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AS COMUNIDADES INDÍGENAS EM MINAS GERAIS Breve Histórico sobre as Comunidades Indígenas de Minas Gerais Ana Paula Ferreira de Lima * No Estado de Minas Gerais há atualmente doze etnias indígenas espalhadas em dezessete territórios diferentes. As etnias são: Maxakali, Xakriabá, Krenak, Aranã, Mukuriñ, Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, Catu-Awá-Arachás, Caxixó, Puris, Xukuru-Kariri e Pankararu. As doze etnias que vivem atualmente no Estado de Minas Gerais são pertencentes ao tronco lingüístico Macro-Jê e contam aproximadamente com onze mil indivíduos. O povo indígena conhecido hoje como Krenak, habitante da margem esquerda do Rio Doce, município de Resplendor, na região Leste de Minas Gerais, formou-se ao longo de um processo histórico marcado pelo caráter violento da expansão econômica sobre aquela região, originalmente de densa mata atlântica, onde diversos grupos de 'Botocudos' - resistindo à colonização em outras zonas já 'conquistadas' pelos brancos - se abrigaram até meados do Século XIX. Os Botocudos - nome com o qual os portugueses pejorativamente os designavam, em referência aos adornos usados nas orelhas e nos lábios - ou Borum - termo que significa 'gente', em língua indígena, e que segundo o qual os Krenak designam hoje a si e aos demais índios, em oposição aos Kraí, os não-índios - eram falantes de uma mesma língua, apesar das significativas variações dialetais que serviam para demarcar diferenças entre os diversos grupos nos quais se compunham. O grupo liderado por Krenak foi o último a negociar com as autoridades governamentais seu processo de 'pacificação' e 'civilização', ocorrido logo no início dos trabalhos do recém-inaugurado Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, em 1911. O povo Aranã também tem sua origem na história dos Botocudos. Distinguiam-se, no entanto, politicamente, de outros grupos Botocudos, mantendo inclusive uma pequena variação dialetal, significativa da distância que mantinham estrategicamente, como forma de reafirmarem sua diferença dos demais. Os Aranã foram aldeados pelos missionários capuchinhos em 1873, no Aldeamento Central Nossa Senhora da Conceição do Rio Doce, onde grassaram epidemias que dizimaram a população. Alguns sobreviventes migraram para o Aldeamento de Itambacuri, de onde saíram os ancestrais dos Aranãs de hoje, para o trabalho em fazendas na região do Vale do Jequitinhonha. Fixados nos municípios de Martinho Campos (fazenda Criciúma) e Pompéu (fazenda São José) - região centro-oeste mineira (aproximadamente 206 km de Belo Horizonte) - os Caxixó somam cerca de 100 indivíduos na comunidade do Capão do Zezinho, área rural que concentra o maior contingente populacional caxixó. Foi a comunidade do Capão do Zezinho, localizada às margens do rio Pará, que deu início à luta caxixó pelo reconhecimento étnico oficial.

Historia Povos Minas - POVOS TRADICIONAIS

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Historia Povos Minas - POVOS TRADICIONAIS

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  • AS COMUNIDADES INDGENAS EM MINAS GERAIS

    Breve Histrico sobre as Comunidades Indgenas de Minas Gerais

    Ana Paula Ferreira de Lima *

    No Estado de Minas Gerais h atualmente doze etnias indgenas espalhadas em dezessete territrios diferentes.

    As etnias so: Maxakali, Xakriab, Krenak, Aran, Mukuri, Patax, Patax h-h-he, Catu-Aw-Arachs, Caxix, Puris, Xukuru-Kariri e Pankararu.

    As doze etnias que vivem atualmente no Estado de Minas Gerais so pertencentes ao tronco lingstico Macro-J e contam aproximadamente com onze mil indivduos.

    O povo indgena conhecido hoje como Krenak, habitante da margem esquerda do Rio Doce, municpio de Resplendor, na regio Leste de Minas Gerais, formou-se ao longo de um processo histrico marcado pelo carter violento da expanso econmica sobre aquela regio, originalmente de densa mata atlntica, onde diversos grupos de 'Botocudos' - resistindo colonizao em outras zonas j 'conquistadas' pelos brancos - se abrigaram at meados do Sculo XIX.

