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ARASA
Quem somos?
Estabelecida em 2002, a Aliança da Sida e Direitos para a África Austral (ARASA) é uma parceria regional de organizações não governamentais (ONGs) que trabalham conjuntamente para promover uma abordagem ao VIH/Sida na África Austral, baseada nos direitos humanos. É constituída sob a forma de uma associação em que todas as organizações parceiras são membros dessa associação. Três comissões, compostas por membros da associação, actuam com carácter consultivo nas três áreas do programa da ARASA: formação e consciencialização; informação e alfabetização regional; advocacia e exercícios de pressão (lóbi).
O que fazemos?
Advocacia e Lóbi;
Formação e consciencialização; e
Construção de capacidades para o acesso à prevenção e tratamento do VIH/Sida & da Tuberculose.
O ponto central a todas as áreas do programa é o reconhecimento de que a protecção dos direitos humanos é fundamental para o sucesso das respostas ao VIH, Sida e TB. O estigma e a discriminação associados ao VIH continuam a ser os maiores obstáculos a impedirem o alcance das metas a atingir quanto ao acesso universal à prevenção, aos cuidados e ao tratamento do VIH. A protecção dos direitos humanos, tanto dos vulneráveis à infecção do VIH como dos já infectados, não só é um direito, mas também produz resultados positivos de saúde pública contra o VIH. A negação de direitos humanos tais como o direito à não-discriminação, à igualdade quanto ao género das pessoas, à informação, educação, saúde, privacidade e assistência social, faz aumentar, não só a vulnerabilidade à infecção, mas também o impacto da epidemia.
A estratégia central das operações da ARASA é a de utilizar a sua parceria na construção e fortalecimento das capacidades da sociedade civil, com um foco particular nas organizações formadas por portadores de VIH e Sida (PVVS), para a defesa efectiva dos direitos humanos na abordagem do VIH/Sida e TB na África Austral.
Visão
Uma África Austral onde os direitos humanos sejam sempre considerados em todas as respostas ao VIH/Sida e TB, e onde os direitos das PVVS (pessoas portadoras de VIH ou sida) sejam respeitados e protegidos, e ainda, onde os direitos socioeconómicos – que, quando negados, fomentam a epidemia – sejam respeitados, protegidos e realizados.
Missão
Promover na África Austral, uma abordagem ao VIH/Sida e TB, baseada nos direitos humanos, através da construção de capacidades e advocacia.
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Para mais informações sobre a ARASA, é favor contactar
Michaela Clayton ou Maggie Amweelo
ARASA , PO Box 97100, Maerua, Windhoek, Namíbia
Tel: 264 61 300381 Fax: 264 61 227675
Correio electrónico: [email protected] / [email protected] Portal: www.arasa.info
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Agradecimentos
A Aliança da Sida e Direitos para a África Austral deseja manifestar um agradecimento especial à “Swedish International Development Agency – SIDA” (Agência Sueca de Desenvolvimento Internacional) e à “Irish Aid” (Agência Irlandesa) por terem tornado possível o desenvolvimento desta versão actualizada do relatório sobre o VIH/Sida e Direitos Humanos.
A ARASA deseja também agradecer aos autores deste relatório e às pessoas nele envolvidas, pelo seu valioso contributo e comentários:
À Michaela Clayton, Directora da ARASA, pela sua visão, direcção e assistência ao projecto;
Aos Parceiros da ARASA e às ONGs regionais, por terem sempre correspondido de boa vontade aos pedidos constantes de ‘só mais uma questão’, por parte dos autores;
A Jacob Segale e Luyanda Ngonyama, funcionários da ARASA em Joanesburgo, bem como ao Joel Charbit, um estagiário bastante dedicado dessa mesma delegação da cidade, que prescindiu das suas férias de verão para poder distribuir questionários e dar-lhes andamento.
Mérito
Autores
Liesl Gerntholtz
Ann Strode
Editores
Michaela Clayton
Kitty Grant
Design e Disposição
Gillian Parenzee
Impressores
ARASA
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Acerca do Relatório
Propósito
O Relatório constitui um guia que inclui os direitos humanos ao abordar o VIH/Sida na região da
África Austral. Ele pretende:
Descrever até que ponto os países da SADC têm usado e implementado certas normas
internacionais de orientação sobre os Direitos Humanos associados ao VIH/Sida
Descrever as boas práticas de legislação, de políticas e de observação dos direitos humanos
em relação ao VIH e Sida
Sublinhar as principais violações de direitos humanos que as PVVS enfrentam na região da
SADC.
Antecedentes
Em 2006, no décimo aniversário do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o VIH/Sida
(UNOSIDA), contendo as Normas Internacionais de Orientação sobre o VIH/Sida e Direitos
Humanos, a ARASA conduziu investigações para avaliar até que ponto as Normas Internacionais
de Orientação tinham vindo a ser usadas e implementadas na região da SADC. Esse Relatório,
referido como ‘o Relatório de 2006’, examina as respostas dadas pelos países da SADC ao
VIH/Sida, em todas as áreas principais recomendadas pelas Normas Internacionais, com o fim
de determinar a existência de:
Estruturas e Parcerias que dão respostas à epidemia com apoio multi-sectorial
Um Quadro Legal e Político que protege e promove os direitos das pessoas infectadas e
afectadas pelo VIH/Sida, e
Um ambiente facilitador da manutenção da dignidade das pessoas vulneráveis ao VIH e
sida.
O presente Relatório é uma versão actualizada do Relatório de 2006. Ele analisa os principais
desenvolvimentos quanto à observação dos direitos humanos na região, desde a publicação do
último relatório em Abril de 2007. As principais diferenças entre o presente relatório e o
anterior, são as seguintes:
O Relatório de 2009 analisa o progresso regional, não só nos termos de comparação com
as Normas Internacionais de Orientação sobre o VIH/Sida e Direitos Humanos, mas
também quando comparado com o nova Lei Modelo sobre o VIH/Sida adoptado pelo
Fórum Parlamentar da SADC (SADC PF) em 2008
6
O Relatório de 2009 foca um âmbito mais reduzido, tratando das duas áreas prioritárias de
preocupação dos países da SADC sublinhadas em anos anteriores, nomeadamente as leis e
políticas que protegem os direitos de igualdade e não-discriminação, e as que promovem o
acesso aos cuidados de saúde.
Sumário do Relatório de 2009
O primeiro capítulo descreve o contexto do relatório, incluindo as estatísticas mais actualizadas sobre a prevalência do VIH na região. Explica o contexto dos direitos humanos e as conquistas feitas quanto à protecção dos direitos das pessoas infectadas e afectadas pelo VIH/Sida. Também contém uma secção dedicada às Normas Internacionais de Orientação sobre o VIH/Sida e Direitos Humanos e às respostas que a região tem dado a essas Normas, à luz dos direitos humanos. O segundo capítulo avalia os passos que têm sido dados no sentido de criar um quadro legal e político de protecção ao VIH, sida e direitos humanos. Foca as áreas em que as maiores reformas têm sido feitas, nomeadamente quanto às leis anti-discriminatórias e às do foro criminal. Também contém uma secção dedicada às medidas para fazer cumprir as leis. O capítulo termina com a discussão dos principais problemas sobre direitos humanos com que a região se depara. O terceiro capítulo analisa o progresso feito pelos estados no sentido de criar leis, políticas e programas que promovem o acesso universal aos cuidados de saúde. Examina as recentes mudanças no sentido de desenvolver legislação que especificamente relaciona a saúde pública com o VIH, que regula as análises ao VIH, que proporciona ARVs e programas para “Prevenir a Transmissão de Mãe Para Filhos” (PMTCT). Tal como no segundo Capítulo, este também termina com a discussão dos principais problemas sobre direitos humanos relacionados com o acesso aos cuidados de saúde com que a região se depara. O último capítulo conclui com um número de conclusões gerais que se podem tirar sobre até que ponto os países da SADC têm vindo a reformar as suas leis, políticas e práticas, tal como requeridas pelos padrões internacionais e regionais. Condensa as principais mudanças operadas durante os últimos dois anos, e conclui com uma agenda de advocacia para os próximos dois anos.
Metodologia
O relatório é baseado em informações obtidas por meio de três metodologias diferentes:
Questionários distribuídos às ONGs que lidam com o VIH tratando-o como um assunto de direitos humanos na região da SADC, e também distribuídos a todas as parcerias da ARASA na região. Foram distribuídos um total de 111 questionários (ver Tabela 1, abaixo). Foi desenvolvido um questionário mais curto e ligeiramente modificado, o qual foi submetido aos departamentos governamentais responsáveis pelo VIH e sida em cada um dos países da
7
SADC.
Entrevistas com bastante conteúdo informativo, baseadas neste mesmo questionário, feitas aos parceiros da ARASA, realizadas durante o Fórum das Parcerias da ARASA de 18 – 19 de Novembro de 2008. Participaram nas entrevistas um total de 12 parceiros.
Foi conduzida uma recolha de toda a literatura e outras informações publicadas sobre o VIH e direitos humanos na SADC. A recolha foi retirada da internet, revistas, publicações das ONGs e jornais. Foi obtido um grande volume de informação a partir dos Relatórios de 2008 que cada país apresentou, como Resposta Nacional à Declaração de Empenhamento para com o VIH/Sida, da iniciativa da UNGASS. Tabela 1: Número de questionários enviados e respondidos, na SADC
Pontos fortes e Limitações
Em certos aspectos, o Relatório de 2009 conseguiu reunir mais informação detalhada do que os anteriores, devido a três factores:
A investigação feita num âmbito mais reduzido, focada em aspectos principais de legislação e política, em que os países da SADC parece terem dado resposta
O aumento da disponibilidade de informação sobre legislação e política na África Austral, através da internet e de relatórios de investigação
Entrevistas directas com funcionários da ARASA e de organizações parceiras.
PAÍS
No. DE QUESTIONÁRIOS RESPONDIDOS / No. DE QUESTIONÁRIOS ENVIADOS
ONGs Parceiros da ARASA
Governo
ANGOLA 0/2 0/1 0/1
BOTSWANA 1/6 1/1 0/1
R D CONGO 1/9 1/1 0/1
LESOTHO 0/9 1/1 0/1
MADAGASCAR 0/3 0/1 0/1
MALAWI 0/13 1/2 0/1
MAURÍCIAS 0/1 1/1 0/1
MOÇAMBIQUE 0/6 1/1 0/1
NAMÍBIA 0/5 1/1 0/1
ÁFRICA DO SUL 0/6 1/1 0/1
SUAZILÂNDIA 0/6 0/1 0/1
TANZÂNIA 1/12 1/2 0/1
ZÂMBIA 0/18 2/2 0/1
ZIMBABWE 0/15 1/2 0/1S
8
Contudo, a investigação encontrou limitações, devido a um número de factores, entre os quais se incluem os seguintes:
Prazos de Tempo: Os questionários foram enviados entre Julho e Agosto de 2008, altura em que muitas ONGs se preparavam para a Conferência Internacional sobre a Sida no México, ou já lá se encontravam. Isto pode justificar a baixa taxa de resposta.
Recursos: Os fundos disponíveis para o projecto eram limitados e não permitiram visitas aos países, no intuito de recolher documentos importantes e confirmar as informações;
Barreiras linguísticas: Apesar de os questionários terem sido traduzidos, os investigadores falantes da língua inglesa encontraram dificuldade em obter informações dos países de expressão francesa e portuguesa.
Fraca resposta por parte das ONGs e dos Governos: Dificuldade em identificar, contactar e obter respostas de outras ONGs (não parceiras da ARASA), a par da fraca resposta por parte dos Governos, limitaram a profundidade da investigação. As futuras actualizações do Manual devem ter que focar na obtenção destas informações a partir dos parceiros da ARASA.
9
Conteúdo
1. Antecedentes sobre o VIH/Sida e Direitos Humanos na SADC
2. Criando um Ambiente Protector
3. Promovendo o Acesso aos Cuidados de Saúde
4. Conclusão
10
Capítulo Um: Historial do VIH/Sida
na região da SADC
“Nenhuma outra doença na História da humanidade provocou semelhante mobilização de recursos
políticos, financeiros e humanos, e nenhum outro problema de desenvolvimento produziu semelhante
liderança potente e apropriação por parte das comunidades e dos países mais afectados”1
“Não equivoquemos: uma tragédia de magnitude sem precedentes está a encenar-se em África.
Presentemente, a sida destrói mais vidas em África do que todo o conjunto de guerras, fome, inundações
e epidemias mortais, como a malária, que assola o continente. Devasta famílias e comunidades,
avassalando e esgotando os serviços de cuidados sanitários e surripiando às escolas os seus alunos e
professores..... A sida é muito claramente uma calamidade que tem vindo a obliterar todos os ganhos
provindos do desenvolvimento das últimas décadas e a sabotar o futuro.”2
1.1 A epidemia do VIH/Sida na região da SADC3
A África Subsaariana continua a suportar o fardo global das infecções do VIH e dos óbitos devidos à sida.
De entre todas as pessoas seropositivas do mundo, 67% vivem na África Subsaariana e em 2007, 75% de
todos os óbitos provocados pela sida ocorreram na África Subsaariana. A região da África Austral é a
mais assolada: em 2007, 22 milhões de homens, mulheres e crianças eram seropositivos, e registaram-
se 1.9 milhões de novas infecções pelo VIH. Mais de um terço de todas as pessoas seropositivas vive em
Estados Membros da SADC, e 38% de todos os óbitos devidos à sida ocorrem na mesma Região.
Sete países da SADC apresentam taxas de prevalência do VIH nacionais acima dos 15%, nomeadamente
a Botsuana, o Lesoto, a Namíbia, a África do Sul, a Suazilândia, a Zâmbia e o Zimbabué.
Tabela 2: Taxa de prevalência do VIH nos países da SADC
1 UNOSIDA,, 2008 Global AIDS Epidemic Update, pág. 13
2 Nelson Mandela, 13a Conferência Internacional sobre a Sida, Durban, 2000.
3 UNOSIDA 2008 Report on the Global AIDS Epidemic.
11
PAÍS ADULTOS %
15-49 anos
N.° de
HOMENS
15 anos +
N.° de
MULHERES
15 anos +
N.° de
CRIANÇAS
ANGOLA 2.1 180 000 110 000 190 000
BOTSUANA 23.9 280 000 170 000 300 000
RDC
LESOTO 23.2 260 000 150 000 270 000
MADAGASCAR 0.1 13 000 3 400 14 000
MALAUI 11.9 840 000 490 000 930 000
MAURÍCIAS 1.7 13 000 3 800 13 000
MOÇAMBIQUE 12.5 1 400 000 810 000 1 500 000
NAMÍBIA 15.3 180 000 110 000 200 000
ÁFRICA DO SUL 18.1 5 400 000 3 200 000 5 700 000
SUAZILÂNDIA 26.1 170 000 100 000 190 000
TANZÂNIA 6.2 1 300 000 760 000 1 400 000
ZAMBIA 15.2 980 000 560 000 1 100 000
ZIMBABUE 15.3 1 200 000 680 000 1 300 000
Fonte: UNOSIDA 2008 Report on the Global AIDS Epidemic.
1.1.1 Crianças
Noventa por cento dos óbitos infantis provocados pela sida ocorreram na África Subsaariana, e em
2007, 270 000 crianças com menos de 15 anos morreram de doenças provocadas pela sida. As infecções
de crianças pelo VIH parecem estar a estabilizar-se na Região, em função da estabilização dos índices de
infecção pelo VIH entre mulheres, e da extensão dos programas de prevenção da transmissão vertical
(mãe para bebé) destinados a mulheres seropositivas grávidas.
12
1.1.2 Mulheres
As mulheres continuam a ser desproporcionadamente infectadas e afectadas pelo VIH na região da
África Subsaariana. Aproximadamente 60% das pessoas que vivem com o VIH nesta região são
mulheres. As mulheres jovens, na faixa etária dos 15 aos 24 anos, têm maior probabilidade de serem
infectadas do que os homens com a mesma idade.
1.3 Os direitos humanos na região da SADC
As conversações e discussões em torno dos direitos humanos na região da SADC durante o ultimo ano
têm sido dominadas ofuscadas pelo conflito renovado na Republica Democrático do Congo (RDC) e pelo
regime brutal do Robert Mugabe no Zimbabué Na RDC, milhares de pessoas têm sido mortas, muitas
mulheres foram violadas e sexualmente abusadas, e 1.2 milhões de Congoleses foram deslocados em
Kivu Norte e Sul. As atrocidades da repressão política, que incluem a tortura e o rapto dos activistas dos
direitos humanos no Zimbabué, têm mais recentemente sido eclipsadas pela catástrofe humanitária que
decorre naquele país, devida ao colapso total do sistema de saúde, à insegurança alimentar entre a
maioria da população rural e urbana, e à infecção pela cólera de 60 000 pessoas.
Muitos outros países, apesar de terem democracias relativamente estáveis, são assolados por
tendências perpétuas e enraizadas que constituem abusos dos direitos humanos, incluindo a violência
contra a mulher, a homofobia, e as violações dos direitos dos prisioneiros e de outros grupos
vulneráveis.
Os múltiplos problemas que requerem primazia na agenda da SADC têm, por um lado, criado
oportunidades para focar e travar os abusos dos direitos humanos associados ao VIH, mas por outro,
obscurecido as violações que continuam a minar os esforços destinados a alargar o acesso aos serviços
de prevenção, tratamento, cuidados e apoio.
1.4 VIH/SIDA, enquanto matéria associada aos direitos humanos
O direito ao tratamento do VIH a preço acessível tem dominado a agenda dos activistas dos direitos
humanos na África Austral durante o último decénio. Os esforços, a nível mundial, de mobilizar as
organizações de defesa dos direitos humanos e as organizações comunitárias, juntamente com a
estratégia de instaurar processos judiciais e prosseguir a advocacia a elevado nível, têm resultado num
maior enfoque mundial sobre os óbitos preveníveis de homens, mulheres e crianças, que habitam os
13
países mais pobres do mundo, e que se devem ao VIH. A revisão em 2002 da Directriz 6 das Directrizes
Internacionais da UNOSIDA relativas ao VIH/SIDA e os Direitos Humanos reconheceu o acesso ao
tratamento como direito fundamental e desencadeou intervenções locais, regionais e internacionais
destinadas a expandir o acesso a tratamento que salva vidas.
