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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010

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Home Page Não Tem Cheiro e Nem Chora: A Folkcomunicação Política do

Presidente Lula em Meio a Novas Tecnologias que Ganham o Mundo1

Pedro Paulo Procópio de Oliveira Santos2

Resumo Este artigo aborda o papel exercido pelas novas tecnologias da informação em diferentes países e culturas. Enfatizamos, contudo, o papel determinante da folkcomunicação política no Nordeste do Brasil; alheia a esse universo cibernético e fiel a uma estrutura horizontal de comunicação entre comadres e compadres. Mesmo que estes vivam na distante (em todos os sentidos) Brasília! Consideramos o discurso do Presidente Lula uma das maiores provas desse pensamento. Constata-se ao final, que a web, ao contrário do que ocorre em alguns países aqui estudados, ainda é incapaz de promover mudanças significativas em nosso cenário político, especialmente por fatores culturais, que levam o brasileiro urbano a utilizar as redes mais para entretenimento e, no campo, a manter uma relação muito incipiente com as promessas do mundo virtual. Palavras-Chave: Discurso; folkcomunicação política; novas tecnologias; Presidente Lula.

Introdução Este artigo que tem por objetivo discutir como os novos meios e sua linguagem

se instauram no cotidiano de milhões de indivíduos ao redor do planeta ao passo que as

comunidades rurais mantêm suas velhas formas de comunicar e levam o ator político a

buscar uma comunicação horizontal junto a um público eleitor cativo, a exemplo do

Presidente Lula e o campesino do Nordeste Brasileiro.

É certo que o acesso aos novos meios, em especial à internet, está longe de ser

uniforme nos países desenvolvidos e naqueles ainda em vias de desenvolvimento, além

disso, a forma de utilizá-la carece de amplas reflexões. São essas as reflexões buscadas

neste texto; pontos que reconhecem a importância dos novos meios para a sociedade

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática – 8 / Estudos Interdisciplinares no GP Folkcomunicação, evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, Professor de graduação e pós-graduação das áreas de Comunicação, Marketing e Negócios das seguintes instituições: Escola Superior de Relações Públicas de Pernambuco, Escola Superior de Marketing, Faculdade Integrada de Pernambuco, Faculdade Pernambucana, Faculdade Santa Maria e Faculdade SENAC PE – [email protected]

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global, sem, contudo, encarar o atual contexto de tecnologia da informação como o

único responsável por uma comunicação verdadeiramente social.

Defende-se neste trabalho que o ser humano contemporâneo, independentemente

de convicções religiosas, etnia e mesmo cultura, é – acima de tudo – um consumidor

não só de produtos e serviços, mas de informação. Muito difícil – quiçá impossível

compreender o mundo do século XXI desvencilhado do mercado e da mídia. Ao mesmo

tempo, existem apelos e um clamor mundial acerca do respeito ao meio-ambiente e,

claro, dos direitos humanos, o que torna os indivíduos além de consumidores – cidadãos

que devem ter os seus direitos assegurados e defendidos. Entre esses direitos está o da

informação.

Cabe ratificar neste momento a defesa do artigo em torno da relevância da rede

mundial de computadores como um importante veículo dos pontos de vista

mercadológico e cidadão. A web, entretanto, não é considerada como o único meio

responsável por equilibrar esses aspectos da vida em sociedade; muito menos como

“salvador” da Terra – capaz de mobilizar revolucionários – criar formas únicas de

consumo, destruindo velhos hábitos de compra de populações inteiras.

Portanto, é com a lucidez da relevância do papel cidadão e de mercado exercido

pela internet, além da convicção de que sua plenitude só pode ser alcançada através dos

velhos processos de comunicação compostos por ensinamentos de cidadania, nascidos

em ambientes como a escola, família, além das tradições passadas de geração a geração

por intermédio dos ensinamentos de comunicação popular – que a Internet poderá

servir de libertação face à construção social da realidade imposta pelos tradicionais

veículos de comunicação.

A revolução da cultura impressa

Entende-se neste trabalho que a evolução da cultura impressa, estudada por

Eisenstein (1998) por cerca de uma década, traz uma visão privilegiada do fenômeno

midiático desde os tempos de Guttemberg até a contemporaneidade. A autora elucida

questões fundamentais em torno do conhecimento como poder e das relações entre

classes. A estudiosa traz relevantes aspectos de ordem político-ideológica, sócio-

econômica e reforça o entendimento de que a história não produz eventos estanques. A

história produz, conforme a autora, um emaranhado de ações que ganham “vida”, ou

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não, ao passo que recebem visibilidade em um novo espaço público que surge no século

XV: a imprensa.

Eisenstein (1998) propõe um enfoque na relação entre determinada tecnologia e

uma dada mudança cultural, não como uma coincidência, mas através de uma análise

rigorosa a respeito de como um fenômeno afeta o outro. O óbvio emerge, sem que isso

diminua a validade de sua pesquisa, e, em consonância com a esudiosa conclui-se que

um novo contexto de sociedade se torna possível somente após o salto do manuscrito

para o impresso.

