Click here to load reader
Upload
hoangthuan
View
212
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
1 1
Home Page Não Tem Cheiro e Nem Chora: A Folkcomunicação Política do
Presidente Lula em Meio a Novas Tecnologias que Ganham o Mundo1
Pedro Paulo Procópio de Oliveira Santos2
Resumo Este artigo aborda o papel exercido pelas novas tecnologias da informação em diferentes países e culturas. Enfatizamos, contudo, o papel determinante da folkcomunicação política no Nordeste do Brasil; alheia a esse universo cibernético e fiel a uma estrutura horizontal de comunicação entre comadres e compadres. Mesmo que estes vivam na distante (em todos os sentidos) Brasília! Consideramos o discurso do Presidente Lula uma das maiores provas desse pensamento. Constata-se ao final, que a web, ao contrário do que ocorre em alguns países aqui estudados, ainda é incapaz de promover mudanças significativas em nosso cenário político, especialmente por fatores culturais, que levam o brasileiro urbano a utilizar as redes mais para entretenimento e, no campo, a manter uma relação muito incipiente com as promessas do mundo virtual. Palavras-Chave: Discurso; folkcomunicação política; novas tecnologias; Presidente Lula.
Introdução Este artigo que tem por objetivo discutir como os novos meios e sua linguagem
se instauram no cotidiano de milhões de indivíduos ao redor do planeta ao passo que as
comunidades rurais mantêm suas velhas formas de comunicar e levam o ator político a
buscar uma comunicação horizontal junto a um público eleitor cativo, a exemplo do
Presidente Lula e o campesino do Nordeste Brasileiro.
É certo que o acesso aos novos meios, em especial à internet, está longe de ser
uniforme nos países desenvolvidos e naqueles ainda em vias de desenvolvimento, além
disso, a forma de utilizá-la carece de amplas reflexões. São essas as reflexões buscadas
neste texto; pontos que reconhecem a importância dos novos meios para a sociedade
1 Trabalho apresentado na Divisão Temática – 8 / Estudos Interdisciplinares no GP Folkcomunicação, evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, Professor de graduação e pós-graduação das áreas de Comunicação, Marketing e Negócios das seguintes instituições: Escola Superior de Relações Públicas de Pernambuco, Escola Superior de Marketing, Faculdade Integrada de Pernambuco, Faculdade Pernambucana, Faculdade Santa Maria e Faculdade SENAC PE – [email protected]
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
2 2
global, sem, contudo, encarar o atual contexto de tecnologia da informação como o
único responsável por uma comunicação verdadeiramente social.
Defende-se neste trabalho que o ser humano contemporâneo, independentemente
de convicções religiosas, etnia e mesmo cultura, é – acima de tudo – um consumidor
não só de produtos e serviços, mas de informação. Muito difícil – quiçá impossível
compreender o mundo do século XXI desvencilhado do mercado e da mídia. Ao mesmo
tempo, existem apelos e um clamor mundial acerca do respeito ao meio-ambiente e,
claro, dos direitos humanos, o que torna os indivíduos além de consumidores – cidadãos
que devem ter os seus direitos assegurados e defendidos. Entre esses direitos está o da
informação.
Cabe ratificar neste momento a defesa do artigo em torno da relevância da rede
mundial de computadores como um importante veículo dos pontos de vista
mercadológico e cidadão. A web, entretanto, não é considerada como o único meio
responsável por equilibrar esses aspectos da vida em sociedade; muito menos como
“salvador” da Terra – capaz de mobilizar revolucionários – criar formas únicas de
consumo, destruindo velhos hábitos de compra de populações inteiras.
Portanto, é com a lucidez da relevância do papel cidadão e de mercado exercido
pela internet, além da convicção de que sua plenitude só pode ser alcançada através dos
velhos processos de comunicação compostos por ensinamentos de cidadania, nascidos
em ambientes como a escola, família, além das tradições passadas de geração a geração
por intermédio dos ensinamentos de comunicação popular – que a Internet poderá
servir de libertação face à construção social da realidade imposta pelos tradicionais
veículos de comunicação.
A revolução da cultura impressa
Entende-se neste trabalho que a evolução da cultura impressa, estudada por
Eisenstein (1998) por cerca de uma década, traz uma visão privilegiada do fenômeno
midiático desde os tempos de Guttemberg até a contemporaneidade. A autora elucida
questões fundamentais em torno do conhecimento como poder e das relações entre
classes. A estudiosa traz relevantes aspectos de ordem político-ideológica, sócio-
econômica e reforça o entendimento de que a história não produz eventos estanques. A
história produz, conforme a autora, um emaranhado de ações que ganham “vida”, ou
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
3 3
não, ao passo que recebem visibilidade em um novo espaço público que surge no século
XV: a imprensa.
Eisenstein (1998) propõe um enfoque na relação entre determinada tecnologia e
uma dada mudança cultural, não como uma coincidência, mas através de uma análise
rigorosa a respeito de como um fenômeno afeta o outro. O óbvio emerge, sem que isso
diminua a validade de sua pesquisa, e, em consonância com a esudiosa conclui-se que
um novo contexto de sociedade se torna possível somente após o salto do manuscrito
para o impresso.