No decurso da Segunda Reunião de Alto Nível das Nações Unidas sobre a Sida em 2006, os países
comprometeram-se com alcançar um nível de acesso universal aos serviços de prevenção, tratamento,
cuidados e apoio até 2010. No relatório de balanço sobre os progressos publicado em 2008, as agências
da ONU constataram os progressos substanciais que haviam sido registados, incluindo “um aumento
sem precedentes no acesso aos serviços de tratamento”.4 Em 2007, mais um milhão de pessoas, a
maioria das quais radicadas em países pobres, pode aceder serviços de tratamento. Também se
registaram progressos no alargamento do acesso aos programas de prevenção da transmissão vertical.
Em 2004, apenas 10% das mulheres grávidas nos países de médio e baixo rendimento recebiam
medicamentos anti-retrovirais a fim de prevenir a transmissão vertical do VIH, enquanto que até 2007
essa percentagem aumentou para 33%.
Alguns dos progressos mais notáveis têm-se registado na África Austral. Os Estados Membros da SADC
comunicaram aumentos nos números de pacientes sob terapêuticas medicamentosas. Nove países5 de
entre eles atingiram um aumento de 10% ou mais até Dezembro de 2007.
Um activismo em defesa do VIH e dos Direitos Humanos cada vez mais dinâmico e potente tem
pressionado continuamente os governos nacionais e a Comunidade de Desenvolvimento da África
Austral para garantirem que os direitos humanos permaneçam no centro das respostas nacionais ao
VIH/Sida. Uma revisão da legislação e das políticas nos 14 países membros da SADC realizada em Janeiro
de 2009 revelou que todos os países possuem uma lei ou uma política nacional que proíbe a
discriminação injusta contra as pessoas que vivem com VIH ou sida. De modo a ajudar os Estados
Membros da SADC a prosseguir a elaboração de quadros jurídicos efectivos de resposta ao VIH e sida, o
Fórum Parlamentar da SADC (SADC PF) produziu uma lei modelo sobre o VIH e sida em 2008. A lei
modelo expressamente promove uma abordagem centrada nos direitos humanos e na equidade do
género respeitante a legislação relacionada com os VIH e visa “assegurar que os direitos humanos
daqueles que são vulneráveis ao VIH e das pessoas infectadas ou afectadas pelo VIH sejam respeitados,
protegidos e estabelecidos nas respostas à sida.’6
4 UNOSIDA 2008 Report on the Global AIDS Epidemic, pág.5.
5 Angola, Republica Democrática do Congo, Lesoto, Malaui, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia e Zambia.
6 Secção 1(b) da lei modelo sobre o VIH/Sida produzida pelo Foro Parlamentar da SADC.
14
Existe porém, a necessidade de a Região se precaver contra a real e potencial erosão das conquistas
feitas até à data. No decurso da investigação feita para o presente relatório, os parceiros da ARASA
foram convidados a identificar os principais problemas relativos aos direitos humanos com que se
defrontam na Região. Dos 13 países que responderam à pergunta7, o problema mais significativo que foi
mencionado foi o limitado acesso a anti-retrovirais (ARVs), especialmente nas zonas rurais. A despeito
dos progressos registados no melhoramento do acesso ao tratamento, apenas dois países8
providenciam tratamento a mais de 70% dos pacientes que precisam dele, enquanto cinco9 ainda não
conseguiram garantir o acesso ao tratamento por um quarto das pessoas que precisam dele.
Outra questão levantada pelos parceiros da ARASA é a continuada existência de leis e práticas
discriminatórias nos países da SADC que minam os esforços destinados a dar resposta ao VIH e sida.
Aproximadamente 46% dos parceiros da ARASA indagados citaram a falta de acesso a preservativos nas
prisões como sendo um problema importante. Devido ao facto que muitos países da SADC ainda
possuem leis que penalizam relações sexuais entre pessoas do mesmo género, os provedores de
serviços são impedidos de prestar serviços de prevenção, tratamento, cuidados e apoio aos detidos e
reclusos nas prisões. Além disso, 30% dos indagados identificaram outros tipos de discriminação como
sendo o problema mais significativo com que se deparavam, citando exemplos como o teste de VIH
obrigatório que é utilizado para discriminar contra pessoal nas forças armadas e contra grupos
marginalizados.
A marginalização de migrantes e deslocados sempre prevaleceu na África Austral, onde guerras, conflito
e pobreza têm obrigado muitas pessoas a abandonarem as suas casas e comunidades em vários países
ao longo dos anos. A vulnerabilidade das populações deslocadas tornou-se cada vez mais evidente no
decurso de 2008, quando foram deslocadas mais de um milhão de pessoas na RDC devido ao conflito, e
quando milhares de Zimbabueanos abandonaram o seu país, para fugir à fome, violência e cólera, e
também quando as ondas de violência xenofóbica na África do Sul forçou mais de 100 000 imigrantes a
fugirem das suas casas e a se refugiarem em acampamentos informais. Consequentemente, o acesso
das populações migrantes e móveis aos cuidados sanitários está a reemergir como preocupação chave
para a Região.
O presente relatório sugere que o comportamento perigoso associado ao VIH parece ser a principal
preocupação para as entidades legisladoras da região da SADC, e demonstra que a tendência prevalente
é a de responder às preocupações com soluções que menosprezam os direitos humanos das pessoas
seropositivas. Enquanto a lei modelo do SADC PF não penaliza a transmissão do VIH, receia-se que as
7 Nenhumas informações foram recebidas de Angola.
8 Botsuana e Namíbia.
9 Republica Democrática do Congo, Madagáscar, Maurícias, Moçambique e Zimbabue.
15
leis modelo recentemente elaboradas na África Ocidental que contêm cláusulas de penalização muito
genéricas possam ter influenciado alguns legisladores na região da SADC.
A preocupação crescente com a elevada taxa de mortalidade devida à sida, a aceitação lenta do Teste e
Aconselhamento Voluntários (TAV), a inscrição tardia de muitas pessoas seropositivas nos programas de
tratamento, e a necessidade urgente de aumentar o acesso ao tratamento, continua a apontar para a
necessidade de reavaliar os modelos de diagnóstico. Apesar de o modelo predominante de diagnóstica
do VIH na região da SADC permanecer o TAV, quase todos os governos têm introduzido alguma forma
de diagnóstico rotineiro para as mulheres grávidas. Além disso, as novas leis do VIH adoptadas na
Tanzânia, RDC e Moçambique não afirmam inequivocamente o direito à confidencialidade sobre o
estatuto serológico, e as leis são muito ambiguas quanto à questão da notificação do estado
seropositivo ao parceiro sexual.
Conforme demonstram as estatísticas apresentadas ao princípio deste capítulo, as mulheres na região
da SADC são as pessoas mais assoladas pela epidemia. Mais de 40% dos países indagados em função do
presente relatório apontaram para a violação sexual e a violência doméstica como sendo problemas
sérios. Apesar dos progressos feitos na elaboração de leis de protecção da mulher contra a violência
baseado no género, alguns países ainda não desenvolveram respostas jurídicas apropriadas para travar
a violência contra as mulheres. Mesmo nos países onde as leis existem, a aplicação das mesmas é
inadequada e os serviços de apoio às sobreviventes da violência baseada no género não existem. A
título de exemplo, apesar de nove países da SADC já oferecerem a profilaxia pós-exposição (PEP) às
sobreviventes do assédio sexual, as ONGs indicam que as mulheres frequentemente têm dificuldade em
aceder estes serviços dentro do período prescrito de 72 horas. Apesar de mais mulheres do que homens
terem acesso ao tratamento na Região, é preocupante constatar que apenas 12% das mulheres grávidas
que inscritas nos programas de prevenção da transmissão vertical (PMTCT) foram testadas de modo a
poderem receber anti-retrovirais e assim proteger e promover a sua própria saúde. 10
Tabela 3: Importantes questões relativas aos direitos humanos identificadas pelos parceiros da ARASA
que foram indagados em 200811
PAÍS TB DISCRIMINAÇÃO PROTECÇÃO LEGAL
LIMITADA CONTRA
ACESSO A
PRESERVATIVOS
TESTE AO VIH
OBRIGATÓRIO
ACESSO DIREITO
PENAL & O
10
OMS, Towards Universal Access. Scaling UP Priority HIV/AIDS Interventions in the Health Sector. Relatório de Balanço de 2008, Pág. 94 11 Outras questões identificadas pelos parceiros da ARASA incluiram as leis de herança discriminatórias, a falta de
acesso dos prisioneiros aos ARVs, os services de aconselhamento inadequados, a falta de representação legal das
PVVS e a ausência de leis que interditam os homens de violar as esposas.
16
A VIOLÊNCIA
BASEADA NO
GÉNERO
NAS PRISÕES PARA
SOLDADOS
A ARVs VIH
Botsuana X X
RDC X
Lesoto X X X
Madagáscar
Malaui X X X X
Maurícias X
Moçambique X X X
Namíbia X X X X
África do Sul X X X
Suazilândia
Tanzânia X X X
Zâmbia
Zimbabué X X
1.5 As Directrizes Internacionais sobre o VIH/Sida e os Direitos
Humanos associados
As Directrizes Internacionais permanecem o único instrumento que define, em pormenor, as
responsabilidades dos governos de desenvolver uma resposta ao VIH/Sida centrada nos direitos
humanos. As 12 linhas directivas das Directrizes Internacionais providenciam respostas legislativas e
outras consideradas necessárias para que a Saúde Pública responda efectivamente à epidemia.
As principais directivas fornecem:
17
Orientações sobre como melhorar as capacidades governamentais de coordenar a resposta multi-sectorial ao VIH/Sida – por exemplo, através da criação do Comité Nacional da Sida;
Orientações sobre a reforma da legislação com vista a promover uma resposta à epidemia do VIH centrada nos direitos humanos – por exemplo, a elaboração de legislação sobre a igualdade de modo a proteger as PVVS contra a discriminação injusta;
Orientações sobre a reforma da legislação com vista a apoiar as intervenções da Saúde Pública – por exemplo, a introdução de leis que suportam os programas de tratamento ao permitir a importação de fármacos; e
Orientações sobre como criar um ambiente propício para os grupos vulneráveis ao VIH ou afectados pelo VIH – por exemplo, através da reforma das leis que penalizam a homossexualidade.
Em 2002, a Directriz 6 das Directrizes Internacionais foi objecto de revisão. A nova versão atribui
claramente aos governos a responsabilidade de desenvolver quadros políticos e jurídicos que promovam
o acesso às terapêuticas anti-retrovirais nos centros de Saúde Pública.
1.6 Respostas da SADC ao VIH/Sida
A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) é composta por 15 países, nomeadamente:
Angola, Botsuana, Republica Democrática do Congo, Lesoto, Madagáscar, Malaui, Maurícias,
Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia, Seychelles, Tanzânia, Zâmbia, e Zimbabué.12 Todos os
países da SADC são membros da União Africana.
Quer a Organização de Unidade Africana (OUA) quer a União Africana (UA) produziu várias declarações e
directrizes sobre o VIH e os direitos humanos, a saber:
A Declaração de Grand Baie (1999), que destaca a importância de dar atenção às questões associadas aos direitos humanos em África;
A Declaração de Abuja sobre o VIH/Sida, a Tuberculose e outras Doenças Contagiosas Associadas e o Plano de Acção de Abuja de Luta contra o VIH/Sida, a Tuberculose e outras Doenças Contagiosas Associadas (2001); e
A Resolução da Comissão da UA dos Direitos Humanos e dos Povos relativa ao VIH/Sida (2001) que versa sobre o impacto do VIH nos direitos fundamentais dos Africanos.
A SADC também tem vindo a elaborar vários protocolos e códigos, a saber:
12
http://www.sadc/int, página acedida a 11 de março de 2008.
18
O Código sobre o VIH/Sida e o Trabalho (1997), que visa consolidar os códigos de emprego nacionais relativos ao VIH/Sida e sensibilizar os empregadores às questões decorrentes do VIH e sida;
O Protocolo da SADC relativo à Saúde (1999), que versa especificamente sobre o VIH, a sida e as doenças sexualmente transmitidas, e tem por objectivo promover políticas de prevenção e gestão que facultem uma resposta intersectorial à epidemia;
A Declaração da SADC sobre o VIH/Sida (Julho de 2003), que afirma o empenho dos Estados Membros de responder à epidemia com intervenções multi-sectoriais. O Quadro Estratégico do VIH/Sida da SADC e o Programa de Acção (2003-2007) foram também recentemente adoptados;
A Declaração do VIH/Sida (2003) feita pelo Conselho de Ministros da SADC em Maseru, que promove respostas ao VIH/Sida que passam por estratégias multi-sectoriais; e
O Protocolo relativo ao Género e o Desenvolvimento (2008), no qual os Estados se obrigam a alargar o acesso aos serviços de prevenção, tratamento e apoio para as mulheres infectadas e afectadas pelo VIH. O Protocolo exorta os Estados para que disponibilizem a profilaxia pós-exposição (PPE) às mulheres logo após o estupro sexual.
Os instrumentos acima referidos são importantes porque definem um quadro de princípios em matéria
dos direitos humanos que deve servir de base para qualquer resposta ao VIH/Sida desenvolvida pelos
Estados Membros. O Código da SADC sobre o VIH/Sida e o Trabalho constitui um dos documentos mais
determinantes no que concerne o VIH/Sida e os direitos humanos na região da SADC, pois encetou a
emenda extensiva de diversas leis e políticas na região. Resta saber se a Lei Modelo do FP SADC relativa
ao VIH e Sida terá um impacto semelhante no futuro.
19
Capítulo dois: Criação dum ambiente protector
2.1 Introdução
A concepção de um quadro jurídico-político que proteja e assente nos direitos humanos requer um forte
compromisso por parte dos Estados no sentido de velarem para que:
As leis e políticas protejam as pessoas infectadas e afectadas pelo VIH contra a discriminação;
As leis e políticas protejam os vulneráveis, de modo a reduzir o risco de eles contraírem o VIH e assegurar que não sejam discriminados na resposta ao VIH e sida; e
As leis e políticas definam normas de comportamento bem como sanções punitivas aquando do incumprimento das normas.
Para cumprir com o compromisso, os Estados precisam de passar em revista as leis e políticas de modo a
verificar se as mesmas estão em conformidade com os princípios dos direitos humanos, e também, se
alcançam os objectivos da saúde pública destinados a gerir a epidemia do VIH. O presente capítulo
apresenta um balanço dos progressos feitos pelos governos da Região da SADC no sentido de alcançar
os dois objectivos ora mencionados. O capítulo incide sobre as três áreas mais importantes que têm
registado maior reforma jurídico-política, a saber:
Leis anti-discriminação;
Leis penais; e
Mecanismos para garantir a execução.
2.2 Directrizes Internacionais do VIH/Sida e os Direitos Humanos
associados
O relatório incide sobre três directrizes relacionadas com a concepção de um quadro jurídico-político
que proteja as pessoas infectadas e afectadas pelo VIH/Sida e impeça a formulação de respostas
inapropriadas à epidemia. As três directrizes são nomeadamente:
Directriz 4: Leis penais e sistemas de correcção
20
Os Estados devem fazer a revisão e a reforma das leis criminais e dos sistemas correccionais
para assegurarem que eles sejam consistentes com as obrigações internacionais de direitos
humanos e não sejam usados indevidamente no contexto do HIV/SIDA ou dirigidos contra
grupos vulneráveis.
Directriz 5: Leis anti-discriminação e protectoras
Os Estados devem promulgar ou fortalecer leis anti-discriminação e outras leis que protejam
grupos vulneráveis, pessoas vivendo com VIH/SIDA e pessoas portadoras de deficiência contra a
discriminação, tanto nos sectores público como privado, que assegurem a privacidade, a
confidencialidade e a ética nas pesquisas envolvendo seres humanos, enfatizem a educação e a
conciliação e proporcionem soluções civis e administrativas eficazes e rápidas.
Directriz 11: Mecanismos governamentais de monitorização e aplicação dos direitos humanos
Os estados devem assegurar mecanismos de monitorização e cumprimento para garantir
direitos humanos relacionados com o HIV, incluindo os das pessoas que vivem com o VIH/SIDA,
suas famílias e comunidades.
2.3 Progressos na implementação
Os 14 Estados Membros da SADC foram objecto de um balanço de progresso que constatou que todos
tinham tomado medidas para criar um quadro jurídico-político de resposta ao VIH/Sida.
2.3.1 Leis modelo relativas ao VIH/sida e reforma política nos países da SADC
Normas internacionais e regionais
21
As Directrizes Internacionais sobre o VIH/Sida e os Direitos Humanos não oferecem um modelo
específico para a reforma das leis e políticas. Pelo contrário, definem as medidas a tomar em certos
contextos jurídicos para garantir a protecção dos direitos das pessoas infectadas e afectadas pelo
VIH/Sida.
Em 2008 o Foro Parlamentar da SADC (FP SADC) adoptou uma lei modelo relativa ao VIH/Sida. Essa lei
modelo propõe que os Estados Membros adoptem leis relativas ao VIH/Sida abrangentes, a fim de:
Providenciar um quadro jurídico para a revisão e reforma da legislação relacionada com o VIH, de modo a assegurar conformidade com as normas internacionais dos direitos humanos;
Promover estratégias de prevenção, tratamento, cuidados e investigação clínica do VIH/Sida;
Garantir a protecção dos direitos humanos das Pessoas que vivem com o VIH ou a sida (PVVS); e
Encorajar a adopção de medidas especiais para proteger os grupos vulneráveis e marginalizados que são afectados pelo VIH.
Discussão sobre as constatações
Um balanço dos progressos registados nos 14 países da SADC, feito em Janeiro de 2009, revelou que
todos os países haviam iniciado um processo de revisão ou reforma das leis e políticas de modo a incluir
nelas o VIH e os direitos humanos. Mais de 40% dos países já tinham desenvolvido legislação relativa ao
VIH. Além disso, 35% tinham reformado leis existentes ou adoptado novas leis que faziam referência
específica ao “VIH”, “ao estatuto serológico” ou ao “estado de saúde”. Porem, três países haviam
apenas adoptado referências aos princípios dos direitos humanos nas políticas nacionais. Nenhum país
da SADC havia recorrido à legislação relativa aos deficientes para proteger as PVVS.