Na vida contemporânea percebe-se um novo avanço; tecnológico e permeado

por redes – cabos de fibra óptica e wireless, afinal. Considera-se improdutivo refletir a

evolução do homem sem os “ritos de passagem” intitulados como Idade Média –

Moderna – Era da Revolução Industrial... Na atualidade é igualmente descabido refletir

relações de poder – imagem e comunicação sem considerar o crescimento das chamadas

redes.

Sobre esse aspecto Cebrián (1999) levanta uma coerente abordagem em que

discute “o outro lado da rede”, ou seja, os cidadãos ainda desconectados; essa é uma

grande preocupação deste artigo. Esse fato deve ser referendado neste espaço,

principalmente, pela crença de que através do ciberespaço há estratégias mediáticas e

políticas de grande força. Tais estratégias, contudo, são incapazes de penetrar todos os

estratos sociais de modo uniforme, uma vez que ainda parece distante o momento em

que toda a humanidade poderá usufruir a vida “interconectada” com equidade.

[...] A democracia nasceu na antiga capital grega em forma de reunião de todo o povo, que se expressava livremente e votava as decisões. Só que o “povo”, por sua vez, não era constituído por todos os indivíduos que habitavam a cidade: as mulheres e os escravos eram excluídos da Assembleia, pelo que seu caráter plebiscitário era, afinal, muito limitado. Mesmo assumindo possíveis vantagens na prática democrática pela internet, teremos de reconhecer que se corre o risco de estabelecer uma nova exclusão entre os cidadãos, de signo parecido ao ateniense: aqueles que não estiverem conectados à rede e os que têm menos habilidades para exercitar-se ver-se-ão discriminados em sua participação e expulsos do conclave dos iniciados (CEBRIÁN 1999; p. 78).

O trabalho concentra seus esforços no entendimento da convergência dos meios

na sociedade contemporânea através da leitura crítica de estudiosos como Castells,

Jenkins, Sodré, dentre outros – os quais trazem sólido embasamento a respeito não só

do componente tecnológico, mas sim de sua inserção no meio social. A tecnologia e a

convergência dos meios são vistas aqui como instrumentos utilizados por povos dos

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dois hemisférios, ocidentais ou orientais, de mobilização da esfera pública ou mesmo de

alienação. Vale salientar, entretanto, não apenas o desequilíbrio no acesso de nações

pobres e ricas à internet – mas a forma de utilizá-la como o instrumento da verdadeira

comunicação social: a mobilização cidadã.

Novos meios: mobilizações cidadãs e “nada a acrescentar”

“Pedro me dá o chip!” ; “Jeremias muito louco” apenas para citar dois títulos de

um universo de milhões de vídeos hospedados no Youtube e que dão uma ideia do

conteúdo que pode ser encontrado na rede. Não está em discussão aqui a liberdade de

postar quaisquer materiais do cotidiano de pessoas do mundo inteiro, e sim o que faz os

cidadãos utilizarem a internet, como mero entretenimento ou como fonte real de

mobilização política e cidadã – acima de qualquer coisa.

A grande preocupação em torno da utilização dos novos meios (aparelhos

celulares e computadores conectados à internet) é devido ao que já foi apontado

anteriormente, ou seja, o livre acesso ao conteúdo e o poder de mobilização advindos

dessas novas tecnologias de comunicação, esse último, presente inclusive na telefonia

móvel.

Não há aqui uma crítica intelectualizada ou mesmo uma tentativa de demonizar

as “brincadeiras” virtuais, e sim uma reflexão sobre como a humanidade vem utilizando

essas ferramentas, que tem em nossa análise, uma possibilidade real de fomentar

transformações em diversos campos da vida em sociedade – desde que os indivíduos

tenham acesso à educação de base em que sejam orientados no que concerne aos seus

direitos – deveres e mesmo acerca do respeito à coletividade.

A respeito da vida em comunidade e do papel exercido pelos novos meios, de

forma não só positiva, mas pró-ativa, merece destaque o estudo de Castells et al (2007)

que aponta exemplos motivadores dessa nova dinâmica da vida gregária do ator do

século XXI. Os belos e motivadores exemplos, no entanto, parecem ainda muito longe

da realidade dos países pobres ou em vias de desenvolvimento, que precisam antes de

“sonhar” com computadores e internet em suas escolas – mobilizar suas populações à

inclusão ao livro – ao conhecimento e mesmo ao alimento. A internet em alguns desses

casos, significaria pensar no acabamento de uma casa – que sequer tem a base

levantada.

