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www.harmonianet.org HISTÓRIAS DE ONTEM E DE AGORA NÉLSON VILHENNA & PABLO DE SALAMANCA 2017

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HISTÓRIAS DE ONTEM E DE AGORA

NÉLSON VILHENNA&

PABLO DE SALAMANCA

2017

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SOBRE OS AUTORES

Nélson Vilhenna nasceu no Rio de Janeiro em 1938, tendo formação de nível superior em

engenharia agronômica, profissão escolhida pela sua ligação com a terra. Graduou-se em 1966 e

concluiu mestrado em 1994. Doutorou-se em 2004, após defesa de tese em tema sobre a busca de

uma alternativa natural que evitasse a ocorrência de uma toxina perigosa, em amendoim

contaminado por fungos. Foi professor universitário entre 1976 e 2008. Quanto ao campo

espiritualista, começou suas atividades mediúnicas em 1971, tendo atuado em grupos de diversas

orientações, o que lhe propiciou uma vivência bastante universalista. Em 2012, lançou o livro

Jornada Espiritual, a partir de uma intuição de que seria positivo colocar a sua experiência à

disposição de outras pessoas, tendo a colaboração de Pablo de Salamanca. Neste ano de 2017, em

mais uma parceria com Pablo, surge a obra Histórias de ontem e de agora, uma nova contribuição

aos buscadores da Espiritualidade.

Pablo de Salamanca nasceu no Rio de Janeiro em 1968. Possui formação de nível superior em

engenharia, graduando-se em 1991. Realizou mestrado a partir de 1992, defendendo sua tese em

1994. Ainda na sua área original de atuação profissional, iniciou doutoramento em 1995,

finalizando sua tese no ano de 2000. Começou seu desenvolvimento mediúnico em 1993,

psicografando a partir de 1994. Através das mãos de Pablo surgiram os seguintes livros até o

momento, sendo alguns deles mediúnicos: Sabedoria em versos (2001), Depoimentos do Além

(2005), Vidas em versos (2005), O Trabalhador do Umbral (2007), Experiências extrafísicas

(2008), Fundamentos de Psicoterapia Reencarnacionista e um estudo de caso (2009), Reflexões

(2009), Experiências extrafísicas II (2010), Percepções (2011), Sonetos para refletir (2011),

Espiritualismo em foco (2012), Faces da projeção astral (2012), Novas percepções (2013),

Experiências extrafísicas III (2013), Vivências (2014), Projeção astral: perguntas e respostas via

Internet (2014), Guardião (2014), Viagem astral: relatos comentados (2015) e Vivências de

Umbanda (2016).

AGRADECIMENTOS

Nélson Vilhenna

O meu agradecimento eterno à Grande Mente Universal, que denominamos “Deus”, que tem me

proporcionado as mais variadas experiências, através das inúmeras encarnações educativas.

Agradeço profundamente ao Mestre Jesus, que desde minha infância povoa meus pensamentos e

sonhos, mostrando-me a rota mais acertada para o meu caminhar e que faz presença constante em

minha vida através de Seu Evangelho. Agradeço especialmente ao meu Mentor, Frei João, que

pacientemente tem me ajudado a corrigir os desvios, equivocadamente, seguidos, nesta existência

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física e facilitado minhas incursões nas cenas de um tempo distante, mas com significativas

influências nas histórias de agora. Não posso deixar de agradecer, sinceramente, ao amigo Pablo de

Salamanca que está sempre pronto para ouvir-me e rever meus textos.

Pablo de Salamanca

Agradeço, primeiramente, aos bons mentores espirituais pelo amparo e proteção. Pai e mãe, muito

obrigado pelo amor e sacrifício desinteressados. Sou profundamente grato, também, aos muitos

amigos materiais que de forma indireta contribuíram para a execução desta obra. Estes são tantos,

que prefiro não citá-los, para evitar cometer uma injustiça com alguém. Agradeço especialmente a

Nélson Vilhenna e Tetê Souza, pelos anos de convívio e pelo companheirismo nas lides

espiritualistas, que possibilitaram a execução deste livro.

CAPA

A capa é composta por fotografias que pertencem aos arquivos do site http://pixabay.com/pt/ (acesso

em 27/01/2014), e, conforme o mesmo, de uso inteiramente livre.

DIREITOS AUTORAIS

Esta obra possui direitos autorais devidamente registrados, e não será comercializada de forma

alguma. Embora o livro seja oferecido gratuitamente, através de download, pelo site

www.harmonianet.org, ele só poderá ser reproduzido após a autorização de pelo menos um dos

autores, depois de contato através do e-mail [email protected], quando será permitido

citá-lo em parte ou no todo, desde que denominando os autores e a home page responsável pela sua

manutenção na Internet.

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ÍNDICE

PREFÁCIO - Pablo de Salamanca 1

MENSAGEM DO ESPÍRITO SUFI - pelo médium Pablo de Salamanca 3

INTRODUÇÃO - Pablo de Salamanca 4

AS HISTÓRIAS 7

TESTEMUNHA - Nélson Vilhenna 8

A CHINELADA NA ESPERANÇA - Pablo de Salamanca 14

O SOLDADO ROMANO - Nélson Vilhenna 17

A MENDIGA - Pablo de Salamanca 28

EXCLUÍDO - Nélson Vilhenna 31

MÚSICA ANCESTRAL - Pablo de Salamanca 43

O CENTURIÃO - Nélson Vilhenna 46

O AVÔ E A NETA - Pablo de Salamanca 64

PALAVRAS FINAIS - Nélson Vilhenna & Pablo de Salamanca 67

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PREFÁCIO

Convivi com Nélson Vilhenna por alguns anos enriquecedores, desde a

década de 90, tanto em ambiente acadêmico como em grupo espiritualista dirigido

por ele, com grande dedicação. Aliás, foram quase oito anos de trabalho mediúnico

com Nélson, que me orientou com paciência e carinho nos primeiros passos de minha

caminhada espiritual, nesta vida. Se não fosse a presença de Nélson, junto à

mediunidade que eclodia de mim, teria, com certeza, maiores dificuldades. E não

refiro-me apenas ao processo incorporativo ou à psicofonia, mas também à

psicografia, que veio logo em seguida. Nélson sempre leu com atenção meus

primeiros registros psicográficos, estimulando-me a continuar, e tecendo comentários

relevantes sobre a questão, impedindo que eu esmorecesse ou desistisse desta função.

Hoje, não seria escritor, se não fosse o amigo bastante presente naqueles primeiros

tempos...

Depois desta fase, parti para a formação de um grupo que eu dirigiria por

sete anos, conforme havia predito uma entidade, através da minha mediunidade. Isso

já foi contado no prefácio da obra “Jornada Espiritual” e não detalharei aqui. Apenas

acrescento que, na realidade, a minha missão era bem mais densa vibratoriamente do

que a de Nélson. Uma faceta forte da minha tarefa mediúnica é com a Umbanda, não

numa corrente mais sutil do Umbandismo, mas sim com os pés bem fincados no

chão. Por outro lado, Nélson permaneceria num trabalho universalista, conjugando

elementos do Espiritismo Cristão com atividades de Umbanda não tão densas, porém

sem discriminá-los, já que trazemos vários tipos de experiências em nossa história

espiritual.

Mas, lá atrás, ainda na década de 90, a mesma entidade que havia

informado que eu deveria formar um grupo próprio, também havia salientado ao

Nélson que ele escreveria livros espiritualistas no futuro. O tempo passou e Nélson

foi o autor principal do “Jornada Espiritual”, lançado em 2012. E neste momento,

início de 2017, concretiza-se a segunda obra de Nélson, onde colaboro mais uma vez

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como coadjuvante.

Assim, o Histórias de ontem e de agora vem a público, de forma

inteiramente gratuita, com o objetivo de ser útil aos buscadores espirituais de todos os

tipos, pois este livro é universalista e transcende às barreiras que algumas pessoas

insistem em erguer, por preconceitos religiosos e culturais de vários tipos.

Pablo de Salamanca

27 de dezembro de 2016.

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MENSAGEM DO ESPÍRITO SUFI

O “agora” e o “ontem” são como um objeto e o seu reflexo no espelho. Não

são a mesma coisa, mas são complementares.

O “ontem”, assim como o reflexo, não pode ser tocado, mas ambos estão

presentes e atuantes. O que passou, mesmo há muito tempo, influencia no “agora”,

pois o passado é a base do presente. Se o “ontem” não foi harmônico ou agradável,

pelo menos, apesar do sofrimento e desilusões, há de ter sido instrutivo. Sim,

instrutivo, pois os “erros” levam aos “acertos”. Não há um momento presente, sem

um passado de semeadura. Não há um futuro, sem que se viva o “agora”.

Assim, “ontem” e “agora” fundem-se para uma vida que será

experienciada, conforme o caráter de cada um. Se o “agora” não é positivo, o passado

não terá sido de paz. Então, por que não promover a harmonia agora? É possível! O

que une, fundamentalmente, o “ontem” e o “agora” é a capacidade de escolha de cada

ser. E escolher é ato que reside no âmago de cada vivente. Mas, como escolher com

sabedoria? A resposta não é tão complexa e está expressa a seguir.

Uns aprendem com os próprios erros e a estes pode se classificar como

inteligentes. Outros conseguem aprender com os erros de terceiros, sem maiores

dificuldades, podendo ser chamados de sábios.

Desta forma, neste livro que se materializa, com algumas histórias de

“ontem” e de “agora”, espera-se que os leitores sejam sábios o suficiente para

aprender com as experiências de outros...

Sufi, em 27/02/2014.

(através de Pablo de Salamanca)

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INTRODUÇÃO

A presente obra é composta, basicamente, por oito histórias. Quatro foram

escritas por Nélson Vilhenna, que foi amparado ou inspirado de forma evidente por

seu mentor principal: Frei João. As outras quatro histórias são de minha autoria,

sendo vivenciadas por mim e/ou inspiradas pelo amigo espiritual Sufi.

Os textos de Nélson apresentam a uma Espiritualidade tipicamente cristã,

com toda a profundidade e dramaticidade vividos nos tempos de Jesus. As histórias

que escrevi, todas num contexto atual, apresentam uma Espiritualidade sem traços

óbvios que permitam dizer que pertença a um determinado agrupamento religioso. Os

relatos de Nélson, mais longos e densos emocionalmente, foram mesclados aos meus,

que são mais curtos e de leitura mais suave. A mesclagem foi proposital, no intuito de

trazer um contraste bem nítido ao leitor, que poderá perceber que a Espiritualidade,

num sentido amplo, está em tudo que possamos vivenciar. As formas de como se

pode experimentar um acontecimento chamado “espiritual” podem ser muito

variadas, mas a essência é basicamente a mesma. Basta ter boa vontade para

encontrar os pontos de convergência, até o cerne essencial.

O tempo passa e a forma como a Espiritualidade se manifesta através dos

homens varia, de acordo com a cultura de cada época, mas a essência é permanente,

ou seja, a mesma. Podemos entender isso, através de Paulo de Tarso: A letra mata,

mas o espírito vivifica (segunda carta de Paulo aos Coríntios 3: 6), no qual podemos

interpretar, num contexto universalista, que o apego à forma – à letra (religiões, seitas

ou formas específicas de culto) – pode fazer com que o buscador espiritual se perca

do objetivo principal, que é a essência por trás de cada ensinamento.

Então, é importante lembrar o próprio Jesus, através de Mateus 22: 34-40:

Naquele tempo os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus.

Então eles se reuniram em grupo, e um deles perguntou a Jesus, para

experimentá-lo: Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? Jesus respondeu:

Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o

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teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é

semelhante a esse: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Toda a Lei e os

profetas dependem desses dois mandamentos. Ou seja, Jesus sintetizou “toda Lei e

os profetas” em dois mandamentos. Como podemos interpretar isso? Ora, é possível

entender que Jesus quis demonstrar que a essência é o fundamental do caminho

espiritual. Não devemos nos apegar tanto às leis formatadas pelos seres humanos e às

diversas formas religiosas criadas pelas culturas humanas, que mudam conforme a

geografia e com o passar do tempo...

No entanto, se observarmos com cuidado, a mesma essência permeia todas

as grandes religiões e doutrinas que buscaram sinceramente à Espiritualidade, ao

longo dos séculos. Através dos Evangelhos, do livro “A Doutrina de Buda” e do

Bhagavad Gita, todos disponíveis gratuitamente na Internet, se encontram fortes

pontos de convergência entre Jesus, Buda e Krishna (sem nos estendermos para

outros núcleos religiosos, pois não haveria espaço aqui nesta introdução), mostrando

que a essência espiritual é mais importante que a forma. Sobre coerência: JESUS -

Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de

procedência maligna; KRISHNA - Quem age indeciso, sem rumo certo, sem jeito

nem critério, procurando iludir os outros – este age sob o signo do desmazelo; e

BUDA - Para se manter pura a fala, não se deve mentir, abusar, ludibriar ou se

perder em vãs conversas. Mas evitar as palavras falsas, inúteis, abusivas e

ambíguas. Sobre não matar: JESUS - Tendes ouvido que foi dito aos antigos: não

matarás e quem matar será réu em juízo; KRISHNA - Quem não quer mal a ser

algum e, liberto do ódio e egoísmo, é benévolo para com todas as criaturas; e

BUDA - Para se manter o corpo puro, não se deve matar qualquer criatura vivente.

Sobre a riqueza material: JESUS - Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde

a traça e a ferrugem os destroem, onde os ladrões penetram e roubam; KRISHNA -

Sábios dotados de perfeita sabedoria não se apegam aos frutos do seu trabalho; e

BUDA - Os homens se apegam obstinadamente à vida de riqueza e fama, de

conforto e prazer, de excitamento e egoísmo, sem saber que estes desejos são a

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fonte do sofrimento humano.

Portanto, esta singela obra, Histórias de ontem e de agora, tem a pretensão

de oferecer alguns momentos de reflexão, permitindo que os leitores possam

discernir, dentro de suas mentes e corações, o que é essência espiritual,

independentemente da religião de suas preferências. Espero que este livro possa

atingir esse objetivo...

Pablo de Salamanca

27 de dezembro de 2016.

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AS HISTÓRIAS

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TESTEMUNHA

(Nélson Vilhenna)

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Estava junto ao Mar da Galileia, ajudando a arrumar as redes que seriam

usadas pelos pescadores, quando vi um homem, com porte imponente, aproximar-se

de Simão e seu irmão André e os convidar a segui-lo, dizendo que os faria pescadores

de homens. O homem foi seguido imediatamente pelos irmãos. Estranhei aquele fato,

pois era um desconhecido que havia chegado há pouco tempo à região. Resolvi segui-

los para ver onde iriam. Mais a frente repetiu o convite a Tiago e João, filhos do

pescador Zebedeu que, sem hesitação, deixaram tudo para trás e o seguiram. Aqueles

tempos eram conturbados por insurreições do povo contra os romanos e pensei: será

mais um a arregimentar homens para tentar a libertação de Israel? Como eu também

tinha interesse em escorraçar os romanos de nossa terra, continuei acompanhando de

longe aquelas pessoas, mas ele percorria toda a Galileia pregando o evangelho do

reino e curando todas as enfermidades que o povo lhe trazia.