Tabela 4: Modelos de reforma jurídico-política
LEGISLAÇÃO
CONSAGRADA AO VIH
VIH INTEGRADO EM LEIS
EXISTENTES /NOVAS
POLÍTICA DO VIH
PROTEGE DIREITOS
HUMANOS
LEIS DE DEFICIENTES
UTILIZADAS PARA
PROTEGER PVVS
Angola Botsuana Malaui
RDC Lesoto Suazilândia
Madagáscar Namíbia Zâmbia
Maurícias África do Sul
22
Moçambique Zimbabué
Tanzânia
Leis consagradas ao VIH e sida: Nos países que possuem leis consagradas ao VIH e sida, constata-se que
as mesmas tendem a tratar de um leque de matérias associadas ao VIH/Sida, reflectindo assim uma
abordagem multi-sectorial. Há que apoiar uma abordagem multi-sectorial porque tal abordagem:
Reconhece que o VIH não é apenas uma problemática que compete ao sector de saúde;
Facilita o entendimento das leis sobre o VIH/Sida, por pessoas que não são juristas;
Permite uma reforma célere visto que não requer a emenda ou elaboração de múltiplas leis; e
Está em conformidade com a lei modelo do FP SADC que também inclui uma gama de disposições sobre matérias associadas ao VIH (desde a prestação de cuidados sanitários até aos direitos dos participantes em ensaios clínicos) na mesma lei modelo.
Exemplos de leis da saúde pública em matéria do VIH/Sida que seguem abordagens multi-sectoriais
Angola adoptou a Lei relativa ao VIH/Sida, n.º 8/04 que versa sobre:
As obrigações do Estado;
Coordenação das respostas ao VIH/Sida;
Os direitos e obrigações das PVVS, incluindo os direitos dos reclusos e trabalhadores, os direitos à confidencialidade e à protecção contra a transmissão do VIH;
Informação, educação e investigação sobre o VIH; e
Prevenção, controlo e tratamento do VIH.
Em Moçambique, a Lei sobre a Defesa dos Direitos e a Luta contra a Estigmatização e Discriminação das
Pessoas que vivem com o VIH e Sida (2008) versa sobre:
Direitos;
Crianças que vivem com o VIH e sida;
Confidencialidade;
Tóxico-dependentes;
Discriminação e abuso;
Educação;
Testes do VIH;
Investigação;
Emprego;
Comportamentos arriscados (transmissão voluntária do VIH); e
Infracções e penalidades.
Na Tanzânia, a Lei sobre a Prevenção e Controlo do VIH e sida, Lei n.º 28 de 2008 prevê:
Educação do público;
Testagem ao VIH e aconselhamento;
23
Confidencialidade;
Serviços de saúde e apoio;
Estigma e discriminação;
Direitos e obrigações das PVVS;
Criação de um Comité de Investigação;
Monitorização e avaliação; e
Infracções e penalidades.
Existem possíveis desvantagens em desenvolver legislação consagrada ao VIH e sida, especialmente em
situações onde a aplicação da mesma é dirigida pelo Ministério de Saúde:
Se o processo não envolver os outros intervenientes de forma significativa, e a lei não regulamentar questões sobre o VIH, que não as de saúde, a resposta multi-sectorial ao VIH/Sida pode vir a ser minada. Outros ministérios podem também resistir às obrigações que lhes são impostas através de legislação que não ajudaram a desenvolver.
A adopção de leis consagradas ao VIH e baseadas em leis modelo, sem a devida consideração do contexto local e das necessidades, pode conduzir à aplicação inapropriada de tais leis.
Quando as leis relativas ao VIH não regulamentam uma variedade de matérias associadas ao VIH bem como as causas subjacentes da rápida proliferação do VIH (como a desigualdade do género), produzem-se lacunas na resposta nacional.
Em Angola, a Lei sobre o VIH e Sida, n.º 8/04 não abarca os direitos da criança, a segurança social ou as medidas de
protecção da mulher.
Do mesmo modo, nas Maurícias, a Lei de Medidas Preventivas contra o VIH/Sida (2006) é limitada pelo facto de
apenas abarcar a testagem ao VIH, a confidencialidade, a transmissão do VIH, e os programas de troca de agulhas
e seringas.
Inclusão da problemática do VIH noutras leis: Outros países da SADC optaram por criar um quadro
jurídico-político gradualmente. Esta abordagem tem a vantagem de conduzir a uma resposta à epidemia
que é verdadeiramente multi-sectorial, visto que um grupo de ministérios responsáveis por diversos
pelouros tem de assumir a responsabilidade de desenvolver legislação apropriada para responder ao
VIH/Sida. Dessa forma, a reforma da legislação não se entende como uma responsabilidade que recai
apenas sobre o Ministério da Saúde. Esta abordagem também permite assegurar que as leis e políticas
abarquem os assuntos socioeconómicos associados ao VIH/Sida de forma genérica. Porem, a mesma
abordagem pode também resultar em reformas jurídicas limitadas. Por exemplo, em dois países da
24
SADC13 que adoptaram esta abordagem, a única parte da legislação que sofreu alterações foi o código
penal.
A África do Sul constitui o melhor exemplo na região da SADC da maneira como esta estratégia multi-
sectorial pode resultar na reforma de várias partes da legislação com o envolvimento de diversos
ministérios, neste caso o Ministério da Justiça e do Desenvolvimento Constitucional, o Ministério do
Desenvolvimento Social, o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho.
Recentemente o Departamento de Desenvolvimento Social da África do Sul reformou a legislação relativa às
crianças, integrando na mesma várias disposições sobre o VIH. A nova Lei das Crianças14
possui disposições
específicas ao VIH, e disposições que incidem sobre o estado de saúde das crianças. A Secção 13 prevê que cada criança (menor com menos de 18 anos) tem o direito à privacidade no que concerne o seu estado de saúde. A mesma lei também prevê o direito da criança à confidencialidade no que tange o seu estado serológico do VIH. A Secção 133 estipula que nenhuma pessoa está autorizada a revelar o facto de uma criança ser seropositiva sem autorização prévia, salvo nas circunstâncias especificadas na lei.
Recurso à lei de protecção das pessoas portadoras de deficiências: Nenhum dos países que
participou no estudo recorreu à lei de protecção das pessoas portadoras de deficiências para
proteger as PVVS. Em muitos países avançados, como os EUA e o Canadá, os tribunais já
aceitaram o VIH como uma deficiência15 pelo que as PVVS são protegidas ao abrigo da lei de
protecção das pessoas com deficiências. Contudo, mesmo na África do Sul onde a Constituição
protege as pessoas portadoras de deficiências contra a discriminação injusta,16 o Tribunal
Constitucional evitou pronunciar o VIH uma deficiência no processo de Hoffmann v SAA.17 As
razões pelas quais os países da SADC rejeitaram esta abordagem são desconhecidas, mas
provavelmente foram as seguintes:
A tendência na Região é a de adoptar legislação consagrada ao VIH;
A possível ausência de legislação em matéria de deficiências na Região, o que torna a adopção de leis consagradas ao VIH uma opção mais apropriada; e
Os projectistas de lei possivelmente preferem evitar a classificação do VIH como deficiência.
Em Hoffmann v SAA o autor do processo postulou que havia sido objecto de discriminação injusta devido à sua
deficiência, em função do facto que a South African Airways lhe tinha negado emprego como tripulante de bordo
por causa do seu estado seropositivo. O Tribunal constatou que a discriminação era injusta. Porem, não explicou
13
Botsuana e Lesoto. 14
Lei n. °38 de 2005. Esta lei ainda não foi implementada na sua íntegra. 15
Bragdon v Abbott (1998) 524 US 624 e Quebec (Commission des droits de la personne et des droits de la jeunesse) v Montreal (City) 2000 SCC 27. 16
Secção 9, Constituição da Republica da África do Sul (1996). 17
CCT 17/00
25
qual fora o factor determinante que conduziu ao pronunciamento de discriminação injusta - a deficiência ou a
seropositividade do autor. 18
Na legislação mauriciana, a Lei de Medidas Preventivas para o VIH/Sida (2006) exclui expressamente o VIH da
acepção da palavra "deficiência":
“Qualquer pessoa portadora de VIH ou Sida não é considerada como deficiente ou incapacitada nos termos da
presente lei”19
Políticas e planos nacionais em matéria do VIH e SIDA: No Malaui, Namíbia, Suazilândia e Zâmbia, os
princípios dos direitos humanos são consagrados nas políticas nacionais ao invés de na legislação
(apesar de no Malaui o Parlamento pretender adoptar durante 2009 um projecto de lei que consagra os
direitos humanos). Todos os países da SADC que participaram no estudo20 já definiram planos nacionais
de resposta ao VIH. Quase 80% fazem referência aos direitos humanos no seu plano nacional. Apenas
dois países21 não fazem qualquer alusão aos direitos humanos no plano nacional.
Tabela 5: Existência de plano nacional que reconhece os direitos humanos
PAÍS PLANO NACIONAL INCLUI DIREITOS HUMANOS
Angola Plano Estratégico Nacional do
VIH/Sida 2007 – 2010
Não
Botsuana Quadro Estratégico Nacional para
o VIH/Sida 2003 – 2009
Sim. Enfoque especial sobre o
melhoramento do ambiente
ético e legal.
RDC Quadro Estratégico Nacional para
o VIH/SIDA 1999 – 2008
Sim
Lesoto Plano Estratégico Nacional do
VIH/Sida 2006 – 2011
Sim
Madagáscar Nenhumas informações Nenhumas informações
Malaui Quadro de Acções para o Sim, o respeito pelos direitos
humanos é um dos princípios
18
Ibid. 19
Secção 3, Lei de Medidas Preventivas do VIH e Sida (2006). 20
Não se conseguiram informações do Madagáscar. 21
Angola e Suazilândia.
26
VIH/SIDA 2005 – 2009 orientadores.
Maurícias Quadro Estratégico Nacional
2007 – 2011
Sim. Ênfase sobre a luta contra o
estigma e a discriminação.
Moçambique Plano Estratégico Nacional (PEN
II) 2005 – 2009
Sim. Referência à protecção dos
direitos das PVVS.
Namíbia Plano de Médio Prazo III Sim. Enfoque sobre a redução do
estigma e da discriminação.
África do Sul Plano Estratégico Nacional 2007 –
2011
Sim. Os direitos humanos e o acesso
à justiça são áreas prioritárias do
plano.
Suazilândia Plano Estratégico Nacional 2006 –
2008
Nenhuma referência, mas há
menção dos direitos humanos
noutras políticas nacionais.
Tanzânia Quadro Multi-sectorial Nacional
para o VIH/Sida 2008 – 2010
Sim. Enfoque sobre as populações
em risco.
Zâmbia Quadro Estratégico Nacional para
o VIH/Sida 2006 – 2010
Sim.
Zimbabué Plano Estratégico Nacional do
Zimbabué para o VIH/SIDA 2006 –
2010
Sim. Enfoque recai sobre grupos
vulneráveis específicos, mulheres,
crianças e trabalhadores do sexo.
A inclusão dos direitos humanos nos planos e políticas nacionais não é considerada uma abordagem
apropriada, visto que os planos e políticas não criam obrigações legais, nem oferecem recurso adequado
na eventualidade de os direitos humanos serem violados. É encorajador constatar que Moçambique e
Tanzânia prescindiram dos quadros políticos e adoptaram quadros jurídicos nos últimos dois anos.
No Botsuana, não existe legislação que proíbe a imposição do teste ao VIH a candidatos a emprego, apesar de o
Código de Ética Nacional sobre o VIH/Sida e o Trabalho desencorajar a prática de submeter forçosamente os
candidatos a emprego ao teste ao VIH. 22
No litígio entre o Botswana Building Society (BBS) e um empregado
contratado como segurança, a quem fora exigido o teste de VIH, e que fora despedido quando os resultados do
teste revelaram que ele era seropositivo, resultados esses que foram apensos à carta de despedimento23
, o
22
Op cit nota 45. 23
www.bonela.org, extraído a 1 de Outubro de 2006.
27
Tribunal de Recurso decretou que a imposição do teste ao VIH a candidatos a emprego não era ilegal no Botswana,
visto que a Política Nacional ainda nunca fora "transposta na lei e por conseguinte não detém força estatutária". 24
Porém, num processo mais recente, o Tribunal Industrial decretou que um empregador havia agido injustamente
quando despedira um empregado que revelou voluntariamente o seu estado seropositivo. Ao empregado foi
concedida uma indemnização no valor correspondente a seis meses de salário. Resta saber se o Tribunal de
Recurso confirmará a decisão do Tribunal Industrial, e se os processos futuros concederão protecção semelhante
aos candidatos a emprego, na ausência de leis que proíbem expressamente a imposição do teste ao VIH como pré-
condição de emprego. 25
Conclusões
Há que reformar as leis de modo a poder responder adequadamente à epidemia do VIH;
A adopção de legislação sobre o VIH/Sida para a saúde pública parece constituir uma estratégia legislativa efectiva e célere para assegurar a protecção geral das PVVS;
A integração de disposições sobre o VIH em diversas leis constitui ainda uma estratégia legislativa efectiva, reflectindo o empenho para com o multi-sectorialismo, mas pode também vir a alentar o processo de reforma legislativa.
Se os princípios dos direitos humanos não estiverem consagrados na lei, oferecem pouca protecção.
Recomendações:
Advogar para que todos os países da SADC adoptem programas de reforma jurídica, assentes sobre os resultados de um levantamento legislativo, que deve analisar:
o as actuais leis; o a maneira como estas estão a ser aplicadas; o o impacto das mesmas sobre a resposta nacional ao VIH e sida (mais especificamente, sobre
o acesso aos e aproveitamento dos serviços e produtos de apoio ao VIH por parte das mulheres, PVVS e populações em risco); e
o a necessidade de reformar as leis.
Advogar para que a Suazilândia, a Zâmbia, o Botsuana e o Lesoto desenvolvam legislação em matéria do VIH e sida que envolva todos os sectores importantes e atenda a um leque de assuntos relacionados.
Tabela 6: Comparações das constatações dos relatórios de 2006 e 2009
24
Comunicado de imprensa da BONELA, 10 de Fevereiro de 2004. www.bonela.org, extraído a 9 de Novembro de 2006. 25
Comunicado de imprensa da BONELA, 8 de Agosto de 2008. www.bonela.org, extraído a 11 de Março de 2009.
28
Conclusões O relatório de 2006 reconhece que
algum progresso fora registado
relativamente à criação de leis e
políticas destinadas a dar resposta ao
VIH/Sida.
O relatório de 2009 reconhece
a reforma das leis relativas ao
VIH que fora realizada nos 14
Estados Membros da SADC.
Mais quatro países adoptaram
leis de saúde pública
consagradas ao VIH/Sida desde
a publicação do último
relatório26
e as referidas leis
atendem a uma gama de
assuntos.27
Recomendações: Leis relativas
ao VIH e SIDA
O relatório de 2006 recomenda que
os Estados Membros da SADC
adoptem um modelo integrado para
a reforma da lei.
O relatório recomenda a
reforma contínua das leis nos
Estados Membros da SADC em
função dos resultados dos
levantamentos realizados. Não
recomenda um modelo de
reforma jurídica específico.
Recomendações: Leis de
Deficiência
O relatório de 2006 recomendou que
se levasse a cabo um estudo para
identificar as razões pelas quais as
leis de deficiência não estavam a ser
utilizadas como modelo para a
reforma jurídica na Região da SADC.
Em função do facto que as leis
de deficiência não constituem
o modelo de reforma jurídica
preferido, esta opção foi
descartada.
2.3.2 Reforma das leis penais
Normas internacionais e regionais
A Directriz 4 requer que os Estados passem os seus códigos penais em revista e os reformem de modo a
assegurar que os mesmos não sejam incorrectamente utilizados no contexto do VIH/Sida e que não
penalizem os grupos vulneráveis.
26
Os países são RDC, Maurícias, Moçambique e Tanzânia. 27
Vide, por exemplo, a legislação de Moçambique e Tanzânia.
29
É encorajador constatar que a versão final da lei modelo da SADC não contém disposições que
penalizam a transmissão do VIH, em larga medida devido ao forte lóbi que foi promovido pela ARASA e
outras organizações não-governamentais (ONGs) na Região.
Discussão das constatações:
Numa análise da legislação que existia nos 14 países da SADC em Janeiro de 2009, constatou-se que
tinham havido reformas adicionais no domínio do direito penal. Mais de 40% dos Estados Membros da
SADC possuem actualmente legislação consagrada à penalização de um novo delito que é o do
comportamento maldoso de pessoas seropositivas. Seis países já introduziram legislação que exige dos
tribunais a imposição de penas mais severas aos autores da violação sexual seropositivos28 e dois já
introduziram legislação que impõe a testagem ao VIH a todos os autores de infracções de índole
sexual.29 Além disso, em mais quatro países a lei concede aos tribunais o direito de impor a testagem ao
VIH a determinados infractores, em circunstâncias específicas.30
Tabela 7: O direito penal como resposta ao VIH nos países da SADC
PAÍS NENHUMA
PENALIZAÇÃO DE
ACTOS
ASSOCIADOS AO
VIH
PENALIZAÇÃO DE
ACTOS
ASSOCIADOS AO
VIH
PENAS MAIS
SEVERAS PARA
INFRACTORES
SEROPOSITIVOS
TESTAGEM AO VIH
OBRIGATÓRIA PARA
AUTORES DE
INFRACÇÕES SEXUAIS
Angola X Nenhumas
informações
O juiz pode impor o
teste ao VIH
Botsuana X X X
RDC X X
Lesoto X X X
Madagáscar X Nenhumas
informações
Malaui X Projecto de lei
submetido ao
Parlamento
28
Nenhumas informações foram recebidas de Angola, Madagáscar e Zâmbia. 29
Nenhumas informações recebidas da Zâmbia sobre o sistema penal e a testagem ao VIH. 30
Os países são Angola, Moçambique e África do Sul.
30
Maurícias X
Moçambique X O juiz pode impor o
teste ao VIH
Namíbia X Apelos para nova
legislação
X
África do Sul X Apelos para nova
legislação
X O juiz pode impor o
teste ao VIH
Suazilândia X
Tanzânia X O juiz pode impor o
teste ao VIH
Zâmbia X Apelos para nova
legislação
Nenhumas
informações
Nenhumas
informações
Zimbabué X X
Crime específico ao VIH: Desde o último relatório, nova legislação que penaliza a transmissão
intencional/ deliberada do VIH foi adoptada na RDC, Moçambique e Tanzânia. Também têm surgido
apelos no mesmo sentido no Malaui, África do Sul, Namíbia e Zâmbia.