Na vida contemporânea percebe-se um novo avanço; tecnológico e permeado
por redes – cabos de fibra óptica e wireless, afinal. Considera-se improdutivo refletir a
evolução do homem sem os “ritos de passagem” intitulados como Idade Média –
Moderna – Era da Revolução Industrial... Na atualidade é igualmente descabido refletir
relações de poder – imagem e comunicação sem considerar o crescimento das chamadas
redes.
Sobre esse aspecto Cebrián (1999) levanta uma coerente abordagem em que
discute “o outro lado da rede”, ou seja, os cidadãos ainda desconectados; essa é uma
grande preocupação deste artigo. Esse fato deve ser referendado neste espaço,
principalmente, pela crença de que através do ciberespaço há estratégias mediáticas e
políticas de grande força. Tais estratégias, contudo, são incapazes de penetrar todos os
estratos sociais de modo uniforme, uma vez que ainda parece distante o momento em
que toda a humanidade poderá usufruir a vida “interconectada” com equidade.
[...] A democracia nasceu na antiga capital grega em forma de reunião de todo o povo, que se expressava livremente e votava as decisões. Só que o “povo”, por sua vez, não era constituído por todos os indivíduos que habitavam a cidade: as mulheres e os escravos eram excluídos da Assembleia, pelo que seu caráter plebiscitário era, afinal, muito limitado. Mesmo assumindo possíveis vantagens na prática democrática pela internet, teremos de reconhecer que se corre o risco de estabelecer uma nova exclusão entre os cidadãos, de signo parecido ao ateniense: aqueles que não estiverem conectados à rede e os que têm menos habilidades para exercitar-se ver-se-ão discriminados em sua participação e expulsos do conclave dos iniciados (CEBRIÁN 1999; p. 78).
O trabalho concentra seus esforços no entendimento da convergência dos meios
na sociedade contemporânea através da leitura crítica de estudiosos como Castells,
Jenkins, Sodré, dentre outros – os quais trazem sólido embasamento a respeito não só
do componente tecnológico, mas sim de sua inserção no meio social. A tecnologia e a
convergência dos meios são vistas aqui como instrumentos utilizados por povos dos
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
4 4
dois hemisférios, ocidentais ou orientais, de mobilização da esfera pública ou mesmo de
alienação. Vale salientar, entretanto, não apenas o desequilíbrio no acesso de nações
pobres e ricas à internet – mas a forma de utilizá-la como o instrumento da verdadeira
comunicação social: a mobilização cidadã.
Novos meios: mobilizações cidadãs e “nada a acrescentar”
“Pedro me dá o chip!” ; “Jeremias muito louco” apenas para citar dois títulos de
um universo de milhões de vídeos hospedados no Youtube e que dão uma ideia do
conteúdo que pode ser encontrado na rede. Não está em discussão aqui a liberdade de
postar quaisquer materiais do cotidiano de pessoas do mundo inteiro, e sim o que faz os
cidadãos utilizarem a internet, como mero entretenimento ou como fonte real de
mobilização política e cidadã – acima de qualquer coisa.
A grande preocupação em torno da utilização dos novos meios (aparelhos
celulares e computadores conectados à internet) é devido ao que já foi apontado
anteriormente, ou seja, o livre acesso ao conteúdo e o poder de mobilização advindos
dessas novas tecnologias de comunicação, esse último, presente inclusive na telefonia
móvel.
Não há aqui uma crítica intelectualizada ou mesmo uma tentativa de demonizar
as “brincadeiras” virtuais, e sim uma reflexão sobre como a humanidade vem utilizando
essas ferramentas, que tem em nossa análise, uma possibilidade real de fomentar
transformações em diversos campos da vida em sociedade – desde que os indivíduos
tenham acesso à educação de base em que sejam orientados no que concerne aos seus
direitos – deveres e mesmo acerca do respeito à coletividade.
A respeito da vida em comunidade e do papel exercido pelos novos meios, de
forma não só positiva, mas pró-ativa, merece destaque o estudo de Castells et al (2007)
que aponta exemplos motivadores dessa nova dinâmica da vida gregária do ator do
século XXI. Os belos e motivadores exemplos, no entanto, parecem ainda muito longe
da realidade dos países pobres ou em vias de desenvolvimento, que precisam antes de
“sonhar” com computadores e internet em suas escolas – mobilizar suas populações à
inclusão ao livro – ao conhecimento e mesmo ao alimento. A internet em alguns desses
casos, significaria pensar no acabamento de uma casa – que sequer tem a base
levantada.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
5 5
Como pensar em internet como forma de educação e comunicação com o mundo
– acesso ilimitado à informação – enquanto os próprios professores do ensino
fundamental de algumas escolas públicas do país desconhecem a forma de utilizar o
computador? Há casos gritantes. Certa vez estudantes de Pedagogia do interior de
Pernambuco temiam estar em contato direto com os computadores. Motivo: medo de
pegar um vírus! São futuros professores3.
