4
Resumos Expandidos do V Simpósio Brasileiro de Educação em Solos - 15 a 17/04/2010 - Curitiba, PR, Brasil. ISBN 978-85-89950-05-3 Promoção: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo - Organização: UFPR/DSEA/PGCS/Projeto Solo na Escola HISTÓRICO SOBRE O ENSINO DE SOLOS NO BRASIL Carlos Roberto Espindola1 ¹ Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (Aposentado) e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências/ Unicamp – Cidade Universitária Zeferino Vaz, Campinas, CEP 13083-970. E-mail: [email protected] . RESUMO O ensino sistematizado do solo em todo o mundo coube ao russo V.V. Dokuchaev, que em 1892 criou a primeira cadeira de Pedologia, na Polônia, ao instituir esse conhecimento com uma ciência autônoma. Notáveis pesquisadores das ciências naturais, como Charles Darwin, já vinham estudando o solo por um viés biológico, dada a reconhecida importância do húmus para a nutrição de plantas. Com a “teoria mineral”, de Justus von Liebig, em 1840, ingressou-se na era dos fertilizantes químicos, que alcança os dias atuais. O avanço nessa ciência possibilitou o conhecimento dos solos das diversas regiões do globo, refletindo-se nos conteúdos programáticos do ensino superior. Estes, no Brasil, estiveram inicialmente subordinados aos cursos de agronomia das primeiras escolas, em Cruz das Almas (BA), Pelotas (RS), Piracicaba (SP) e Lavras (MG), em disciplinas como Agrogeologia, Agricultura Geral ou assemelhadas. Sua importância pode ser aquilatada atualmente, quando o assunto se torna matéria obrigatória de diversos campos do conhecimento, como a Geografia, a Geologia, a Zootecnia e as diversas modalidades de Engenharia (Agrícola, Florestal, Ambiental). O SOLO COMO SUSTENTO ÀS PLANTAS antecedendo a era Cristã, o solo despertava interesse como um dos grandes componentes da natureza. Hipócrates chegou a compará-lo, na sua importância para as plantas, ao estômago para os animais. No ano 60 da nova nossa era, Columella associou qualidades dos solos a padrões de coberturas vegetais. Bernard de Palissy (1499-1589) assinalou a importância dos “sais” para os vegetais (nutrientes minerais), tendo estipulado, juntamente com Olivier de Serres (1539- 1619), 19 (dezenove) caracteres necessários a descrições dos solos. Wallerius (1709-1785) contestou essa via nutricional, postulando a “teoria do húmus”, que apregoava a absorção dos nutrientes diretamente por este componente. Com Darwin (1809-1882), a matéria orgânica veio a ser muito valorizada, notadamente após seu trabalho sobre o húmus induzido pelas minhocas, de grande repercussão. Uma coletânea de assuntos ainda não divulgados após a sua morte (Darwin, 1888) constituiu um best seller, apenas igualado ao da sua obra sobre a evolução das espécies (Feller et al., 2003). Justus von Liebig (1803-1873) resgatou a “teoria mineralista” de Palissy, com grande repercussão e impacto no meio científico, além de um substancial estímulo pelo meio empresarial ligado à indústria de fertilizantes minerais. Contudo, o solo ainda estava subordinado, nessa época, a uma matéria inserida em outras ciências, como a Química, a Geologia/ Mineralogia ou a Biologia, sob um prisma de “sustento às plantas”. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PEDOLOGIA COMO CIÊNCIA AUTÔNOMA Os reflexos da teoria evolucionista de Darwin atingiram também o russo Vassili V. Dokuchaev (1846-1903), que constatou ser também o solo um corpo em evolução, a partir de uma rocha-mãe situada num determinado relevo, sofrendo a ação do clima e de organismos ao longo do tempo. Os estádios evolutivos seriam denunciados pelas camadas A, B e C – horizontes, compondo um perfil. A sistematização desses estudos conduziu à criação de uma ciência própria, em russo denominada Potchovovedenie, que pode ser

Histórico Sobre o Ensino de Solos No Brasil

Embed Size (px)

DESCRIPTION

solos

Citation preview

Resumos Expandidos do V Simpsio Brasileiro de Educao em Solos - 15 a 17/04/2010 - Curitiba, PR, Brasil. ISBN 978-85-89950-05-3 Promoo: Sociedade Brasileira de Cincia do Solo - Organizao: UFPR/DSEA/PGCS/Projeto Solo na Escola

HISTRICO SOBRE O ENSINO DE SOLOS NO BRASIL

Carlos Roberto Espindola1

Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (Aposentado) e da Ps-Graduao em Geografia do Instituto de Geocincias/ Unicamp Cidade Universitria Zeferino Vaz, Campinas, CEP 13083-970. E-mail: [email protected].