As razões subjacentes a este tipo de resposta são desconhecidas, visto que:
Todos os países da SADC possuem disposições no Common Law ou no código penal que podem ser aplicadas para processar pessoas que deliberadamente infectam outras com VIH;
A lei modelo do FP SADC não inclui infracções penais; e
Durante os últimos 12 meses surgiu uma intensificação na advocacia de uma resposta à transmissão intencional do VIH que assente nos direitos humanos e não recorra à aplicação do direito penal. Iniciativas como ‘10 razões porque a penalização da exposição ou transmissão do VIH é uma política pública inadequada" promovidas pela ARASA e a Iniciativa da Sociedade Aberta utilizam argumentos convincentes derivados dos domínios dos direitos humanos e da saúde pública para demonstrar a futilidade de adoptar respostas ao VIH que recorrem ao direito penal.31
10 Razões porque a penalização da exposição ou transmissão do VIH é uma política pública
inadequada
1. A aplicação do direito penal em relação à transmissão do ou exposição ao VIH não ajuda a reduzir
31
http://health.osf.lt/downloads/news/001_10%20Reasons_Criminalization_draft%20for%20discussion.doc, extraído a 28 de Janeiro de 2009.
31
a proliferação do vírus. 2. A aplicação do direito penal a comportamentos arriscados ligados ao VIH pode minar os esforços
de prevenção, e ainda desencorajar as pessoas de aceder o teste ao VIH. 3. A aplicação do direito penal em relação à transmissão do VIH promove o medo e o estigma. 4. Em vez de providenciar justiça às mulheres, a aplicação do direito penal à transmissão do VIH
coloca-as ainda mais em situações de perigo e opressão. 5. As leis de penalização da transmissão do VIH são demasiadamente genéricas e frequentemente
punem comportamentos não culposos. 6. Independentemente de como forem formuladas, as leis que penalizam a transmissão do VIH são
frequentemente aplicadas de forma injusta, parcial e ineficaz. 7. Existem melhores maneiras de punir comportamentos que são verdadeiramente culposos. 8. As leis de penalização da transmissão do VIH desviam o enfoque dos verdadeiros desafios que
estão largamente relacionados com a prevenção. 9. Em vez de introduzir leis de penalização da transmissão do VIH, os projectistas de lei devem
reformar as leis que impedem a prevenção e tratamento do VIH. 10. Respostas ao VIH devem assentar sobre os direitos humanos, incluindo os direitos sexuais.
O relatório de 2006 postulou que as entidades legisladoras talvez tenham penalizado actos associados
ao VIH de modo a confirmar ou esclarecer a posição jurídica existente (como no caso de Moçambique,
onde a nova lei estabelece uma defesa que limita o âmbito da responsabilidade penal), ou como
resultado de pressão política.
O Artigo 52 da Lei sobre a Defesa dos Direitos e a Luta contra a Estigmatização e Discriminação das Pessoas que
vivem com o VIH e Sida (2008) de Moçambique estabelece que:
(i) Qualquer pessoal que, conhecendo o seu estado seropositivo, transmite o VIH a outra pessoa, será sujeita a um
termo de prisão de entre dois e oito anos.
(2) Não é considerada transmissão voluntária quando a pessoa seropositiva não violou o direito aos cuidados, e
quando não existe risco significativo de infecção.”
Existem diversos exemplos na região da SADC de leis penais que foram inadequadamente elaboradas no
que respeita os novos delitos ligados ao VIH. Em muitos casos a terminologia é equívoca e a amplitude
das disposições deixa muito a desejar no que tange a protecção dos direitos das PVVS. Em três países da
SADC a lei penal é tão genérica que até inclui uma vasta gama de actos negligentes.
Na lei Angolana n.º 8/04 a transmissão intencional do VIH é considerada um crime e é passível de pena
nos termos da Secção 353 do Código Penal. Além disso, uma pessoa que, por negligência, falta de
consideração ou falta de observância dos regulamentos, infecta outra pessoa, pode também ser punida
32
nos termos da Secção 368 do Código Penal.
O Artigo 53 da Lei sobre a Defesa dos Direitos e a Luta contra a Estigmatização e Discriminação das
Pessoas que vivem com o VIH e Sida (2008) de Moçambique estabelece que:
“Qualquer pessoa que seja ou não trabalhador de saúde, e que transmita voluntariamente o VIH a um
grupo de indivíduos, por outras vias que não a transmissão sexual, será sujeita a uma pena de prisão
máxima de entre oito e doze anos.”
Penas impostas aos autores de infracções sexuais seropositivos: Vários países da SADC possuem disposições sobre as penas mínimas que devem ser impostas aos autores de infracções sexuais seropositivos. Tabela 8: Estado seropositivo como factor agravante para a determinação da pena imposta ao autor de crimes sexuais PAÍS PENA (IGNORANTE DO ESTADO
SEROLÓGICO) PENA (CONHECEDOR DO ESTADO SEROLÓGICO)
Botsuana 15 anos
Pena de prisão perpétua com castigos corporais
RDC Não se aplica Pena de prisão perpétua
Lesoto 10 anos (primeira infracção) Pena de prisão perpétua (infracção repetida)
Pena de morte
Namíbia Não se aplica 15 anos (primeira infracção) 45 anos (infracção repetida)
África do Sul Não se aplica Pena de prisão perpétua
Zimbabué Não se aplica 20 anos
No litígio entre Nyalungu vs Estado na África do Sul, o arguido concedeu durante o interrogatório que conhecia o
seu estado seropositivo quando cometera a infracção sexual. O tribunal recorreu às leis de sentenciamento para
casos relativos ao VIH para lhe impor a pena de prisão perpétua.32
.
É preocupante a nova tendência de certos países de adoptarem penas mais severas mesmo para casos onde o autor do crime sexual desconhece o seu estado serológico, bem como a de exigir em processos penais comprovativos que normalmente só são exigidos nos processos civis que envolvem a questão da seroprevalência. Estas tendências são problemáticas porque no direito civil o ónus da prova normalmente recai sobre “um balanço das probabilidades” enquanto que no direito penal, o ónus da prova requer que a culpabilidade seja estabelecida
32
2005 JOL 13254 (T).
33
“para além de qualquer dúvida razoável”. A norma no direito civil simplesmente requer que o promotor público demonstre que havia maior probabilidade de o arguido conhecer o seu estado seropositivo do que não.
O Decreto de 1998 que emenda o Código Penal do Botsuana estabelece na Secção 142(4)(b) que:
“deve comprovar-se através do balanço de probabilidades que o arguido estava ciente do seu estado
seropositivo”.
No Botsuana, em vários litígios o tribunal decretou que as disposições da lei sobre as sentenças aplicáveis aos processos que envolvem o VIH são válidas em termos constitucionais, mas também tem envidado esforços para esclarecer as obrigações do Estado no sentido de comprovar que o arguido era seropositivo quando cometeu o crime. Os tribunais têm-se recusado a aceitar os resultados positivos do teste ao VIH como comprovativo de que o arguido era seropositivo aquando da comissão do crime. No litígio de Qam Nqubi v o Estado
33, o Tribunal decretou que o estado seropositivo do arguido não podia ser
considerado um factor agravante. Não existiam comprovativos de que o arguido era seropositivo quando cometeu a violação sexual, e tais comprovativos eram necessários para a imposição da pena agravada de 15 anos de prisão. No litígio de Makuto v o Estado
34 o Tribunal decretou que a imposição de penas agravadas a autores de infracções
sexuais apenas seria constitucional se o Estado fosse obrigado a demonstrar que o infractor era seropositivo quando cometeu a violação sexual. Porém o Tribunal finalmente decretou que o autor do crime não precisava de conhecer o seu estado seropositivo na altura da violação sexual para que as disposições relativas às penas agravadas fossem aplicáveis.
35
Imposição do testo ao VIH a autores de infracções sexuais: O Botsuana e o Lesoto adoptaram legislação
que obriga qualquer autor de um crime sexual a ser submetido ao teste ao VIH. No Botsuana o teste é
feito após a condenação do arguido36 enquanto no Lesoto a Lei de Infracções Sexuais requer que o
arguido seja submetido ao teste ao VIH dentro de um semana de ser acusado. Os resultados do teste
são divulgados ao arguido e ao/à autor/a do processo, e são revistos pelo tribunal após a condenação do
arguido aquando do pronunciamento da pena.37 Em ambos países os condenados estão sujeitos a penas
mais graves se forem seropositivos, mesmo se afirmarem que desconheciam o seu estado serológico
aquando da comissão do crime.
33
Recurso Penal 49/2000. 34
[2000] 2 BLR 130 (CA). 35
Ibid nos parágrafos 18 e 19. 36
Secção 142 do Código Penal (Revisto) Lei n. 5 de 1998. 37
Secção 30, Lei n.º 3 of 2003.
34
Esta abordagem parece ser inapropriada visto que os resultados do teste ao VIH não permitem
confirmar:
Se o infractor conhecia o seu estado seropositivo na altura que cometeu a infracção sexual; e
Se o infractor pretendia expor o/a autor/a do processo ao VIH e se pretendia infectá-lo/a. Por conseguinte, esta abordagem implica que os infractores recebem penas mais graves simplesmente
por serem seropositivos.
Em Angola, Moçambique, África do Sul e Tanzânia, não existe lei que exija o teste ao VIH a todos os
autores de crimes sexuais. Todavia, o juiz pode, em determinados casos, instruir o arguido a submeter-
se ao teste ao VIH. Esta abordagem tende a ser mais razoável, visto que permite ao tribunal considerar
todos os factos que lhe são apresentados e insistir sobre o teste do arguido nas circunstâncias
apropriadas. Na África do Sul, a Lei das Infracções Sexuais impõe limites rigorosos relativamente a
quando o tribunal pode insistir sobre a testagem do arguido e a divulgação dos resultados ao mesmo e à
sobrevivente. Um requerimento de teste apenas pode ser aceite se existir a possibilidade de a
sobrevivente ter sido exposta ao VIH e se o requerimento for feito dentro de 90 dias da data da alegada
infracção. Contudo, em Angola, Moçambique e Tanzânia a legislação não oferece pormenores sobre as
circunstâncias nas quais o tribunal pode instruir o arguido a ser submetido ao teste ao VIH, permitindo
assim que a disposição seja manipulada para fins errados.
Em Angola a Lei 8/04 proíbe a testagem ao VIH obrigatória, mas permite-a nos termos da lei processual
penal, se for autorizada por uma autoridade jurídica competente.
O Artigo 40 da Lei sobre a Defesa dos Direitos e a Luta contra a Estigmatização e Discriminação das
Pessoas que vivem com o VIH e Sida (2008) de Moçambique estipula que:
“(2) Dependendo nas circunstâncias do caso, o juiz ou promotor público pode, ex officio, instruir que o
infractor seja submetido pós-exposição ao teste ao VIH”.
Na África do Sul a Lei que emenda a Lei Penal (Infracções Sexuais e Assuntos Relacionados) estabelece na
Secção 33 que:
“(1)(a) Dentro de 60 dias da comissão duma infracção sexual qualquer vítima, ou parte interessada em
nome da vítima, pode solicitar ao magistrado, segundo a forma prescrita, que ele instrua que:
(i) o arguido se submeta ao teste ao VIH e que os resultados do teste sejam informados à vítima ou
à parte interessada, conforme seja o caso, e ao arguido; ou
(ii) os resultados do teste ao VIH, obtidos por agente de polícia em conformidade com uma
instrução nos termos da Secção 37, sejam divulgados à vítima ou à parte interessada, conforme
35
seja o caso.”
A Secção 37 da Lei descreve a finalidade da testagem obrigatória da seguinte forma:
“Os resultados do teste ao VIH apenas podem ser utilizados nas seguintes circunstâncias:
(a)Para informar a vítima ou parte interessada se o arguido é seropositivo, de modo a permitir—
(i) a tomada de decisões pessoais informada por parte da vítima; ou
(ii) que sejam utilizados os resultados do teste no processo civil que será instaurado em sequência da
infracção sexual; ou
(b) permitir que o oficial de investigação recolha as informações necessárias para comprovar o caso em
tribunal.”
Na Tanzânia a Lei de Prevenção e Controlo do VIH e Sida, Lei n.º 28 de 2008 estabelece na Secção 15(4)(a)
que o tribunal pode instruir um arguido a se submeter ao teste ao VIH.
Conclusões
Apesar das recomendações das Directrizes Internacionais relativas ao VIH/Sida e os Direitos Humanos associados, os países continuam a desenvolver um leque de disposições penais para responder ao VIH e sida. Aproximadamente 50% dos países da SADC já adoptaram legislação que cria infracções específicas para a transmissão intencional do VIH, e estabelece penas mais graves para os autores de crimes sexuais que forem seropositivos na altura em que cometerem a infracção sexual, e estabelece ainda a testagem ao VIH obrigatória para os arguidos dos crimes sexuais;
Muitas das novas leis penais estão mal redigidas e em linguagem equívoca, reduzindo as exigências de prova e alargando a responsabilidade criminosa de maneira inaceitável em termos jurídicos;
Existem indicações no Botsuana que os tribunais optaram por reduzir o âmbito das disposições da lei penal onde fosse apropriado. Têm porém insistido que a testagem ao VIH obrigatória dos autores de infracções sexuais é constitucional.
Recomendações
Advogar o recurso à lei da saúde pública para combater o comportamento malicioso que tem por objectivo transmitir o VIH, em vez de à lei penal.
Nos países onde novas leis penais foram recentemente adoptadas, advogar a sua revogação.
Alternativamente, advogar medidas destinadas a garantir o uso correcto da lei, ou seja, advogar o desenvolvimento de directrizes processuais para a aplicação da lei penal aos casos relacionados com o VIH, de modo a promover o uso apropriado da lei e evitar o uso selectivo das leis penais quando se tratar de grupos marginalizados.
36
Advogar a revogação de leis que requerem que todos os autores de infracções sexuais sejam submetidos ao teste ao VIH. Advogar ainda a reforma das leis, de modo a assegurar que o teste apenas seja obrigatório quando decretado por um tribunal, de forma a proteger os direitos de todas as partes e a garantir o acesso à profilaxia pós-exposição às sobreviventes da infracção sexual e assegurar que elas tomem decisões salutares em relação à sua saúde.
Levar a cabo pesquisa em matéria da aplicação das leis penais para o processamento de casos que envolvem o VIH/Sida nos Estados Membros da SADC, com a finalidade de entender a intenção das entidades legisladoras por detrás da criação de novas leis, a extensão da sua aplicação, a aplicação das leis na prática, até que ponto alcançam os objectivos e a atitude judicial perante as mesmas.
Tabela 9: Comparação dos dados recolhidos em 2006 e 2009
Conclusões O relatório de 2006 constatou que
muitos países da SADC haviam
adoptado leis penais para responder
ao VIH/Sida.
O relatório de 2009 reconhece
que continua a existir na
Região a tendência de
desenvolver leis penais como
resposta ao VIH, e uma
tendência preocupante no
sentido de ampliar o âmbito
das leis. Mais três países
criaram delitos específicos para
o VIH, dois países adoptaram a
testagem ao VIH obrigatória
para todos os autores de
infracções sexuais, e a RDC
acaba de adoptar legislação
que estabelece que a infracção
sexual por pessoa seropositiva
é passível de penas mais
graves.
Recomendações: Dissuasão do
uso de leis penais
O relatório de 2006 recomendou que
se advogasse o uso da lei de saúde
pública em vez da lei penal para fazer
face ao comportamento malicioso de
transmissão intencional do VIH, e à
testagem ao VIH obrigatório e
inapropriada dos autores das
infracções sexuais.
O relatório de 2009 reconhece
a necessidade de advocacia
contínua. Contudo, em função
da tendência contínua de
recorrer à lei penal e
considerando que as leis são
recentes, o relatório
recomenda a revogação das
mesmas ou alternativamente a
elaboração de directrizes sobre
a sua aplicação. No caso de leis
que estabelecem a testagem
ao VIH obrigatória para os
37
autores de infracções sexuais,
o relatório advoga a
necessidade de a testagem ser
sujeita à autorização prévia
dum juiz, bem como a
necessidade de velar para que
a testagem do autor do crime
sirva um propósito legítimo,
por exemplo para assegurar o
acesso da vítima à profilaxia
pós-exposição. Finalmente, o
relatório recomenda que seja
feito uma pesquisa em
material dos antecedentes, uso
e eficácia destas leis, com vista
a informar futuras campanhas
de advocacia.
Recomendações: Desenvolver
Directrizes Processuais
O relatório de 2006 recomendou o
desenvolvimento de directrizes
processuais a fim de garantir o uso
apropriado das leis que exigem a
testagem ao VIH ao autor das
infracções sexuais.
O relatório de 2009 confirma
esta recomendação, em função
da tendência prevalecente de
adoptar novas leis penais como
resposta ao VIH.
2.3.3 Reforma das medidas anti-discriminação
Normas internacionais e regionais
A Directriz 5 requer que os Estados adoptem ou reforcem leis anti-discriminação com vista a proteger as
pessoas afectadas e infectadas pelo VIH. Para o efeito, recomenda-se aos governos no comentário feito
sobre a implementação da Directriz 5, que desenvolvam ou passem em revista as leis anti-discriminação
gerais de modo a proteger as PVVS.38
Na Declaração de Abuja sobre o VIH/SIDA (2001) os países Africanos obrigam-se a empreender acções
prioritárias destinadas a combater o VIH, SIDA, TB e outras doenças infecciosas. A Declaração prioriza os
38
VIH/SIDA and Human Rights: International Guidelines (1996). UNOSIDA www.unaids, extraído a 2 de Fevereiro de 2009.
38
direitos humanos, e reconhece que “o estigma, silêncio, negação e discriminação contra as pessoas que
vivem com o VIH/Sida exacerbam o impacto da epidemia.”39
A lei modelo do PF SADC estabelece na Secção 17(2) que é proibida qualquer discriminação directa ou
indirecta contra pessoas infectadas ou afectadas pelo VIH, baseada no estado seropositivo suposto ou
confirmado das mesmas.
Discussão das constatações do estudo
Uma revisão da legislação e das políticas existentes nos 14 Estados Membros da SADC realizada em
Janeiro de 200940 revela que todos os países possuem ou uma lei ou uma política nacional que proíbe a
discriminação injusta contra as PVVS. Em 50 % dos Estados a protecção contra a discriminação das PVVS
está consagrada na lei. Seis países da SADC possuem leis anti-discriminação consagradas ao VIH/Sida,
enquanto um país protege as PVVS contra a discriminação através da invocação da lei da igualdade. Os
restantes países protegem as PVVS contra a discriminação através das disposições contidas nas políticas
nacionais, na ausência de legislação para o efeito.