Um dia subiu a um monte e fez um longo sermão, do qual pouco entendi.

Sentia uma atração muito grande por ele e suas palavras, mas não conseguia perceber

qual era o seu verdadeiro intento. Quando viajava de barco não podia segui-lo, pois

não queria levantar suspeitas sobre mim, já que eu não era um dos seus. Certa vez, no

retorno de uma dessas viagens, fiquei sabendo que ele havia impedido que o barco

onde estavam, afundasse, ao ordenar aos ventos e ao mar que abrandassem. Foi um

espanto geral para todos e uma grande confusão para minha cabeça. Como um

homem pode conseguir algo assim? Se for um revolucionário com este poder, não

teremos dúvidas que nos livraremos dos romanos. Entretanto, a sua fala e o seu

comportamento não eram de um guerreiro. As curas que fazia me convenceram de

que era um homem santo e não um homem de armas, mesmo quando desafiou os

sacerdotes, ao expulsar os que vendiam e compravam no templo. Causou-me mais

surpresa quando admitiu Mateus, o cobrador de impostos, entre os seus. Realmente

não fazia acepção de pessoas, mas eu continuava sem entender os critérios de sua

escolha.

De tanto segui-lo, percebi que, após os ensinamentos ao povo, ele se reunia

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com os seus discípulos à noite à beira da fogueira, que além de aquecer as noites

frias, também iluminava o ambiente para que pudessem conversar melhor. Nestes

momentos ele explicava com mais profundidade os ensinamentos ministrados por

parábolas. Não deixava que ficassem com dúvidas, pois a eles competia propagar

esses ensinamentos. Pude identificar todos ali: Simão (que passou a chamar de

Pedro), seu irmão André, Tiago (filho de Zebedeu) e João (seu irmão), Filipe,

Bartolomeu, Tomé, Mateus (o publicano), Tiago (filho de Alfeu), Lebeu (Tadeu),

Simão Cananita e Judas Iscariotes. Conferiu-lhes o poder de curar doenças,

ressuscitar mortos e expulsar demônios, mantendo sempre a humildade e a pobreza.

Fiquei profundamente indignado por não estar entre eles e também gozar desses

poderes. Numa noite, em que ele ensinava os discípulos, eu os espreitava e ouvia

atentamente, escondido entre alguns arbustos, quando ele virou-se para o meu lado,

fixou os seus olhos nos meus e deu um discreto sorriso. Uma força desconhecida

penetrou o meu peito e parecia que eu estouraria, tremendo todo o corpo. Fiquei

paralisado, sem esboçar nenhuma reação, embora fosse a minha vontade sair em

disparada para fugir de uma provável represália, porque fora descoberto espionando.

Entretanto, ele nada fez. Pedro, percebendo algo, perguntou-lhe se estava

acontecendo alguma coisa e ele simplesmente respondeu que não. Já era noite

avançada quando consegui recuperar-me. Olhei em volta e todos dormiam. Saí

tropegamente e voltei para casa, onde não consegui pregar o olho pensando no

acontecido. A partir desse dia, tomei maior cuidado para não ser descoberto.

Depois de algum tempo passei a observar que ele estava mais retraído, com

o olhar entristecido, mas continuei sem coragem de me aproximar e perguntar o que

estava acontecendo. De longe os vi preparar a ceia da páscoa e pude, mais uma vez,

observar a tristeza em seus olhos. O que conversaram não pude ouvir devido a

distância em que me encontrava, mas quando levantou o cálice de vinho e ofereceu

aos discípulos, senti um forte gosto de sangue na boca, embora não tivesse me

machucado. Notei que Judas saiu apressadamente, sem se despedir de ninguém.

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Quando ele se dirigiu ao Getsêmane, chamou Pedro, João e Tiago para

acompanhá-lo e deixou os demais descansando. Não pude me aproximar dele, pois

teria que passar pelos demais e me pareceu que eles estavam de guarda. Eu já estava

ficando cansado de aguardar o seu retorno, quando ele reapareceu e chamou a todos

para saírem. Neste momento, chegou Judas com um grande número de baderneiros

armados de espadas e varapaus, que mesmo fazendo muita algazarra, demonstravam

grande medo em seus rostos. Judas aproximou-se e beijou-lhe a face e neste mesmo

instante a turba lançou mão de Jesus e o prenderam. Pedro, automaticamente,

desembainhou sua espada e avançou sobre o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe

uma orelha, mas o Mestre repreendeu-o e recolocou a orelha do homem em seu lugar.

Eu estava atônito sem entender o que acontecia. Nada vi, ao longo de todo tempo que

o segui, que pudesse justificar a sua prisão. Calculei que era um engano e que tudo

seria esclarecido em seguida. Acompanhei-os até a casa do sumo sacerdote Caifás e

vi Pedro assentar-se junto aos criados. O que presenciei encheu-me de cólera. Todos o

caluniavam e davam falso testemunho, no intuito de encontrar uma forma de

condená-lo. Indignado por não obterem provas suficientes, o sumo sacerdote

perguntou-lhe “em nome de Deus” se ele era realmente o Cristo, o filho de Deus, ao

que lhe respondeu: “Tu o disseste; digo-vos porém, que vereis em breve o filho do

homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu”. Isto foi

suficiente para que o enquadrassem como réu de morte. Cuspiram nele, o

esbofetearam, deram-lhe socos e tudo fizeram para humilhá-lo.

Procurei Pedro para convocá-lo a uma reação e retirarmos Jesus das mãos

daqueles insanos, mas vi quando ele negou conhecê-lo. Percebi que seu medo o

estava impedindo de tomar qualquer atitude em favor de seu Mestre. Procurei então

os demais discípulos, porém todos haviam fugido. Fiquei desolado, pois sozinho nada

conseguiria fazer. Acompanhei então os acontecimentos e presenciei sua apresentação

a Pilatos e toda sorte de humilhação que passou. Quando lhe colocaram a coroa de

espinhos, senti penetrarem profundamente em minha cabeça aqueles acúleos,

causando-me dor lancinante. Não sei como não gritei de desespero. Em seguida

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levaram-no para ser crucificado. Tive ímpetos de ampará-lo, mas fiquei com medo

dos soldados, pois eram verdadeiros sanguinários que se divertiam com o sofrimento

daquele homem. Quando eles mesmos escolheram alguém para ajudá-lo, já que

apresentava sinais avançados de estafa, recaiu a escolha sobre um cireneu de nome

Simão, que casualmente se encontrava naquele lugar, tendo sido forçado a carregar a

cruz. Procurei mais uma vez seus companheiros, mas nenhum era visto. Como eu

poderia fazer algo se aqueles que o seguiam, que tinham recebido poderes especiais e

o conheciam melhor do que eu, não tiveram coragem de ajudá-lo naquele momento

de injustiça? Procurei ficar o mais perto possível do local da crucificação e mais uma

vez sofri no meu corpo o seu sacrifício. Quando lhe pregavam os cravos, senti-os

penetrando em meus pulsos e pés e perdi a sustentação, caindo ao chão e servindo de

achincalhe para aqueles indivíduos dementes, que lá se encontravam. Quando

consegui erguer-me, a cruz já estava de pé e Jesus entregava para Maria, sua mãe, a

João como se fosse seu filho dali por diante, representando toda a humanidade

carente de amor. Reparei então, que lá estavam também outras mulheres que sempre

o acompanharam desde a Galileia. Logo depois ele expirou e eu caí em pranto,

extremamente sentido, que parecia lavar todas as minhas faltas, todos os meus erros,

aliviando todas as minhas dores e descortinando para o meu espírito uma nova era

que se iniciava naquele momento.

Só deixei o Gólgota quando todos já haviam se afastado e somente aqueles

fiéis seguidores é que permaneciam aos pés da cruz. Não havia mais o que fazer, ele

estava morto.

Durante vários dias refugiei-me num monte, no interior de uma caverna,

meditando sobre tudo o que havia escutado dele, e o que ficou mais registrado e que

parecia eu ouvir constantemente, eram os seus grandes mandamentos: “Amarás o

Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu

pensamento”. E o segundo semelhante a este é: “Amarás o teu próximo como a ti

mesmo”. Entendi que agora viveria para segui-los, pois era a única maneira de

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demonstrar que aquele sacrifício não teria sido em vão.

Enquanto pensava nestas coisas, lembrei-me que a primeira vez que ele

cruzou o meu caminho foi no mercado. Eu estava na barraca de peixe e ele

acompanhava sua mãe nas compras. Olhavam a mercadoria, escolhendo o que

comprar. O comerciante reparando nos trajes humildes que a mulher usava, dirigiu-se

a ela dizendo: “Vejo que a senhora não deve ter muitos recursos para as despesas, por

isso lhe ofereço este peixe pela metade do preço”. A mulher ficou interessada, mas o

menino ao seu lado comentou: “Não mãe, não compres este peixe, pois é sobra de

ontem e foi esquecido sem proteção”. Virando-se para o comerciante advertiu-o:

“Não está escrito que não dirás falso testemunho contra o teu próximo? Como podes

oferecer algo que não condiz com a verdade e que vai prejudicar o teu próximo?

Entretanto, Deus há de perdoar-te se venderes aquele peixe que ali está reservado

para o consumo de tua família, pelo mesmo preço deste outro, e hás de ter muito

lucro hoje”. O homem, assustado com as observações do jovem, fez exatamente o

que ele sugeriu. Depois que se foram, o comerciante, envergonhado, pegou o peixe

passado para jogar fora, mas neste instante verificou que ele se apresentava mais

fresco do que aquele que havia adquirido no dia.

De repente fui acordado de minhas lembranças, escutando sons angelicais e

verificado que o dia parecia mais luminoso. Sai do meu retiro e pude presenciar a

ascensão do Mestre, tendo sentido novamente o poder de seu olhar voltado para mim,

encorajando-me a seguir o meu caminho.

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A CHINELADA NA ESPERANÇA

(Pablo de Salamanca)

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Uma chinelada na esperança! O menino chorava arrependido. Chegou,

mesmo, a soluçar. Mas, as lágrimas secaram, embora mantivesse os olhos úmidos.

Agora, silencioso e muito triste, deixava-se levar por sentimentos de culpa e de

arrependimento. Haveria uma nova esperança? Por quê agira de forma tão impulsiva?

Na realidade, ele não agira, mas sim, reagira. E então, estava tudo acabado. A

esperança morrera...

O inseto havia entrado em seu quarto, voando pela janela, de uma forma

súbita, e passando perto da orelha do garoto. Aquele zumbido de suas asas havia

assustado o jovem que, pensando ser um marimbondo, deu-lhe uma chinelada. Estava

bem vívido na memória do menino, o acontecimento em que ele tinha levado uma

ferroada de marimbondo, bastante dolorida. Além disso, também já havia ganho umas

picadas de abelha. Portanto, mantinha-se alerta quanto a possíveis “inimigos

voadores”. Assim, ficou consternado quando aproximou-se do infeliz e inofensivo

inseto, constatando seu engano.

Após muito tempo sem perambular pela casa, fazendo as suas traquinagens

ou disparando perguntas a esmo, deram pela sua ausência. Seu pai fora procurá-lo.

Não estava no quintal da frente da residência, como era comum, quando queria jogar

bola. Não estava no quartinho de ferramentas, nos fundos do terreno, onde ficava

quando estava “construindo alguma coisa”. Não estava no sótão, para onde ia quando

queria observar os movimentos da vizinhança. Nem mesmo se localizava pendurado

nos galhos de um grande pé de jambo, quando imaginava-se como um grande macaco

da floresta. O pai só o encontrou, após minutos um tanto preocupantes, no seu quarto

de dormir.

Ao adentrar no quarto do garoto, seu caçula de 9 anos, olhou-o com a

severidade de quem estava realmente preocupado. O menino, vendo o pai,

desmanchou-se novamente em lágrimas. Logo o pai a tudo compreendera, pois seu

filho explicava, por entre soluços, que matara a esperança com uma chinelada. E ali

estava o inseto verde, da cor da esperança, despedaçado e inerte. Ali, naqueles

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destroços, não havia um sinal de vida da esperança.

No entanto, nos olhos do pai brilhava a esperança viva, ao notar que no

filho havia uma alma em real desenvolvimento. Embora seu caçula tivesse matado o

inofensivo inseto, numa atitude instintiva, no garoto brotava um profundo momento

de reflexão sobre a vida e sobre a morte. Portanto, para o pai, a esperança estava mais

viva do que nunca.

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O SOLDADO ROMANO

(Nélson Vilhenna)

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Na minha infância, aprendi de meus instrutores a respeitar Roma e

glorificar suas conquistas e poder. Brincava de guerreiro com os outros meninos,

usando espadas de madeira e me sentia poderoso como um verdadeiro soldado

romano. Toda vez que as tropas regressavam vitoriosas de uma campanha, meu pai

levava-me para assistir ao desfile e eu ficava encantado com a postura garbosa

daqueles heróis da pátria.

Ainda jovem alistei-me para servir Roma, como era de praxe, mas

principalmente porque queria ser um militar respeitado. Fiz o treinamento inicial e

participei de várias escaramuças, como forma de aperfeiçoar a combatividade e ao

mesmo tempo colaborar para o restabelecimento da ordem, em áreas de conflitos

rebeldes. Em pouco tempo, meus superiores concluíram que eu estava preparado para

ingressar nas fileiras dos combatentes experientes. Foi quando conheci o Centurião

Lúcius, oficial de nobre estirpe, que colecionava um sem número de vitórias e era

muito respeitado, não só por seus subordinados, como também por seus superiores.

Estive sob seu comando em diversas incursões pelo Império, para sufocar

rebeliões e tentativas de libertação do domínio romano. No retorno de uma dessas

missões, estando ele cansado, pediu-me que levasse à Sinagoga a sua oferta em

agradecimento à última vitória e entregasse ao seu amigo Jairo, para que cumprisse o

cerimonial competente. Poucos conheciam sua conversão ao Judaísmo e eu me sentia

honrado por sua confiança. Chegando ao templo, soube que ele não se encontrava e

que não deixara informação para onde teria ido. Resolvi andar pelas ruas, revendo

lugares, quando percebi uma multidão eufórica, tendo sido informado que seguiam

Jesus de Nazaré, um grande profeta que curava as pessoas e fizera até uma

tempestade se acalmar. Logicamente compreendi que se tratava de um bando de

fanáticos que, por sua vez, acompanhavam outro não menos louco. Entretanto, a

curiosidade me fez vencer a multidão e me aproximar do “tal profeta”. Chegando

perto, vi um homem bem-vestido, de joelhos, aos pés de outro com trajes muito

simples, rogando-lhe que fosse à sua casa para ver a filha de doze anos, que estava à

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morte. Enquanto caminhavam, todos queriam estar a seu lado e o apertavam e, até eu,

já me sentia sufocado e bastante irritado com todo aquele aperto. De repente, o

homem parou e perguntou com firmeza: “Quem é que me tocou?” Ora, aquela

pergunta me pareceu absurda, bem como aos seus próprios companheiros, já que toda

a gente o apertava, mas ele esclareceu: “Alguém me tocou porque bem conheci que

de mim saiu uma virtude.” Não entendi nada. Estava conjeturando e já concluindo

que o homem era doido mesmo, quando apareceu uma mulher amedrontada,

tremendo feito vara verde. Prostrando-se ante ele, declarou, diante de todos, que

havia sido ela que lhe tocara, pois havia doze anos que tinha um fluxo de sangue que

nenhum médico conseguira curá-la. Sabendo da presença daquele profeta ali,

resolvera buscar nele a cura tão desejada, mas por não ter coragem de falar-lhe,

pensou que se lhe tocasse, pelo menos as vestes, conseguiria sarar-se. E foi o que

aconteceu, pois ao tocar a borda de sua veste sentiu uma forte energia percorrer todo

o seu corpo e, de imediato, o sangue estancou. O homem conhecido por Jesus olhou-a

de uma forma tão sublime, que chegou a comover-me, quando lhe ouvi dizer: “Tem

bom ânimo, filha, a tua fé te salvou; vai em paz”. As lágrimas correram pelas minhas

faces. Nisso chegou outro homem bem-vestido e pude verificar que se tratava de um

dos príncipes da sinagoga, que eu havia visto no templo, e voltando-se para o

primeiro que se ajoelhara aos pés de Jesus, disse que a filha do mesmo já havia

morrido e que não adiantava mais incomodar o Mestre. Mas este ouvindo o que dizia,

respondeu: “Não temas; crê somente, e será salva.” Lá estava eu ouvindo outra

loucura, mas depois de tudo que presenciara, era melhor esperar para ver no que

dava.

