Historiografia Do Barroco Mineiro Renato Lopes

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  • 8/13/2019 Historiografia Do Barroco Mineiro Renato Lopes

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    HISTORIOGRAFIA DO BARROCO MINEIRO: O ALEIJADINHO EM

    BRETAS, SPHAN E GERMAIN BAZIN.

    Introduo

    A figura de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, assume extrema importncia

    dentro da historia da arte colonial brasileira. No contexto da capitania de Minas Gerais,

    o mito de o Aleijadinho adquire um papel central, sendo quase impossvel tratar do

    barroco mineiro sem mencionar-lo. A estria de O Aleijadinho na historiografia se

    deu em 1858, na monografia de Rodrigo Jos Ferreira Bretas intitulada Traos

    biogrficos relativos ao finado Antnio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro,mais conhecido pelo apelido de O Aleijadinho. Desde ento, em vrios perodos da

    histria da arte e da sociedade brasileira, o nome do artista esteve envolvido numa serie

    de discusses. Debates que envolvem desde sua identidade, a autoria de algumas de

    suas obras, at a sua real existncia.

    Depois do estudo de Bretas, Mario de Andrade e os artistas do modernismo brasileiro,

    juntamente com nacionalismo das primeiras dcadas do sculo XX no Brasil, foram

    grandes entusiastas, tanto das obras quanto do mito em volta de Aleijadinho. Na dcada

    de 30, Getlio Vargas, junto ao, ento ministro da educao, Gustavo Campanela

    criaram o Servio do patrimnio histrico e artstico nacional (SPHAN) em 30 de

    Novembro de 1937. Sob a direo de Rodrigo Melo Franco de Andrade, o SPHAN era a

    instituio nacional de proteo ao patrimnio, o rgo contou com a colaborao de

    importantes figuras da poca, tais como, o prprio, Mario de Andrade e o arquiteto

    Lcio Costa, ambos se debruaram sobre as obras e vida de Antnio Francisco Lisboa,

    o Aleijadinho.

    O artista mineiro, tambm despertou o interesse de pesquisadores internacionais, o

    francs Germain Bazin, o mais famoso dentre eles, visitou o Brasil nos anos 40 e ficou

    impressionado com a obra de o Aleijadinho, Germain Bazin o considerava o ltimo

    dos grandes imagistas cristos(BAZIN, 1989, p.382). Em 1956 e 1958, Bazin publicou

    os dois volumes deL achiteture religieuse au Brsil ( A arquitetura religiosa no Brasil.

    Anos depois, em 1963, o francs publicou L Aleijadinho et La sculture barroque au

    Bresl (Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil), ambas as publicaes foram um

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    grande salto qualitativo nos estudos sobre a arte no perodo colonial brasileiro, Germain

    Bazin trouxe uma nova abordagem, identificou as influencias europias nas obras de o

    Aleijadinho , manteve uma relao muito prxima do SPHAN, a rgo colaborou e

    incentivou a obra de Bazin.

    Nesses trs momentos, Antonio Francisco Lisboa, O Aleijadinho, foi descrito como um

    artista inovador, ousado e genial, mas como um homem fechado, feio e inculto. Em

    Bretas, SPHAN e Bazin, o artista funciona quase como um smbolo da brasilidade,

    Aleijadinho, sendo mulato e acometido por uma doena degenerativa, supera as

    questes sociais, impostas pela sociedade mineira setecentista, e as limitaes que a

    doena poderia aplicar a sua arte. A histria de o Aleijadinho nesses trs momentos

    anda lado a lado com a histria das idias desses perodos. O que ser feito a seguir uma analise contextualizada dessas vises sobre o artista, de modo a evidenciar, no s,

    as semelhanas, mas diferenas contidas nas obras de Bretas, do SPHAN e de Germain

    Bazin sobre o artfice mineiro.

    Bretas, o nascimento da Nao e o nascimento do Mito.