De volta à mobilização popular, que está no outro extremo de uma cadeia
complexa de relações sociais – há pelo menos três casos nos quais a telefonia móvel e a
internet operam como ferramentas que dão vazão ao sentimento popular no campo
político. Defende-se neste artigo, dessa forma, que a tecnologia isoladamente não opera
quaisquer movimentos de relevo e participação cidadã sem que haja por trás um
sentimento de unidade popular – fruto de investimentos de longa data no campo da
educação, que se traduzem no sentimento de pensar o social, e não a sociedade contra o
social4.
O primeiro caso diz respeito à eleição do ex-presidente da Coreia do Sul – Roh
Moo-Hyun. Conforme Castells et al (2007) a vitória de Roh Moo-Hyun foi atribuída a
um grupo de eleitores que se mobilizaram através da internet a fim de conquistar votos
para ele – além de apoio financeiro que chegou a cerca de US$ 7 milhões com a
mobilização através da rede.
Alguns pontos verdadeiramente surpreendem nesta análise em torno de Roh
Moo-Hyun. A mobilização através da rede mundial de computadores emerge do próprio
eleitorado sem interferência direta do candidato ou dos seus assessores, além disso, o
então candidato já havia perdido em repetidas eleições em que meios convencionais de
marketing político tinham sido adotados. Apesar das derrotas, Moo-Hyun não trocou de
partido ou fez alianças que ferissem a sua ideologia. A população jovem não apenas
gostou – mas se mobilizou e o levou à vitória em 2002. Após eleito, a população jovem
em especial, voltou a se mobilizar, dessa vez, o objetivo era contrário à época eleitoral:
“nós não te amamos mais” – bradavam nas infovias.
O comportamento descrito acima leva a uma reflexão em torno de Jenkins
(2008), ou melhor, à consonância com a sua afirmação de que quando os cidadãos
3 Informação obtida durante um encontro de iniciação científica no Recife em 2006 promovido pela Faculdade Integrada de Pernambuco. O relato foi feito por uma professora do curso de Pedagogia de uma faculdade para formação de professores na cidade de Goiana, interior de Pernambuco. 4 Ver Roberto Damatta – A sociedade contra o social.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
6 6
comuns assumem o controle das mídias – os resultados podem ser extremamente
criativos ou uma má notícia para todos os envolvidos.
É justamente nesse ponto que o artigo defende novamente o acesso à educação
voltada para a cidadania desde os primeiros anos de escola, além do respeito às origens
da Folkcomunicação nas comunidades, como importantes guias para a utilização dos
novos meios como instrumento de inclusão social e de cidadania.
A Coreia do Sul cuja população jovem desenvolveu toda uma mobilização
popular em torno de um candidato que parecia ter a proposta mais inovadora e
democrática, por exemplo, registra índices elevados de educação e é uma das nações
com maior investimento no setor em todo o mundo. Entende-se neste artigo que é uma
base já consolidada que transforma os novos meios em algo criativo. Uma grande
prova: o antes amado Roh Moon-Hyun – eleito em 2002 como já exposto – sofre
impeachment em março de 2004. Uma das maiores fontes de mobilização? Não resta
dúvida: a internet.
O segundo caso que atrai a atenção e ratifica a defesa deste artigo no tocante à
necessidade de uma base educacional cidadã para que os novos meios se convertam em
instrumentos de mobilização social – é a Espanha. Existe aqui novamente uma
conjunção de fatores que leva ao uso das novas tecnologias como veículo de
mobilização e mesmo – por mais clichê que pareça – transformação social. Essa
conjunção tem por base em nosso entendimento os altos investimentos realizados pelo
país na educação.
Castells et al (2007) relatam a mobilização de parte significativa da sociedade
espanhola, que resolveu impedir a manipulação política dos cidadãos por parte de
figurões do poder. Conforme os autores, em 11 de março de 2004, um grupo radical
islâmico de maioria marroquina provocou em Madri o maior atentado terrorista da
Europa até então. A bomba foi acionada por controle remoto e ativada através de
telefonia celular. O catastrófico resultado: quase duzentos mortos e mais de mil feridos
em trens suburbanos da cidade. O Al-Qaeda se responsabilizou pelo atentado.
É justamente o fato de um dos grupos terroristas mais conhecidos do mundo ter
assumido a autoria do ataques, além da utilização da tecnologia móvel para acionar os
explosivos, que chamam a atenção para a forma como a sociedade civil organizada
espanhola foi capaz de se impor diante da tragédia.
É necessário destacar que o ataque ocorreu em um contexto político muito
relevante: quatro dias antes das eleições para o parlamento espanhol. Essas eleições
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
7 7
foram dominadas pelo debate acerca da participação do país na Guerra do Iraque, uma
atitude contrária à grande maioria dos cidadãos. Vale frisar que era esperada a volta do
Partido Popular (PP) ao poder, com base em sua política econômica e na sua postura em
relação ao terrorismo basco.