RESUMO O ensino sistematizado do solo em todo o mundo coube ao russo V.V. Dokuchaev, que em 1892 criou a primeira cadeira de Pedologia, na Polnia, ao instituir esse conhecimento com uma cincia autnoma. Notveis pesquisadores das cincias naturais, como Charles Darwin, j vinham estudando o solo por um vis biolgico, dada a reconhecida importncia do hmus para a nutrio de plantas. Com a teoria mineral, de Justus von Liebig, em 1840, ingressou-se na era dos fertilizantes qumicos, que alcana os dias atuais. O avano nessa cincia possibilitou o conhecimento dos solos das diversas regies do globo, refletindo-se nos contedos programticos do ensino superior. Estes, no Brasil, estiveram inicialmente subordinados aos cursos de agronomia das primeiras escolas, em Cruz das Almas (BA), Pelotas (RS), Piracicaba (SP) e Lavras (MG), em disciplinas como Agrogeologia, Agricultura Geral ou assemelhadas. Sua importncia pode ser aquilatada atualmente, quando o assunto se torna matria obrigatria de diversos campos do conhecimento, como a Geografia, a Geologia, a Zootecnia e as diversas modalidades de Engenharia (Agrcola, Florestal, Ambiental).

O SOLO COMO SUSTENTO S PLANTAS J antecedendo a era Crist, o solo despertava interesse como um dos grandes componentes da natureza. Hipcrates chegou a compar-lo, na sua importncia para as plantas, ao estmago para os animais. No ano 60 da nova nossa era, Columella associou qualidades dos solos a padres de coberturas vegetais.

Bernard de Palissy (1499-1589) assinalou a importncia dos sais para os vegetais (nutrientes minerais), tendo estipulado, juntamente com Olivier de Serres (1539-1619), 19 (dezenove) caracteres necessrios a descries dos solos.

Wallerius (1709-1785) contestou essa via nutricional, postulando a teoria do hmus, que apregoava a absoro dos nutrientes diretamente por este componente. Com Darwin (1809-1882), a matria orgnica veio a ser muito valorizada, notadamente aps seu trabalho sobre o hmus induzido pelas minhocas, de grande repercusso. Uma coletnea de assuntos ainda no divulgados aps a sua morte (Darwin, 1888) constituiu um best seller, apenas igualado ao da sua obra sobre a evoluo das espcies (Feller et al., 2003).

Justus von Liebig (1803-1873) resgatou a teoria mineralista de Palissy, com grande repercusso e impacto no meio cientfico, alm de um substancial estmulo pelo meio empresarial ligado indstria de fertilizantes minerais. Contudo, o solo ainda estava subordinado, nessa poca, a uma matria inserida em outras cincias, como a Qumica, a Geologia/ Mineralogia ou a Biologia, sob um prisma de sustento s plantas.

INDIVIDUALIZAO DA PEDOLOGIA COMO CINCIA AUTNOMAOs reflexos da teoria evolucionista de Darwin atingiram tambm o russo Vassili V. Dokuchaev (1846-1903), que constatou ser tambm o solo um corpo em evoluo, a partir de uma rocha-me situada num determinado relevo, sofrendo a ao do clima e de organismos ao longo do tempo. Os estdios evolutivos seriam denunciados pelas camadas A, B e C horizontes, compondo um perfil. A sistematizao desses estudos conduziu criao de uma cincia prpria, em russo denominada Potchovovedenie, que pode ser traduzida por Pedologia a cincia que trata do estudo do solo. Com o tempo, Pedologia restringiu-se a um dos ramos da Cincia do Solo, como Fertilidade e outros.

Em 1889, resultados dos trabalhos da equipe de Dokuchaev foram demonstrados na Exposio Internacional de Paris, ilustrados em 109 monlitos de solos, o que foi intensificado na Exposio Universal, em 1900, com a disposio de cartas coloridas de mapeamentos, livros-guia e as bases preliminares para um sistema classificatrio de solos: Normais, Transicionais e Anormais. Por essa ocasio, os Estados Unidos imprimiam tambm grandes avanos no estudo dos seus solos, sobretudo sob o trabalho pioneiro de Witney, a partir de 1901, vindo em breve ampliar o cenrio da pedologia mundial, principalmente aps a traduo da obra pioneira para o ingls.

