tâo éloquente c suggestiva que Se finpôz a uiaioi' parte da Europa c da America. .'

Resta agora indagar quai a cousu efficiente desse phénomène do irradiaçao ou generalisaçâo, pois evideutemente nâo uns basta affirmai* que ella residiu nu iutinm eorrellaçâo entre as disposiçôes do Codigo o as aspira çôes e uccessidades sociaes do moine nto. Porque rasâo o Coda CioU e o espirito que o animai gozuram (laquelle estupendn poder de expnnsîlo, que uào teve cgual cm neidium outre corpo do leis ? I llespondeinos, sein medo de errai* : — porque a aima do direito romano vivifica-lhc o organisme) e inspira llie desde o eomcço o sentimento de nnioertuiluladc juridica que Renia despn-volveu a par do sentimento de universajidade politieu

Procurando ex pli car o facto da recepçao do direito romano pela Allemaiiha médiéval, o glorioso Ihcring fui nchnr ossa ex-plicaçao no caracter de unicersalidade do direito modefno, con-traposto ao caracter de nacionalidade do direito autigo. Nao reproduzirenios as bullissimas paginas do iinmortal autor do Espirilo do Direito Romano a respeito da Ici de recepçao e assi-milaçâo que préside tanto pliysica como intellcctualmente no desenvolviinento dos organismos vives ; nao exporemos tâo pouce suas fecundas opiniôi'S sobre o falso supposto da escola historien quando vê aiuda hoje no principio dus nacionalidadcs a base uoica do desenvolyimento do direito; accentuaromos apenas a thèse capital de grande jurista.

Sustenta Ihering que 6 a ici eu de unicersalidade que caractérisa o période historico-jnridico que vom dpsde a idade média a os nossos «lias ; que essa idëa é que constitue o mole de rcligayao da era aetual do direito. E no meio da larga copia de argumentes coin que jnstifica sen modo de ver, iaz notai* que o direito philosophico ou nutural, proelamaudo a sua tlicoiia

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GERAI DO DIBEtTO 231

du generulidade do (liroito, indopendentemcnte do tempo e do logar, nada mais fez do que confirmai* se coin a di rccçâo espe-cial dii hisfcoi'ia moderna c fôrïiiùlar scicntincamcntc il coinniu-nidade e nui versai idade rcaes do moderne direito.

Si nos fosse permifctida a andacia de additnr algnrna cotisa a mu nssumpto tratado polo sabio professer de Gœttingcn, dii'ianios que si 6 exacte, que a idôa ou principio de Uni versai idade explica o facto da recep<;âo do Direito romane cm uni paiz de populaçîio e tradiçôes nào latinas como a Allemanlia, n'ii) 6 incuos certo que o facto da introduoçâo e propagaçâo do Direito romano eni toda a Europa explica-se pela propria trn-dencia de uniocrmUdadc immanente na jurisprndencia romnna o franeameiitc deiiunciada nos sous institutos' do jus genlium e c do jus iialiintle.. Foi de certo ex vi dessà tendeucia que o direito romano « tornou-so para o miindo moderne, como o christianisme, como a l i t t ora l n i a e arte gregas e roui an as, uni | elemento de civilisaçâo, de m "lo a toruar romana toda a nossa| edneaçâo jnridica : o nosso inethodo, nossa forma do intitniyâo, etc. » Oi'a como o Code Civil cra e 6 mua Icgislaçâo ronuinisada, na expressao de Sitmnor Maine, nada mais natural do que| aquclla sua poderosa força de expausâ') c de nniversalis.içâo.

§

De tndo que aeaba de set* dito conclue-se coin fac il idade que uma feiçîlo gérai caractérisa o direito das sociedades modérons, depois do esboroamonto das institniçôos fendues : a iiidividuaçûo unioersulinta. A.' prinicira vista poder.'i parecer que ha alii uma contiwMclo in adjecto pois a idôa de individua-çsio ou individnalisiiçao contrasta coin a do uni versai isaçao. O contraste existe mas nâo inquina de inanidade ou falsidade a formula exposta. Uni todo organico pode individualisar-se e uni versai isar-se ; aindividuaçao 6 de ordem physica, a uni versai isaçao 6 do ordem moral. Tambom uma das formulas géra es do progresso jnridico 6 a pissagem do homogenco para o èfchc-rogeneo, do simples para o composte, e nom por isso a evoluçao

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232 COMPENDÎO DE HI8TORIA

rcspcctiva deixa «le fazcr-so no sentido da simplificaçaO ercs-conto o aboliçâo final das formas consagrartns, on sucra incntaos.