Caminhamos até a casa da menina morta e nela somente entraram os pais,

Jesus e três de seus companheiros. Estava uma choradeira geral, mas ele confortou

todos dizendo que a menina apenas dormia. Muitos dos presentes, que presenciaram a

morte, riram dele, mesmo estando num ambiente de pesar, mas ele não se importou e

pegando-lhe as mãos disse firmemente: “Levanta-te menina!” E ela levantou, para

espanto e alegria de todos. Eu, que estava acostumado a ver a morte com frequência

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nos campos de batalha, e que tinha inclusive perdido muitos amigos, não conseguia

entender o que estava acontecendo. Provavelmente os familiares e amigos haviam se

enganado e a menina teve apenas uma síncope. Na minha mente, acostumada com o

treinamento para matar, não havia explicação para um retorno à vida, como parecera

ter acontecido naquele momento. Era preferível acreditar num equívoco dos

familiares. Enquanto pensava no assunto, deparei-me com o olhar sereno do Mestre

fixado em mim. Recebi um impacto tão forte, que me pareceu ter sido atingido por

uma clava inimiga na cabeça. Quando dei por mim estavam todos alegres, se

abraçando, e a menina comendo avidamente uma refeição que lhe ofereceram. Fiquei

sabendo, então, que seu pai era o amigo do Centurião que eu havia procurado, mas

diante dos acontecimentos preferi não incomodá-lo. Voltando à Sinagoga, pedi a

outro príncipe que fizesse o oferecimento, retornando em seguida para o

acampamento. Recolhendo-me ao dormitório, fiquei pensando em toda aquela

experiência, que não tive coragem de contar para os companheiros.

O tempo que passei sob o comando do Centurião Lúcius foi de muito

aprendizado, pois, além de o mesmo ser um grande guerreiro, era também generoso

para com todos, somente punindo aqueles que insistiam em persistir nos erros,

anteriormente perdoados por ele.

Certa vez, estávamos lutando sob alguma desvantagem, já que o inimigo

era em maior número, embora não tão preparados como nós. Vi o Centurião em luta

contra três, porém com certa facilidade, quando um quarto homem, com mais de dois

metros de altura, muito forte e com um machado nas mãos, veio pela retaguarda para

atacar o nosso comandante, que não percebera sua aproximação. Não adiantava gritar,

pois com toda aquela algazarra das lutas ele não me ouviria. Consegui, com um golpe

de mestre, liquidar o meu adversário e corri em direção ao Centurião. Já estava bem

próximo do grupo, quando o gigante levantou seu machado para desferir o golpe

fatal. Só houve tempo de dar um grande salto e cravar minha espada em seu ventre,

mas o golpe já havia sido desferido, tendo apenas desviado do alvo inicial, por causa

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do ataque mortal que promovi. Infelizmente o machado atingiu-me a perna esquerda

e caí ao lado do homenzarrão. O Centurião assustou-se com aquele movimento

brusco e rapidamente percebeu o que acontecia. No afã de ajudar-me, eliminou

rapidamente os três inimigos que o distraiam, quanto ao gigante agora abatido, e

socorreu-me.

Os adversários, verificando que seu plano de eliminar o Centurião não

havia surtido efeito, e que, além disso, também perderam seu melhor combatente,

pois havia provocado grandes baixas em nossas fileiras, partiram em debandada. Foi

feito um curativo de emergência em minha perna, para que não perdesse mais sangue

e voltamos para o acampamento principal, onde fui tratado pelo melhor da tropa.

Como os revoltosos não se reorganizaram, voltamos para Cafarnaum onde

o Centurião, por gratidão, alojou-me em sua casa. Passei um bom tempo em

recuperação, mas depois de curado não tive mais condições de voltar aos campos de

luta, pois fiquei coxo. O nobre Lúcius requisitou-me para ser seu ajudante de ordens e

fiquei sempre a seu lado como um fiel escudeiro. Pude verificar, nesse convívio,

como ele tratava humanamente seus empregados, pois transformara os escravos que

recebera para trabalhar em sua casa, em trabalhadores remunerados, tendo permitido

liberdade total para muitos deles. Um desses, muito estimado pelo Centurião, ficou

doente e nenhum tratamento logrou êxito, chegando a ficar moribundo. Como

também havia me tornado muito íntimo do patrão, resolvi contar-lhe sobre a

experiência com Jesus. Ficou tão entusiasmado, que enviou alguns anciãos dos judeus

para rogar ao Mestre que viesse curar seu servo. Quando Jesus já se aproximava da

casa, o Centurião Lúcius enviou-me com outros amigos para dizer-lhe,

humildemente, que não se incomodasse em entrar, pois não era digno de tê-lo

debaixo do seu telhado. Assim, por esta razão, não se dignara em falar-lhe

pessoalmente, mas que bastava dizer apenas uma palavra para que seu servo sarasse.

Transmiti essas palavras ao Mestre e concluí o recado enviado, dizendo: “Também eu

sou homem sujeito à autoridade, e tenho soldados sob meu poder, e digo a este: vai; e

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ele vai; e a outro: vem; e ele vem; e ao meu servo: faze isto; e ele faz.” Jesus ouviu

atentamente e, com um brilho de alegria em seus olhos, voltou-se para a multidão que

o seguia e disse: “Digo-vos que nem ainda em Israel tenho achado tanta fé.” E, antes

de retirar-se, completou: “Que se faça!”

Voltamos para casa, os outros confiantes, mas eu em dúvidas. Em lá

chegando, encontramos o servo são e conversando. Desde aquele dia, o servo teve

mais saúde do que antes. Afastei-me sem falar com ninguém, recolhi-me aos meus

aposentos e caí em choro convulsivo. Como pude ainda ter dúvidas? Aquele homem

era, realmente, santo.

Até então não tinha me interessado pelos ensinamentos de Jesus. Mas,

havia entre os empregados do Centurião uma mulher piedosa, de nome Sara, segundo

diziam, ouvia sempre o Mestre, quando Ele estava nas redondezas. Procurei-a e pedi

que me falasse dos seus ensinamentos. Fiquei maravilhado com tudo que falava. Se

eu admirava o nobre Lúcius pela sua generosidade, agora estava conhecendo alguém

que o superava em nobreza, mesmo sendo pobre. Um dia, enquanto a ouvia, entrou

em sua casinha, sempre repleta de ouvintes, o próprio Lúcius. Assustei-me e logo

levantei, empertigando-me diante de sua autoridade, mas ele pediu que ficasse à

vontade, pois ali, naquele recinto, éramos todos iguais e simples. Depois que a

mulher encerrou a palavra, todos se abraçaram e saíram. O Centurião aproximou-se

de mim e disse: “Também te interessaste pelo Mestre? Eu já aprendi bastante. E se

antes já respeitava o meu semelhante, agora estou aprendendo a amá-lo.” Fiquei

admirado, ouvindo e pensando como aquele homem tão poderoso poderia ter um

coração tão nobre!

O tempo passou e, certa vez, fui à Jerusalém para resolver umas questões

administrativas quando, ao passar pelo Monte das Oliveiras, deparei-me com uma

multidão, tendo à frente um dos discípulos de Jesus, alguns sacerdotes e capitães do

templo. Parei e fiquei observando para ver de que se tratava, quando vi o discípulo se

aproximar do Mestre e beijar o seu rosto. Este fez alguns comentários e depois se

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dirigiu aos demais, mas do ponto em que me encontrava, não pude ouvir o que

falavam. Houve uma pequena confusão, que não percebi direito, mas que foi sanada

pela intercessão de Jesus. Entretanto, logo em seguida, lançaram mão Dele e o

prenderam. Fiquei preocupado com a situação, e para compreender o que estava

acontecendo, dirigi-me a um dos capitães que conhecia e perguntei-lhe. Explicou-me

que estavam prendendo Jesus por insubordinação e blasfêmia, mas que seria

interrogado e julgado pelo sinédrio. Voltei-me para Jesus e disse-Lhe que iria, o mais

rapidamente possível, falar com o Centurião Lúcius para que pudesse interceder por

Ele, mas o Mestre respondeu-me: “Nem tu nem ele podem impedir o que está escrito.

Guarda o teu coração de qualquer revolta para que também não sejas atingido pelo

poder das trevas.” Não entendi, mas resolvi seguir a turba. Chegando à casa do sumo

sacerdote, levaram-No para dentro, enquanto os demais ficaram fora. A noite estava

fria e resolveram fazer fogueiras para se aquecer, tendo eu ficado próximo a uma

delas. Pela minha cabeça passava um turbilhão de imagens, pregações e dúvidas. De

repente fui despertado pelas palavras de uma criada, que falava alto e apontava para

alguém. Segui a direção de seu dedo e deparei com Pedro, um dos discípulos que

estava sempre a Seu lado e que, naquele instante, negava conhecê-Lo. Fiquei meio

aturdido, sem compreender aquela negação. Não demorou muito tempo e um homem

afirmava ser Pedro um deles, tendo sido negado outra vez. O que estava

acontecendo? Não era a oportunidade de defender o Mestre diante daquele bando de

ignorantes? Passou mais um tempo e outro homem também afirmou que ele estava

com Jesus, pois também era Galileu, mas Pedro negou mais uma vez. Não sei como,

mesmo com o alarido que as pessoas faziam, falando alto, ouviu-se um galo cantando

fortemente. Nesse instante Jesus virou-se e olhou firmemente para Pedro, que saiu

envergonhado do local. Na minha indignação, já estava começando a revoltar-me

com aquela atitude do companheiro do Mestre, bem como pela ausência dos demais,

pois não os vi por ali, quando aquele olhar significativo e poderoso encontrou os

meus olhos e, no mesmo instante, lembrei-me da recomendação que Ele fizera junto

ao Monte das Oliveiras.

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Os homens que mantinham Jesus prisioneiro maltrataram-no o tempo todo.

Como um homem tão bom poderia ser tratado daquela maneira? Era extremamente

injusto, mas Ele suportava tudo calado, e eu resolvi seguir sua recomendação.

Resolveram levá-lo a Pilatos. Quando passaram por mim gritei: “Abençoa-

me Senhor!” Ele voltou o rosto para mim e sorriu.

Pilatos não encontrou motivos para prendê-Lo, mas, por causa da turba,

resolveu mandá-Lo para Herodes que, antes de devolvê-Lo a Pilatos, mandou cobri-

Lo com uma capa resplandecente, com a presença de soldados, para acrescentar

“melhor aparência” ao “rei dos judeus”. Colocaram-Lhe também uma coroa de

espinhos. Eu acompanhava mais de perto tudo, utilizando-me de minha patente

romana. No momento da colocação da coroa de espinhos, senti dores por todo o meu

corpo, sendo que naqueles pontos onde eu havia sido ferido nas batalhas, as cicatrizes

se abriram e pequeno filete de sangue correu delas. Tive que afastar-me do recinto

para limpar as feridas. Enquanto limpava, buscava uma explicação para o fato e

vieram-me imagens dos campos de batalha em que, embora lutando por Roma, eu

matava os inimigos com satisfação. E quanto àqueles que conseguiam atingir-me,

tirava-lhes a vida com muito mais alegria. Escutei, então, uma voz dentro de minha

cabeça que dizia: “Agradeça a oportunidade que o Mestre está te oferecendo.

Sangrarás pelo resto da tua vida, para que não tenhas que morrer pela espada várias

vezes.” O sangue estancou, mas as feridas ficaram abertas. Quando retornei ao palco

do julgamento, este já havia terminado e Jesus estava sendo levado para a

crucificação. Corri com muita dificuldade por causa da perna coxa e também das

feridas, com receio que sangrassem muito. Depois de algum tempo, consegui

atravessar a multidão e chegar ao local da crucificação. Os soldados estavam

despindo o Mestre e depois o deitaram sobre uma cruz, mas em vez de amarrá-Lo

como era o costume, pregaram-Lhe a ela. Também neste momento, senti dores

lancinantes e o sangue voltou a verter das cicatrizes. Desta vez fiquei por ali. Se

tivesse que morrer sangrando não importava. Pelo menos eu tinha feito por onde, mas

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aquele santo homem só fizera o bem. Então, levantaram o madeiro junto de outros

dois de malfeitores, com a intenção de humilhá-Lo. Infantil ignorância!

Já se aproximava a hora sexta quando começou a escurecer, dando a

impressão de que grande tempestade se aproximava. Neste momento Jesus clamou

com grande voz: “Pai, nas Tuas mãos entrego o meu espírito.” E, havendo dito isto,

tombou a cabeça e expirou. Um turbilhão de imagens passou diante de meus olhos e

vi todos aqueles que morreram ao fio de minha espada, com gritos pavorosos. Foram

momentos horríveis. A cada grito, uma de minhas cicatrizes sangrava. Não sei quanto

tempo passei ali. Já iniciava a perder as forças devido à hemorragia, quando um

soldado se aproximou do corpo na cruz e enfiou-Lhe a ponta de uma lança do lado, o

que para mim foi um horrível pesadelo, pois a cicatriz da minha perna, feita pelo

machado do inimigo grandalhão, como que estourou, jorrando muito sangue. Soltei

um forte grito e desmaiei. Quando acordei, estava deitado em uma tapera, cheio de

curativos. Algum tempo depois, entrou um homem bondoso que me contou da

ressurreição de Jesus. Em virtude de minha fraqueza, pedi que levassem ao Centurião

Lúcius notícias minhas, além de dizer-lhe que não pude resolver as questões

administrativas, já que ficara envolvido com aquele triste final do Mestre. Enquanto

aguardava resposta de Cafarnaum, recebi muitos ensinamentos do Evangelho pelo

bondoso homem, que nada mais era do que João, um dos discípulos do Mestre.