Tabela 10: Leis de igualdade que proíbem a discriminação injusta baseada no estado serológico do VIH
Lei específica ao VIH Lei de igualdade abrangente Política apenas
Angola África do Sul Botsuana
RDC Lesoto
Madagáscar Malaui
Maurícias Namíbia
Moçambique Suazilândia
Tanzânia Zâmbia
Zimbabué
No domínio do VIH/SIDA e o trabalho, os países da SADC adoptaram um leque de leis e políticas
abrangente com vista a gerir o VIH/Sida e os direitos humanos no local de trabalho. Catorze países já
39
www.un.org , acedido a 7 de Setembro de 2006. 40
Angola, Botsuana, RDC, Madagáscar, Malaui, Maurícias, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué.
39
aplicaram medidas no sentido de proteger os direitos dos trabalhadores seropositivos e todos salvo um
fizeram-no através da adopção de leis. Apenas o Malaui não possui uma lei para o efeito – existe um
código de ética sobre o VIH/Sida para o local de trabalho.
Tabela 11: Melhores práticas relativas às leis e códigos do Trabalho
PAÍS LEI/CÓDIGO QUE REGULA O VIH/SIDA E O TRABALHO
Angola A Lei sobre o VIH e Sida de 2004 proíbe a discriminação injusta no local de trabalho. Os
empregadores têm a responsabilidade de sensibilizar e educar os trabalhadores em
matéria do VIH/Sida. A violação destas disposições por parte do empregador é passível
de multa, 50% da qual é paga ao Programa Nacional de luta contra a sida. Mais
pormenores estão contidos no Decreto n.º 43/03 (Julho de 2003), nos Regulamentos
relativos ao VIH/SIDA no Trabalho e à Formação Profissionalizante.
Botsuana
A Lei da Função Pública (2008) (ainda não entrou em vigor) proíbe a discriminação injusta com base no estado de saúde. A Secção 7(e) salienta que “Na tomada de decisões relativas à contratação de trabalhadores, ou a outros assuntos relacionados com a gestão dos recursos humanos, todas as autoridades de contratação e responsáveis pela supervisão são proibidos a discriminar contra qualquer trabalhador por razão de género, raça, tribo, naturalidade, nacionalidade, origem social, cor, crença, opinião política, estado civil, estado de saúde, deficiência, gravidez ou qualquer outro motivo...” A disposição aplica-se apenas aos funcionários públicos.
A Direcção de Gestão da Função Pública também publicou o Código de Ética da Função
Publica em matéria do VIH/SIDA e o local de trabalho (2001). Este código:
Estabelece os direitos e as responsabilidades dos trabalhadores e empregadores;
Obriga a direcção a criar um ambiente livre de discriminação.
No Botsuana, o Código de Ética em matéria do VIH/Sida e o Trabalho estabelece as
normas a serem aplicadas para a concretização duma resposta apropriada ao VIH no
local de emprego. Também desencoraja a realização dos testes ao VIH pré-emprego.
RDC O Artigo 20 da Lei sobre o VIH/Sida 08/011 proíbe qualquer tipo de discriminação ou
estigmatização no local de emprego ou durante cursos técnico-profissionais contra
uma pessoa em função do seu estado serológico do VIH verdadeiro ou presumido, ou
do dos seus familiares. O artigo 21 estabelece que o estado serológico verdadeiro ou
presumido de alguém não constitui uma razão válida para a recusa de emprego,
promoção ou regalias. Nos termos do Artigo 22, o teste ao VIH obrigatório é proibido
durante a fase pré-emprego ou durante exames médicos levados a cabo para fins
profissionais. Além do mais, o Artigo 26 estabelece que os empregadores e outros que
têm acesso aos dados pessoais dos trabalhadores são obrigados a manter confidencial
o estado serológico dos trabalhadores.
Lesoto O sector público tem uma Política do Trabalho relativa ao VIH/Sida na Função Publica.
Esta política proíbe a discriminação injusta e os testes do VIH obrigatórios.
40
O Código do Trabalho (Revisto), Decreto n.º 5 de 2006, proíbe o teste ao VIH pré-
emprego e durante o emprego, garante a confidencialidade e a não revelação do
estado serológico, e proíbe a discriminação no local de trabalho. O Código do Trabalho
apenas se aplica a empregadores do sector privado e paraestatais, e não se aplica aos
funcionários públicos.
Madagáscar A Lei n.º 2005-040 proíbe a discriminação injusta no local de emprego (Secção III,
Capítulo IV, artigo 44-55). O artigo 44 estabelece que a discriminação contra as pessoas
seropositivas no local de trabalho é proibida, e o artigo 45 obriga o empregador a
aplicar medidas para prevenir a exposição ao VIH no local de trabalho. Nos termos do
artigo 47 não é permitido exigir o teste ao VIH a futuros empregados e nos termos do
artigo 46 o estado seropositivo não pode ser utilizado como motivo para recusar
emprego a alguém.
Malaui O Código de Ética sobre o VIH/SIDA e o Local de Trabalho serve de directriz para
empregadores, sindicatos e empregados.
Maurícias A Lei sobre Medidas Preventivas do VIH (2006) proíbe que o teste ao VIH seja utilizado
como condicionalismo ao emprego. A testagem ao VIH também não pode servir de
condicionalismo à formação em exercício e à promoção.
Moçambique A Lei n.º 5/2002 protege os empregados contra a discriminação no local de emprego.
Não menciona especificamente o VIH, mas é suficientemente abrangente para incluir o
VIH.
A Lei sobre a Defesa dos Direitos Humanos e a Luta contra a Estigmatização e
Discriminação de pessoas que vivem com o VIH e Sida (2008) estabelece no artigo 41
que “O trabalhador ou candidato a emprego portador de VIH ou Sida é protegido
contra qualquer tipo de discriminação, nos termos da Lei do Trabalho”. O artigo 42
estabelece os seguintes direitos do trabalhador:
A não discriminação em relação a trabalho, formação, promoção e progressão na carreira profissional;
Oportunidades equitativas;
Direito a ausência de modo a receber tratamento médico em conformidade com a lei do trabalho em vigor.
Namíbia O Código Nacional sobre o VIH/SIDA e o Trabalho (2000) foi promulgado nos termos da
Secção 112 da Lei do Trabalho. O Código proíbe a testagem ao VIH como
condicionalismo ao emprego e a discriminação injusta.
Na nova Lei do Trabalho, promulgada em 2008, é expressamente proibida a
discriminação por motivo de VIH quer no que tange o acesso a emprego como em
41
relação a empregados existentes.
África do Sul A discriminação injusta devido ao estado serológico de um empregado ou candidato a
um cargo é proibida nos termos da Secção 6 da Lei de Equidade no Emprego (1998). A
testagem ao VIH sem autorização de um Tribunal Laboral é expressamente proibida na
Secção 7 da Lei.
O Código de Ética relativo a Aspectos Fundamentais do VIH/SIDA e o Emprego é
complementar à Lei. O Código visa providenciar orientações sobre como criar um
ambiente não discriminatório e como gerir o impacto do VIH e Sida no local de
trabalho.
Suazilândia A Secção 29 da Lei do Trabalho (1980) estipula que os empregadores não têm o direito
de discriminar em relação a qualquer contracto de trabalho. O VIH não é mencionado
especificamente mas enquadra-se no termo “estado social”.
Tanzânia A Lei de Prevenção e Controlo do VIH e Sida (2008) estabelece na Secção 9 que todos
os empregadores têm de estabelecer e coordenar um programa sobre o VIH/Sida para
o local de trabalho. A Secção 15(1) estabelece que nenhum trabalhador será
compelido a se sujeitar ao teste ao VIH. A Secção 30(c) estabelece que é proibido
negar oportunidades de emprego a qualquer pessoa devido ao seu estado
seropositivo.
Zâmbia A Lei do Trabalho, no Capítulo 268, e a Lei das Relações Industriais, no Capítulo 269,
protege os trabalhadores contra práticas discriminatórias. Não fazem menção
específica do VIH.
Zimbabué A Lei de Relações Laborais, Parte II, protege os trabalhadores contra a discriminação.
Apesar de não mencionar especificamente o VIH, os regulamentos publicados ao
abrigo da Lei (Instrumento Estatutário 202 de 1998) proíbem a discriminação contra o
VIH e Sida no local de trabalho.
Leis anti-discriminação específicas ao VIH/Sida: Como se pode ver das leis mencionadas acima, existe
protecção legal contra a discriminação injusta em Angola, RDC, Madagáscar, Maurícias, Moçambique,
África do Sul e Tanzânia. Em todos os países mencionados, salvo na África do Sul, estas disposições
aparecem nas leis que estão consagradas à matéria do VIH.
Boas práticas: As leis anti-discriminação
42
Angola adoptou a Lei sobre o VIH e Sida que estabelece que as PVVS têm o direito à protecção contra a
discriminação. Também protege os soldados contra a testagem ao VIH pré-emprego. 41
Na RDC o Artigo 10 da Lei do VIH/Sida 08/11 protege as PVVS contra a estigmatização por parte dos serviços de
saúde privados e públicos.
Nas Maurícias, a Lei sobre Medidas Preventivas do VIH (2006) contém um número de disposições que proíbem a
testagem discriminatória. A Secção 6 estabelece que:
“Nenhuma pessoa pode induzir ou causar outra pessoa a se submeter ao teste ao VIH como condicionalismo ao
emprego ou à continuação de emprego”.
A África do Sul adoptou a Lei de Promoção da Igualdade e da Prevenção de Discriminação (2000). Esta lei proíbe a
discriminação injusta.42
A Secção 1 da lei define a discriminação injusta como “um acto que impõe a outrem um
fardo ou lhe nega uma oportunidade”. Por exemplo, a Lei estabelece que qualquer acto destinado a impedir que
uma mulher venha a herdar propriedade é discriminação injusta, visto que tal acto coloca um fardo social e
económico sobre ela. Apesar de a Lei não fazer menção específica do VIH como uma das causas da discriminação
injusta e por conseguinte proibida, as disposições são suficientemente abrangentes para incluir este tipo de
discriminação.
Enquanto a adopção de leis anti-discriminação consagradas ao VIH/Sida constitui um sinal de grande
progresso, alguns constrangimentos têm vindo a ser identificados em relação a esta abordagem, a
saber:
As ONGs informam de que apesar de existirem indícios de uma redução na discriminação, a mesma permanece um problema para as PVVS. Por exemplo, as ONGs no Lesoto afirmam que a discriminação se tornou mais insidiosa – do momento que os empregadores tomam conhecimento do estado seropositivo dum trabalhador, tentam encontrar outros motivos para discriminar contra ele.43
As leis anti-discriminação consagradas ao VIH/Sida tendem a incidir apenas sobre a discriminação baseada no estado seropositivo verdadeiro ou presumido, pelo que frequentemente não reconhecem que as pessoas susceptíveis ao VIH também podem vir a ser marginalizadas por outras razões (por exemplo, por praticarem relações sexuais com pessoas do mesmo género). Sem leis da igualdade mais abrangentes as PVVS continuam a enfrentar a discriminação.
41
Artigo 5, op cit comentário 21. 42
Secção 6, Lei n.°4 de 2000. 43
Comunicação pessoal, Alfred Thotolo, Agência de Assistência e Desenvolvimento dos Adventistas do Sétimo Dia, 19 de novembro de 2008.
43
Muitas leis não são suficientemente abrangentes (por exemplo, as leis laborais que protegem os candidatos a emprego da testagem ao VIH obrigatória, não abarcam o pessoal das forças armadas) ou então são limitadas por ressalvas.
Nas Maurícias, a Lei sobre Medidas Preventivas do VIH (2006) constitui um bom exemplo de uma lei que não é
suficientemente abrangente. Não proíbe especificamente a discriminação injusta baseada no estado seropositivo.
Todavia, estabelece que o tratamento “injusto, parcial e menos preferencial” de alguém 44
ou o tratamento de
alguém com “ódio, desdém ou escárnio” devido ao seu estado seropositivo constitui uma infracção. Por
conseguinte, está proibido o uso do estado seropositivo das PVVS para fins discriminatórios. Todavia a aplicação
desta Secção é limitada em função da ressalva incluída na Secção 6(2) que estabelece que a disposição acima não
impede que o teste ao VIH seja exigido a pessoas que fazem requerimentos de imigração e cidadania, e em
situações associadas à defesa e à ordem pública.
Na Região, algumas das questões de discriminação duradouras e que ainda estão por resolver incluem a
testagem ao VIH e a exclusão de soldados seropositivos das forças armadas, a discriminação e
marginalização das pessoas envolvidas em relações sexuais com parceiros do mesmo género, a falta de
direitos legais das mulheres e o estatuto social inferior atribuído às mulheres em termos de legislação.
Protecção constitucional: Nos países onde não existem medidas contra a discriminação do VIH/Sida
abrangentes, qualquer reclamante terá de recorrer à constituição do país onde vive para obter alguma
forma de protecção. Apesar de nenhuma das constituições na região da SADC fazer alusão expressa ao
VIH, postula-se que na maioria dos casos a clausula que defende a igualdade seria suficiente para incluir
qualquer discriminação baseada no VIH.
Em Botsuana, o processo entre o Procurador-Geral e Dow45
estabeleceu os princípios orientadores em
relação a qualquer motivo de discriminação que não ficou expressamente mencionado na Constituição:
“Duvido que os autores da Constituição tencionassem declarar em 1966 que todos os potenciais grupos
ou classes vulneráveis que viriam a ser afectados pela discriminação no futuro estavam identificados e
mencionados na definição da Secção 15(3). Não creio que pretendiam declarar que as categorias
mencionadas naquela definição estavam para sempre encerradas. Dado a natureza das coisas, enquanto
pessoas previdentes que olhavam para o futuro, de certo que iriam ter considerado que com a passagem
do tempo não só os grupos e classes que expressaram preocupações aquando da redacção da
Constituição mas outros que adviriam no futuro precisariam de protecção. Por conseguinte as categorias
irão de certo alargar-se ou mutar-se. Nesse sentido, as classes ou grupos listados na definição servem, na
44
Secção 18(3). 45
[1992] BLR 119.
44
minha opinião, apenas para exemplificar aqueles que os autores consideraram ser possíveis alvos de
discriminação”46
.
Baseado neste excerto, o Tribunal decretou no processo de Makuta versus o Estado que uma deficiência
física como o VIH seria protegida ao abrigo da cláusula de igualdade.47
Políticas anti-discriminação ligadas ao VIH: Em Botsuana, Lesoto, Malaui, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia
e Zimbabué a discriminação injusta contra as PVVS é expressamente proibida, mas apenas em políticas.
A política nacional da Suazilândia estabelece que:
“ o estado seropositivo de alguém não será utilizado como motivo para lhe negar acesso a serviços incluindo os de
educação, saúde e emprego” 48
.
Não menciona mecanismos que permitam velar pela execução da política.
Lei laboral relativa ao VIH: Já existem leis laborais para a protecção das PVVS em todos os países da
SADC, salvo no Malaui. Todavia, em Botsuana, a lei apenas se aplica aos funcionários públicos e na
Suazilândia e na Zâmbia a lei não é consagrada ao VIH, apesar de se postular que é suficientemente
abrangente para poder proteger os trabalhadores seropositivos. Uma das principais preocupações
permanece a exclusão das forças armadas em todas as cláusulas de protecção, em todos os países salvo
Angola.
Em Botsuana, a BONELA tem vindo a utilizar uma gama de estratégias de advocacia com o intuito de
pressionar o governo a desenvolver leis laborais para a protecção das PVVS. Em 2007 coordenou uma
petição com 13 000 assinaturas que foi entregue ao Ministro do Trabalho e do Interior.49
Conclusões
46
Ibid. 47
Op cit comentário 28 no parágrafo 6. 48
Política Nacional Multi-sectorial sobre o VIH e Sida do Governo da Suazilândia (2006). 49
Relatório Anual da BONELA, 2007. www.bonela.org/publication/annual_reports.html , acedido a 2 de Fevereiro de 2009.
45
Progressos significativos têm sido conseguidos no sentido de garantir a protecção legal das PVVS nos
países da SADC, e 50% dos países já possuem leis que proíbem expressamente a discriminação baseada
no VIH e SIDA.
Nos países onde existe a protecção legal, esta é concedida através de disposições contidas em leis consagradas ao VIH. Porem, as leis de combate à discriminação com base no VIH e Sida são, por vezes, limitadas no seu âmbito e aplicação.
Todos os países já tomaram medidas no sentido de proteger os direitos dos trabalhadores com VIH ou Sida através de legislação, políticas ou códigos de ética.
Apesar da existência de leis consagradas ao VIH, a discriminação contras as PVVS continua. Por exemplo, a discriminação contra os soldados seropositivos permanece um problema nalguns países.
Além disso, na ausência de leis abrangentes que protejam os direitos de todos os grupos vulneráveis e marginalizados, a vulnerabilidade perante o VIH continuará.
Recomendações
Advogar a adopção de legislação anti-discriminação consagrada ao VIH nos restantes 7 Estados Membros da SADC.
Advogar o desenvolvimento de leis que confiram protecção e igualdade geral a todas as pessoas vulneráveis perante o VIH/Sida devido às suas características, por exemplo raça, género, orientação sexual, gravidez, estado civil, deficiência, religião, cultura, língua ou nascença. A nova legislação do VIH poderia ser revista, ou alternativamente, poderia ser desenvolvida nova legislação separada, em matéria de anti-discriminação e igualdade do género.
Advogar todos os Estados Membros da SADC a adoptarem leis laborais para a protecção dos trabalhadores, incluindo das forças armadas, contra a testagem ao VIH obrigatória e pré-emprego e a subsequente discriminação.
46
Tabela 12: Comparação das constatações de 2006 com as de 2009
Conclusões O relatório de 2006 constatou que
muito poucos países haviam
introduzido legislação específica para
proibir a discriminação injusta
baseada no VIH, e que a maioria dos
países respondia à questão através
de documentos políticos, apesar de
esta ser uma abordagem ineficaz. No
local de trabalho, haviam-se
registado muitos progressos, aos
quais se devia a redução na
discriminação.