Rctoniamos pois o nosso assorte e rcpctinios qno o direito moclerno nprescnta uni dnplo caracter de individnaeao c uni-versalisaçao. O primciro constata-se na. tende ucia gérai para as eodifieaçôes, (pior dizer, para a pcrxtmitlisaçna das naçôes on Estadns ua espbera j'iridica ; o segnndo e fncil mente verifieavol no csp.rito philosophiez o cada voz mais cosmnpolita dos sys-tomas jnridieos sobre quo repousam os codions. A rasâo poli-tica da uasciincnto no primciro canicter, a rasâo liuninua o sociologica détermina o sogundo.

O inovimcnto moderno vai todo no sentido do alargar, de généralisai', do universalisai1 o direito; concorreram para isso, | a prineipio, o espirito dos direitos romano, e canonico (esl'o prorundamente univcrsalista por sens intuitos) e as aspiraçiVs dos philosophes o juristas dos seculos XVII e XVIII ; coneor-rem agora as no va s ncccssidadcs sociaes, os ideacs de frater ni-j saçîlo internacionnl e humaua, o espirito gêneraiisador o social da Scicncia, a oxpansilo commercial e indnstrial, etc. Mus a par disse o referido moviiuento vai tanibem no sentido de espe-| oialisar o direito de cada povo, de fixai-o, do demarcar-lbc as IVouteiras, do coudensal-o emfim, de modo a podor tornar-do possivel o scu conbociuicnto, por mcio da eseripta e da ira-prensa, entre todos os povos civilisados do plancta. E' esse o papol dos codigos.

Presentcnionto a siituaçâo jnridica 6 a qno abi fica dose-nbada ; a do futuro son'i natural mente a contiiiuaçilo des ta, si a Ici da filiaçîio historien 6 nma verdade. Qnanto â do passade todo este livre encarrega-se de dizer o que cl la foi. Ilcsuuiil a, de accorde coin os capitiilos que deixanios traçados, é qncslâo de niera paciencia.

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Post-scri ptum

« Nus n'entreprit onques (lovant moi Ccste chose, dont faie\

exemplaire » disse, no seu froncez du secul-o XIII, Pierre de Fontaines,

referindo-se an costninei.ro de sua lama CONSEIL A UN AMI.

Outra tanin posso eu dizcr do présente trabalho. E digo-o, ndo

para exaltar o mcrecimenta délie, mas para exeusar-Vie as fol-tas e.

defeitos, que devem ser cm grande numéro.

Nào coiiheça obra alguma sobre a historia gérai do DireÀU), nem\

me eonsta que se tenha publicado, nestc ou naquelle idioma, quai-quer

compendio ou resumo desta materia, que a ser devidamente tratada

dcmandaria uma dezena de nntridos volumes.

O programma e o methodo deste livra nâo livcram, pariantn,

modela algiim. Os mol des cm que elle esta feilo, bans ou mâos,

pertenccm- me. Sirva isto de atténuante para as falias e erros que

eu tenha commet! ido na exploraçâo da materia, e que sâa, aeredito,

cm grande numéro. # Em compcnsaçâo aeredito lambem que, apezar damiperfciçâo

da obra, prestei com ella um grande serviço aos estudantes de

direito. E foi sô para elles, especUdniente para os men» discipulos, que

J x 30

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a cscreoi. Obrigndo a Icccionar a mater ia nu Faculdude- dt Direilo eu tiiilia nccessidade de alguma cotisa que me servisse de texto As explicaçôes ou liçiios c hrm cedo verifiquei as dif/ieuhhides énormes coin que Inlaoam os alumnos para estudur uni assnmplo, que cm Iparte alguma eneontraoam compciidiudo. l'or hem délies e meu htneci-me entâo ao trahalho de que salua este livro.