O próprio Lúcius veio ver-me, tendo providenciado o meu retorno à sua

casa, onde fiquei sob os cuidados de Sara, que além de tratar dos meus ferimentos,

enriquecia o meu espírito com a sua sabedoria do Evangelho.

Depois que me curei, pedi licença do meu cargo junto ao Nobre Lúcius,

explicando-lhe que havia resolvido seguir os passos de Jesus, ensinando o seu

Evangelho. Despedi-me de todos e parti para Jerusalém, para encontrar-me com os

discípulos. Fui a casa onde ficara sob os cuidados de João e lá me informaram onde

encontrá-los. Chegando ao local onde se reuniam, fiquei sabendo que Pedro e João

haviam sido presos porque ensinavam no templo. Enquanto falavam sobre o

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acontecido, chegaram os dois apóstolos e contaram sobre a cura de um homem coxo

de nascença, que gerou toda a polêmica com os principais do templo. Entretanto, sob

o comando do Espírito Santo, rebateram todas as acusações e pressões para que não

voltassem a falar da ressurreição de Jesus e de seu Evangelho. Assim que terminaram

sua exposição e oraram junto com os presentes em agradecimento a Deus, o lugar

onde estávamos se moveu e fomos abençoados pelo Espírito Santo. Finda toda aquela

manifestação do Amor de Deus para conosco, dirigi-me a João e falei-lhe sobre a

minha decisão, bem como lhe pedi autorização para participar do seu grupo para

aprender a servir. João olhou-me serena e profundamente, observando em seguida:

“Nada tenho que autorizar-te, pois já o fez o Divino Mestre quando deixou vir a ti o

Espírito Santo. Cuidarás, primeiramente, dos enfermos, não somente de suas feridas

físicas, mas especialmente as da alma. Aqui não te faltará serviço. Confia no Mestre e

sempre serás o instrumento de amparo ao necessitado, diante de ti.” Em seguida,

apresentou-me a todos e indicou-me a um bondoso senhor para que iniciasse, de

imediato, o meu trabalho. Agradeci e segui o novo amigo. A princípio, gostaria de

estar junto dos apóstolos para aprender um pouco mais sobre a experiência deles com

Jesus, mas uma voz interior alertou-me que deveria exercitar o que já sabia, de

imediato. Assim sendo, não relutei nem um segundo mais.

Iniciava minhas atividades assim que o sol surgia e só terminava quando o

último amparo se completava. Todos os dias, após o atendimento, tinha que cuidar de

minhas próprias feridas que voltaram a sangrar, mas que não impediam o meu

trabalho, até porque, só notava o sangramento quando ia me recolher. Um dia

aproximei-me de João e falei-lhe do sangramento. Examinou-me e disse: “Agradeça a

Deus este pequeno sofrimento, pois ele veio para tua glória. O Mestre perdoou os

teus pecados, cabendo a ti apenas sentir um pouco da muita dor que causaste ao teu

semelhante, pois também em vidas passadas foste um guerreiro impiedoso.”

Lembrei-me das palavras que ouvi em minha mente, quando da colocação da coroa

de espinhos na cabeça de Jesus. Realmente, se queria encontrar a felicidade no futuro,

era necessário superar aquele momento com confiança e fé.

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Depois de alguns anos ajudando no abrigo de Jerusalém, parti para o campo

aberto, onde deveria ensinar o Evangelho e também curar. Entretanto, isto se deu num

momento de muita perseguição aos cristãos. Os sacerdotes e principais do templo

haviam convencido os romanos de que éramos subversores da ordem, e que

preparávamos um golpe contra Roma. Numa investida de soldados contra um grupo

de cristãos, que pregavam a Boa Nova e curavam, tentei convencê-los de que estavam

errados, pois o próprio Jesus havia dito para dar a César o que era de César e a Deus

o que era de Deus. Não consegui nenhum sucesso, sendo arrastado com os demais

para sermos presos. Na tentativa de impedir aquela injustiça busquei, na sacola que

levava, meus documentos de cidadão romano, porém o soldado, acreditando que

pegava uma arma para feri-lo, desferiu rápido golpe com sua espada, atingindo-me a

cabeça. A morte não chegou rápida, oferecendo tempo para que mostrasse ao militar

os documentos. Ao certificar-se de minha condição, ficou muito assustado e pediu-me

perdão, providenciando para que eu fosse socorrido imediatamente. Porém, não havia

mais tempo para isso e eu sentia o meu espírito quase solto do corpo. Os

companheiros ajoelharam-se em prece e tive um último reforço de energias,

suficiente para chamar o soldado, abraçá-lo e dizer-lhe com dificuldade, pois o

sangue me engasgava: “Estás perdoado meu irmão! Te agradeço por me abrires as

portas para a vida eterna e ser recebido nela pelo próprio Jesus. Fica em Paz...”

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A MENDIGA

(Pablo de Salamanca)

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Ela estava sentada, em rua movimentada do Centro do Rio de Janeiro, com

as costas apoiadas na parede de um velho casarão. Algumas bolsas e badulaques

estavam tanto à direita, quanto à esquerda, daquela figura maltrapilha. Mas, o que

mais se destacava na cena, não eram o aspecto externo da mendiga e seus aparatos. O

que se tornava mais marcante, era o tom alto e indignado de sua voz, bem como o

estilo profético de sua fala. E ela dizia: “É preciso colocar o amor lá atrás, desde o

início. É assim que a planta ganha raiz e nenhum vento a derruba. É lá! É lá atrás,

desde o começo...”

Eu passava por ela, em direção ao meu apartamento, após mais um longo

dia de trabalho, mas sem deixar de perceber e registrar, em minha mente, o acerto de

suas palavras. As pessoas, assim como eu, passávamos por ela rapidamente, meio

hipnotizados pelo dia a dia, mas também sentindo um certo espanto pela indignação

da senhora. Contudo, ela estava realmente correta! Quando não se investe na

educação dos pequenos com amor, toda a sociedade fica doente.

O que teria acontecido com ela? Seu problema teria se dado, de fato, na

infância? Seria algum tipo de abandono? Será que ela havia feito escolhas muito

equivocadas na sua caminhada, e chegado até a mendicância? Ou conjunturas

inesperadas da vida a tinham levado a viver nas ruas? Muitas perguntas, sem

resposta. O fato momentâneo é que ela estava ali, em condições precárias, sob o calor

intenso de uma primavera carioca, com jeito de verão. Provavelmente não tinha boa

noção de seu futuro próximo ou distante, apenas constatava sua miséria, como muitas

outras pessoas que vivem nas ruas das grandes cidades brasileiras.

Em meio a essas conjecturas, segui para a minha residência, sentindo uma

impotência melancólica quanto a poder modificar esta realidade, que atinge tantas

pessoas. Logo estava em casa e, debaixo do chuveiro, não podia esquecer a cena. A

mente continuava a funcionar, automaticamente, e as reflexões prosseguiam. Ao final

de certo tempo, compreendi que cada indivíduo adulto permanece de pé, mas com

raízes nem sempre profundas. Boa parte de nós está bastante susceptível às ventanias

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da vida. Alguns caem com estrondo. Possivelmente ela mesma, a mendiga com voz

de trovão, estava ali, naquela condição de árvore derrubada, porque fora na infância

uma planta sem a devida fertilização do amor. Ela parecia ser um exemplo vivo disso,

e talvez por este motivo, soubera diagnosticar a origem do problema que é, na

realidade, de todos nós...

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EXCLUÍDO

(Nélson Vilhenna)

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Nasci em Gadara e meu pai era um rico comerciante de nome Saul. Para

facilitar seus negócios com peixes, transferiu-se para pequena cidade denominada

Gerasa, onde acabei me criando. Gostava de brincar próximo ao Lago de Genesaré,

onde ficava muitas vezes sentado na praia olhando a chegada dos pescadores, que

eram rapidamente convencidos pelos empregados de meu pai, a vender-lhes o

produto da pesca. Não gostava muito daquele tipo de comércio, mas também não

tinha decidido o que seguir na vida. Sendo assim, preferia ficar olhando o mar como a

esperar dele uma solução para minhas dúvidas. Por causa desta atitude, meu pai

chamava-me de preguiçoso e dizia que não sustentaria minha inatividade por muito

tempo. Adquiri esse costume de olhar o mar, desde que, aos dez anos, vi uma luz

intensa, vinda da outra margem do Lago, como se o sol se deslocasse em minha

direção. Mas, quando chegava próximo de onde estava, essa luz desaparecia. Passada

a primeira impressão, verifiquei que o astro-rei continuava em seu lugar

característico. Não entendi o fenômeno e fiquei mais impressionado quando ele

passou a ocorrer com frequência. O tempo transcorreu e, quando já estava com vinte

anos, vi novamente aquela luz se aproximando. Desta vez era mais estranho, pois

havia uma forte tempestade ao longe e o sol estava escondido pelas nuvens escuras,

mas a luz conseguia passar facilmente no meio delas. Fiquei mais uma vez atento ao

fenômeno para ver se descobria sua explicação, já que as pessoas me chamavam de

louco, pois somente eu via a luz. Naquele dia, porém, verifiquei que a mesma ao

chegar à praia, estava sobre um barco de pescadores. Quando o mesmo aportou, dele

saltou um homem que carregava sobre sua cabeça aquela luz. Fiquei abismado com

aquela cena. O homem caminhou em minha direção, acompanhado por outros

pescadores e, ao passar por mim, afagou-me a cabeça e não disse nada. Pareceu-me

que a luz passou por sua mão e penetrou dentro de mim, causando um torvelinho em

todo meu ser. Caí de joelhos e chorei muito. Quando dei por mim novamente, já não

tinha mais ninguém por perto, a não ser um cão vagabundo que olhava alegremente,

balançando sua cauda. Estranhei o fato, mas não dei atenção ao animal por ser ele de

rua e poder ter alguma doença.

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Levantei-me e caminhei em direção à cidade. Havia muita gente reunida,

coisa fora do comum àquela hora. Aproximei-me e vi no meio deles um homem que

pregava a palavra de Deus de maneira diferente daquela que eu estava acostumado a

ver na Sinagoga. Alguns homens espantados comentavam que ele havia apaziguado a

tempestade em alto-mar para que o barco não afundasse, deixando seus companheiros

maravilhados. Tentei chegar mais perto dele, mas saíram-lhe ao encontro dois

endemoniados, conhecidos por todos nós e que habitavam os sepulcros, pois ninguém

suportava a presença deles, já que ofendiam e agrediam quem estivesse por perto.

Eram realmente perigosos e por esta razão eram escorraçados e se abrigavam entre as

sepulturas, onde as pessoas evitavam entrar sem necessidade. Começaram então a

clamar: “Que temos nós contigo, Jesus Filho de Deus? Vieste aqui atormentar-nos

antes de tempo?”. Nesse momento fiquei sabendo quem era aquele homem, de quem

já ouvira falar na praia, em conversas de pescadores provindos de Cafarnaum. Jesus

olhava-os serenamente e se dirigindo ao mais exaltado disse: “Sai deste homem!” E

logo em seguida perguntou-lhe: “Qual é o teu nome?” Teve como resposta algo

incompreensível para mim: “Legião é o meu nome, porque somos muitos”. Em

seguida, atemorizado, pediu-Lhe: “Já que vieste para nos expulsar, permita-nos que

entremos naquela manada de porcos que pastam à distância.” Jesus simplesmente

disse: “Ide!” Instantaneamente os dois homens debateram-se e os porcos saíram em

desabalada carreira, se precipitando no abismo, caindo ao mar e morrendo afogados.

Aqueles que apascentavam os porcos fugiram apavorados para a cidade. Nisso, ainda

aparvalhado, reconheci, entre os pescadores que acompanhavam Jesus, Simão, que

trazia sempre peixes para negociar com os empregados de meu pai. Aproximei-me e

falei com ele, pedindo explicações sobre o acontecido. Simão nem tinha começado a

falar, quando chegaram muitas pessoas da cidade que, ouvindo as declarações dos

apascentadores dos porcos, saíram para ver o que tinha acontecido de verdade e

foram pedir a Jesus explicações sobre o ocorrido. Mas ao verem o endemoniado

assentado, vestido e em perfeito juízo e, após ouvirem sobre os acontecimentos,

ficaram temerosos e rogaram a Jesus que fosse embora. Entretanto, o que fora

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endemoniado queria segui-lo, mas Jesus mandou que fosse para casa e contasse aos

seus familiares e a todos que quisessem ouvi-lo, todas as grandes coisas que Deus

tinha feito a ele por pura misericórdia.

Antes de Simão subir ao barco, para partirem, perguntei-lhe como poderia

encontrá-los de novo e ele sugeriu que os procurasse em Cafarnaum, pois Jesus

sempre estava pregando por lá.

Cheguei em casa contando todas aquelas novidades, mas meu pai

aconselhou-me a buscar trabalho, em vez de ficar inventando histórias mirabolantes.

Deu-me um prazo de dois dias para iniciar minhas atividades em seu comércio ou

então fosse procurar o que fazer fora, pois já estava cansado com a minha

inoperância. No dia seguinte sai cedo e fui para a praia, lá ficando sentado, pensando

no que fazer de minha vida. Repassei os últimos acontecimentos, principalmente na

luz que vira sobre Jesus, e que muito antes de conhecê-lo, ela já se fazia presente em

minha vida. Fiquei tão entretido naqueles pensamentos, que não percebi o tempo

passar, nem sentira fome e o dia estava se acabando, pois o sol se punha no horizonte.

Recolhi-me a casa sem falar com ninguém, para que não se criasse mais um

desentendimento com meu pai. Levantei-me pela manhã, embevecido por um sonho

que tivera. Estava na praia olhando o mar, quando vi a luz vindo em minha direção e

perguntei: “O que queres dizer-me?” Ouvi então uma voz, como se estivesse dentro

de mim: “Deixa tudo e segue-me!” Agora entendia o mistério da luz. Era Jesus

chamando-me para acompanhá-lo. Fiz uma breve refeição e despedi-me de minha

mãe, pedindo-lhe que não me esperasse mais. Ela chorou muito, mas parti. Peguei um

barco e fui para Cafarnaum, onde procurei por Jesus e seus companheiros, mas ele

tinha partido para Nazaré. Como a viagem era longa e eu não dispunha de muitos

recursos, resolvi esperar pelo retorno deles.

Passei várias noites dormindo nos barcos, sobre as redes de pesca, embora,

alguns pescadores reconhecendo-me como filho do comerciante de peixes, Saul,

tivessem oferecido suas casas para que nelas eu ficasse. Entretanto, não quis

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sobrecarregar a vida de ninguém, principalmente porque havia me desligado de meu

pai e eles nada obteriam de vantagens por me ajudar. Certo dia, já ficando

desconsolado, percebi a movimentação de um grande grupo de pessoas vindo em

direção ao Lago. Quando se aproximaram, vi Jesus, Simão e os demais

companheiros. Chegando à praia, Jesus recomendou que subissem a um barco e

zarpassem para Betsaida, pois depois iria ao encontro deles, já que queria orar sobre o

monte. A contragosto fizeram o que lhes ordenara. Aproveitei a oportunidade e pedi a

Simão para acompanhá-los, pois estava interessado em seguir Jesus. Concordou, mas

disse que somente o Mestre poderia decidir pela minha permanência no grupo.