Castells et al (2007) reforçam que assim que ocorreu o atentado e antes de
qualquer evidência, o PP acusou o grupo basco extremista ETA de ser responsável pela
tragédia, contudo, era cada vez mais visível para a população que o ataque viera do
Oriente Médio. Em termos políticos, responsabilizar os bascos pelas mortes favoreceria
o PP nas eleições, enquanto culpar os terroristas islâmicos evidenciaria para a sociedade
o alto preço pago pela política governamental de apoio à guerra do Iraque, o que
potencialmente levaria o eleitorado a votar contra o governo.
Na visão de quase 70% do povo espanhol – o governo estava manipulando
informação acerca dos atentados com o objetivo de levar vantagem nas urnas. Esse
sentimento levou a uma inesperada derrota do PP e a vitória de um governo socialista, o
que acarretou na imediata retirada das tropas espanholas de território iraquiano.
É a partir dessa vitória, ou melhor, da forma como ela se consolidou que os
novos meios e novas linguagens surgem como um dos elementos centrais de
mobilização social em um primeiro instante e na sequência como instrumento de
mudança. Apesar da tentativa de manipulação realizada pelo partido da situação, o que
mais conta em todo o processo é a mobilização dos milhões de cidadãos convencidos da
trapaça eleitoreira que decidiram disseminar os fatos através de uma “arma” chamada
tecnologia em rede. A internet através de uma linguagem bem típica daquele recente
início de século cumpria, a exemplo do que ocorreu na Coreia do Sul, seu papel de
comunicação. Comunicação social.
É importante refletir sobre esse papel político-social relevante da internet, como
uma nova linguagem e um novo meio capazes de fazer circular um fluxo
comunicacional alternativo à mainstream media – mas mantendo o que foi proposto
desde o início deste artigo: o equilíbrio. O motivo da preocupação está no fato de os
países em vias de desenvolvimento ainda possuírem grandes lacunas educacionais e
mesmo de acesso a outras mídias, o que em nossa análise acaba por inviabilizar um
fluxo engajado – coerente e coeso de informações com a capacidade de modificar o
resultado final de uma eleição, por exemplo.
A preocupação revelada no parágrafo anterior vai ao encontro de índices
apontados por Moraes (2009) e que merecem relevo no presente estudo. Conforme o
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
8 8
autor, mais de 90% dos municípios não possuem sala de cinema, teatros, museus ou
centros culturais, além disso, apenas 5% da população vão regularmente ao cinema;
cerca de 94% jamais viram uma exposição de arte e o que é ainda mais drástico: 600
municípios não tem uma biblioteca ao menos. Com índices tão deprimentes não é de
surpreender, mesmo que soe elitista, que o Brasil seja campeão de acesso a sites de
relacionamento pouco representativos em termos educativos ou de construção de uma
consciência crítica cidadã.
Moraes (2009) traz novamente indicadores sobre a realidade da comunicação e
cultura nas nações em desenvolvimento, dessa vez a análise recai sobre o mundo virtual
e conforme o estudioso, descompassos de ordem socioeconômica e tecnológica chegam
ao ciberespaço. Enquanto Estados Unidos e Europa concentram 67% dos internautas, a
América Latina, que reúne 8% da população mundial e contribui com 7% do produto
interno bruto mundial, conta com pouco mais de 4% dos usuários.
Um breve panorama: na Finlândia mais de 60% da população dispõem de
internet (a maioria com acesso à banda larga), índice compatível à realidade espanhola,
na Nicarágua 2,7%, Cuba 2,1%, Paraguai 3,9%. No Brasil, apesar do crescimento ao
acesso, apenas 2% dos mais pobres tem acesso à rede, 10% dos mais ricos usufruem até
cincos vezes mais dos benefícios da rede do que os 40% mais pobres da população.
Moraes (2009; p. 84) faz uma pertinente análise acerca dos novos meios, que
ratifica o equilíbrio buscado por este estudo desde o primeiro instante:
Não estou defendendo a ideia ingênua de que o planeta high tech só produz embaraços e efeitos negativos. Sem dúvida as tecnologias facultam novas modalidades de entretenimento e informação, e até outras formas de intervenção política ( a desenvoltura de movimentos antiglobalização capitalista na Internet não me deixa mentir)
Com base nos últimos parágrafos, parece mais confortável agora retomar e pôr
fim – ao menos neste artigo – às reflexões alusivas ao papel dos novos meios na
Espanha. É fundamental perceber o desenrolar do processo de comunicação cidadã
espanhol a partir do acesso privilegiado à rede. O acesso privilegiado à internet, no
entanto, pouco significa sem o trinômio defendido por Jenkins (2008) e que o autor
deste artigo toma de empréstimo: convergência, inteligência coletiva e participação.
Esse trinômio fica ainda mais claro a partir do resultado final do processo
exposto por Castells et al (2007). As principais redes de TV espanholas estavam direta
ou indiretamente sob o controle do governo e – desse modo – sustentaram a hipótese
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
9 9
oficial de que o ETA seria o causador da tragédia, o mesmo foi feito pelas rádios (com
exceção da maior emissora) e pela maioria da mídia impressa, depois que o primeiro
ministro entrou em contato pessoalmente com os editores dos principais jornais, dando a
eles sua opinião acerca dos ataques. Claro, o político assegurava que o atentado havia
sido responsabilidade dos bascos.