O relatório de 2009 reconhece
o aumento na adopção de leis
anti-discriminação que
protegem as PVVS, em
Botsuana, RDC, Lesoto,
Maurícias, Moçambique e
Tanzânia.
Recomendações: Lei anti-
discriminação consagrada ao
VIH
O relatório de 2006 recomendava
que se advogasse a adopção de leis
anti-discriminação para o VIH em
todos os países da SADC.
O relatório de 2009 reconhece
a necessidade de advogar
continuamente a adopção de
leis anti-discriminação que
protejam os direitos das PVVS,
bem como de leis e disposições
anti-discriminação mais
abrangentes.
Recomendações: Leis do
Trabalho em matéria do VIH
O relatório de 2006 recomendava o
desenvolvimento de leis laborais para
a protecção de trabalhadores
seropositivos contra a discriminação,
bem com a proibição da testagem ao
VIH pré-emprego.
O relatório de 2009 confirma a
necessidade de advogar
continuamente a adopção de
leis laborais em matéria do VIH
que abarquem todos os
sectores, na Suazilândia,
Zâmbia e no Botsuana.
2.3.4 Mecanismos de aplicação
Normas internacionais e regionais
47
A Directriz 11 versa sobre os mecanismos de monitorização e aplicação dos direitos humanos. A
Directriz estabelece que os estados são responsáveis por criar mecanismos de monitorização e
cumprimento de modo a garantir a protecção dos direitos humanos associados ao VIH, incluindo
os das pessoas que vivem com o VIH e a Sida, suas famílias e comunidades.
A lei modelo do FP SADC recomenda duas alternativas para a aplicação dos direitos. Em primeiro
lugar, os países podem criar um tribunal composto de três advogados, dois médicos e duas
pessoas que vivem com VIH ou Sida. O tribunal dará audiência a qualquer litígio relacionado
com a respectiva lei sobre o VIH/Sida. Como alternativa os países podem conceder a qualquer
tribunal de primeira instância a jurisdição necessária para julgar os casos relacionados com o
VIH.
48
Discussão das constatações do estudo
Até Janeiro de 2009, dos 6 países da SADC50 que haviam adoptado legislação consagrada ao VIH,
apenas um havia criado um mecanismo de resolução de litígios dedicado ao VIH. Contudo, todos
os seis países concederam aos tribunais o poder de impor multas e cinco dos seis incluírem
multas e penas de prisão como possível punição para a violação dos direitos das PVVS.
Tabela 13: Mecanismos de aplicação das leis relativas ao VIH
PAÍS MULTAS PRISÃO
Angola X
RDC X X
Madagáscar X X
Maurícias X X
Moçambique X X
Tanzânia X X
Mecanismos de resolução de litígios: Em cinco dos países indagados os tribunais normais têm a
jurisdição para dar audiência a processos envolvendo contravenções da legislação relacionada
com o VIH. A vantagem desta abordagem é que não estigmatiza as PVVS ao criar um mecanismo
de resolução de litígios separado só para elas. Todavia, esta abordagem requer que a entidade
judiciária esteja ciente da problemática do VIH, como por exemplo da necessidade de usar
procedimentos em câmara (à porta fechada), e de apenas usar as rubricas do reclamante e não
e seu apelido em referência ao processo, de modo a proteger a identidade e confidencialidade
da PVVS.
O Capítulo VII da Lei Malgaxe 2005-040 relativa à Luta contra o VIH/SIDA e a Protecção dos Direitos das
Pessoas que vivem com VIH (2005) estabelece multas das quais são passíveis a discriminação contra as
pessoas que vivem com VIH,51
a divulgação não autorizada do estado seropositivo do paciente 52
bem
como a publicação de anúncios enganosos relacionados com medicamentos, cuidados, tratamento e
medicamentos preventivos do VIH.
50
Estes países são Angola, RDC, Madagáscar, Maurícias, Moçambique e Tanzânia. 51
Artigo 65 52
Artigo 66
49
Na Tanzânia, um mecanismo de resolução de litígios especial foi criado nos termos da Secção 51
da Lei de Prevenção e Controlo do VIH, Lei n.º 28 de 2008, segundo a qual qualquer reclamação
relativa à violação da mesma pode ser dirigida por escrito às seguintes entidades:
O secretário da aldeia;
A esquadra de polícia;
O proprietário, gerente ou pessoa responsável por uma instituição médica; ou
O empregador.
A vantagem desta abordagem reside no facto de ela ampliar o acesso à justiça, visto que todas
as pessoas a quem foi concedido o poder de ouvir a reclamação são de fácil acesso. Além disso,
em teoria, a existência dum mecanismo de resolução de diferendos consagrado ao VIH
pressupõe que as entidades envolvidas possuem competências e aptidões especializadas para
responder às reclamações relacionadas com o VIH e a Sida. Contudo, a lei da Tanzânia não
especifica que as pessoas responsáveis por dar audiência às reclamações têm de ter aptidões ou
competências especializadas nos termos da lei, nem sequer estabelece como as reclamações
devem ser tratadas. Há que levar a cabo mais advocacia no sentido de garantir que sejam
adoptados regulamentos para regular a maneira como as diferendos e os litígios decorrentes
das violações das leis relativas ao VIH serão tratados.
Estabelecimento de infracções: Os países que possuem legislação consagrada ao VIH também já
estabeleceram as infracções para aqueles que não cumprem as disposições da lei. Assim criam-
se mecanismos para a aplicação da lei céleres que dão resposta às reclamações das PVVS e
garantem que estas não tenham de recorrer ao direito civil (que é moroso e oneroso) de modo a
fazer invocar os seus direitos.
A Lei sobre o VIH e Sida das Maurícias (2006) estabelece que qualquer pessoa que não cumpra com as
Secções 4(1), 6(1), 7(1), 13(2) (3) ou (4) ou 14(2) é culpada de infracção e, após condenação, passível de
uma multa de até 50 000 rupias e pena de prisão durante um período máximo de 12 meses.53
O descarte
de seringas e agulhas de forma insegura também constitui uma infracção passível de multa até ao máximo
de 100 000 rupias e pena de prisão de até 5 anos.54
A lei também estabelece que o tratamento de outra
pessoa de forma “injusta, parcial ou menos preferencial” e o tratamento com “ódio, desdém ou escárnio”
em virtude de ela ser seropositiva ou supostamente ter VIH, também constitui um crime. 55
53
Secção 18(1). 54
Secção 18(2). 55
Secção 18(3).
50
Conclusões
Os países da SADC que possuem leis consagradas ao VIH, também já estabeleceram as infracções a que o incumprimento está sujeito.
Na maioria dos casos, as infracções são tratadas nos mesmos órgãos de aplicação da lei criados para resolver todos os outros tipos de litígios, ou seja, os tribunais.
Recomendações
Advogar a criação de leis consagradas ao VIH e o estabelecimento das infracções associadas em todos os Estados Membros da SADC.
Advogar para que os mecanismos de aplicação da lei existentes (por exemplo, tribunais) dêem audiência aos litígios decorrentes do incumprimento das leis relativas ao VIH. Advogar ainda a formação e sensibilização de todo o pessoal da judiciária e dos polícias em matéria do VIH e os direitos humanos, de modo a reforçar as capacidades existentes de tratar de diferendos e litígios relacionados com o VIH e a aplicação das leis relevantes.
Alternativamente, advogar a criação de mecanismos de resolução de litígios consagrados ao VIH, que sejam apoiados por políticas e processos bem definidos e por pessoal qualificado.
Advogar a prestação de serviços de apoio legal às PVVS e aos membros dos grupos vulneráveis e marginalizados, e providenciar-lhes apoio legal, litigação estratégica e serviços de resolução de diferendos a nível comunitário.
Levar a cabo campanhas de sensibilização sobre os direitos humanos das PVVS de modo a capacitar aqueles que são afectados pelo VIH, a fim de que eles possam conhecer os seus direitos e invocá-los no contexto da epidemia.
Tabela 14: Comparação das constatações dos relatórios de 2006 e 2009
Conclusões O relatório de 2006 foi incapaz de
encontrar muita informação sobre a
resolução de litígios decorrentes do
incumprimento das leis relativas ao
VIH.
O relatório de 2009 reconhece
que houve um acréscimo no
número de infracções criadas
em relação ao VIH bem como
no número de mecanismos de
aplicação da lei. Isto deve-se ao
aumento no número de leis
relacionadas com o VIH.
Apenas um país da SADC já
criou um mecanismo de
resolução de litígios
consagrado ao VIH.
Recomendações: Advogar a
criação de infracções para o
incumprimento das leis
consagradas ao VIH.
O relatório de 2009 recomenda
que se advogue a criação de
leis consagradas ao VIH e
delitos e infracções para o
incumprimento das mesmas.
51
Recomendações: Mecanismos
de resolução de litígios.
O relatório de 2009 recomenda
o uso de mecanismos
existentes para tratar de
litígios relacionados com o VIH,
mas reconhece que o pessoal
judiciário terá de ser formado
em matéria do VIH, Sida e as
leis associadas. Por
conseguinte, recomenda a
formação do pessoal judiciário
e dos polícias. Onde os
mecanismos de aplicação da lei
consagradas ao VIH já existem,
recomenda o desenvolvimento
de políticas e processos bem
definidos bem como o reforço
das competências relevantes.
Advoga ainda a prestação de
serviços de apoio legal às
PVVS, e a realização de
campanhas “Conheça os seus
direitos”.
2.4 A problemática contínua dos Direitos Humanos
O relatório demonstra que em diversos países o quadro legal ou não é suficientemente
protector ou existem nele muitas lacunas. Existe uma problemática contínua em relação aos
direitos humanos das PVVS que merece prioridade na Região. Abaixo, fornecemos uma análise
da mesma.
2.4.1 Testagem ao VIH e Discriminação nas Forças Armadas.
Normas Internacionais e Regionais
52
A Directriz 5 das Directrizes Internacionais estabelece, no comentário da directriz, que a
legislação anti-discriminação deve proibir a testagem ao VIH obrigatória especialmente dos
grupos vulneráveis como por exemplo os soldados nas forças armadas.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptou unanimemente a Resolução 1308 que
requer que os Estados desenvolvam planos a longo prazo para a sensibilização sobre e
prevenção do VIH, a testagem e aconselhamento voluntários, e o tratamento apropriado para o
pessoal militar.56 Esta Resolução precisa de ser lida em conjunto com A Política de Testagem ao
VIH para Pessoal de Manutenção da Paz57, que insiste numa politica de Testagem e
Aconselhamento Voluntários e Confidenciais, a afirma ainda que:
“A ONU nunca exige que o pessoal seja sujeito a testagem ao VIH antes de ser destacado em
missões de manutenção da paz.”58
Discussão das constatações do estudo
Uma revisão da legislação, das políticas e práticas existentes em dez países da SADC levada a
cabo em Janeiro de 200959 revela que os princípios acima mencionados não estão a ser
observados na Região. Em quase 90% dos países indagados, a testagem ao VIH obrigatória
existia nas forças armadas e em quatro dos países esta prática é permitida na lei porque os
soldados são excluídos das leis laborais consagradas à protecção dos trabalhadores
seropositivos.
56
UNOSIDA On the Front Line, 2005. 57
Publicado pelo Gabinete para Apoio em Missão, Departamento de Operações de Manutenção da Paz, Janeiro de 2004. 58
Ibid. 59
Angola, Botsuana, RDC, Lesoto, Maurícias, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Zâmbia e Zimbábue.
53
Tabela 15: Testagem ao VIH nas forças armadas
PAÍS NENHUMA
PROIBIÇÃO DA
TESTAGEM AO
VIH OBRIGATÓRIA
PROIBIÇÃO DA
TESTAGEM AO
VIH OBRIGATÓRIA
FORÇAS
ARMADAS
EXCLUIDAS DA
PROIBIÇÃO
PROHIBITION
PESSOAL DAS
FORÇAS
ARMADAS
TESTADO NA
PRÁTICA
Angola X
Botsuana
X X
RDC X X
Lesoto X X X
Madagáscar X Dados não disponíveis
Malaui X Dados não disponíveis
Maurícias X X
Moçambique X X
Namíbia X X X
África do Sul X X X
Suazilândia X Dados não disponíveis
Tanzânia X Dados não disponíveis
Zâmbia X X
Zimbabué X X X
O relatório de 2006 fornecia duas razões fundamentais pelas quais as forças armadas
justificavam a testagem ao VIH obrigatória:
As forças armadas precisam de excluir as PVVS de modo a assegurar que a sua capacidade de resposta às ameaças de segurança não seja comprometida; e
Os soldados seropositivos não reúnem os requisitos da inspecção médica destinada a garantir a boa forma física.
54
Contudo, a nível internacional, já foi aceite a noção de que, na prática, a testagem ao VIH pré-
emprego não reduz o impacto do VIH no local de trabalho – é preferível gerir o VIH e a sida no
ambiente de trabalho.60 Por exemplo, apesar da abordagem exclusivista adoptada pelas forças
armadas Zambianas para gerir o VIH/Sida, continuam a perder um grande número de quadros
devido a doenças relacionadas com a Sida.61 Alem disso, a testagem ao VIH não constitui um
indicador fiável da boa forma física.62
60
A Comissão de Reforma Jurídica da África do Sul, Second Interim Report on Aspects of the Law Relating to SIDA: Pre-Employment VIH Testing, 1998. 61
Redes Regionais Integradas de Informação das Nações Unidas Give peacekeepers Antiretrovirals, new study urges, 4 de Outubro de 2006. www.allafrica.com/stories/prinTabela/200610040567.html 62
Haindongo Nghipohamba Nanditume v Minister of Defence, Processo n. ° LC 24/98 (Namibia).
55
Litígios decorrentes da discriminação contra o VIH nas forças armadas:
No litígio de Haindongo Nghipohamba Nanditume v Ministro de Defesa,63
as Forcas Armadas
Namibianas postularam que nos termos da Secção 65(2) da Lei das Forças Armadas64
eram
obrigados to sujeitar todos os novos recrutas a uma inspecção médica. Contudo, o tribunal
constatou que o teste ao VIH não podia, por si só, determinar se o recruta se encontrava em boa
forma física ou não. O teste ao VIH apenas poderia ser utilizado para o efeito se fosse
acompanhado de uma contagem das Células CD4 e de uma análise da carga viral. Neste caso o
médico havia certificado que Nanditume estava em boa forma física e poderia desempenhar
funções militares apesar do seu estado seropositivo. Tomando em consideração a situação, o
tribunal decretou que as acções das Forças Armadas Namibianas constituíam discriminação
injusta visto que Nanditume havia sido excluído das Forças Armadas simplesmente por causa do
seu estado seropositivo.
Em diversos casos, as estratégias de litígio bem-sucedidas não têm conduzido a revisões das
políticas de testagem ao VIH. Por exemplo, na Namíbia, no processo de Haindongo
Nghipohamba Nanditume v Ministro de Defesa65 o tribunal laboral decidiu que Nanditume havia
sido injustiçado em função do seu estado seropositivo.66 Todavia, pouco depois de este processo
ser julgado a favor do reclamante, a entidade legisladora adoptou uma Emenda à Lei do
Trabalho que exclui as Forças Armadas do âmbito de aplicação da Secção 107. Por conseguinte,
nenhum outro processo pode ser instaurado por membros das Forças Armadas em relação ao
VIH, visto que os soldados não são mais protegidos pela Lei do Trabalho.
Na África do Sul, o Aids Law Project (ALP) conseguiu obter um decreto no Tribunal de Primeira
Instância de Pretoria no sentido de que a política do VIH das Forças Armadas da África do Sul
(SANDF) é discriminatória e viola os direitos constitucionais de recrutas e soldados
seropositivos, no final do processo do Sindicato das Forças Armadas da África do Sul e Outros
versus o Cirurgião Mor e Outros67. Segundo o decreto, a SANDF deveria imediatamente
empregar um dos recrutas, imediatamente reconsiderar a candidatura de um membro para
destacamento no estrangeiro e/ou promovê-lo, e desenvolver uma nova política de classificação
de saúde dentro de seis meses. Em Dezembro de 2008, o ALP informou de que apesar de a
SANDF ter formulado uma nova política, não havia empregado o recruta. Alem disso, o ALP tem
63
Ibid. 64
Lei n. ° 44 de 1957. 65
LC 24/98. 66
Mchombu C, VIH/SIDA and Human Rights in Namibia, Centro para o estudo da Sida e dos Direitos Humanos, Universidade de Pretoria, Tshwane, África do Sul, 2004. 67
Processo número 18683/07.
56
provas de que a SANDF continua a aplicar a política de testagem ao VIH que fora decretada
inconstitucional pelo tribunal.68
68
www.alp.org.za [Acedido a 6 de Fevereiro de 2009].
57
Conclusões
A testagem ao VIH e discriminação continuam nas forças armadas da região da SADC, e as leis anti-discriminação frequentemente excluem protecção do pessoal das forças armadas.
Os processos de litígio bem-sucedidos nem sempre resultam na revisão das políticas discriminatórias das forças armadas.
Recomendações
Intensificar a advocacia contra a testagem ao VIH nas forças armadas salvo no contexto de Aconselhamento e Testagem Voluntários (ATV).
Advogar a adopção de leis que protejam os trabalhadores contra a discriminação, incluindo membros das forças armadas.
Tabela 16: Comparação das constatações dos relatórios de 2006 e 2009
Conclusões O relatório de 2006 revelou a
testagem ao VIH e discriminação
contra soldados seropositivos nas
forças armadas da Região da SADC.
Também revelou que muitas leis anti-
discriminação excluíam as forças
armadas.
O relatório de 2009 reconhece
que a questão continua a ser
muito preocupante, visto que o
estudo chegou às mesmas
constatações que o de 2006. É
notável que o Tribunal de
Primeira Instância da África do
Sul também decretou contra a
testagem ao VIH obrigatória
durante o período em análise.
Recomendações: Advogar a
não discriminação nas Forças
Armadas
O relatório de 2006 recomendou que
fosse levada a cabo advocacia com
vista a garantir a protecção jurídica
dos soldados seropositivos.
O relatório de 2009 reconhece
que o litígio, por si próprio, não
conduz necessariamente a
mudanças nas políticas
discriminatórias, e portanto
exorta para que seja levada a
cabo advocacia para a
protecção jurídica dos soldados
e recrutas seropositivos contra
a discriminação. O relatório
sugere que também seria útil
advogar a inclusão das forças
armadas nas leis anti-
discriminação em vigor.