    Rodrigo Jose Ferreira Bretas (1815-1866) foi professor de filosofia e retrica em

    Barbacena e Ouro Preto, promotor publico interino da Comarca de Ouro Preto,

    Deputado provincial por quatro vezes, Inspetor da Instruo Pblica e diretor de

    colgios. Em 1858 publica a biografia de Antonio Francisco Lisboa.Traos biogrficos

    relativos ao finado Antonio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido

    pelo apelido de Aleijadinho. A publicao rendeu a Bretas a aprovao como scio

    correspondente do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHBG), havendo a

    suspeita de que Bretas escreveu a monografia com o intuito de fazer parte do instituto.

    O IHBG foi criado 1838 tinha como funo desenvolver o conhecimento geogrfico e

    histrico no Brasil, alm de propagar a imagem do imperador num processo de intensa

    relao entre estado e os intelectuais, um trabalho de juno entre histria e literatura. O

    Instituto reuniu a intelectualidade brasileira da poca. Herdeiro da tradio iluminista,

    surgiu com o intuito de produzir uma reflexo sistemtica sobre os problemas da nao

    e do Estado emergente. Desde suas primeiras pesquisas, buscou integrar grupos

    indgenas, negros e mulatos, assim como as histrias regionais a um amplo projeto de

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    construo nacional, destinado a transformar geopoliticamente o territrio em Nao.

    Como estratgia para se chegar a desejada unidade nacional, o Instituto incentivou os

    estudos de histria regional, atravs dos quais seria possvelunir as vrias regies ao

    centro do Imprio. Da, a criao de muitos Institutos Histricos regionais que

    realizavam pesquisas e as enviavam sede principal no Rio de Janeiro.

    O Aleijadinho da obra de Bretas coube perfeitamente dentro dos propsitos IHGB por

    vrias razes. a partir do Livro de Registros de Fatos Notveis da Cidade de Mariana

    do Vereador Jos Joaquim da Silva, que teria sido publicado em 1790, Bretas rene o

    homem genuinamente brasileiro, o artista mulato da Capitania de Minas Gerais dos fins

    do sculo XVIII e inicio do XIX, onde a explorao aurfera j no vivia mais o

    esplendor dos primeiros anos dos setecentos, era, para o IHGB, um representante de um

    estrato social, um grupo que despertava um certo interesse da intelectualidade do Brasil

    Imprio. Tambm Bretas, professor de retrica, foi competente em mover a narrativa da

    biografia de Antonio Francisco Lisboa em direo a dor sublime da vida, deformada e

    finita, em contraste com a arte, bela e infinita. O Aleijadinho em Bretas o monstro

    criador de coisas belas, aos moldes do Corcunda de Notre-Dame, de Victor Hugo,

    leitura que parecia ser apreciada pelo imperador.

    O SPHAN e a documentao do mito.

    Em 1936, Mario de Andrade foi solicitado a preparar um documento para a criao de

    uma instituio nacional de proteo do patrimnio histrico nacional. Foi esse o

    documento que foi usado nas discusses preliminares sobre a estrutura e os objetivos do

    SPHAN, criado afinal por decreto presidencial assinado em 30 de novembro de 1937.

    O nacionalismo dos anos 30, Era Vargas, trouxe uma crescente tomada de conscinciaacerca da existncia de patrimnio histrico brasileiro, foi a partir da que as discusses

    sobre a criao de rgo nacional de proteo ao patrimnio brasileiro tomaram

    consistncia. O ministro da Educao, Gustavo Campanela, confiou ao Modernista

    Mario de Andrade e ao advogado Rodrigo de Melo Franco de Andrade as diretrizes do

    rgo.