Diante do cenário apresentado acima, restava à população consciente dos fatos,
que era a maioria, encontrar uma fonte alternativa de comunicação em que pudesse ter
“voz”. Além da rede, as mensagens SMS surgem com grande impacto no resultado final
das eleições e talvez tenham se transformado em um embrião do que os novos meios e
as novas linguagens deveriam realmente significar daquele momento em diante:
comunicação social.
Os números da eleição e todo o desenrolar das estratégias corroboram com o
trinômio apontado por Jenkins (2008). Os e-mails causaram forte impacto na opinião
pública nacional – em especial – em dois milhões de novos eleitores, certamente mais
ligados às novas tecnologias – e que tradicionalmente se abstinham do processo
eleitoral. Nessa eleição houve 2,5 milhões de eleitores a mais que em 2000 e cerca de
um milhão de eleitores conservadores, modificaram o voto a fim de punir o governo por
sua política favorável à guerra do Iraque e pela tentativa de manipular a informação
acerca das mortes nos trens madrilenos.
No sábado, 13 de março de 2004, véspera da eleição, um grande número de
indivíduos sem filiação política ou mesmo grande interesse no assunto, começa a enviar
mensagens de texto por celular para os seus contatos, informando ou mesmo
reforçando, a manipulação empreendida pelo PP. Um dado que impressiona é o
aumento do tráfico SMS no país: cresceu cerca de 20% naquele sábado – e 40% no dia
do pleito!
Os fatos ocorridos na Coreia da Sul e na Espanha analisados por este artigo,
permitem um conclusão prévia, portanto, ainda não definitiva e ratificada por este autor
a respeito da visão de Castells et al (2007;p.202) “o uso específico das tecnologias
wireless é moldado de acordo com o contexto social e as estruturas políticas de uma
determinada sociedade.”
O terceiro caso que chama a atenção corroborando com a prévia conclusão
apresentada, diz respeito à sociedade chinesa e a rara utilização das novas tecnologias
em termos sociopolíticos. Castells et al (2007) discutem o surgimento da gripe aviária
naquele país em 2003 e a mobilização praticamente nula da maioria da população.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
10 1
De acordo com os autores, no início da epidemia nem a mídia convencional e
nem os sites de notícias informaram sobre a então desconhecida doença – mas as
vítimas – amigos e familiares, principalmente dos profissionais que trabalhavam nos
hospitais, começaram a enviar alertas através de mensagens de texto que rapidamente se
espalharam pelos centros urbanos. No mesmo instante as autoridades de Pequim
iniciaram uma campanha a fim de “desmentir” a verdade.
Ao contrário da sociedade espanhola, mais familiarizada com a abertura
democrática propiciada pelas novas tecnologias da informação, mesmo tendo vivido um
passado de repressão política, os chineses preferiram em sua grande maioria acreditar na
campanha oficial do Estado chinês promovida através da mídia convencional, a crer no
próprio cidadão comum que testemunhara de muito perto os problemas causados pelo
novo vírus.
É importante reforçar que as autoridades do país vem reprimindo a utilização da
internet por parte de dissidentes políticos, além disso, há apenas uma parcela ínfima, se
compararmos à população de 1,3 bilhão de chineses, de cidadãos com acesso de
qualidade aos novos meios. Eles estão nos grandes centros e por sua condição
privilegiada é questionável se lutarão pelo direito dos seus compatriotas. O que restará
aos cerca de 800 milhões de camponeses desconectados de qualquer condição de vida
compatível com o dragão que cresce há mais dois dígitos por ano? Para esses últimos
atores, os novos meios ainda não representam qualquer linguagem e, portanto, nada há
para acrescentar a tais populações campesinas.
O Presidente Lula: blog, twitter e home page – mas eles não tem cheiro e nem
choram
Existe uma canção em ritmo de forró, que fala sobre saudade e é muito famosa
no Nordeste do Brasil; ela diz assim: “como é que eu vou dizer no meu computador se a
home page não tem cheiro e nem chora da alegria da saudade do amor que o tempo
nunca leva embora...”5 o Presidente Lula parece entender bem o recado do poeta
popular e desde a sua primeira eleição faz questão de romper as barreiras wireless, que
distanciam grande parte dos camponeses do interior do Brasil da informação, e por isso
faz corpo a corpo com esse eleitorado – uma de suas principais bases de votos.
5 A canção intitulada “Minha Home Page” é interpretada e foi composta pelo músico caruaruense Petrúcio Amorim.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
11 1
É bem verdade que os assessores dele anunciaram em 2009 a criação do blog
presidencial e sua participação no twitter, “mas esses instrumentos não tem cheiro e
nem choram.” Pior: não produzem votos.