Em 1892 Dokuchaev criou a primeira Cadeira de Pedologia do mundo, passando ao discpulo Sibirtzev a incumbncia de seu ensino; este foi o grande artfice da teoria da zonalidade e a consequente classificao dos solos em Zonais, Intrazonais e Azonais, em correpondncia s denominaes anteriores, trazendo tambm a conotao evolucional.

A PESQUISA E O ENSINO DE SOLOS NO BRASIL Os introdutores da cincia criada por Dokuchaev no Brasil foram Theodureto de Camargo (1880-1950) e Paul Vageler (1882-1963), ligados ao Instituto Agronmico de Campinas (SP). Detentores de conhecimentos adquiridos com Ramman (1851-1926), produziram matria sobre os solos tropicais (Camargo & Vageler, 1937), quando ainda a pedologia estava toda voltada ao mundo de climas temperados (Europa e Amrica do Norte). A criao da Sociedade Brasileira de Cincia do Solo, em 1947, impulsionou os conhecimentos sobre os nossos solos em nvel nacional.

Todavia, os livros de consulta sobre solos eram principalmente em lngua inglesa, ou tradues tambm do francs e do alemo, como, por exemplo, assuntos referentes a mineralogia. As primeiras escolas de agronomia do Pas Cruz das Almas (BA), Pelotas (RS), Piracicaba (SP) e Lavras (MG) ministravam conhecimentos sobre Solos em disciplinas de amplos contedos, tais como Agricultura Geral, Qumica Agrcola e outras. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul esse conhecimento era oferecido em Geologia Agrcola (Beck & Klamt, 1988), e na Universidade Federal de Viosa o primeiro programa de Solos surgiu em 1926, na Cadeira de Qumica Agrcola, juntamente com Geologia, Mineralogia e outros conhecimentos paralelos (Costa & Dias, 1988).

No franco ingresso do Pas na era da industrializao, na segunda metade do sculo passado, o ensino de Solos j trazia essa denominao como disciplina, ou ainda Propriedade dos Solos, Gnese e Classificao, Conservao do Solo, ou congneres. Aprendia-se que o solo estaria bem preparado para a produo agrcola mediante o emprego de tratores de porte, arados e grades possantes, com o terreno bem destorroado, por passagens sucessivas, ou mesmo cruzadas, dos implementos, com o cultivo acompanhado por capinas e, posteriormente, com herbicidas. Colhedoras automatizadas comearam a entrar tambm no mercado, com desenvoltura. Viveu-se o sonho da Revoluo Verde, principalmente para o valorizado mundo das monoculturas da era mineralista, com forte importao de tecnologias divorciadas da nossa realidade.

A franca deteriorao dos solos de amplas reas submetidas a esses cultivos intensivos (compactaes, pequena permeabilidade ou capacidade de infiltrao, reduo da porosidade e do tamanho dos agregados) comeou a apontar para necessrias medidas corretivas, uma vez que os fertilizantes empregados, por si s, no resolviam os problemas da fertilidade e nutrio das plantas, ou seja, da produtividade agrcola.

O Instituto Agronmico do Paran foi pioneiro, no Brasil, em pesquisas sobre Cultivo Mnimo, que evoluiu em direo ao atual consagrado Sistema Plantio Direto, este, sim, voltado s condies tropicais, com suas variantes para nossas diferentes regies bioclimticas, constituindo um verdadeiro orgulho nacional e modelo a ser seguido. A estocagem de matria orgnica no solo passou a constituir preocupao especial, pelos seus efeitos benficos tanto de natureza fsica quanto qumica, bem como de carter ambiental, com vistas ao sequestro de carbono.

Essa condio, muito presente na problemtica da sustentabilidade, tem levado profissionais de formaes diversas a conhecerem melhor os solos. Mesmo na formao em graduao isso se torna evidente, bastando citar o Curso de Engenharia Civil da Universidade Federal de Viosa, que tem na sua grade curricular a disciplina Elementos de Cincia do Solo (Lima et al., 1996). A disciplina Pedologia est tambm agora integrando obrigatoriamente o currculo escolar dos estudantes de Geologia.

Uma verdadeira onda de ecologizao vem se verificando nos diversos campos de atividades, com expressiva valorizao do componente orgnico/ biolgico, a ponto de j contarmos, por exemplo, com um curso de graduao em Agricultura Orgnica oferecido pela Universidade Estadual de So Carlos (SP). A insero da fauna edfica entre os ndices de qualidade, pode ser vista, de certa forma, como uma retomada questo darwinista sobre a importncia destes seres para os solos, em especial as minhocas, podendo propiciar uma viso integrada de indicadores como forma de ensino aos moldes propostos pela Universidade Federal de Pelotas (Casalinho et al., 2003).