    Os Botocudos - nome com o qual os portugueses pejorativamente os designavam, em referncia aos adornos usados nas orelhas e nos lbios - ou Borum - termo que significa 'gente', em lngua indgena, e que segundo o qual os Krenak designam hoje a si e aos demais ndios, em oposio aos Kra, os no-ndios - eram falantes de uma mesma lngua, apesar das significativas variaes dialetais que serviam para demarcar diferenas entre os diversos grupos nos quais se compunham.

    O grupo liderado por Krenak foi o ltimo a negociar com as autoridades governamentais seu processo de 'pacificao' e 'civilizao', ocorrido logo no incio dos trabalhos do recm-inaugurado Servio de Proteo aos ndios e Localizao de Trabalhadores Nacionais, em 1911.

    O povo Aran tambm tem sua origem na histria dos Botocudos. Distinguiam-se, no entanto, politicamente, de outros grupos Botocudos, mantendo inclusive uma pequena variao dialetal, significativa da distncia que mantinham estrategicamente, como forma de reafirmarem sua diferena dos demais. Os Aran foram aldeados pelos missionrios capuchinhos em 1873, no Aldeamento Central Nossa Senhora da Conceio do Rio Doce, onde grassaram epidemias que dizimaram a populao. Alguns sobreviventes migraram para o Aldeamento de Itambacuri, de onde saram os ancestrais dos Arans de hoje, para o trabalho em fazendas na regio do Vale do Jequitinhonha.

    Fixados nos municpios de Martinho Campos (fazenda Cricima) e Pompu (fazenda So Jos) - regio centro-oeste mineira (aproximadamente 206 km de Belo Horizonte) - os Caxix somam cerca de 100 indivduos na comunidade do Capo do Zezinho, rea rural que concentra o maior contingente populacional caxix. Foi a comunidade do Capo do Zezinho, localizada s margens do rio Par, que deu incio luta caxix pelo reconhecimento tnico oficial.

  • Situados no nordeste de Minas Gerais, entre os vales do Mucuri e do Jequitinhonha, os Maxakali so habitualmente descritos pela literatura referente etnia e pelos organismos governamentais ou no governamentais que atuam junto a eles a partir de uma dupla perspectiva: Por um lado, enfatiza-se a sua "resistncia cultural" - a permanncia da sua lngua prpria e o uso restrito do portugus apenas para as situaes do contato intertnico; a intensa vida ritual e a recusa a se inserirem na lgica da produo capitalista - a despeito dos seus mais de duzentos anos de contato; e por outro, se lhes percebe como um "grupo problema", devido ao alto grau de conflito e violncia internos, ao alcoolismo e s precrias condies alimentares e de sade. Por "preservar" sua lngua e tradies "originais", os Maxakali tendem a ser percebidos como smbolo de resistncia indgena em Minas Gerais e regio. Na verdade, embora suas caractersticas e sua atual insero no contexto dos demais povos indgenas da regio sejam de fato excepcionais, ao contrrio de outros segmentos indgenas que passaram por intensos processos de subjugao autoridade colonial a partir do incio do sculo XIX, e cujos descendentes atuais so resultantes de processos de transferncias e amalgamentos compulsrios de segmentos tnicos e lingusticos em geral originalmente muito diversos, como, tipicamente, seus vizinhos e "parentes" Patax atuais, os atuais Maxakali descendem de apenas dois bandos desta etnia originalmente contatados em reas prximas que ainda hoje se localizam.

    Atualmente os Maxakali vivem em quatro reas, as aldeias de gua Boa, municpio de Santa Helena de Minas; Pradinho e Cachoeira, no municpio de Bertpolis; aldeia Verde, no municpio de Ladainha e no distrito de Topzio, no municpio de Tefilo Otoni.

    As etnias Patax, Patax h-h-he, Xukuru-Kariri e Pankararu so oriundas de estados do nordeste.

    Originrios de Pernambuco, os Pankararu se espalharam por vrios estados brasileiros ao longo do sculo XX. Este xodo se deu devido construo da hidreltrica de Itaparica no Rio So Francisco, seca, aos conflitos oriundos da luta pela terra e a inmeras outras agresses. O grupo familiar de 'Seu' Eugnio Cardoso da Silva e Benvinda Vieira migrou desta regio em busca de melhores condies de vida para seus filhos, tendo durante quase 30 anos convivido com outros povos, como: Krah, Xerente, Karaj e os Patax de Minas Gerais.