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Como pensar em internet como forma de educação e comunicação com o mundo

– acesso ilimitado à informação – enquanto os próprios professores do ensino

fundamental de algumas escolas públicas do país desconhecem a forma de utilizar o

computador? Há casos gritantes. Certa vez estudantes de Pedagogia do interior de

Pernambuco temiam estar em contato direto com os computadores. Motivo: medo de

pegar um vírus! São futuros professores3.

De volta à mobilização popular, que está no outro extremo de uma cadeia

complexa de relações sociais – há pelo menos três casos nos quais a telefonia móvel e a

internet operam como ferramentas que dão vazão ao sentimento popular no campo

político. Defende-se neste artigo, dessa forma, que a tecnologia isoladamente não opera

quaisquer movimentos de relevo e participação cidadã sem que haja por trás um

sentimento de unidade popular – fruto de investimentos de longa data no campo da

educação, que se traduzem no sentimento de pensar o social, e não a sociedade contra o

social4.

O primeiro caso diz respeito à eleição do ex-presidente da Coreia do Sul – Roh

Moo-Hyun. Conforme Castells et al (2007) a vitória de Roh Moo-Hyun foi atribuída a

um grupo de eleitores que se mobilizaram através da internet a fim de conquistar votos

para ele – além de apoio financeiro que chegou a cerca de US$ 7 milhões com a

mobilização através da rede.

Alguns pontos verdadeiramente surpreendem nesta análise em torno de Roh

Moo-Hyun. A mobilização através da rede mundial de computadores emerge do próprio

eleitorado sem interferência direta do candidato ou dos seus assessores, além disso, o

então candidato já havia perdido em repetidas eleições em que meios convencionais de

marketing político tinham sido adotados. Apesar das derrotas, Moo-Hyun não trocou de

partido ou fez alianças que ferissem a sua ideologia. A população jovem não apenas

gostou – mas se mobilizou e o levou à vitória em 2002. Após eleito, a população jovem

em especial, voltou a se mobilizar, dessa vez, o objetivo era contrário à época eleitoral:

“nós não te amamos mais” – bradavam nas infovias.

O comportamento descrito acima leva a uma reflexão em torno de Jenkins

(2008), ou melhor, à consonância com a sua afirmação de que quando os cidadãos

3 Informação obtida durante um encontro de iniciação científica no Recife em 2006 promovido pela Faculdade Integrada de Pernambuco. O relato foi feito por uma professora do curso de Pedagogia de uma faculdade para formação de professores na cidade de Goiana, interior de Pernambuco. 4 Ver Roberto Damatta – A sociedade contra o social.

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comuns assumem o controle das mídias – os resultados podem ser extremamente

criativos ou uma má notícia para todos os envolvidos.

É justamente nesse ponto que o artigo defende novamente o acesso à educação

voltada para a cidadania desde os primeiros anos de escola, além do respeito às origens

da Folkcomunicação nas comunidades, como importantes guias para a utilização dos

novos meios como instrumento de inclusão social e de cidadania.

A Coreia do Sul cuja população jovem desenvolveu toda uma mobilização

popular em torno de um candidato que parecia ter a proposta mais inovadora e

democrática, por exemplo, registra índices elevados de educação e é uma das nações

com maior investimento no setor em todo o mundo. Entende-se neste artigo que é uma

base já consolidada que transforma os novos meios em algo criativo. Uma grande

prova: o antes amado Roh Moon-Hyun – eleito em 2002 como já exposto – sofre

impeachment em março de 2004. Uma das maiores fontes de mobilização? Não resta

dúvida: a internet.

O segundo caso que atrai a atenção e ratifica a defesa deste artigo no tocante à

necessidade de uma base educacional cidadã para que os novos meios se convertam em

instrumentos de mobilização social – é a Espanha. Existe aqui novamente uma

conjunção de fatores que leva ao uso das novas tecnologias como veículo de

mobilização e mesmo – por mais clichê que pareça – transformação social. Essa

conjunção tem por base em nosso entendimento os altos investimentos realizados pelo

país na educação.

Castells et al (2007) relatam a mobilização de parte significativa da sociedade

espanhola, que resolveu impedir a manipulação política dos cidadãos por parte de

figurões do poder. Conforme os autores, em 11 de março de 2004, um grupo radical

islâmico de maioria marroquina provocou em Madri o maior atentado terrorista da

Europa até então. A bomba foi acionada por controle remoto e ativada através de

telefonia celular. O catastrófico resultado: quase duzentos mortos e mais de mil feridos

em trens suburbanos da cidade. O Al-Qaeda se responsabilizou pelo atentado.

É justamente o fato de um dos grupos terroristas mais conhecidos do mundo ter

assumido a autoria do ataques, além da utilização da tecnologia móvel para acionar os

explosivos, que chamam a atenção para a forma como a sociedade civil organizada

espanhola foi capaz de se impor diante da tragédia.