CONSIDERAES FINAIS O ensino do Solo deve expandir-se de modo a atingir os nveis inferiores da escolaridade, tal como contemplado no Projeto Solo na Escola (Lima et al., 2005), propiciado pela Universidade Federal do Paran, em Curitiba. Igualmente, em Londrina (PR), Fernandes Barros (2001), da Universidade Estadual, relatou o alcance do Projeto Globe envolvendo cientistas, professores e alunos do ensino fundamental e mdio no estudo dos solos. A construo de estratgias e meios apropriados educao bsica em Solos essencial para a divulgao de prticas que possam concorrer para minimizar conflitos de ordem socioecolgica (Catanozi & Espindola, 2005).

Acredita-se que os cursos voltados s Cincias Agrrias ou da Terra tero muito a ganhar com a insero de contedos humansticos (se j no o fazem), ainda que em detrimento (se for o caso) a contedos eminentemente tecnicistas, o que pressupe um pouco de conhecimento sobre os grandes pensadores e as diferentes escolas do saber filosfico. Isso faz desenvolver o processo reflexivo e o aprimoramento intelectual desses estudos, concorrendo para uma percepo mais adequada sobre a real grandeza que o solo representa para o Planeta, para que o homem possa bem utiliz-lo.

REFERNCIAS BECK, F.L. & KLAMT, E. 1988. Organizao do contedo do ensino de solos e sua relao com a sociedade. In: MONIZ, A.C.; FURLANI, A.M.; FURLANI, P.R. & FREITAS, S.S. (coords.). A Responsabilidade Social da Cincia do Solo. Publicaes do Congresso Brasileiro de Cincia do Solo, Campinas, 1987. Campinas, Sociedade Brasileira de Cincia do Solo. p.169-181. 4CAMARGO, T. & VAGELER, P. 1937. Probleme der tropischen und subtropischen Bodenkunde. Bodenk. Pfl. Ernhr, 4: 137-161.

CASALINHO, H.D.; MARTINS, S.R.; SILVA, J.B. & SILVA LOPES, A. 2003. Qualidade do solo e sustentabilidade: proposta para a avaliao integrada de indicadores. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CINCIA DO SOLO, 29, Ribeiro Preto. Anais. Unesp e Sociedade Brasileira de Cincia do Solo. CD- ROM.

CATANOZI, G. & ESPINDOLA, C.R. 2005. Proposta de material didtico sobre solos para educao ambiental. In: CONGRESSO GALAICO-PORTUGUS PSICO-PEDAGOGIA, 8., Braga, Portugal. Actas. p. 3349-3363.

COSTA, L.M. & DIAS, L.E. 1988. In: MONIZ, A.C.; FURLANI, A.M.; FURLANI, P.R. & FREITAS, S.S. (coords.). A Responsabilidade Social da Cincia do Solo. Publicaes do Congresso Brasileiro de Cincia do Solo, Campinas, 1987. Campinas, Sociedade Brasileira de Cincia do Solo. p.183-186.

DARWIN, C. 1888. On the formation of mould. In: GEOLOGICAL SOCIETY OF LONDON, 2, London. Transactions. Series, 5 (III). p. 505-509.

FELLER, C.; BROWN, G.G.; BLANCHART, E.; DELEPORTE, P. & CHERNYIANSKII, S.S. 2003. Charles Darwin, earthworms and the natural sciences: Various lessons from past to future. Agriculture, Ecosystems and Environment, 99: 29-49.

FERNANDES BARROS, O.N. 2001. Projeto Globe e ensino do solo para as crianas do mundo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CINCIA DO SOLO, 28, Londrina. Sociedade Brasileira de Cincia do Solo. Resumos. p. 302.

LIMA, D.C.; BUENO, B.S. & FONTES, M.P.F. 1996. Utilizao de levantamentos de solos em geotecnia. In: ALVAREZ, V.V.H.; FONTES, L.E.F. & FONTES, M.P.F. (eds.). O Solo nos Grandes Domnios Morfoclimticos do Brasil e o Desenvolvimento Sustentado. Viosa, Sociedade Brasileira de Cincia do Solo. p. 703-721.

LIMA, V.; LIMA, M.R.; MELO, V.F.; MOTTA, A.C.V.; SIRTOLI, A.E.; FAVORETTO, N. & DIONSIO, J.A. 2005. Estratgias para educao ambiental no ensino fundamental e mdio, tendo como tema o solo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CINCIA DO SOLO, 30, Recife. Viosa, Sociedade Brasileira de Cincia do Solo. CD-ROM.