    Rodrigo M. F. de Melo dirigiu a instituio at 1969, ano de sua morte A instituio

    veio a ser posteriormente Departamento, Instituto, Secretaria e, de novo, Instituto do

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    Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), como se chama atualmente. O

    projeto original de Mrio de Andrade recebeu modificaes significativas trazidas pela

    orientao de Rodrigo Melo Franco de Andrade ao longo dos 30 anos em que esteve

    frente do SPHAN. Durante esse perodo o SPHAN norteou sua poltica pelas noes de

    "tradio" e de "civilizao", dando especial nfase relao com o passado. Os bens

    culturais classificados como patrimnio deveriam fazer a mediao entre os heris

    nacionais, os personagens histricos, os brasileiros de ontem e os de hoje. Essa

    apropriao do passado era concebida como um instrumento para educar a populao a

    respeito da unidade e permanncia da nao.

    A mediao entre os heris do passado e do futuro foi, no caso de Aleijadinho, a

    comparao entre o artista, que viveu entre os sculo XVIII e XIX, com os artistas dosculo XX. Mario de Andrade via em Aleijadinho algo moderno, moderno como os

    expressionistas do sculo XX, as contores nas obras do artista do perodo colonial

    estavam muito a frente de seu tempo.

    A postura do SPHAN com relao a biografia do artista escrita por Bretas, foi o de

    comprovar o carter de documento do texto, foi sedimentada a imagem do artista como

    o artista genial, inspirado, criador de peas originais. Sendo assim, a mesma imagem

    que servira ao projeto de unidade nacional do IHGB, servia agora ao projeto

    nacionalista dos modernistas que se emprenhavam em encontrar as razes da alma

    brasileira. Desde a viagem, em 1924, da caravana paulista de artistas e escritores a

    Minas Gerais, lideradas por Mario de Andrade, o barroco mineiro foi afirmado como

    arte de expresso nacional e a imagem de Aleijadinho foi enfatizada como heri, um

    mito, um cone nacionalista portador da toda a brasilidade em suas veias, uma que era

    mestio.

    Germain Bazin a reafirmao do Mito.

    Germain Bazin estudou historia da arte na Sorbonne, junto com Emile Male e Henri

    Focillon, onde alcanou os nveis de licenciatura e bacharelado. Depois de completar

    seus estudos na Sorbonne, Bazin recebeu o diploma em museologia da cole Du

    Louvre. Em 1928 se juntou ao departamento de desenhos da cole des Beaux Arts de

    Paris. Seu trabalho na cole lhe rendeu a indicao, a curador do departamento de

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    pinturas e desenhos do Museu do Louvre. Ele serviu, entre 1939 3 1940, na infantaria

    francesa durante a segunda guerra mundial, chegando a ser capito e, depois deixar a

    vida militar, ajudou a proteger as obras de arte francesas durante a ocupao nazista na

    Frana. Quando ele retornou ao seu trabalho no Museu do Louvre, Bazin foi nomeado

    diretor de pinturas e desenhos. Ele publicou vrios livros sobre uma ampla gama de

    artistas e perodos, incluindo obras de Hans Memling (1939), Fra Angelico (1941) e

    Camille Corot (1942).

    A primeira visita de Bazin ao Brasil foi em 1945, se dedicou ao estudo da arquitetura

    colonial brasileira, contou com a colaborao do SPHAN, no momento j DPHAN, e

    com o apoio do responsvel pela criao do Museu de Arte de So Paulo, Assis

    Chateubriand. Em seuLachuitecture religieuse barroque au Bresil, em dois volumesde 1956 e 1958 props, pela primeira vez, uma sntese da evoluo dessa arte, do sculo

    XVI ao final do XVIII, alm da documentao fotogrfica, o segundo volume contm

    um repertrio com noticias documentrias e bibliografia de pouco mais de duzentas e

    noventa igrejas. A obra apareceu em So Paulo e Paris, mesmo no Brasil a obra foi

    publicada em francs. Uma segunda edio apareceu em 1983, aumentada, revisada e

    traduzida para o portugus, dessa vez com o apoio da Fundao Cultural Roberto

    Marinho, o livro foi beneficiado pela a ajuda do professor da Universidade do Rio deJaneiro, Mario Barata. O numero de igrejas catalogadas aumentou para trezentas e seis e

    uma bibliografia completa, atualizada at 1982.