A afirmação feita acima é corroborada pelo relato de dois repórteres que cobrem
as viagens feitas pelo Presidente da República e trabalham em importantes jornais
brasileiros6. Os jornalistas contam a emoção de Dona Odete, uma mulher de cerca de
sessenta anos, moradora da cidade natal de Lula, Caetés em Pernambuco, distante cerca
de 250KM do Recife.
A emoção da vendedora ambulante tem uma razão: o discurso de Lula que o
aproxima a cada momento do seu interlocutor, como afirma Luiz Dulci7. Conforme
Dulci, Lula chega mesmo a tratar alguns dos presentes pelo nome, usar metáforas bem
conhecidas, chorar. Para a sua conterrânea: “Ele não é como os outros – nem parece
Presidente – para mim – é como um compadre... Ele fala e a gente entende”. Dona
Odete é analfabeta, como cerca de dez por cento dos brasileiros. Computador – internet
– blogs – twitter são algo com pouco ou mesmo nenhum significado para ela.
Entra em ação neste instante o que resolvemos intitular folkcomunicação
política8, mais que uma estratégia de marketing político, um componente vivo do
discurso daqueles que viveram envoltos em uma condição campesina semelhante ao da
emocionada personagem descrita há pouco. Nesse contexto vamos ao encontro da
abordagem de Gadini9 em torno da temática, bem como do clássico conceito de
comunicação popular defendido por Beltrão.
Defendemos, assim, que o garoto, o torneiro mecânico, o sindicalista...afinal,
todos esses sujeitos habitam um único indivíduo hoje: Luís Inácio Lula da Silva – o
estadista global10.
6 Os repórteres trabalham para os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, os seus relatos estão no livro que publicaram: Viagens Com o Presidente. 7 Luiz Dulci é ministro do governo Lula e secretário geral da Presidência da República. Professor licenciado da Universidade Federal de Minas Gerais é um dos responsáveis por escrever os discursos presidenciais. O relato foi feito durante conferência internacional realizada em setembro de 2009 na praia de Japaratinga em Alagoas da qual participaram também a docente desta disciplina, a Profa. Dra. Karla Patriota e a orientadora do autor deste artigo, a Profa. Dra. Isaltina Gomes. 8 O autor do artigo assinou o verbete folkcomunicação política na enciclopédia de comunicação, obra que vem sendo organizada pela Profa. Dra. Marialva Barbosa. 9 O Prof. Dr. Sérgio Luiz Gadini tem uma série de estudos em que reforça questões discutidas ao longo deste estudo. Ver maishttps://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/AUM/.../985 10 Prêmio conquistado pelo Presidente no Fórum de Davos na Suíça em janeiro de 2010. Por motivo de saúde, o Presidente não pôde participar da cerimônia, tendo sido representado pelo chanceler Celso Amorim.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
12 1
Se precisamos estar em constato com os outros, é evidente que a comunicação é essencial para a vida humana e a organização social. Também é óbvio que, desde o começo de nossa existência, participamos do complexo processo de adquirir regras de comunicação e pô-las em prática. Na maioria das vezes, não discutimos os códigos e os modos de usá-los; simplesmente nos comunicamos através deles (AGUIAR, 2004, p. 24).
Essa falta de familiaridade com os novos meios, no entanto, não é exclusividade
dos pobres e iletrados, o parlamentar Pedro Simon, da mesma faixa etária da
pernambucana, parece pouco à vontade com as terminologias do ciberespaço. O repórter
Danilo Gentili do CQC11 perguntou a Simon em pleno corredor do Congresso Nacional
se ele tinha Orkut e twitter, depois de pensar por alguns instantes e meio atônito veio a
resposta (com cara séria!): “Tenho, tenho... ta tudo no meu gabinete.”
Há pouco mais de dois anos em conferência no Brasil, o pesquisador de
comunicação Maxwell McCombs12 foi questionado por um membro da plateia sobre a
viabilidade de estudar os efeitos das novas tecnologias na formação da agenda pública.
McCombs sorriu e disse que já havia pesquisado sobre o tema e a resposta muitas vezes
era: “mas – o que é um blog?”. Isso nos Estados Unidos! Como a velocidade
tecnológica é absurda, mesmo em um espaço de tempo tão curto, é fácil crer num
contexto diferente hoje, mas não totalmente incorporado à vida de cidadãos do mundo
inteiro, como os exemplos brasileiro, chinês e norte-americano atestam.
Na política brasileira há fatos que mesmo parecendo um clichê seriam cômicos
caso não fossem trágicos, como os milhões de reais desviados para suposta distribuição
de panetones no natal13, entre tantos outros casos que poderiam render inúmeros
protestos e mobilizações de norte a sul do Brasil graças à circulação de mensagens SMS
ou através do ciberspaço. Não rendeu.