Entre os defeitos que Ihe possam ser apontados lalooz csiïja o de ter sido elle escrlpto cm nm estylo, que provavelmeute sera repu-tado coma desprnvldo dit clareza e da sobriedade didacticas. O gongorismo que algnns critieos censuraram na minhtt HISTQUIA

DO DIREITO NAOION'AT, deu ainda entrada no présente compendio, ao que me parées. Perdoem-me os erilicos a reincidenclo ; 6 que nâo se. muda de estylo como se mndu de ronpa. Déniais eu nâo estou convencido de que sô pode haoer seieucia onde ha se cura c aridez. JPcnso viesmo que os mens discipulos me agradecerâo o amenisar a insipides e a n'attirai secouru de certos assurtiptos com uma lingnagem uni tanto imaginosa e suggestiva. O attractivo da forma détermina quasi sempre um certo interesse favoravel ao/undo ou essencia mesma da cotisa ensinadu.

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Dito isto furet apenas duus obseroaçôes :

Qaando tratai do Direilo Iiomano tive de abandonar o methodo

seguido nos capitulas anteriores, e a partir do IX, rclativo nos ger-vu m

os, tioe de continuai' sensivohnente afastado do rrferido methodo. Non

primeiros capitulos a eomeçar do segundo, tive de fazer t'-itnjunctamente

a historia interna e externa do Direilo, ou antes dos varias direitoH est u

dadas. Coni o Direilo llomano nâo me erapos-sieel ne ni necessario fazer

a m ennui conta, Nâo era possivel, em virludc du largueza da materin ;

nâo era necessario, porque a\ legislaçâo romana tem cadeira especiul no

curso de esludos da Fa-cuidade. Limitei-me, pois, a fazer a philosophai

da historia juri-\dUso-ronwim. Quant o à desciaçào de methodo dada ou

coniinuada nos capitulas posteriores ao VIII, o que me cwnpre dizer ê

que \ella natitralmente se intpunha. Km tues capitulos ative-tne de pre-\

fereneia 11 historia externa do Dircito, procurando sempre no em-\tanto

salimtar o caracter das varias inslituiijôes juridicas.

A segunda observaçâo a fazer é a seguinte :

As toutes o que recorri para a confecç&o deste trabalho .sâo\ de

ordem secundaria « forain proposilalmente indicadas para faci-

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htar aos estudantes um esludo mais largo dos varios assumptos. As fontes primarias, os velhos doeumentos, as grandes collecçôes e as obrus dos erudilos que sobre ellas trabalharam, sào inaeeessioeis entre nos aos estudiosos. Limitei-me a indi,c(d-as no texto, ao\ passe que me iu occupando de tal ou quai situaçâo juridica. Uma\ outra rasHo, a du probidada litteraria, levoume a fuser a iiuliA caçào dos fontes em que procurei subsidios. l'or elles podem ser constatados os emprestimos de idéas e de palavras fvitos aos varios autores que consulte!, dos quaes militas cezes reproduzi phrases e trechos que eu nào poderia substitnir sem desvantagem para a expjsiçào da materia.

Dadas estas explicaçôes ao leitor ponho ponto a qui a este pcst-| scripliuii.

Eecife, Abril de 18.90.

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Indice

PAGS. Evolucao do Direito e lois que a domina m .............................. 7 Osprimordios do direito objectivo lias rayas iuferiorcs. 10 As grandes iiionnrcliins antigas (la ni ça amarclla. Insfci-

tutos juridicos da China, Perde Mexico.............................. 31 O direito no antigo Egypto ............................ ..',... .................... 40 Aryauos e iraniauos. O vélin» Direito da India e Porsia. 4l O direito feutre os se mitas. Hébreu» e Arabes ......................... 80 A vida juridica na Greciil antiga...................................... ' ........ 97 - liomu. Phases principaes de sua cvoluc&ujuridica .................... 110 Celtas e slaves; sua antiga pliysioiioinia jur i d ica . Os

gerinanos e suas institniçôos primitivas.............................. 130 O Direito gcrinaniçpda epocba frauca. O «Corpus Juris

Gormanici». Intuicâo do Direito peculiar aos germa- nos, revelada nos sens institutos processuaes ..................... 1Ô7

Correntes juridicas medievaes ; O Feudalisiuo ; O Direito Fondai. — A Egreja ; o Direito Giuouieo. O _«Corpns J u ris Canon ici»................................................. 170

Outras corrcïites juridicas medievaes :—As Univcrsi-dades ; o Direito Iiomano.—A obra dos legista ; os Costiiinciros........................................................................ 203

Iixlividuaciio nui versai ista do Direito apôs a dissolu- eâo do Feudalismo.............................................................. 223