    O Povo Patax, originrio do Sul da Bahia, ocupa a Fazenda Guarani, no municpio de Carmsia, desde a dcada de 1970, totalizando aproximadamente 300 pessoas. H um grupo que vive no municpio de Itapecerica na Aldeia Mu Mimatxi e outro na aldeia Jundiba Cinta Vermelha, no municpio de Araua, juntamente com uma famlia dos Pankararu. Conhecidos pelo seu semi-nomadismo, a chegada dos Patax em Minas consequncia de dois fatos histricos importantes: o primeiro o famoso 'Fogo de 51', caracterizado pela ao violenta da polcia baiana que desarticulou sua aldeia, dispersando o Povo Patax na regio de Porto Seguro; e o segundo a transformao de 22.500 hectares de seu territrio em parque nacional - o Parque Nacional do Monte Pascoal, criado em 1943 e oficialmente demarcado no ano de 1961 - reduzindo nessa extenso o seu territrio tradicional.

    O Povo Xukuru-Kariri oriundo do municpio de Palmeira dos ndios, em Alagoas. Aps muitos conflitos de terra e mortes de ndigenas, algumas famlias se mudaram para Ibotirama e depois para Glria, na Bahia. Tambm

  • fugindo de conflitos nessas localidades, alguns integrantes deste grupo, que tem como lder Jos Satiro, vieram, em 1998, para Minas Gerais. Ainda em 1998, os Xukuru-Kariri solicitaram Funai a compra de uma terra para o grupo em MG. Atualmente o grupo vive no municpio de Caldas, na regio sul do Estado.

    Os ndios conhecidos sob o etnnimo englobante Patax Hhhe abarcam, hoje, as etnias Baen, Patax Hhhe, Kamak, Tupinamb, Kariri-Sapuy e Gueren, habitantes da regio sul da Bahia. Hoje um pequeno grupo vive no municpio de Tefilo Otoni, Minas Gerais.

    Os Mokuri pertencem ao grande grupo dos povos chamados "Botocudos", aldeados em Itambacuri desde o sculo XIX pelos frades capuchinhos Frei Serafim de Gorzia e Frei ngelo de Sassoferato. Os Mokuri vivem no municpio de Campanrio.

    Antigos habitantes do Vale do So Francisco, os Xacriab vivem no municpio de So Joo das Misses, Norte de Minas Gerais, a 720 Km de Belo Horizonte. Seu processo de contato com os no-ndios no difere do ocorrido com os demais povos indgenas, em toda a sua histria, sendo marcada por lutas e derramamento de sangue. Aps o ano de 1728, depois de receberem ttulo de posse de suas terras, viveram em relativa paz, convivendo com camponeses vindos da Bahia e de outras regies de Minas Gerais em seus territrios e arredores, em que plantavam roas de subsistncia. A partir de 1969, o desenvolvimento de projetos agrcolas na regio atraiu fortes grupos empresariais e grandes fazendeiros das cidades vizinhas, acentuando-se a invaso das terras dos Xakriab . Nos anos 1980, a tenso aumenta de forma insuportvel, culminando no assassinato de grandes lderes indgenas.

    O povo indgena Cat-awa-arachs encontra-se em Arax, Minas Gerais, devidamente organizado na Associao Andai. Os Puris esto se organizando no municpio de Araponga, regio da Mata. bastante recente a emergncia tnica destes dois povos.

    Na regio metropolitana de Belo Horizonte vivem diversas famlias de grupos tnicos distintos, de Minas Gerais e de outros estados, sobretudo da Bahia. H grupos familiares de arans, xakriabs, caxixs, pataxs e pataxs h-h-he, entre outros.

    Estes grupos migraram para o centro urbano em busca de uma qualidade de vida melhor, j que muitos perderam o territrio ao longo da histria de ocupao das reas indgenas no interior do pas. Os grupos que vivem na cidade possuem direitos e devem se organizar para busc-los e reivindica-los perante o Estado e a sociedade envolvente.

    * Ana Paula Ferreira de Lima nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais. formada em Histria pela PUC-MG, trabalha no CEDEFES - Centro de Documentao Eloy Ferreira da Silva - desde 2005, com projetos sociais em comunidades indgenas e quilombolas.

    Fonte: www.cedefes.org.br