No contexto Brasil as discrepâncias apontadas desde o próprio título deste artigo
ganham força e muitos aspectos ajudam a chegar a essa constatação. O país domina uma
das mais avançadas tecnologias para a contagem de votos no mundo – Recife e
Campina Grande na Paraíba tem centros de excelência em informática, exportando
software para grandes companhias do setor ao redor do planeta, entretanto, todo esse
avanço permanece distante do ativismo político-social brasileiro. 11 O programa CQC é um misto de jornalismo com sátira política e vai ao ar às segundas-feiras na Band; a entrevista ocorreu em meados de setembro de 2009. 12 A conferência foi promovida em novembro de 2007 pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco; o autor deste artigo participou como interprete de Maxwell McCombs no referido evento. 13 Essa denúncia recai sobre o atual governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, que acusado de fraudes monetárias se defendeu afirmando que utilizaria o dinheiro em questão para doar panetones no natal de 2009.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
13 1
De volta à questão Lula, merece destaque a equilibrada análise de Sodré (2002)
a respeito dos candidatos que por disporem de espaço na mídia são mais bem sucedidos
que os outros nas campanhas eleitorais. As colocações do autor reforçam o que este
artigo defende, ou seja, o atual Presidente da República do Brasil por seu caráter e apelo
fortemente populares tende a manter suas estratégias comunicacionais focadas na mídia
massiva convencional e mesmo na folkcomunicação política.
[...]alguém pode votar num político simplesmente porque ele aparece, no modo quase-presente da imagem, ocupando o espaço publicitário que lhe foi reservado pelas disposições da legislação eleitoral. Ou seja, porque o outro existe num espaço valorizado (a mídia), o que o torna legitimado pelo regime de visibilidade pública hegemônico. O slogan da Internet – “o que não está na Internet simplesmente não existe” – aplica-se igualmente à mídia tradicional. Daí a disputa acirrada dos partidos – nos países em que há um horário eleitoral reservado gratuitamente a políticos – por minutos a mais na televisão (SODRÉ, 2002, pp28-29).
Sodré (2002) faz importante ressalva acerca do “aparecer na mídia”; em sua
análise fica visível a necessidade urgente de uma comunicação horizontal entre o
político e o seu público. Defende-se neste estudo que essa estrutura de linguagem é o
que fornece uma identidade ao homem público capaz de torná-lo interessante ao
eleitorado.
Não basta, por exemplo, a visibilidade pura e simples de um indivíduo na mídia – a excessiva exposição de sua imagem na tevê ou nos jornais. É preciso que se apele para todo um arsenal de identificações entre a imagem e a audiência, a fim de se obter efeitos, não mais apenas projetivos, como no caso do entretenimento clássico, e sim de reconhecimento narcísico de si mesmo no “espelho” tecnocultural. Por isto constam do imaginário midiático motivações características de modos de funcionamento tradicionais, como preocupações com segurança existencial, religião e família. Estes são elementos e valores ressignificados pelos dispositivos tecnoculturais em função da imagem pública que se deseja construir (SODRÉ, 2002,pp34-35).
.
Diante das colocações de Sodré (2002) torna-se ainda mais visível a estratégia
de comunicação e imagem adotadas pelo candidato e, hoje Presidente da República,
Lula. Sodré (2002) reflete sobre a importância de uma imagem publicitária para o
homem público, o que no caso de Lula está mais relacionada a aspectos marcadamente
populares do que cibernéticos ou acadêmicos, por exemplo. É a partir dessas colocações
que este artigo reitera a defesa de que novos meios são acessórios – e não o fim do
discurso e da postura empregados pelo chefe da nação.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
14 1
Afinal, é pouco provável que a maioria dos agricultores do interior do país
troquem e-mails entre si e discutam a respeito dos blogs criados por compadres das
cidades vizinhas, ao invés disso, é certo que ouvem o rádio – assistem ao Jornal
Nacional e, acima de tudo, entendem o que o “compadre” Lula quer dizer e a imagem
que busca construir a cada discurso ou entrevista. Assim, conforme, Sodré (2002) tudo
tende a confluir para a imagem publicitária como valor coletivo, o que pode tornar a
interpretação cênica da realidade mais importante do que qualquer modo tradicional de
representação.Ainda de acordo com o estudioso, publicamente, importa mais a
capacidade pessoal de gerar espetáculo (telegenia, histrionismo, agressividade bem
dosada, etc.), portanto, a performatividade midiática, do que conteúdos programáticos.
Este artigo, apesar da latente defesa de que os meios convencionais são as
principais fontes de comunicação horizontal entre Lula e o seu público eleitor,
especialmente o de origem menos abastada e com menor acesso à educação formal,
entende a relevância dos novos meios como instrumentos de pressão político-social
desde que haja uma cultura propícia a tal comportamento por parte da sociedade. É com
base nessa ressalva, que o estudioso vai ao encontro da pesquisadora Vera Chaia14, que
aponta a barreira cultural como um dos grandes entraves brasileiros à utilização da
internet como instrumento de à mobilização dos cidadãos no tocante a questões
políticas.
Da mesma forma que este autor, Vera Chaia, não se define como ciberotimista
tampouco como cibercética, mas demonstra um ponto de equilíbrio entre esses dois
pólos. Entendemos que existe o fator cultural como elemento responsável pelas
mobilizações de ordem política e social em países como Coréia do Sul – Espanha e
mesmo Irã. Apesar de advogar uma postura equilibrada sobre a sua visão dos novos
meios, Chaia, levanta questões que podem soar polêmicas no universo acadêmico: “a
internet não vai mudar a política brasileira” – afirma a pesquisadora. De acordo.