Iniciamos a travessia contra um vento forte que quase impedia o deslocamento do

barco, mesmo com todos remando. Por causa de todo este esforço não foi possível

conversarmos. Já havia escurecido e não tínhamos alcançado a outra margem do

Lago. De repente notamos um vulto luminoso andando sobre as águas e se

aproximando de nós. Pensamos, de imediato, tratar-se de um fantasma e logo em

seguida começamos a gritar perturbados com aquela aparição, que poderia ser um

prognóstico da nossa morte próxima. O vulto então falou conosco: “Tende bom

ânimo; Sou Eu, não temais.” Então reconhecemos Jesus que imediatamente subiu

para o barco e o vento, milagrosamente, se aquietou.

Com os corações aliviados, pudemos conversar e Simão apresentou-me a

Jesus, que disse conhecer-me há dez anos. Explicou-me que precisaria de coragem

para segui-Lo, pois não dispunha nem de um travesseiro onde pudesse recostar sua

cabeça. Afirmei-lhe que estava disposto a tudo. Chegamos a terra de Genesaré e logo,

tendo o povo reconhecido Jesus, começaram a trazer toda sorte de enfermos. Ele os

curava sem perguntar-lhes se acreditavam em Deus ou se faziam suas ofertas ao

templo. Via-lhes apenas as necessidades de seres humanos em profundo sofrimento.

Ajudávamos a organizar as filas de atendimento ou a carregar aqueles que não se

moviam, quando seus parentes ou amigos já não tinham tanta força para fazê-lo.

Fiquei maravilhado com as curas, principalmente, porque muitas sequer eram

abençoadas pelo Mestre, mas só em tocar-Lhe as vestes já ficavam sarados. Foi um

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dia cansativo para nós, pois além do esforço ao atravessar o Lago, ainda carregamos

muitos doentes. O povo generoso nos trouxe alimentos simples, mas saborosos.

Enquanto comíamos, Simão, que pediu não o chamasse mais assim, pois o Mestre

havia lhe batizado novamente com o nome de Pedro, falou-me sobre os ensinamentos

recebidos na parábola do semeador, da candeia, da semente e do grão de mostarda.

Estava embevecido com a narração, quando chegaram alguns fariseus e escribas e se

dirigindo a Jesus, questionaram por comermos sem lavar as mãos. Isto contrariava

uma tradição dos antigos. O Mestre, chamando-os de hipócritas, que valorizavam

mais as tradições humanas do que os mandamentos de Deus, mostrou-lhes as

transgressões a estes mandamentos que cometiam como se tivessem mais poder do

que o próprio Deus. Em seguida voltando-se para o povo, que a tudo assistia,

indignado disse: “Ouvi-me vós todos, e compreendei. Nada há fora do homem, que

entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele isso é que contamina o homem.

Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça”. Quando nos recolhemos em uma casa,

cedida gentilmente por um habitante dali, seus discípulos, como eram chamados seus

companheiros, interrogaram acerca daquela parábola. Quando Ele começou a explicar

caí em sono profundo, pois não estava acostumado com vida tão intensa. Pela manhã

acordei com a movimentação dos discípulos se preparando para partir, pois não havia

tempo a perder para reunir as ovelhas perdidas de Israel, como dissera o Mestre. Por

muitos lugares passamos com Jesus, curando a todos que criam. Sempre à noite nos

reuníamos em torno da fogueira e Jesus elucidava todas as nossas dúvidas.

Infelizmente, na maioria das vezes, não resistia ao cansaço e dormia. Quando havia

oportunidade, Pedro explicava-me o que fora dito pelo Mestre.

Comecei a ficar envergonhado por não conseguir acompanhar o ritmo de

trabalho de Jesus e seus discípulos, e numa tarde em que descansávamos sob uma

árvore frondosa, aproximei-me Dele e pedi autorização para fazer a minha pregação

sozinho, obedecendo a minha natureza e usando o meu tempo de acordo com ela.

Jesus olhou-me profundamente nos olhos e disse: “Filho, realmente ainda és uma

criança, corajosa como tens demonstrado, e tua experiência deve ser utilizada de

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forma a ser o mais proveitosa possível. Não desistas do meu chamado, mesmo diante

das maiores dificuldades. Vá e cumpra tua missão. Eu te abençoo.” Senti-me como

hipnotizado e suas palavras parece que estavam sendo gravadas em meu cérebro com

fogo. Após recuperar-me, beijei-lhe as mãos, despedi-me dos demais companheiros e

parti.

Enquanto me afastava, fiquei pensando no roteiro de trabalho que deveria

fazer e resolvi começar por Gerasa, já que conhecia muita gente e também era

conhecido, porque não saia da praia desde criança. Cheguei exatamente no momento

em que os pescadores terminavam suas vendas e, aproveitando que estavam ali

reunidos, comecei a pregar os ensinamentos de Jesus. Muitos já tinham ouvido falar

Dele, enquanto outros haviam assistido pelo menos, a uma de Suas pregações junto à

praia em Cafarnaum. Em dado momento, aproximou-se um homem que começou a

gritar para todos que era perigoso dar ouvidos àquelas asneiras, pois ele havia quase

falido por causa de Jesus. Perguntei-lhe em que se baseava para fazer aquelas

afirmações. Então contou que tinha uma grande vara de porcos que, após serem

enfeitiçados por Jesus, precipitaram-se no abismo e morreram afogados. Fiquei

ouvindo aquelas palavras injustas e pedindo ao Mestre que me auxiliasse na resposta.

Senti como se a cabeça rodasse e uma energia poderosa tomasse conta de mim.

Comecei a falar: “Durante muitos anos não cumpristes os preceitos de doar ao templo

os primogênitos de tua criação, levando, enganosamente, animais fracos que não

tinham condições de um bom desenvolvimento para serem bem comercializados.

Além disso, sempre evitaste passar próximo às catacumbas para não cruzares com os

endemoniados. Ainda comentavas com os companheiros que aqueles mortos-vivos

deveriam permanecer ali mesmo e de lá não saírem para perturbar os verdadeiros

vivos, até partirem definitivamente para o inferno. Nunca tiveste um olhar de

misericórdia para eles e nem procuraste seus familiares para saber como ajudá-los.

Assim sendo, acumulaste uma grande dívida para com a Lei e quando os verdadeiros

responsáveis pelos transtornos que aqueles homens cometiam, pediram a Jesus para

entrarem nos porcos, lhes foi concedido para que houvesse o encaminhamento da

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solução, para vários equívocos até ali praticados. Primeiro, os homens livres de seus

algozes poderiam viver felizes e dando um novo rumo às suas vidas. Segundo, os

algozes, extremamente envolvidos por muitos crimes que lhes mantinham como que

acorrentados uns aos outros, ao penetrarem nos corpos dos porcos, receberam um

choque de energia animal tão poderoso, que após a morte dos suínos puderam se

desvencilhar daquelas amarras e serem amparados pela Misericórdia Divina.

Terceiro, tu, ao perderes os animais, resgataste tuas dívidas para com o templo e

podes agora corrigir tua ganância e falta de amor ao próximo, seguindo honestamente

os Mandamentos de Deus.”

Eu não conhecia aquele homem, mas quando terminei de falar, vi que ele

estava de joelhos chorando bastante e pedindo perdão pelos seus atos incorretos.

Apiedei-me dele e abracei-o por longo tempo, também profundamente comovido.

Não tinha ainda me recuperado da emoção, quando percebi a chegada de meu pai

que, ao ver-me ali, falou: “Bem que meus empregados disseram a verdade, quando

me avisaram que estavas aqui falando desse tal de Jesus. Só vim para confirmar e

perder o pouco de esperança que ainda tinha de voltares para trabalhar comigo, mas

vejo que continuas o mesmo vagabundo de sempre, agora totalmente assumido, pois

te ligaste ao maior de todos.” Aquelas palavras me causaram profunda tristeza, mas,

mesmo assim, quis falar-lhe das coisas maravilhosas que havia testemunhado e da

felicidade que sentia em meu interior. Porém, olhou-me com grande desprezo e disse:

“Não sou teu pai e não me dirijas a palavra, pois não costumo perder tempo com

seres desprezíveis.” Aquela atitude acabou aprofundando mais a minha decepção.

Calei e fiquei observando ele sair a passos largos sem olhar para trás, seguido por um

séquito de bajuladores. Lembrei-me das palavras do Mestre: “É mais fácil entrar um

camelo pelo fundo duma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Então,

suspirei profundamente e recordei-me de Seu encorajamento para nós: “Na verdade

vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou pais, ou irmãos, ou mulher, ou

filhos, pelo reino de Deus, e não haja de receber muito mais neste mundo, e na idade

vindoura a vida eterna”. O criador de porcos, refeito da emoção, convidou-me para

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pousar em sua casa. Aceitei e ficamos até tarde da noite falando do Evangelho, na

presença de outros convidados. De manhã cedo parti para Gadara e em seguida para a

grande cidade de Gerasa. Por todo lugar ensinava o Evangelho, sempre após uma

fervorosa oração, que me estimulava a palavra. Poucos foram aqueles que não

quiseram ouvir, mas nas cidades os fariseus eram os maiores empecilhos, pois

buscavam menosprezar os ensinamentos do Mestre. O máximo que eu respondia era

para que buscassem na Lei e nos profetas as respostas para o que estavam ouvindo e

evitava o confronto, pois sabia da força que eles tinham nas sinagogas e que

poderiam usar contra mim, não por medo, mas porque queria continuar divulgando

aqueles ensinamentos. Passei por Betânia de além Jordão, onde encontrei alguns

seguidores da palavra e trabalhei com eles no amparo aos doentes. Após algum

tempo, atravessei o rio e fui para Jericó. Lá mantive contato com mais seguidores e

também me detive para ajudar no conforto aos sofredores. Foi uma estadia muito

proveitosa porque estava aprendendo a ser útil ao meu semelhante, para atenuar suas

necessidades físicas e espirituais. Já não me dedicava somente à palavra. Quis partir

para Belém, mas chegaram notícias de que Jesus estava em Jerusalém. Estas foram

trazidas por dois homens que haviam sido curados da cegueira e, depois de

acompanhá-Lo, agora retornavam, contando a experiência fantástica que tinham

passado ao lado do Mestre e expondo-nos as parábolas dos dois filhos, dos lavradores

maus e das bodas. Extasiados, eles falaram do grande mandamento. Resolvi, então,

encontrar-me com Ele e fortalecer mais o meu espírito.

Parti para Jerusalém. Quando havia caminhado bastante, o céu começou a

escurecer e parecia que a noite se antecipava ao tempo normal. Em torno de umas três

horas houve um estrondo ensurdecedor e um raio riscou o céu parecendo uma espada

luminosa, descendo como se estivesse partindo o firmamento em duas partes. A terra

tremeu apavorando pessoas e animais no caminho e nas suas cercanias. Uma chuva

forte desceu, como se o mundo chorasse amargamente um funesto acontecimento.

Fiquei assustado e apreensivo. Algo parecia dizer-me que tudo estava acabado, mas

não entendia o porquê daquela sensação. Não consegui seguir viagem e pedi abrigo

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em pequena choupana à beira da estrada, pertencente a um casal de idosos que,

felizmente, tinham visto e ouvido Jesus quando Ele fez aquela mesma caminhada. Saí

cedo, pois não consegui dormir a noite toda, com uma forte dor no peito. Caminhei

com dificuldade e quando já me aproximava de Jerusalém, encontrei um grupo de

pessoas que vinha em sentido oposto e, ao se aproximarem, notei que choravam e se

lamentavam. Procurei saber o que acontecera e contaram-me sobre a crucificação de

Jesus. Ao receber aquela notícia, foi como se o chão se abrisse sob meus pés e uma

sensação de vazio indescritível tomou conta de mim. Quando consegui me recuperar,

estava sozinho, pois aquelas pessoas continuaram sua viagem sem se preocupar

comigo, provavelmente porque a dor que sentiam era tão grande que não se deram

conta da minha. Retomei o meu destino, agora querendo saber dos fatos e quais

foram as orientações deixadas pelo Mestre a seus discípulos. Chegando à cidade,

procurei imediatamente pelos discípulos, mas não os encontrei e ninguém sabia dar

notícia deles, a não ser que debandaram quando da prisão de Jesus. Fiquei muito

triste com aquelas informações, mas, como haviam muitas delas desencontradas,

continuei procurando até que encontrei um bondoso homem que me disse que eles

haviam partido para a Galileia. A viagem era longa, mas consegui, com este mesmo

homem, um jumento que me levaria mais rápido, pois eu estava muito cansado.

Consegui encontrá-los e fiquei sabendo da ressurreição e da aparição do Mestre aos

discípulos, além das dúvidas de Tomé. Ao encontrar-me com Tomé não pude deixar

de criticá-lo, pois não entendia como alguém como ele, que convivera tanto tempo

com Jesus, poderia duvidar da sua presença entre eles. Respondeu-me que amava

muito o Mestre, mas não conseguia admitir aquela situação, pois os demais

companheiros estavam ainda muito emocionados e poderiam apenas ter visto uma

aparição. Como aprendi com Jesus que deveria respeitar as diferenças e o grau de

entendimento de cada um, como Ele mesmo fizera comigo, calei-me e fiquei

aguardando a nova visita do Mestre, como Ele havia prometido. Nesse dia, estávamos

todos reunidos a portas fechadas para evitar constrangimentos com os opositores da

Boa Nova, quando apareceu Jesus no meio de nós dizendo: “Paz seja convosco.” E

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virando-se para Tomé mandou-o pôr o dedo nas chagas de Suas mãos, a mão na

ferida do lado feita pela lança do soldado romano e recomendou-lhe que fosse mais

crédulo. Neste momento Tomé reconheceu o Mestre e escutou Dele a repreensão de

que eram bem-aventurados os que não viram e creram. Em seguida, dirigindo-se a

mim, disse: “Já fiz as recomendações aos discípulos, mas de ti quero uma missão

especial. Que te instales em Samaria e leve para os excluídos dos excluídos a minha

mensagem, pois tu conheces perfeitamente a dor da discriminação, da humilhação e

do abandono e muitas tribulações virão sobre aqueles que Me seguem, mas terás toda

proteção para conduzires este teu compromisso a bom termo. Pegue uma cópia dos

apontamentos que Mateus tem feito porque te serão muito úteis, no estudo e na

divulgação. Não temas nada. Não te faltarão forças nem palavras para cumprires o

que te encarrego.” E colocando a mão sobre minha cabeça abençoou-me e fez descer

sobre mim o Espírito Santo. Uma luz intensa brilhou e todo meu corpo estremeceu.

Após ter operado uma série de sinais para fortalecer a nossa confiança, despediu-se e,

da mesma maneira que entrou, saiu sem que ninguém percebesse como. Abraçamo-

nos felizes e agradeci especialmente a Pedro toda paciência que teve comigo,

enquanto viajávamos juntos.