58
2.4.2 Penalização das relações entre pessoas do mesmo género
Normas Internacionais e Regionais
A Directriz 5 das Directrizes Internacionais, no comentário, afirma que os Estados devem
formular leis que reduzam as violações dos direitos humanos contra homens que têm relações
sexuais com homens.
Discussão das constatações do estudo
Numa revisão da legislação em vigor nos 14 Estados Membros da SADC, constatou-se que quase
dois terços dos países possuem leis que penalizam as relações sexuais entre homens. Os
restantes cinco países ou possuem leis que concedem protecção aos homens que praticam
relações sexuais com homens, ou leis que não se pronunciam sobre o assunto.
Tabela 17: Penalização das relações sexuais entre homens nos países da SADC
PAÍS CRIME Infracção da
Common Law
Crime Penal
Angola X
Botsuana
X
RDC X
Lesoto X
Madagáscar X
Malaui X
Maurícias X
Moçambique X
Namíbia X
África do Sul X
Suazilândia X
Tanzânia X
59
Zâmbia X
Zimbabué X
Várias consequências negativas decorrem da penalização das relações sexuais entre pessoas do
mesmo género, a saber:
Os provedores de serviços informam de que é extremamente difícil prestar serviços abertamente a pessoas envolvidas em relações sexuais com pessoas do mesmo género;
As mensagens transmitidas pelos meios de comunicação do Estado ignoram as questões associadas às relações sexuais entre pessoas do mesmo género;
Na maioria dos países indagados, homens que praticam relações sexuais com homens são vitimas de perseguição pública.
Em vários países Africanos, os líderes políticos sugerem que a prática de relações sexuais entre pessoas do mesmo género não faz parte da cultura Africana, pelo que tornam aqueles que as praticam num grupo invisível da sociedade.
A penalização das relações sexuais entre homens permite aos governos negar preservativos a reclusos em virtude de as relações sexuais entre reclusos do mesmo género serem interditas.
Conclusões
As pessoas envolvidas em relações sexuais com pessoas do mesmo género e homens que têm relações sexuais com homens permanecem um grupo altamente vulnerável na região da SADC.
Esta vulnerabilidade é exacerbada pela continuada penalização das relações sexuais entre pessoas do mesmo género.
A penalização das relações sexuais entre homens permanece uma barreira aos programas de prevenção do VIH (por exemplo, os programas de distribuição de preservativos) nas prisões.
Recomendações
Advogar a despenalização das leis que proíbem relações sexuais entre pessoas do mesmo género.
Advogar a prestação de serviços de saúde do VIH/Sida que sejam aceitáveis e acessíveis às pessoas envolvidas em relações sexuais com pessoas do mesmo género.
Advogar a distribuição de preservativos nas prisões.
Advogar para que se realize investigação sociológica em matéria das relações sexuais entre pessoas do mesmo género nas sociedades Africanas.
Tabela 18: Comparação das constatações dos relatórios de 2006 e 2009
60
Conclusões O relatório de 2006 constatou
que muitos países possuíam leis
que penalizavam as relações
sexuais entre homens e que esta
abordagem tinha impactos
negativos nos programas de
distribuição de preservativos
nas prisões.
O relatório de 2009 reconhece que a penalização
das relações sexuais entre pessoas do mesmo
género constitui uma área de grande
preocupação, visto que tem impactos negativos
sobre a prestação de cuidados médicos e
alimenta a discriminação na Região da SADC.
Recomendações:
Advogar a
despenalização
O relatório de 2006
recomendou que se advogasse a
despenalização das relações
sexuais entre homens.
O relatório de 2009 também recomenda a
revisão de todas as leis que penalizam as
relações sexuais entre pessoas do mesmo género
e que têm impactos no acesso aos cuidados
sanitários. Também recomenda medidas para
aumentar o acesso das pessoas envolvidas em
relações sexuais com pessoas do mesmo género
aos cuidados sanitários, em todos os sectores de
saúde.
61
2.4.3 Protecção legal das mulheres inadequada contra a violência do género
Normas internacionais e regionais
A Directriz 5 das Directrizes Internacionais, no comentário, estabelece que os Estados devem passar
em revista as leis consuetudinárias que afectam o estatuto e tratamento dos vários grupos
vulneráveis na sociedade. Recomenda ainda que os Estados devem adoptar leis que reduzam a
vulnerabilidade das mulheres ao VIH, e reformar as leis matrimoniais, de propriedade, laborais e de
oportunidades económicas que discriminam contra a mulher. Alem do mais, as leis devem
expressamente proteger as mulheres contra a violência sexual.
Discussão das constatações
Um estudo das leis que protegem as mulheres contra a violência realizado em Janeiro de 2009, no
qual participaram onze Estados Membros da SADC69 , revelou que quase dois terços dos países da
SADC possuem legislação de protecção da mulher contra a violência do género – mais de 64% dos
países já introduziram novas leis em matéria da interdição da violação sexual ou da violência
doméstica, e em certos casos ambas. Outros dois países passavam pelo processo de rever e reformar
as leis em vigor.
Tabela19: Nível de protecção conferida às mulheres na Região da SADC
PAÍS REFORMA LEGISLATIVA
Angola Nenhuma informação disponível.
Botsuana Lei relativa à Violência Doméstica (não proíbe a violação sexual entre cônjuges).
RDC Lei penaliza a violência sexual e contra o género.
Lesoto Lei de Infracções Sexuais estabelece o atendimento médico gratuito para vítimas da
violação sexual. A Lei de Igualdade entre Cônjuges estabelece a igualdade entre marido
e mulher.
Madagáscar Política nacional sobre a saúde reprodutiva faz referência ao combate dos maus tratos
da mulher, incluindo a violência sexual e doméstica.
Malaui Revisão proposta à lei de sucessão e herança em vigor.
Maurícias Lei relativa à discriminação sexual.
Moçambique Nenhuma informação disponível.
Namíbia Lei do combate à violação sexual.
69
Não se obtiveram dados sobre a situação em Angola, Moçambique e Tanzânia.
62
Lei de combate à violência doméstica.
Lei de Igualdade entre cônjuges.
África do Sul Lei sobre a interrupção voluntária da gravidez.
Lei de combate à violência doméstica.
Lei de equidade no trabalho.
Promoção da Igualdade e Prevenção da Discriminação Injusta.
Lei que reforma a Lei Penal, a lei relativa às Infracções Sexuais e Assuntos Relacionados.
Suazilândia Lei relativa às Infracções Sexuais e Violência Doméstica.
Tanzânia Nenhuma informação disponível.
Zâmbia Código penal proíbe a violação sexual entre cônjuges.
Zimbabué Lei sobre a interrupção voluntária da gravidez.
Projecto de lei sobre a violência doméstica.
Todavia, o estudo indica que apesar dos quadros jurídicos cada vez mais protectores, as mulheres
continuam a ser altamente vulneráveis perante a violência contra o género. As razões por isso são:
As novas leis ainda não estão plenamente implementadas ou em vigor;
Os serviços públicos não possuem suficientes recursos para prestar os serviços necessários;
A legislação não é suficientemente abrangente;
A legislação ainda não produziu as mudanças preconizadas na situação socioeconómica das mulheres, bem como as mudanças desejadas nas atitudes da sociedade em relação às mulheres;
Os sistemas jurídicos dualistas que reconhecem e permitem as leis e práticas consuetudinárias discriminatórias subsistem; e
Existe falta de consciência dos direitos legais.70
Segundo o Relator Especial das Nações Unidas para a Violência contra as Mulheres que visitou a RDV em
Julho de 2007:
“A violência sexual tem sido uma característica distintiva dos conflitos armados Congoleses. Os níveis
exagerados da violência sexual perpetrada por grupos armados não-governamentais, pelas forças
armadas e por civis persistem nas zonas do Congo Leste que ainda experimentam hostilidades. Contudo, a
violência sexual não está limitada às zonas de conflito armado; existe de forma descontrolada em todo o
país..”
“A normalização e banalização da violação sexual como efeito secundário da guerra exacerbam a
70
Comunicação pessoal de Martha Olotu e Cartas Kapela em Children and Education in Society, Tanzânia, 18 de Novembro de 2008.
63
desigualdade e opressão a que as mulheres estão sujeitas na vida pública e privada. Por conseguinte, esta
crise associada à guerra não pode ser resolvida separadamente dos problemas de discriminação e
violência que as mulheres têm de aguentar em tempos de “paz”. A guerra simplesmente reduziu as
mulheres em meros objectos que podem ser violados, torturados e mutilados. Se não se mudar
fundamentalmente as relações entre os géneros e apoiar a capacitação das mulheres, os elevados índices
de violação sexual persistirão, mesmo quando a estabilidade, o estado de direito, e o controlo
democrático e civil das forças armadas forem estabelecidos.” 71
Conclusões
Vários Estados Membros da SADC possuem leis que protegem as mulheres contra a violência baseada no género.
Porém, as ONGs na Região continuam a informar que existem elevados índices de violência baseada no género.
Recomendações
Levar a cabo investigações em matéria da aplicação das leis existentes, de modo a identificar lacunas.
Advogar a prestação de serviços e a afectação de recursos adequados de modo a apoiar a reforma das leis.
Advogar a adopção de leis que promovam a igualdade entre os géneros.
Advogar a revisão das leis consuetudinárias e outras que discriminam contra a mulher.
Criar programas de capacitação das mulheres para as sensibilizar sobre os seus direitos e como invocá-los e como combater normas inequitativas e prejudiciais.
Tabela 20: Comparação das constatações dos relatórios de 2006 e 2009
Conclusões O relatório de 2006 constatou que as
leis consuetudinárias que colocam as
mulheres em risco de contrair o VIH
continuam a ser um dos principais
obstáculos à igualdade do género na
SADC. Além disso, constatou que
havia falta de protecção legal das
mulheres contra a violência baseada
no género.
O relatório de 2009 reconhece
que cada vez mais Estados
Membros da SADC têm
introduzido leis de protecção
da mulher contra a violência
baseada no género. Todavia, a
violência contra as mulheres
permanece uma grande
preocupação.
Recomendações: Advogar a
reforma de leis
O relatório de 2006 recomendou que
se advogasse a reforma das leis
consuetudinárias que discriminam
contra as mulheres, bem como a
criação de novas leis que protejam as
O relatório de 2009 reconhece
a necessidade de se continuar
a advocacia em torno das leis
consuetudinárias. Reconhece
ainda a necessidade de
advocacia em prol da igualdade
71
http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/7session/A.HRC.7.6.Add.4.doc [Acedido a 10 de Fevereiro de 2009].
64
mulheres da violência. do género, de modo a reduzir a
violência contra o género.
Recomendações:
Questões relativas à
implementação
O relatório de 2009 reconhece
ainda que, apesar dos quadros
jurídicos cada vez mais
protectivos, a violência contra
a mulher perdura. O relatório
recomenda que seja feita uma
investigação sobre a aplicação
das leis em vigor e as suas
lacunas. Recomenda ainda a
afectação de recursos para
apoiar a implementação de
novas leis e programas
destinados a consciencializar as
mulheres sobre os seus
direitos.
65
Capítulo Quatro: Conclusão
Na sequência das constatações e recomendações feitas no Relatório a respeito do VIH, sida e
direitos humanos, este capítulo sugere o seguinte:
1. Conclusões gerais e desafios existentes na SADC no que respeita ao VIH e direitos humanos; e
2. Possíveis estratégias para advocacia para os próximos anos.
4.1 Conclusões
4.1.1 Modelo de Reforma Legislativa
Conclusões
Todos os países da SADC deram já início a um processo de reformas legislativas para responder ao
VIH e sida como assunto associado aos direitos humanos. Em muitos países, foi necessário envolver
a aprovação de uma lei para a saúde pública, especificamente direccionada para o VIH, com o
objectivo de permitir a gestão dos vários aspectos relacionados com o VIH e sida, incluindo a
protecção dos direitos das Pessoas que Vivem com o VIH ou sida (PVVS).
No entanto, a natureza específica desta legislação relativa ao VIH significa que ela pode não reflectir
uma resposta apropriada e multissectorial ao VIH e sida, com base no contexto nacional. Significa,
também, que as cláusulas anti-discriminatórias não abrangem os indivíduos vulneráveis à infecção
do VIH, devido à discriminação baseada em, por exemplo, sexo, género, orientação sexual e origem.
Os governos, em todos os países da SADC, já iniciaram um processo de reformas legislativas e de
políticas. Para o efeito, utilizaram uma série de abordagens diferenciadas para efeitos de revisão,
actualização e implementação de medidas com vista à reforma legislativa e de políticas. Seis países
adoptaram legislação específica relativa ao VIH, 5 integraram questões relativas ao VIH noutras leis
existentes e 3 pretendem integrar princípios relativos ao VIH nas suas políticas.
Uma abordagem comum nos países da SADC é a adopção de legislação específica relacionada com o
VIH que abrangendo uma vasta gama de questões relativas ao VIH e, ao mesmo tempo, protegendo
66
os direitos das PVVS e daqueles que são afectados pela epidemia. Embora haja limitações quanto a
esta abordagem – muitas vezes exclusiva em termos de saúde, limitando uma abordagem
multissectorial à epidemia, sendo as leis específicas para o VIH incapazes de abordar as questões
gerais da desigualdade que fazem aumentar a vulnerabilidade das pessoas ao VIH – parece ter dado
resultado, em termos de uma reforma legislativa rápida nos países da SADC. Dado que a maior parte
dos países da SADC não dispõe de legislação abrangente no que respeita à igualdade e não
discriminação (como é o caso da África na Sul), a tendência para o desenvolvimento de leis relativas
ao VIH que protejam os direitos das PVVS pode continuar. Na África do Sul, a abordagem integrada à
reforma legislativa, nos termos da qual vários ministérios governamentais adoptam leis e políticas
em resposta ao VIH e sida, tem dado bons resultados. A reforma legislativa em curso nos países da
SADC devia basear-se numa análise detalhada da legislação em vigor, sua aplicação e impacto sobre
o VIH e sida.
Desafios
Alguns dos países da SADC têm ainda que elaborar provisões legislativas (e não de políticas) para
protecção dos direitos das PVVS. Para além disto, a reforma legislativa deve ter como base o
contexto nacional e garantir a protecção dos direitos, para além das PVVS, de todos aqueles que são
vulneráveis à infecção do VIH. Isto vai exigir que os países criem cláusulas legislativas genéricas, em
termos de igualdade e anti-discriminação, na sua legislação relativa ao VIH, ou que criem legislação
geral em termos de igualdade e anti-discriminação, com base numa auditoria jurídica.
Embora a legislação específica para o VIH em vigor na região promova ostensivamente uma resposta
ao VIH com base nos direitos humanos, muita dela contém cláusulas específicas sobre, por exemplo,
o teste e divulgação, as quais, na realidade, enfraquecem os direitos das PVVS.
4.1.2 Respostas com Base em Direitos versus Respostas Coercivas
Conclusões
A maior parte dos países da SADC inclui na sua resposta legislativa ao VIH leis protectoras e
coercivas.
A elaboração de leis relativas ao VIH levou ao estabelecimento de normas legislativas protectoras –
por exemplo, muitas das novas leis relativas ao VIH e sida incluem cláusulas sobre a igualdade e anti-
discriminação quanto às PVVS, e de leis protectoras quanto ao teste e divulgação do estado em
relação ao VIH. Estas novas normas constituem um passo importante para o estabelecimento de
uma resposta da saúde pública com base em princípios dos direitos humanos.
67
Contudo, apesar disto, muitas das cláusulas legislativas protectoras são limitadas por cláusulas de
ressalva (excepções que permitem a limitação de direitos). Igualmente, muitos países da SADC
introduziram simultaneamente respostas legislativas coercivas nas suas leis penais, em relação ao
VIH e sida.
No contexto dos debates em curso sobre políticas, no que respeita à falta de tratamento com ARV e
ao baixo índice de testes, é encorajante verificar que muitos dos países da SADC já adoptaram nova
legislação para protecção dos direitos daqueles que utilizam os serviços de cuidados de saúde.
Considerando as pressões de muitos dos defensores da saúde pública para que se retorne a
abordagens mais tradicionais e coercivas, como a obrigatoriedade do teste ao VIH, tal legislação
podia constituir uma importante barreira contra políticas irracionais de teste ao VIH.
Contudo, é preocupante o facto de se verificar que, em algumas instâncias, os novos direitos
contidos na legislação da saúde pública tenham sido afectados por cláusulas de ressalva em
resultado de provisões que prejudicam esses mesmos direitos. Por exemplo, em alguns países, o
direito ao consentimento informado foi expressamente limitado nos casos em que disposições legais
permitem, em certas circunstâncias, o teste ao VIH sem consentimento informado. Adicionalmente,
algumas políticas e programas existentes na região para o teste ao VIH – tais como a desistência do
teste ao VIH por parte do provisor – deixam os pacientes vulneráveis a abusos de direitos humanos.
Muitos países também incluem sanções criminais na legislação da saúde pública e / ou na lei penal.
Por exemplo, alguns dos países da SADC aplicam sanções criminais no caso de PLVIH não
informarem outros indivíduos, ‘de imediato’, quanto ao seu estado em relação ao VIH. Seis países da
SADC criaram um novo crime para fazer face a comportamento perigoso relativamente ao VIH, não
obstante a advocacia activa por parte das ONG. Para além disto, em alguns dos países, estes novos
crimes fizeram alargar consideravelmente a rede de responsabilidade, passando a incluir actos
negligentes e, mesmo, ‘irreflectidos’ por parte de PLVIH. Estas disposições coercivas afectam
negativamente programas de apoio social cujo objectivo é a facilitação de um processo de
divulgação. Para além disto, não reconhecem o perigo real que os PLVIH enfrentam de serem
expulsos dos seus lares, de serem rejeitados e sujeitos a violência física, no caso de divulgarem o seu
estado relativo ao VIH sem terem apoio.
Esta pesquisa para este Relatório foi realizada sobretudo através de ONG, tendo sido limitado o
número de respostas recebidas por parte dos governos da SADC. Consequentemente, o Relatório é
incapaz de estabelecer se os governos são ou não conhecedores e estão a utilizar as Linhas de
Orientação Internacionais da UNAIDS sobre o VIH e sida e os Direitos Humanos. Mesmo assim, é
claro que nem todos os governos têm consciência da sinergia entre a saúde pública e os direitos
humanos e muitas das respostas legislativas parecem ser mais uma reacção a opiniões populistas do
68
que um compromisso em respeitar os direitos humanos. As reformas à lei penal continuam a
reflectir esta posição.