    Em 1963, Bazin publica LAleijadinho et La sculpture barroque au Bresil. A

    monografia e o catalogo do artista so precedidas de um resumo sobre a escultura

    barroca em Portugal e no Brasil. Bazin trata o assunto de uma maneira diferente

    daqueles que precederam, procurou identificar as influncias europias nas obras do

    artista mineiro. Mas nem por isso se distancia do mito em volta de Antonio FranciscoLisboa, o francs prope a as projees morfopsicologicas. Bazin sugere que a dor

    que o deformava, deformava suas obras, onde se deixam ver, expressivas as marcas de

    um homem perturbado por uma doena cruel. Produzindo da mo sua imperfeita, a obra

    magnfica. Essa mesma oposio que j tratava Bretas em seu discurso no sculo XIX,

    se manteve vivo nas analises de Bazin na segunda metade do sculo XX. Esse discurso

    morfopsicologico foi agregado ao discurso medico, chegando, at mesmo a produo de

    diagnsticos de doutores mineiros.

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    Tambm, Bazin assimilou um conceito de Mario de Andrade, o mulatismo, para o

    autor, Aleijadinho, o mestio que tinha o sangue branco e o sangue negro pulsando

    em suas veias, distanciava-se consideravelmente dos demais artfices, Bazin, em A

    historia da historia da Arte, em um capitulo dedicado a sua experincia com arte

    brasileira, chega a perguntar: O gnio que alou Aleijadinho acima dos demais

    imagistas seria fruto do sangue negro que lhe circulava nas veias? (BAZIN, 1989, p.

    383) Bazin mantm certos esteretipos que minam at em algumas de suas analises de

    obras, numa escultura que representava alegria de So Joaquim feliz ao saber da

    gravidez milagrosa e impossvel de sua mulher, o autor escreve:

    Essa dana louca louca do velho Joaquim, girando sobre si mesmo, como a filha de santo de uma

    macumba, o artista no teria praticado ele mesmo, numa dessas festas que se permitiam aos negros e onde

    eles libertavam, por algumas horas, sua ndole, constrangida pela civilizao? Um trao da biografia de

    Bretas esclarece-se ao olharmos esta esttua ele no nos diz queo artista, que cuidava sempre de ter

    uma boa mesa, era, muitas vezes, visto participando de danas vulgares?

    Curiosamente, o francs no deixa de analisar a obra de Aleijadinho sem se apoiar nos

    escritos de Joaquim Jose da Silva que serviram de base para a obra de Bretas que, por

    sua vez, demandou um grande esforo por parte SPHAN para lhe comprovar

    veracidade. Germain Bazin contou com a estrutura documental e ideolgica do SPHAN

    e acabou colaborando para sedimentao da imagem de Aleijadinho como o

    Quasimodo Mineiro.

    Concluso

    A figura de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho ainda fruto de calorosos debates.

    Hoje, quase duzentos anos aps de sua suposta morte, Seria realmente importante

    atestar sua existncia, coloc-lo no rol dos heris nacionais? Ou seria mais interessante

    entende-lo como mito? Mito que no uma verdade, mas tambm no uma mentira,

    mas uma narrativa criada por uma coletividade e que pode sempre dar pistas para uma

    maior compreenso daqueles que a integram

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    Bibliografia

    BAZIN, Germain, A Histria da Historia da Arte. So Paulo 1989: Marins Fontes.

    Referncias Bibliogrficas

    BAZIN, Germain, A Histria da Historia da Arte. So Paulo 1989: Marins Fontes.

    GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano: O paraso barroco e a

    construo do heri colonial. Rio de Janeiro. 2008: Civilizao Brasileira.