Usei o mesmo jumento para viajar com destino a Samaria e assim que

me instalei consegui um viajante que partia para Jerusalém, para que levasse o animal

ao seu legítimo dono. Sabendo que Jesus havia estado em Sicar, desloquei-me para lá

em busca das pessoas que haviam tido contato com Ele, quando de Sua estadia

naquela cidade. Não foi difícil encontrá-las, pois não paravam de falar daquele evento

com todos que encontravam e, por isso, eram bem conhecidas. Apresentei-me àquelas

pessoas e falei-lhes sobre a missão que Jesus havia passado para mim. Ficaram

contentes porque, desde que o Mestre fora embora, ninguém mais veio ensinar-lhes.

Logo fiz amizade com Jonas, que me hospedou em sua casa e acertamos que ele me

levaria pelos caminhos de Samaria. Nas viagens sempre ouvia a mesma coisa: “O que

um judeu veio fazer no meio de nós? Trata-se de uma armadilha para nos

prejudicar?” Então lhes contava a minha vida e depois o respeito que Jesus tinha por

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eles, a ponto de usar-lhes como ensinamento de virtude para os outros, quando contou

a parábola do bom samaritano. Posteriormente, já estava conhecido entre eles e a

aceitação do Evangelho foi crescendo. Discutíamos os apontamentos de Mateus com

muita profundidade e por várias vezes puderam sentir o pentecostes...

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MÚSICA ANCESTRAL

(Pablo de Salamanca)

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Eu passava pelo Largo da Carioca, no centro da Cidade do Rio de Janeiro,

mais uma vez. E novamente havia um grupo de índios sul-americanos, não sei de

qual país exatamente, tocando uma típica música dos Andes. Que melodia! Os

instrumentos de sopro derramavam em minha alma acordes quase divinos. O tambor

rústico, vibrando com vigor, fizera meu coração sincronizar-se com ele.

Assim, parei meio hipnotizado, por instantes que pareciam ser um longo

tempo. Pude apreciar a música, enquanto um dos índios, paramentado tipicamente,

ensaiava uma dança. Um grupo de pessoas, em semicírculo, ameaçava fechar-se

sobre o grupo de músicos, embevecidos pelo ótimo som gratuito, em praça pública.

Naqueles momentos, algo em mim bradava que eu conhecia aquela música

ancestral. Ela fazia parte de mim e, ao mesmo tempo, eu pertencia a ela. Embora

estivesse num ambiente movimentado e turbulento, naquele instante tudo parecia ter

parado. Aquele som conectou-me ao passado, numa espécie de transe extático, que

não durou muito, mas valeu intensamente cada segundo que durou.

Quando saí daquele estado especial, voltei a caminhar. Pensei que aqueles

músicos deviam ter dificuldades financeiras, já que vinham de longe para o Brasil,

buscar seu sustento através da venda de CDs, em pleno espaço público. O sol e a

chuva eram seus companheiros íntimos. Provavelmente, nem sempre eram bem

aceitos pelos lugares que perambulavam. Quantos transeuntes, bêbados ou

perturbados mentalmente, já não deveriam ter interferido na atividade deles?

Lamentei mentalmente a situação de insegurança e desconforto dos músicos.

Mas, pude enxergar o outro lado da questão, que, possivelmente, nem

mesmo os índios artistas tivessem percebido. Eles estavam ali, no Largo da Carioca,

fazendo muito mais do que trabalhando pelo próprio sustento. Eles eram verdadeiros

canais de uma música ancestral, que habita dentro de muita gente.

Estavam presentes como agentes de reconexão, numa missão genuinamente

espiritual, embora possivelmente inconscientes dessa realidade. E muitos transeuntes,

no local, paravam por alguns instantes, que psicologicamente funcionavam como um

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longo período, para sentirem-se integrados com uma Dimensão Maior, através

daquela música ancestral. Aquela música era como um telegrama breve, que nos

lembrava de nossa origem divina...

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O CENTURIÃO

(Nélson Vilhenna)

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Todos os homens da minha família eram militares. Desde meu bisavô, que

lutou na primeira guerra social contra os aliados de Roma, que desejavam obter a

cidadania romana, já alcançada antes através de negociações corruptas, seus

descendentes masculinos foram incentivados para a carreira militar. Eles se sentiam

responsáveis em assegurar o poder de Roma. Meu avô, meu pai e meus tios lutaram

juntos na guerra contra Cleópatra, apoiada por Marco Antônio, ao lado de Otaviano.

Durante uma batalha, meu avô percebeu que uma lança havia sido remetida contra

Otaviano e colocou seu escudo à frente para protegê-lo. A lança resvalou no escudo e

penetrou no pescoço de meu avô que, em poucos minutos, morreu. No retorno à

Roma, ele foi consagrado herói de guerra e a família foi agraciada por grande fortuna,

obtida nos despojos dos vencidos. A vitória de Otaviano acabou com a República e

instalou o Império. Por esta razão eu também, desde cedo, me interessei pelas armas,

pois quando eles estavam em casa, só falavam nos combates e nas vitórias. Com o

intuito de ser um militar de prestígio, estudei a história de Roma com profundidade.

Vivi num período de confrontos com povos rebeldes, ao lado de Tibério, na Panônia e

na Germânia. Assim destaquei-me logo, não só por casa do conhecimento histórico,

mas também por ser um combatente destemido que nunca recuava nas lutas, mesmo

quando a situação se tornava crítica, colocando em risco a nossa vida. Em função da

minha estratégia e do meu destemor, meus companheiros e subordinados seguiam em

frente bravamente e conseguíamos vencer os embates. Após meu retorno glorioso, fui

destacado para participar do alto-comando e assim ajudar nos planejamentos

estratégicos para todo o Império. Quando Tibério já ocupava o cargo de Imperador,

Pilatos, reconhecido pelos seus grandes serviços prestados à pátria, foi nomeado por

ele, no ano 25 DC, para governar a Judeia. O povo judeu vinha, sistematicamente,

causando distúrbios e revoltas que acabavam onerando os cofres de Roma, para

sufocar tais insurreições. Tinha ele o compromisso de pacificar aqueles rebeldes e

transformar a região numa grande contribuinte de impostos. Sabendo ele que eu era

um estudioso das características dos povos subjugados por Roma, convidou-me para

ajudá-lo naquela missão.

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Sempre acreditei, e todo povo romano também, que cabia à Roma dominar

o mundo, constituído de povos ignorantes e fracos, para assim estabelecer um

governo forte e progressista que estimulasse o crescimento de todos. O único povo

culto que encontramos em nossos confrontos foi o grego, mas, que por viver dividido,

acabou virando presa fácil para nossos soldados. Muito de sua sabedoria foi

absorvida por nós e ajudou bastante no progresso de nossas artes, política e filosofia.

Para Roma garantir seu poder e influência, após vencer os adversários, permitia que

eles administrassem suas regiões com seus costumes, desde que pagassem os

impostos devidos a ela.

Com essa filosofia administrativa partimos para Cesareia e lá não fomos

recebidos nada amigavelmente. Ouvimos muitos insultos e alguns mais exaltados,

que lançaram pedras sobre nós, foram detidos pelas tropas e feitos prisioneiros, sob

protestos da turba. Mesmo diante daquela recepção adversa, mantivemos nossa

altivez e postura imperturbável, demonstrando àqueles homens incultos quem tinha o

poder.

Após chegarmos ao palácio da governança, nos reunimos com os

comandantes e servidores administrativos que lá se encontravam, há algum tempo,

para identificar os problemas e discutir os passos a serem dados dali em diante.

Entretanto, na execução de seu governo, querendo quebrar o orgulho dos judeus e

humilhá-los, Pilatos tomou duas decisões que acabaram criando mais conflitos. A

primeira foi colocar as insígnias de Tibério em Jerusalém, cidade sagrada dos judeus,

com o objetivo de demonstrar que o Imperador não era somente a máxima autoridade

no mundo terreno, mas também uma divindade, como criam os romanos. Houve uma

reação popular que nos deu muito trabalho para conter e que acabou gerando uma

ordem do Procurador de Roma, na Síria, Vitélio, que era superior de Pilatos, para

retirar as ditas insígnias e levar para Cesareia. Isto aumentou o rancor dele para com

os judeus e resolveu usar o dinheiro sagrado do templo para construir um aqueduto,

para levar água à Jerusalém. Esta atitude levou a mais uma revolta do povo, que foi

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sufocada com muitas mortes e feridos. Os soldados atacaram a população desarmada,

contrariando a minha orientação, mas Pilatos insistiu que assim deveria ser feito para

que eles o respeitassem. Mais uma vez, esta atitude colocou em risco seu prestígio

político, mas ele era extremamente impulsivo e arrogante. Seu relacionamento com

aquele povo nunca foi bom e, embora tenha sido nomeado para estabelecer a paz

naquela região, os anos de seu governo foram turbulentos.

Evitei, a partir de então, sempre que possível, estar à frente das tropas

quando saiam em alguma missão de “saneamento”. Muitas pessoas foram executadas,

mesmo sem julgamento. Isto me contrariava muito e já começava a pensar em pedir

meu retorno para Roma.

Certo dia, tendo que cumprir uma missão em Jerusalém, deparei com uma

multidão à porta do templo e, pretendendo verificar a razão daquele ajuntamento,

aproximei-me e percebi que ouviam um homem simples, de fala mansa, mas firme.

Observando-o bem, senti uma forte sensação de paz como nunca havia sentido antes.

Resolvi atentar para suas palavras e, naquele momento, estava fazendo uma crítica

séria ao comportamento dos escribas e fariseus: “O que a si mesmo se exaltar será

humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado”. Não sei porque, neste

momento lembrei-me de Pilatos e fiquei meditando sobre sua postura diante dos

outros. Saí daquele momento de reflexão e ouvi-Lo dizendo: “Ai de vós, escribas e

fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora

realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de

toda a imundícia. Exteriormente parecei justos aos homens, mas interiormente estais

cheios de hipocrisia e de iniquidade”. Parei para pensar no ambiente em que vivia,

onde as pessoas eram fúteis e mascaradas, se apresentando na sociedade como se

fossem felizes e prósperas, quando a realidade era bem outra. Pensei na minha

própria vida, especialmente naquela experiência junto a Pilatos, em que tinha que

esconder a minha contrariedade e parecer que estava tudo bem. Despertei do transe

em que ficara, ouvindo: “Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação

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do inferno? Portanto, eis que Eu vos envio profetas, sábios e escribas; e a uns deles

matareis e crucificareis; e a outros deles açoitareis nas vossas sinagogas e os

perseguireis de cidade em cidade”. Um calafrio percorreu todo o meu corpo.

Lembrei-me das vezes que perseguimos e passamos ao fio da espada todos aqueles

que defendiam seus direitos de liberdade, ou que pregavam ser o Imperador apenas

um homem comum e nunca um deus, pois Deus era um Pai para os homens e não um

déspota e assassino. Tive minha atenção novamente alertada por empurrões e deparei-

me com aquele homem que, após sair do templo, passava a minha frente e, em

determinado instante, fez pequena parada e olhou-me bem nos olhos. Tive a sensação

de que estava sendo analisado profundamente, pois várias cenas de minha vida me

foram recordadas naquele momento. Fiquei gelado e senti pavor de mim mesmo.

Balancei e só não caí porque os soldados que me cercaram, para proteger-me dos

empurrões, seguraram-me. Rapidamente abriram espaço entre o povo e me

conduziram para uma praça próxima, onde pude refazer-me. Apresentei-lhes, como

desculpa, o forte calor que fazia. Eles se entreolharam duvidosos e com muita razão,

pois já tinham estado comigo em situações muito mais sufocantes e nunca me viram

fraquejar. Entretanto, calei-me e fomos embora cumprir a nossa missão. Esta era

vistoriar a guarnição da cidade e verificar se as ordens de Pilatos estavam sendo

cumpridas, para preparar sua estadia durante a páscoa judaica, ocasião em que ele

fazia questão de estar em Jerusalém.

Após fazer o relatório da visita, recolhi-me nos aposentos a mim

destinados. Pedi para que ninguém me incomodasse, explicando que queria

descansar, mas, na verdade, queria ficar só e meditando sobre o que ouvira daquele

homem e, principalmente, sobre a sensação provocada em mim por Seu olhar. Senti

que algo havia mudado em meu interior, mas ainda não conseguia definir o que seria.

Porém, aquela sensação de paz permanecia em mim.

Dois dias depois, Pilatos chegou bem cedo com sua comitiva e após

refestelar-se em sua cadeira preferida, passou a ouvir os mexericos dos cortesãos e os

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pedidos de indulgência, especialmente de comerciantes judeus. Nesse dia, ele gostava

de se fazer atencioso e assim quebrar um pouco a revolta que o povo tinha dele, mas

eu estranhava que nunca Pilatos recebia os pobres e sofredores.

No dia seguinte, pela manhã, um grande alarido chamou-nos a atenção e

preparei os soldados para uma possível invasão. Mas, eram representantes do sumo

sacerdote Caifás, seguidos por um grande número de pessoas, que queriam uma

audiência com Pilatos. Porém não entravam, segundo eles, para não se contaminarem

e poderem comer a páscoa. O Governador aquiesceu e saiu, deparando-se com um

prisioneiro levado por aqueles representantes e perguntando: “Que acusação trazeis

contra este homem?” Verifiquei então que se tratava do homem que dias antes eu vira

no templo. Seus acusadores responderam: “Se este não fosse malfeitor, não to

entregaríamos.” Pilatos olhou para aquele homem mais demoradamente e, em

seguida, retrucou: “Levai-O vós, e julgai-O segundo a vossa lei.” Disse isso porque

não queria perder tempo com questões pequenas, segundo sua interpretação, já que

era um homem simples. Porém eles replicaram: “A nós não nos é lícito matar pessoa

alguma.” Pilatos entrou, chamou o homem para segui-lo e disse-Lhe: “Tu és rei dos

judeus?” Ouvindo como resposta: “Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-te outros

de Mim?” Pilatos, já irritado com toda aquela querela, falou: “Porventura sou eu

judeu? A tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-Te a mim; que fizeste?”

Teve como resposta: “O meu reino não é deste mundo; se assim fosse, pelejariam os

meus servos, para que Eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é

daqui.” Nisso, vi como se uma porta luminosa se abrisse atrás de Pilatos e através

dela pude ver um exército imenso como se aguardasse ordens para atacar. Levei,

instintivamente, a mão à espada, mas fiquei paralisado e não consegui dar

continuidade a reação. Logo depois a porta fechou-se. Em seguida Pilatos disse:

“Logo Tu és rei?” E escutou: “Tu dizer que Eu Sou rei. Eu para isso nasci, e para isso

vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade

ouve a minha voz.” Pilatos, contrariado, saiu dizendo: “Que é a verdade? Este deve

ser louco”, e novamente lá fora disse aos judeus: “Não acho nele crime algum”.

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Porém, aqueles homens insistiam: “Ele alvoroçava todo o povo, ensinando por toda a

Judeia, começando desde a Galileia até aqui.” Pilatos, ouvindo que Ele era Galileu e,

sabendo que era da jurisdição de Herodes, remeteu-o àquela autoridade, que também

estava em Jerusalém. A intenção de Pilatos era fazer amizade com Herodes,

mostrando que respeitava sua autoridade na Judeia e isso acabou acontecendo

realmente. Naquele momento só se preocupou com aquela aproximação política. Não

ficou nem um pouco preocupado com o destino daquele homem.