É necessário destacar que o ataque ocorreu em um contexto político muito

relevante: quatro dias antes das eleições para o parlamento espanhol. Essas eleições

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foram dominadas pelo debate acerca da participação do país na Guerra do Iraque, uma

atitude contrária à grande maioria dos cidadãos. Vale frisar que era esperada a volta do

Partido Popular (PP) ao poder, com base em sua política econômica e na sua postura em

relação ao terrorismo basco.

Castells et al (2007) reforçam que assim que ocorreu o atentado e antes de

qualquer evidência, o PP acusou o grupo basco extremista ETA de ser responsável pela

tragédia, contudo, era cada vez mais visível para a população que o ataque viera do

Oriente Médio. Em termos políticos, responsabilizar os bascos pelas mortes favoreceria

o PP nas eleições, enquanto culpar os terroristas islâmicos evidenciaria para a sociedade

o alto preço pago pela política governamental de apoio à guerra do Iraque, o que

potencialmente levaria o eleitorado a votar contra o governo.

Na visão de quase 70% do povo espanhol – o governo estava manipulando

informação acerca dos atentados com o objetivo de levar vantagem nas urnas. Esse

sentimento levou a uma inesperada derrota do PP e a vitória de um governo socialista, o

que acarretou na imediata retirada das tropas espanholas de território iraquiano.

É a partir dessa vitória, ou melhor, da forma como ela se consolidou que os

novos meios e novas linguagens surgem como um dos elementos centrais de

mobilização social em um primeiro instante e na sequência como instrumento de

mudança. Apesar da tentativa de manipulação realizada pelo partido da situação, o que

mais conta em todo o processo é a mobilização dos milhões de cidadãos convencidos da

trapaça eleitoreira que decidiram disseminar os fatos através de uma “arma” chamada

tecnologia em rede. A internet através de uma linguagem bem típica daquele recente

início de século cumpria, a exemplo do que ocorreu na Coreia do Sul, seu papel de

comunicação. Comunicação social.

É importante refletir sobre esse papel político-social relevante da internet, como

uma nova linguagem e um novo meio capazes de fazer circular um fluxo

comunicacional alternativo à mainstream media – mas mantendo o que foi proposto

desde o início deste artigo: o equilíbrio. O motivo da preocupação está no fato de os

países em vias de desenvolvimento ainda possuírem grandes lacunas educacionais e

mesmo de acesso a outras mídias, o que em nossa análise acaba por inviabilizar um

fluxo engajado – coerente e coeso de informações com a capacidade de modificar o

resultado final de uma eleição, por exemplo.

A preocupação revelada no parágrafo anterior vai ao encontro de índices

apontados por Moraes (2009) e que merecem relevo no presente estudo. Conforme o

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autor, mais de 90% dos municípios não possuem sala de cinema, teatros, museus ou

centros culturais, além disso, apenas 5% da população vão regularmente ao cinema;

cerca de 94% jamais viram uma exposição de arte e o que é ainda mais drástico: 600

municípios não tem uma biblioteca ao menos. Com índices tão deprimentes não é de

surpreender, mesmo que soe elitista, que o Brasil seja campeão de acesso a sites de

relacionamento pouco representativos em termos educativos ou de construção de uma

consciência crítica cidadã.

Moraes (2009) traz novamente indicadores sobre a realidade da comunicação e

cultura nas nações em desenvolvimento, dessa vez a análise recai sobre o mundo virtual

e conforme o estudioso, descompassos de ordem socioeconômica e tecnológica chegam

ao ciberespaço. Enquanto Estados Unidos e Europa concentram 67% dos internautas, a

América Latina, que reúne 8% da população mundial e contribui com 7% do produto

interno bruto mundial, conta com pouco mais de 4% dos usuários.

Um breve panorama: na Finlândia mais de 60% da população dispõem de

internet (a maioria com acesso à banda larga), índice compatível à realidade espanhola,

na Nicarágua 2,7%, Cuba 2,1%, Paraguai 3,9%. No Brasil, apesar do crescimento ao

acesso, apenas 2% dos mais pobres tem acesso à rede, 10% dos mais ricos usufruem até

cincos vezes mais dos benefícios da rede do que os 40% mais pobres da população.

Moraes (2009; p. 84) faz uma pertinente análise acerca dos novos meios, que

ratifica o equilíbrio buscado por este estudo desde o primeiro instante:

Não estou defendendo a ideia ingênua de que o planeta high tech só produz embaraços e efeitos negativos. Sem dúvida as tecnologias facultam novas modalidades de entretenimento e informação, e até outras formas de intervenção política ( a desenvoltura de movimentos antiglobalização capitalista na Internet não me deixa mentir)

Com base nos últimos parágrafos, parece mais confortável agora retomar e pôr

fim – ao menos neste artigo – às reflexões alusivas ao papel dos novos meios na

Espanha. É fundamental perceber o desenrolar do processo de comunicação cidadã

espanhol a partir do acesso privilegiado à rede. O acesso privilegiado à internet, no

entanto, pouco significa sem o trinômio defendido por Jenkins (2008) e que o autor

deste artigo toma de empréstimo: convergência, inteligência coletiva e participação.