Bruce Sterling15, um reconhecido especialista em redes cibernéticas, levanta um
pensamento muito pertinente e com o qual estamos de acordo: “Quem quiser sobreviver
politicamente vai ter que ter a capacidade de pôr seu assunto na cara do público e
convencer as pessoas a tentar entender o que está acontecendo.” 14 Vera Chaia é cientista política fez seu pós-doutorado na Universidad Rey Juan Carlos na Espanha onde estudou o uso da internet na disputa presidencial daquele país em março de 2008. Atualmente a estudiosa é coordenadora do Núcleo de Estudos em Arte – Mídia e Política (Neamp) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ver entrevista com Vera Chaia (Istoé 2073 – 05/08/2009). 15 Afirmação feita na Folha de São Paulo de 17/07/1994 e obtida na obra Reinventando a Cultura de Muniz Sodré (1996)
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
15 1
É isso que se percebe no processo de comunicação empreendido pelo Presidente
da República. Junto aos seus assessores, Lula se incorpora às novas tecnologias através
da construção de um blog e mesmo da participação no twitter. Não é demais reforçar
que a inclusão digital presidencial é uma tentativa de gerir informações e se comunicar
de modo horizontal com os diferentes atores sociais e através dos mais distintos canais.
Cabe neste instante refletir sobre discursos16 do próprio Lula, que demonstram
um equilíbrio saudável entre o papel da internet e a relevância das tradicionais formas
de se comunicar, como as cartas – por exemplo. “Pode ter internet, pode ter e-mail,
pode ter o que quiser, a carta é insubstituível, a carta é uma coisa sagrada, é uma coisa
que a pessoa escreveu de próprio punho, às vezes errou, riscou, mas lá vai a cartinha, às
vezes tem até uma lágrima.”
Em 2005, mesmo ano em que Lula deu esse depoimento em tom de saudosismo
acerca das “cartinhas”, aponta a internet como uma das prioridades de caráter social do
seu governo: “Nosso governo está igualmente empenhado na implementação de ações
com o objetivo de ampliar a inclusão digital. Destaco o programa Casa Brasil, que é um
dos mais ousados de inclusão digital e social, voltado para a população de baixa renda
sem acesso individual à internet.”
Em ano eleitoral a comunicação precisa e expressiva é ainda mais necessária aos
que buscam o acesso ao poder. Defendemos assim, que a emoção – expressão e
precisão, em um país de cultura tão particular como o nosso, são os veículos que
realmente sustentam plataformas políticas. Cabe repetir um trecho de música
anteriormente exposto neste artigo: “a home page nem tem cheiro nem chora...” e – por
fim – no Brasil a internet não tem ainda as condições necessárias para promover
mobilizações políticas relevantes e muito menos alterações nas estruturas do poder.
Por fim, somos partidários do pensamento levantado por Sodré (1996) de que o
aumento quantitativo da informação não diminui o analfabetismo absoluto ou funcional
e de que o incremento da tecnologia na vida cotidiana não promove necessariamente a
melhoria das condições humanas. Consideramos, no entanto, a validade de tais
mecanismos como instrumentos de mobilização de grande utilidade e relevância;
capazes de auxiliar em processos de emancipação social em sociedades maduras o
suficiente para utilização dos novos meios com linguagem, senão emocionada, ao
menos eficaz e – acima de tudo – revolucionária. Isso é comunicação social.
16 Todos os discursos do Presidente Lula aqui expostos foram retirados da obra de Ali Kamel (2009) – Dicionário Lula
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010
16 1
REFERÊNCIAS
AGUIAR, V. O verbal e o não verbal. São Paulo: UNESP, 2004.
CASTELLS, M; FERNÁNDEZ-ARDÈVOL, M; QIU,J; SEY,A. Mobile
Communication and Society. Cambridge: The MIT Press, 2007
CEBRIÁN, J. A Rede. São Paulo: Summus, 1999.
EISENSTEIN, E.A revolução da cultura impressa. São Paulo: Ática, 1998.
FAUSTO NETO, A. VERÓN, E. (ORGS.). Lula presidente: televisão e política na
campanha eleitoral. São Paulo: Hacker, 2003.
GUIZZO, J. Lula Luís Inácio da Silva entrevistas e discursos. Guarulhos: O Repórter
de Guarulhos, 1981.
JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
KAMEL, A. Dicionário Lula. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
KOCH, I. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2003.
MORAES, D. A batalha da mídia. Rio de Janeiro: Pão e rosas, 2009.
SCOLESE, Eduardo; NOSSA, Leonencio. Viagens com o Presidente. Rio de Janeiro:
Record, 2006.
SODRÉ, M; Reinventando a Cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis:
Vozes, 1996.
__________. A antropologia do espelho: uma teoria da comunicação linear em
rede. Petrópolis: Vozes, 2002.