Aproximei-me do Governador e perguntei-lhe porque não tinha resolvido

aquela questão logo e ele respondeu que era um bando de fanáticos ignorantes,

preferindo deixar a solução do caso por conta deles mesmos, que criaram aquela

situação. Entretanto, não demorou muito e Herodes devolveu-O a Pilatos, que

convocando os principais dos sacerdotes e os magistrados e o povo, disse-lhes que

nem ele nem Herodes haviam encontrado nada com respeito às acusações que eles lhe

trouxeram, e que indicasse a necessidade de condená-Lo à morte. Prometeu castigá-

Lo para que não voltasse mais a perverter o povo e soltá-Lo-ia, como era tradição

naqueles dias de festa. Porém, a multidão clamou uníssona: “Fora daqui com este, e

solta-nos Barrabás.” Foi uma gritaria tão grande, estimulada pelos principais dos

sacerdotes, que Pilatos, para se livrar logo daquele incômodo, mandou soltar

Barrabás e entregou aquele homem à sanha daquele povo, que mais parecia um bando

de loucos, para crucificá-Lo. Reuni alguns soldados e acompanhei aquele cortejo

macabro. Chegando ao lugar chamado “a Caveira”, ali O crucificaram entre dois

malfeitores, pregando-O à cruz com grandes cravos, o que não era comum ser feito.

Seus algozes queriam mesmo fazê-Lo sofrer. Já tinha visto várias crucificações, mas

igual aquela, com tantos espectadores, uns festejando e outros chorando, foi a

primeira e única vez. Foi então que tive oportunidade de procurar saber quem era

aquele homem e umas mulheres piedosas me contaram que se tratava de Jesus, o

Filho de Deus Altíssimo, que viera para salvar os homens. Não entendi direito, pois

se viera salvar os outros, como não conseguira salvar a si próprio. Muitos zombavam

Dele, mas, mesmo pregado à cruz, clamava: “Pai, perdoa-lhes, por que não sabem o

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que fazem”. Os soldados que foram até lá, entraram também no clima da zombaria e

escarneciam Dele. Lançaram sortes sobre suas vestes para ver com quem ficariam,

pois eram feitas de tecido fino que Herodes tinha mandado vesti-Lo.

Se aproximava a hora sexta quando começou a escurecer rapidamente,

tendo o sol desaparecido completamente até a hora nona. Neste momento, ouviu-se

Jesus clamando com grande voz: “Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito.” A

terra tremeu e muitos raios riscaram o negro céu. Ficamos com muito medo e não

pude deixar de exclamar: “Verdadeiramente este era Filho de Deus.” Quando o céu

tornou a clarear, a multidão, que a tudo assistira, foi se retirando, batendo nos peitos e

dando glórias. Retornamos também à cidade, mas não me dei ao trabalho de relatar

nada a Pilatos, tendo em vista a sua total indiferença com relação ao caso de Jesus.

Posteriormente, apareceram alguns judeus e rogaram a Pilatos que fossem quebradas

as pernas dos crucificados que estivessem vivos, e fossem retirados para que não

permanecessem na cruz naquele dia que era o da preparação. Pilatos concordou e

recomendou-me que providenciasse a solicitação. Chegando lá, somente Jesus estava

morto e foram quebradas as pernas dos outros. Chegaram posteriormente dois nobres

judeus com autorização para retirar o corpo de Jesus e sepultá-Lo.

Recolhido aos meus aposentos, fiquei relembrando toda a experiência que

tivera com Jesus em tão pouco tempo. Completamente desgostoso com a decisão de

Pilatos de mandar crucificar mais um inocente e cansado daquela vida de guerras e de

ter que obedecer as ordens absurdas dos governantes, decidi que pediria baixa. Já

tinha tempo suficiente de serviço militar para solicitar a minha dispensa e receber o

abono legal a que tinha direito. Quando regressamos para Cesareia, comuniquei à

esposa a minha decisão e encaminhei o pedido a Pilatos. Embora não tenha gostado

do meu pedido, não tinha porque negar o que era de meu direito. Os documentos

foram encaminhados ao Imperador e, enquanto aguardava seu despacho, solicitei o

relaxamento de minhas atividades para preparar a minha nova vida. Ainda não tinha

resolvido o que fazer, pois foi uma decisão inesperada. À noite, fui deitar-me e estava

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bem relaxado. Sonhei, então, com Jesus saindo da sepultura envolto em muita luz.

Fiquei assustado, pois presenciara sua morte e vira seu corpo sem vida sendo levado

para ser sepultado. Ele, porém, voltando-se para mim, disse: “Procure meus

discípulos e estude os ensinamentos que deixei com eles para que, também tu,

encontres o caminho da salvação. Serviste bem a Roma, mas agora podes servir a

Mim. Como soldado tiraste a vida de muitos homens, porém agora podes ensinar o

caminho da vida eterna. Se escolheres ser meu seguidor, terás oportunidade de

corrigir teus equívocos.” Levantei cedo, indo para o escritório, e peguei os

apontamentos que havia feito quando estudei a cultura judaica, principalmente

aqueles sobre sua religião. Como passou muito da hora da refeição matutina, minha

esposa bateu à porta e trouxe-me uma merenda que garantiria a espera do almoço. Fiz

todas as outras refeições ali mesmo, pois queria reunir indicações que testificassem

que Jesus era realmente o eleito, como diziam seus seguidores. Consegui, então,

identificar as passagens, Salmo 22: 16-18, Isaías 7: 14; 9: 6; 50: 6 e 53: 3-7, Daniel 9,

Miqueias 5: 2, Zacarias 9: 9 e 12: 10, que não deixam dúvidas ser Ele o Messias

prometido. Consumi tanta energia naquela pesquisa que dormi a noite inteira e só

acordei já na hora da principal refeição, o que deixou minha esposa preocupada. Mas

ela não me acordou, em meu respeito. À tarde, fui andar pela cidade para ver se

descobria onde encontrar os discípulos. Vesti-me com simplicidade e saí. Foi difícil

obter alguma informação, pois as pessoas estavam muito amedrontadas com a

crucificação. Estava retornando para casa, envolto em meus pensamentos, e não

percebi um buraco no caminho, caindo nele e torcendo o pé. Solícito, um senhor

chegou-se, ajudou-me a levantar e levou-me até sua casa, próxima do local. Lá

colocou um unguento feito de ervas no meu pé e disse que eu aguardasse, pelo menos

duas horas, para em seguida retomar a caminhada, mesmo assim com cuidado.

Enquanto esperava, conversamos e pude verificar que, embora humilde, aquele

homem tinha uma boa cultura. Era judeu, mas tinha casado com uma grega muito

culta e, por esta razão, havia sido discriminado pelos seus conterrâneos. Com a

ocupação romana, perdeu tudo. Perguntei-lhe se já ouvira falar de Jesus. Olhou-me

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ensimesmado e perguntou porque estava querendo saber sobre isso. Disse-lhe que,

embora romano, estava interessado em conhecer sobre seus ensinamentos. Continuou

olhando-me como se estivesse querendo descobrir outras intenções em minhas

perguntas. De repente, seus olhos brilharam e senti um leve tremor no meu corpo. Em

seguida falou: “Amanhã vá ao Mar de Tiberíades, aguarde os pescadores retornarem

da pesca e terás tua resposta.” Logo depois seu semblante voltou ao normal e disse:

“És um homem de bem. Um enviado de Jesus falou diretamente contigo.” Como já

haviam passado mais de duas horas, levantei-me e não senti nada no pé, caminhando

como se não houvesse ocorrido a torção. Cheguei em casa, fiz uma breve refeição,

peguei um cavalo e parti para Cafarnaum. Pela manhã, vi os pescadores chegando e

reclamando que não tinham pescado nenhum peixe. Um homem que estava na praia,

aproximou-se deles e disse: “Filhos tendes alguma coisa de comer?” Diante da

negativa deles, tornou a falar: “Lançai a rede para a banda direita do barco, e

achareis.” Assim o fizeram e a rede voltou tão pesada que quase não tinham como

trazê-la à praia. Enquanto pescavam o homem fez fogo e assou uns peixes na brasa e

separou uns pães. Fiquei pensando: por quê pedira algo para comer se tinha alimento

consigo? Assim que chegaram, mandou que colocassem mais peixes nas brasas e

comessem. Tomou o pão, partiu e deu-lhes, fazendo o mesmo com o peixe. Observei

que todos estavam maravilhados com aquele homem. Enquanto conversavam

aproximei-me de um deles e perguntei-lhe se conhecia Jesus, ao que me respondeu:

“Uma vez já duvidei de sua ressurreição, mas agora não tenho mais dúvidas. Aquele

que ali está é Jesus.” Estremeceu-me todo o corpo. Então não havia morrido? Como

poderia ser? Tomé, como se chamava, pois ouvi chamarem-no, dissera que Ele

ressuscitara. Estava envolto em meus pensamentos, quando percebi que Jesus se

afastava com outro discípulo, enquanto os demais discutiam entre si se aquele que o

acompanhava não havia de morrer até a sua volta. Estabeleceu-se, em seguida, um

silêncio entre todos, que ficaram aguardando o retorno dos dois. Após uma longa

conversa com João, que era o discípulo que o acompanhara, voltou Jesus com ele e

dirigindo-se aos demais, disse: “Vamos até Betânia”. Chamou Tomé para mais perto e

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recomendou: “Cuide desse nosso irmão e prepara-o para o apostolado”, falando de

mim. Chegando em Betânia, levantou suas mãos e abençoou-nos a todos. Uma luz

intensa brilhou sobre nossas cabeças e senti-me como se tivesse voando acima das

nuvens. Quando me recuperei daquela sensação de paz intensa, vi Jesus ascendendo

aos céus, em sua despedida. Grande júbilo tomava conta de nós. Após o

desaparecimento do Mestre, retornamos à Jerusalém.

Acompanhei os discípulos em suas pregações, especialmente ao lado de

Tomé que tudo me ensinava, inclusive à noite antes do repouso. Depois de três meses

junto aos discípulos, considerei-me preparado para pregar sozinho. Despedi-me de

todos e, de posse de uma cópia dos apontamentos de Mateus, retornei à Cesareia,

onde contei aos familiares toda aquela aventura. Recebi a informação de que Tibério

havia assinado a minha dispensa. Apresentei-me a Pilatos para regularizar minha

baixa de sua guarnição e das fileiras romanas. Ao despedir-me dos companheiros,

soube que estavam crescendo as reclamações dos judeus e de alguns patrícios contra

Pilatos. Apenas comentei que a semeadura era livre, mas a colheita obrigatória.

Iniciei minha pregação pela própria família e servos. Mudei as relações dos

servos com seus superiores, orientando que houvesse sempre respeito e compaixão

entre eles, mas que não fosse quebrada a hierarquia para que não ficassem

prejudicadas as tarefas. Todos foram libertos. Aqueles que não absorveram essa nova

ordem de convivência, permiti que fossem trabalhar com outros patrícios. No caso

dos servos, dei-lhes autorização para buscarem os caminhos que melhor lhes

conviesse. Desde então, passamos a viver num ambiente de muita paz e compreensão.

Outras pessoas passaram a frequentar minha propriedade, com o objetivo de também

aprenderem o Evangelho. Vez ou outra ia à Jerusalém absorver um pouco mais de

experiência com os discípulos e pude perceber o clima de perseguição que vinha

ocorrendo, tanto da parte dos sacerdotes judeus, quanto dos soldados romanos. Como

a maior parte do trabalho era feito em local fixo e não era detectada nenhuma

orientação contra o Império, pouco era feito de mais grave contra os discípulos.

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De volta à Cesareia., preparei, numa propriedade minha fora da cidade, o

atendimento aos doentes e famintos. Com o passar do tempo, tínhamos um grande

número de necessitados sendo atendidos e isto começou a incomodar alguns

membros da elite. Foram então a Vitélio e fizeram tal intriga a nosso respeito, que

tropas romanas apareceram na propriedade e tocaram fogo em tudo, expulsando

aqueles que estavam recebendo amparo. Também prenderam meus colaboradores. Ao

saber dessa arbitrariedade, me apresentei ao Procurador Vitélio e questionei sobre

aquela invasão e destruição do patrimônio de um patrício, sem ao menos, convidá-lo

para esclarecimentos. Quando o Procurador ficou sabendo que era eu o proprietário,

ficou bastante constrangido e, desculpando-se, comprometeu-se em ressarcir meus

prejuízos e soltar meus amigos. Disse-me que estava envolvido com um processo

contra Pilatos, movido pelos samaritanos, que o acusavam de mandar matar

injustamente gente deles que foram convidados para uma reunião, que na verdade era

uma emboscada para dar impressão que tramavam contra nosso governo. Como já

havia um acúmulo de denúncias de corrupção e assassinatos, resolvera afastar Pilatos

do governo e enviá-lo para Tibério decidir o que fazer. Em função desta situação, não

verificara adequadamente a denúncia contra aquelas reuniões, que eram feitas em

minha propriedade.

Mesmo depois de tudo acertado e eu ter recebido a indenização, que, aliás,

foi cobrada dos delatores, não consegui reorganizar o trabalho, pois estavam todos

temerosos. Resolvi, então, vender tudo e partir para Roma e lá dar início a novo

atendimento. Reunimos o indispensável para a instalação em Roma e o restante doei

aos trabalhadores da propriedade e àqueles necessitados que permaneceram na

cidade. Levaria comigo ainda a tristeza de não ter podido continuar aquele trabalho

benemérito. Em três dias conseguimos embarcar em um navio, que nos levaria à

capital do Império. No porto, todos comentavam um incêndio que destruíra grande

parte do prédio da governança, especialmente, da área administrativa e os arquivos.

Um antigo companheiro de batalhas chegou a afirmar que o fogo teria sido

provocado, para encobrir as falcatruas de Pilatos. Logo após o navio terminar de ser

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carregado, zarpamos e nem olhei para trás, pois aquela página do livro de minha vida

havia sido virada. Nada mais me prendia àquela cidade. Só lembrava que,

dificilmente, reencontraria os discípulos de Jesus. Fiz uma oração ao Mestre, pedindo

amparo para aqueles irmãos e coragem para que eu pudesse dar prosseguimento às

pregações no meu próximo destino, bem como proteção naquela viagem.

Finalmente chegamos a Roma e, assim que aportamos, encaminhei um dos

antigos servos que insistiu em nos acompanhar, para a residência de nossos

familiares, solicitando nos ajudarem com a bagagem, pois não houve tempo hábil

para avisá-los com antecedência. Fomos bem recebidos. Depois de explicar as causas

daquela viagem intempestiva e que ficaríamos o tempo suficiente até adquirirmos

uma residência para nós, arrumamos somente o necessário e nos recolhemos para

descansar. Mal deitei, caí em sono profundo e sonhei com Jesus que se dirigiu a mim,

nestes termos: “Meu filho, as tribulações somente começaram. Mantenha-te firme e

confiante em tua fé. Liberta-te dos apegos materiais para que, no momento do

testemunho, não tenhas dúvidas em como agir. Estarei sempre contigo, não

desanimes.” Ao levantar-me de manhã, meditei sobre aquelas palavras, mas ainda não

as tinha compreendido integralmente.