Esse trinômio fica ainda mais claro a partir do resultado final do processo

exposto por Castells et al (2007). As principais redes de TV espanholas estavam direta

ou indiretamente sob o controle do governo e – desse modo – sustentaram a hipótese

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oficial de que o ETA seria o causador da tragédia, o mesmo foi feito pelas rádios (com

exceção da maior emissora) e pela maioria da mídia impressa, depois que o primeiro

ministro entrou em contato pessoalmente com os editores dos principais jornais, dando a

eles sua opinião acerca dos ataques. Claro, o político assegurava que o atentado havia

sido responsabilidade dos bascos.

Diante do cenário apresentado acima, restava à população consciente dos fatos,

que era a maioria, encontrar uma fonte alternativa de comunicação em que pudesse ter

“voz”. Além da rede, as mensagens SMS surgem com grande impacto no resultado final

das eleições e talvez tenham se transformado em um embrião do que os novos meios e

as novas linguagens deveriam realmente significar daquele momento em diante:

comunicação social.

Os números da eleição e todo o desenrolar das estratégias corroboram com o

trinômio apontado por Jenkins (2008). Os e-mails causaram forte impacto na opinião

pública nacional – em especial – em dois milhões de novos eleitores, certamente mais

ligados às novas tecnologias – e que tradicionalmente se abstinham do processo

eleitoral. Nessa eleição houve 2,5 milhões de eleitores a mais que em 2000 e cerca de

um milhão de eleitores conservadores, modificaram o voto a fim de punir o governo por

sua política favorável à guerra do Iraque e pela tentativa de manipular a informação

acerca das mortes nos trens madrilenos.

No sábado, 13 de março de 2004, véspera da eleição, um grande número de

indivíduos sem filiação política ou mesmo grande interesse no assunto, começa a enviar

mensagens de texto por celular para os seus contatos, informando ou mesmo

reforçando, a manipulação empreendida pelo PP. Um dado que impressiona é o

aumento do tráfico SMS no país: cresceu cerca de 20% naquele sábado – e 40% no dia

do pleito!

Os fatos ocorridos na Coreia da Sul e na Espanha analisados por este artigo,

permitem um conclusão prévia, portanto, ainda não definitiva e ratificada por este autor

a respeito da visão de Castells et al (2007;p.202) “o uso específico das tecnologias

wireless é moldado de acordo com o contexto social e as estruturas políticas de uma

determinada sociedade.”

O terceiro caso que chama a atenção corroborando com a prévia conclusão

apresentada, diz respeito à sociedade chinesa e a rara utilização das novas tecnologias

em termos sociopolíticos. Castells et al (2007) discutem o surgimento da gripe aviária

naquele país em 2003 e a mobilização praticamente nula da maioria da população.

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De acordo com os autores, no início da epidemia nem a mídia convencional e

nem os sites de notícias informaram sobre a então desconhecida doença – mas as

vítimas – amigos e familiares, principalmente dos profissionais que trabalhavam nos

hospitais, começaram a enviar alertas através de mensagens de texto que rapidamente se

espalharam pelos centros urbanos. No mesmo instante as autoridades de Pequim

iniciaram uma campanha a fim de “desmentir” a verdade.

Ao contrário da sociedade espanhola, mais familiarizada com a abertura

democrática propiciada pelas novas tecnologias da informação, mesmo tendo vivido um

passado de repressão política, os chineses preferiram em sua grande maioria acreditar na

campanha oficial do Estado chinês promovida através da mídia convencional, a crer no

próprio cidadão comum que testemunhara de muito perto os problemas causados pelo

novo vírus.

É importante reforçar que as autoridades do país vem reprimindo a utilização da

internet por parte de dissidentes políticos, além disso, há apenas uma parcela ínfima, se

compararmos à população de 1,3 bilhão de chineses, de cidadãos com acesso de

qualidade aos novos meios. Eles estão nos grandes centros e por sua condição

privilegiada é questionável se lutarão pelo direito dos seus compatriotas. O que restará

aos cerca de 800 milhões de camponeses desconectados de qualquer condição de vida

compatível com o dragão que cresce há mais dois dígitos por ano? Para esses últimos

atores, os novos meios ainda não representam qualquer linguagem e, portanto, nada há

para acrescentar a tais populações campesinas.

O Presidente Lula: blog, twitter e home page – mas eles não tem cheiro e nem

choram

Existe uma canção em ritmo de forró, que fala sobre saudade e é muito famosa

no Nordeste do Brasil; ela diz assim: “como é que eu vou dizer no meu computador se a

home page não tem cheiro e nem chora da alegria da saudade do amor que o tempo

nunca leva embora...”5 o Presidente Lula parece entender bem o recado do poeta

popular e desde a sua primeira eleição faz questão de romper as barreiras wireless, que

distanciam grande parte dos camponeses do interior do Brasil da informação, e por isso

faz corpo a corpo com esse eleitorado – uma de suas principais bases de votos.