Desafios
Continua a existir a necessidade de garantir que os ganhos conseguidos na área dos direitos
humanos (por exemplo, em relação ao teste e à divulgação do estado relativo ao VIH) não
sejam diminuídos. Existe um desafio particularmente complexo quanto à resposta ao que é
claramente uma forte pressão, no contexto da SADC, para a elaboração de respostas ao VIH
com base na lei penal, o que sugere a necessidade de uma maior compreensão das
respostas legislativas. Dado que muitas destas leis foram recentemente aprovadas, a
advocacia para a sua revogação pode precisar de ser complementada com iniciativas de
advocacia direccionadas no sentido de garantir que estas leis (como as relativas ao teste ao
VIH a quem tenha cometido um delito sexual e à sentença) sejam utilizadas de forma
apropriada e tendo em vista a protecção de direitos.
4.1.3 Acesso a Cuidados de Saúde
Conclusões
Estão sendo feitos progressos na elaboração de leis, políticas, programas e planos para a facilitação
do acesso ao tratamento (ARV) e a serviços de prevenção para mulheres (PMTCT). Contudo, um
grande número de pessoas não consegue ainda ter acesso aos serviços disponíveis.
Na região da SADC estão sendo conseguidos progressos nos programas de distribuição de
tratamento, cuidados e apoio. Contudo, é fortemente preocupante o facto de apenas 14% dos
países da SADC conseguirem chegar a 70% daqueles que necessitam de tratamento com ARV. As
barreiras mais importantes ao acesso a tratamento incluem a falta de instalações nas zonas rurais,
legislação que proíbe o acesso de crianças a cuidados sem o envolvimento dos pais e a falta de
pessoal de saúde na região. O número crescente de populações migrantes e deslocadas constitui
uma preocupação que volta a emergir na região.
No que respeita a programas de prevenção, continua a verificar-se um aumento lento no número de
testes ao VIH. Calcula-se que apenas 2 em cada 10 Africanos conhecem o seu estado relativo ao VIH.
Uma questão chave na região tem sido a facilitação do acesso das mulheres aos serviços de
prevenção do VIH. Dada a desproporcionalidade do impacto do VIH nas mulheres, é de importância
crucial que cada um dos países da SADC proporcione às mulheres, pelo menos, o acesso à PMTCT.
Parece haver progresso nesta área No entanto, as mulheres nas zonas rurais continuam a não ter
acesso a estes serviços e as ONG continuam a relatar que o teste ao VIH é oferecido de forma
69
coerciva em muitos dos serviços de PMTCT. Em 5 países da SADC, o programa de PMTCT é
proporcionado com base no não envolvimento do provedor de serviços no teste ao VIH. Dado que
esta prática pode ter como resultado abusos de direitos humanos, a sua monitorização requer uma
monitorização cuidadosa.
Muitos mais países da SADC também oferecem actualmente programas de PEP aos sobreviventes de
delitos sexuais. Contudo, pouca informação existe no que respeita à existência e utilidade destes
programas e, em especial, se as mulheres podem ter acesso a estes serviços dentro do prazo mínimo
necessário para a sua eficácia.
Desafios
Os desafios incluem a eliminação de barreiras e o aumento do acesso aos serviços de cuidados de
saúde disponíveis, garantindo que o teste ao VIH facilita a protecção dos direitos dos pacientes e
promove o acesso a cuidados de saúde e, ainda, o aumento de conhecimentos no que respeita ao
acesso ao PEP.
4.1.4 Discriminação e Abuso dos Direitos Humanos que ainda Ocorrem
Conclusões
Apesar da cada vez maior protecção oferecida pelo quadro legislativo e de políticas na SADC, as
lacunas ainda existentes têm como consequência a continuação da discriminação contra as PLVIH.
Para além disto, o desenvolvimento de uma resposta ao VIH e sida, assente em direitos humanos, na
região da SADC é tornado complexo devido ao elevado número de interesses que competem na área
dos direitos humanos e à constante repressão estatal e erosão dos direitos humanos em alguns
países.
Em certos países da SADC, os factores políticos e jurídicos prevalecentes que prejudicam os direitos
humanos em geral, como as restrições impostas pelo estado no que respeita à liberdade de
expressão, prejudicam também a capacidade dos departamentos governamentais e das ONG de
proporcionarem programas eficazes para o VIH e sida.
Adicionalmente, apesar de muitos governos terem adoptado a protecção dos direitos humanos das
PLVIH, existem outras protecções jurídicas que são limitadas e lacunas ainda existentes no quadro
jurídico e de políticas. Na maior parte dos países, relações homossexuais são criminalizadas, as
70
mulheres continuam sendo cidadãos de segunda classe, segundo a lei consuetudinária, e as
populações deslocadas continuam sendo marginalizadas em relação às comunidades e serviços.
É necessário que seja criado um ambiente favorável no qual a discriminação injusta contra todos os
grupos marginalizados seja eliminada, dado que esta discriminação constante constitui um dos
factores subjacentes que promovem a epidemia do VIH. As ONG que fazem a advocacia do VIH como
uma questão de direitos humanos devem trabalhar no sentido de integrar tais estratégias num
contexto mais lato de advocacia para a protecção legislativa da totalidade dos direitos humanos na
região.
Desafios
Nesta área, o desafio é ultrapassar o foco estreito da protecção dos direitos das PLVIH e abarcar uma
agenda mais vasta na área da igualdade em geral. Os desafios nesta área são grandes, uma vez que
requerem o apoio político a uma agenda mais vasta de reformas legislativas. Isto, por seu lado,
requer o fortalecimento dos direitos existentes e, ao mesmo tempo, a reforma de leis, políticas,
práticas e crenças discriminatórias contra grupos marginalizados na sociedade, nas áreas legislativas
tradicionalmente conservadoras – como a lei militar, a lei dos serviços prisionais e a lei dos delitos
sexuais.
4.1.5 Monitorização e Implementação
Conclusões
A região da SADC está entrando numa nova fase em que os quadros jurídicos e de políticas se
encontram praticamente estabelecidos e deve agora ser dada maior ênfase à advocacia e
monitorização no que respeita à implementação das reformas.
As ONG devem ser felicitadas pelos seus esforços de advocacia incessantes, de que resultaram
reformas extensivas nas políticas e legislação relativas ao VIH na região. Quadros legislativos
encontram-se já estabelecidos em quase todos os países da SADC, com excepção de três deles.
Contudo, muito é ainda necessário fazer para tornar reais os directos das PLVIH e daqueles que são
afectados pela epidemia. Por exemplo, a nível de políticas, o acesso ao PEP por parte dos
sobreviventes de violência sexual é proporcionado por quase 65% da SADC. Mesmo assim, muitos
dos parceiros da ARASA afirmam que os medicamentos não são normalmente oferecidos aos
sobreviventes pelo simples facto de não existirem ou não serem receitados dentro de 72 horas, o
que os torna praticamente ineficazes.
71
Desafios
Os desafios incluem a mobilização de recursos para que as leis possam ser totalmente
implementadas; o apoio a iniciativas estatais para facilitar a implementação de novas leis e políticas,
e a realização de pesquisas para determinar até que ponto e quão efectivamente as leis estão a ser
implementadas.
4.1.6 Imposição
Conclusões
Os mecanismos para permitiram a imposição das leis estão sendo fortalecidos à medida que maior
número de países da SADC põe em prática legislação específica relativa ao VIH. A maior parte das
leis relativas ao VIH e sida inclui delitos sobre disputas relativas ao VIH. Na maior parte dos casos, os
países da SADC referem estas disputas, relativas ao VIH, para os mecanismos de resolução de
disputas (como os tribunais) existentes no país.
A capacidade de impor os direitos e obrigações está sendo progressivamente facilitada na região, em
resultado da aprovação de legislação relativa ao VIH por parte dos países. Esta legislação cria, de um
modo geral, delitos correspondentes às disposições jurídicas. Por exemplo, disposições relativas ao
teste e divulgação do VIH deviam ser, geralmente, complementadas por disposições definindo como
delito o teste ao VIH a uma pessoa sem o seu consentimento, ou a divulgação do seu estado quanto
ao VIH fora das circunstâncias definidas. Isto facilita a imposição dos direitos das PLVIH.
Desafios
Os desafios incluem a determinação da eficácia dos mecanismos de resolução de disputas (tais como
os mecanismos normais dos tribunais ou dos recentemente criados tribunais do VIH) a fim de se
poder garantir que eles são acessíveis e dispõem de quadros de pessoal competente e conhecedor
das questões relativas ao VIH e sida e da legislação em vigor.
4.1.7 Questões Emergentes Relativas aos Direitos Humanos
Conclusões
72
Estão a emergir novas questões relativas aos direitos humanos, como os direitos dos indivíduos que
têm TB
Com o desenvolvimento da epidemia desenvolvem-se também as questões relativas aos direitos
humanos. As questões emergentes nos próximos anos, determinadas por este Relatório, incluem o
direito de acesso a cuidados de saúde por parte de grupos vulneráveis (como crianças e grupos
marginalizados), os direitos de indivíduos com TB e questões de direitos no que respeita ao
desenvolvimento de novas intervenções de prevenção, como a circuncisão e vacinas contra o VIH.
4.2 Mudanças Chave entre 2006 e 2009
Em 2006, menos de metade dos estados da SADC tinha adoptado quadros jurídicos apropriados em
relação ao VIH. Em 2009, parece que já estão criados quadros jurídicos na maior parte dos países.
Verificou-se também uma vaga de reformas jurídicas, tendo mais quatro países adoptado legislação
relativa ao VIH, ostensivamente baseada em princípios de direitos humanos. Isto indica uma
tendência constante na região, no sentido de uma legislação para a saúde pública, específica para o
VIH, que inclua a protecção dos direitos das PLVIH. No entanto, deve ser notado que tem havido
uma mudança limitada no que respeita ao direito geral à igualdade, com poucas, se algumas, metas
não relativas ao VIH, tendo sido atingidas no que respeita à advocacia para legislação sobre a
igualdade em geral.
De importância foi a adopção de um padrão regional descrevendo as normas chave de direitos
humanos que deviam ser integradas na legislação referente ao VIH e sida. A adopção, em 2008, da
lei modelo sobre o VIH e sida, elaborada pelo Fórum Parlamentar da SADC (SADC PF), constitui um
empreendimento notável dado que define normas regionais sobre direitos humanos, no que
respeita a questões relativas ao VIH. Reflecte, ainda, um compromisso regional em relação ao VIH,
como uma questão de direitos humanos, e pode encorajar os países da SADC a continuarem a
desenvolver agendas de reformas legislativas com base nas normas e padrões recomendados e nas
necessidades específicas dos seus respectivos contextos.
Um dos casos mais importantes, relacionados com o VIH, levados a tribunal durante este
período foi South African Security Forces Union and Others v Surgeon General and
Ter72(Sindicato das Forças de Segurança da África do Sul e Outros v. Chefe dos Serviços
Médicos e Outro). Neste caso, o Projecto da Lei da sida conseguiu um acordo ‘fora do
tribunal’ com as Forças de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF), segundo o qual a
SANDF concordou que a sua política referente ao VIH constituía uma discriminação
inconstitucional contra os seus recrutas e membros seropositivos quanto ao VIH.
Adicionalmente, a SANDF concordou em rever e substituir esta política no prazo de 6 meses.
72
Caso número 18683/07.
73
Este acordo foi convertido numa ordem do Tribunal Superior da África do Sul. Este caso
pode ser um ponto de viragem na região, dado que questiona outras políticas
discriminatórias relativas ao teste ao VIH nas forças armadas e sujeita-as a contestação
constitucional.
Os programas de tratamento, cuidados e apoio continuam a crescer na região, havendo um cada vez
maior empenho por parte dos estados em garantir o acesso aos mesmos. Em muitos países já foram
criados quadros jurídicos para o apoio à distribuição destes programas de forma consistente com os
princípios dos direitos humanos. Este progresso fez mudar a ênfase, em 2009, para a necessidade de
monitorizar a implementação com vista à promoção do acesso aos serviços disponíveis.
Tabela 46: Comparação de constatações 2006 - 2009
PROGRESSO EM 2009 QUESTÕES CORRENTES EM
2009
NOVAS QUESTÕES EM 2009
Mais países dispõem de leis e
políticas quanto ao VIH.
Muitos têm uma lei específica
para o VIH que inclui a
protecção de certos direitos
das PLVIH.
A criação de uma resposta
com base em direitos
humanos é complicada pelo
elevado número de interesses
que competem na área dos
direitos humanos e pela
repressão estatal de direitos
em alguns países.
Novas leis sobre o VIH e sida
significam que há mais
oportunidades para a
imposição de direitos.
A SADC adoptou uma lei
modelo para o VIH e sida,
demonstrando o seu
empenho quanto à reforma
legislativa sobre o VIH e
direitos humanos.
Muitos países continuam a
adoptar leis que limitam os
direitos das PLVIH.
Novas leis sobre o VIH e sida
significam que existe a
necessidade de monitorização
da implementação do quadro
legislativo.
Mais países têm leis e
políticas sobre intervenções
chave em cuidados de saúde e
há um maior acesso à
prevenção e tratamento.
Discriminação contra as PLVIH
continua a ser uma questão
importante.
Novas questões sobre direitos
humanos incluem o acesso
dos grupos vulneráveis aos
cuidados de saúde (mulheres,
crianças e migrantes), os
direitos dos indivíduos com TB
e as questões de direitos
quanto a novas tecnologias de
prevenção.
4.3 Uma agenda de advocacia para 2009 e para o futuro
74
Doze anos após a elaboração das Linhas de Orientação Internacionais da UNAIDS sobre o VIH e sida
e Direitos Humanos, continuam a existir os antigos e novos desafios no que respeita a respostas ao
VIH com base nos direitos humanos. Muitos destes novos desafios estão relacionados com o
ambiente em mudança, no que respeita à programação para o VIH, tais como novas tecnologias de
prevenção, tratamentos comprovados e medicamentos mais baratos. Apesar disto, mesmo os
pontos de referência internacionais, como as Linhas de Orientação Internacionais, podem precisar
de ser reavaliadas a intervalos regulares a fim de garantir a sua relevância em termos de orientação
sobre questões chave relativas aos direitos humanos.
Para se continuar a avançar durante os próximos dois anos, o Relatório recomenda como prioridades
para advocacia as seguintes:
1. Melhorar os conhecimentos sobre o VIH como uma questão de direitos humanos entre os legisladores e conseguir a sua concordância quanto a uma abordagem baseada nos objectivos comuns da saúde pública e dos direitos humanos.
2. Reforma legislativa em todos os países da SADC, com base na auditoria das respostas legislativas ao VIH e à sida existentes nos países, que examine as leis relevantes em vigor assim como a natureza da sua imposição e a necessidade de reforma legislativa e o impacto que estas leis têm na qualidade da resposta à epidemia, em particular o acesso e aumento dos serviços e artigos relativos ao VIH pelas mulheres, indivíduos que vivem com o VIH e populações em situação de risco; a ser seguida pela reforma legislativa e/ou imposição se tal for necessário. Os programas de reforma legislativa deviam advogar para uma reforma multissectorial, de base ampla, no que respeita a todas as questões levantadas pelo VIH e sida, com uma ênfase especial nas questões chave mencionadas no Relatório.
3. Revogação de leis penais inapropriadas quanto ao VIH e sida, bem como pesquisa sobre a adopção de uma posição regional clara (incluindo linhas de orientação) quanto à utilização apropriada de algumas das leis penais respeitantes ao VIH e sida.
4. Revogação de leis e políticas que permitem o teste ao VIH e a discriminação no seio das forças armadas.
5. A adopção de um Código de Igualdade e Não Discriminação da SADC, incluindo referência à protecção dos direitos humanos das PVVS e das pessoas vulneráveis ao VIH e sida.
6. Provisão de apoio jurídico aos indivíduos que vivem com o VIH e membros de grupos vulneráveis e marginalizados (mulheres, prestadores de cuidados, sobreviventes de violência sexual, órfãos e crianças vulneráveis, toxicodependentes de drogas injectáveis, profissionais de sexo, homossexuais masculinos) sob a forma de assistência jurídica, litígio estratégico e resolução de disputas comunitárias, incluindo o trabalho com líderes tradicionais.
7. Implementação de campanhas sobre “Conheça os seus direitos” para capacitação dos afectados pelo VIH quanto ao conhecimento dos seus direitos no contexto da epidemia e atraí-los para exigências concretas em termos de igualdade entre géneros, não discriminação com base no VIH e outros estatutos sociais, eliminação da violência contra as mulheres e protecção dos direitos da criança.
8. A provisão de formação na área dos direitos humanos para os provedores chave de serviços com ênfase no consentimento informado, confidencialidade, não discriminação e não-violência.
75
9. Implementação de programas para a redução do estigma e discriminação com o objectivo de reduzir o estigma e a discriminação com base no VIH e outros estatutos sociais.
10. Implementação de programas que abordem a ligação entre a violência contra as mulheres/raparigas e o VIH.
11. Implementação de programas para transformar as normas nocivas e injustas quanto ao género que aumentam a vulnerabilidade à infecção e têm impacto sobre os homens, mulheres e jovens.
12. Implementação de programas para garantir a igualdade de direitos das mulheres e raparigas no contexto do casamento e Direito de família e acesso a oportunidades económicas.
13. Desenvolvimento de uma estratégia regional para advocacia quanto às medidas necessárias para a criação de um ambiente favorável para o acesso de todos aos serviços de prevenção e tratamento do VIH, com uma ênfase especial nos grupos marginalizados. As barreiras legislativas e de políticas quanto ao acesso podem incluir leis que criminalizem relações entre o mesmo sexo, leis que restrinjam os direitos à saúde dos migrantes, leis que promovam a desigualdade entre géneros e leis que limitem a capacidade das crianças.
14. Metas regionais no que respeita ao acesso a serviços de cuidados de saúde, incluindo ARV. 15. Monitorização das novas leis e políticas da saúde pública, incluindo mecanismos para a sua
imposição na região. 16. Desenvolvimento de estratégias de advocacia para questões novas e emergentes, como os
direitos dos pacientes com TB, serem incluídas em programas de VIH e direitos humanos existentes.
É necessária uma vigilância e advocacia continuadas para garantir que os princípios da resposta com
base nos direitos humanos continuem a ser o âmago de todas as estratégias para combater e mitigar
o impacto do VIH e da sida.