Meu irmão também era centurião e estava servindo na guarnição do Palácio

Imperial. Contou-me que, após a morte de Tibério, a situação estava muito confusa,

pois o sobrinho-neto Calígula e o neto Tibério Gemelo, que deveriam suceder ao

imperador morto, não se entendiam. Alguns chefes militares e famílias inteiras de

patrícios tinham sido assassinados e várias vezes culparam-se os cristãos, que, aliás,

eram bode expiatório para todo conflito que surgisse na cidade. Por esta razão,

aconselhou-me a não me expor em público com minhas novas escolhas.

Honestamente, confessou-me que, embora me respeitando como sempre o fez, pois

conhecia o meu caráter, não entendia aquela mudança de crença, já que os deuses

romanos sempre atenderam às súplicas do povo. Expliquei-lhe que os deuses de pedra

que, com o incentivo dos sacerdotes, eram venerados pelo povo, na verdade não

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tinham poder algum. Eram criações do ser humano e pura pedra fria. Entretanto,

quando um crente, ajoelhado diante daquela escultura, conseguia sintonizar seu

coração, não com a pedra, mas com a Energia Divina que ela representava, a sua

solicitação fervorosa era ouvida pelo Verdadeiro Deus. Assim, o pedido era

concedido sempre que havia merecimento do pedinte. Ele ouviu-me atentamente e

respondeu-me que havia bastante lógica no que eu dizia, mas que era prudente evitar

confrontos com os patrícios e judeus influentes. Como tinha que partir para seus

compromissos funcionais, colocou-me à disposição um de seus servos que conhecia

bem a cidade, para ajudar-me a encontrar um lugar para adquirir e lá residir. Não foi

difícil localizar uma bela propriedade que estava à venda. O seu dono havia sido

encontrado, misteriosamente, morto. Ele não cultivara inimigos, mas, por ser honesto,

provavelmente incomodara alguém que não foi identificado. Assim a família

resolvera viajar para o interior. Pedi à viúva que aguardasse até o dia seguinte,

quando voltaria para fechar o negócio. Conversei com a esposa e com meu único

filho que não seguira a tradição de família, de ser militar. Tinha a alma nobre e um

comportamento simples, preferindo dedicar-se às artes, tendo, desde cedo,

enriquecido sua vocação com ajuda de um mestre grego. Após a refeição, fui

descansar sob frondosa árvore, passando por uma ligeira madorna. Durante a mesma,

vi meu filho assinando o documento de compra da propriedade e dela fazendo uma

escola de artes com ajuda da mãe, inclusive aproveitando o dom natural de crianças e

jovens prejudicados pela política da época. Acordei com o chamado de uma serva,

que trazia um suco fresco de frutas. Voltei a conversar com os dois membros de

minha família e ficamos acertados de que seria de acordo com a visão, pois se algo

me acontecesse em função de ser cristão, eles estariam protegidos, já que eu não

dispunha de bens. Assim foi feito e após quinze dias nos mudamos para a nova

residência. Nunca insisti para que eles se tornassem cristãos, mas as bases da

fraternidade e do amor ao próximo fiz questão de ensinar, para que vivessem da

melhor maneira possível, em harmonia com o Amor Universal.

Comecei a andar pela periferia de Roma para ver se encontrava cristãos

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com quem pudesse me relacionar e iniciar um trabalho de ajuda aos sofredores. Notei

alguns homens que, levando um cajado consigo, riscavam o chão e quando outro

fazia o mesmo sobre o seu risco, armando uma cruz, paravam e conversavam,

guardando vigilância ao redor. Decidi, numa dessas oportunidades, aproximar-me

para falar-lhes, porém se afastaram rapidamente, um para cada lado. No dia seguinte

muni-me também de um cajado e usei o mesmo simbolismo de comunicação, para ter

a certeza de que se tratavam de cristãos. Em dado momento, um homem passou por

mim e repetiu o risco. Olhei para ele sorridente e abracei-o. Então me disse: “Que

bom encontrar-te irmão. Hoje faremos uma reunião nas catacumbas ao por do sol.

Que Cristo te abençoe.” Agradeci, repetindo a mesma frase. Ao anoitecer lá estava,

agindo com bastante discrição para não chamar atenção. Notei as pessoas chegando e

desaparecendo entre alguns arbustos e trepadeiras. Segui-as sem levantar suspeitas e

verifiquei que naquele ponto havia uma entrada na rocha e nela adentrei. Depois de

caminhar no escuro, tateando as paredes, vi uma claridade e fui em sua direção. Era

um local em que se abria um salão na rocha, onde sepulturas muito antigas poderiam

ser vistas. Várias pessoas lá se encontravam. Acomodei-me sobre uma pedra e fiquei

aguardando. Algum tempo depois, um senhor de fala muito compassada, começou a

falar: “Irmãos em Cristo. Ele veio habitar entre nós para nos ensinar que somos todos

irmãos e por esta razão devemos nos amar uns aos outros, como Ele mesmo o fez.

Nunca condenou a crença de nenhum ser humano. Apenas nos alertou para que não

déssemos mais valor aos bens materiais e ao poder temporal, em detrimento dos

valores espirituais. Dizia que procurássemos sempre a verdade que habita em nós

mesmos, pois somos parte de Deus e não precisamos procurá-lo fora de nós. Quando

curava, sempre dizia que havia sido a fé daquela pessoa que alcançara aquela

misericórdia, demonstrando a nossa capacidade de autocura, já que somos essa

Partícula Divina que em nosso corpo habita. Assim sendo, venho conclamá-los a não

desistirem dessa confiança que Ele nos passou. Muitas tribulações nos esperam e pelo

que se pode observar, tendem a ser cada vez maiores. Entretanto, não devemos temer

esses acontecimentos se porventura vierem a nos atingir. Lembrem-se como Ele

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reagiu à ignorância dessa época que O levou à crucificação. Não se lamentou, nem

blasfemou em momento algum. Pelo contrário, perdoou aqueles que o condenaram,

abandonaram e fizeram sarcasmo de seu martírio. O mais importante de tudo,

ressuscitou dos mortos, demonstrando que a vida não se restringe a esse momento

que passamos, ocupando nossos corpos. Nos acenou com a vida eterna, cheia de

Felicidade ao Seu lado. Da mesma forma que solicitamos o amparo Divino em nossos

momentos de dor e dúvida, não nos esqueçamos dos irmãos em situação de penúria e

estendamos nossas mãos a eles, atendendo-lhes em suas necessidades. Quando

individualmente não conseguirmos, juntemo-nos a outros para obter aquilo que dará

conforto ao sofredor. Agora quero alertá-los para não divulgarem esse local de

encontro para pessoas que não fazem parte de nossa fé, para que não sejamos

surpreendidos com visitas indesejáveis. A situação política do Império está muito

confusa e qualquer perturbação, não se esqueçam, eles descarregam sobre nós,

porque incomodamos suas consciências com nossas atitudes pacíficas e de

compreensão ao próximo.”

Em seguida foi feita uma oração com tanto sentimento de amor, que muitos

dos presentes choraram, inclusive eu que fui profundamente tocado. Terminado

aquele encontro, as pessoas foram saindo aos poucos e pude me aproximar daquele

senhor. Ao olhar-me, disse: “Tu penetraste neste recinto sem conhecer-nos, entretanto

fui avisado pelo espírito guardião daqui, que eras um dos nossos. Em que posso ser-te

útil?” Contei-lhe como fui convocado por Jesus para o trabalho e o que acontecera

em Cesareia. Agora, em Roma, queria participar ativamente dos trabalhos de

assistência. Seus olhos brilharam ao ouvir-me e, seguindo-se a minha fala, convidou-

me para ajudá-lo no trabalho assistencial que fazia junto a familiares de leprosos, que

eram discriminados pelo contato que tiveram com os doentes. A partir de então,

dediquei os meus dias àqueles irmãos renegados.

Pouco tempo passou e Calígula assumiu o poder total, após mandar matar

seu primo. As perseguições continuaram para que todos os seus inimigos fossem

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afastados. Vários chefes militares e senadores foram enviados para o exílio,

especialmente porque não quiseram reconhecê-lo como deus. Retomou a perseguição

também aos cristãos, que eram mortos como “insufladores de revolta contra o

Império”.

Neste ínterim, meu irmão descobriu que um de seus servos estava lhe

roubando, para fugir e refazer sua vida longe de Roma. Resolveu entregá-lo às

autoridades que, nestes casos, mandavam os infratores para as galés. Antes que

cumprisse sua decisão, pedi-lhe para que me deixasse conversar com o servo. Feito

isso, consegui que ele restituísse o dinheiro escondido e, em seguida, com o

consentimento de meu irmão, levei-o para trabalhar comigo. Mesmo dizendo-se

agradecido pelo que fiz por ele, era muito rebelde. Acabou descobrindo que eu era

cristão e que por isso vivia na clandestinidade. Para se vingar de meu irmão, passou a

vigiar meus passos e a planejar uma forma de eu ser preso e assim envergonhar toda a

família. Ficou sabendo de uma de nossas reuniões e avisou ao chefe da repressão. Os

soldados, disfarçados de mulheres piedosas, conseguiram entrar nas catacumbas,

misturando-se aos cristãos ali reunidos, obedecendo a um estratagema que não

permitisse a ninguém fugir. Jeremias, que era o velho pregador, levantou-se, após um

bom tempo de meditação, e disse: “Meus irmãos. Hoje é o grande dia da provação.

Da mesma forma que Jesus foi traído por Judas, também nós passaremos por

experiência sacrificial, que exige tenhamos o máximo de força espiritual para não

entrarmos em desespero, que é característica daqueles que não acreditam em sua

filiação Divina. Oremos: “Senhor, se confiaste Teu Filho predileto a impiedade dos

homens ainda acorrentados à ignorância, ao orgulho e a vaidade de se acharem

superiores, quem somos nós para acreditar que conosco seria diferente. Permiti

Senhor, que as portas do céu estejam abertas neste momento, para que não nos

percamos no retorno aos planos espirituais.” Neste instante, uma luz intensa iluminou

o salão de pedras e todos davam glórias ao Pai. Muitos soldados disfarçados ficaram

amedrontados, mas seus superiores ensandecidos os convocaram para a “luta contra

os insurretos”, e a matança foi generalizada. A primeira cabeça que rolou foi a de

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Jeremias. Eu não tive tempo nem de apresentar-me como romano, para ter direito a

um julgamento. O sangue jorrava em meu pescoço e só tive tempo de ouvir: “Tenhas

calma, confia na vida que continua e entrega-te ao Pai.”

Roma acrescentava, assim, mais dívidas com a Lei Universal. Seus

soldados não eram mais guerreiros, mas estavam sendo treinados para serem

simplesmente assassinos. Quanto ao servo delator, quando soube de minha morte,

caiu em depressão e depois de algum tempo solicitou para que fosse enviado para as

galés, sem explicar porque tomara aquela decisão.

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O AVÔ E A NETA

(Pablo de Salamanca)

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Agenor tornara-se avô recentemente. Era o que se pode chamar de “avô de

primeira viagem”. Sua neta, Giuliana, só tinha um mês de idade, mas Agenor já

conseguia enxergar características de sua personalidade. Notara, sobretudo, que a

tenra menina sorria muito, principalmente quando estava dormindo. Agenor era

espiritualista, e compreendia que esta faceta do caráter da menininha era reflexo da

sua alma feliz e serena.

Naquele dia quente de primavera carioca, quase tão quente quanto um dia

de verão, estava Agenor com sua neta, nos corredores de um hospital público. Era um

dia de consulta com a pediatra, e a jovem mãe de Giuliana deixara sua filha nos

braços de Agenor, enquanto fora à busca de informações adicionais sobre o

atendimento.

Assim, o avô observava atentamente o rosto da neta, enquanto aguardava a

consulta de rotina. Para a surpresa de Agenor, a menina que dormia em seus braços

não emitia nem um sorriso. Ela estava séria e, por vezes, ensaiava um choro, mas que

acabava não se concretizando. Longos minutos se passaram, com Agenor a observar

persistentemente, constatando que a menina não sorria de jeito nenhum.

O avô, então, passou a analisar a situação. Ali, naquele movimentado

hospital, o que predominava? Pensando bem racionalmente, era um ambiente de

tensões, preocupações e de doença. Seria por isso que Giuliana não sorria? Agenor,

desta maneira, resolveu aguçar os seus sentidos. Ele tinha uma sensibilidade acima da

média.

Após instantes de captação do ambiente, era fácil sentir que as vibrações do

lugar não eram das melhores. Agenor, inclusive, chegou a vislumbrar uma espécie de

névoa no ambiente, sobretudo concentrada proximamente ao setor de emergência

hospitalar. O que a maioria não poderia ver ou sentir, o “quase ancião” era capaz de

registrar, sem maiores esforços de concentração.

Em seguida, Agenor focou sua atenção na face da menina, em seus braços,

notando que o seu rostinho angelical estava tão sisudo quanto possível. Nada de seus

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preciosos sorrisos, tão constantes na casa materna...

Por conseguinte, o avô concluía que a recém-nascida tinha condição de

assimilar a energia reinante naquele lugar. A pequenina sentia que aquele ambiente

não era de harmonia. Por isso, seu rosto não expressava a alegria corriqueira. Ela,

embora tão tenra e envolvida em seus processos inconscientes, podia perceber o que

estava a sua volta. Agenor emocionou-se com isso, pois assinalava que o espírito

imortal, ainda que tolhido pela juvenil matéria em desenvolvimento, se manifestava

na sua frágil netinha.

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PALAVRAS FINAIS

(Nélson Vilhenna & Pablo de Salamanca)

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Nélson Vilhenna

Irmãos leitores, as histórias contadas neste livro tiveram como objetivo

demonstrar que somos constantemente chamados, para descobrir a verdade que

nossos olhos embaçados pelas crenças, não necessariamente religiosas, nos impedem

de enxergar. Quando nos colocamos diante do mundo de coração aberto,

reconhecendo que somos todos passageiros do mesmo barco e que nos compete

manter a cooperação para vencermos as tempestades, que poderão provocar o

afundamento da nau, nada nos impedirá de alcançarmos a felicidade. A presença

divina existente em cada um de nós se expressará, se assim o permitirmos. O

compromisso que temos é com o nosso próprio progresso espiritual.

Pablo de Salamanca

Caros amigos leitores, espero que esta obra lhes tenha sido útil. Embora

não possamos caminhar pelos pés alheios, nem seguir pelas mesmas estradas e vielas,

assinalo que podemos, ao menos, sentir as impressões vividas por outros buscadores

espirituais. Estas impressões não serão como roteiros definitivos para o sucesso e

harmonia, pois cada um tem sua forma de discernir e arbítrio, bem como suas

próprias definições para o que é sucesso ou o que é harmonia. Mas, tudo aquilo que é

vivido e compartilhado por outrem pode servir como valiosa “pista”, para

desvendarmos alguns “mistérios” da vida. Então, desejo que os leitores desta obra

tenham sido bons investigadores das histórias aqui oferecidas, de modo a facilitar

suas jornadas pessoais, evitando algumas pedras do caminho.

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