5 A canção intitulada “Minha Home Page” é interpretada e foi composta pelo músico caruaruense Petrúcio Amorim.

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É bem verdade que os assessores dele anunciaram em 2009 a criação do blog

presidencial e sua participação no twitter, “mas esses instrumentos não tem cheiro e

nem choram.” Pior: não produzem votos.

A afirmação feita acima é corroborada pelo relato de dois repórteres que cobrem

as viagens feitas pelo Presidente da República e trabalham em importantes jornais

brasileiros6. Os jornalistas contam a emoção de Dona Odete, uma mulher de cerca de

sessenta anos, moradora da cidade natal de Lula, Caetés em Pernambuco, distante cerca

de 250KM do Recife.

A emoção da vendedora ambulante tem uma razão: o discurso de Lula que o

aproxima a cada momento do seu interlocutor, como afirma Luiz Dulci7. Conforme

Dulci, Lula chega mesmo a tratar alguns dos presentes pelo nome, usar metáforas bem

conhecidas, chorar. Para a sua conterrânea: “Ele não é como os outros – nem parece

Presidente – para mim – é como um compadre... Ele fala e a gente entende”. Dona

Odete é analfabeta, como cerca de dez por cento dos brasileiros. Computador – internet

– blogs – twitter são algo com pouco ou mesmo nenhum significado para ela.

Entra em ação neste instante o que resolvemos intitular folkcomunicação

política8, mais que uma estratégia de marketing político, um componente vivo do

discurso daqueles que viveram envoltos em uma condição campesina semelhante ao da

emocionada personagem descrita há pouco. Nesse contexto vamos ao encontro da

abordagem de Gadini9 em torno da temática, bem como do clássico conceito de

comunicação popular defendido por Beltrão.

Defendemos, assim, que o garoto, o torneiro mecânico, o sindicalista...afinal,

todos esses sujeitos habitam um único indivíduo hoje: Luís Inácio Lula da Silva – o

estadista global10.

6 Os repórteres trabalham para os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, os seus relatos estão no livro que publicaram: Viagens Com o Presidente. 7 Luiz Dulci é ministro do governo Lula e secretário geral da Presidência da República. Professor licenciado da Universidade Federal de Minas Gerais é um dos responsáveis por escrever os discursos presidenciais. O relato foi feito durante conferência internacional realizada em setembro de 2009 na praia de Japaratinga em Alagoas da qual participaram também a docente desta disciplina, a Profa. Dra. Karla Patriota e a orientadora do autor deste artigo, a Profa. Dra. Isaltina Gomes. 8 O autor do artigo assinou o verbete folkcomunicação política na enciclopédia de comunicação, obra que vem sendo organizada pela Profa. Dra. Marialva Barbosa. 9 O Prof. Dr. Sérgio Luiz Gadini tem uma série de estudos em que reforça questões discutidas ao longo deste estudo. Ver maishttps://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/AUM/.../985 10 Prêmio conquistado pelo Presidente no Fórum de Davos na Suíça em janeiro de 2010. Por motivo de saúde, o Presidente não pôde participar da cerimônia, tendo sido representado pelo chanceler Celso Amorim.

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Se precisamos estar em constato com os outros, é evidente que a comunicação é essencial para a vida humana e a organização social. Também é óbvio que, desde o começo de nossa existência, participamos do complexo processo de adquirir regras de comunicação e pô-las em prática. Na maioria das vezes, não discutimos os códigos e os modos de usá-los; simplesmente nos comunicamos através deles (AGUIAR, 2004, p. 24).

Essa falta de familiaridade com os novos meios, no entanto, não é exclusividade

dos pobres e iletrados, o parlamentar Pedro Simon, da mesma faixa etária da

pernambucana, parece pouco à vontade com as terminologias do ciberespaço. O repórter

Danilo Gentili do CQC11 perguntou a Simon em pleno corredor do Congresso Nacional

se ele tinha Orkut e twitter, depois de pensar por alguns instantes e meio atônito veio a

resposta (com cara séria!): “Tenho, tenho... ta tudo no meu gabinete.”

Há pouco mais de dois anos em conferência no Brasil, o pesquisador de

comunicação Maxwell McCombs12 foi questionado por um membro da plateia sobre a

viabilidade de estudar os efeitos das novas tecnologias na formação da agenda pública.

McCombs sorriu e disse que já havia pesquisado sobre o tema e a resposta muitas vezes

era: “mas – o que é um blog?”. Isso nos Estados Unidos! Como a velocidade

tecnológica é absurda, mesmo em um espaço de tempo tão curto, é fácil crer num

contexto diferente hoje, mas não totalmente incorporado à vida de cidadãos do mundo

inteiro, como os exemplos brasileiro, chinês e norte-americano atestam.

Na política brasileira há fatos que mesmo parecendo um clichê seriam cômicos

caso não fossem trágicos, como os milhões de reais desviados para suposta distribuição

de panetones no natal13, entre tantos outros casos que poderiam render inúmeros

protestos e mobilizações de norte a sul do Brasil graças à circulação de mensagens SMS

ou através do ciberspaço. Não rendeu.

No contexto Brasil as discrepâncias apontadas desde o próprio título deste artigo

ganham força e muitos aspectos ajudam a chegar a essa constatação. O país domina uma

das mais avançadas tecnologias para a contagem de votos no mundo – Recife e

Campina Grande na Paraíba tem centros de excelência em informática, exportando

software para grandes companhias do setor ao redor do planeta, entretanto, todo esse

avanço permanece distante do ativismo político-social brasileiro. 11 O programa CQC é um misto de jornalismo com sátira política e vai ao ar às segundas-feiras na Band; a entrevista ocorreu em meados de setembro de 2009. 12 A conferência foi promovida em novembro de 2007 pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco; o autor deste artigo participou como interprete de Maxwell McCombs no referido evento. 13 Essa denúncia recai sobre o atual governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, que acusado de fraudes monetárias se defendeu afirmando que utilizaria o dinheiro em questão para doar panetones no natal de 2009.

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De volta à questão Lula, merece destaque a equilibrada análise de Sodré (2002)

a respeito dos candidatos que por disporem de espaço na mídia são mais bem sucedidos

que os outros nas campanhas eleitorais. As colocações do autor reforçam o que este

artigo defende, ou seja, o atual Presidente da República do Brasil por seu caráter e apelo

fortemente populares tende a manter suas estratégias comunicacionais focadas na mídia

massiva convencional e mesmo na folkcomunicação política.

[...]alguém pode votar num político simplesmente porque ele aparece, no modo quase-presente da imagem, ocupando o espaço publicitário que lhe foi reservado pelas disposições da legislação eleitoral. Ou seja, porque o outro existe num espaço valorizado (a mídia), o que o torna legitimado pelo regime de visibilidade pública hegemônico. O slogan da Internet – “o que não está na Internet simplesmente não existe” – aplica-se igualmente à mídia tradicional. Daí a disputa acirrada dos partidos – nos países em que há um horário eleitoral reservado gratuitamente a políticos – por minutos a mais na televisão (SODRÉ, 2002, pp28-29).

Sodré (2002) faz importante ressalva acerca do “aparecer na mídia”; em sua

análise fica visível a necessidade urgente de uma comunicação horizontal entre o

político e o seu público. Defende-se neste estudo que essa estrutura de linguagem é o

que fornece uma identidade ao homem público capaz de torná-lo interessante ao

eleitorado.

Não basta, por exemplo, a visibilidade pura e simples de um indivíduo na mídia – a excessiva exposição de sua imagem na tevê ou nos jornais. É preciso que se apele para todo um arsenal de identificações entre a imagem e a audiência, a fim de se obter efeitos, não mais apenas projetivos, como no caso do entretenimento clássico, e sim de reconhecimento narcísico de si mesmo no “espelho” tecnocultural. Por isto constam do imaginário midiático motivações características de modos de funcionamento tradicionais, como preocupações com segurança existencial, religião e família. Estes são elementos e valores ressignificados pelos dispositivos tecnoculturais em função da imagem pública que se deseja construir (SODRÉ, 2002,pp34-35).

.

Diante das colocações de Sodré (2002) torna-se ainda mais visível a estratégia

de comunicação e imagem adotadas pelo candidato e, hoje Presidente da República,

Lula. Sodré (2002) reflete sobre a importância de uma imagem publicitária para o

homem público, o que no caso de Lula está mais relacionada a aspectos marcadamente

populares do que cibernéticos ou acadêmicos, por exemplo. É a partir dessas colocações

que este artigo reitera a defesa de que novos meios são acessórios – e não o fim do

discurso e da postura empregados pelo chefe da nação.

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Afinal, é pouco provável que a maioria dos agricultores do interior do país

troquem e-mails entre si e discutam a respeito dos blogs criados por compadres das

cidades vizinhas, ao invés disso, é certo que ouvem o rádio – assistem ao Jornal

Nacional e, acima de tudo, entendem o que o “compadre” Lula quer dizer e a imagem

que busca construir a cada discurso ou entrevista. Assim, conforme, Sodré (2002) tudo

tende a confluir para a imagem publicitária como valor coletivo, o que pode tornar a

interpretação cênica da realidade mais importante do que qualquer modo tradicional de

representação.Ainda de acordo com o estudioso, publicamente, importa mais a

capacidade pessoal de gerar espetáculo (telegenia, histrionismo, agressividade bem

dosada, etc.), portanto, a performatividade midiática, do que conteúdos programáticos.

Este artigo, apesar da latente defesa de que os meios convencionais são as

principais fontes de comunicação horizontal entre Lula e o seu público eleitor,

especialmente o de origem menos abastada e com menor acesso à educação formal,

entende a relevância dos novos meios como instrumentos de pressão político-social

desde que haja uma cultura propícia a tal comportamento por parte da sociedade. É com

base nessa ressalva, que o estudioso vai ao encontro da pesquisadora Vera Chaia14, que

aponta a barreira cultural como um dos grandes entraves brasileiros à utilização da

internet como instrumento de à mobilização dos cidadãos no tocante a questões

políticas.

Da mesma forma que este autor, Vera Chaia, não se define como ciberotimista

tampouco como cibercética, mas demonstra um ponto de equilíbrio entre esses dois

pólos. Entendemos que existe o fator cultural como elemento responsável pelas

mobilizações de ordem política e social em países como Coréia do Sul – Espanha e

mesmo Irã. Apesar de advogar uma postura equilibrada sobre a sua visão dos novos

meios, Chaia, levanta questões que podem soar polêmicas no universo acadêmico: “a

internet não vai mudar a política brasileira” – afirma a pesquisadora. De acordo.

Bruce Sterling15, um reconhecido especialista em redes cibernéticas, levanta um

pensamento muito pertinente e com o qual estamos de acordo: “Quem quiser sobreviver

politicamente vai ter que ter a capacidade de pôr seu assunto na cara do público e

convencer as pessoas a tentar entender o que está acontecendo.” 14 Vera Chaia é cientista política fez seu pós-doutorado na Universidad Rey Juan Carlos na Espanha onde estudou o uso da internet na disputa presidencial daquele país em março de 2008. Atualmente a estudiosa é coordenadora do Núcleo de Estudos em Arte – Mídia e Política (Neamp) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ver entrevista com Vera Chaia (Istoé 2073 – 05/08/2009). 15 Afirmação feita na Folha de São Paulo de 17/07/1994 e obtida na obra Reinventando a Cultura de Muniz Sodré (1996)

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É isso que se percebe no processo de comunicação empreendido pelo Presidente

da República. Junto aos seus assessores, Lula se incorpora às novas tecnologias através

da construção de um blog e mesmo da participação no twitter. Não é demais reforçar

que a inclusão digital presidencial é uma tentativa de gerir informações e se comunicar

de modo horizontal com os diferentes atores sociais e através dos mais distintos canais.

Cabe neste instante refletir sobre discursos16 do próprio Lula, que demonstram

um equilíbrio saudável entre o papel da internet e a relevância das tradicionais formas

de se comunicar, como as cartas – por exemplo. “Pode ter internet, pode ter e-mail,

pode ter o que quiser, a carta é insubstituível, a carta é uma coisa sagrada, é uma coisa

que a pessoa escreveu de próprio punho, às vezes errou, riscou, mas lá vai a cartinha, às

vezes tem até uma lágrima.”

Em 2005, mesmo ano em que Lula deu esse depoimento em tom de saudosismo

acerca das “cartinhas”, aponta a internet como uma das prioridades de caráter social do

seu governo: “Nosso governo está igualmente empenhado na implementação de ações

com o objetivo de ampliar a inclusão digital. Destaco o programa Casa Brasil, que é um

dos mais ousados de inclusão digital e social, voltado para a população de baixa renda

sem acesso individual à internet.”

Em ano eleitoral a comunicação precisa e expressiva é ainda mais necessária aos

que buscam o acesso ao poder. Defendemos assim, que a emoção – expressão e

precisão, em um país de cultura tão particular como o nosso, são os veículos que

realmente sustentam plataformas políticas. Cabe repetir um trecho de música

anteriormente exposto neste artigo: “a home page nem tem cheiro nem chora...” e – por

fim – no Brasil a internet não tem ainda as condições necessárias para promover

mobilizações políticas relevantes e muito menos alterações nas estruturas do poder.

Por fim, somos partidários do pensamento levantado por Sodré (1996) de que o

aumento quantitativo da informação não diminui o analfabetismo absoluto ou funcional

e de que o incremento da tecnologia na vida cotidiana não promove necessariamente a

melhoria das condições humanas. Consideramos, no entanto, a validade de tais

mecanismos como instrumentos de mobilização de grande utilidade e relevância;

capazes de auxiliar em processos de emancipação social em sociedades maduras o

suficiente para utilização dos novos meios com linguagem, senão emocionada, ao

menos eficaz e – acima de tudo – revolucionária. Isso é comunicação social.

16 Todos os discursos do Presidente Lula aqui expostos foram retirados da obra de Ali Kamel (2009) – Dicionário Lula

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KAMEL, A. Dicionário Lula. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

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